1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências Campus Bauru Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência PROBLEMAS AMPLIADOS EM UMA PERSPECTIVA DAS DIVERSIDADES DE PESSOAS E CULTURAS, PERCEPÇÃO DE PROFESSORAS E PROPOSTAS DE ATIVIDADES DE MATEMÁTICA LUIS FERNANDO AFFONSO FERNANDES DA CUNHA BAURU–SP 2022 2 LUIS FERNANDO AFFONSO FERNANDES DA CUNHA PROBLEMAS AMPLIADOS EM UMA PERSPECTIVA DAS DIVERSIDADES DE PESSOAS E CULTURAS, PERCEPÇÃO DE PROFESSORAS E PROPOSTAS DE ATIVIDADES DE MATEMÁTICA Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru, como requisito para obtenção do título de Doutor em Educação para a Ciência. Orientador: Prof. Dr. Aguinaldo Robinson de Souza. Coorientadora: Profa. Dra. Emília de Mendonça Rosa Marques. BAURU - SP 2022 3 Cunha, Luis Fernando Affonso Fernandes da C972p Problemas Ampliados em uma perspectiva das diversidades de pessoas e culturas, percepção de professoras e propostas de atividades de Matemática/ Luis Fernando Affonso Fernandes da Cunha. – Bauru, 2022 160 p. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências, Bauru. Orientador: Prof. Dr. Aguinaldo Robinson de Souza Coorientadora: Profa. Dra. Emília de Mendonça Rosa Marques 1. Diversidades. 2. Problemas Ampliados. 3. Ensino de Matemática. 4. Diferenças. 5. Atividades de Matemática. I Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências, Bauru. Dados Fornecidos pelo autor. Essa ficha não pode ser modificada. 4 5 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente aos professores que sempre acreditaram em mim e me proporcionaram formação específica, crítica, cidadã e de qualidade na universidade pública que cursei a graduação, o mestrado e, agora, o doutorado, ou seja, os professores da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP campus de Bauru – SP, em especial os professores que de perto acompanharam a minha trajetória, me orientando, me acolhendo e me incentivando. Assim, agradeço a professora Doutora Mara Sueli Simão Moraes por todo o conhecimento, carinho, confiança e orientação prestados da graduação até o doutorado, sem sua presença, talvez hoje eu não estivesse onde estou profissionalmente e academicamente. Agradeço a professora Doutora Emília de Mendonça Rosa Marques que além de todos os conhecimentos ensinados na graduação, ainda aceitou ser minha coorientadora e colaborar com minha pesquisa, fornecendo os dados necessários para que ela iniciasse, assim como fundamental atuação para que conseguisse desenvolver parte da pesquisa em Portugal. Agradeço também ao professor Doutor Aguinaldo Robinson de Souza que aceitou o desafio de me receber como seu orientando no momento que a professora Mara precisou se retirar da pesquisa, fornecendo não apenas conhecimento e orientação, mas também compreensão e carinho no momento mais difícil da minha pesquisa e da minha vida. Sem a presença destes três professores incríveis, essa pesquisa não teria começado e nem terminado. Ainda quero agradecer ao professor Doutor Nelson Antônio Pirola que além de ser o atual coordenador do programa de pós-graduação, foi o primeiro professor a me inserir na pesquisa e na extensão em Educação Matemática. Minha primeira pesquisa, minha primeira bolsa, meus primeiros passos foram dados graças a confiança dele depositada em mim há 15 anos atrás. Quero agradecer a família que me formou, me deu amor, carinho, educação e que foram meus primeiros professores, sem eles eu se quer existiria. Agradeço a mãe mais carinhosa e pessoa mais sábia que conheci em toda a minha vida, minha amada mãe Luzia Affonso, que foi quem me ensinou as primeiras palavras, os primeiros números, me ensinou o que é respeito e me amou incondicionalmente. Agradeço ao meu pai, Filadelfo Fernandes da Cunha 6 Neto, por me ensinar os valores de um cidadão de bem, a importância do trabalho, por pagar pelo meu estudo, por me dar um teto, comida, amor e me ensinar a ser paciente, calmo e respeitoso. Agradeço a minha querida irmã, Simone Cunha Sardinha, por ser minha heroína, minha amiga, minha irmã e meu maior exemplo de professora. Agradeço os três por serem minha família, por serem exemplo para mim, por me educarem e, principalmente, por me desafiarem. Vocês foram as primeiras pessoas a me ensinar e acreditar no meu potencial. Agradeço ainda a família que não nasci, mas que tive a oportunidade de escolher e formar. Agradeço a minha amada mulher Jhaiane Assunção dos Santos, mãe dos meus filhos, porto seguro, companheira, amiga, amante e a pessoa que irei compartilhar todos os dias da minha vida, obrigado por acreditar e confiar em mim, eu te amo com todo meu coração. Agradeço ao meu enteado Heitor dos Santos Schmit por me ensinar a ser pai, por me receber em sua vida, me amar, me admirar, me respeitar e mesmo sendo tão pequeno, me ensinar coisas que eu até então nem imaginava que precisaria saber. Por fim, agradeço a minha filha Aurora Assunção Fernandes da Cunha, que com apenas um olhar me ensinou o que é amar incondicionalmente. Seu pequeno sorriso e seus grandes olhos me motivam a ser melhor a cada dia. Agradeço ao Instituto Federal Farroupilha, meu trabalho, e todos os professores que levam educação e formação de qualidade aos brasileiros e que ainda são meus amigos e colegas de profissão. Agradeço a Unesp de Bauru, que além de formação de qualidade na graduação, no mestrado e agora do doutorado, ainda me proporcionou auxílio financeiro em alguns momentos. Agradeço a instituição AUIP que também prestou auxílio financeiro para que eu pudesse estudar em Portugal e agradeço ao Instituto Federal Farroupilha que também me ajudou financeiramente em alguns semestres. Agradeço a Universidade de Lisboa e aos professores que me receberam e me orientaram na fase da pesquisa que se desenvolveu em Portugal, em especial o professor Doutor João Pedro Mendes da Ponte que me aceitou como seu orientando na Universidade de Lisboa e, também, a professora Doutora Joana Brocardo que me auxiliou em diversos momentos. 7 E, por fim, agradeço a Ele que permitiu que todas essas bênçãos existissem em minha vida, sem o Senhor nada seria possível. Obrigado meu Deus. 8 “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino” Paulo Freire 9 CUNHA, L. F. A. F. Problemas Ampliados em uma perspectiva das diversidades de pessoas e culturas, percepção de professoras e propostas de atividades de Matemática. 2022. 160 p. Qualificação (Doutorado em Educação para Ciência) – Faculdade de Ciências, Unesp, Bauru, 2022. RESUMO Pesquisas como a “Pesquisa sobre preconceito e discriminação no ambiente escolar”, publicada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) em 2009, apontam que as escolas que apresentam problemas de relacionamento quanto às diferenças, muitas vezes envolvendo o bullying de gênero, raça, etnia etc. possuem um rendimento inferior nas avaliações de larga escala quando comparados com escolas referência em respeito e discussão sobre esse tema. Para combater este cenário, tentativas de formação do professor quanto a temas de diferenças e diversidades têm sido foco de cursos de formação continuada, como o Curso de Produção de Material Didático para Diversidade (PMDD), que foi desenvolvido através da parceria entre o MEC e as universidade públicas brasileiras. No entanto, observou-se que os professores participantes do curso não conseguiram aplicar conteúdos que dialogassem com as diversidades quanto ao ensino de Matemática. Diante desse fato, esta tese de doutorado teve por objetivo investigar por que professoras e professores não conseguiram abordar a matemática sob a perspectiva das diversidades utilizando os Problemas Ampliados aprendidos no curso de formação. A análise qualitativa dos dados obtidos aponta uma carência na formação das 17 professoras participantes que dificulta a abordagem de temas das diversidades sob a ótica dos Problemas Ampliados, mesmo após o curso de formação continuada PMDD. Então, desenvolvemos nesta tese novas atividades matemáticas, envolvendo os temas das diversidades e diferenças, utilizando os Problemas Ampliados, considerando as dificuldades relatadas pelas professoras, somadas a experiências nacionais e internacionais “bem sucedidas”, contribuindo assim para a inserção desta temática com mais propriedade no ensino de Matemática. Palavras-chave: Diversidades, Problemas Ampliados, Ensino de Matemática, Diferenças, Atividades de Matemática. 10 CUNHA, L. F. A. F. Extended Problems in a perspective of the diversity of people and cultures, teachers' perception and proposals for Mathematics activities. 2022. 160 p. Qualification (Doctorate in Education for Science) – Faculty of Sciences, Unesp, Bauru, 2022. ABSTRACT Research such as the “Research on prejudice and discrimination in the school environment”, published by the Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) in 2009, point out that schools that have relationship problems regarding differences, often involving bullying based on gender, race, ethnicity etc. have a lower performance in large-scale assessments when compared to reference schools in respect and discussion on this topic. To combat this scenario, attempts to train teachers on issues of differences and diversities have been the focus of continuing education courses, such as the Course on Production of Didactic Material for Diversity (PMDD), which was developed through a partnership between MEC and Brazilian public universities. However, it was observed that the teachers participating in the course were unable to apply content that dialogued with the differences in the teaching of Mathematics. Given this fact, this doctoral thesis aimed to investigate why male and female teachers were unable to approach mathematics from the perspective of diversities using the Extended Problems learned in the training course. The qualitative analysis of the data obtained points to a lack of training for the 17 participating teachers, which makes it difficult to approach diversity issues from the perspective of Extended Problems, even after the PMDD continuing education course. So, in this thesis, we developed new mathematical activities, involving the themes of diversities and differences, using the Extended Problems, considering the difficulties reported by the teachers, added to "successful" national and international experiences, thus contributing to the insertion of this theme with more propriety. in Mathematics teaching. Keywords: Diversities, Expanded Problems, Mathematics Teaching, Differences, Mathematics Activities. 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Distribuição da população residente por tipo de deficiência ............ 56 Tabela 2: Valor médio e mediano do rendimento mensal total nominal das pessoas de 10 anos ou mais de idade, residentes em domicílios particulares permanentes, por sexo ................................................................................... 59 Tabela 3: Tarifas de água/M2. ......................................................................... 61 Tabela 4: Despesas e Valores. ....................................................................... 61 Tabela 5: Cronograma e plano de trabalho ideal ............................................. 75 Tabela 6: Cronograma e plano de trabalho real .............................................. 76 12 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Proposta de mudança de paradigma entre as disciplinas e os temas transversais/político-sociais. ........................................................................... 60 Figura 2: Desempenho de Portugal no PISA. .................................................. 64 Figura 3: Respostas para Questão 1 ............................................................... 81 Figura 4: Respostas para Questão 3 ............................................................... 82 Figura 5: Respostas para Questão 4. .............................................................. 84 Figura 6: Respostas para Questão 5 – Primeira Formação dos Entrevistados. 85 Figura 7: Respostas para Questão 5 – Segunda Formação dos entrevistados 86 Figura 8: Respostas para Questão 6 ............................................................... 86 Figura 9: Respostas para Questão 7 ............................................................... 87 Figura 10: Respostas para Questão 8 ............................................................. 88 Figura 11: Respostas para Questão 9 ............................................................. 88 Figura 12: Respostas para Questão 10 ........................................................... 89 Figura 13: Respostas para Questão 13 ........................................................... 93 Figura 14: Respostas para Questão 15 ........................................................... 96 Figura 15: Religião dos Brasileiros .................................................................104 Figura 16: Oito religiões com maiores números de adeptos no mundo. .........105 Figura 17: População Brasileira por Etnia. .....................................................107 Figura 18: Etnia e o Mercado de Trabalho .....................................................108 Figura 19: óbitos por faixa etária em cada grupo étnico devido ao coronavírus .......................................................................................................................109 Figura 20: Proporção de óbitos e recuperados para pacientes internados em enfermaria (esquerda) e UTI (direita) por etnia ..............................................109 Figura 21: Diretores de filmes brasileiros por etnia e sexo .............................111 Figura 22: Elenco brasileiro em filmes x população brasileira ........................111 Figura 23: Diferença entre salários de mulheres e homens. ..........................114 Figura 24: Mulheres na Tecnologia e Salários. ..............................................114 Figura 25: Orientação sexual das pessoal de 18 anos ou mais. .....................118 Figura 26: Comunidade LGBT no Brasil. ........................................................119 Figura 27: Números sobre a comunidade LGBT no mercado de trabalho. .....120 Figura 28: Cálculos para uma rampa segundo ABNT NBR 9050. ..................123 Figura 29: Exemplos de Rampa. ....................................................................124 13 Figura 30: Rampas que atendem as normas..................................................124 Figura 31: Rampa Inacessível. .......................................................................125 14 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AUIP – Associação Universitária Ibero-americana de Pós-graduação BNCC - Base Nacional Comum Curricular CAED - Centro de Apoio à Educação a Distância CEP – Comitê de Ética de Pesquisa FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas IFFAR – Instituto Federal Farroupilha LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MRPA – Método de Resolução de Problemas Ampliados OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ONU - Organização das Nações Unidas PCN’s – Parâmetros Curriculares Nacionais PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes PMDD - Produção de Material Didático para Diversidade PNE - Plano Nacional de Educação SECADI - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão UAB – Universidade Aberta do Brasil UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFV – Universidade Federal de Viçosa ULISBOA – Universidade de Lisboa UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” 15 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO: PROBLEMATIZAÇÃO E JUSTIFICATIVAS ...................... 17 1.1 Curso de Produção de Material Didático para Diversidade .............. 19 1.2 Trajetória profissional e acadêmica e interesse pelo tema............... 27 1.3 Estágio de pesquisa na Universidade de Lisboa em Portugal ......... 30 2 OBJETIVOS: GERAL E ESPECÍFICO ........................................................ 35 2.1 Questão Norteadora ............................................................................ 35 2.2 Objetivo Geral ...................................................................................... 36 2.3 Objetivos específicos .......................................................................... 36 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................... 38 3.1 As Diversidades no Ambiente Escolar ............................................... 40 3.2 Metodologia de Resolução de Problemas Ampliados....................... 48 3.3 Atividades envolvendo Resolução de Problemas Ampliados (RPA) 56 3.4 Realidade Educacional em Portugal ................................................... 63 4 MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................ 71 5 PLANO DE TRABALHO E CRONOGRAMA ............................................... 74 5.1 Procedimentos do Plano de Trabalho ................................................ 74 5.2 Cronograma ideal ................................................................................ 75 5.3 Cronograma real .................................................................................. 76 5.4 Dificuldades de Execução Causadas pela Pandemia da COVID-19 . 77 6 FORMA DE ANÁLISE DOS RESULTADOS ............................................... 79 7 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ............................................. 80 7.1 1º bloco de perguntas – caracterização dos indivíduos participantes .................................................................................................................... 80 6.2 2º bloco de perguntas – perguntas e respostas sobre diversidades e sobre o curso PMDD .................................................................................. 89 16 8 RESULTADOS E PROPOSTAS DE ATIVIDADES .....................................103 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................127 REFERÊNCIAS .............................................................................................132 ANEXO I: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE .......................................................................................................................140 ANEXO II: QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PROFESSORES ..................142 ANEXO III: APROVAÇÃO NA SELEÇÃO DE BOLSISTAS AUIP ................152 ANEXO IV: ACEITAÇÃO DA BOLSA AUIP ..................................................153 ANEXO V: CERTIFICADO DE PARTICIPAÇÃO EM EVENTO .....................154 ANEXO VI: CANDIDATURA AO PROGRAMA DE DOUTORAMENTO EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA EM PORTUGAL .................155 ANEXO VII: CARTA DE APRESENTAÇÃO FEITA PELO PRÓ-REITOR .....156 ANEXO VIII: DECLARAÇÃO DE ACEITE DE ORIENTAÇÃO ......................158 ANEXO IX: DECLARAÇÃO DE CONCLUSÃO DE ATIVIDADES DE ESTÁGIO DE PESQUISA INTERNACIONAL NA ULISBOA .........................................159 17 1 INTRODUÇÃO: PROBLEMATIZAÇÃO E JUSTIFICATIVAS Fernandes (2005) promove o debate sobre a temática das diversidades culturais no ensino, motivado pela edição da Lei no 10.639, de 2003 (BRASIL, 2003), que introduziu a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro- brasileira e africana no currículo escolar da educação básica. Segundo o autor muitos pesquisadores destacam que a principal riqueza da cultura brasileira está em suas diversidades, no entanto, as mesmas não são adequadamente exploradas dentro da sala de aula. Apesar desse fato incontestável de que somos, em virtude de nossa formação histórico-social, uma nação multirracial e pluriétnica, de notável diversidade cultural, a escola brasileira ainda não aprendeu a conviver com essa realidade e, por conseguinte, não sabe trabalhar com as crianças e jovens dos estratos sociais mais pobres, constituídos, na sua grande maioria, de negros e mestiços (FERNANDES, 2005, p.3). Segundo Fernandes (2005), existe uma dominância das culturas de matriz europeia nos currículos de ensino básico e nos materiais didáticos produzidos para o mesmo, não atribuindo a valorização adequada para as diversidades culturais brasileiras e, consequentemente, dificultando que tais perspectivas sejam abordadas no ambiente escolar. Nesse sentido, uma análise mais acurada da história das instituições educacionais em nosso país, por meio dos currículos, programas de ensino e livros didáticos mostra uma preponderância da cultura dita “superior e civilizada”, de matriz europeia. Os livros didáticos, sobretudo os de história, ainda estão permeados por uma concepção positivista da historiografia brasileira, que primou pelo relato dos grandes fatos e feitos dos chamados “heróis nacionais”, geralmente brancos, escamoteando, assim, a participação de outros segmentos sociais no processo histórico do país. Na maioria deles, despreza-se a participação das minorias étnicas, especialmente índios e negros. Quando aparecem nos didáticos, seja através de textos ou de ilustrações, índios e negros são tratados de forma pejorativa, preconceituosa ou estereotipada (FERNANDES, 2005, p.379 - 380). Vale lembrar que, historicamente, nosso país conta com grande escassez de material didático e cursos de formação de professores para o trabalho com 18 os temas das diversidades. Assim, mesmo que previsto na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) a discriminação racial como crime, muitas vezes podemos observar nas escolas manifestações de racismo, discriminação racial e étnica, por parte dos professores, alunos ou da equipe escolar, algumas vezes de forma involuntária ou inconsciente, outras vezes de forma intencional. Como exemplo, Watthier e Ferreira (2008) observam que os afrodescendentes ainda são discriminados no Brasil, visto que nossa identidade nacional foi construída sem proporcionar a valorização da cultura negra e associando a mesma com diversos estereótipos negativos. Os mesmos indicam que essa mazela é reproduzida dentro do espaço escolar, uma vez que o tema dificilmente é abordado em sala de aula pelo fato de que os livro didáticos não propiciam a fundamentação apropriada para o desenvolvimento de trabalhos e reflexões sobre o assunto. Além disso, os autores destacam a falta de formação específica dos professores para lidar com esse tópico e que os mesmos, muitas vezes, se julgam despreparados para essa abordagem. Basta refletir por um instante e logo recordamos de situações, brincadeiras, piadas ou “ditados” racistas, machistas, sexista, dentro outros, que representam uma forma eufemística de propagação de pré-conceitos. Vencato (2014a), que prefere usar o termo diferenças e não diversidade, expõe o quão é urgente trabalhar com essas temáticas na escola, já que: Essas exclusões aparecem com frequência nas piadas, risadas e violências físicas e/ou simbólicas e, aos poucos, empurram para fora do espaço da escola todas as pessoas que não se encaixam em certo padrão normativo ou, ao menos, não contemplam em suas performances na vida social a expressão pública desse padrão normativo [...] (VENCATO, 2014a, p. 05) A necessidade da criação e implantação de cursos que promovam a formação de professores e a produção de material didático para as diversidades segue dessas particularidades preocupantes da realidade brasileira que precisam ser estudadas e adequadamente tratadas, assim, ofertando formação continuada aos professores, com objetivo de atender ao preceito constitucional que diz que se deve ofertar educação de qualidade, que é tanto direito de qualquer cidadão brasileiro, como dever do Estado (BRASIL, 1988). 19 A preocupação com o tratamento da temática das diversidades e suas peculiaridades pode ser observada no surgimento de cursos para formação continuada e específica sobre o assunto. Neste trabalho, utilizamos os dados do Curso de Produção de Material Didático para Diversidade (PMDD) promovido pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) como material de análise. 1.1 Curso de Produção de Material Didático para Diversidade A Universidade Estadual Paulista, através do sistema da Universidade Aberta do Brasil, realizou o Curso de Produção de Material Didático para Diversidade com o objetivo de proporcionar uma formação continuada aos professores e às professoras da rede pública de ensino com intuito de formar novas concepções didático-pedagógicas e novas visões mais críticas de mundo, para que delas fosse possível caminhar em direção a uma sociedade mais justa e, portanto, com menos assimetrias sociais (MORAES; REBECHI JUNIOR, 2015). O curso surgiu da parceria entre o Ministério da Educação (MEC) e as universidades públicas do Brasil. Nele os docentes participantes tiveram a oportunidade de refletir sobre diversas perspectivas do trabalhado com as temáticas das diversidades, estudar e conhecer os conceitos específicos do assunto explorando a visão e a experiência de autores e colegas, desenvolver reflexões críticas e ideológicas fundamentadas nas discussões que foram propostas nas aulas e planejar estratégias de ensino que utilizem as linguagens midiáticas e artísticas como recursos pedagógicos que permitam a aprendizagem dos tópicos de interesse (MORAES; FIRMINO; MARQUES, 2016). O itinerário formativo ainda previu que o participante seria orientado e instrumentalizado para selecionar, analisar e avaliar de forma crítica e reflexiva os materiais que podem ser utilizados para trabalhar as diversidades na sala de aula, além de ser capaz de elaborar seus próprios recursos didáticos, garantindo que os mesmos possam atender as problemáticas específicas da realidade de sua comunidade escolar. Segundo a apresentação do curso, o professor participante estará apto para (MORAES; BALBO, 2014): 20 • analisar criticamente diferentes recursos didáticos quanto aos temas das diversidades; • dominar metodologia de coleta, seleção, organização e análise de materiais visando a produção de materiais didáticos para temas das diversidades; • valorizar o trabalho com as temáticas das diversidades; • produzir recursos didáticos sobre temas das diversidades; • avaliar a recepção e/ou participação dos educandos em processo de produção de materiais didáticos sobre os temas das diversidades. O curso PMDD foi inicialmente idealizado para ser realizado em 9 polos no Estado de São Paulo nos quais seriam atendidos 540 professores e professoras. No entanto, na aplicação prática foram fornecidas 180 vagas distribuídas em três polos (Bálsamo, Franca e Itapevi) ainda no Estado de São Paulo. Das 180 vagas ofertadas, apenas 131 foram preenchidas, sendo que 82 professores concluíram o curso (75 em caráter de aperfeiçoamento e 7 em caráter de extensão). O resumo do projeto pedagógico do curso informa que o eixo estruturante de seu currículo está fundamentado na concepção “Direito de Aprender de todos e cada um”, que surge das discussões do campo da Educação para os Direitos Humanos. São trabalhados os conceitos de dignidade humana, respeito às diferenças, reconhecimento dos saberes distintos, tendo como base os temas da diversidade: cidadania, direitos humanos, gênero e relações étnico-raciais, tendo em vista a formação do aluno cidadão e o seu desenvolvimento científico e cultural. (MORAES; PAULA, 2014, p.4). A organização do currículo do curso PMDD prevê a realização dos estudos distribuídos ao longo de cinco módulos, cada qual com ênfase específica em algum aspecto relevante para a produção, seleção, análise e avaliação de materiais didáticos que proponham o estudo das diversidades no ambiente escolar. A seguir, apresentamos tais módulos e os assuntos abordados (MORAES; PAULA, 2014). • O Módulo 0 é chamado de Material Didático para a Diversidade e Educação a Distância. Neste momento é feita a abordagem inicial da 21 temática do curso e a apresentação de seus procedimentos metodológicos, estruturais e avaliativos. Além disso, ocorre a instrumentalização do aluno sobre as ferramentas utilizadas no ambiente virtual e a contextualização das dinâmicas da Educação a Distância; • O Módulo 1 é intitulado Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade. Neste momento são realizadas as primeiras orientações para o estudo das fundamentações teóricas sobre diversidades que serão trabalhadas ao longo do curso. Os tópicos abordados incluem os conceitos de diversidades e diferenças e sua contextualização no ambiente escolar, os conceitos de identidade e diferenças e sua importância no debate sobre gênero dentro da escola, e reflexões sobre os materiais didáticos quando observado na perspectiva dos tópicos discutidos; • O Módulo 2 é nomeado O uso de linguagens no ensino de temas da diversidade. Nesse momento são propostas discussões sobre temáticas específicas e transversais às questões de diversidades, para o desenvolvimento dessa etapa é proposto que os estudos ocorram contextualizando as diversidades com conceitos relacionados aos tópicos transversais de interesse, como a arte e a mídia, produzindo um binômio reflexivo. Os assuntos explorados são mídia educativa, cinema, literatura, linguagem jornalística, fotografia e problemas ampliados. • O Módulo 3 é dito Produção didática sobre o tema diversidade. Neste momento serão apresentados para os docentes participantes os instrumentos e recursos pedagógicos que estão disponíveis, e podem ser usados, para produção de materiais didáticos voltados para o tratamento da temática das diversidades em toda comunidade escolar. Discute-se dois tópicos principais, o primeiro é a linguagem empregada e o suporte dos materiais didáticos, com auxílio do plano de curso, atividades interdisciplinares e pesquisas em diferentes linguagens; e o segundo aborda o uso crítico de filmes, fotografia, jornais e elementos publicitários dentro da sala de aula. • O Módulo 4 é denominado Utilização e avaliação da recepção dos materiais didáticos sobre temas da diversidade. Neste momento será proposto como atividade que os docentes participantes elaborem seus 22 próprios materiais didáticos fundamentados nos conceitos e linguagens estudadas ao longo do curso. Como avaliação, propõe-se que os cursistas apresentem presencialmente os projetos resultantes que pretendem aplicar nas escolas. A aplicação do curso de formação continuada resultou na coleção Produção de material didático para a diversidade, que traz textos que estimulam debates reflexivos sobre temas contemporâneos das diversidades, assim como a reflexão sobre os materiais didáticos existentes e o estímulo à produção de recursos didáticos e a elaboração de estratégias metodológicas em diferentes linguagens em temas associados às diversidades. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) possui um curso homônimo em caráter remoto, ofertado pelo Centro de Apoio à Educação a Distância (CAED), que possui interesse no resgate do patrimônio das experiências e histórias locais contextualizadas com tópicos de diversidades, apresentado da seguinte forma: O curso Produção de Material Didático para a Diversidade: Patrimônio e Práticas de Memória numa perspectiva interdisciplinar têm como objetivo principal a formação continuada de professores e outros profissionais da educação da rede pública sobre diversidade, tendo como foco as práticas de memória e patrimônio e um diálogo verticalizado com a história local. O curso visa proporcionar ao aluno o contato com discussões acerca da produção, circulação, avaliação e uso de materiais didáticos para a diversidade. A intenção é possibilitar aos participantes do curso condições de refletir sobre os conteúdos, a circulação e os usos de materiais didáticos (suas potencialidades e problemas) e proporcionar a problematização e reflexão sobre a diversidade na escola (RICCI, 2010, p.3). A Universidade Federal do Rio Grande do Sul também realizou seu Curso de Aperfeiçoamento de Produção de Material Didático para Diversidade no ano de 2011, cujos resultados elaborados também permitiram a publicação de um livro (TONINI; KAERCHER, 2011) que orienta a realização das atividades trabalhadas ao longo do curso, visando fornecer apoio teórico e técnico para o 23 público que possa se interessar pelo tema. A organização do currículo do curso também divide a realização das aulas em módulos, como pode ser visto: • No primeiro módulo são discutidas concepções e realizadas análises dos materiais didáticos já existentes contextualizados com a perspectiva das diversidades, neste momento são tratados os significados dos conceitos de diversidades, diferenças, igualdade e equidade; • No segundo módulo é discutido a utilização de linguagens apropriadas e inapropriadas para o ensino das diversidades no ambiente escolar, e são tratadas questões específicas sobre diversidade religiosa, diversidade de gerações, diversidade étnico-racial e diversidade territorial. • No terceiro módulo são realizadas orientações sobre os procedimentos que devem ser considerados em produções didáticas sobre temas de diversidades, e são abordadas as necessidades de estabelecer conexões entre as diversidades e outras temáticas de interesse dos alunos. • No módulo quatro são trabalhados tópicos sobre a avaliação e recepção dos materiais didáticos que abordam a temática de diversidades, além de serem apresentadas sugestões para a introdução do assunto em sala de aula. Observamos que os cursos propostos pela Unesp e pela UFRGS, apesar de possuírem estrutura organizacional e alguns tópicos de discussão semelhantes, tratam diversos pontos das diversidades por meio de perspectivas distintas e adequadas a suas respectivas realidades, demonstrando a variabilidade de tópicos que precisam ser estudados para que seja possível construir um arcabouço teórico apropriado e, consequentemente, a importância do desenvolvimento desta pesquisa. O livro publicado com os materiais do curso da UFRGS também destaca algumas das adversidades enfrentadas no tratamento das diversidades na realidade escolar, observando que o contato com as pluralidades das comunidades brasileiras ainda é pautado pelo desconhecimento que, consequentemente, gera medo e produz um repúdio as diferenças, como se fossem um elemento negativo para o restante da população. 24 Um dos desafios atuais é a incorporação do tema da “diversidade” nas salas de aula. Vivemos em comunidades nas quais a pluralidade é uma das características mais fortes. Transformar esta diversidade em oportunidade de reflexão e produção de novas práticas e conhecimentos que sejam perceptíveis pelos alunos da Educação Básica é um dos objetivos maiores do curso. Se conseguirmos fazer com que a discussão das muitas diversidades chegue de forma organizada e pausada aos alunos, sejam quais forem suas faixas etárias, já estaremos ajudando na construção de um país mais democrático, onde as diversidades sejam vistas como riquezas e não como uma ameaça (TONINI; KAERCHER, 2011 p.5). Tendo em vista essas preocupações, esta tese de doutorado foi baseada em um dado observado sobre os cursistas concluintes do PMDD. Como foi dito, foram 180 vagas distribuídas no curso em três polos de São Paulo (Bálsamo, Franca e Itapevi), porém apenas 131 foram preenchidas, sendo que 82 professores concluíram o curso. Para a conclusão do curso, foi exigido dos professores participantes um trabalho final que envolvesse as linguagens estudadas no ensino de temas da diversidade (Mídia - Educação, cinema, literatura, jornalismo, fotografia e Problemas Ampliados). Segundo os organizadores do curso, a Dra. Mara Sueli Simão Moraes e o Dr. Arlindo Rebechi Junior, nenhum(a) dos 82 professores e professoras concluintes utilizaram os Problemas Ampliados como estratégia de ensino da Matemática na perspectiva das diversidades. Antes de adentrarmos ao ensino da matemática propriamente dito, recordamos que o trabalho de formação dos alunos em cidadãos consiste em um dos princípios da atual educação brasileira, estando orientada segunda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e as normativas orientadas de cada uma das Secretarias de Estado de Educação. Programas como o curso PMDD, ao incentivar a formação continuada do docente, demonstram o esforço das mesmas para garantir que a instrução dos discentes seja adequadamente realizada, possibilitando a execução de práticas didáticas que levem a um processo de ensino e aprendizagem que possa contribuir com uma formação para a cidadania. Observando os resultados dos trabalhos finais dos professores de Matemática é possível perceber que a abordagem de questões sociais, mesmo 25 aquelas mais simples que podem ser tratadas por meio de técnicas da disciplina utilizadas na resolução de problemas, entra em conflito com as experiências e formações acadêmicas dos docentes, visto que os mesmos ainda não estão à vontade para discutir essas temáticas em sala de aula, mesmo após a realização do curso PMDD. Consequentemente, isso desperta questões sobre a busca de novas concepções para pensar o processo de ensino e aprendizagem de Matemática, constituindo parte do problema investigado nesta tese. Para reforçar esse ponto, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), apontam que: Os problemas não têm desempenhado seu verdadeiro papel no ensino, pois na melhor das hipóteses, são utilizados apenas como forma de aplicação de conhecimentos adquiridos anteriormente pelos alunos, tendo em vista que, a prática mais frequente consiste em ensinar um conceito, procedimento ou técnica e depois apresentar um problema para avaliar se os alunos são capazes de empregar o que lhe foi ensinado. Para a grande maioria dos alunos, resolver um problema significa fazer cálculos com os números do enunciado ou aplicar algo que aprenderam nas aulas. (BRASIL, 1997, p.42) A abordagem de ensino da Resolução de Problemas pode ser caracterizada como um método de investigação baseado na aproximação progressiva de um dado problema que pode ser abordado e, possivelmente, solucionado por meio dos saberes matemáticos. Segundo Bergamo (2006), a resolução de problemas ampliados pode ser entendida como um avanço da resolução de problema clássica em que ocorre uma expansão desse método de investigação, visando produzir significados em outros campos de conhecimento e abordar enunciados para temáticas mais amplas. Em seguida, apresentamos a definição proposta pelo autor: O que se avança na proposta ora apresentada é essa heurística ser apenas o ponto de partida para constituir um campo de significados matemáticos suficientemente rico que permita, na sequência, que se estenda significados para outros campos. No aspecto operacional, trata-se de partir dos enunciados de problemas conforme eles aparecem nos atuais livros didáticos, a maioria vazados no campo de significados estritamente matemáticos e uma parte deles onde aparecem concepções, conceitos ou alusões a outros campos, mas segundo a linha de serem exemplos de “aplicações” da 26 Matemática para, através do acréscimo de um outro enunciado, apresentar questões de outros campos que guardam relações de similitude, analogia e/ou contraste com os conceitos matemáticos enfocados no respectivo enunciado inicial. Constitui-se assim um novo enunciado, de um problema ampliado, cuja resolução passa pela fase de solução da questão proposta no enunciado matemático, para daí abrir um terreno de questionamentos, consensos, divergências, num processo dialógico que envolva o professor e os estudantes de uma determinada classe e se expresse numa síntese (sempre provisória quando se trata de questões sócio-econômicas, mas que nem por isso abandona a importância de constituir-se em um nível de conhecimento que permita a análise e re-orientação de ações na realidade social brasileira). O método que anunciamos é, portanto, um processo dialógico e de síntese que denominamos de resolução do problema ampliado, distinto do termo solução, que se refere especificamente à fase de tratamento do enunciado do problema restrito ao campo do discurso matemático. Pela natureza do seu objeto e características de seu processo, denominamos esta proposta didático-pedagógica de Método de Resolução de Problemas Ampliados (BERGAMO, 2006, p. 9-10). Utilizando como pressuposto teórico a fundamentação apresentada por Bergamo (2006), consideramos que o método de resolução de problemas pode ser utilizado para tirar do campo teórico as possíveis aplicações da matemática frente ao contexto social e incorporar as mesmas nas dinâmicas escolares por meio de práticas didáticas que promovam o ensino e a aprendizagem de temáticas que contribuam para a formação do discente como cidadão ativo e crítico na problematização de sua realidade. Na Matemática, as diversidades podem ser trabalhadas por meio da resolução de Problemas Ampliados, que englobam questionamentos a respeito do tema estruturador, de modo a viabilizar o exercício da análise crítica do mesmo através de situações e episódios vinculados à realidade e vivências do aluno, assim contribuindo para mobilizar seus conhecimentos e possibilitar que o mesmo possa compreender os diversos fenômenos político-sociais da sociedade em que está inserido. Esses problemas são chamados de “Problemas Ampliados” (MORAES, 2013) por abordarem temas das diversidades humanas e questionamentos sociopolíticos. Portanto, a resolução de Problemas Ampliados com temas sobre as diversidades não se finda na solução numérica encontrada, mas usa esse 27 instrumento didático-pedagógico (o questionamento) para oportunizar reflexões e propostas de ação para a sala de aula. (MORAES, 2013). Assim, esta tese de doutorado investiga os motivos pelos quais os professores e as professoras não utilizaram em seu trabalho final do curso PMDD os Problemas Ampliados para ensinar e discutir os conteúdos da Matemática sob a ótica das diversidades. Como procedimento metodológico para coleta de dados utilizamos questionários (FIORINI; MANZINI, 2011) aplicados aos docentes que realizaram o curso PMDD. A partir dos resultados obtidos, levantamos experiências didáticas nacionais e internacionais com o intuito de identificar técnicas, métodos, recursos e materiais que são facilitadores para o trabalho envolvendo a Matemática e as diversidades. Mapeamos as práticas que possam colaborar para que a matemática e as diversidades estejam integradas ao trabalho docente e elaboramos uma nova proposta de atividades didáticas voltadas ao ensino da matemática na perspectiva das diversidades, utilizando os Problemas Ampliados, levando em consideração também os problemas que os professores tiveram e que resultaram na “não utilização” dos Problemas Ampliados em Matemática. Com isso, colaboramos para fortalecer a inserção de conteúdos de diversidades e diferenças no ensino de Matemática. 1.2 Trajetória profissional e acadêmica e interesse pelo tema Em 2006 iniciei meus estudos na Unesp de Presidente Prudente em Licenciatura em Matemática e em 2007 me transferi para Unesp de Bauru para o mesmo curso. Ainda em 2007 me inscrevi na Delegacia de Ensino (DE) me disponibilizando para substituições nas escolas públicas estaduais de Bauru – SP. Entrei na universidade pelo amor à matemática, durante a graduação me apaixonei pela área de ensino e as substituições nas escolas estaduais corroboraram com a ideia de lecionar e ser professor. Mesmo antes da formatura, eu já estava empregado em duas escolas da rede particular e a experiência na rede pública somada a rede particular 28 despertavam a necessidade de aliar estudo e pesquisa a minha prática de sala de aula. Formado, empregado e cheio de questionamentos, sempre busquei por leituras e formações que me levassem a uma melhor atuação profissional. Assim, em uma conversa com minha ex-professora de faculdade Dra. Mara Sueli Simão Moraes, que viria a ser minha orientadora no mestrado e no início do doutorado, recebi informações sobre um projeto da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo junto à Cesgranrio com o objetivo de identificar Boas Práticas Docentes no Ensino de Matemática, sendo esse o nome do projeto desenvolvido. Aliado as informações sobre este projeto, que eu viria a ser pesquisador de campo filmando aulas de matemática de professores distribuídos pelo centro-oeste paulista, com as informações sobre o mestrado em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru, me matriculei como aluno especial (ouvinte) nesse programa de pós-graduação. A participação no projeto Boas Práticas Docentes no Ensino de Matemática e as aulas no mestrado da Unesp me trouxeram a ideia que gerou meu projeto de mestrado e que foi mantido até minha defesa da dissertação. A ideia era bem simples, o projeto Boas Práticas Docentes no Ensino de Matemática ao ser concluído, e ele hoje é material de formação continuada de professores de matemática disponível de forma gratuita na internet sendo divulgado até mesmo pela Nova Escola e utilizado em HTPCs (hora de trabalho pedagógico coletivo) nas escolas, apontou boas práticas no ensino de matemática que me fizeram questionar se existiria ou existiriam situações facilitadoras ou dificultadoras da aplicação daqueles elementos que deveriam estar presentes naquilo que foi considerado uma boa aula de matemática, segundo dados obtidos em entrevistas com os professores participantes do projeto. Em 2014 terminei o mestrado e fui aprovado no processo seletivo do SESI do Estado de São Paulo, lecionando na unidade CE 439 (centro educacional) até 2017. Além das aulas no Ensino Fundamental e Médio, prestei serviço para o SENAI-SP elaborando concursos, depois analisando os resultados e propondo soluções pedagógicas para a recepção de alunos com déficits educacionais que ingressavam na instituição. 29 Nesses 10 anos lecionando vivenciei situações que geraram um descontentamento e uma inquietação que viriam a ser pesquisadas no meu doutorado. O fato do professor de matemática se ausentar de discussões que envolvessem temas como racismos, machismo, homofobia etc. me incomodava. Tais temas eram discutidos em sociologia, filosofia, língua portuguesa, história ou geografia, mas nunca em matemática. A matemática que poderia utilizar como argumentação a análise de dados, era deixada de lado. Nesses 10 anos percebi que os professores de matemática ensinavam apenas os conteúdos algébricos, geométricos, trigonométricos etc., mas distantes de uma análise crítica ou de um ensino cidadão. Quando situações adversas eram observadas, como o racismo em sala de aula, os alunos eram encaminhados a coordenação ou direção e o processo de formação cidadã que deveria ser aplicado era outorgado a outros profissionais que não o professor de matemática. Muitas vezes observei situação em que os alunos eram punidos, mas não se aproveitava o momento para sua formação, perdendo-se o processo de educar. Novamente em uma conversa com a professora Dra. Mara Sueli Simão Moraes sobre essas inquietações, a professora relatou sobre a aplicação de uma formação continuada sobre diversidades aplicada nas escolas estaduais e realizada pela parceria do MEC com as universidades públicas. Neste projeto, nenhum professor concluiu o curso utilizando em seu trabalho final a matemática e a Resolução de Problemas Ampliados para trabalhar temas das diversidades. Assim, surgiu a pesquisa de doutorado que gerou esta tese. Durante a pesquisa, continuei lecionando, tendo oportunidade de trabalhar no Ensino Superior e de conhecer a realidade do ensino de matemática em Portugal. Em 2019 fui contemplado com uma bolsa da AUIP (Asociación Universitaria Iberoamericana de Postgrado) indo a Portugal estudar na pós- graduação da Universidade de Lisboa em parceria com a pós-graduação da Unesp de Bauru, sendo orientado pelo professor catedrático da Universidade de Lisboa, o professor Doutor João Pedro Mendes da Ponte e realizando assim meu estágio de pesquisa internacional. A experiência educacional internacional contribuiu muito com a minha pesquisa e minha formação profissional. Em 2020 entrei em exercícios no serviço público federal como professor do Instituto Federal Farroupilha (IFFAR), em São Borja no Rio Grande do Sul, 30 após passar no concurso público, sendo essa instituição a qual leciono atualmente. Desde minha entrada no Instituto Federal Farroupilha, já se passaram quase 3 anos, envolvendo pesquisa, extensão e ensino. Sou um dos idealizadores da pós-graduação em ensino de ciências e matemática do meu campus, tirando ela do papel e a colocando em execução, além de recentemente trazer o projeto Residência Pedagógica do MEC de volta para o nosso campus, sendo o coordenador do projeto em minha unidade. Nestes últimos 15 anos de docência, atuei em todas as áreas de ensino, seja no Ensino Fundamental, Médio, Superior ou pós-graduação, na rede pública, privada ou mista, no ensino presencial e na EAD (Educação à Distância) e consegui desenvolver pesquisa, lecionando em período remoto por motivos da pandemia da Covid-19. As inquietações, as experiências profissionais e todo meu processo de formação, estudo e pesquisa me trouxeram até aqui, e mesmo tendo solucionado algumas perguntas, outras surgiram e surgirão e pretendo continuar esse processo de atuação como professor pesquisador, buscando aliar teoria e prática, iniciando agora um possível pós-doutorado ou uma especialização, buscando soluções através de novas pesquisas tão importantes para minha formação e para a educação em nosso país, nessa tríade pesquisa, extensão e ensino que o professor está inserido. 1.3 Estágio de pesquisa na Universidade de Lisboa em Portugal Em 2018 obtive contato com professores e pesquisadores que estudaram na Universidade de Lisboa em Portugal, que eram alunos do meu programa de doutorado e que fizeram o intercâmbio acadêmico conhecido como sanduiche. Esse foi meu primeiro contato com a realidade do ensino de Matemática em Portugal. Este contato despertou curiosidades e questionamentos sobre uma realidade educacional que poderia servir de grande valia para minha pesquisa. Assim, iniciei algumas pesquisas sobre essa realidade e as apresento em minha fundamentação teórica. 31 Ainda em 2018 decidi me inscrever no programa de bolsas da AUIP para concorrer a uma bolsa que iria me auxiliar na ida e na volta à Portugal. No edital eram disponibilizadas 57 bolsas no mundo, sendo que no máximo seriam aplicadas 3 para os brasileiros e eu, após apresentação do projeto, fui contemplado (ANEXO III e IV). Para que a realização do estudo e da pesquisa se desenvolvesse em Portugal, eu ainda precisaria de um orientador que me recebesse na universidade de destino, uma carta de indicação escrita pelo diretor da universidade que eu estava matriculado, uma boa pontuação em proficiência da língua inglesa, dinheiro para gastos como a mensalidade (chamada de propina em Portugal) da pós-graduação e dispensa momentânea das minhas funções na instituição de ensino que eu lecionava. Eu consegui a carta de indicação do meu pró-reitor (ANEXO VII) me sai muito bem na prova de proficiência em língua inglesa, consegui ajuda financeira do programa de pós-graduação em Educação para Ciências da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru, a qual estava matriculado, para pagar a mensalidade exigida pela pós-graduação da Universidade de Lisboa (ANEXO VI), já havia conseguido as passagens aéreas pela AUIP e, por fim, consegui alguns dias de férias e de trabalho remoto na instituição que eu lecionava, proporcionando assim um período factível para o desenvolvimento do estágio de pesquisa na Universidade de Lisboa (ULisboa), em Portugal. Dentre os ganhos acadêmicos obtidos nesta experiência está o fato de poder ter sido orientado do professor catedrático da Universidade de Lisboa, e mundialmente reconhecido por trabalhar com a Didática da Matemática, o professor Dr. João Pedro Mendes da Ponte (ANEXO VIII e IX). Nesta experiência internacional pude participar de discussões, orientações e entrevistas com a professora Dra. Joana Brocardo, professora de Educação Matemática, que trabalha há muitos anos com formação inicial e formação continuada de professores, atuando no Instituto Politécnico de Setúbal e no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, onde participa dos seminários de doutoramento e orienta teses de doutorado. Nosso primeiro contato ocorreu em seminários em que eram discutidos temas ligados a Didática da Matemática, sempre na presença do professor Dr. João Pedro Mendes da 32 Ponte e com participação de outros professores do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e alunos do programa de doutoramento da universidade. A professora Dra. Joana Brocardo é membro do Conselho Nacional de Educação de Portugal, sendo coordenadora de uma comissão permanente responsável por diversas questões relacionadas a crianças e jovens até os 15 anos de idade, acompanhando todas as medidas em ambiente nacional relacionadas ao currículo. Assim, em entrevista, a professora relatou o fato de existir uma disciplina de educação para cidadania, sendo ela uma disciplina obrigatória do currículo português de todos os anos de ensino até entrada no Ensino Superior. A disciplina é inserida em todas as áreas trabalhadas pelo professor nas fases iniciais do ensino, já que este profissional da educação, o pedagogo, é responsável por ensinar diferentes matérias, como português e matemática, bem como a cidadania. Nos outros ciclos há uma disciplina individual de cidadania, com um professor próprio para ministrá-la. A professora ainda acrescenta que as escolas possuem liberdade para trabalhar essa disciplina de forma interdisciplinar com outras áreas, sendo que na maioria das vezes é observado essa interação, mas alerta que existem casos em que ela é trabalhada de forma isolada, caso assim a equipe escolar opte. Ao relatar essa flexibilização a professora Dr. Joana Brocardo destaca outras liberdades que diferentes grupos escolares, chamados de agrupamentos, possuem, como por exemplo a escolha de se trabalhar por trimestres ou semestre, ou optar por desenvolvimento das aulas através de projetos. Reafirmando assim uma base nacional do currículo português, mas respeitando- se as diferentes realidades de cada agrupamento escolar. Entre as flexibilizações curriculares, ainda existe a opção de se flexibilizar 25% de todo o conteúdo curricular, sendo ele da matemática, história etc., segundo a professora entrevistada. Ao me aprofundar em questões e estudos sobre a disciplina de cidadania em Portugal, fui direcionado a conhecer, conversar e entrevistar a professora, socióloga, Dra. Cristina Gomes da Silva. Ao questionar a professora Dra. Joana Brocardo sobre a interdisciplinaridade da disciplina de cidadania com outras áreas, como a matemática, tentei realizar uma possível comparação com os Temas Transversais aqui do Brasil, temas estes que a professora Dra. Mara Sueli Simão Moraes chama de Temas Político-Sociais, mas me surpreendi ao 33 saber que lá também existem Temas Transversais, mas diferente dos daqui, são temas matemáticos como: resolução de problemas, raciocínio e a comunicação Matemática. Estes temas perpassam toda a Matemática de forma transversal aos conteúdos estudados, como, por exemplo, equações de primeiro grau. A interação da disciplina de cidadania com a Matemática ocorre, ou pode ocorrer, através de desenvolvimento de projetos, sendo a escola responsável pela escolha e execução. Ao questionar sobre a existência de disciplinas de cidadania no Ensino Superior de Portugal, fui informado pela professora Dra. Joana que depende, não havendo algo tão específico no curso de matemática, mas podendo ser discutido em seminários ou apresentações. Essa disciplina de cidadania estaria presente em cursos como sociologia, segundo a professora. O que me levou a perguntar qual professor estaria habilitado a lecionar a disciplina de cidadania no ensino regular, pois pareceu-me incialmente que apenas o professor de sociologia teria essa atribuição. Fui surpreendido ao saber que qualquer professor pode assumir essa disciplina, desde que comprove formação, habilitação e competência para trabalhar com a mesma. Por exemplo, um professor de matemática que pesquise sobre o tema, tem alguma especialização envolvendo a cidadania ou recebeu formação continuada, pode concorrer a essa disciplina. Novamente a professora destaca a importância da formação continuada do professor, algo muito valorizado em seu país. Dentre as mais variáveis discussões desenvolvidas, mas que não são foco dessa tese, pude conhecer um pouco do ensino pela EAD como recurso a comunidade circense ou famílias de feirantes que vivem se movimentando. Após as orientações do professor Dr. João Pedro Mendes da Ponte e entrevista com a professora Dra. Joana Brocardo, foi oportunizado que eu pudesse entrevistar uma professora de matemática que atua no ensino regular de uma escola pública de Portugal, conhecendo um pouco da realidade educacional de uma escola tradicional de Barreiro (cidade próxima a Lisboa, no distrito de Setúbal) e ainda entrevistar a professora e socióloga, Dra. Cristina Gomes da Silva, sendo ela indicada por Portugal como representante de questões ligadas a educação e cidadania no conselho da Europa, com foco na construção de uma sociedade mais inclusiva. 34 A professora Dra. Cristina Gomes da Silva, estudou em seu mestrado a escolarização dos estereótipos de gênero e sociais, pesquisando como esses estereótipos são transportados para dentro da escola. Em seu doutorado, se interessou por pesquisar como a democracia forma seus agentes e como os professores se enxergam como agentes da democracia e promotores da cidadania dentro da escola em um regime de democracia. Destacou em alguns momentos em sua fala, durante a entrevista, as diferenças da atuação do professor em democracias e em ditaduras. Atualmente a professora Dra. Cristina Gomes da Silva debate temas relacionados as diversidades e a formação cidadã dos educandos de maneira muito próxima ao que foi pesquisado nesta tese de doutorado. Vale evidenciar que minha experiência em Portugal aconteceu no momento em que o Brasil passou por uma mudança de governo com a entrada do presidente Jair Messias Bolsonaro, em janeiro de 2019 e, com isso, em muitas das entrevistas gravadas é possível observar discursos que abordam questões políticas. Sempre evidenciando a escolha negligente do povo brasileiro, apoiada na circulação de notícias falsa, as chamadas fake news, que segundo os professores entrevistados, escancara uma mudança não natural nos rumos da democracia, causando profunda preocupação aos demais países. Incluo aqui que essa preocupação política oportunizou que eu fosse convidado a participar da Conferência A educação e os Desafios do Futuro, realizado na Fundação Carlos Gulbenkian, em janeiro de 2019 (ANEXO V), com a presença e participação do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, alguns ministros, professores e pesquisadores que discutiam o futuro da educação de Portugal na Europa, havendo forte preocupação com o desenvolvimento de senso crítico e cidadão, para se combater, por exemplo, a disseminação de notícias falsas. Neste evento o Brasil foi citado algumas vezes como exemplo a não ser seguido, devido ao conhecimento público sobre a circulação de notícias falsas que levaram a eleição do atual presidente do Brasil, sendo está perpetuação de notícias falsas um dos fatores que levaram a mudança do rumo da democracia em nosso país. 35 2 OBJETIVOS: GERAL E ESPECÍFICO Iniciamos esta seção apresentando os questionamentos que motivaram a realização deste estudo e enunciamos formalmente a questão norteadora que orientou o desenvolvimento da fundamentação teórica e a escolha das metodologias empregadas na investigação. Definimos o objetivo geral de forma que ele contemple algumas das resoluções apresentadas para a questão norteadora. Em seguida, listamos os objetivos específicos como uma série de procedimentos que executamos para atingir o objetivo principal. Observamos que, de acordo com os resultados obtidos no desenvolvimento da pesquisa, os propósitos iniciais sofreram alterações para se adequarem as condições impostas pela pandemia da Covid-19, sendo a mudança mais drástica a exclusão da aplicação das atividades elaboradas como produto deste trabalho e a análise da interação das mesmas em situações reais de sala de aula, tendo como juízes de valor professores participantes do curso PMDD, professores do Ensino Básico e pesquisadores que trabalham com o tema. 2.1 Questão Norteadora Investigamos os motivos pelos quais os professores e as professoras não utilizaram em seu trabalho final do Curso de Formação de Material Didático para Diversidade os Problemas Ampliados para ensinar conteúdos da Matemática sob a ótica das diversidades. Como resultado, compreendemos algumas das dificuldades enfrentadas pelos docentes e quais são suas causas, assim, identificamos medidas que podem contribuir para diminuição dessas adversidades. Por meio de entrevistas realizadas através da aplicação de questionários para os docentes participantes, identificamos suas dificuldades em trabalhar com a metodologia de Resolução de Problemas Ampliados na abordagem das diversidades e, então, apreciamos suas considerações e elaborarmos novas 36 atividades para serem aplicadas. Fundamentado neste contexto, enunciamos nossa questão norteadora: “Como desenvolver atividades de matemática que contribuam para a prática docente dos professores que realizaram o Curso de Formação de Material Didático para Diversidade (PMDD) para trabalhar a temática das diversidades por meio da metodologia de Resolução de Problema Ampliados?” 2.2 Objetivo Geral Visando tratar do problema anteriormente anunciado, apresentamos a seguir o principal objetivo deste trabalho: Elaborar novas atividades de matemática que abordem temas das diversidades por meio de Problemas Ampliados. 2.3 Objetivos específicos Para atingir nosso objetivo geral realizamos procedimentos menores ao longo da pesquisa. São eles: • Investigar por meio de questionários (FIORINI; MANZINI, 2011) os motivos pelos quais os professores e as professoras não utilizaram em seu trabalho final do Curso de Formação de Material Didático para Diversidade (PMDD) os Problemas Ampliados para ensinar conteúdos da Matemática sob a ótica das diversidades; • Analisar os dados obtidos pelos questionários para identificar elementos que possam contribuir com a elaboração de atividades que sejam interessantes de serem aplicadas por docentes da disciplina de matemática que queiram contextualizar os conteúdos específicos com tópicos das diversidades; • Levantar experiências didáticas nacionais e internacionais que são consideradas “bem-sucedidas” no ensino de matemática na perspectiva das diversidades com o intuito de identificar técnicas, métodos, recursos 37 e instrumentos que são facilitadores para o trabalho envolvendo matemática e diversidades; • Contextualizar as experiências didáticas mapeadas e os resultados obtidos com a aplicação dos questionários das etapas anteriores para entender como utilizar essas informações para elaborar novas atividades voltadas ao ensino da matemática na perspectiva das diversidades, utilizando a metodologia de Resolução de Problemas Ampliados (MORAES; PAULA, 2015). 38 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Pesquisas realizadas dos últimos anos, como a “Pesquisa sobre preconceito e discriminação no ambiente escolar”, publicada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) em 2009, transcorreu dados sobre preconceitos e discriminação no ambiente escolar baseando-se no desempenho de alunos e alunas na Prova Brasil realizada no ano de 2007. Os apontamentos mostram que nas escolas com maior incidência de preconceitos e discriminações o aprendizado é pior, (o desempenho foi inferior na Prova Brasil de 2007). Se considerarmos as escolas em que há maior preponderância de atitudes que enfatizem o respeito às diferenças, o resultado na mesma avaliação é mais positivo. Assim, pode-se observar, por meio desta pesquisa, uma relação entre a qualidade do ensino e a presença ou a falta de respeito às diferenças (VENCATO, 2014b). Apesar de ser um tema contemporâneo, alguns materiais sobre diversidades e diferenças já estão disponíveis em publicações da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). A discussão sobre o currículo escolar pautada nas diversidades, mesmo que pouco praticada, já tem sido alvo de debates há alguns anos, como por exemplo no livro “Inclusão: um guia para educadores”, de Stainbak & Stainback de 1999. Mas como lidar com essa questão? Segundo Miskolci (2012): [...] conviver com a diversidade não quer dizer aceitá-la. Em termos teóricos, diversidade é uma noção derivada de uma concepção muito problemática, estática de cultura (...) na qual se pensa: há pessoas que destoam da média e devemos tolerá- las. (MISKOLCI, 2012, p. 46). França (2010) apud Silva (2015) diz que tolerar o outro está relacionado com uma aceitação com indulgência. Entender que existem pessoas que não se enquadram em padrões sociais e que não seguem preceitos de uma cultura dominante; por isso a diferença é uma opção como categoria “analítica e mobilizadora” (SILVA, 2015). Assim, educar para uma convivência tolerante, respeitosa, tem se tornado um desafio. Fala-se de inserir conteúdos sobre respeito às diferenças na escola, 39 mas primeiramente o professor é quem deve autoanalisar os seus preconceitos, e superá-los. Assim como o olhar para o outro, que é tido como diferente, deve ser menos receoso. Silva (2015) aponta que este olhar para o diferente, historicamente, tem sido mais tratado como problema do que algo que faça parte da vivência humana, como aspecto enriquecedor para o aprendizado. A escola é um dos principais espaços que proporcionam o contato com essas diferenças, porém este relacionamento raramente é discutido em sala de aula, nem analisado criticamente. As particularidades, as diferenças de cada um, quando mais grave, viram motivo de piadas, bullying. Em muitos casos, vê-se que as escolas e direção não problematizam essas violências ocorridas no ambiente escolar, considerando que não é digno levar esses temas para a sala de aula. Assim, contribuem para silenciar esses assuntos (SILVA, 2015). Em meio a isso, percebe-se que, ao não incluir temas sobre as diversidades nas aulas, a escola acaba contribuindo para perpetuar padrões e modelos tradicionais de ser, agir etc. “A escola não é apenas um ambiente de reprodução da ordem social, é também de contestação desta” (SILVA, 2015, p. 20). Diante deste contexto, entendemos melhor o papel que a escola tem diante a discussão desse tema, que também pode e deve ser levado em forma de conteúdo, dialogando com todas as disciplinas, inclusive matemática, que pode contribuir com o tema. Importante salientar que atrelar as diversidades com a Matemática é um trabalho que precisa considerar e dialogar com a realidade do aluno para que possibilite mobilizar seus conhecimentos, com intuito de fazê- lo compreender fenômenos político-sociais, que perpassam seu dia a dia. Essa problematização denomina-se “problemas ampliados”, uma abordagem que preza por questionamentos sociopolíticos e as diversidades humanas. Assim os problemas matemáticos apresentados, do ponto de vista dos problemas ampliados, podem se utilizar de temas referentes às diversidades como eixos estruturadores do estudo. Ao resolver um problema ampliado de Matemática, deve promover reflexão, propiciando assim uma formação crítica, voltada para uma sociedade democrática, que valoriza o respeito às diferenças humanas. 40 Propõe-se, para esse trabalho, uma perspectiva político-social, que direcione a construção que assegure a todos e todas uma realização plena de suas potencialidades existenciais. Este caminho conduz a: [...] construção de uma nova sociedade que permita ao homem reconciliar sua essência com sua existência e seus princípios gerais com seus valores concretos. Nessa nova sociedade ascenderemos a uma ética e a uma cidadania mediadas por uma educação que realize a verdadeira emancipação humana (SAVIANI, 1997, p.10) Além de considerar a vivência dos alunos, seu contexto social, as condições históricas e políticas, é importante trabalhar de forma que se permita garantir a interação entre os alunos, através de atividades colaborativas e cooperativas. 3.1 As Diversidades no Ambiente Escolar A diversidade é um conceito razoavelmente novo dentro do contexto acadêmico educacional, no entanto, é de extrema importância para o desenvolvimento social de uma nação, uma vez que propõe a inclusão de todos os indivíduos de forma ampla e defende o devido respeito para suas diferenças. Sendo assim, é fundamental que que a mesma seja trabalha no ambiente escolar, visto que é por meio dela que os estudantes passam a conhecer e respeitar a pluralidade de gênero, cor, religião, comportamento e cultura, entre outros, que estão presentes dentro da sala de aula e, de forma generalizada, em suas vivencias na sociedade (MARTINS, FREITAS, FELDKERCHER, 2009). O conceito de diversidades está diretamente interligado com a aceitação e respeito as diferentes culturas e suas múltiplas configurações sociais. Uma vez que cada cultura estabelece suas próprias caracterizações sobre as formas de existir no mundo, que podem ser expressas por meio de tradições, crenças, comportamentos, valores, expressões artísticas, entre outros. O contexto da formação histórico-social do Brasil fez com que seu território nacional fosse tomado por uma enorme pluralidade de culturas que precisam ser aprendidas e respeitadas por todos e, consequentemente, precisam ser trabalhados dentro do 41 ambiente escolar para uma conscientização adequada das mesmas (FERREIRA, 2015). Para exemplificar a importância do respeito e da preservação da diversidade na sociedade, consideremos o caso da biodiversidade (entendida como diversidade biológica) que descreve a variabilidade de plantas, animal e microrganismos que fornecem materiais para produção de alimentos, remédios e ferramentas necessárias para a sobrevivência. De forma análoga, a manutenção da diversidade cultural garante a preservação dos diferentes extratos culturais de cada grupo, sobretudo das minorias. A defesa das diversidades representa defender o direito de que todos possam existir à sua maneira, respeitando as diferenças pertencentes a cada um, promovendo a liberdade de expressão e, portanto, a mesma deve ser entendida como um princípio ético fundamental para o estabelecimento de uma sociedade que aprecie todos os grupos de pessoas, sobretudo as minorias, sendo esse um dos preceitos básicos dos diretos humanos. Para reforçar esse posicionamento, relembramos o artigo no 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948) e o artigo no 5 da Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2002): Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, que são universais, indissociáveis e interdependentes. O desenvolvimento de uma diversidade criativa exige a plena realização dos direitos culturais, tal como os define o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos e os artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Toda pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda pessoa tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias práticas culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2002, p. 3). Por meio desse recorte observamos quão necessário é que os ensinamentos sobre o respeito às diversidades sejam realizados dentro do ambiente escolar, uma vez que é um requisito fundamental para a devida 42 formação ética e moral do aluno como cidadão, sendo um princípio necessário para alcançamos a construção de uma sociedade mais acolhedora e que busque constantemente alcançar a igualdade e a justiça social. Diversos professores, principalmente aqueles que trabalham com disciplinas de ciências exatas, entendem a sala de aula como um ambiente onde ocorre a exposição teórica de conteúdos acadêmicos voltados para avaliação e para formação técnica do estudante, sem considerar a verdadeira dimensão formativa que deve ser instaurada nesse espaço educacional. A escola deve contemplar uma perspectiva de aprendizagem voltada para a temática dos valores éticos necessários para um bom convívio em sociedade. Sendo assim, além de aprender sobre matemática e história, o aluno também deve desenvolver sua própria visão de mundo fundamentada nesses conhecimentos, estabelecendo um pensamento apropriado sobre a compreensão da sociedade e sobre o respeito aos seus indivíduos e suas diferenças. A prática do bullying no ambiente escolar, e suas consequências negativas para o desenvolvimento dos alunos, é um assunto que recentemente ganhou destaque na mídia e, consequentemente, no meio acadêmico. Muitas vezes, esse é o primeiro contato direto do discente com situações de preconceito com colegas e professores. Logicamente, a escola se torna palco para o tratamento dessas problemáticas, sendo necessário conscientizar os estudantes sobre as diversidades e sobre o respeito com as diferenças dos outros indivíduos com que convivemos. A importância social de discutirmos a temática das diversidades no ambiente escolar está fundamentada nas principais diretrizes educacionais nacionais, sendo inclusive uma das competências gerais do ensino básico previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018), que diz o seguinte: Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. (BRASIL, 2018, p. 10). 43 O problema do preconceito e da discriminação entre os jovens dentro das instituições de ensino é uma das causas preocupantes que provoca a evasão escolar, uma vez que privam os alunos do acesso à educação que é direito de todos. Visando tratar dessa adversidade, o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014) orienta que a temática das diversidades seja tratada com destaque para sua importância dentro das escolas, prezando pelo trabalho voltado para o fim da discriminação em todos os locais. No mesmo sentido, o Ministério da Educação aborda a diversidade cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) (BRASIL, 1998) para o Ensino Fundamental por meio do estabelecimento dos seguintes objetivos: • Conhecer a diversidade do patrimônio etnocultural brasileiro e ter atitude de respeito para com pessoas e grupos que a compõem, reconhecendo a diversidade cultural como direito dos povos e dos indivíduos, e elemento de fortalecimento da democracia. • Valorizar as diversas culturas presentes na constituição do Brasil como nação e reconhecer sua contribuição no processo de constituição da identidade brasileira, valorizando criticamente as qualidades da própria cultura e enriquecendo a vivência de cidadania. • Desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem discriminação. • Repudiar toda discriminação baseada em diferenças de raça/etnia, classe social, crença religiosa, sexo e outras características individuais ou sociais. • Exigir respeito para si, denunciando qualquer atitude de discriminação que sofra, ou qualquer violação dos direitos de criança e cidadão. • Valorizar o convívio pacífico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural. • Compreender a desigualdade social como um problema de todos e uma realidade passível de mudanças. Para organizar a estrutura de trabalho que deve ser realizado para atingir os objetivos elencados nos PCN’s em relação à temática das diversidades na educação, e visando contribuir com a prática docente, os tópicos que devem ser 44 discutidos na abordagem da pluralidade cultural são previstos em blocos, mas devem ser considerados complementares entre si. A seguir, apresentamos a organização dos mesmos. O bloco sobre a Pluralidade Cultural e a Vida das Crianças no Brasil contempla a diversidade sociocultural do país, propondo a discussão dos aspectos que são comuns aos grupos culturais, como vida familiar, temporalidade, espacialidade, política e educação. Seus conteúdos específicos são listados como: Espaço e pluralidade; Tempo e pluralidade; Vida sociofamiliar e comunitária; Pluralidade e educação. O bloco que aborda a Pluralidade Cultural no Brasil e sua Situação Atual inicia-se propondo a discussão sobre a construção histórico-social da população brasileira e a riqueza de suas diversidades, de modo que o discente conheça os diferentes povos que compõem e habitam nosso território nacional, bem como tenha o conhecimento sobre outras formas e filosofias de visa além da sua. Os conteúdos trabalhados são: Continentes e terra de origem dos povos do Brasil; Trajetórias das etnias no Brasil; Panorama da situação atual dos diferentes povos do Brasil. O bloco denominado O Ser Humano como Agente Cultural e Produtor de Cultura trata do ensino e aprendizagem das diferentes linguagens e formas de expressão que contribuem para a identificação de cada grupo social, por meio desse tópico é possível estabelecer um diálogo entre esses diferentes indivíduos, visando reconhecer e diferenciar elementos comuns e singulares em cada cultural. Os conteúdos para serem trabalhados envolvem: Linguagens da pluralidade nos diferentes grupos étnicos e culturais do Brasil; Línguas; Produção de conhecimento. O bloco de Pluralidade Cultural e Cidadania discute as estratégias para que haja equilíbrio entre as culturas, um tópico valioso para garantir uma convivência harmoniosa e coexistência entre todos os grupos étnicos dentro da sociedade, respeitando os princípios fundamentais da democracia, o cumprimento dos direitos e deveres, e o respeito as identidades e diferenças de cada um. Os tópicos estudados nesse momento são: Organização política e pluralidade; Pluralidade e direitos; Situações urgentes no Brasil em relação aos direitos da criança; Fortalecimento da cidadania. 45 Além dessa organização, também existem conteúdos que são comuns a todos os blocos de ensino da temática de diversidades. Nesse sentido, é recomendado que o professor faça uso dos seguintes critérios: • Intercâmbio de informações com crianças de diferentes lugares do País, por meio de cartas, jornais, vídeos, fitas cassetes etc.; • Preparação de roteiros, levantamento e escolha de fontes diversas para entrevistas, depoimentos, observações, pesquisas, entre outros, além de sua efetivação; • Reprodução de instrumentos, técnicas, objetos e formas de representação de diferentes culturas para analisar e compreender suas estruturas e funcionamentos; • Uso de textos escritos e orais, e representações gráficas (narrativas, reportagens, pesquisas, objetos, fotos, ilustrações, maquetes, desenhos etc.), tanto para busca de informações (levantamento, seleção, observação, comparação, interpretação) quanto para registro e comunicação de dados (anotação, reprodução, discussão, reinterpretação). Apesar de o Brasil possuir uma das pluralidades culturais mais ricas e diversificadas do mundo, a temática das diversidades não é exclusivamente tratada em nosso território nacional. Para demonstrar a importância internacional desse assunto, observamos que a Organização das Nações Unidas (ONU) ao estabelecer seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2018), apresenta um conjunto de 17 objetivos ambiciosos e interconectados que abordam os principais desafios para o desenvolvimento e que são definidos da seguinte forma: Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Estes são os objetivos para os quais as Nações Unidas estão contribuindo a fim de que possamos atingir a Agenda 2030 no Brasil. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2018). 46 Nesse sentido, o ODS de número quatro é intitulado Educação de Qualidade, demonstrando a importância de uma formação acadêmica adequada para o combate contra as desigualdade e injustiças. Uma das metas desse item consiste em eliminar até 2023 as disparidades de gênero, visando garantir a igualdade de acesso de todos aos diferentes níveis de educação, incluindo minorias como deficientes, povos indígenas e crianças que estejam em situação de vulnerabilidade. Os ODS de números 5 e 10 são denominados Igualdade de Gênero e Redução das Desigualdades, respectivamente. Essas duas metas tratam diretamente da temática das diversidades ao promoverem a igualdade entre os indivíduos de uma mesma sociedade por meio de perspectivas distintas, sendo que ambas constituem mazelas sociais que podem ser verificadas em diferentes dimensões e que produzem problemas preocupantes com relação a formação do cidadão e ao convívio igualitário entre as pessoas. A ONU também destaca que ao promovermos a valorização e o respeito as diferentes culturas estamos contribuindo para que os países em desenvolvimento possam crescer com um comportamento mais sustentável, possibilitando melhores condições e qualidade de vida aos seus cidadãos, além de uma participação mais igualitária e significativa na economia mundial, por meio de seus bens e produtos. O plano de ação previsto na Declaração dos Direitos Humanos no que toca ao atendimento das diversidades na educação tem os seguintes objetivos: • Promover, por meio da educação, uma tomada de consciência do valor positivo da diversidade cultural, adequando para esse fim a formulação dos programas escolares e a formação dos docentes; • Incorporar no processo educativo, quando apropriado, métodos pedagógicos tradicionais para preservar e otimizar métodos culturalmente adequados de comunicação e transmissão do saber; • Fomentar a “alfabetização digital” e promover as competências nas novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), que devem ser consideradas simultaneamente disciplinas de ensino e instrumentos pedagógicos capazes de fortalecer a eficácia dos serviços educativos. 47 A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) elaboraram a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, um documento que estabelece a diversidade cultural como um patrimônio comum da humanidade que precisa ser respeitado e preservado. A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade manifesta-se na originalidade e na pluralidade das identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é tão necessária para o gênero humano como a diversidade biológica o é para a natureza. Neste sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em benefício das gerações presentes e futuras. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2002, p. 3). Essa declaração atua como um documento norteador de referência mundial para orientar todos os indivíduos e nações sobre as formas adequadas de convivência que assegurem o respeito e a preservação da diversidade cultural, sendo esse também um dos tópicos presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que aprecia questões importantes no que diz respeito ao direito à liberdade, aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, dentre outros princípios que asseguram a igualdade. Tais documentos possuem como objetivo primário incentivar a defesa da liberdade no quesito das singularidades no campo das ideias, da espiritualidade, da materialidade, da intelectualidade, da afetividade, das artes, dos sistemas, dos valores, das tradições e das formas de viver. Nesse sentido, destacamos a relevância de que todos tenham empatia pela diversidade cultural, visto que a mesma é fundamental para a coesão social, o desenvolvimento econômico, a tolerância, o diálogo, a cooperação, a solidariedade, a união entre os povos, a confiança mútua, a paz e segurança mundial. Nesse sentido, fica destacado o papel fundamental do trabalho educacional para garantir que o aluno se torne um cidadão consciente sobre a importância de respeitar, cumprir e defender as propostas enunciadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, visando a estruturação de uma sociedade que respeite e saiba conviver com as diversidades, como apresentado: 48 A difusão da cultura e a educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz são indispensáveis à dignidade humana e constituem um dever sagrado que todas as nações devem cumprir com espírito de assistência mútua. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2002, p. 1). Uma vez verificado que as diversidades estão sendo consideradas nos diferentes documentos e instituições que regulamentam e orientam o processo de ensino e aprendizagem no Brasil, bem como está prevista para ser apreciada segundo recomendações internacionais, concluímos que é de grande importância que essa temática esteja presente dentro do ambiente escolar, para que o mesmo configure-se como um espaço inclusivo e de respeito as individualidades dos alunos, se tornando palco para o debate dos diversos aspectos culturais da sociedade. Para atender as necessidades frente a valorização das diferentes culturas, e garantir que a temática das diversidades esteja efetivamente inserida nas discussões escolares, algumas atitudes e propostas vem sendo executadas. Cursos que promovem a formação continuada de professores, como o PMDD, visam qualificar os docentes para que estejam aptos e se sintam confortáveis e seguros para trabalhar com esse assunto. Ações de acolhimento, campanhas de conscientização, e a criação de núcleos e espaços de discussão são alguns exemplos de políticas que estão cada vez mais presentes nas escolas, no entanto, é notório que esse é apenas um passo em uma longa jornada para uma mudança que precisa ser ainda mais profunda. 3.2 Metodologia de Resolução de Problemas Ampliados Observamos as competências que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) recomenda que sejam desenvolvidas no estudo da matemática, priorizando o letramento básico na disciplina, ao longo do ensino básico: [...] definido como as competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma 49 variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas (BRASIL, 2017, p.264). Visando atender o desenvolvimento dessas competências, destacamos que a resolução de problemas, uma das principais propostas pedagógicas discutidas dentro das tendências metodológicas em Educação Matemática, pode ser útil para esse propósito. Essa abordagem pode ser caracterizada por possibilitar a prática de atitudes e capacidades intelectuais que são necessárias para a elaboração de estratégias usada no tratamento de situações problemas que devem instigar o questionamento e o raciocínio lógico, e atrelados ao despertar da curiosidade nos alunos, tornando-os capazes de lidar com essas adversidades e propiciando a melhoria das habilidades de leitura, interpretação e resolução de problemas teóricos e aplicados. Os Parâmetro Curriculares Nacionais (PCN’s) reforçam as habilidades que podem ser desenvolvidas pela metodologia de resolução de problemas, destacando sua importância na formação matemática: [...] a Resolução de Problemas pode desenvolver habilidades que permitam pôr à prova os resultados, testar seus efeitos, comparar diferentes caminhos para obter a solução. Nessa forma de trabalho, o valor da resposta correta cede lugar ao processo de resolução (BRASIL, 1997, p.45). Novamente, a BNCC também destaca a importância da aprendizagem realizada por meio da prática da resolução de problemas para a adequada formação dos alunos no curso de ensino fundamental: Os processos matemáticos de resolução de problemas, de investigação, de desenvolvimento de projetos e da modelagem podem ser citados como formas privilegiadas da atividade matemática, motivo pelo qual são, ao mesmo tempo, objeto e estratégia para a aprendizagem ao longo de todo o Ensino Fundamental. Esses processos de aprendizagem são potencialmente ricos para o desenvolvimento de competências fundamentais para o letramento matemático (raciocínio, representação, comunicação e argumentação) e para o desenvolvimento do pensamento computacional (BRASIL, 2017, p. 264). A prática de resolução de problemas remete a origem da humanidade e sua capacidade, estando sempre presente ao longo de sua história, como uma 50 atividade necessária para sobrevivência e evolução. A singularidade humana referente a capacidade de encontrar a solução de suas problemáticas é destacada por Krulik e Reys (1997): Resolver problemas é a realização específica da inteligência, e a inteligência é o dom específico do homem. A capacidade de contornar um obstáculo, empreender um caminho indireto, onde nenhum caminho direto se apresenta, coloca o ser inteligente acima do estúpido, coloca o homem muito acima dos mais inteligentes animais e homens de talento acima de seus próximos. Resolver problemas é da própria natureza humana. Podemos caracterizar o homem como o “animal que resolve problemas”, seus dias são preenchidos com aspirações não imediatamente alcançáveis. A maior parte de nosso pensamento consciente é sobre problemas; quando não nos entregamos a simples contemplação, ou devaneios, nossos pensamentos estão voltados para algum fim. (KRULIK; REYS, 1997, p. 2). Da perspectiva teórica, entendendo a resolução de problemas como um campo de estudo e de pesquisa que explora a elaboração de práticas didáticas voltadas para sala de aula, um dos primeiros escritos que podem ser referenciados sobre a temática é o livro A Arte de Resolver Problemas (1945) de autoria de George Polya, em que são apresentados os quatro passos fundamentais que são necessários para efetiva aplicação das técnicas previstas na metodologia. Primeiro temos de compreender o problema, temos de perceber claramente o que é necessário. Segundo, temos de ver como os diversos itens estão inter-relacionados, como a incógnita está ligada aos dados, para termos a ideia de resolução, para estabelecermos um plano. Terceiro, executamos o nosso plano. Quarto, fazemos um retrospecto da resolução completa, revendo-a e discutindo-a (POLYA, 1995, p.3-4). Ainda segundo Polya (1995), a prática de resolução de problemas no ambiente de ensino é composta por dois aspectos relevantes, o primeiro sendo considerado mais tradicional, sistemática e dedutivo, estando bem fundamentado na matemática. O segundo, pode ser caracterizado como sendo indutivo e experimental, e nesse contexto entendemos que a matemática ultrapassa as possibilidades, visto que dessa forma podemos criar novas 51 estratégias para solucionar situações-problemas diferenciadas, envolvendo temáticas específicas como as diversidades. Uma vez que a prática de resolução de problemas está presente a muito tempo, e possui papel relevante, na história da humanidade, é natural que outras perspectivas e concepções diferentes sobre o assunto sejam produzidos. Apesar de Polya ser uma das grandes referências sobre o assunto, pesquisadores como Hatfield (1978), Schroeder e Lester (1989) também contribuíram para o entendimento dessa temática e sua utilização dentro do campo de ensino e aprendizagem. O trabalho desses autores apresenta três maneiras diferentes de aplicar essa metodologia na sala de aula, são ela: o ensino sobre Resolução de Problemas, o ensino para Resolução de Problemas e o ensino via/através da Resolução de Problemas. Para compreender as três maneiras de aplica a metodologia de resolução de problemas no ambiente escolar recorremos aos estudos desenvolvidos por Allevato e Onuchic (2014). Segundo as autoras, o ensino sobre a Resolução de problemas pode ser considerado como um novo conteúdo que deve ser compreendido, uma vez que serão abordadas etapas, processos e procedimentos específicos para a resolução de um problema, que não obrigatoriamente exploram o viés matemático do mesmo. Essa primeira maneira remete ao conceito proposto por Polya (1995), devido as semelhanças de suas concepções. A segunda maneira, denominada de ensino para Resolução de Problemas, apresenta práticas cujo foco não está exclusivamente vinculado a resolução de problemas enquanto método didático, mas atribui ênfase para a aplicações dos métodos matemáticos como recurso pedagógico. “Nessa visão, a matemática é considerada utilitária de modo que, embora a aquisição de conhecimento matemático seja de primordial importância, o propósito principal do ensino é ser capaz de utilizá-lo” (ALLEVATO, ONUCHIC, 2014, p.38). Por fim abordamos a terceira maneira, conhecida como o ensino via/através da Resolução de Problemas, em que a abordagem do problema é utilizada como incentivo e ponto de partida para proporcionar o ensino dos conteúdos matemáticos. Allevato e Onuchic (2014) consideram que essa é uma 52 abordagem mais atual, e destacam que essa “é uma das alternativas metodológicas adequadas ao cenário de complexidade em que se apresentam atualmente as escolas, onde se insere o relevante trabalho do educador matemático” (ALLEVATO; ONUCHIC, 2014, p. 39). Nesse sentido, Dante (1991), também reforça que a metodologia de resolução de problemas não deve ser entendida apenas como um procedimento matemático para exercitar a manipulação de equações. O trabalho docente é essencial para transformar a abordagem do problema em recurso pedagógico que permita o ensino e a aprendizagem dos conteúdos. Ensinar a resolver problemas é uma tarefa muito mais complexa do que resolver algoritmos e equações. A postura do professor ao ensinar um algoritmo é, em geral, a de um orientador dando instruções, passo a passo, de como fazer. Na resolução de problemas, ao contrário o professor deve funcionar como incentivador e moderador das ideias geradas pelos próprios alunos. (DANTE, 1991, p. 52). Apesar de todas essas conceções, os PCN’s também apontam que os atuais empregos da metodologia de resolução de problemas de matemática não estão sendo satisfatórios, uma vez que não abordam a dinâmica da realidade discente em sala de aula, ou seja, não contemplam as experiências dos alunos e suas riquezas como recurso pedagógico. Os problemas não têm desempenhado seu verdadeiro papel no ensino, pois na melhor das hipóteses, são utilizados apenas como forma de aplicação de conhecimentos adquiridos anteriormente pelos alunos, tendo em vista que, a prática mais frequente consiste em ensinar um conceito, procedimento ou técnica e depois apresentar um problema para avaliar se os alunos são capazes de empregar o que lhe foi ensinado. Para a grande maioria dos alunos, resolver um problema significa fazer cálculos com os números do enunciado ou aplicar algo que aprenderam nas aulas. (BRASIL, 1997, p.42). A utilização da metodologia de resolução de problemas como prática de aula para o ensino de matemática deve propiciar ao discentes um papel de protagonista em uma aprendizagem que possa ser mais efetiva, visto que o trabalho resultante de seu raciocínio deve agir sobre sua realidade. Dessa forma, a própria proposta did