UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: LINGUAGEM – EXPERIÊNCIA – MEMÓRIA - FORMAÇÃO PINÓQUIO E A FESTA DO CORPO: EM ARTESANIAS, A VIDA ESPETÁCULO CAROLINA GONÇALVES SOUZA Tese apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação. Setembro - 2017 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: LINGUAGEM – EXPERIÊNCIA – MEMÓRIA - FORMAÇÃO PINÓQUIO E A FESTA DO CORPO: EM ARTESANIAS, A VIDA ESPETÁCULO CAROLINA GONÇALVES SOUZA ORIENTADORA: PROFª DRª MARIA ROSA RODRIGUES MARTINS DE CAMARGO Tese apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação. Setembro - 2017 Souza, Carolina Gonçalves Pinóquio e a festa do corpo: em artesanias, a vida espetáculo / Carolina Gonçalves Souza. - Rio Claro, 2017 119 f. : il., figs. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo 1. Literatura infantojuvenil. 2. Collodi. 3. Riso. 4. Escrita inventiva. I. Título. 028.5 S729p Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP 1 AGRADECIMENTOS A meus pais e meu irmão, que me ajudaram durante todo este tempo e que tivera muita paciência nestes quatro anos. Ao meu esposo Rafael, pela compreensão e leituras críticas. A todos os amigos do Laboratório EscriArte, pelas experimentações, devaneios, viagens, leituras, estudos e discussões. Aos professores Norma e César, pelas contribuições por ocasião do exame de qualificação. À amiga Eliane, um agradecimento especial. Pelo caminhar junto, por todos (e muitos) os auxílios que tem me dado quando preciso. A todos os amigos da Escola Municipal Pastor Nephtali Vieira Junior, por compreenderem as ausências, as intercorrências, as demoras... Pelos empurrões e pelas palavras de coragem. A todos os outros amigos que de alguma forma torceram por este momento: Marcela, Gleison, Greice, Sandra, Marina, Denise, Tatiana, Alessandra, Núbia, Jean, Joana, Edemilson, Rodrigo, Joyce, Eliana, Mateus, Juliana, Filipe... Difícil enumerar todos (ainda bem!). Ao professor Jorge Mialhe, por indicações de leitura referente à história da Itália, necessárias em certo momento da pesquisa. À Simone Nunes, pesquisadora que conheci no decorrer da escrita da tese, que muito contribuiu com referências. À Christiane Mazzotta, pela revisão das traduções do italiano para o português. À Isabella Belcari, representando a Fundação Nacional Carlo Collodi, pelas contribuições com informações, referências e contatos. À professora Maria Augusta (in memorian). Uma parte do meu caminhar. À professora Maria Rosa, grande orientadora, meu “Grilo-Falante”. Flor do campo, fruta silvestre. Intervenção-pétala: muito obrigada pelas delicadezas. Um verso, um brinde... Enfim, contrariando a música, “vocês sabem o quanto eu caminhei”... 2 DEDICATÓRIA Aos amantes da literatura Aos sonhadores Àqueles que se arriscam trilhar outros caminhos 3 Viva La Vida Guy Berryman, Jonny Buckland, Will Champion, Chris Martin, por Coldplay I used to rule the world Seas would rise when I gave the word Now in the morning I sleep alone Sweep the streets I used to own I used to roll the dice Feel the fear in my enemy's eyes Listen as the crowd would sing "Now the old king is dead! Long live the king!" One minute I held the key Next the walls were closed on me And I discovered that my castles stand Upon pillars of salt and pillars of sand I hear Jerusalem bells are ringing Roman Cavalry choirs are singing Be my mirror my sword and shield My missionaries in a foreign field For some reason I can't explain Once you go there was never Never an honest word That was when I ruled the world It was the wicked and wild wind Blew down the doors to let me in Shattered windows and the sound of drums People couldn't believe what I'd become Revolutionaries wait For my head on a silver plate Just a puppet on a lonely string Oh who would ever want to be king? I hear Jerusalem bells are ringing Roman Cavalry choirs are singing Be my mirror my sword and shield My missionaries in a foreign field For some reason I can't explain I know Saint Peter won't call my name Never an honest word But that was when I ruled the world I hear Jerusalem bells a ringing Roman Cavalry choirs are singing Be my mirror my sword and shield My missionaries in a foreign field For some reason I can't explain I know Saint Peter will call my name Never an honest word But that was when I ruled the world Viva a Vida (tradução) Eu costumava dominar o mundo Mares se agitavam ao meu comando Agora, pela manhã, durmo sozinho Varro as ruas que costumava possuir Eu costumava jogar os dados Sentia o medo nos olhos dos meus inimigos Ouvia como o povo cantava "Agora o velho rei está morto! Vida longa ao rei! " Um minuto eu detinha a chave Depois as paredes se fechavam em mim E percebi que meu castelo estava erguido Sobre pilares de sal e pilares de areia Eu ouço os sinos de Jerusalém tocando Os corais da cavalaria romana cantando Seja meu espelho, minha espada e escudo Meus missionários em uma terra estrangeira Por um motivo que eu não sei explicar Quando você se foi não havia Nunca uma palavra honesta Era assim, quando eu dominava o mundo Foi o terrível e selvagem vento Que derrubou as portas para que eu entrasse Janelas destruídas e o som de tambores O povo não poderia acreditar no que me tornei Revolucionários esperam Pela minha cabeça em um prato de prata Apenas uma marionete em uma solitária corda Oh, quem realmente ia querer ser rei? Eu ouço os sinos de Jerusalém tocando Os corais da cavalaria romana cantando Seja meu espelho, minha espada e escudo Meus missionários em uma terra estrangeira Por um motivo que eu não sei explicar Eu sei que São Pedro não chamará meu nome Nunca uma palavra honesta Mas, isso foi quando eu dominava o mundo Eu ouço os sinos de Jerusalém tocando Os corais da cavalaria romana cantando Seja meu espelho, minha espada e escudo Meus missionários em uma terra estrangeira Por um motivo que eu não sei explicar Eu sei que São Pedro chamará meu nome Nunca uma palavra honesta Mas isso foi quando eu dominava o mundo 4 RESUMO A presente tese de doutorado tem por intento buscar compreender o que vem a ser o aspecto da humanização no boneco-personagem Pinóquio, adentrando, interrogando, conhecendo, ainda que parcialmente, em quais condições a obra foi escrita. O percurso metodológico seguiu de acordo com o paradigma indiciário proposto por Ginzburg e a ideia de artesania desenvolvida por Santos, entrelaçando pesquisa bibliográfica à releitura da obra, seguindo pistas referentes à vida do autor – Carlo Collodi, compondo uma narrativa científico-poética. Os aportes teóricos sobre o estudo da linguagem abarcam os escritos de Bakhtin, Rancière, Benjamin e Deleuze e Guattari, além das provocações de Calvino sobre a escrita. Autores como Marcheschi, Bertacchini, Biagi, Lorenzini e Bronzuoli somaram ao estudo da obra As aventuras de Pinóquio. O levantamento bibliográfico inicial indicou que a maioria das pesquisas brasileiras não buscou compreender o processo de humanização do boneco na relação/tensão com o seu criador. A pesquisadora, artista, atenta para a superfície da obra, nas passagens em que a narrativa se desdobra, anda pelas bordas, inventa outro texto: uma leitura renovada, em que a potência do riso toma forma. Pinóquio, pelo riso, mostra para além de uma vida impertinente, uma escrita inventiva de seu autor. Palavras-chave: Pinóquio; Collodi; artesanias; riso; escrita inventiva. 5 ABSTRACT This doctoral dissertation aims to comprehend what is the aspect of humanization in the character-doll Pinocchio, incoming, interrogating, knowing, even partially, under what conditions the manuscript was written. The methodological course followed according to the evidential paradigm proposed by Ginzburg and the idea of craftsmanship developed by Santos, associating bibliographical research to the re- reading of the manuscript, following clues regarding to the life of the author - Carlo Collodi, composing a scientific-poetic narrative. The theoretical contributions on the study of language include the writings of Bakhtin, Rancière, Benjamin and Deleuze and Guattari, as well as Calvin's provocations on writing. Authors like Marcheschi, Bertacchini, Biagi, Lorenzini and Bronzuoli added to the study of the manuscript The Adventures of Pinocchio. The initial bibliographic review indicated that most of the Brazilian researches did not seek to understand the humanization process of the doll in relation/tension with its creator. The researcher, artist, focused on the surface of the manuscript, in the ways in which the narrative stretches out, walks along the edges, invents another text: a renewed reading, in which the power of laughter takes shape. Pinocchio, through laughter, shows beyond an impertinent life, an inventive writing of its author. Keywords: Pinocchio; Collodi; craftsmanship; laughter; inventive writing. 6 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – ilustração de Enrico Mazzanti, na qual Pinóquio é esculpido por Gepeto ...................................................................................................................70 Figura 2 – ilustração de Enrico Mazzanti, na qual Pinóquio corre pelos campos .....73 Figura 3 – ilustração de Enrico Mazzanti, na qual Pinóquio, a Raposa e o Gato se alimentam na Taverna do Camarão Vermelho .........................................78 Figura 4 – ilustração de Enrico Mazzanti, na qual Pinóquio é enforcado no galho do Grande Carvalho ......................................................................................93 Figura 5 – ilustração de Enrico Mazzanti, na qual Pinóquio desvia dos livros atirados a ele ........................................................................................................ ..95 Figura 6 – ilustração de Enrico Mazzanti para o País dos Brinquedos .....................97 Figura 7 – ilustração de Enrico Mazzanti, na qual Pinóquio vê a si mesmo, após a transformação .........................................................................................106 Figura 8 – Cena em que Pinóquio se despede de Gepeto para ir à escola ............109 7 SUMÁRIO 1. PARA UMA EDUCAÇÃO A FAVOR DAS PERGUNTAS. OU DE COMO ME TORNEI PROFESSORA PESQUISADORA .............................................................10 Um (outro) percurso de leituras ......................................................................19 Interregno. Ainda bonecos. Um pouco além da pesquisa bibliográfica...........24 2. COMO FOI QUE A LEITORA CAROLINA ENCONTROU UM LIVRO QUE PULAVA, DANÇAVA E FAZIA ESTRIPULIAS ..........................................................29 3. SEGUINDO PEGADAS DE PINÓQUIO E COLLODI ...........................................45 4. UM POUCO DA HISTÓRIA DA ITÁLIA, UM POUCO DA VIDA DE COLLODI. DISPUTA DE TERRITÓRIOS: GEOGRÁFICOS E ESCRITOS ...............................49 5. CAROLINA ABRE O LIVRO E É SUGADA PARA DENTRO DA NARRATIVA. SOBRE PINHÕES, TERRA, POVO, IMPERTINÊNCIA ...........................................66 O desbaste de Pinóquio: para uma educação do riso ...................................67 6. PERCORRENDO OS CAMPOS ...........................................................................73 7. APRECIANDO A COMIDA ....................................................................................78 8. APRENDIZADOS!... ARTESANIAS!... O QUE MAIS A VIR!... .............................85 9. PROVOCAÇÕES ..................................................................................................99 REFERÊNCIAS .......................................................................................................112 8 Um poeta contemporâneo disse que para cada homem existe uma imagem que faz o mundo inteiro desaparecer; para quantas pessoas essa imagem não surge de uma velha caixa de brinquedos? Walter Benjamin 9 Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... Cri... cri... 10 1 PARA UMA EDUCAÇÃO A FAVOR DAS PERGUNTAS. OU DE COMO ME TORNEI PROFESSORA-PESQUISADORA Eu (me) (lhe) pesquiso Tu (te) (me) pesquisas Ele (me) (lhe) pesquisa Nós (lhes) (nos) pesquisamos Vós (nos) (vos) pesquisais Eles (lhes) (nos) pesquisam Inicio esta minha jornada – a da escrita deste texto – com um poema que bem representa o que estou entendendo por pesquisa. Esta jornada, a minha história de pesquisas e como pesquisadora, pretende contar, ainda que parcialmente, o que me propus estudar e de que modos isto ocorreu. Como esta pesquisa se trata de uma história de leituras, não há como não parafrasear Freire, quando escreveu que fazia “a ‘arqueologia’ de minha compreensão do complexo ato de ler, ao longo de minha experiência existencial” (FREIRE, 2003, p. 18-19). Sinto-me fazendo nesta tese, também, uma arqueologia de minhas leituras e de meu processo de formação. “Arqueologia”, parafraseando Foucault (1985), ou “escavação”, nas palavras de Santos (2002). Quando comecei a “respirar” minha pesquisa de doutorado? Fica difícil responder com precisão a esta pergunta, porque se trata de um tempo que não tenho mais em minhas mãos - seria a ilusão de um “começo”? Permito-me não responder a estas perguntas por hora, contudo a memória alinha vários flashes. O primeiro deles aparece logo no decorrer do mestrado, em que, numa das leituras do livro As aventuras de Pinóquio com meus alunos de segunda série do ensino fundamental, um deles brinca com um lápis, segurando-o na ponta de seu nariz, imitando o boneco de madeira: o personagem aparece brincante, como um brinquedo talvez, na medida em que o menino o desloca da literatura para o 11 ambiente em que está. A madeira do lápis recebe a ação do menino e de sua leitura: é material escolar, mas também extensão de seu nariz, e também parte do menino que agora brinca de ser Pinóquio (SOUZA, 2009). Poderia pensar em uma extensão de Pinóquio-personagem, que sai da história e brinca com o menino? Quem brinca com quem? Naquele momento, meu olhar como professora percebeu uma possibilidade de apropriação da leitura pelas crianças e não me esqueci daquele acontecimento. A leitura é o foco. Outros flashes: por gostar muito de livros (e ter um encantamento por eles tal como a personagem Liesel Meminger, do livro A menina que roubava livros, de Markus Zusak tinha), adquiri vários no decorrer do mestrado, bem como em outros momentos, e que não havia tido tempo para lê-los. Sim, eu ainda tenho encantamento pela leitura! Ainda que com todos os questionamentos, ainda que com todas as desilusões provocadas por mim, por autores os quais a sua prática não condiz com suas palavras escritas, por livros em que eu esperava um certo final e que não tive etc... Sim, a leitura ainda me encanta! E com este encantamento e sem determinações e nem regras, apropriava-me destas leituras uma a uma, em um movimento constante, retornando às primeiras obras lidas, procurando outras e, no entanto, algo me perseguia: a maioria dos textos literários disparava o que antes já havia “escutado” com o Pinóquio. Personagens não humanos. Conquanto, demasiado humanos... Cada um com características bem particulares. Peculiares. Da leitura de O mágico de Oz, Baum me inquietou por compor dois personagens, aparentemente sem vida e sem interações sociais – um “espantalho” e um “homem de lata”, que aos poucos perderam as aspas para adquirir em minha memória as primeiras letras maiúsculas – Espantalho e Homem de Lata, tornando- os, assim, sujeitos de linguagem, personagens com nomes próprios. Em seguida, lendo as Histórias maravilhosas de Andersen, de conto em conto chego n’O valente soldado de chumbo, em que amor, aventura e magia se imbricam e entretecem as relações entre um Soldado de Chumbo e uma Bailarina. Um pouco mais adiante nas leituras, encontro a obra Reinações de Narizinho, já conhecida por mim, lida na graduação (e não quando pequena, na escola), em que me chama a atenção outros dois personagens que, em suas interações com os moradores do sítio do picapau 12 amarelo, apresentam comportamentos diferentes em relação aos outros. Trata-se de Emília e de Visconde de Sabugosa. Afetada por estes bonecos-personagens e suas interações com os demais personagens, penso ter iniciado, naquele processo de leituras, uma série de perguntas, questionamentos ainda não organizados, sobre as interações destes personagens. Suas ações, os modos de viver e de pensar, minuciosamente descritos, desembocaram em uma certa ideia de “humanização”, contida naquelas obras. E, a partir deste mote, confluíram muitos outros questionamentos, dentre eles, o da humanização nos processos de escolarização e, neste, o processo de formação do leitor. Como trabalhamos atualmente com nossas crianças temas como a vida, a diversão, a fome, o amor? Paralelamente, observava estas quatro obras clássicas da literatura infantil nas quais chamou a atenção personagens que são bonecos, ou visto de outra forma, brinquedos: o conto O valente soldado de chumbo, de Hans Christian Andersen, a história As aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, O mágico de Oz de Lyman Frank Baum e Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. E uma ideia de pesquisa se delineava. Matizes que se misturam a fim de compor uma paisagem: a ideia inicial desta pesquisa constituía-se em observar alguns bonecos da literatura infantil, sem ainda ter a preocupação em leituras específicas, mas olhar para suas características, a fim de entender quais eram suas ligações com o modo “humano de ser”. A escolha por estas obras se deu por apresentarem bonecos, como personagens de destaque, primando por uma composição artesanal feita pelos autores e seus percursos, muitas vezes sinuosos, apresentando características próximas à vida humana. Soldado de Chumbo. Bravo. Imponente. Falta-lhe uma perna. Teria sentido falta de seu sumiço, seu dono? Não há como saber. De caráter tido como a dureza do chumbo, ao mesmo tempo maleável nas mãos do fundidor, o Soldado se apaixona pela Bailarina, leve como uma fada, feita de cartolina. Baila? Publicado pela primeira vez em 1838, o conto “O valente soldado de chumbo” de Hans Christian Andersen1 apresenta as aventuras deste boneco que conhece o amor, contudo é levado a um percurso sinuoso, perigoso, por correntezas de vento, de água, por mãos de meninos, pela barriga de um peixe, até retornar ao quarto de 1 ANDERSEN, Hans Christian. O valente soldado de chumbo. In: ______. Histórias maravilhosas de Andersen. Tradução de Heloísa Jahn. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1995, p. 54-61. 13 brinquedos e à sua amada. À Bailarina não é concedido este percurso: parece que espera pacientemente em seu castelo de cartolina a volta de seu companheiro. Qual é o final que aguarda o leitor? Seria um final feliz? Transformados pelas chamas, os dois jamais serão os mesmos. O que confere existência a eles ao longo do tempo? Pinóquio. Um boneco de madeira, entalhado cuidadosamente por um velhinho artesão. A madeira: especial, falante. Não sabe o que é ser um menino de verdade, no entanto é o que mais deseja. O autor, Carlo Collodi2, à primeira vista, parece moldar o boneco-personagem Pinóquio tal qual uma peça de madeira que se entrega ao desbaste, mas não pacificamente. Seu percurso, tão sinuoso quanto o do Soldado de Chumbo, apresenta situações em que ele precisa provar que merece ser transformado. E o merecer pode se referir a uma certa adequação a regras socialmente aceitas para adentrar-se em um certo mundo, no entanto, o boneco de madeira já está neste mundo e nele se relaciona, mas também pode referir-se a uma transformação durante seu percurso, e que não termina no momento em que a fada lhe concede seu desejo, pois transformar-se em menino “de verdade” supõe outras transformações ainda por vir. O que vem a ser essa transformação em menino? O que/quem (se) transforma? O que dispara o próprio processo de transformação? Espantalho. Personagem feito de roupas velhas, surradas, recheado de palha, inicia sua jornada espetado em um milharal. Seu percurso em busca de um cérebro indicia uma busca de humanização, no entanto é o personagem que apresenta as ideias mais criativas ao longo da narrativa. Está em companhia de seu amigo Homem de Lata, que também busca uma humanização depois de ter perdido tudo o que o fazia humano: era lenhador. Contudo, mesmo após ter perdido seu coração, ainda se lembra das características da tristeza e da saudade, sentimentos diversos. Personagens inconclusos, um pelo que ainda não tem – o cérebro, outro pelo que perdeu – o coração. Lado a lado, um e outro, o autor, Baum3, nos põe à mão, aos olhos, aos ouvidos, bonecos-personagens que carregam embates consigo mesmos, dão um toque de inacabamento que me leva a perguntar: seria a procura por uma consciência? Seria um modo de se fazer, a cada capítulo, a cada quilômetro percorrido, a cada linha escrita? 2 COLLODI, Carlo. As aventuras de Pinóquio. Tradução de Marina Colasanti. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002. 3 BAUM, Lyman Frank. O mágico de Oz. Tradução de Santiago Nazarian. São Paulo: Barba Negra; Leya, 2011. 14 Visconde de Sabugosa. A titulação imponente para um sabugo de milho explode com a ideia de status social aliada a uma cultura rançosa e que, muitas vezes, nada tem a ver com o povo brasileiro – um visconde feito de sabugo é visconde de quê, se o sabugo é justamente o que não se aproveita do milho? O percurso deste personagem é recheado de erudição e poeira, para se transformar em brinquedo nas mãos das crianças. Mas Visconde de Sabugosa ainda tem uma companheira: Emília, a boneca de pano recheada de macela que, em seu percurso, muitas vezes delineado por ela mesma, é o que nos apresenta Monteiro Lobato4, também faz explodir a ideia de que é necessário enquadrar-se em regras sociais para ser aceita. Um exemplo disto é a autonomia na criação de palavras, que lhe confere uma linguagem muito particular. Visconde de Sabugosa e Emília: bonecos- personagens, sabugo e retalhos, erudição em poeira e curiosidade que cria... Pergunto-me: o que levam de si na direção à captura do leitor, da leitora, eu mesma? Foi como se os bonecos-personagens destas histórias fossem ímãs: atraíram- me com uma força impressionante. Esta força, ao longo dos tempos, eu reconheci muito bem: tratava-se da força da leitura. Esta que move os apaixonados por livros, amantes da literatura, aficionados pelo desenrolar de uma história bem contada. Mas também de uma força da leitura que tem seu aspecto político-estético: a leitura que trans-forma, que produz sentidos. Ou não-sentidos. De certa forma, eu quis fugir de certas “formações” pela leitura. Porque a formação dá a ideia de algo colocado na forma, algo que está “delimitado” por uma linha ou parede, ainda que seja imaginária. E a leitura tem uma característica que me atrai, que é a leitura como arte, ou seja, o que se faz com aquilo que se lê. Uma estética da leitura, por assim dizer. Uma linha de fuga de sentidos já produzidos. Mas, como fugir de sentidos já produzidos sem produzir outro que não seja “linha” ou “parede”? Nesta pesquisa, volto o meu foco para esse elemento fundante da literatura infantil, que são personagens prenhes de conteúdo, referindo-me à forma, cor, matéria, reações, sentimentos expostos, que transitam entre ser realidade e fantasia, entrando num território ficcional que faz sentir, pensar, vivenciar, experimentar... Aponto que a palavra entre diz respeito ao movimento que fertiliza a relação personagem – boneco – leitor ampliando espaços fronteiriços que 4 LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. 48. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003. 15 interpenetram realidade e ficção; espaços fronteiriços abertos à criação, à invenção, à possibilidade de ampliar relações com o mundo que se descortina... também para a criança que há em mim. Com a leitura de “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, de Ginzburg (2003), pude ler algumas características dos bonecos, mais como modos de ser do que características, como algo a se pensar, algo a pesquisar, por haver alguma relação entre estas narrativas, ou por haver alguma relação entre estas histórias e minha própria história como leitora-professora-pesquisadora, movente por entre a matéria (chumbo, papel, madeira, lata, sabugo, pano) que se abre e, ao mesmo tempo resiste, à modelagem e flutuante por entre atitudes exemplares que, pela leitura, educam crianças e adultos e uma educação que possa vir prenhe da invenção. Estes percursos – bem particulares, mas também ligados entre si – até si mesmos, imbricam-se em meu percurso como leitora, professora e pesquisadora, pelo modo como chegaram até minhas mãos. Foi uma escolha de leituras consciente ou não? Às vezes penso que os bonecos é que me escolheram para lê- los... Como cartas de tarô: cada carta apresenta um significado intrínseco, mas que combinadas entre si, evidenciam outras leituras, tão múltiplas quanto as suas possibilidades de combinações, margeadas pela leitura da cartomante que eleva estas leituras ao estatuto do “infinito”... Quatro autores. Várias obras. Uma leitora. Tantos personagens. Intermediários diversos. Por onde começar? Parecia uma aventura, a princípio, escrever uma tese de doutorado tendo como ponto de partida quatro autores da literatura, bastante diferentes entre si, de diferentes lugares/países, de diferentes épocas e com diferentes formas de escrita! Mais aventura, ainda, escrever uma tese com base em leituras de quatro obras destes escritores. Que leituras privilegiar? Por onde começar? Estas foram perguntas que me fiz a todo momento. Bem, se são as aventuras que nos tornam “vivos”, então eu vou me aventurar! Convido você, leitor, leitora, a aventurar-se comigo pelos caminhos da leitura, na construção desta tese, desta escrita de mim mesma, deste refazimento constante do eu-pesquisadora. A aproximação com a vida humana que percebo nos bonecos-personagens é um aspecto que gostaria de destacar e que tem a ver com a justificativa mais importante desta pesquisa em educação: muito se fala, atualmente, de educação, 16 formação, educação continuada, garantia de acesso e permanência do aluno na educação formal... Tudo isto, de certo modo, diz respeito a processos de humanização. No entanto, estamos (a humanidade, a sociedade) cada vez mais desumanizados, observando catástrofes sem nem pensar a respeito; produzindo experimentos sem considerar todas as suas consequências; e nos campos da educação e da literatura, a transmissão de experiências está comprometida (ou sendo feita de outra forma, ainda não totalmente compreendida), pois a quantidade crescente de encontros, congressos, simpósios etc., também não garante esta transmissão - embora estes encontros tenham uma grande potência de transformação. Parece-me que a educação está alocada numa função pragmática e funcional, numa lógica da competição, não se preocupando com sua função humanizadora, do cuidado com as pessoas, da empatia, da alteridade; tampouco está formando para a inquietude. Onde está a capacidade da literatura para emocionar? Para tocar, fazer fluir, sentidos e sentimentos? Ou fraturar, rachar sentidos cristalizados? Quais são os desafios e possibilidades do trabalho com a literatura? Pensando na educação como um lugar no qual se dão certas (muitas) formações, e pensando na literatura como um lugar onde certas (muitas) formações – de abertura à criação, à invenção de pensares outros na relação com o mundo – também podem se dar, estes dois são territórios de embate: vozes de outros que nos constituem transpassados por nossas próprias vivências, nossos próprios pensamentos, nossas inquietudes. De um lado, a professora, pesquisadora, leitora, eu mesma; de outro, o sistema educacional, as obras literárias, os autores (cada um com seus ideais). Talvez não seja possível estabelecer lados... Talvez esteja tudo embrenhado, emaranhado, e o que eu queira de fato é viver. Este desejo de viver, como potência da vida pensada/sentida/escrita com Foucault, Deleuze e Pelbart, é o que me move neste embate entre educação e literatura. Saímos ilesos de algum embate? Pelbart dialoga: Quando nas Conversas com Kafka Janoush diz ao escritor checo que vivemos num mundo destruído, este responde: ‘Não vivemos num mundo destruído, vivemos num mundo transtornado. Tudo racha e estala como no equipamento de um veleiro destroçado’. Rachaduras e estalos que Kafka dá a ver, e que a situação contemporânea escancara. Talvez o desafio atual seja intensificar esses estalos e rachaduras a partir da biopotência da multidão. Afinal 17 o poder, como diz Negri inspirado em Espinosa, é superstição, organização do medo: ‘Ao lado do poder, há sempre a potência. Ao lado da dominação, há sempre a insubordinação. E trata-se de cavar, de continuar a cavar, a partir do ponto mais baixo: este ponto... é simplesmente lá onde as pessoas sofrem, ali onde elas são as mais pobres e as mais exploradas; ali onde as linguagens e os sentidos estão mais separados de qualquer poder e ação e onde, no entanto, ele existe; pois tudo isso é a vida e não a morte.’ (PELBART, 2009, p. 27). Talvez se trate de “encontrar uma passagem” a partir de uma fissura da embarcação. Que a literatura (como linguagem) sirva muito mais para “construir” do que para “destruir” educando pelo enquadramento ou conformação; que afete, produza, trans-forme, de-forme, dê formas outras, con-forme, contorne, crie meandros... Bonecos-personagens: fissuras possíveis... Uma “relación íntima entre el texto y la subjetividad” como aponta Larrosa (1998, p. 18). Por serem bonecos, acreditamos que a relação estabelecida entre autor, texto e leitor – aprendiz – ocorre de modo diferenciado: são brinquedos em movimento. Desta observação decorre outro questionamento: por que eleger personagens não humanos para tratar de questões essencialmente humanas, como no caso das obras escolhidas? O soldado que conhece o amor, a marionete que quer crescer e se tornar um menino de verdade, o homem de lata que quer seu coração novamente, o espantalho que aspira a pensar pela aquisição de um cérebro e a boneca de pano espevitada que preza pela diversão... Esses bonecos-personagens apresentam algumas características comuns: todos são elaborados com materiais que permitem certa mobilidade, maleabilidade, certa modelagem por parte de seus outros personagens. Tratando-se de leitores, a remodelagem (ou recriação) pela leitura permite que estes bonecos recebam a ação do homem, reinventando-os, reescrevendo-os na formação/humanização de quem lê. Pensar o par humanização/desumanização, partindo de elementos da arte (os bonecos- personagens), pode nos oferecer pistas sobre como seus autores conceberam seus processos de humanização e quais são suas contribuições para a educação na atualidade. De certa forma, todas estas obras escolhidas já são bastante conhecidas, seja por traduções bem elaboradas (ou não), seja por adaptações impressas, fílmicas e/ou diversos outros meios. Justamente por isto, suas leituras e releituras já estão mais ou menos “traçadas”, relativamente “orientadas”. Uma parte da proposta 18 da pesquisa foi a de construir uma leitura renovada destas obras, ou parafraseando Manoel de Barros (2008) que é necessário “escovar as palavras”, realizar uma “escovação dessas obras”. Destas leituras e outras ao longo da pesquisa, algumas inquietações surgiram: • Que relações podem ser pensadas entre Visconde de Sabugosa, Emília, Pinóquio, Soldado de Chumbo, Bailarina, Homem de Lata e Espantalho? • O que os une como personagens e o que os diferencia em suas características? • Que releituras (ou recriações) são possibilitadas por estes personagens quando pensamos em percurso de vida, percurso de leituras, percurso de aprendizagens, percurso de humanização? • De onde vem essa vontade de autores da literatura recorrerem a personagens não humanos para tratar de questões essencialmente humanas? Para quem essas histórias foram escritas? • O que os autores dizem acerca de seus próprios personagens? Ou melhor, o que eles nos “dão a ler” (LARROSA, 2003)? • Collodi foi leitor de Andersen? Baum foi leitor de Collodi e Andersen? Lobato, sabemos, foi leitor de todos estes. Inquietações nos tiram de uma certa inércia, de nossa posição confortável de leitores: tornamo-nos “perguntadores”. As perguntas foram surgindo no caminhar da pesquisa. Não me proponho respondê-las: a aventura, neste ponto, assume um estatuto de incerteza... Essas incertezas existem e são resultado de minha curiosidade como leitora. Também porque a literatura é material de trabalho do professor (sou professora), que lida com esta linguagem diariamente em sua atuação profissional. Esta também é mais uma pesquisa na área da educação, comprometida com a leitura e que a valoriza como formação do ser humano, porque o ato de ler nos torna pessoas melhores, mais humanas. Outra justificativa, tão importante quanto as outras, é pelo trabalho com a arte, pois a educação necessita de pesquisas que aliem a arte à esfera pedagógica. Penso que é necessário, portanto, que se intensifiquem as 19 pesquisas em torno da leitura como experiência estética e como caminho para uma humanização. Escolhi a leitura de obras que apresentam bonecos como personagens porque podem provocar experiências de leitura diversificadas em seus leitores – crianças ou adultos. Em segundo lugar porque, embora o Homem de Lata tenha sofrido o processo inverso dos outros (era humano e tornou-se “não humano”), todos são bonecos que passaram por um processo de elaboração artesanal, lento e único, tal como se espera que seja a leitura, o ato de ler que pode se aproximar do que penso como um vir a ser, no trânsito de uma experiência, tessitura de significados. Também são narrativas próximas da vida dos leitores porque apresentam os sentimentos de forma inédita, com descrições muito particulares, por meio dos modos de ser, bonecos. Um (outro) percurso de leituras. Bonecos à mão, leituras na pauta, texto-tese em elaboração. Indagações, claras, e não tão claras, não facilitam o percurso que se torna tenso. O rol de leituras necessárias se abre. Para auxiliar na análise (ou recriação) em relação aos autores das obras escolhidas, agreguei os estudos sobre escritos autobiográficos, conversando com Camargo (2011) quanto à procura por escritos pessoais, pois estes, “quando trazem análises, mesmo as mais profundas, talvez por não terem a preocupação com a erudição ou por serem os raciocínios desenvolvidos ao correr da pena, tornam-se uma fonte prazerosa de conhecimento” (CAMARGO, 2011, p. 8). Conhecimento válido para quem dele se apropria e fértil em possibilidades de leituras, a procura por escritos pessoais dos autores das obras escolhidas se constituiu, juntamente com as descrições dos bonecos-personagens e seus processos de humanização, tecendo com meu próprio caminhar, uma parte da pesquisa, uma parte das leituras. No entanto, o material colecionado aumentava consideravelmente. Pesquisar, aliando temáticas do campo da educação (a leitura e a escrita) à literatura (neste caso, buscando nela as temáticas referidas anteriormente) pode se 20 aproximar de um estudo literário, mas não se constitui como tal. Fascinante, cheio de possibilidades, algumas características dos estudos literários puderam me auxiliar na compreensão da leitura de mundo destes autores. Este estudo não se desvincula, portanto, do campo da educação, que é o lugar de onde falo, por onde caminho, como penso. Relembrando as palavras de Bakhtin: “os estudos literários devem estabelecer o vínculo mais estreito com a história da cultura” (2003, p. 360). Pensando nessa história da cultura, os próprios escritos de Bakhtin me oferecem pistas, que encontro em seu livro Estética da criação verbal, pois discorre sobre a linguagem nas análises do autor e da personagem, na atividade estética. A importância da aproximação desta pesquisa com os autores das referidas obras escolhidas é mais do que importante, é necessária na medida em que o autor cria o seu personagem e este pode tanto ser considerado como um todo, como também parte de sua constituição como autor, pois “às vezes o autor põe suas ideias diretamente nos lábios da personagem tendo em vista significação teórica ou ética (política, social) dessas ideias, visando a convencer quanto à sua veracidade ou a propagá-las” (idem, p. 8). Tendo (ou não) esse aspecto na escrita dos autores, tanto estes como suas obras, estão inseridos na cultura. Consequentemente, estudos sobre a cultura também foram levados em conta. Aproximei-me dos estudos de Roger Chartier (1990) sobre práticas culturais, tendo em vista que o ato de escrever uma obra literária constitui-se uma prática cultural, bem como os demais escritos pessoais e/ou autobiográficos. Como metodologia, propus a ideia de “artesania” como composição do corpus da pesquisa, que dialoga com a ideia de artesania proposta por Santos (2008): quando se caminha por terrenos/saberes que não são os seus, mas se constrói um outro saber, onde este “é convocado a transformar-se em experiência transformadora” (p.33). Por ela entremeei pesquisa bibliográfica, inicialmente sobre as quatro obras, e mais tarde optei por focar na obra As aventuras de Pinóquio de Collodi, releituras da mesma e minha própria história de leituras. Amizade antiga com o Pinóquio? Talvez seja a obra que mais provoca pensamentos em mim? Quem sabe... Eis a aventura proposta ao leitor: perder-se nesta tessitura, em que a linha- agulha do eu-professora, entrelaçada à linha-agulha do eu-pesquisadora bordou cenários de leitura no papel, na página em branco que a curiosidade instigada pelas 21 (e que instiga) perguntas, me captura. Tal como uma colecionadora de textos, afetada pelas diversas leituras que fiz da narrativa de Pinóquio (sozinha, com alunos, com professores, com amigos, com familiares) saí em busca de materiais que pudessem auxiliar nesta tessitura. Aventurei-me, portanto, nos levantamentos bibliográficos e as leituras, agora de cunho analítico mais apurado, seguem como a construção de uma leitura de cartas de tarô, à moda de Calvino: as “histórias” lidas no levantamento bibliográfico poderão ser contadas a partir da disposição destas enquanto “cartas de tarô”, carregadas de sentidos. Uma disposição das cartas (leitura) será feita; uma história será construída. Mas esta leitura, esta história, não será total; constituir-se-á em uma versão, uma possibilidade de entendimento da circulação das obras escolhidas em contextos acadêmicos e/ou não acadêmicos, buscando novos modos de leitura para a mesma. Pistas... Indícios... Uma possibilidade metodológica: caminhar por entre estas obras e outros escritos sobre elas. Percorrer bases de dados, o “mapa da mina”, ampliando o olhar tal como Sherlock Holmes (um outro personagem?) em busca de elementos para compor uma (re)interpretação daquelas obras e o que elas ainda podem nos dizer sobre percursos de humanização, por meio de seus bonecos- personagens. Ginzburg nos auxilia a entender este percurso metodológico: assim como em suas pesquisas sobre a feitiçaria e o sabá, em que se deixava “guiar pelo acaso e pela curiosidade e não por uma estratégia consciente” (2003, p. 12), a busca por informações sobre bonecos-personagens (e mais fortemente, sobre a marionete impertinente) orienta o olhar para a pesquisa que aqui se apresenta. Nesse ínterim, todo material é bem-vindo e a leitura se torna pormenorizada. Onde cabe o racionalismo e, de outro lado, a intuição? Como fazer afirmações se, a cada momento, surgem textos a serem lidos? Cabe, aqui, uma explicação: esta pesquisa persegue indícios, sinais sobre a construção dos bonecos-personagens para construir uma (re)interpretação; não se buscam respostas definitivas e nem generalizações estanques. Pautamo-nos por um “rigor flexível” que, como se refere Ginzburg, não se preocupa em definir, pois “suas regras não se prestam a ser formalizadas e nem ditas” (idem, p. 179). Como aponta Ginzburg (2003), ao tratar sobre seu modo de pesquisa – em parte influenciado pelos procedimentos de Morelli (que busca traços imperceptíveis em pinturas com o objetivo de verificar falsificações), dos escritos de Arthur Conan 22 Doyle, imortalizados na fala do seu Sherlock Holmes (que nas investigações não descarta nenhum item observado, na esperança de compor uma interpretação) e de Freud (na observação dos sintomas), entre outras influências – ao seguir as pistas, os indícios, os sinais, aponta a importância da postura, da atitude do pesquisador: “[...] por trás desse paradigma indiciário ou divinatório, entrevê-se o gesto talvez mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa” (ibidem, p. 154). “Escrutar”: um verbo que auxilia no entendimento dessa postura do pesquisador, (desta pesquisadora que por aqui caminha) está ligado ao ato de “sondar” (HOUAISS, 2003, p. 210). De qualquer modo, estes dois termos estão ligados ao ato de ler – as pistas, os sinais. Ginzburg ainda nos oferece uma outra pista para a compreensão desse modo de fazer pesquisa: “[...] o historiador é comparável ao médico, que utiliza os quadros nosográficos para analisar o mal específico de cada doente. E, como o do médico, o conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjetural” (GINZBURG, 2003, p 157). De certo modo, para Ginzburg, o ato de fazer pesquisa também assume uma dimensão de incerteza, um “saber indiciário”: A capacidade de reconhecer um cavalo defeituoso pelos jarretes, a vinda de um temporal pela repentina mudança do vento, uma intenção hostil num rosto que se sombreia certamente não se aprendia nos tratados de alveitaria, de meteorologia ou psicologia (idem, p. 166-167). Aglutinando esses conhecimentos que compõem um “paradigma indiciário”, convocamos também os escritos de Garnica que, de certa maneira, complementa este fazer metodológico. Considerar o modo de fazer pesquisa como uma maneira de ler e interpretar “textos”, sejam eles diversos, abre possibilidades para que o pesquisador encare a si mesmo como parte de sua análise, pois está sendo constituído, construído por aquilo que lê: Compreender o mundo, interpretando-o como a um texto, implica reconhecer como forma legítima de intervenção a coleta e análise de dados biográficos e narrativos – textos particulares, enunciados por indivíduos particulares – a partir dos quais todo um exame se inicia. Implica considerarmos as narrativas como portas de entrada no círculo hermenêutico, e implica, por fim, reconhecermos a narrativa do outro como forma de constituição de nós próprios, a partir das 23 experiências que nem sempre se constituem racionalmente (tal é a importância de aceitar, nesse processo de exame hermenêutico, as mais diversas e diferenciadas referências). (idem, p. 113). Desta maneira, assim como tudo o que chega a nós pode ser considerado um texto passível de ser analisado, considerando-se a constituição de si mesma como leitora-pesquisadora-professora, enquanto compõe uma tese-texto, também a literatura pode ser considerada uma fonte documental rica e plena de sentidos, não apenas como mero “arquivo de ideias” próprias de uma época, mas também seus contextos de produção em relação a outras obras, tal como esclarece Chartier: É claro que nenhum texto, mesmo o mais aparentemente documental, mesmo o mais “objetivo” (por exemplo, um quadro estatístico estabelecido por uma administração), mantém uma relação transparente com a realidade que ele apreende. Jamais o texto, literário ou documental, pode anular-se como texto, isto é, como um sistema construído segundo categorias, esquemas de percepção e apreciação, regras de funcionamento, que remetem às suas próprias condições de produção. A relação do texto com o real constrói-se de acordo com modelos discursivos e recortes intelectuais próprios a cada situação de escritura. O que leva a não tratar as ficções como meros documentos, supostos reflexos da realidade histórica, mas a estabelecer sua especificidade enquanto texto situado em relação a outros textos e cuja organização e forma visam a produzir algo diferente de uma descrição [...]. O real assume assim um novo sentido: o que é real, de fato, não é somente a realidade visada pelo texto, mas a própria maneira como ele a visa, na historicidade de sua produção e na estratégia de sua escritura (CHARTIER, 2002, p. 56). Ainda com Chartier, no que concerne à produção escrita, Os autores não escrevem livros: não, escrevem textos que outros transformam em objetos impressos. A diferença, que é justamente o espaço em que se constrói o sentido – ou os sentidos - , foi muitas vezes esquecida, não somente pela história literária clássica, que pensa a obra em si, como um texto abstrato cujas formas tipográficas não importam, mas também pela Rezeptionsästhetik que postula, apesar de seu desejo de historicizar a experiência que os leitores têm das obras, uma relação pura e imediata entre os “sinais” emitidos pelo texto – que contam com as convenções literárias aceitas – e o “horizonte de expectativa” do público a que se dirigem. Numa tal perspectiva, “o efeito produzido” não depende de modo algum das formas materiais que suportam o texto. No entanto, também contribuem amplamente para dar feição às antecipações do 24 leitor em relação ao texto e para avocar novos públicos ou usos inéditos (CHARTIER, 1991, p. 182). Por entre as práticas culturais que se materializam pela escrita, também pela leitura, Chartier traz à discussão o que entremeia a produção de um texto e a produção de um livro. Nos meandros entre o texto – que o autor produz – e o livro – editado, editorado – são diversos os atravessamentos, ainda que o livro apresente o mesmo texto. Destarte toda a discussão fomentada, de alguma forma e em aspectos diversos, assegura-se o espaço de autoria. No texto que aqui se apresenta, a autoria como constitutiva de uma formação. Interregno. Ainda bonecos. Um pouco além da pesquisa bibliográfica... Uma possível pista a ser seguida trata-se da intersecção da obra com outras linguagens: nossa pesquisa inicial sobre As aventuras de Pinóquio nos forneceu uma intertextualidade com o samba-enredo de 2014 da União do Rio, escola de samba do Rio de Janeiro, “É brinquedo, é brincadeira; a Ilha vai levantar poeira” e o carnavalesco responsável foi Alex de Souza (2014). O desfile apresentou brincadeiras infantis e relembrou muitos personagens da literatura infantil. No primeiro carro havia um baú com dois artistas australianos presos a uma haste flexível que representavam o Soldadinho de Chumbo e a Bailarina, de Andersen. Em certo momento, o baú se abre revelando seu conteúdo: mais artistas “fantasiados” de brinquedos que auxiliavam os dois que estavam nas hastes, a lhe entregarem brinquedos para serem distribuídos aos espectadores, num belo convite ao “brincar”. A fala de um dos jornalistas apresentadores descreve as fantasias: “roupas mais dramatizadas e menos carnavalizadas”. Uma outra ala apresentou-se com seus dançarinos munidos de patins e com fantasias de muitas bonecas: russas (matryoskas), japonesas, gregas e africanas. Seguindo o desfile, alas com dançarinos vestidos de soldadinhos, bonecas de porcelana, bonecos de mola, bruxinhas, fantoches, marionetes, Pinóquios, além de outro carro com Pinóquio à frente e o boneco Chuck (personagem cinematográfico) atrás. Além deste samba-enredo, em meio ao nosso levantamento bibliográfico, deparamo-nos com uma notícia sobre um artista holandês que, por meio do estudo 25 de alguns materiais e de cinética, trabalha a alguns anos em projetos de objetos que se movimentam com a força do vento. Trata-se de Theo Jansen, nascido em 1948 e que desde 1990 dedica-se a criar estas formas, construídas a partir de tubos de plástico que se assemelham a esqueletos de animais. Os vídeos destes objetos em praias impressionam pela beleza nos movimentos, facilitados pela força do vento que é canalizada e distribuída de forma a criar os rolamentos e fazer com que estes objetos “andem”. Alguma semelhança com o personagem Gepeto, de Collodi? Sim, muitas semelhanças: embora Gepeto seja um personagem, a arte da escultura os une; de um, o uso da madeira e do outro, o uso do plástico. Gepeto não tem a intenção em dar a vida a Pinóquio, mas Collodi sim; Jansen cria as formas com a intenção de fazê-las movimentarem-se, dando um espectro animal. Impulsionada pelo boneco Pinóquio, não tenho como me desvencilhar deste. A própria Marina Colasanti, relatando sua história de leituras, conta que é impossível esquecer da famosa história da marionete, tal o seu envolvimento com esta, inclusive no período em que a traduziu: Se eu apagar da minha vida esse livro, serei obrigada a doar o minúsculo exemplar que meu marido me deu de presente, as várias edições ilustradas que comprei mundo afora ao longo da vida, o boneco articulado que minha filha me trouxe de uma viagem, o outro que comprei na Itália, e o álbum dos pequenos cenários e dos 18 discos de papelão com a história toda contada e musicada, que conservo há mais de sessenta anos. E desaparecerá meu nome de tradutora da capa da recente edição brasileira (COLASANTI, 2012, p. 37). Em relação às obras cinematográficas, no Pinóquio de Roberto Benigni (2002), a “menina dos cabelos azuis” dá lugar à Fada de cabelos azuis. Walt Disney destaca em seu Pinocchio (1940) o Grilo Falante – o qual é (re)inventado com mais interações com a marionete – do que à Fada Azul, que aparece em segundo plano. Em As aventuras de Pinóquio, de Martin Landau (1996), a personagem Fiona é uma mulher “de carne e osso” por quem Gepeto se apaixona e depois se torna mãe de Pinóquio. Em As aventuras de Pinóquio 2, desta vez com Landau apenas atuando (1999), há a continuação da história: Pinóquio, agora menino de carne e osso, passa por muitas dificuldades (ou aventuras?), mas é protegido por um talismã, presente de um anão do circo. Dentro dele, fios de cabelos azuis indiciam o elemento mágico 26 da história. No decorrer do filme, Pinóquio e seu pai Gepeto são transformados em bonecos de madeira pelo dono do circo, porém encontram no fundo de uma montanha uma fonte de água mágica, azul, na qual mergulham e se transformam novamente em pessoas reais. Há outros filmes inspirados na saga de Pinóquio. Steven Spielberg cria e dirige Inteligência Artificial (2001), em que um robô tem o desejo de se tornar humano, no entanto a Fada Azul se esfacela no contato com suas mãos. Aqui, a transformação desejada não ocorre, contudo há uma outra mudança, provocada pela dispersão dos “cacos” azuis. Em Pinóquio 3000, de Daniel Robichaud (2004), Pinóquio é um robô que ganha vida após uma descarga de energia, não necessitando da Fada para viver. Há a considerar, ainda, um eixo de análise que pode contribuir no que concerne às possibilidades estéticas que constituem os bonecos-personagens e seus autores, em suas relações com a escrita. Escrever sobre estes bonecos- personagens possibilita um encontro com seus autores: não se trata de compreender um pelo outro, e nem estabelecer relações psicossociais entre eles, mas de se aventurar em suas formas, cores, matérias, tempos e espaços. Propomos, portanto, uma aventura por entre a escrita destes autores. Desta maneira se torna possível uma reinterpretação de seus percursos de humanização, tomando esta “humanização” como um fazer artístico de vida, um modo de pensar a si e ao outro, um modo de (re)inventar o mundo. A análise do material foi feita tendo em vista a constituição do próprio objeto de estudo – os bonecos e seus percursos de humanização – nas situações de leitura e entrelaçamento com outras fontes de documentação, considerando-as como férteis em experiências de leitura e de formação humana. O percurso (o método, o caminho, o “por aonde se vai”), considero, é a própria pesquisa, pois, assim como Benjamin, penso que Método é desvio. A apresentação como desvio – eis o caráter metodológico do tratado. Renunciar ao curso ininterrupto da intenção é a sua primeira característica. Incansavelmente, o pensamento começa sempre de novo, volta minuciosamente à própria coisa. Este incessante tomar fôlego é a mais autêntica forma de existência da contemplação (BENJAMIN, citado por GAGNEBIN, 1994, p. 99). 27 Desviar, portanto, é tomar fôlego a cada vez, a cada análise, a cada descrição, a cada apresentação, a cada leitura. O desvio também me remete aos percursos dos próprios personagens, imbricado ao meu percurso, como leitora, devido às várias formas pelas quais os livros chegaram a mim, por meio de leituras, releituras, pesquisas, presentes etc. O desvio é fértil: nele pode-se encontrar o inusitado. Um desvio proposto foi partir da leitura da obra tendo em vista um encontro com o seu autor, e para este intento alguns escritos de Bakhtin foram retomados. Para Bakhtin, estudar um autor e seu personagem levando em consideração apenas aspectos biográficos e de contextualização histórica é perigoso, sob a pena de não se compreender o “princípio criador da relação do autor com a personagem”. Em suas palavras, Para empregar uma fonte é necessário que se compreenda a sua estrutura criativa; para empregar uma obra de arte como fonte de uma biografia não bastam, absolutamente, os procedimentos da crítica das fontes habituais na ciência histórica, uma vez que são eles precisamente que não consideram a estrutura específica dessa obra [...]. Aliás, cabe afirmar que a referida insuficiência metodológica em relação à obra afeta bem menos a história da literatura que a estética da criação verbal; neste caso as formações histórico-genéticas são particularmente prejudiciais (BAKHTIN, 2003, p. 9). Assumi o risco de trabalhar, mesmo assim, com uma certa parte histórica e recuperando elementos da narrativa escolhida, no entanto visando ir além... uma escrita não presa a elementos históricos, mas que da história se utiliza... uma escrita narrativa, compondo outros cenários... Assumindo ainda outros riscos, uma reflexão sobre a escrita desta tese diz respeito à escolha do modo de narração: um modo poético, poético porque improvisa, inventa e afeta, “pega”, “captura” pelo sensível, ou melhor, não se contenta em sentir, mas busca partilhar (RANCIÈRE, 2013, p. 104) ora dialogando comigo mesma, ora em conversas com autores, ora com personagens... Um modo de ser eu e outro, um modo de observar meu percurso como eu e como outro. Neste primeiro capítulo, optei por narrar meus primeiros passos em primeira pessoa e apresentar as ideias iniciais de análise de quatro obras da literatura infantil, já citadas anteriormente; a partir do segundo capítulo (que marca uma segunda fase da pesquisa, em que opto por seguir pela releitura/reinterpretação de uma obra – As 28 aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi), coloco-me como um personagem a narrar aventuras na companhia do Grilo-Falante. Optei pela presença de um “narrador oculto” para acompanhar passo-a-passo, tal como o narrador presente na história da marionete. A escolha por este narrador “fora do eu-personagem” confere ao texto um movimento diferente e demarca, também, uma escolha metodológica que é possível pela literatura, pela arte. Como contar as minhas aventuras neste percurso do doutorado sem utilizar um modo literário? Uma “efabulação calvinística”, em que a parte científica é complementada com o arbítrio individual (CALVINO, 2006, p. 17) com vistas à trama de um romance. Seria este, acaso, um romance (que conta parte) de minha formação? Adentrar em um material em língua italiana constituiu-se, ao mesmo tempo, em desafio e aventura. Em desafio porque se trata de uma língua da qual eu pouco conhecia, mas que se expandiu à medida em que as leituras aconteciam. E em aventura, porque ao me deparar com um material em língua italiana, minhas primeiras reações foram de receio, preocupação e até mesmo medo. Trata-se de um outro risco, pode haver perdas ou até mesmo modificações de sentido, mas este risco também foi assumido: não há mais volta. Munida (ou encharcada, parafraseando Colasanti, 2003) de um espírito pinoquiano, atirei-me nesta estrada. E foi por esta decisão que a pesquisa constituiu-se em um diferencial de muitas outras, porque embora as pesquisas citadas no levantamento sigam um percurso próprio e coerente, poucas delas referenciam estudos italianos. Nas demais, estas referências italianas não aparecem, talvez pelo próprio distanciamento da língua, ou talvez por seus pesquisadores não considerarem estas referências ligadas a seus objetos de estudo. 29 2 COMO FOI QUE A LEITORA CAROLINA ENCONTROU UM LIVRO QUE PULAVA, DANÇAVA E FAZIA ESTRIPULIAS Não era uma vez... Era, ou melhor, foram várias, muitas vezes que a leitora Carolina estudara sobre pesquisa bibliográfica. Escolha de palavras-chave, banco de dados, plataformas, priorizar isto ou aquilo... E uma vozinha lá em seu interior - não se sabe se de si ou de outrem – dizia: “Comece!” Então, lá se foi Carolina vestir sua roupa de “pesquisadora” e adentrar o labirinto dos bancos de dados... Enquanto escolhia as bases e as palavras-chave, relembrava a importância de um levantamento bibliográfico para a pesquisa. Pizzani et al (2012) aderiram ao dizer que Nesse esforço de descobrir o que já foi produzido cientificamente em uma determinada área do conhecimento, é que a pesquisa bibliográfica assume importância fundamental, impulsionando o aprendizado, o amadurecimento, os avanços e as novas descobertas nas diferentes áreas do conhecimento (PIZZANI et al, 2012, p. 56). Como as bases de dados podem ser “referenciais” ou “textuais” (idem, p. 58), a leitora Carolina optou por visitar três bases: a primeira visitada foi a Parthenon, da Unesp – Universidade Estadual Paulista, que se constitui em um mecanismo de busca integrada, indexando muitas outras bases de dados, oferecendo conteúdo desde obras literárias, dissertações, teses e revistas científicas e não científicas, brasileiras e internacionais. - Uau! – pensou. Quantos registros! Só que, utilizando a expressão de busca “Pinocchio”, seguindo a grafia na língua em que a obra foi escrita, escolhida inicialmente para verificar o que existe de modo geral, foram encontrados 9.821 registros. O que se faz com tudo isto? Carolina precisava refinar resultados, mas ainda não sabia como. Intuitivamente, a cada refinar, sabia que deixava de lado inúmeras outras possibilidades de leitura... As primeiras exclusões se deram por autor: registros “anônimos” (149) e de “Carlo Collodi” (13) foram retirados. Brincando um pouco mais 30 no Parthenon, a leitora também excluiu resultados relacionados a “movies” (236). Mesmo assim, ainda havia 9.423. Mais uma exclusão foi feita: a leitora optou por ocultar registros sem texto completo (3.227). A busca ficou com 6.196 resultados. Mas... ainda era um número absurdo de registros a serem lidos, conferidos! Ainda mais por serem textos em várias línguas... Carolina falava sozinha: - O que fazer? Estou perdida! Este trabalho é muito vasto e árduo... Neste momento, um ícone começou a piscar em seu computador. Ele levava novamente ao artigo de Pizzani et al (2012). Carolina então leu: De posse de todo o material selecionado, o pesquisador deverá eliminar duplicações e trabalhos que guardem em si um acentuado grau de similaridade com obras de outros autores; também se torna necessário ler os títulos e resumos, eliminando as referências pouco relevantes e marcando a importância ou prioridade de leitura (PIZZANI et al, 2012, p. 59). - Estes autores são como grilos-falantes! Bom tê-los por perto, guiando o caminho, corrigindo percursos, mas... e se eu quiser me perder? E se eu quiser me aventurar por algumas leituras? Já sei: vou guardar esta observação, refazer a pesquisa com a palavra-chave “Pinóquio”, em grafia que, inicialmente, remete à língua portuguesa. Os registros foram bem menores (50) e uma possibilidade de leitura destes trabalhos se delineava. No entanto, a leitora ainda não havia terminado o levantamento. Era preciso passear pelo Banco de Teses e Dissertações da Capes, que indexa a produção científica realizada no interior de instituições acadêmicas de pesquisa, no Brasil. As palavras-chave, “Pinocchio” e “Pinóquio” foram repetidas e resultaram em 29 registros. Carolina, com seu caderninho de anotações e sua caneta impertinente, anotava algumas ideias-referências-possibilidades que se descortinavam à sua frente. No entanto, a maioria deles não oferecia acesso ao texto completo, devido aos depósitos terem sido feitos em data anterior à Plataforma Sucupira. Então, Carolina completou a busca inicial, nas plataformas das universidades em que as pesquisas foram realizadas. Depois, foi a vez da plataforma SciELO: outra gama de artigos científicos aparecia. As referências pululavam na tela de seu computador como pipoca: outra vez sua caneta impertinente anotava o que via e lia. 31 Caminhando mais um pouco pelos labirintos, Carolina percebia que uma biblioteca era formada à sua volta. Mas não pensem, leitores, que era uma biblioteca arrumadinha, dessas que se veem nas universidades, nos centros de pesquisa, com tudo catalogado, disposto por ordem alfabética e hermeticamente fechado em estantes: artigos científicos dançavam bem em cima de sua cabeça; traduções e adaptações – as mais diversas – do Aventuras de Pinóquio se hibridizavam à sua frente; teses e dissertações embaralhavam-se, prontas para entrar a qualquer momento em um jogo de carteado... Era preciso ordenar tudo aquilo, ou sua pesquisa estaria fadada a ser enterrada no Campo das Ideias Mortas. Era para lá que iam todos os textos escritos por jovens pesquisadores que, sem saber como avançar nas ideias, os jogavam naquela areia movediça e por lá as ideias ficavam, até caírem no esquecimento. Com uma lupa nas mãos, a leitora Carolina avançava, atentamente, pelos títulos e resumos dos registros que se apresentavam. Era preciso verificar: “Essa etapa não pode ser aleatória, por esse motivo ela implica em um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções atentos ao objeto de estudo”, assim lembrava PIZZANI et al, 2012, p. 64. - Lupa. Não pode ser aleatório. Verificar o que é referência duplicada e retirar. Verificar o que diz respeito à sua pesquisa, e o que apenas se aproxima dela, e retirar. Também terei que retirar muitas referências em outras línguas... Quantos detalhes! Sobre a relevância das bases de dados escolhidas, Carolina sabia que ainda havia muitas outras, no entanto optou por permanecer com estas, pois se caracterizavam por refletir um conhecimento acadêmico por excelência, apontando muito do que se produz em Educação no Brasil. De posse destes registros e tentando organizar um pouco as referências que brotavam à sua frente, Carolina procedeu a uma leitura mais atenta, ora se aproximando, ora se distanciando do material, tal qual uma colecionadora que aprecia seus objetos. De modo geral, percebeu que o material é bem diversificado quanto às áreas em que estão inseridos (educação, tradução, história, letras, literatura, matemática, serviço social e psicologia). E quanto ao tipo de texto... - Há muita coisa repetida! Já sei: quando houver textos completos em forma de teses ou dissertações e artigos científicos relacionados aos primeiros, opto por 32 retirar os que duplicam os resumos (não sem antes verificar se se trata mesmo de publicação de pesquisa concluída). Também preciso tirar as referências sem resumo... Depois, começo a contar... E lá foi a leitora-Carolina-pesquisadora-de-olhos-cansados revisar todo aquele material. Resumiu, fez anotações, digitou, imprimiu e recortou todos eles, dispondo sobre sua mesa. Encontrou três teses de doutorado, vinte e cinco dissertações de mestrado (duas delas não havia texto completo e nem resumo, então estas foram retiradas da próxima fase, de leitura), e sete artigos de revistas científicas. Duas outras dissertações de mestrado não contavam com textos completos nem resumos, no entanto foi possível encontrar um artigo científico relacionado a uma e um trabalho em anais de congresso relacionado à outra, então estas foram contabilizadas como “dissertações de mestrado”. Dentre as teses e dissertações, apenas três são no campo da Educação (as demais são dos campos de Letras, Estudos Comparados em Literatura, Comunicação, Linguística, Psicologia, Estudos da Linguagem, Estudos da Tradução, Artes e Teatro). Quanto à base teórica, esta se mostra diversa, devido às áreas (também diversas), no entanto a maioria dos textos utiliza como referencial teórico os estudos de Bakhtin; e quanto à metodologia, também se apresenta de forma diversa com ênfase em análises discursivas. Observando ainda as teses e dissertações, por ano, organizou-se um quadro, como segue: 33 Distribuição de teses e dissertações com a palavra “Pinóquio” encontradas nas bases de dados, por ano: ANO DE DEFESA QUANTIDADE 1997 1 2002 1 2003 2 2004 2 2005 1 2006 2 (2 em Educação) 2007 2 2008 2 2009 2 (1 em Educação) 2010 1 2011 1 2012 3 2013 1 2014 1 2015 2 2016 2 TOTAL: 26 FONTE: Arquivo da pesquisadora. Pelos registros iniciais, a leitora Carolina pôde realizar algumas suposições. Falava sozinha: - Parece-me que a obra As aventuras de Pinóquio sempre despertou interesse em todos os países nos quais ela foi traduzida. E foram muitas traduções... No caso da pesquisa brasileira, talvez eu não tenha encontrado nenhuma antes de 1997 devido à atualização e informatização das plataformas de pesquisa. As dificuldades no manejo das bases de dados, de certa forma, foram muito parecidas com as de Ferreira, quando aponta que “[...] as informações de uma pesquisa para outra nem sempre são homogêneas e completas; às vezes faltam resumos, em outras faltam nomes de orientador, em outras, ainda, falta a indicação da área” (FERREIRA, 1999, p. 4). Também há pesquisas duplicadas com títulos diferentes; o 34 fato de cada base de dados ter uma interface diferente; ensaio de palavras-chave, com a dúvida de qual seria a “correta” ou “a melhor” para a pesquisa. Ou, ainda, o que um pesquisador, ou pesquisadora, encontra a cada refazimento da busca: “A cada encontro, novos catálogos ainda não pesquisados. Onde estavam? Quando chegaram? Como não os encontrei antes?” (idem, p. 24). Diferentemente no suporte, mas não tão diferente na angústia, a leitora Carolina também percebia que, a cada nova visita nas páginas eletrônicas pesquisadas, novas referências saltavam da tela... - Veja, uma outra dificuldade que encontrei... aprender a lidar com as imperfeições de minha própria busca! Ensaiar outras palavras-chave muito tempo depois da pesquisa ter iniciado, ampliar o olhar para outras bases de dados também tardiamente... - Mas, Carolina, você falava de suas suposições... Estou interessado! Conte- me mais! Atônita, a leitora Carolina estremeceu: - Quem disse isso? Quem falou comigo? - Eu, o Grilo-Falante. - Como assim?! - Eu mesmo, o Grilo-Falante! - Eu não havia percebido que alguém me escutava, me observava. Ainda mais um personagem da história que pesquiso. - Você fazia suposições... - Ah, sim! E acabei me perdendo nas dificuldades... Bem, uma outra suposição é a de que houve um leve crescimento de pesquisas sobre a obra em questão nos últimos dez anos. Mas este levantamento está muito incompleto... - Sei que em meus conselhos, sempre busco seguir regras, mas... Aprendi com o Pinóquio a deixá-las um pouco de lado. Por que você não faz o mesmo com o seu levantamento bibliográfico? - Deixar algo de lado? – perguntou atônita a leitora Carolina. - E o que faço com tudo o que levantei até o momento? - Não digo para você “deixar tudo de lado”. Apenas não se prenda tanto a isto! - repreendeu o Grilo-Falante. 35 - Tudo bem, tudo bem. Mas não sem antes ler com mais atenção as teses e dissertações brasileiras que encontrei sobre o tema. A propósito, você está bem mudado! - Será?... [...] - Veja, Grilo, quatro pesquisas apresentam obras cinematográficas como material de análise em comum. Machado (2003) analisa dois filmes do ponto de vista do poder do feminino, nos quais há as figuras da fada (em Inteligência Artificial) e da bruxa (em Atração Fatal). Foi feita uma releitura das figuras do feminino presentes, ligando à Fada azul da narrativa de Pinóquio, e da madrasta dos contos dos Irmãos Grimm. Seguindo linha parecida, Lessa (2012) analisa quatro animações da Disney (Pinóquio é um deles) à luz da teoria de Propp e verifica que a antropomorfia é característica importante das narrativas ao transmitir as principais ideias das mesmas. - As obras cinematográficas constituem-se em um rico material de análise, mesmo – complementou o Grilo. – O que mais você encontrou? - Já Damiati (2013) realiza um estudo do filme “Avatar” de James Cameron, relacionando de modo intertextual a elementos do personagem “Pinóquio”, numa análise fílmica entre o primeiro e o filme de Walt Disney. E Nunes, recentemente, apresenta um panorama histórico relevante em relação ao contexto de produção da obra As aventuras de Pinóquio. Sua pesquisa tem como objetivo verificar “como esses aspectos realísticos, e significativos de um específico momento histórico italiano, foram ressignificados na adaptação fílmica italiana Pinocchio, de Roberto Benigni” (NUNES, 2016, p. 6). A pesquisadora aponta, no texto, elementos realísticos existentes, no contexto de produção da obra e no contexto de produção do filme, que se diferem em muitos aspectos, dentre eles as “particularidades autorais e mercadológicas”. - Veja! Um panorama histórico! Apontou o Grilo-Falante. - Sim, terei que retornar a esta pesquisa mais tarde... Minha intuição diz que... Ah, deixe para lá. Eu quero ser metódica! Quero terminar de estudar os demais resumos que encontrei! 36 - Mas, Carolina, já faz algum tempo que eu lhe acompanho. Em algum momento do passado, conversando com Walter Benjamim, você não havia concordado com ele, quando disse que “método é desvio”?! - Grilo-Falante, a pesquisa tem dessas coisas. Idas e vindas. Avanços e estagnação. Mudanças de percurso. Momentos para desviar, e momentos para ser metódico. Podemos continuar? - Acho que tem um pouco de mim em você – reconheceu o Grilo. - Também penso assim. Mas... eu já lhe disse, retornarei a esta pesquisa mais tarde. Outras duas pesquisas tiveram como elemento comum a análise de traduções. - Interessante... - Formiga (2003) apresenta a ideia de que nas leituras (e que estão refletidas, consequentemente, também nas adaptações) da obra As aventuras de Pinóquio, o que quase sempre acaba prevalecendo são os aspectos que interessam ao adulto, ou seja, incutir na criança leitora o tom moralizante que é atribuído à obra, quando não é somente este aspecto que está contido na obra original. Muitas leituras podem ser feitas, lembremos que a literatura é prenhe de significados. No caso das adaptações escolhidas para análise, esta autora pondera que, quando a adaptação se torna “amaneirada” (tornada à maneira, ao modo do adaptador), ela corre riscos de perder características importantes da obra original, ao passo que se são preservados alguns pontos tidos por esta autora como principais, não há perda de sentido. Mas, problematizando (e talvez discordando de certo modo de Formiga), não seria o seu tradutor ou adaptador um ser histórico, político, social e que escreve o mundo à sua maneira? Traduções e adaptações: tratar-se-ia da mesma obra? À parte disso, sua reflexão sobre o não-direcionamento das leituras das crianças, da obra, é muito interessante pois abre espaço para invenções (dimensão literária), e não se fica somente nos aspectos que interessam aos adultos (dimensão pedagógica). Neste ponto, a leitora Carolina percebeu que a sobrancelha esquerda do Grilo-Falante se levantara. - Quer fazer alguma observação, Grilo? - Será que eu tenho alguma coisa a ver com esse tal “tom moralizante” que as pessoas leem na obra de Collodi? 37 - Penso que poderíamos fazer algumas suposições sobre o assunto, mas seria melhor ao menos terminar as leituras das outras pesquisas – suplicou Carolina. - Continuemos!... - Jolkesky (2007), em sua dissertação, analisa três traduções para o português da obra As aventuras de Pinóquio em relação à colocação de pronomes, ponderando que a forma como foram traduzidas dificultam o entendimento dos leitores. A leitora Carolina continuou a explanação. - Outras pesquisas se aproximam pelo modo como utilizam a obra As aventuras de Pinóquio. Nascimento (2003) utiliza da narrativa de Pinóquio como metáfora para o trabalho com as concepções de famílias para os jovens participantes de sua pesquisa. A pesquisa de Lima (2015b) parte de uma proposta de escrita de textos para alunos de uma turma de nono ano do ensino fundamental de Serra Talhada (PE); o estudo tem como objetivo “analisar a incidência do sujeito do inconsciente em textos narrativos escritos no ambiente escolar”. A proposta consiste em reescritas de textos literários, e a análise da pesquisadora mostra que os alunos relacionaram com fatos da vida cotidiana de cada um deles. Partindo de escritos lacanianos, a autora conclui que na medida em que os alunos recriam as histórias, acrescentando elementos da vida real deles, faz “emergir” o sujeito pela linguagem. O Grilo-Falante coçou o queixo, pensativo. E a leitora Carolina prosseguiu: - Hachimine (2006), em sua dissertação de mestrado em educação, teve como objetivo verificar o desempenho de crianças surdas em processo de aquisição da LIBRAS no reconto de histórias. Concluiu-se pela necessidade de um professor intérprete que acompanhe o processo de ensino e aprendizagem para o sucesso do aluno surdo. A história do boneco Pinóquio foi uma das utilizadas pela pesquisadora. Carolina, vendo que o Grilo-Falante acompanhava tudo tim-tim-por-tim-tim, prosseguiu, sem muitas paradas. ... Araldo (2012) realiza um estudo comparativo de quatro histórias (uma delas, a de Pinóquio), considerando que a literatura para crianças favorece processos de reprodução e renovação de valores sociais. ... Há, também, duas pesquisas que parecem estar ligadas à leitura do livro As aventuras de Pinóquio como um meio para estabelecer vínculos entre o 38 pesquisador e os participantes das mesmas: Bonavides (2005) utiliza a história do Pinóquio como uma estratégia para as entrevistas com as crianças participantes da pesquisa, que discorreu sobre violência física pela família; e Foresti (2002), que em sua pesquisa com educadores de creches públicas, verificou a utilização do brinquedo como estratégia pedagógica. Em uma série de entrevistas e levantamento da tipologia de brinquedos existentes nas escolas, a autora aponta que os professores reconhecem a importância destes elementos para a aprendizagem e o favorecimento do lúdico, mas desconhecem a prática do trabalho com eles, bem como há uma deficiência, tanto na quantidade como na variedade de brinquedos existentes nas escolas. Um dos instrumentos utilizados na entrevista foi um quebra- cabeças de madeira com a figura do boneco Pinóquio. O texto completo desta tese não está disponível para consulta on-line, apenas o resumo. ... Há, ainda, duas pesquisas que utilizam a história da marionete sob a forma de peças teatrais. Julio (2011) realiza uma pesquisa com dois grupos teatrais de Belo Horizonte, com o objetivo de verificar elementos da dramaturgia presentes em duas peças que utilizam a manipulação de marionetes. E Medeiros (2010) analisa a produção de três peças teatrais de um grupo de Belo Horizonte (Giramundo), que utiliza a técnica do teatro de animação. O pesquisador tem o objetivo de compreender a hibridização de linguagens, do teatro de animação contemporâneo e das artes plásticas/visuais. Uma das peças analisadas é Pinóquio. ... Há algumas pesquisas que analisam as mudanças do personagem Pinóquio ao longo da narrativa. Silva (2007) aponta a utopia como um dos sentimentos necessários à vida na atualidade, para que as pessoas consigam visualizar possibilidades de mudanças. Para isto, utiliza-se do conceito de utopia de José Teixeira Coelho Neto, que para ele estaria ligada à esperança e à imaginação, características daquele que ainda não estaria “embrutecido” com a realidade da vida, e que conteria uma força impulsionadora para a realização (concretização) da mudança. Em seguida, a autora discute o processo civilizatório à luz de diversos autores, para conferir a importância dos feitos humanos para o progresso da humanidade. Utiliza-se da história de Pinóquio como uma metáfora para a realização desta utopia, a da humanização, passando do estado de “marionete” em “menino de verdade”. A autora indica, ainda, que “a obra referida apresenta de forma simbólica o processo de socialização do homem” e que “nos mostra como se dá esse processo 39 de humanização e nos proporciona a leitura de que é possível sermos felizes cedendo em prol do nosso próximo, numa tentativa de ‘rearrumação’ do mundo pelo amor, pela fraternidade” (SILVA, 2007, p. 9). ... Nery realiza uma análise discursiva de algumas passagens da obra As aventuras de Pinóquio, discutindo como o personagem principal vai se modificando ao longo da narrativa. Nas palavras da pesquisadora, “neste trabalho pretende-se analisar o ethos da personagem Pinóquio, em alguns excertos da obra de Collodi, apontando questões relativas aos discursos pedagógico e literário” (NERY, 2012, p. 49). Sobre a obra, Nery escreve: “Transcendendo a mera comoção, Collodi conseguiu resumir muito do caráter italiano e comentar inúmeras questões sociais, tais como: pobreza, fome, importância da educação e mau funcionamento das instituições públicas” (idem, p. 35). Em seguida, apresenta muitos dados do contexto histórico da obra. Apoiada em outros autores, esta pesquisadora também assemelha a traquinagem de Pinóquio à malandragem de Macunaíma de Mário de Andrade. Aqui, talvez esta assertiva se aproxime do que eu quero mostrar, não no sentido de um Pinóquio “sem nenhum caráter” como Macunaíma, mas um boneco com toda a liberdade para fazer o que quer, aprendendo com isto (não fazendo uso de suas cordas de marionete), e ainda com toques de ironia, quando se torna um “menino de verdade”. Nota-se, no texto de Collodi, que o ethos da personagem Pinóquio visto pelos adultos é extremamente construído pelo viés do discurso pedagógico: retira-se da história apenas o que serve aos propósitos dos mais velhos. Elege-se o desinteresse de Pinóquio pelo estudo e as mentiras pregadas como paradigma de ensinamento aos pequenos, a fim de que sejam estudiosos, obedientes e não questionadores do poder dos adultos. A interpretação desses fatos isolados transforma a obra em uma unidade simplista e contrária à intenção do texto literário, que é proporcionar a multiplicidade de leituras, bem como o prazer aos seus leitores. (NERY, 2012, p. 42-43) ... Avançando um pouco mais em sua pesquisa, Nery (2012) apresenta alguns excertos do texto literário em questão para realizar elucubrações de acordo com os princípios da análise do discurso literário. A pesquisadora finaliza o texto explicando que o discurso literário está atravessado pelo discurso pedagógico, mas aponta que este atravessamento está diretamente ligado ao leitor/coenunciador da obra. 40 - Quantas formas diferentes de utilização da obra! Collodi nunca teria imaginado que seus escritos inspirariam tantas pesquisas! – disse o Grilo. - Eu não faria uma afirmação dessas, Grilo... Teremos tempo para conversar sobre isso. Mas ainda existem algumas pesquisas para serem registradas em nosso percurso. - Então, continuemos... - Cinco outras pesquisas apresentam paralelos com a obra. Santos (2004) procura compreender as concepções que alunos considerados “pobres” – suas palavras - têm sobre a escola. A autora faz um paralelo com a obra As aventuras de Pinóquio, por compreender que esta contém um discurso bem parecido com o oficial, de “escola para todos”. ... Costa (2009), por sua vez, analisa três obras da literatura infantil (Pinóquio, uma delas) sob a abordagem da estética maneirista, apontando características dela em todos os textos. ... Azevedo (1997) analisa histórias da literatura infantil na busca por encontrar vestígios de contos populares. A narrativa de Pinóquio é uma das analisadas por ele. Não há texto completo disponível; apenas algumas partes da dissertação. Também não há resumo. ... Mourão (2008) analisa três obras de Rubem Alves com o objetivo de mostrar que o autor se vale de uma desconstrução da escola atual para que a educação possa estar acompanhada de afeto e prazer. Uma das obras analisadas é Pinóquio às avessas. E Gil (2007) realiza uma análise de narrativas infantis (Pinóquio, uma delas) a partir da leitura das mesmas com o intuito de verificar o arquétipo da transcendência. Carolina, percebendo que o Grilo começava a se dispersar, observando formigas à sua frente, chamou sua atenção: - Ei, Grilo, veja, ainda temos mais pesquisas para leitura! Avançarei um pouco mais. Outras pesquisas apresentam reflexões sobre a leitura da obra em contextos escolares. A pesquisa de Ortiz, por exemplo, (2008) teve como objetivo refletir sobre os processos de constituição do leitor (professora alfabetizadora e seus alunos), por meio de uma experiência de leitura do texto literário. A pesquisa foi feita e a dissertação defendida praticamente no mesmo período que a minha dissertação de mestrado (também referenciada nas plataformas Parthenon e Sucupira, e que trata 41 da prática de leitura e escuta de um texto literário com alunos de uma escola pública), apresentando muitas semelhanças quanto aos objetivos, com as diferenças em relação às crianças, à cidade, o mote inicial da leitura com os alunos, as produções finais (charges e produções escritas) que no meu trabalho (SOUZA, 2009) não houveram, pois optei por não solicitar nenhuma “lição” em troca da leitura, além, é claro, do campo de conhecimento (Ortiz fala do lugar da psicologia, e eu falo do lugar da educação). A metodologia também foi diferente. ... Lima (2015a), em sua dissertação de mestrado, observou como os alunos de uma turma de oitavo ano do ensino fundamental se comportaram diante da proposta de leitura intercultural de textos literários. Para isto, selecionou três obras consideradas por ela como clássicas – Dom Quixote, O pequeno príncipe e Pinóquio – e ofereceu aos alunos os textos em duas línguas, a de origem e em língua portuguesa. Como resultados, os alunos demonstraram grande interesse pela leitura dos textos em línguas diferentes, afirmando ser uma proposta diferenciada e apreciada por todos. ... A pesquisa de Bomfim (2016) teve como objetivo analisar a leitura do acervo do PNBE do ano de 2013 com alunos do ensino médio da cidade de Palotina (PR). Por meio de acessos a dados de leitores via Skoob, a pesquisadora levantou que apenas 35% do acervo era realmente lido pelos alunos. Uma das obras apontadas como lidas foi As aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi. A autora realiza problematizações a partir dos comentários registrados pelos leitores no Skoob sobre as obras; os comentários versam sobre comparações entre edições e entre leituras feitas na infância e na idade adulta, bem como a temática geral das obras. Também foi levantado pela pesquisadora que os comentários apresentam escritas diferentes, quando os leitores liam os livros por interesse e registravam suas impressões de leitura no Skoob e quando registravam a pedido dos professores para adquirir notas, ou ainda da pesquisadora (revelando uma escrita mais cuidadosa, contudo direcionada). ... Ainda existe uma pesquisa que trata do ensino de línguas, particularmente a italiana. Santos (2014) discorre sobre o ensino da língua italiana com auxílio didático de audiolivro, e a história de Pinóquio foi uma das utilizadas pela pesquisadora. 42 O Grilo-Falante, que aguardava pacientemente toda aquela explanação, respirou fundo e disse: - Faça apenas uma pesquisa fora dessas bases de dados. Como teste, só para ver o que aparece... - Já que você insiste, Grilo, agora eu faço. Já acabaram os resumos que eu gostaria de recuperar aqui. Mas não posso perder-me, preciso planejar meus próximos passos, milimetricamente. [...] Diante do computador, a leitora Carolina, descrente que encontraria algo relevante, abre um simples mecanismo de busca na internet e digita “Pinóquio”. - É certo que aparecerá uma infinidade de textos outros. Mas não posso referenciar-me em fontes não seguras, Grilo. - O que seria “fontes não seguras”? - Fontes sem aporte teórico, sem serem “chanceladas” por uma instituição de pesquisa. Fontes que não são teses de doutorado, nem dissertações de mestrado, nem artigos publicados em revistas de cunho científico. Fontes que... Neste momento, outro ícone piscou na tela do computador. Carolina e o Grilo- Falante abriram o texto. Consistia em um artigo publicado em uma revista científica e que as buscas anteriores não haviam referenciado. - Serve este, leitora? – debochou o Grilo. Carolina, num piscar de olhos, devorou o texto. E procedeu à explanação. - Trindade e Karam (2016) analisam a obra As aventuras de Pinóquio pela perspectiva do Direito na Literatura. Evocam uma leitura da obra de Collodi para compreender o processo de humanização do boneco para “sua submissão à lei e sua adesão ao pacto social” (p. 1119). Desta forma, inicialmente compõem um levantamento bibliográfico em língua italiana; no entanto, algumas fontes são diferentes das utilizadas por Nunes (2016), outras são comuns. ... De todo modo, eis o levantamento apresentado por eles5. Numa perspectiva política e social, há as leituras de Vittorio Frosini (La filosofia politica di Pinocchio) – de que esta narrativa não é uma fábula, mas um mito educativo, “em que é possível observar o desaparecimento de uma época e, mais precisamente, um ressurgimento de caráter republicano e mazziniano” (TRINDADE e KARAM, 2016, p. 5 As obras dos estudiosos aqui citados são referenciadas no texto, contudo não se constituíram material de leitura para esta pesquisa. 43 1125) – e Giulio Izcovich (Pinocchio e il diritto), que considera que Collodi não acreditava no avanço e progresso da educação pública estatal da Itália, e que em sua obra prima, o “lugar comum popular” é “o grito e o lamento de Pinóquio: primeiro, o pão, a estrada, a vida; depois, embora também se precise, os abecedários, os professores, os pedagogos” (ITZCOVICH citado por TRINDADE e KARAM, 2016, p. 1128). ... Em uma perspectiva pedagógica de caráter religioso, Trindade e Karam levantaram os trabalhos de Roberto Mazzucco (Il burattino conservatore) e Piero Bargellini (La verità di Pinocchio). Para este primeiro, Pinóquio é um boneco conservador (idem, p. 1128), e para o segundo, a narrativa apresenta elementos de uma doutrina católica: [...] (a) Pinóquio é filho de um lenhador; (b) sua mãe, a fada, é uma virgem; (c) essa fada, que é uma menina com cabelos azuis, tem um adorno cuja cor é a do manto de Nossa Senhora; (d) depois de inúmeros erros e penitências, Pinóquio alcança a sua regeneração através da Graça (idem, p. 1129). ... Prosseguindo, Trindade e Karam (2016) ainda apresentam como “perspectiva moralista” os escritos de Luigi Volicelli (La verità su Pinocchio) e Benedetto Croce (Pinocchio), os quais consideram que não há, em Pinóquio, uma veia católica, mas sim uma sabedoria que deriva da “verdade experimental da vida” (ibidem, p. 1130). ... Apontam, ainda, como uma perspectiva filosófica o estudo de Vito Fazio- Almayer (Divagazioni e capricci su Pinocchio). Entendem que este autor evita restringir as possíveis leituras da obra de Collodi, no entanto para ele, a aventura de Pinóquio está no processo de tornar-se homem (ibidem, p. 1131). ... E, por último, Trindade e Karam (2016) apontam que também há uma perspectiva psicanalítica, percebida nos estudos de Emilio Garroni (Pinocchio uno e bino), Massimo Grillandi (Pinocchio e la psicoanalisi), Giulio Servadio (Psicologia e simbolismo nelle “Avventure di Pinocchio”) e Giovanni Jervis (Prefazione). Dentro desta perspectiva, os temas variam, desde a discussão entre vida, morte e renascimento, pulsão de vida e pulsão de morte, relações familiares, e compulsão à repetição como uma relação entre norma e transgressão. 44 - Este artigo, embora não vá lhe auxiliar muito em sua pesquisa, porque se trata de uma temática do Direito, lhe forneceu uma pista – assinalou o Grilo. - Uma, não: várias... Pelo que percebi, este artigo cita alguns autores que Nunes (2016) também cita em sua pesquisa. Além do mais, são fontes italianas. - Sim! – replicou o Grilo. Acredito que a partir de agora, você traçará um novo percurso. - No início do meu levantamento bibliográfico, bem lá no início, quando entrei no curso de Doutorado, eu encontrei textos em outros idiomas, mas nenhum deles fazia muito sentido naquele momento, pois tudo estava muito misturado... - Sei, sei... Todos os seus queridos, incansáveis e estapafúrdios bonecos estavam misturando as suas ideias. - E ainda misturam. E agora você está misturando as ideias novamente! Pois trate de ajudar-me a desmisturar tudinho, agora mesmo!... - Atente-se para o que você encontrou agora. - Italianos. Referenciados nos dois trabalhos. Verei o que é comum a eles. Paralelamente a isto, penso que consigo visualizar, ainda que parcialmente, ainda que de modo desordenado, uma produção acadêmica no Brasil sobre Pinóquio e Collodi. Todas estas pesquisas, tão diferentes entre si, se unem tendo como elo a referida obra. Diferentes são os pontos de vista, e cada um defende o seu. Mas, de repente, algo acontece e os registros começam a se embaralhar novamente; as pilhas de textos lidos esvoaçam e Carolina consegue ver o motivo da nova bagunça: o livro de Collodi, impertinente, dança à sua frente, arrastando e levantando tudo para os ares. 45 3 SEGUINDO PEGADAS DE PINÓQUIO E COLLODI Após o levantamento bibliográfico nas bases de dados Parthenon, SciELO e banco de teses e dissertações da Capes, e de ter procedido às leituras, fichamentos e diálogos com os textos lidos (encontrados com formato diverso, haja vista que alguns continham resumo e outros não, procedendo desta forma à leitura dos textos completos), a leitora Carolina, preocupada com o que havia encontrado, decidiu por revisar todo o seu caminho percorrido e traçar novos percursos. - Objetivamente, o que você procura? – perguntou o Grilo-Falante. - Busco compreender o humano no boneco Pinóquio, do que se trata esta humanização apresentada na obra de Collodi. E, buscando o boneco Pinóquio, preciso buscar a obra em que ele se encontra. Adentrá-la. Interrogar. Conhecer, ainda que parcialmente, em quais condições a obra foi escrita. E, buscando a obra, preciso buscar também compreender, ainda que parcialmente, quem é este Carlo Collodi que é apresentado a mim por intermédio de outros escritos. Mas com toda esta bagunça, não sei se conseguirei. Parecia uma ventania, mas de repente este livro começou a dançar e sapatear em cima das folhas... Não estou entendendo mais nada!... - Impertinente como o Pinóquio. Parece que ele está fazendo com você o mesmo que fez com Gepeto, enquanto o esculpia – apontou o Grilo-Falante. - Estripulias... Mas estava tudo tão arrumado... Bem, vou traçar o meu percurso, partindo daqui. Vem comigo? - Claro! – Aliás, sempre estive com você!... A propósito, já que você precisa ir atrás do Pinóquio, do livro e de Collodi, por que não o perseguimos? Olhe, ele está fugindo pela janela! A leitora Carolina esticou os braços o máximo que pôde, mas o livro As aventuras de Pinóquio escapuliu pela janela de seu quarto de estudo. - Parece que não temos escolha! – disse Carolina, rindo. 46 Um torpor lhe invadiu o corpo. Era como uma descarga de adrenalina percorrendo todas as veias; pulou a janela com o Grilo-Falante agarrado em seus cabelos. - Não precisa correr tanto! – suplicou o Grilo. Ao descer do parapeito, encontraram um bilhetinho caído ao chão. Carolina abriu o bilhete e encontrou a inscrição: “Palavra-chave: Collodi”. - Se eu quero perseguir o livro, penso que seja prudente seguir as pistas, também. Encontrou um laptop azul aberto, ligado, prontinho para realizar a pesquisa sugerida. - Que mágica foi essa? – perguntou Carolina, espantadíssima. - Isto parece coisa da Fada Azul. Leia as instruções, estão na tela. USE-ME. PENSE EM MIM, APAREÇO. PENSE EM MIM, DESAPAREÇO. - Já que estamos numa viagem, e agora eu tenho uma forma de registrar sem carregar peso, então vamos utilizar o presente. Dito isto, Carolina procedeu a novas buscas nas mesmas bases de dados, com palavras-chave diferentes: “Collodi”; “Carlo Collodi”; “Lorenzini”; “Carlo Lorenzini”. Mais tarde, o Grilo-Falante perguntou: - Encontrou alguma coisa? - Não, quer dizer, encontrei as mesmas referências. Ou seja, nada de novo, por enquanto. Vamos continuar nossa viagem. Pensou, e como por encanto, o laptop desapareceu. - Seguindo as pistas, agora devo procurar novamente aquela dissertação de mestrado, de Nunes (2016). Carolina estendeu a mão para dentro da janela do quarto de estudo. A dissertação de Nunes havia ficado em cima da escrivaninha. Procedendo à leitura, Carolina percebeu que havia uma contextualização histórica e muitas referências em italiano. Fez contato com Nunes por correio eletrônico, em busca de diálogos, mais 47 informações sobre a obra, enfim, procurava algo que a pudesse auxiliar mais em sua empreitada. Qual não foi sua surpresa quando percebeu que Nunes havia respondido, rápida e alegremente! Indicou leituras de Renato Bertacchini e Paolo Lorenzini. - Estes nomes são novos para mim... São referências comuns, de Nunes (2016) e Trindade e Karam (2016). Não haviam sido referenciados nas pesquisas anteriores. Posso supor que a procura por fontes italianas não é muito recorrente. A propósito... Preciso procurar por uma edição da obra em italiano... [...] - Aqui, encontrei! Uma edição italiana – Le avventure di Pinocchio. Com introdução de Daniela Marcheschi. E recente, de 2008. - Algo aponta que Daniela Marcheschi tem muito mais a lhe dizer da obra do que simplesmente uma “Introduzione”! – ponderou o Grilo-Falante. Carolina balançou a cabeça em sinal afirmativo. E lá se foi novamente a leitora Carolina a colecionar obras, desta vez em língua italiana. Em suas andanças pelos labirintos virtuais, foi para a cidade de Florença, depois para Collodi, depois para o Parque de Pinóquio6, e depois ainda para a Fundação Nacional Carlo Collodi7. E todo um universo se descortinava à sua frente. Fez contato eletrônico com a Fundação, questionando sobre a existência de escritos em que o próprio Collodi remeta ao processo de construção da obra As aventuras de Pinóquio, sendo respondido que alguns manuscritos deste autor estão arquivados na Biblioteca Nacional Central de Florença8 e ainda não foram disponibilizados para consulta on-line. Também foram indicadas para leitura a escrita de Guido Biagi e duas coleções, editadas com a obra completa de Collodi e com introduções de estudiosos do tema (uma delas, a já citada Daniela Marcheschi). - Mas quem é Guido Biagi? Quem é Paolo Lorenzini? E Daniela Marcheschi? E Renato Bertacchini? – perguntou aflita Carolina. O Grilo-Falante abriu um sorriso e deu uma piscadela. - Terá que aprender italiano para saber!... - Você não me dará nenhuma pista?