UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS CÂMPUS DE MARÍLIA ISABELLA RODRIGUES GUILHERME NACIONALISMOMODERADO: O MOVIMENTO CULTURAL NA PENÍNSULA DA COREIA DURANTE A OCUPAÇÃO JAPONESA (1910-1945) MARÍLIA Dezembro de 2023 1 ISABELLA RODRIGUES GUILHERME NACIONALISMOMODERADO: O MOVIMENTO CULTURAL NA PENÍNSULA DA COREIA DURANTE A OCUPAÇÃO JAPONESA (1910-1945) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Conselho de Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP (Campus de Marília), para a obtenção do título de Bacharela em Relações Internacionais. Orientador: Dr. Rafael Salatini de Almeida. MARÍLIA Dezembro de 2023 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. ISABELLA RODRIGUES GUILHERME Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP (Campus de Marília) BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________ Orientador: Dr. Rafael Salatini de Almeida (UNESP – Marília) __________________________________________________ 1ª Examinadora: Ma. Ariel da Silva Parrilha (UNESP – Marília) ___________________________________________________ 2ª Examinadora: Dnda. Gabrielle Custódio Carinheno (UNESP – Marília) Dezembro de 2023 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer profundamente a todos aqueles que, conscientemente ou não, me ajudaram a ter forças e ânimo para iniciar, permanecer e agora terminar esse caminho tão importante de minha vida. Agradeço à minha família, em especial minha mãe, Natalina Rodrigues Salomão, meu pai Josias Guilherme e meu irmão Leonardo Rodrigues Guilherme, pelo incentivo e infinito auxílio para que eu estudasse em uma universidade em outra cidade. Obrigada por sempre acreditarem em meu potencial. Agradeço aos amigos que fiz nessa nova jornada dentro da Faculdade de Filosofia e Ciências, Gabi, Mari, Malu, Gorfinho, Bia e Rangel, com quem eu compartilhei as dores, angústias, euforias, felicidade e sonhos. Obrigada por me acolherem e me acompanharem nos momentos difíceis e fáceis e por me fazerem ter belas e eternas memórias desse período. Agradeço aos amigos mais distantes, Paula, Mik e Gus, que me apoiaram nesse novo caminho e não deixaram com que eu me sentisse só, mesmo a quilômetros de distância. Obrigada por serem tão presentes e me fazerem sentir que sou capaz. Agradeço ao Prof. Dr. Rafael Salatini, pela disposição, desde o primeiro momento, de me acompanhar nesse período. Obrigada pela orientação, suporte e apoio dado durante todo o processo do presente trabalho acadêmico. Under Japanese imperialism if Chosŏn people shouted “Long Live Independence!” Japanese policeman would come and take them away Japanese prosecutors interrogated them Japanese judges put them on trial (Trecho de um poema de Kim Nam-ju, traduzido por Kevin Michael Smith) RESUMO: Em 1910, o Japão anexou a Coreia aos seus domínios, dando início a um período colonial de 35 anos e interrompendo o processo de um nacionalismo moderno que se desenvolvia na península coreana desde meados do século XIX. Paradoxalmente, foi no mesmo período que com o sentimento anti-japonês flamejante e a mudança na política japonesa dentro da região, o nacionalismo coreano renasceu. Dentro desse contexto, os intelectuais mais moderados, que alegavam perseguir uma independência política gradual, inauguram um movimento cultural. É dentro dessa conjuntura, que o presente trabalho através de uma pesquisa bibliográfica secundária e uma correlação de autores, procura analisar a presença do nacionalismo coreano, em específico o nacionalismo moderado/cultural coreano. Para se alcançar tal análise, um exame do contexto pré-ocupação da Coreia e do Japão será feito, seguido de uma exposição de como foi o período colonial, o estudo do advento do nacionalismo moderno coreano e, finalmente, a averiguação do movimento cultural. Isto posto, tem-se como resultado e entende-se que os intelectuais mais moderados, que alegavam perseguir uma independência política gradual, inauguram um movimento cultural. Dessa forma, tirando proveito de uma maior abertura na vida organizacional e na publicação e criação de alguns jornais, revistas e periódicos a partir de 1920, os nacionalistas coreanos elaboraram programas focados na construção de uma universidade nacional, na sistematização e padronização da língua vernácula e na prosperidade da produção coreana. Esses programas eram uma tentativa de alcançar um desenvolvimento social, cultural e econômico, que, de acordo com os conceitos e ideais que esses intelectuais adquiriram de teorias ocidentais, eram estritamente necessários para a reconstrução da nação, que era essencial antes da conquista da independência política. Ao fim, o movimento nacionalista coreano propriamente dito não conseguiu angariar apoio e apelo público suficiente e recebeu muitas críticas da ala esquerdista do mesmo. Assim, tal ala do movimento não demorou a falhar e expor certa fragilidade do movimento nacionalista moderno coreano que parecia, dentro dos padrões ocidentais, ainda estar em procedimento de formação e amadurecimento. PALAVRAS-CHAVES: Coreia do Sul; nacionalismo; nacionalismo cultural; reconstrução nacional; língua vernácula. ABSTRACT: In 1910, Japan annexed Korea to its domains, beginning a 35-year colonial period and interrupting the process of modern nationalism that had been developing on the Korean peninsula since the mid-19th century. Paradoxically, it was in the same period that with flaming anti-Japanese sentiment and the change in Japanese policy within the region, the Korean nationalism was reborn. It is within this context that the present work, through secondary bibliographical research and a correlation of authors, seeks to analyze the presence of Korean nationalism, specifically Korean moderate/cultural nationalism. To achieve this analysis, an examination of the pre-occupation context of Korea and Japan will be made, followed by an exposition of what the colonial period was like, the study of the advent of modern Korean nationalism and, finally, the investigation of the cultural movement. That said, the result is that the more moderate intellectuals, who claimed to pursue gradual political independence, inaugurated a cultural movement. Within this context, more moderate intellectuals, who claimed to pursue gradual political independence, inaugurated a cultural movement. In this way, taking advantage of greater openness in organizational life and the publication and creation of some newspapers, magazines and periodicals from 1920 onwards, Korean nationalists developed programs focused on the construction of a national university, the systematization and standardization of the vernacular language and in the prosperity of Korean production. These programs were an attempt to achieve social, cultural and economic development, which, according to the concepts and ideals that these intellectuals acquired from Western theories, were strictly necessary for the reconstruction of the nation, which was essential before the achievement of political independence. In the end, the Korean nationalist movement itself failed to garner sufficient support and public appeal and received much criticism from its left wing. Thus, this wing of the movement did not take long to fail and expose a certain fragility of the modern Korean nationalist movement that seemed, according to Western standards, to still be in the process of formation and maturation. KEYWORDS: South Korea; nationalism; cultural nationalism; national reconstruction; vernacular language. SUMÁRIO Introdução 10 Capítulo 1: O imperialismo japonês em ação 13 1.1 O contexto pré-ocupação (1868-1910) 13 1.2 As primeiras décadas da ocupação (1910-1931) 18 1.3 A volta da repressão e controle militar (1931-1945) 23 Capítulo 2: O nacionalismo moderno coreano 28 2.1 O surgimento do nacionalismo moderno coreano 28 2.1.1 O golpe de Kapsin e a Rebelião Tonghak 30 2.1.2 O clube da independência 34 2.1.3 O iluminismo coreano 37 2.1.4 Queda no período colonial 42 Capítulo 3: O movimento cultural em ação 48 3. 1 O nacionalismo cultural no período colonial 48 3.1.1 O renascimento do nacionalismo 48 3.1.2 A ascensão do movimento cultural nacionalista 49 3.1.3 Tratado sobre a reconstrução da nação 52 3.1.4 Programas e movimentos nacionalistas culturais 55 3.1.4.1 Movimento universitário 56 3.1.4.2 O movimento linguístico 57 3.1.4.3 O movimento de produção coreana 59 3.1.5 Resultados do movimento nacionalista cultural no período colonial 61 3.2 O nacionalismo coreano pós ocupação (1945-1990) 63 3.3 O nacionalismo na Coreia contemporânea 67 Considerações Finais 70 Referências Bibliográficas 75 Introdução A Coreia do Sul1 é um país do leste asiático, conhecido atualmente pela disseminação global de sua cultura e pelos conflitos históricos que perpetuaram a península coreana como um todo, durante o final do século XIX e todo o século XX, e modificaram profundamente sua história e sociedade. Dentre tais conflitos, apesar do foco atual existente ser mais incisivo nos confrontos com a Coreia do Norte, ressaltam-se aqueles conflagrados com o Japão, que se salientaram em 1910, quando a nação nipônica anexou a península coreana, ainda unificada, a seus domínios, dando início a um período colonial de 35 anos. Dentro desse período, evidencia-se, nessa conjuntura, o comportamento imperialista japonês, com atitudes que são reflexos das tensões nas relações entre ambos os países, e das críticas da sociedade sul-coreana ao governo japonês. Não somente, as consequências dessas atitudes têm efeitos dentro do nacionalismo na Coreia do Sul, tendo-o modificado de forma profunda, uma vez que a ocupação japonesa possuía a intenção de apagamento nacional do povo coreano e destruição da Coreia como nação. É dentro desse contexto que, ao ter em nota as ações japonesas dentro da ocupação da península coreana, pretende-se analisar o nacionalismo coreano, em específico a presença do nacionalismo cultural/moderado nesse ambiente. Para tal, no primeiro capítulo, propõe-se examinar, em um primeiro momento, a situação de ambos os países envolvidos, Coreia e Japão, antes da ocupação, para, em um segundo momento, estudar o percurso de 1910 a 1945, e, assim, entender como foi essa colônia e como era feito esse dito apagamento nacional e tentativa de aniquilação da nação pela ocupação japonesa. Em seguida, no segundo capítulo, o advento do nacionalismo moderno coreano será desenvolvido com a identificação de seus principais momentos, para que, assim, haja uma compreensão maior para chegarmos ao nacionalismo cultural, ponto principal da presente monografia acadêmica. 1 Apesar da maior parte do estudo do trabalho ser dentro do contexto pré Guerra da Coreia, onde a divisão da península não havia ocorrido ainda, o nacionalismo moderado/cultural é mais ligado a Coreia do Sul, pois como afirma Robinson (2014), o surgimento da divisão e discussão dentro do nacionalismo na Coreia na década de 1920, entre o radical e moderado, serviu para destacar e criar as raízes históricas do que se tornou uma Coreia dividida depois de 1945. 10 Já dentro da questão cultural nacionalista, em nosso terceiro e último capítulo, tentaremos esmiuçar esse movimento na Coreia, destacando seu surgimento, desenvolvimento, e eventuais conquistas ou falhas, correlacionando sua existência ao período da ocupação japonesa e ao progresso que o movimento como um todo (nacionalismo) teve até aquele momento. Ainda que o cerne da presente monografia seja o estudo no contexto geral da ocupação japonesa na Coreia, ao final desse mesmo capítulo, avançaremos um pouco para além do ano de 1945, caminhando até a contemporaneidade, para se ter uma observação do estado do nacionalismo coreano, em evidência o sul-coreano, após a libertação nacional, e, assim, verificar possíveis mudanças de ação e comportamento dentro dessa agenda nacionalista. Por fim, na conclusão, retomaremos as análises obtidas nos capítulos anteriores e apresentaremos as considerações finais a respeito das políticas japonesas na península coreana, para, sobretudo, concluir sobre o desenvolvimento e ação do movimento cultural, explorando o progresso do próprio nacionalismo no país. Ainda, abriremos igualmente um pequeno espaço para uma análise que vai além do desígnio da presente monografia, com uma interpretação fora do escopo do trabalho, onde se intenciona estimular futuras pesquisas no tópico. Dessa forma, conforme comentado, a Coreia do Sul atualmente compartilha um grande holofote dentro da indústria do entretenimento, o que atrai cada vez mais curiosidade sobre o país e sua cultura, e, mesmo que o foco do presente trabalho acadêmico, não seja caracterizar e discorrer sobre a cultura sul-coreana nesses termos, acredita-se que a reflexão sobre essa questão dentro de um período delicado da história do país se faz necessário para uma maior compreensão igualmente sobre o mesmo. Outrossim, um estudo que passa por um período histórico conflituoso é relevante para a compreensão de possíveis tensões atuais naquela região geopolítica. Dessarte, mesmo que, atualmente, Japão e Coreia do Sul mantenham relações diplomáticas harmoniosas, ainda existem certas tensões, fundamentalmente dentro da sociedade, quando se é recordado o início do século XX. Assim, é expressivo o estudo desse objeto para a contribuição do entendimento das relações internacionais gerais entre Japão e Coreia do Sul e também das manifestações sul-coreanas nacionalistas atuais. 11 Interessante, ainda, ponderar que, sendo um país estrangeiro com uma língua muito pouco difundida no Brasil, o embate com referências se mostra uma considerável barreira acadêmica e o escopo de bibliografias secundárias em português acerca do assunto, ou temáticas semelhantes, não é muito vasto, com grande parte dos artigos e essencialmente livros sendo em outros idiomas, como o castelhano e o inglês. Assim sendo, o presente trabalho acadêmico pretende contribuir igualmente para um aumento dessa bibliografia secundária e facilitar o início de outras pesquisas correlacionadas ao presente que possam doravante surgir em nossa academia. Para a realização da presente monografia acadêmica, fizemos o uso de pesquisas bibliográficas a respeito do nacionalismo coreano e sul-coreano e da ocupação japonesa. Assim, dentro do sítio de buscas indexadas Google Acadêmico, usamos o operador booleano AND (Coreia AND nacionalismo), para restringir nossas buscas e selecionar os resultados mais relevantes. Após esse processo, usamos o banco de dados JSTOR, para obter mais referências secundárias, especialmente em inglês, com a mesma técnica (Korea AND nationalism), a partir do que obtivemos uma série de resultados academicamente interessantes dentre os quais colhemos os mais relevantes para a presente pesquisa acadêmica. Acrescentando-se, ainda, na mesma base de dados e mantendo o uso do operador booleano utilizamos Korea AND nationalism culturalism, para obter produtos mais precisos sobre nossa temática de pesquisa acadêmica mais específica. Por fim, com os artigos, teses, dissertações e outros materiais acadêmicos escolhidos, fizemos uma correlação de autores que apareciam com frequência como referenciais do assunto, acrescentando dessa forma às referências das pesquisas livros específicos que tratam da temática geral da presente pesquisa de conclusão de curso acadêmico em Relações Internacionais. 12 CAPÍTULO 1: O imperialismo japonês em ação 1.1 O contexto pré-ocupação (1868-1910) É importante, para um maior entendimento do assunto, analisarmos um pouco dos contextos, principalmente em que o Japão, por conta da sua expansão que leva posteriormente à ocupação da Coreia, encontrava-se no período final do século XIX e início do XX. Por muito tempo (1603-1868), o país foi governado pelo clã Tokugawa, que tinha uma política isolacionista, pela qual a nação não só não possuía relações com outras culturas, mas também era proibido o acesso de estrangeiros ao país e a saída de japoneses para o exterior (Miyazaki, 2002). Isso passou a mudar um pouco, ainda dentro da dominação Tokugawa, quando em 1858 houve a abertura dos portos para outras nações, o que possibilitou que os japoneses começassem a ter contatos com outros povos. Concedendo-lhes, entre outros direitos, formalmente a abertura de alguns portos, a realização do comércio externo, baixas taxas de importação – estabelecidas em 5 por cento para a maior parte dos produtos – e a inclusão da cláusula de nação mais favorecida unilateral, ou seja, no Japão, privilégios obtidos por um país seriam automaticamente dados para os outros, sem contrapartida aos japoneses. (Miyazaki, 2002, p. 23) O isolacionismo que dominou o Japão por muito tempo, mesmo com a abertura dos portos, ainda era muito defendido por uma parte conservadora da população, que entrava em conflito com uma outra parcela chamada de vanguardista, que apoiava essa relação com o mundo ocidental (Gaudioso, 2019). Em linhas gerais, esses dois grupos – “conservadores” e “vanguardistas” – enfrentaram-se, sendo que o segundo grupo saiu vitorioso, surgindo assim em 1868 um novo governo, dando início à Restauração Meiji, momento quando diversas transformações passaram a acontecer no Japão. Acrescenta-se que a Restauração Meiji também é nomeada como o início da modernização japonesa. Logo em 1871, o governo japonês dissolveu os feudos, chamados de han, o que levou também ao fim dos lordes feudais (daimyo), começando nesse momento a transição de uma economia feudal para uma economia industrial. Nesse período, “o Estado [japonês] voltou-se mais ativamente para a construção de uma infraestrutura que preparou as bases para a moderna indústria, comércio e finanças que foram indispensáveis para o rápido desenvolvimento do país” (Crawcour, 1988, p. 385 apud Abreu, 2016. p. 84). 13 Com o maior contato com o Ocidente, o Japão passou a absorver a tecnologia deste, aplicando-as de acordo com seus objetivos. Isso serviu para a aprimoração de sua defesa nacional, uma vez que o país focou em se fortalecer para combater os poderes estrangeiros que cresciam em territórios ao seu redor e que os deixava vulneráveis. Não somente isso, mas a utilização de tecnologias ocidentais, e consequente modernização, não foram as únicas estratégias japonesas. Para manter seu território, poder e independência, o país passou a agir da mesma forma que as nações ocidentais, iniciando uma expansão pelo leste asiático (Miyazaki, 2002). No caso coreano, a última dinastia antes do período colonial foi a Yi (1392-1897), que governou dentro de uma monarquia autoritária e absoluta. Com os longos anos de poder centralizado e certa autonomia política, a população coreana nessa época era homogênea linguística e culturalmente e a enorme estabilidade da dinastia se deu pelo único sistema social e político e o comando da elite yangban2 no sistema administrativo público (Robinson, 2014). Dessa forma, o poder equilibrava-se entre a monarquia e essa elite, o que não deixava brechas para uma política descentralizada e o aprofundamento desta na sociedade rural. Não obstante, mesmo com toda essa organização, a população não era separada da governança e nem internacionalmente dividida em termos raciais, linguísticos e culturais, visto que os muitos anos de poucas migrações para dentro do país criou uma península com uma população homogênea (Robinson, 2014). Ao longo dos anos de governo, muito alicerçado em ortodoxias confucianas, alguns valores sociais foram se modificando e isso acabou alcançando as massas que emularam os valores da elite como direito familiar, cultos aos ancestrais, etc. Contudo, esse possível senso geral de solidariedade étnica não acontecia de fato, uma vez que a elite participava da cultura cosmopolita do leste asiático, que pedia maior familiarização com o chines, seja sua escrita, literatura, filosofia ou pensamento social. A elite coreana baseava a educação de seus filhos nos clássicos do Confúcio, na poesia chinesas e nas habilidades de escrita em chinês clássico […] As grandes casas dos yangban da Dinastia Yi seguiam meticulosamente rituais familiares confucionistas e até mesmo as relações entre as famílias yangban e os indivíduos era orientada pelas adesão estritas de regras de etiqueta 2 Os yangban eram uma elite desse período da história coreana, tal como uma aristocracia, que se mantinha através de seus privilégios, posses de terras e a utilização das ideias confucianas para a manutenção e legitimação de seu status e dos interesses econômicos. 14 fortemente influenciada pelas normas chinesas. (Robinson, 2014, p. 42, tradução nossa3) A partir desse momento, essa elite agora participava da cultura cosmopolita cultural, mas, por ser algo estrangeiro, automaticamente continha um outro idioma, o que afastou e separou a classe dominante da dinastia Yi do restante da população. Robinson (2014) descreve que, na segunda metade do século XIX, mais precisamente em 1860, o conjunto dos problemas internos, como rebeliões camponesas, problemas de corrupção, falta de balanço no poder aristocrata, o desafio de católicos e novos movimentos religiosos ao estado da ortodoxia do Confúcio e as mudanças no mundo internacional, iniciaram o enfraquecimento da dinastia Yi, de modo que que a estabilidade consolidada por tantos anos não existia mais. Uma série de reformas foram iniciadas, a partir da ascensão de Kojong ao trono, em 1864, e de seu pai, Heungseon Daewongun ao título de príncipe regente, Gran Prince (Taewongun), que reafirmou as políticas tradicionais e isolacionistas, além de revigorar a defesa militar do país. Domesticamente, esse programa de reformas falhou em restabelecer o equilíbrio original de forças sociais e políticas que tinham enfraquecido a monarquia anteriormente. Consequentemente, isso afetou a habilidade coreana de lidar com o aumento dos perigos internacionais, em principal, o que será tratado aqui, as forças nipônicas. Com o restabelecimento do governo Meiji, as mudanças modernizadoras não passaram a acontecer somente no Japão, mas também na Coreia, China e em outros países do continente. Pelo fato de o governo Meiji possuir traços ocidentais, o que ia totalmente contra os ventos que sopravam na região na época, os japoneses encontraram dificuldades para conquistar o reconhecimento coreano, que era muito importante pela posição estratégica da península, uma vez que a maior parte dos contatos japoneses com o continente asiático aconteciam através dessa península (Oh, 1983). Desse modo, não ter o reconhecimento da Coreia, ou até mesmo se ela fosse dominada por outro país, seria uma possibilidade perigosa para o Japão. 3 Original: “The Korean elite based the education of their children on the Confucian classics, Chinese poetry, and writing skills in classical Chinese […] The great houses of the Yi yangban followed meticulously formal Confucian family ritual, and relations between yangban families and individuals were governed by strict adherence to rules of etiquette strongly influenced by Chinese norms”. 15 Com isso, os japoneses passaram ao longo dos anos a buscar um maior relacionamento com e até mesmo controle da Coreia. Logo um ano depois da Restauração Meiji, em 1869, um enviado japonês chegou a Busan para anunciar o governo, no entanto os coreanos recusaram a recebê-lo por sentirem-se ofendidos com a ideia de uma instalação imperial no país. “A recusa coreana de receber a notificação da restauração do governo imperial era altamente ofensiva para os novos líderes do Japão, que visavam garantir o apoio coreano de todo modo" (Oliveira, 2019, p. 03). Assim, foi-se muito discutido pelos líderes Meiji como prosseguir diante dessa situação. Em 1873, debateram sobre uma invasão militar, que ocorreu no ano de 1875, quando os japoneses desembarcaram em Kanghwa com forte demonstração do seu poderio militar e exigiram a rendição da Coreia e a abertura das relações diplomáticas e comerciais (Martin, 2018). Tal situação mostra como aquelas reformas iniciadas pelo príncipe regente, assim como domesticamente, falharam igualmente no âmbito internacional. Diante dessa situação, o governo coreano viu-se de mãos atadas, o que levou à assinatura do Tratado de Kanghwa, no mesmo ano da chegada japonesa, que, além de reconhecer o governo japonês, abria para eles os seus portos e para o seu benefício, ao mesmo na teoria, o reconhecia como um Estado independente da China. No entanto, ao analisar o modo como prosseguiram as relações entre ambos os países, vê-se que cada um dos quais interpretou a assinatura do tratado ao seu modo, sendo que o modo japonês foi o que prevaleceu. [...] a Coreia entendeu que retomaria a relação diplomática tradicional com Japão, ao passo que o Japão se orgulhava de ter conseguido debilitar um dos pilares da ordem do mundo Leste-Asiático […] os portos coreanos foram abertos, pela primeira vez em 1882 para os EUA, a partir do Tratado de Paz, Amizade e Comércio entre os dois países, seguido de tratados similares com Grã-Bretanha e Alemanha (1883), Itália e Rússia (1884) e França (1886). (Kim, 2005 apud Martins, 2018, p. 38) Para alguns pesquisadores desse momento da história coreana, como Olivera (2019, p.183), esse tratado significou “o fim do isolamento e permitiu a invasiva política japonesa na Coreia, anexando o país [com] a invasão imperialista da Coreia”. A partir desse momento, o Japão passava a constituir cada vez mais controle sob a península coreana, não o compartilhando nem o dividindo com o governo coreano. Nesse contexto, até a consolidação de fato da ocupação, em 1910, os japoneses tiveram seu primeiro enclave com a China e também com a Rússia. 16 Com os chineses, a situação evoluiu para um combate quando as duas nações tiveram sua atenção chamada para o território coreano, para conter os grupos rebeldes que tentavam lutar e aplicar um golpe de Estado, e um conflito pelo domínio da região se instaurou. Saindo o Japão como vitorioso, os dois países tiveram que firmar o Tratado de Shimonoseki, pelo qual a China teve que ceder Taiwan e reconhecer a independência da Coreia, além de pagar reparações da guerra e abrir mais portos para os japoneses (Miyazaki, 2002). Dentro da península, o lado vencedor deixou os reform-minded, grupo de oficiais que almejavam reformá-la através de políticas nacionalistas – nos padrões japoneses – e a modernizar com ações sociais e econômicas, sob o controle da Coreia (Martin, 2018). Com os russos, o embate teve início com a indignação dos yangban4 com tais reformas, nomeadas Reformas Kabo, que buscaram apoio da Rússia, o que levou ao princípio de uma forte influência russa no território coreano, principalmente quando o Rei Kojong, rei da Coreia no período, após a rainha Min ter sido morta, buscou a proteção dos russos, com o temor dos planejamentos japoneses para tomar o poder e o mando na legislação coreana. Tal situação, em conjunto a outros confrontos, levou à Guerra Russo-Japonesa5 (1904-1905), da qual a nação japonesa, com apoio britânico e estadunidense, saiu também vitoriosa, levando consigo o domínio de ferrovias, ilhas na Manchúria e o da Coreia. As duas nações assinaram acordos entre 1906-1916, os quais fortaleceram a posição japonesa na península coreana e na Manchúria (Miyazaki, 2002). Com o claro domínio da Coreia e livre dos outros países que poderiam estar interessados na região, o Japão, em novembro de 1905, assinou um tratado com aquele país, tornando-o seu protetorado. Um residente geral japonês foi enviado a Seul e, com amplo acesso ao império coreano, ele ficaria responsável pelas políticas diplomáticas da Coreia, conquanto sua autoridade tenha se expandido para um controle de todas as questões administrativas do país (Seth, 2020). Posteriormente, em 1910, um outro tratado foi assinado, agora firmando a anexação e absorção da Coreia pelo Japão. 5 O embate russo-japonês, assentou-se também pela contínua presença de tropas russas na Manchúria, mesmo após o fim da guerra contra os boxers – sociedade secreta que recebia apoio da Dinastia Qing –, que, em acréscimo com a influência na península coreana, era considerado um risco para os japoneses. Inicialmente, foi feita uma tentativa de resolução diplomática, mas a tensão se perpetuou e em 1904, pela conferência imperial japonesa, a guerra foi decidida e afirmada. 4 Os yangban, composto por oficiais, eram um dos quatro estratos da sociedade coreana dentro da dinastia Chosun. 17 1.2 As primeiras décadas da ocupação (1910-1931) O governo colonial japonês na Coreia encerrou o império coreano do Rei Kojong que governou por treze anos (1897-1910), e a península era agora comandado por generais e almirantes que obedeciam e eram escolhidos pelo imperador japonês. O governador-geral era o responsável pelas decisões mais significativas no âmbito administrativo, econômico e judicial, assim como na mobilização de tropas no país e em sua política externa (Buzo, 2002), configurando-se como a posição de máximo poder. Em linhas gerais, tal governo era primordialmente centralizado, direto, intensivo e organizado de cima para baixo, em um moderno edifício elaborado à frente do salão do trono do principal palácio da dinastia Choson, o palácio Kyongbok. Para auxiliar no comando, em 1910, o governador-geral tinha consigo cerca de 10 mil oficiais, esse número chegando a mais de 87 mil em 1937. Além disso, o governo japonês contratou 6 mil militares e civis para servirem como policiais – metade destes sendo coreanos –, os quais exerceram funções que iam de julgar os presos por delitos menores até a coleta de impostos, supervisão da irrigação, controle de água, cumprimento das regulamentações de saúde, atuação como oficiais de informação pública, etc. Isso servia não só para manter o controle da península coreana, mas também era um dos modos usados para aumentar a autoridade japonesa na região. “Para enfatizar sua autoridade, oficiais japoneses, e até mesmo professores nas escolas, usavam espadas, enquanto os coreanos não tinham permissão para possuir nenhum tipo de arma” (Seth, 2020, p. 286, tradução nossa6). Outrossim, durante esse período, o imperialismo japonês auxiliou na formação das bases de instituições econômicas, educacionais e governamentais coreanas, com a rápida construção de ferrovias, que transformaram vilas pacatas em centros urbanos, e a criação de novos centros administrativos, que estimulou o desenvolvimento urbano. No entanto, sua dura e severa autoridade e políticas de assimilação forçada, marcaram de forma negativa e até traumática a vida de muitos cidadãos coreanos (Seth, 2020). Na mente dos japoneses, a Coreia era um país atrasado, não só dentro da questão da modernidade, mas também dentro da área cultural. Como salientou Buzo (2002, p. 17, 6 Original: “To emphasize their authority, Japanese officials, even schoolteachers, wore swords, although Koreans were not allowed to own any type of weapon”. 18 tradução nossa7), “apesar das declarações oficiais de benevolência, o japonês médio, seja na Coreia ou no Japão propriamente dito, via a Coreia e os coreanos com desprezo e frequentemente tratava os coreanos com severidade”. Ou seja, o sentimento de superioridade não era presente somente entre os membros do governo japonês, mas também na população. Desse modo, a primeira década da anexação coreana foi severa, sendo chamada pelos próprios coreanos como “período escuro” (amhǔkki), e foi marcada por dura repressão política, com a intenção de dissolver o restante da elite política e intelectual da dinastia Choson, que sufocou não só a vida política dos cidadãos mas também a cultural. Ainda que, na teoria, os coreanos possuíam os mesmos direitos que os japoneses, na prática, aqueles não exerciam direitos políticos significativos, e não havia representação coreana em nenhum órgão representativo ou consultivo da península coreana (Buzo, 2002). Bem como, não existia liberdade de expressão, pois a imprensa era controlada rigidamente: qualquer reunião pública, que não fosse de natureza política, pois estas eram proibidas, precisava acontecer mediante a autorização da polícia (Seth, 2020). Ademais, além da censura, os coreanos perderam o direito às suas terras, que foram colocadas sob o controle do Governo Geral e vendidas ou, por serem muito férteis, usadas para a produção de arroz para os japoneses, uma vez que o desenvolvimento industrial deles lhe custaram uma escassez crônica do grão (Robinson, 2014). No que tange à educação, em 1910, a Coreia tinha uma infraestrutura escolar bastante significativa, o que, para o Japão, era encarado como um obstáculo em sua missão de encorajar a modernização e a assimilação (Buzo, 2002). Sendo assim, escolas particulares que não seguiam o padrão japonês foram fechadas e as públicas passaram a seguir o sistema educacional do Japão. Vale ainda salientar, que esse novo sistema da educação ia somente até o ensino médio, presumindo-se que, como os japoneses que iriam tomar as rédeas de tudo no país, os coreanos tinham uma necessidade e potencial educacional limitados. Isso fez com que aqueles que tivessem condições, deixassem o país e fossem buscar a educação superior em outros lugares, como até mesmo o Japão. 7 Original: “Despite official professions of benevolence, the average Japanese, whether in Korea or Japan proper, viewed Korea and Koreans with contempt and frequently treated individual Koreans harshly”. 19 Como comentado acima, a ocupação trouxe as bases de algumas instituições, contando que a saúde pública, programas de reflorestamento e controle de enchentes tiveram seus progressos, conquanto a grande massa de coreanos pouco sentia essas transformações. As experiências de que se lembravam eram de desprezo e maus-tratos individuais e coletivos, negação das liberdades civis, censura estrita, expropriação, novos impostos e multas sobre vinhos e tabaco, cultivo forçado de novas safras comerciais e uma avalanche de novos regulamentos cobrindo o abate de animais, cemitérios comuns, coleta de lenha e o licenciamento de praticantes de medicina tradicional (hanyak). (Buzo, 2002, p. 21, tradução nossa8) Certamente, houve movimentos de resistência que tentaram ir contra a situação do país, sendo que falaremos mais adiante de maneira aprofundada sobre alguns, sendo que uns dos mais importantes foi o Movimento de Primeiro de Março de 1919, que tomou grandes proporções nacionais e, mesmo com o mundo aceitando a visão japonesa de uma Coreia “atrasada” e necessitada de “auxílio” eu seu controle, e aceitando a aquisição japonesa, o movimento teve também alguns respaldos internacionais. A situação da Coreia como colônia do Japão não mudou; todavia, algumas ações dentro da península converteram-se. Contudo, não foi somente o Movimento de Primeiro de Março sozinho que causou algumas mudanças no período. Seth (2020) informa que, com a vitória das potências aliadas na Primeira Guerra Mundial (1914-1919), o Japão, que teve sua formação em parte nos moldes prussianos/germânicos, teve que se organizar no que seria, apesar de modesto, um governo democrático liberal, o que respaldou nas ações dentro de suas colônias e dentro da Coreia. O até então governador geral Hasegawa Yoshimichi (mandato em 1916-1919), que comandava de forma dura e severa a península coreana, foi substituído pelo almirante Saito Makoto (mandatos em 1919-1927 e 1929-1931). Iniciava-se agora a chamada “Democracia Taisho” que se estendeu até 1930 e foi o símbolo político que representava essa nova tendência japonesa. [...] o governo do primeiro-ministro [japonês] Hara Takashi emitiu os Regulamentos Orgânicos Revisados do Governo Geral da Coreia em agosto de 1919, que marcou uma mudança na política sob o novo slogan 8 Original: “The experiences they remembered were of individual and collective contempt and ill-treatment, denial of civil liberties, strict censorship, expropriation, new taxes and fines on wines and tobacco, the forced cultivation of new cash crops, and an avalanche of new regulations covering animal slaughtering, common cemeteries, firewood gathering and the licensing of traditional medicine (hanyak) practitioners”. 20 “Harmonia entre o Japão e a Coreia (Nissen yūwa)”. (Seth, 2020, p. 290, tradução nossa9) Sobretudo, é válido ressaltar que muitas das mudanças que ocorreram foram simbólicas: os professores japoneses não mais carregavam espadas, delitos menores deixaram de ser punidos com chibatadas, coreanos que trabalhavam no governo recebiam agora os mesmos salários que japoneses, apesar de ainda ficarem sem o bônus que seus homólogos recebiam, um conselho consultivo com representação coreano foi criado por Makoto e outras transformações ocorreram durante o início da segunda década do século XX. As leis que regulavam enterros, abate de animais e mercados camponeses que interferiam nos costumes tradicionais e causavam grande ressentimento foram abolidas ou modificadas […] Os coreanos foram nomeados para servir em conselhos municipais, distritais e provinciais. Negócios e comércio também foram liberalizados. O governo japonês eliminou as barreiras tarifárias entre o Japão e a Coreia, e o mercado coreano foi aberto ao comércio e investimento japoneses. (Seth, 2020, p. 290, tradução nossa10) Não obstante, essa nova atmosfera era ainda acompanhada pelo esforço do governo imperialista de manter seu controle. Apesar da antiga polícia ter sido extinta, uma nova, chamada Alta Polícia (Kōtō Keisatsu), foi criada. Em conjunto com a construção de centenas de delegacias espalhadas por toda a Coreia, esses novos policiais faziam-se presente na vida ordinária e diária dos cidadãos, obtendo as mesmas funções da anterior como a cobrança de impostos, mas também fazendo a supervisão da coleta e transporte do arroz. Desse modo, a liberdade que parecia ser dada, era limitada (Seth, 2020). Ao mesmo tempo que aumentava sua dominância, o governo japonês também mostrava certa empatia com a cultura coreana, permitindo que alguns intelectuais se expressassem, mas apenas até certo ponto, uma vez que os coreanos não podiam falar livremente sobre a independência do país, motivo de muita ambição dos cidadãos e o foco maior do Movimento de Primeiro de Março, e as críticas ao governo tinham que ser cautelosas. “O não cumprimento disso resultou no banimento de organizações, fechamento de 10 Original: “Laws regulating burials, slaughtering of animals, and peasant markets that interfered with traditional customs and were greatly resented were abolished or modified. Koreans were appointed to serve on city, county, and provincial councils. Business and trade was also liberalized. The Japanese government eliminated the tariff barriers between Japan and Korea, and the Korean market was opened to Japanese trade and investment”. 9 Original: “[...] the government of Prime Minister Hara Takashi issued the Revised Organic Regulations of the Government-General of Korea in August 1919, which marked a change in policy under the new slogan ‘Harmony be-tween Japan and Korea (Nissen yūwa)’”. 21 publicações e prisões. Uma censura rigorosa ainda era realizada e as publicações eram frequentemente fechadas” (Seth, 2020, p. 291, tradução nossa11). Se, anteriormente, na primeira década, a liberdade de expressão já era algo raro, a partir de 1925, com a criação da Lei de Preservação de Paz no Japão, que dava mais autonomia aos policiais para deter qualquer cidadão cuja ação ou fala julgassem ser de tendências revoltosas e subversivas, ela tornou-se ainda mais restrita em paralelo com a ainda mais rigorosa censura, que deixou quase impossível a condução até mesmo de movimentos menores de pró-independência dentro do território coreano. Por conseguinte, Makoto tinha em seu governo uma ideia de que ambos os povos, coreano e japonês, eram da mesma família e tinham, portanto, que ser tratados de maneira igual. Para os japoneses, essa abordagem era benéfica, pois os coreanos poderiam, assim, aceitar mais facilmente as políticas de assimilação e, de um modo geral, a estrutura que se formou com a anexação continuaria a mesma. Diante os acontecimentos, a Coreia, até o fim da década de 1920, havia apresentado certo desenvolvimento econômico. Como destacam Buzo (2002) e Seth (2020), a agricultura tornou-se produtiva e organizada e um setor industrial leve começou a surgir. No entanto, o país ainda era uma colônia, que pagaria suas próprias dívidas e se auto-regularia, tal como os japoneses haviam determinado. Os avanços que ocorreram eram até certo ponto limitados, uma vez que o Japão não queria que a Coreia seguisse totalmente o processo de industrialização que ocorreu com a Restauração Meiji. Assim, o crescimento econômico era quantitativo e não qualitativo, de modo que a península coreana cumpriu seu papel econômico como uma fornecedora “dócil” de matérias-primas e alimentos para o império japonês (Buzo, 2002), e, ao final do período da anexação, em 1945, a mesma, apesar de um crescimento urbano, era ainda principalmente rural, com grande parte dos coreanos enfrentando a pobreza, que em algumas circunstâncias era maior e pior do que a enfrentada no início do período. Sobre o assunto da modernidade, a maioria dos estudiosos afirmam que esse momento da história coreana foi o início de sua modernidade, já que, mesmo forçado, existia o contato com o Japão, que, desde o fim do século XIX, buscava a industrialização e modernizava-se nos parâmetros das potências europeias e dos Estados Unidos. Em específico durante a 11 Original: “Failure to adhere to this resulted in the banning of organizations, the closing of publications, and arrests. A rigorous censorship was still carried out, and publications were frequently shut down”. 22 década de 1920, houve o surgimento de uma nova e moderna elite coreana composta por professores, médicos, funcionários públicos e banqueiros, que se mostrava aberta a novas ideias e eufórica com o mundo moderno (Seth, 2020). Até antes de 1931, apesar de alguns progressos, a Coreia ainda era um país pobre dentro da periferia do império japonês. Existiu certa liberdade após 1919, mas, conforme afirmado, era limitada, e, apesar de, até 1945, toda essa estrutura não ter se modificado, a partir de 1931, a política colonial japonesa sofreu transformações impactantes. 1.3 A volta da repressão e controle militar (1931-1945) No início da década de 1930, o Japão passava por crises sociais, econômicas e políticas. Uma economia cuja exportação dependia primordialmente da agricultura, produtos têxteis e florestais não mais supria as necessidades do país nas importações de manufaturas e tecnologias avançadas. Consequentemente, ao final da década de 1920, o Japão possuía grandes dívidas externas, ao passo que suas reservas cambiais iam diminuindo, de modo que a mão de obra, as comunidades rurais e os pequenos negócios sofreram muito com esse declínio econômico e carregaram o maior fardo dentro desse contexto (Buzo, 2002). Como se não bastasse, os ultranacionalistas no Japão aproveitaram-se dessa situação e seus ideais de que a nação “deveria rejeitar conceitos decadentes e estranhos como individualismo, liberalismo, socialismo e materialismo e se unir em torno de valores japoneses ‘tradicionais’ como frugalidade, lealdade e obediência à autoridade, auto-sacrifício e ordem social adequada” (Buzo, 2002, p. 39, tradução nossa12), incentivaram o descontentamento crescente. Essa ideologia atraiu o apoio de muitas partes da sociedade japonesa, como o governo, as forças armadas e a sociedade civil, e, com as consequências da Grande Depressão (1929), os valores ultranacionalistas se apresentaram como a “solução” para os problemas enfrentados pelo país (Buzo, 2002). Assim, o Japão passou a embarcar em grandes campanhas militares na Manchúria e depois mais a fundo na China. Com isso, o Japão usou suas colônias para satisfazer suas necessidades de guerra. Por conta de sua posição geográfica, estratégica e outros fatores, como a mão de obra barata, 12 Original: “[...] should reject such decadent and alien concepts as individualism, liberalism, socialism and materialism and rally around such ‘traditional’ Japanese values as frugality, loyalty and obedience to authority, self-sacrifice, and proper social order”. 23 completa ausência de legislações ou restrições em relação a fábricas, a Coreia passou a exercer um papel fundamental dentro do império japonês. Com claros interesses próprios, o Japão passou a investir na infraestrutura da península coreana, o sistema férreo foi construído para a movimentação de suas forças armadas e também para fins comerciais. Em relação à indústria, a terceira década do século XX trouxe um enorme avanço neste âmbito dentro do país. Todavia, tal movimentação não trouxe benefícios para a população coreana, com os japoneses obtendo 80% das indústrias coreanas, pois a Guerra Sino-Japonesa (1937-1494) fez com que a política colonial fosse focada na industrialização química para propósitos militares. O primeiro governador-geral da nova década, Ugazi Kazushige (mandatos em 1927 e 1931-1936) foi moderado, quando comparado com outros, e manteve por um tempo a organização estabelecida e desejada por Makoto. Kazushige alegava que a economia coreana não havia sido completamente desenvolvida, por conta do que implementou o Movimento de Ressurgimento e Autoajuda Rural, que gerenciou uma economia auto-suficiente nas comunidades rurais, além de apelar para a utilização de recursos naturais no norte do país e a produção do ouro, que poderia ser utilizado para se adquirir petróleo, cobre e outros materiais estratégicos dos Estados Unidos (Duarte, 2009). Já o general japonês Kuniaki Koiso (com mandato de primeiro-ministro entre 1944-1945) foi bem mais repressivo e fez com que o contexto de forte controle militar antes de 1919 se estabelecesse novamente e em seu governo, de modo que, no ano de 1941, as Normas para a Preservação Provisória da Paz Coreana restringiu a liberdade de imprensa e expressão coreana. Com o forte controle militar de volta, a organização e situação social coreanas foram fortemente afetadas, pois o Japão intensificou mais a exploração do povo coreano, não só para a retomada total do controle e poder no país, mas também para eliminar a identidade nacional coreana e a Coreia como nação. A repressão mais forte iniciada na década de 1930 foi marcada pelas crescentes políticas de assimilação política e cultural, sendo que um dos governadores gerais do momento, Jiro Minami (mandato em 1936-1942), tinha como ambição eliminar quaisquer diferenças existentes entre os dois povos (coreano e japonês). Em certa perspectiva, essa missão é alcançada com um forte apagamento cultural, tendo em vista como exemplo que, a partir de 1940, com a Ordem do Nome, foi iniciado o processo pelo qual eles foram 24 obrigados a adquirir nomes japoneses, e cerca de 84% dos coreanos o fizeram, o que, em uma nação onde a linha familiar antiga era valorizada, foi extremamente humilhante (Seth, 2020). Ademais, no mesmo ano, os jornais em língua coreana foram fechados e a publicação dos livros coreanos foi cessada. Essa restrição ao uso e da escrita coreana atingiu as escolas e o idioma oficial da colônia passou a ser o japonês. [...] os indivíduos eram induzidos a policiar uns aos outros para que nenhum falasse sua língua materna, quando não eram agredidos e não recebiam materiais e apostilas nas escolas. Ademais, os alunos eram obrigados a reproduzir a ideologia imperial japonesa como sempre se curvar em direção ao palácio do imperador e distribuir propaganda imperialista japonesa nas ruas. (Rodrigues, 2021, p. 11) Essas políticas de assimilação eram aplicadas em todas as colônias pelo Império do Japão e tinham como principal objetivo trazer e manter a Ásia Ocidental para debaixo de seus “braços”. Acrescentando-se que também foram utilizados programas para assegurar a obediência total dos coreanos, e, em meio às guerras – Guerra da Manchúria (1931-1945), Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e Guerra do Pacífico (1941-1945) –, o governo japonês iniciou programas para que os coreanos fossem voluntários para lutar pelo Japão. Contudo, como os números de voluntários não eram satisfatórios, o Estado tornou obrigatória a inscrição para o serviço militar, fossem homens ou mulheres, e a educação tornou-se altamente militarizada e regulamentada (Seth, 2020). É válido e interessante observar que, em conjunto com as políticas de assimilação, ainda durante o governo de Minami, a Coreia e Taiwan, ambas colônias japonesas, em determinado tempo passaram a ser consideradas partes do próprio Japão, visto que, em 1941, quando foi criado o Ministério Maior da Ásia Ocidental, que administrava todos os assuntos dos territórios das colônias, as duas colônias não foram incluídas, e passaram a ser administradas pelo próprio Ministério de Temas Internos do Japão (Duarte, 2009). Não obstante, o regime colonial mostra-se contraditório, pois, apesar dessas políticas e estruturas administrativas, as identidades e status distintos ainda eram mantidos, em especial no tratamento e para dizer que os coreanos eram súditos subordinados e inferiores. Todos os documentos públicos, registros escolares e formulários de emprego listavam o sobrenome original, bem como o local de nascimento e o clã. Os relatórios oficiais faziam uma clara distinção entre os povos “peninsulares” e os japoneses da “pátria”. (Seth, 2020, p. 316, tradução nossa13) 13 Original: “All public documents, school records, and job applications listed the original family name as well as the place of birth and the clan. Official reports made a clear dis-tinction between ‘peninsular’ people and ‘homeland’ Japanese”. 25 Essa contradição era presente entre os próprios japoneses, que não tinham certeza de qual era o tipo de relação entre eles e os coreanos; no entanto, isso não anulou nem diminuiu os impactos das políticas e ações do império na colônia. Buzo (2002) afirma que, no início de 1940, era muito razoável dizer que o Japão iria conseguir eliminar a Coreia como uma nação cultural separada e identificável, pensar em qualquer reconstituição futura era algo impossível e somente a derrota militar japonesa em 1945 evitou que algo assim acontecesse. Após o fim da Guerra do Pacífico (1941-1945), iniciaram o sistema de “mulheres de conforto”, pelo qual mulheres coreanas eram usadas como escravas sexuais, como um modo não somente de manter o controle e disciplina, mas para combater o sentimento “anti-japonês” dos povos colonizados, e não só destruir e humilhar a identidade das mulheres, mas de todo o povo (Rodrigues, 2021). Esse sistema foi iniciado durante a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) e passou a ser organizado na península pelo Japão após o incidente de 28 de janeiro de 1937, quando o Japão invadiu Xangai. Normalmente, as mulheres de classes mais baixas, entre os 11 e 24 anos, eram os principais alvos; no entanto, as pertencentes de classes mais altas, apesar de terem baixas chances de se tornarem escravas, ainda não estavam totalmente a salvo desse martírio, sendo abordadas quando estavam sozinhas, enganadas por falsas promessas ou vendidas pelos pais, também enganados, e no fim acabavam em acampamentos militares japoneses. É importante salientar que esse sistema não era algo realizado somente pelos soldados, considerando que o governo japonês não só tinha noção da ocorrência desses atos, mas ainda era diretamente ligado e responsável por esse sistema, além do que eles tinham um “cuidado” para não deixar que doenças proliferassem pelas chamadas “estações de conforto” e os bordéis militares (Rodrigues, 2021). É difícil se saber a quantidade exata de vítimas desse sistema, mas estimam-se que o número varia entre 80 mil a 280 mil mulheres, sendo 80% destas coreanas, que eram vistas somente como recursos para a guerra, enquanto as japonesas, também inseridas dentro de todo esse esquema de escravidão sexual, tinham que cumprir a missão de gerar as próximas gerações de soldados japoneses. Com esse pensamento, é fácil concluir que a nacionalidade era um fator importante na expansão militar japonesa: [...] indicava o grau de crueldade e violência que essas mulheres seriam subjugadas [...] Os regulamentos e as regras do funcionamento dos bordéis eram determinados de acordo com a organização de cada estação, mas a 26 hierarquia de nacionalidade era rigorosamente ligada à patente militar.” (Rodrigues, 2021, p. 04) De certo, esse recurso de guerra e arma de controle sobre os povos das colônias, em específico os coreanos, trouxe benefícios para o Japão em seu acúmulo de capital e dependência econômica; todavia, mesmo nos dias atuais, é colocado como uma das questões mais controversas do período colonial. “De muitas maneiras, [a escravidão sexual de mulheres durante a expansão militar japonesa] simboliza a brutalidade e a exploração do colonialismo japonês em seu pior aspecto” (Seth, 2020, p. 315, tradução nossa14). Após a rendição do Japão para os Estados Unidos, em 1945, a Coreia entra em um novo momento, com as presenças estadunidense e soviética em seu território, que levou posteriormente à Guerra da Coreia (1950-1953), conquanto ela não mais fosse uma colônia do império japonês. 14 Original: “In many ways it symbolizes the brutality and exploitation of Japanese colonialism at its worst”. 27 CAPÍTULO 2: O nacionalismo moderno coreano 2.1 O surgimento do nacionalismo moderno coreano Para compreender o surgimento do nacionalismo na Coreia, é necessário primeiro entender o que é e o que significa “nacionalismo” e os outros temas ligados a ele, uma vez que esses termos são relevantes para a construção do presente trabalho. Não existe uma resposta universal e unânime para a pergunta sobre o que seria nacionalismo, havendo centenas de autores que trabalharam e trabalham com a construção de diversas concepções sobre esse termo. Não somente, no caso da Coreia, as ideias de nacionalismo e nação são ainda mais diversas e complicadas, quando se pensa na divisão da península entre Norte e Sul e a Guerra da Coreia (1950-1953). Em acréscimo, Seo Joon-seok, em seu livro Korean nationalism betrayed (2007), afirma que o nacionalismo coreano tem seu próprio e único dilema, já que várias questões da história moderna e contemporânea da Coreia não foram estudadas de forma aprofundada, além de que os estudos que foram feitos nesta área terem sido feitos de forma subjetiva, sem se referirem a estudos anteriores na área. Salienta Seo (2007), ainda, que as complicações para estudar tal temática, também se dão pelo fato das ligações entre a história da Coreia pré-moderna e a da Coreia moderna não terem sido devidamente analisadas ou demonstradas de forma coordenada. Contudo, desde de o ano em que Seo publicou seu livro e o ano em que este foi traduzido para o inglês, quase duas décadas se passaram e mais pesquisas sobre o assunto foram realizadas. Dessarte, temos agora mais referências para subsidiar estudos mais precisos, ainda que incompletamente, acerca da nação e nacionalismo coreanos. Com a ideia de que, neste trabalho, trabalharemos com o nacionalismo pré-ocupação e durante a ocupação japonesa na Coreia, não só Seth (2020) diz que os nacionalistas coreanos carregavam um sentimento muito forte de lealdade para uma nação coreana, que era definida por sua cultura distinta, história e herança, mas Shin (2006) expõe que o orgulho nacional coreano parte de uma identidade baseada em uma linhagem sanguínea comum e na ascendência compartilhada. No mais, Lee (2020) define “nação” como um agregado de indivíduos unidos por laços políticos de raça, religião, língua e/ou tradição. Nessa linha, Gellner (1983) expressa que qualquer definição de “nação” em termos de cultura compartilhada traz consigo uma 28 captura muito rica, definindo, ainda, que as “nações” não são entidades naturais, mas, pelo contrário, são produtos da transformação social e cultural, ou seja, uma construção social que se baseia em uma cultura distintiva compartilhada, que é moldada pela modernização e industrialização15. Não só isso, essa construção social que são as nações é feita por “uma ação da elite que assumiu o Estado no século XIX” (Gellner, 1983 apud Oliveira, 2021, p. 59). Essa visão no contexto coreano faz sentido, pois, como veremos, o início do nacionalismo – aqui, usaremos a definição do Instituto Real de Assuntos Internos ressaltada por Lee (2020), que explica que o “nacionalismo” é uma consciência de indivíduos de pertencerem a uma nação e/ou desejo de promover a liberdade e soberania de uma nação – na Coreia na era moderna se iniciou entre intelectuais que faziam parte de uma certa elite, que tentavam modificar a Coreia em meio à queda da dinastia e a tradição firmada por tantos séculos. Tal situação permaneceu dentro dessa camada por um tempo, até que começasse a se expandir para outras classes e as massas e, de acordo com Hobsbawm (1990), é realmente isso que acontece com a questão da consciência nacional, que se desenvolve de maneiras diferentes, sendo que as massas só são atingidas por ela posteriormente. Um outro autor muito conhecido em toda essa discussão é Benedict Anderson, que em Comunidades imaginadas (2008), fundamenta que a língua desempenha uma função essencial no desenvolvimento da consciência nacional, e a língua vernácula na qual os jornais passam a ser escritos exerce certa influência e possibilita que as reivindicações e ideais nacionalistas chegassem também para as massas. Chu Sigyŏng (1876-1914), um pioneiro da padronização das regras gramaticais e ortográficas coreanas, compartilhava dessa ideia, ao acreditar que a linguagem era uma forma fundamental de expressão da identidade nacional (Seth, 2020). Em suma, Gellner (1993) afirma que nacionalismo é uma teoria que oferece legitimidade política, sendo que as barreiras étnicas não podem ultrapassar as barreiras políticas e não devem separar os que estão no poder dos demais dentro de um Estado. Na história da Coreia, no século XIX, a dinastia coreana ainda se mantinha no poder, mas, com a exposição do país para o mundo ocidental, e, posteriormente, com o imperialismo japonês invadindo e controlando a península, as barreiras étnicas passavam a separar os que estavam 15 Nos estudos acerca do nacionalismo 29 no poder (Japão) dos que estavam sendo governados (Coreia). Com efeito, a ocupação japonesa se mostrou como uma violação ao princípio nacionalista. Existe uma forma particular de violação do princípio nacionalista à qual o sentimento nacionalista é particularmente sensível: se os governantes da unidade política pertencem a uma nação que não seja a da maioria dos governados, isto, para os nacionalistas, constitui uma violação notavelmente intolerável da propriedade política. (Gellner, 1993, p. 01) Outrossim, acerca da etnicidade, a identidade nacional coreana é baseada na homogeneidade étnica, sendo que Hobsbawm (1990) defende que a identidade étnica é ligada à origem e descendência comum e, como destacado, os coreanos veem a Coreia como uma nação unitária, com sangue, território, língua, cultura e destino histórico comuns por milhares de anos (Pang, 1992 apud Shin, 2006), o que determina seu povo. Embora a maioria dos historiadores defenda que o nacionalismo é um conceito moderno nascido no Ocidente no final do século XVIII e no século XIX, os coreanos há muito têm a consciência de viver numa sociedade com com fronteiras físicas e culturais claras, de ter uma língua e costumes partilhados e de sendo um povo unido por uma dinastia governante. (Seth, 2020 p. 268, tradução nossa16) Com tudo isso em vista, e já estabelecido um pouco sobre o nacionalismo na Coreia, é sensato que agora vejamos como esse fenômeno surgiu e foi se eclodindo pela península, desde anos antes da colonização, com o princípio da queda da dinastia, até seu aumento e queda no período colonial. 2.1.1 O golpe de Kapsin e a Rebelião Tonghak Durante a segunda metade do século XIX, já perto do seu fim, em resposta às ameaças internacional à ordem política e social tradicional da dinastia Yi, as autoridades desta tinham em mente um modo de resposta a essa ameaça que consistia em preservar a autonomia política e a integridade cultural, através da revitalização do sistema tradicional. Nesse mesmo período, há o nascimento de uma nova elite progressista, que, apesar de compartilhar da ideia de mantimento da autoridade política coreana, tinha concepções diferentes do que constituía uma nação e de como alcançar esse objetivo. É a partir da aí que passa a nascer uma elite intelectual moderna nacionalista na Coreia. 16 Original: “While most historians have argued that nationalism is a modern concept born in the West in the late eighteenth and nineteenth centuries, Koreans have long had an awareness of living in a society with clear physical and cultural boundaries, of having a shared language and shared customs, of being a people united by a ruling dynasty”. 30 Com o início do declínio da dinastia, a partir de 1876, uma forte insatisfação se espalhou pela península coreana. Para manter o sistema em sua forma presente, reformas passavam a assolar o governo e os progressistas tinham propostas espelhadas no modelo japonês e no seu bem sucedido programa de modernização, o que não era aprovado pela parcela conservadora da sociedade. Mas, em contraposto, Kojong não era tão contrário à ideia, tendo organizado uma missão secreta – para evitar protestos dessa parte da população – ao Japão, para coletar informações sobre as instituições governamentais modernas, fábricas e acordos internacionais. O teor secreto da missão não se manteve por muito tempo e logo a credibilidade da dinastia como protetora dos valores confucianos passou a ser questionada, o que só foi controlado por uma repressão forte e até mesmo a morte de alguns protestantes progressistas (Robinson, 2014). A situação da dinastia se desestabilizava cada vez mais e, como já pontuado, os motins que aconteciam no país levaram à intervenção chinesa na Coreia, o que fez o governo ser monitorado de perto pelos chineses. Consequentemente à política pesada da China, que de maneira óbvia servia para proteger seus próprios interesses, serviu para estimular uma reação nacionalista coreana, visto que a contínua ingerência japonesa na península coreana era vista de forma alarmante por um pequeno grupo moderno chamado partido iluminista (Kaehwadang) ou partido progressista (Chindobang) (Robinson, 2014). Esse partido era composto por jovens oficiais e alguns dos primeiros coreanos que viajaram e estudaram no exterior eram liderados por Kim Okkyun e Park Yonghyo. O enfoque era transformar de maneira profunda não só o governo, mas a sociedade coreana, visto que, mesmo ocupando alguns postos dentro do governo, esses progressistas estavam frustrados com a lentidão com que as mudanças se davam, o que, em conjunto com a invasão das tropas chinesas, intensificou a frustração que se transformava em desespero. Em 1884, Okkyun e Yonghyo, junto com seu partido, tinham a convicção de que mudanças seguindo ainda dentro do sistema tradicional não seriam possíveis, de modo que eles organizaram um plano, colocado em prática no dia 04 de dezembro daquele ano. Nesse dia, eles prenderam o rei e assassinaram seis líderes conservadores, com o que planejavam trabalhar através do monarca e elaborar um amplo programa de reformas sociais e políticas. Tal acontecimento foi chamado de Golpe de Kapsin. 31 Em linhas gerais, esse ato não teve apoio popular, militar e estrangeiro – a dependência do apoio nipônico minava a justificativa patriota – e, portanto, fracassou (Robinson, 2014). Essa derrota deixou um legado amargo para Okkyun, principalmente no papel do golpe em reestruturar o país através das reformas. “As táticas sangrentas do golpe mancharam a imagem da reforma aos olhos dos oficiais e do público. E também alienou Kojong, até então simpático, da causa progressista” (Robinson, 2014, p. 49, tradução nossa17). Outrossim, se anteriormente o Japão era visto como um modelo a se seguir, em relação à sua modernidade, as consequências da falha do golpe, mesmo que de forma mais indireta, desacreditaram a nação japonesa, aos olhos dos coreanos, como referência de reforma. Em vista disso, depois de 1884, com os efeitos dessas ocorrências e a reafirmação da influência chinesa, a velocidade de mudanças na península coreana diminuiu, o que encorajou os conservadores e dificultou mais ainda o contato do país com o mundo exterior. Não obstante, as chamas do nacionalismo moderno coreano aumentavam, mesmo que os progressistas acreditassem que a nação coreana poderia ser refeita dentro do sistema tradicional, ou, na sua falta, de que a reforma poderia ser imposta de cima para baixo, marcasse seu fracasso final, além de como ressaltado acima, a dependência deles do apoio do exército japonês ofuscasse o compromisso com a autonomia coreana, é dentro desse programa que são estabelecidas as origens do nacionalismo moderno coreano. Mais uma década se passou, com agravamento das condições internacionais e domésticas, até um outro programa de reformas emergir em 1894. A rebelião Tonghak foi uma reforma camponesa popular, iniciada dentro de um movimento religioso que começou em 1860, como uma reação à influência das ideias cristãs e ocidentais na Coreia (Robinson, 2014). Na época, os Tonghak foram perseguidos e vistos como hereges, mesmo com a afirmação de ideias tradicionais e da insistência de que a dinastia defendia os preceitos confucionistas, todavia, isso não impediu que a organização única e o apelo espiritual do movimento fomentasse o seu crescimento nas década de 1870 e 1880. Com feito, dentro da década de 1890, um contexto de aumento da pobreza rural, da repressão e uma propensão de rebeliões auxiliou a ascensão da religião tonghak, que, em 17 Original: “The bloody tactics of the coup besmirched the image of reform in the eyes of officials and the public alike. It also alienated Kojong, heretofore sympathetic, from the progressive cause”. 32 1893, organizou uma petição para legalizá-la, que foi recusada por funcionários locais e do trono, o que, por sua vez, transformou essa tentativa dos Tonghak em uma forte demanda por reformas de grande escala, endereçadas aos problemas de corrupção do governo, os privilégios yangban, a pobreza rural e o crescimento da presença estrangeira no país18 (Robinson, 2014). Mesmo a fé sendo uma mistura de elementos religiosos que incluíam alguns elementos cristão, o nome tonghak, quando traduzido literalmente significa “Ensinamento oriental” e comemora as raízes coreanas em oposição ao Sŏhak (ensinamento/aprendizado ocidental), então quando se discute o nacionalismo coreano, a rebelião Tonghak aparece quase sempre como figura de destaque. A rebelião tinha suas demandas e enfatizava a lealdade à monarquia e ao sistema político tradicional, o que pode levar à conclusão de que não se diferenciavam muito de outras semelhantes em anos anteriores. No entanto, pelo contrário, não só ela levantou muitas questões acerca da igualdade social e equidade econômica, o que era algo único e histórico nas rebeliões camponesas coreanas, mas ainda os pensamentos claramente anti-estrangeiros, que usavam para enfatizar seu patriotismo, introduzindo um teor nacionalismo singular ao movimento. Não somente: Representou uma reação em massa às amplas mudanças na vida rural provocadas pela intrusão do capitalismo sob a forma de corretores de arroz japoneses, comerciantes chineses e comerciantes ocidentais. Também sinalizou a insatisfação em massa com a aparente incapacidade do governo coreano de evitar invasões políticas e econômicas estrangeiras. (Robinson, 2014, p. 52, tradução nossa19) Salienta-se ainda que o legado e a base da fé tonghak não se manteve somente entre os camponeses, expandindo-se para além, chegando em muitos intelectuais nacionalistas da classe média, que se juntaram ao movimento, atraídos pela sua teologia de exclusividade coreana. Após o fim da guerra sino-japonesa, iria emergir um novo movimento de reforma, que questionaria a eficácia do sistema político tradicional de salvar a nação do colapso total. Em 19 Original: “It represented a mass reaction to broad changes in rural life brought about by the intrusion of capitalism in the form of Japanese rice brokers, Chinese merchants, and Western traders. It also signaled mass dissatisfaction with the Korean government's seeming inability to stave off foreign political and economic encroachment”. 18 Nesse momento, os Tonghak conseguiram mobilizar um grande exército camponês e foram dispersos apenas com grande dificuldade pelas tropas governamentais, que foram aumentadas pelas forças japonesas enviadas para a Coreia durante a crise, desencadeando, segundo Robinson (2014), a Guerra Sino-Japonesa de 1895. 33 termos intelectuais, Robinson (2014) argumenta que o florescimento do nacionalismo coreano moderno pode ser datado desse período. 2.1.2 O clube da independência Enquanto o Japão travava uma batalha pelo controle coreano com a China, os japoneses impuseram uma série de reformas políticas e sociais na Coreia, que foram chamadas de Reformas Kabo (1893-1894). Em geral, a reforma não foi bem-sucedida, visto que o patrocínio estrangeiro e a lentidão conservadora impactaram de forma negativa o programa e as mudanças que poderiam trazer, que eram voltadas para instituições sociais e políticas e sugeriam a abolição da escravidão (a única proposta aderida em conjunto com o sistema de exames), a proibição de práticas sociais confucionistas, a modificação do concurso público, entre outras (Robinson, 2014). Paralelamente, a tripla intervenção (Rússia, Alemanha e França) não apenas afetou seriamente a Reforma Kabo, como também foi um golpe sério para os interesses nipônicos no leste asiático. Nos anos seguintes à guerra, a dinastia coreana assinou alguns acordos, referentes à exploração de recursos minerais e de desenvolvimento de ferrovias, com potências ocidentais, o que aproximava mais a península coreana do mundo exterior, mas não apoiava a concepção da soberania coreana, pelo contrário, era uma estratégia que só fazia permanecer o esgotamento e destruição desta. Em 1896, a fuga do rei Kojong para a Rússia foi o ponto baixo de toda essa situação e é dentro de todo esse contexto que nasce o Clube da Independência, que, tendo em vista o objetivo de força nacional, entendia que o caminho para tal residia na manipulação de símbolos nacionais para encorajar o apoio patriótico do público ao governo e as reformas do sistema político nos moldes do modelo ocidental do Estado-nação (Robinson, 2014). Apesar de utilizarem uma abordagem contrária dos progressistas de uma década antes, optando por não procurar por nenhum protetor ou defensor externo para sua causa, muitos membros do antigo partido progressista se juntaram à causa do clube criado por Sô Chaep’il (também conhecido por seu nome anglicano, Philip Jaisohn), que ansiava por propagar as novas ideias e encorajar o envolvimento público nos negócios políticos da Coreia. Assim sendo, os membros do Clube da Independência embarcaram em uma campanha para difundir apoio para a causa da verdadeira independência coreana, não só dentro do governo, mas também entre o público geral. 34 Dentre as inúmeras atividades do clube, Sô encorajou a publicação de um jornal para encorajar o patriotismo e a participação política, além de divulgar o conhecimento do mundo ocidental. Posteriormente, essas atividades se ampliaram para discussões de reformas políticas, sociais e programas educacionais, e, logo em seu primeiro ano, o clube promoveu projetos simbólicos que podiam alcançar e gerar apoio de toda a população, como a construção e renomeação de uma sala de reuniões, Independence Hall, no local da antiga embaixada chinesa (Robinson, 2014). Ainda, em 1897, o Clube da Independência liderou um movimento para que Kojong se declarasse imperador e renomeasse a península de Reino da Coreia (Chosŏn wangguk), titulação concedida pelos chineses no começo da dinastia, para Império da Coreia (Taehan Cheguk). Todas essas ações focadas no uso de símbolos patriotas já eram e ficaram ainda mais populares na corte, e o clube, em seu início, começou a ganhar apoio financeiro do rei. Por mais que o início tenha sido otimista, nem todos os programas de Sô eram populares. A publicação do jornal The Independent (Tongnip Sinmun) foi vista como algo suspeito por alguns oficiais e funcionários, já que, para fazê-lo mais acessível para as massas coreanas, usava em seu script o hangul, que, embora inventado em 1443, não era a língua escrita oficial da corte e da literatura dos yangban, sendo este o chinês clássico (Robinson, 2014). Não somente, a língua do jornal não era a única contestação, pois autoridades conservadoras igualmente o impugnaram de vulgar e humilhante, além de criticarem o seu tom radical, por conta do seu conteúdo patriota, que era visto por eles como heterodoxo. Acrescenta-se que o clube também flertava com a desaprovação oficial, quando denunciava a influência estrangeira nas cortes. Apoiar a dinastia não era um problema, mas a discussão pública das políticas do Estado era monopólio da elite (Robinson, 2014). Além disso, ele também defendia e discutia assuntos que não eram tão falados e populares na época: Defendeu a exploração indígena de recursos nacionais e apoiou a educação técnica para desenvolver a experiência coreana na construção ferroviária e na mineração Também preocupavam com a garantia da autonomia política e a tendência do tribunal de depender de poderosos patronos estrangeiros. (Robinson, 2014, p. 57, tradução nossa20) 20 Original: “It advocated indigenous exploitation of national resources, and supported technical education to develop Korean expertise in railroad construction and mining. They also worried about the court’s tendency to depend on powerful foreign patrons to insure political autonomy”. 35 É válido ressaltar que a defesa de uma política independente de estrangeiros difundida pelo Clube da Independência não era uma repetição da xenofobia e isolacionismo das décadas anteriores, pois as críticas feitas eram baseadas em um cosmopolitismo que procurava se juntar ao, e não se excluir do, mundo moderno dos Estados-nação (Robinson, 2014). Os líderes ressaltavam a importância de aprender com o mundo estrangeiro e aplicar esses novos ensinamentos e conhecimentos em projetos que iriam fortalecer o Estado em seus assuntos. Ademais, os editoriais do jornal inclusive discutiam o papel das pessoas em governos representativos no outro lado do mundo, assim como os conceitos de uma monarquia constitucional e uma transição para um governo representativo espreitavam sob esses temas escritos pelo clube. Outrossim, debates públicos eram realizados onde assuntos públicos do governo e problemas que a nação enfrentava, desde a eficácia da iluminação das ruas em reduzir o crime até assuntos políticos mais “significantes”, como um governo representante, eram abordados (Robinson, 2014). No último ano da existência do clube, essas discussões, que contavam com a presença de milhares, provocaram a ira de oficiais e o crescimento da convicção destes de que o objetivo final do Clube da Independência era a destruição da própria monarquia. De certo, as táticas do clube sinalizavam o advento do nacionalismo moderno na Coreia. “As crenças de que a Coreia constituía uma nação entre as outras no sistema mundial de Estados-nação era explícita nos programas de ação do clube” (Robinson, 2014, p. 58, tradução nossa21). Dessa maneira, o constante ataque contra a mentalidade tradicional da sadae (de servir o grande, que era a China, em relação às potências externas) e a promoção de símbolos nacionais para expressar a independência do país ressaltaram as convicções crescentes dos oficiais. Em suma, o nacionalismo do clube pode ser e foi caracterizado pela compilação de uma história nacional, o uso de uma linguagem que era própria do país, o hangul, como um símbolo da identidade nacional e um dispositivo de comunicação e a defesa da participação no governo através de funcionários eletivos e comícios públicos (Robinson, 2014). No entanto, Robinson (2014) também salienta que, mesmo que o clube falasse sobre a participação pública no meio político, abraçasse símbolos nacionais e apelasse para o apoio 21 Original: “The belief that Korea constituted a nation among others in a world system of nation-states was explicit in the club’s program of action”. 36 patriótico, uma grande falha dele era o fato de ser muito elitista, pois o âmbito das suas atividades nunca se expandiu para além da participação de uma pequena minoria de intelectuais progressistas. Os líderes tinham uma compreensão clara da importância das massas, mas, com exceção dos debates públicos, o clube tinha pouco tempo, ou mesmo inclinação, para desenvolver uma base de seguidores verdadeiramente de massa. Ao saber da “missão” do clube e suas ações, não é um mistério por que o reino acabou com ele apenas em seu segundo ano de existência. Apesar do seu interesse em aumentar seu prestígio e poder através do uso de símbolos nacionais, o rei ainda era dependente dos oficiais que deviam seu poder ao sistema político tradicional. Assim, Kojong optou por defender a teoria da autoridade real, por mais limitada que fosse na realidade, em vez de abrir o sistema político à participação política (Robinson, 2014). No entanto, o fim do clube, que acabou igualmente com o movimento de reforma de 1896-1898, teve um efeito dramático no clima intelectual da Coreia. Em sua curta existência, [o clube] liderou a causa da investigação intelectual sobre as fontes fundamentais do poder ocidental e introduziu questões importantes como o papel do povo na legitimação do poder do Estado e a importância e o poder potencial da participação pública no governo. (Robinson, 2014, p. 60, tradução própria22) Nos anos seguintes do exílio de Sô e o fim definitivo do clube, a Coreia enfrentava uma crise nacional, que serviu como inspiração a um amplo movimento cultural e intelectual conhecido como iluminismo coreano. 2.1.3 O iluminismo coreano Sem dúvida, o amplo movimento intelectual e educacional, em que temas nacionalistas eram centrais, conhecido como iluminismo coreano, remonta ao movimento progressista da década de 1880. A rápida extensão de interesse no mundo exterior entre intelectuais passou a circular na última década da dinastia Yi e se manifestou pela criação de sociedades de estudos, publicações e o estabelecimento de escolas especializadas em matérias ocidentais, sendo esse o “novo conhecimento/aprendizado”. 22 Original: “In its short existence, it spearheaded the cause of intellectual inquiry into the fundamental sources of Western power and introduced important issues such as the role of the people in legitimating state power and the importance and potential power of public participation in government”. 37 Paralelamente, o crescimento da noção da crise nacional, em conjunto com as mudanças importantes no sistema educacional, o surgimento de uma imprensa pública e o aumento de viagens para o exterior de estudantes ampliaram o movimento (Robinson, 2014). Partindo dos anos após o fim do Clube da Independência, o iluminismo se tornou um movimento verdadeiramente nacional, que era estimulado pelo crescimento da imprensa em língua coreana, uma transformação significativa, dado que jornais anteriormente na Coreia eram publicações internas para os oficiais (Robinson, 2014). Essa mudança se iniciou com o The Independent, com o Clube da Independência, que criou um precedente para o desenvolvimento de uma imprensa popular, seguido pelo Capitol Daily (Hwangsŏng sinmun), que teve cerca de 2.000 exemplares, publicado em um misto de chinês e coreano, atraindo assim o interesse das classes mais altas, e, por mais de uma década, de 1898 a 1910, foi um importante fórum e conjunto de ideias e de reformas. Além do que alguns dos escritores mais importantes desse período, como Chang Chiyŏn, Sin Ch’aho e Pak Ŭnsik, faziam parte de seu conselho editorial. No entanto, a verdadeira primeira publicação de massa na Coreia veio com a criação do Korea Daily News (Taehan Maeil Sinbo), que teve cerca de 10.000 exemplares distribuídos nacionalmente (Ch’oe Ch’un, 1968 apud Robinson, 2014). Em acréscimo, revistas pequenas aumentaram o crescimento da imprensa depois de 1910 e suas publicações focavam em discussões do pensamento ocidental, na tradução de literatura clássica do Ocidente e de sua filosofia política e tratados sobre reforma educacional. Ainda mais, o iluminismo na Coreia gerou inúmeras sociedades23 de estudo e clubes dedicados a examinar o pensamento ocidental e sinalizou a expansão de uma moderna intelectualidade coreana, que liderou os jornais, as revistas e as organizações desse iluminismo. Esses intelectuais eram um grupo mais velho que a educação tradicional e, posteriormente, o interesse no pensamento ocidental os colocou em uma posição de transição, com um pé em cada tradição, além de que eles se agrupavam com homens mais novos, que foram treinados no exterior ou em escolas mais novas na Coreia, que viam seu futuro através do estudo das ideias ocidentais (Robinson, 2014). 23 Algumas das sociedades e organizações que estavam entre as mais proeminentes eram: Sociedade Coreana de Autofortalecimento (Taehan Cha’ganghoe), Sociedade de Amigos (Tong’uhoe), Sociedade Nacional de Educação (Kungmin Kyoyukhoe), Sociedade de Estudos Norte-Coreana (Hanbuk hakhoe), Sociedade de Estudos do Grande Oriente (Taedong hakhoe), Sociedade de Estudos Kyônggi e Honam (Kiho hakhoe) e o Clube da Coreia (Taehan kurakbu) (Cho, 1969 apud Robinson, 2014). 38 Ressalta-se ainda que a lealdade desses intelectuais não consistia em dar apoio ao sistema político tradicional, mas na criação de uma moderna nação coreana. Consequentemente, com a forte persistência da tradição coreana e a ascensão dos pensamentos de um mundo novo, o iluminismo no país testemunhou o debate entre partidos que tinham visões contrárias sobre a importância da tradição intelectual e também da forma futura da política e da sociedade coreana (Robinson, 2014). Esse importante momento da história do nacionalismo coreano teve sua expansão auxiliada pelas mudanças no sistema educacional, que auxiliou o crescimento das atividades do iluminismo e do ativismo político da intelectualidade coreana. A saber, as primeiras reformas educacionais do governo, como a inclusão de técnicas, tecnologia, ciência, filosofia e linguagens estrangeiras nas escolas, iniciou um boom em escolas especializadas na “nova aprendizagem”. Esse boom, após 1900, se expandiu ainda mais, conforme mais e mais estudantes retornavam de seus estudos no exterior, principalmente do Japão. Todas essas aprendizagens de um “mundo” distante seriam vitais para a criação de novos cidadãos (sinmun), que apreciariam a ciência e teriam um entendimento profundo da experiência cultural e histórica. Ademais, Pak Ŭnsik, que foi educado classicamente e comprometido com o confucionismo, salientava a importância de incutir nos alunos um novo senso de responsabilidade cultural e social, para o surgimento desse novo cidadão (Robinson, 2014). Com efeito, apesar das tentativas de impulsionar esse novo aprendizado, era imprescindível estimular a identificação com a nação ou os frutos da nova educação seriam desperdiçados. Em resumo, o desenvolvimento do iluminismo na Coreia pode ser dividido em duas categorias: a discussão das teorias políticas ocidentais e do desenvolvimento social, e um outro exame da tradição coreana. Iniciando pela primeira categoria, apesar do interesse nos pensamentos políticos e sociais do Ocidente terem iniciado na década de 1880, depois de 1900, esse conhecimento foi estudado cada vez mais para descobrir a sua relação com o poder e a riqueza das nações ocidentais. No entanto, a experiência direta com os governos e as sociedades desse mundo exterior era raro na Coreia, de modo que somente alguns poucos intelectuais os analisaram de perto e diretamente. A grande maioria do conhecimento que a Coreia recebia acerca do assunto era através de conhecimentos secundários vindos da China e do Japão (Robinson, 2014). 39 Na medida em que os intelectuais estudavam e aprendiam sobre o Ocidente, o seu foco nas ciências como fator central da superioridade tecnológica ocidental levou a uma discussão dos conceitos de progresso e desenvolvimento social para o oeste. Ainda, as ideias de progresso e evolução foram promovidas pelo intenso estudo sobre o darwinismo social que levou os coreanos a aceitar, de maneira implícita, o Estado-nação como a forma mais elevada de evolução social e política, intensificando assim o nacionalismo no país (Robinson, 2014). Houve também um exame do liberalismo das potências da Europa e dos Estados Unidos, com a relação entre o Estado, o povo e o papel do indivíduo na sociedade como questões centrais do exame, já que a ideia de um contrato social destacava a fraca ligação entre o Estado tradicional, as massas coreanas e entrava em conflito direto com as visões tradicionais sobre o homem e a sociedade24. Dentro da segunda categoria do iluminismo coreana, o novo exame da cultura tradicional coreana é encorajado por conta do fracasso contínuo do sistema tradicional em corrigir a erosão constante da autonomia política coreana, o que aumenta as críticas pautadas na discussão da cultura popular coreana nativa, na subserviência política e cultura à China e à ética social confucionista (Robinson, 2014). Em relação à China, os intelectuais não negavam a dívida cultural óbvia e inevitável, mas eles ainda se preocupavam com a dependência da cultura e filosofia chinesa que tinham desprestigiado e difamado a cultura indígena (Robinson, 2014). É por ideias nesse seguimento que sadae, já no Clube da Independência, tomou um tom pejorativo, tornando-se um sinônimo de dependência, subserviência e bajulação aos olhos dos nacionalistas. A partir desse momento, o uso do chinês clássico como a forma oficial de comunicação escrita não era visto com bons olhos e o uso da escrita nativa coreana se tornou uma causa célebre entre os nacionalistas, uma forma de afirmar a identidade cultural da Coreia (Robinson, 2014). Essa preocupação com a dependência cultural estimulou após 1900 até o renascimento da escrita histórica. Por consequência, as tradições sociais também foram um alvo dos nacionalistas, que desaprovam alguns conceitos como o da piedade filial, da harmonia social e das relações 24 O papel do indivíduo na sociedade ocidental fascinava os intelectuais, uma vez que, na Coreia, ele ganhava expressão somente como parte de um coletivo, sua identidade e propósito consistia em realizar um papel já prescrito dentro do grupo, fosse família, linhagem, escola ou profissão. Já nas nações que eles estudavam, em teoria, os indivíduos eram livres, unidos socialmente, mas preservando a sua autonomia (Robinson, 2014). 40 sociais como ideias que reprimiram sistematicamente o indivíduo. Não somente, essa desaprovação foi incentivada pela conversão de muitos intelectuais ao cristianismo. Quanto à manutenção da cultura popular tradicional, ela tinha uma tradição xamânica, com uma mistura rica de costumes e crenças em lugares, rituais, dança, música e arte. Mesmo com o abundante repositório de símbolos únicos de identidade nacional, os nacionalistas modernos atacaram os seus elementos de superstição como anti científicos. Não obstante, alguns anos mais a frente, já dentro do período colonial, houve um renascimento do interesse pela cultura popular, conforme os nacionalistas procuravam fortalecer a identidade nacional através do estudo dos costumes e tradições nativas (Janelli, 1986 apud Robinson, 2014). Por tudo isso, a contradição entre a racionalidade iluminista e o desejo de explorar crenças populares irracionais como fonte de identidade nacional destacou um grande dilema para os intelectuais nacionalistas, pois o sentimento nacionalista, em sua essência, é um estado emocional. Todavia, os primeiros modernizadores coreanos, entusiasmados pelas ideias ocidentais, estavam relutantes em aproveitar uma tradição irracional e supersticiosa para reforçar a identificação de grupo, e, como consequência, o grupo se isolou das massas (Robinson, 2014). Por fim, a crise política do final do século XIX se juntou à crescente crise intelectual no início do século XX. De acordo com Robinson (2014), existiam nesse momento questões que evidenciaram essa crise no começo do século, pois, se a Coreia fosse de fato uma nação como as outras, isso fosse aceito pela maioria e o sistema político tradicional fosse incapaz de manter a autonomia política, o que, então, constituía a nação coreana? Que aspectos da experiência histórica, cultural, política e social coreana poderiam proporcionar solidariedade nacional em combinação com elementos extraídos dos modelos de Estados-nação que ameaçavam a própria existência da Coreia? A partir dessa circunstância, deu-se início à busca por uma identidade nacional e o movimento linguístico, as novas histórias, a discussão do espírito nacional e a investigação da tradução cultural foram evidências dessa busca. Não somente, as questões sobre “quem somos nós?” e “por que deveríamos lutar para manter nossa autonomia?” se tornaram um tema central do nacionalismo coreano. Com efeito, a busca por independência se juntava aos temas de subserviência e dependência, nos quais os nacionalistas entraram em uma contradição, visto que criticavam a cultura indígena popular com os padrões da ciência moderna e do racionalismo do Ocidente, 41 o que poderia ser considerado um outro exemplo de subserviência. Mesmo assim, esses intelectuais lideraram o processo de criação de uma identidade nacional face à crescente crise política nacional após 1900. Tudo dentro de uma ebulição do iluminismo que se desenvolveu sem apoio significativo da dinastia em decadência e com confrontos de uma elite hostil nos altos círculos governamentais, bem como a crescente influência dos conselheiros japoneses dentro do governo (Robinson, 2019). Diante disso, isolados do poder políticos, os nacionalistas continuaram a trabalhar na educação e no jornalismo na esperança de incentivar o patriotismo e continuaram a clamar por reformas significativas por parte do regime político tradicional em ruínas. 2.1.4 Queda no período colonial Após a vitória contra a Rússia, o Japão iniciou uma movimentação que pavimentou o caminho para a anexação coreana, quando eles preparavam tudo para a ocupação, como expandir a imprensa japonesa na Coreia para pacificar a opinião pública e encorajar o apoio para as reformas que colocariam em prática. Todavia, houve reações a esse avanço japonês: oficiais do governo se opuseram ao fim de seu poder pela Residência Geral, intelectuais protestaram na imprensa coreana e guerrilhas foram formadas com os Exércitos Justos (Ŭibyŏng) liderados pela elite confucionista local, ex-oficiais e soldados do exército Yi dissolvido, que atacaram as instalações japonesas (Robinson, 2014). Em linhas gerais, de 1907 até 1911, essas guerrilhas e o exército e polícia do Japão travaram lutas violentas e sangrentas, mas as forças resistentes coreanas não eram páreo para o moderno exército japonês, e o Exércitos Justos foram subjugados, mas, mesmo com a derrota, demonstraram o poder do sentimento nacionalista. Por mais que o poder bélico do Japão fosse claramente superior à resistência coreana, as tentativas para reganhar a soberania nacional não pararam. Houve um apoio considerável de camponeses locais, mobilizado pela elite conservadora tradicional e pelos soldados, além de organizações nacionais, sociedades de estudos locais, jornais e revistas que lutaram contra a ordem nipônica através da propaganda e apelos à perseverança e resistência da população em geral (Robinson, 2014). No período, o maior jornal que se opôs à política japonesa foi o Korean Daily News, que evitou a censura aberta por conta dos privilégios extraterritoriais do seu editor inglês, 42 Ernest Bethell. No entanto, o Japão tomou controle da mídia e colocou leis estritas de publicação em preparação para a anexação. Como consequência do desenlace do reino, a atividade nacionalista se transformou de um movimento reformista para um movimento de independência. Outrossim, uma década de crescimento educacional expandiu a intelectualidade nacionalista e politicamente consciente, conquanto, não obstante, a queda da dinastia acabou com a esperança dos intelectuais iluministas de que as mudanças poderiam ser promovidas para fornecer uma base para a autonomia política contínua (Robinson, 2014). Com os desenvolvimentos da resistência coreana na época, duas correntes do nacionalismo coreano passaram a surgir: uma da investigação intelectual e a outra da liderança com o sentimento de massa. Conforme o sentimento anti-japonês aprofundou pela sociedade, auxiliada pela natureza do governo japonês, a consciência nacional coreana foi estimulada e o problema passou a ser então como aproveitar essa força crescente para a causa de readquirir a independência coreana. Nesse contexto, a liderança intelectual coreana continuou a defender programas iluministas de educação e de aumento da consciência nacionalista. Acima de tudo, o Estado colonialista japonês penetrou na sociedade coreana mais profundamente do que qualquer governo tradicional anterior. Muitos nacionalistas escolheram o exílio em vez de viver sob o controle nipônico e, espalhados pela Manchúria, Shanghai, Vladivostok, eles formaram diversas organizações para se preparar para uma luta pela independência (Robinson, 2014). Entretanto, conforme a primeira década da ocupação passou, o objetivo unificado do movimento de exílio coreano foi dificultado pelos impasses de comunicação com a colônia e entre si, pela falta de recursos financeiros e pelas crescentes diferenças ideológicas. Dentro da Coreia, os intelectuais lutavam debaixo de uma repressão para dar continuidade aos projetos iniciados no período do iluminismo, e a imprensa e educação que tinham sido ferramentas importantes para esses intelectuais compartilharem e firmarem suas ideias de cultura coreana, consciência e identidade nacional, agora eram usadas para encorajar o desenvolvimento de bons cidadãos no império (Robinson, 2014). Mesmo com sua clara superioridade militar e tecnológica, o Japão tinha algumas preocupações vigentes contra a resistência coreana. Em 1911, sob a acusação de conspiração para assassinar o governador-geral, a polícia japonesa prendeu mais de 700 coreanos e acusou 43 123 líderes cristãos, dentre os quais, após um ano de interrogatórios brutais e um julgamento altamente divulgado, 105 pessoas foram condenadas e presas por 05 a 10 anos (Yi Son’Gun, 1966 apud Robinson, 2014). O objetivo japonês por trás disso era claro: através dessa varredura, estava a intenção de notificar os líderes nacionalistas coreanos que usavam igrejas como bases para suas operações. Acrescentando-se que o Japão também estava preocupado com as atividades da Associação Nacionalista do Novo Povo (Sinminhoe), que, orgniazada por Yi Kap, An Ch’angho e Yi Tonghwi, em 1908, passou, em 1910, à clandestinidade e tentava continuar seu trabalho para promover a indústria coreana, a educação e criação de um quadro de jovens líderes nacionalistas coreanos (Gardner, 1979 apud Robinson, 2014). Apesar da repressão e da desconcertante série de mudanças, que modificaram e perturbaram a vida coreana, existia ainda um desenvolvimento intelectual esperançoso. Afinal, um surpreendente número de pequenos jornais acadêmicos, publicações religiosas e jovens revistas tinham sobrevivido e a responsabilidade de continuar o movimento vernáculo, bem como de manter algum tipo de rede de comunicação intelectual, recaiu sobre eles. Durante os primeiros dez anos, o movimento nacionalista coreano não resultou em muitas ações significativas e seus atos foram pequenos; no entanto, uma década de comando colonial estimulou uma mobilização social coreana. No exterior, aqueles nacionalistas que se exilaram, formaram, em Xangai, um governo provisório, que era reconhecido pelo Governo Nacionalista da China e tinha o propósito de demonstrar resistência à ocupação japonesa25 (Rodrigues, 2020). Ademais, através do aumento na comunicação, níveis mais altos na educação, propagação de literatura básica e urbanização, a consciência política se desenvolveu e o Japão, mesmo com os sucessos nas reformas econômicas, imposição da lei japonesa e construção do Estado, falhou na busca pela aceitação de seu domínio na Coreia (Robinson, 2014). Não somente, a Revolução Russa acelerou o interesse sobre o socialismo e o marxismo entre os estudantes coreanos, tanto os que estavam estudando dentro da península coreana, quanto os do exterior. A ideologia legitimada pelo surgimento dos bolcheviques na Rússia trouxe uma nova dimensão à ideologia nacionalista, e, ao fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1919), e com os pronunciamentos de autodeterminação emanados da 25 Os líderes da luta pela independência desse governo provisório reuniram os coreanos exilados e elegeram Syngman Rhee como presidente da Coreia em setembro de 1919, estabelecendo assim uma aliança com líderes chineses dentro da Coreia (Rodrigues, 2020, p. 12). 44 Conferência de Versalhes (1919), encorajaram os nacionalistas coreanos mais convencionais (Robinson, 2019). Em consequência, com o poderoso símbolo negativo do comando japonês, o programa de desenvolvimento discriminatório, a política cultural repressiva e a morte do imperador Kojong, que era o símbolo da independência coreana, a situação se tornou intolerável para os coreanos, levando à eclosão das manifestações de Primeiro de Março de 1919. De certo, o desastre e a vergonha para os japoneses do Movimento de Primeiro de Março provou a falha inicial de sua cultura colonial, e, para a Coreia, sinalizou a maturidade do movimento nacionalista coreano. Os protestos foram bem organizados – no último minuto, tiveram a data modificada por conta do perigo dos japoneses descobrirem – e, no dia primeiro de março, milhares de pessoas se juntaram em parques, pátios de escolas e mercados para ouvir a declaração da independência, que havia sido elaborada pelos líderes e organizadores do protesto. Após isso, as manifestações prosseguiram com marchas pelas ruas com gritos de “manse” (vida à Coreia) em uma amostra massiva de solidariedade e patriotismo (Robinson, 2014). Nas manhãs seguintes, essas demonstrações se espalharam e se calcula que