Campus de Ilha Solteira FRANCINE BETTIO COSTA INVESTIGAÇÃO ESPECTROSCÓPICA E ESTUDO DO MECANISMO DE CONVERSÃO DESCENDENTE DE ENERGIA EM VIDROS TeO2-WO3 CO-DOPADOS COM ÍONS Nd 3+ E Yb 3+ Ilha Solteira 2016 II FRANCINE BETTIO COSTA Investigação espectroscópica e estudo do mecanismo de conversão descendente de energia em vidros TeO2-WO3 co-dopados com íons Nd 3+ e Yb 3+ Prof. Dr. João Carlos Silos Moraes Orientador Tese apresentada à Faculdade de Engenharia - UNESP – Campus de Ilha Solteira, para obtenção do título de Doutor em Ciência dos Materiais. Área de conhecimento: Física da Matéria Condensada. Ilha Solteira 2016 III IV V Aos meus pais, Luiz Henrique Costa e Denise Bettio Costa. Ao meu irmão, Luiz Henrique Bettio Costa. Aos meus avós Waldomiro Bettio (in memoriam) e Apparecida Aise Bettio (in memoriam). VI AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Prof. Dr. João Carlos Silos Moraes, pela amizade, paciência e orientação e experiências compartilhadas. Aos Profs. Dr. Luiz Antônio de Oliveira Nunes (IFSC – USP), Dr. Sandro Márcio Lima, Dr. Luis Humberto da Cunha Andrade (UEMS – Dourados) e Dr. Márcio da Silva Figueiredo (UFGD – Dourados) pela colaboração, ensinamentos, discussões e amizade. Ao Prof. Dr. Ezequiel Costa Siqueira (UTFPR - Ponta Grossa) pelos ensinamentos, principalmente ao longo do período de estagio docência, e amizade. A todos os integrantes do Grupo de Espectroscopia Óptica e Fototérmica (UEMS – Dourados) pela recepção, colaboração e amizade. Ao meu amigo, Alex Otávio Sanchez, pelo auxílio nas medidas de DTA. Ao meu noivo, Rafael Zadorosny, pela paciência e incentivo. A toda minha Família que ficou na torcida pela realização de mais esta etapa. Ao PPGCM-FEIS, Capes e CNPQ pela bolsa concedida. VII RESUMO A busca por novas fontes renováveis de energia tem se tornado de grande apelo devido à necessidade de se reduzir os impactos ambientais. Esse interesse tem motivado a pesquisa e o desenvolvimento de células fotovoltaicas (CFs) mais eficientes e baratas. Assim, a energia solar fotovoltaica tem sido uma opção para se complementar e ampliar a geração de eletricidade. Entretanto, as células de silício cristalino (Si-c) disponíveis no mercado apresentam baixa eficiência de conversão da radiação luminosa em energia elétrica devida, principalmente, às perdas por incompatibilidade espectral entre as regiões de máxima emissão solar (região do visível - Vis) e de máxima eficiência fotovoltaica da célula de Si-c (região do infravermelho - IV). Para minimizar essas perdas e, consequentemente, melhorar a eficiência da CF, conversores descendentes de energia compostos por íons terras-raras são usados na conversão de fótons de alta energia (Vis) em fótons de menor energia (IV). Nesse ínterim, no presente trabalho foram estudadas as propriedades espectroscópicas dos íons neodímio (Nd 3+ ) e itérbio (Yb 3+ ) incorporados, como dopantes, no vidro telurito-tungstênio (TW). Tais propriedades foram obtidas a partir de medidas de difração de raios-X, densidade de massa, espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier, Raman, absorção óptica, luminescência, excitação, evolução temporal da luminescência e lente térmica. Este estudo foi dividido em duas etapas. Primeiramente, vidros TW dopados com Nd 3+ foram preparados em diferentes atmosferas, i.e., uma atmosfera ambiente e outra rica em O2, para investigação da influência dos grupos hidroxilas (OH) nas propriedades espectroscópicas de amostras com diferentes concentrações de Nd 3+ . A dependência com a concentração indicou que a transferência de energia do íon Nd 3+ para o grupo OH foi desprezível e que a eficiência quântica luminescente do nível 4 F3/2 diminuiu com o aumento da concentração de Nd 3+ . Posteriormente, vidros TW co-dopados com Nd 3+ e Yb 3+ foram preparados em atmosfera ambiente para investigação da correlação entre os íons Yb 3+ e os mecanismos de conversão descendente de energia (CDE). Os resultados mostraram que a luminescência, oriunda do nível 4 F3/2, diminuiu com o aumento da concentração de íons Yb 3+ . Simultaneamente, observou-se um aumento correspondente na emissão do Yb 3+ e uma redução no calor gerado pela amostra. A transferência de energia Nd 3+ → Yb 3+ foi observada qualitativamente e a eficiência dessa transferência foi avaliada quantitativamente por valores do tempo de vida. Esses resultados indicam que o vidro TW co-dopado com íons Nd 3+ e Yb 3+ é um sistema com VIII potencial para ser usado como material conversor descendente de energia aplicado sobre as células fotovoltaicas de Si-c. Palavras-chave: Espectroscopia. Conversão descendente de energia. Vidro telurito- tungstênio. Neodímio. Itérbio. IX ABSTRACT The demand for new and renewable energy sources has been of great appeal due to the reduction of environmental impacts. This interest has motivated the research and the development of more efficient and less expensive photovoltaic (PV) cells. Thus, the photovoltaic solar energy has been an option to complement and expand the generation of electricity. However, commercialized crystalline silicon cells present low conversion efficiency of the light irradiation energy into electric energy, mainly due to the spectral mismatch between the regions of maximum solar emission (visible spectrum) and of maximum PV cell efficiency, which is in infrared region. To minimize such losses and, consequently, improve the efficiency of PV cell, down-converters with rare-earth ions in their structure are used to convert the high energy photons (at the visible - Vis) into low energy photons (at the infrared - IR). Meanwhile, in the present work we study the spectroscopic properties of neodymium (Nd 3+ ) and ytterbium (Yb 3+ ) ions incorporated as dopants in a tellurite-tungsten (TW) glass matrix. The characterization of the samples were obtained from measurements of X-ray diffraction, mass density, Fourier transform infrared spectroscopy, Raman spectroscopy, optical absorption, luminescence, excitation, temporal evolution of the luminescence and thermal lens. This study was divided into two stages. Primarily, Nd 3+ -doped TW glasses were prepared in different atmospheres, i.e., an ambient atmosphere and in another rich in O2 to investigate the influence of the hydroxyl (OH) groups in the spectroscopic properties of samples with different concentrations of Nd 3+ . The results showed that the energy transfer from Nd 3+ ion to the OH group was negligible. The concentration dependency indicated that the energy transference from the Nd 3+ ion to the OH group was negligible. In addition, the luminescent quantum efficiency of 4 F3/2 level decreased with increasing of Nd 3+ concentration. Subsequently, Nd 3+ and Yb 3+ co-doped TW glasses were prepared in ambient atmosphere to investigate the correlation between Yb 3+ ions and down- conversion (DC) mechanisms. The results showed that the luminescence of the 4 F3/2 decreased as the concentration of Yb 3+ was increased. Simultaneously, it was observed a corresponding increase in the emission of the Yb 3+ and a reduction in the generated heat by the sample. The Nd 3+ → Yb 3+ energy transfer was observed qualitatively and the efficiency of such transfer was quantitatively evaluated by lifetime values. The results indicate that the co-doped TW X glasses by Nd 3+ and Yb 3+ are systems with potential to be used as down-converter material applied to the c-Si photovoltaics cells. Keywords: Spectrsocopy. Down-conversion process. Tellurite-tunsgsten glass. Neodymium. Ytterbium. XI TRABALHOS PUBLICADOS [1] Costa FB, Yukimitu K, Nunes LAO, Andrade LHC, Lima SM, Moraes JCS. Characterization of Nd 3+ -doped Tellurite Glasses with Low OH Content. Materials Research. 2015; 18:2-7. [2] Costa FB, Yukimitu K, Nunes LAO, Figueiredo MS, Andrade LHC, Lima SM, Moraes JCS. Spectroscopic properties of Nd 3+ -doped tungsten–tellurite glasses. Journal of Physics and Chemistry of Solids. 2016; 88:54–59. XII SUMÁRIO Capítulo 1 – Introdução..........................................................................................................14 1.1 – Motivação.............................................................................................................14 1.2 – Objetivo................................................................................................................23 1.3 – Organização do trabalho.......................................................................................23 Capítulo 2 – Considerações Gerais........................................................................................24 2.1 – Conceitos Teóricos Básicos.................................................................................24 Íons terras-raras................................................................................................24 Teoria de Judd-Ofelt..........................................................................................28 Transições não radiativas – Decaimento multifônon........................................30 Transferência de energia...................................................................................31 Mecanismos de conversão descendente de energia..........................................34 Íon Neodímio (Nd 3+ )..........................................................................................36 Íon Itérbio (Yb 3+ )...............................................................................................37 2.2 - Arranjos experimentais usados para a caracterização espectroscópica................38 Absorção óptica.................................................................................................38 Luminescência...................................................................................................39 Tempo de subida e de decaimento.....................................................................40 Excitação...........................................................................................................41 Lente Térmica....................................................................................................43 Capítulo 3 – Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd 3+ ...........................................................................................................................................46 Resumo..........................................................................................................................46 Experimental.................................................................................................................46 Resultados e discussão..................................................................................................49 Conclusão......................................................................................................................63 Capítulo 4 – Alta eficiência de transferência de energia Nd 3+ → Yb 3+ em vidro telurito- tungstênio: um conversor promissor para células solares..................................................65 XIII Resumo..........................................................................................................................65 Experimental.................................................................................................................65 Resultados e discussão..................................................................................................67 Conclusão......................................................................................................................80 Apêndice A – Cálculo dos parâmetros de Judd-Ofelt.........................................................81 Referências Bibliográficas......................................................................................................85 14 Capítulo 1 - Introdução Capítulo 1 – Introdução 1.1 – Motivação A indicação para que se promova o uso de fontes renováveis de energia é uma das medidas que vem sendo acordada por meio de um tratado internacional – Protocolo de Quioto – com a finalidade de reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa (GEEs). Muitos especialistas em clima e atmosfera acreditam que o aumento da emissão de dióxido de carbono (CO2), que foi cerca de 81% entre 1973 e 2009 [1] é, em boa parte, devido à queima de combustíveis fósseis. O uso de tais combustíveis, em muitas regiões onde se concentram intensa atividade industrial, grande número de veículos, usinas termoelétricas entre outros, tem provocado uma poluição ambiental acima dos padrões aceitáveis. Um dos fatores que contribuiu para intensificar a utilização das fontes renováveis foi o acidente na usina nuclear de Fukushima, no Japão, em março de 2011, provocado pelo tsunami subsequente a um terremoto submarino. Após esse grave acidente, os programas nucleares de diversas nações foram revistos. Alguns países definiram cronogramas para abandonar essa forma de produção de eletricidade, como a Alemanha (previsão para 2022) e o Japão (2040) [1,2] . As alternativas de substituição recaem, em boa parte, sobre as fontes renováveis, dado o condicionante de evitar o aumento das emissões de GEEs. Em 2012, na cidade do Rio de Janeiro, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) [1] , que reforçou o conceito de desenvolvimento sustentável e considerou fundamental o incremento do uso das fontes renováveis de energia. Estas, por sua vez, são frequentemente associadas à energia limpa, pois em comparação com os combustíveis fósseis, elas apresentam impactos ambientais reduzidos e praticamente não originam resíduos ou emissões de poluentes. A energia solar é considerada uma fonte renovável de energia, pois é inesgotável para os padrões humanos de utilização. Outros tipos de energia renovável são: hidrelétrica, eólica, oceânica, geotérmica e de biomassa [1,2] . No Brasil, aproximadamente, 65% [3] da energia elétrica produzida é oriunda de usinas hidrelétricas. Em virtude disso, a busca por novas fontes renováveis não tem sido tão acelerada como no resto do mundo. Entretanto, para o Brasil sustentar seu ritmo de crescimento e alcançar as grandes potências mundiais será necessário utilizar novas fontes de 15 Capítulo 1 - Introdução energia para ampliar e/ou complementar a geração de eletricidade, considerando que a capacidade hídrica de geração de eletricidade no país está chegando ao limite. A energia solar fotovoltaica (ESF) é uma opção viável e promissora para complementar e ampliar a geração de eletricidade, não somente no Brasil, mas no mundo. Em comparação com outros países que concentram a maior parte da geração fotovoltaica no mundo, o Brasil é privilegiado com elevadas taxas de irradiação solar em todas as regiões (Figura 1.1). A Alemanha é o país que mais usa a ESF e sua capacidade instalada é cerca de 25 GW [4] . A melhor insolação da Alemanha é cerca de 3,5 kWh/m 2 por dia, disponível apenas em uma pequena parte ao sul do seu território, enquanto que o Brasil apresenta valores de insolação diária entre 4,5 e 6,0 kWh/m 2[2] . Dadas as dimensões territoriais e as elevadas taxas de irradiação solar brasileiras, é razoável esperar para o Brasil um potencial de geração fotovoltaica pelo menos dez vezes superior à capacidade instalada na Alemanha e o dobro de toda energia elétrica produzida hoje no Brasil [2] . Figura 1.1: Radiação solar global, média na superfície para o mês de janeiro, entre 1984 e 1993. [1] Os sistemas fotovoltaicos tornam-se ainda mais vantajosos considerando a inflação do preço da energia elétrica. Uma residência ou empresa que instala um sistema fotovoltaico fica menos vulnerável aos aumentos de preços e mais autônoma em relação ao abastecimento de eletricidade por pelo menos 25 anos, que é o tempo mínimo de vida útil de um sistema fotovoltaico, conseguindo pagar o investimento com a energia produzida. 16 Capítulo 1 - Introdução Contudo, além dos benefícios ambientais de uma fonte renovável, do aumento da disponibilidade de eletricidade e da diminuição em relação ao custo; a inserção da ESF no país impulsiona o desenvolvimento tecnológico, cria empregos e move a economia nacional. No entanto, a ESF no Brasil ainda é embrionária. Entre 1994 e 2002, por meio do Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios – Prodeem, foram instalados no Brasil, aproximadamente, 5 kWp (kilo-Watt-pico) de painéis fotovoltaicos em regiões isoladas, atendendo iluminação pública, bombeamento de água e, principalmente, escolas rurais [5] . Em 2011, a empresa MPX colocou em operação, a primeira usina fotovoltaica comercial, com 1 MWp no município de Tauá – CE [6] (Figura 1.2a). Baseada nessa iniciativa, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propôs uma chamada pública, a Chamada 013/2011, Projeto Estratégico: Arranjos técnicos e comerciais para inserção da geração solar fotovoltaica na matriz energética brasileira [7] , visando, entre outros itens, a instalação de uma usina solar fotovoltaica, conectada à rede de distribuição e/ou transmissão de energia elétrica, com capacidade instalada entre 0,5 e 3 MWp. Essa chamada resultou em 18 projetos aprovados [8] , entre eles, a Usina Fotovoltaica Cidade Azul (Figura 1.2b), de propriedade da Tractebel Energia, localizada em Tubarão – SC, que deu início à operação comercial em agosto de 2014 e é considerada, atualmente, a maior planta solar fotovoltaica em funcionamento no país, com capacidade instalada de 3 MWp, abastecendo cerca de 2,5 mil residências [9] . (a) (b) Figura 1.2: (a) Primeira usina fotovoltaica comercial em operação, Tauá – CE [10] e (b) usina fotovoltaica Cidade Azul, Tubarão – SC, considerada, atualmente, a maior em operação no Brasil [11] . 17 Capítulo 1 - Introdução Em 2014 foi aprovado, pelo Ministério de Minas e Energia, o Plano Decenal de Energia Elétrica (PDE 2023), o primeiro a contar com a contratação de ESF, por meio de usinas centralizadas, como fonte alternativa para geração de energia, que prevê entre 2013 e 2023 a ampliação da capacidade instalada de geração de energia elétrica. As Figuras 1.3a e b ilustram a previsão da evolução da capacidade instalada por fonte de geração de energia entre os anos de 2013 e 2023, e indicam forte presença das fontes renováveis. A capacidade instalada da ESF sairá, praticamente, do zero em 2013 para atingir no final do decênio 3,5 GW de potência, representando 1,8% da capacidade instalada total [12] . No ano de 2015, a ESF consolidou-se definitivamente na matriz elétrica brasileira. Ao todo, considerando os resultados dos 1° e 2º Leilões de Energia de Reserva (LER), realizados em 2015 mais o resultado do LER de 2014, já foram contratados 3.206,9 MWp em 94 empreendimentos a partir dessa fonte [13] . (a) (b) Figura 1.3: Participação das fontes de geração de energia no Brasil nos anos de (a) 2013 e (b) 2023 (previsão). HIDRO = hidrelétrica, UTE = termelétrica, PCH = pequena central hidrelétrica, BIO = biomassa e EOL = eólica [12] . Portanto, além dos incentivos para obtenção e instalação doméstica dos coletores solares como, por exemplo, linhas de crédito [14] e isenção do ICMS por parte de alguns estados [15] , um grande investimento vem sendo feito para aumentar a produção de energia elétrica a partir da ESF. A captura da energia solar e a conversão em energia elétrica são feitas por um dispositivo denominado célula fotovoltaica (CF), por meio do efeito fotovoltaico. Este efeito 68,8% 59,7% 15,6% 1 ,8 % 3,7% 2013 Previsão 2023 18 Capítulo 1 - Introdução foi observado, pela primeira vez em 1839, pelo físico francês, Alexandre Edmond Becquerel, que estava trabalhando com eletrodos metálicos imersos em uma solução eletrolítica quando notou o surgimento de pequena corrente elétrica ao expor os metais à luz. A continuidade das investigações levou ao desenvolvimento da primeira CF feita com selênio, pelo inventor americano Charles Fritts, em 1883. No entanto, esta célula não era útil para fins práticos, pois apresentava menos de 1% de eficiência na conversão de luz solar em eletricidade. Em 1940, um grande avanço na tecnologia de CFs foi feito por Russell Shoemaker Ohl, pesquisador de semicondutores da Bell Telephone Laboratories (Bell Labs). Ele notou em uma amostra de silício, contendo uma fissura, que a corrente elétrica fluía através da amostra quando esta era exposta à luz. Esta fissura, efetivamente, marcava a fronteira entre as regiões contendo diferentes níveis de impurezas, onde um lado foi dopado positivamente e o outro negativamente, formando uma junção p-n, a base de uma célula fotovoltaica. Ohl construiu a primeira CF de silício com eficiência de 1%. Treze anos depois, três cientistas que trabalhavam juntos na Bell Labs, Calvin Fuller, Gerald Pearson e Daryl Chapin, construíram uma CF de silício com eficiência de 6%. Eles visaram a melhoria da célula de silício por meio da observação das propriedades do semicondutor em função da adição de impurezas. Após algumas melhorias no projeto, eles ligaram várias células entre si e criaram a chamada “bateria solar” [16] . A partir de então o interesse por fontes alternativas e limpas de energia tem motivado e impulsionado a pesquisa e o desenvolvimento de CFs mais eficientes e baratas. As CFs convencionais constituintes dos painéis solares são fabricadas com elementos semicondutores, na sua grande maioria o silício (cerca de 95%) devido à disponibilidade de matéria prima para sua fabricação e o seu baixo custo de produção, que apresentam junção p- n a partir de dopagem [2] . No entanto, para qualquer CF de junção p-n, a eficiência da conversão de energia em corrente elétrica é limitada pela energia de gap (Eg) do semicondutor utilizado em sua fabricação [17] . A conversão da luz em corrente elétrica ocorre quando a energia do fóton incidente é maior ou igual à Eg do semicondutor, de modo que pares elétron- buraco são gerados pela absorção dos fótons no interior do material. Os elétrons e os buracos gerados são acelerados em sentidos opostos pelo campo elétrico da junção p-n, produzindo corrente elétrica [1] . As células de silício cristalino (Si-c) (Eg 1,12 eV 1 µm) disponíveis no mercado podem atingir uma eficiência de conversão de até 15% [2] . Em 1961, Shockley e Queisser [18] estimaram o limite teórico da eficiência da mesma em 30%. Um dos principais motivos que 19 Capítulo 1 - Introdução contribui para a baixa eficiência de conversão desta célula é a incompatibilidade espectral entre as regiões de máxima emissão solar ( 580 nm) e de máxima eficiência fotovoltaica ( 980 nm) da célula de Si-c (Figura 1.4), representando 70% das perdas totais [19] . Figura 1.4: Espectro solar AM1,5 e da curva de resposta da célula fotovoltaica de Si-c [20] . Os principais mecanismos de perdas decorrentes desta incompatibilidade espectral são as perdas por transparência e por termalização da rede, representadas por 18,5 e 47% [19] , respectivamente, das perdas totais na célula de Si-c. A perda por transparência ocorre quando fótons com menor energia que a Eg da célula não são absorvidos, ou seja, os comprimentos de onda maiores que 1100 nm são transparentes para a célula sendo, então, transmitidos. A perda por termalização é gerada após a absorção de um fóton (região do ultravioleta-visível (UV- Vis)) com energia muito maior que a Eg da célula, na qual o excesso de energia é perdido na forma de calor (via multifônons) [21,22] . Esta perda é mais crítica para comprimentos de onda menor que 600 nm, onde a intensidade do espectro solar é maior. Há uma abordagem para melhorar a eficiência da CF que consiste em converter a luz solar para que o máximo de emissão do espectro solar acople com o máximo de resposta da CF, minimizando as perdas por incompatibilidade espectral [17] . Essa conversão pode ser feita por meio de diferentes processos: conversão ascendente de energia (CAE) e conversão descendente de energia (CDE). O processo de CAE consiste na conversão de fótons de baixa 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 0.0 0.4 0.8 1.2 1.6 2.0 Espectro solar AM1,5 Resposta da célula solar de Si-c Comprimento de onda (nm) Ir r a d iâ n c ia ( W m 2 /n m ) 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 In te n sid a d e (u .a .) 20 Capítulo 1 - Introdução energia em fótons de alta energia, ou seja, dois ou mais fótons do espectro solar com energia menor que a Eg da célula são convertidos em um fóton com energia aproximadamente igual à da Eg, contribuindo para a minimização das perdas por transparência [21] . O processo de CDE consiste na conversão de um fóton de alta energia em fótons de menor energia (região de maior eficiência da CF), ou seja, um fóton UV-Vis pode ser convertido em fótons no infravermelho (IV), contribuindo para a minimização das perdas por termalização da rede [22] . Em 2002, Trupke et al. [23] mostrou que um material CDE em combinação com uma CF de Si-c pode minimizar as perdas de energia devido à termalização, alcançando um limite teórico para a eficiência de conversão de até 40%. Logo, o interesse em desenvolver materiais que gere CDE vem crescendo. A proposta tem sido desenvolver um material CDE que possa ser depositado sobre as CFs de Si-c já existentes e instaladas de acordo com a Figura 1.5, onde a primeira camada seria de material CDE, responsável pela conversão dos fótons de maior energia (UV-Vis) em fótons de menor energia (IV), região de maior eficiência da CF de Si-c, e a segunda camada seria a CF que absorve a luz convertida pelo material CDE e a fração de fótons no IV [17] . Figura 1.5: Esquema de uma célula fotovoltaica de Si-c com uma camada de material conversor descendente de energia [17] . Atualmente, há grande interesse no desenvolvimento de materiais conversores de energia dopados com íons terras-raras trivalentes (TRs 3+ ), pois eles possuem uma rica estrutura de níveis de energia exibindo transições fluorescentes que representam quase toda região Vis e IV do espectro eletromagnético [24] , além de apresentarem processo CDE mediado pela transferência de energia entre os níveis [25] , tornando-se candidatos promissores para que a conversão espectral seja eficiente. Portanto, para o desenvolvimento de um material CDE, neste trabalho, foram escolhidos os íons itérbio (Yb 3+ ) e neodímio (Nd 3+ ) como dopantes. A escolha do Yb 3+ foi 21 Capítulo 1 - Introdução pelo fato dele apresentar uma emissão por volta de 0,95-1,10 µm (1,30-1,13 eV) [26,27] , caracterizada pela transição entre os níveis 2 F5/2 e 2 F7/2 (Figura 1.7a), coincidente com a Eg da CF de Si-c ( 1,2 eV); enquanto que a escolha do Nd 3+ foi pelo fato da energia do seu nível emissor 4 F3/2 estar localizada levemente acima do nível emissor 2 F5/2 do Yb 3+ (Figura 1.6a) e por apresentar uma forte banda de absorção em torno de 580 nm (transição 4 I9/2 → 4 G5/2, 2 G7/2) [27] , onde o espectro solar possui máxima intensidade, atuando como absorvedor eficiente da luz solar, tornando o par Nd 3+ -Yb 3+ adequado para o processo CDE, pois a transferência de energia entre os íons Nd 3+ e Yb 3+ é favorecida devido à ressonância entre os níveis. A conversão de um fóton UV-Vis, absorvido pelo Nd 3+ , em um ou mais fótons de energia no IV, emitidos pelos íons Yb 3+ , destacam o potencial destes materiais em aumentar a eficiência das CFs de Si-c. A Figura 1.6b mostra o espectro solar e a curva de resposta da célula fotovoltaica de Si-c, bem como os comprimentos de onda de absorção do Nd 3+ e absorção e emissão do Yb 3+ . (a) (b) Figura 1.6: (a) Diagrama de níveis de energia dos íons Nd 3+ e Yb 3+ e (b) representação do processo de conversão descendente de energia no espectro solar juntamente com a resposta típica de uma célula fotovoltaica de Si-c [20] . 0.0 2.5 5.0 7.5 10.0 12.5 15.0 17.5 20.0 22.5 980 2F5/2 2F7/2 Yb3+ E n e r g ia ( 1 0 3 c m -1 ) Nd3+ 580 2 G 9/2 , 4 G 11/2 , 2 K 15/2 , 2 D 3/2 4 G 9/2 , 2 K 13/2 4 G 5/2 , 2 G 7/2 4 G 7/2 2 H 11/24 F 9/24 F 7/2 , 4 S 3/2 4 F 5/2 , 2 H 9/24 F 3/2 4 I 15/2 4 I 13/2 4 I 11/2 4 I 9/2 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 0.0 0.4 0.8 1.2 1.6 2.0 Absorção e emissão Yb 3+ - 980 nm Espectro solar AM1,5 Resposta da célula fotovoltaica de Si-c Comprimento de onda (nm) Ir r a d iâ n c ia ( W m 2 /n m ) Absorção Nd 3+ - 580 nm 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 In te n sid a d e (u .a .) 22 Capítulo 1 - Introdução Reisfeld [28] reporta a possibilidade de usar vidros como material hospedeiro de íons Nd 3+ e Yb 3+ para conversores solares luminescentes. Borrero-González et. al. [29,30] estudou o processo CDE nos pares Nd 3+ -Yb 3+ incorporados em diferentes matrizes vítreas. Ele verificou que após a excitação do Nd 3+ em 325 nm, pode ocorrer corte quântico (quantum cutting), por meio da transferência de energia do Nd 3+ para o Yb 3+ , em duas etapas (i) Nd 3+ : 4 D3/2 → 4 G7/2; Yb 3+ : 2 F7/2 → 2 F5/2 e (ii) Nd 3+ : 4 F3/2 → 4 I11/2; Yb 3+ : 4 F7/2 → 4 F5/2 para o vidro PbF2-GaF3-InF3- ZnF2-CaF2-YbF3-NdF3 [29] (energia de fônon ~800 cm -1 ) e em três etapas (i) Nd 3+ : 4 D3/2 → 4 G7/2; Yb 3+ : 2 F7/2 → 2 F5/2, (ii) Nd 3+ : 2 G9/2 → 4 F3/2; Yb 3+ : 4 F7/2 → 4 F5/2 e (iii) Nd 3+ : 4 F3/2 → 4 I11/2; Yb 3+ : 4 F7/2 → 4 F5/2 para o vidro CaO-Al2O3-SiO2-MgO-Nd2O3-Yb2O3 [30] (energia de fônon ~500 cm -1 ), explicando a emissão em 980 nm, associada ao íon Yb 3+ . A proposta de trabalhar com a matriz vítrea a base de telúrio (TeO2) é devido à mesma apresentar propriedades interessantes quando comparadas às de outros vidros óxidos hospedeiros de íons TRs como, por exemplo: alto índice de refração (1,8-2,3) quando comparado ao dos silicatos (1,46), que leva à maior probabilidade de transições radiativas [31,32,33] ; baixa energia de fônon (600-850 cm -1 ) quando comparada à dos silicatos (1000-1100 cm -1 ), fosfatos (1100-1350 cm -1 ) e boratos (1350-1480 cm -1 ), que reduz a probabilidade de transições não radiativas, contribuindo para o aumento da eficiência quântica [31,32,34] ; ampla faixa de transmissão (0,35-6 µm) [35,36] quando comparada à dos silicatos (0,2-3 µm) [31,35] ; capacidade de incorporar grandes concentrações de íons TRs sem que seja induzida a cristalização [37] . No entanto, TeO2 puro não forma vidro, tornando-se necessária a adição de um óxido modificador [38] . A escolha da adição de WO3, como óxido modificador, aos vidros teluritos foi por ele proporcionar um aumento na janela de transmissão IV [39] . Porém, quando comparado a outros vidros teluritos, apresenta valor de energia de fônon levemente maior (942 cm -1 ) [40] . Entretanto, os vidros teluritos-tungstênio (TW), quando fundidos em atmosfera ambiente, apresentam grande quantidade de grupos hidroxilas (OH) [41] . Esses grupos são indesejáveis, pois possuem fortes e amplas bandas de absorção IV, entre 2600 e 3700 cm -1[42] , reduzindo significativamente a transmissão nesta região espectral, promovendo a perda de energia via fônons, reduzindo o tempo de vida luminescente e diminuindo a eficiência quântica [36,43] . Vários métodos de redução dos grupos OH presentes nos vidros vem sendo explorados, como por exemplo: secagem dos óxidos, fusão a vácuo, injeção de gases, tratamentos com flúor [44,45] . 23 Capítulo 1 - Introdução Então, para investigar a influência dos grupos OH nas propriedades espectroscópicas, foi proposta a preparação dos vidros em atmosferas: ambiente (Amb) e rica em oxigênio (O2). O estudo para a escolha da melhor concentração de íons Nd 3+ e Yb 3+ incorporados na matriz vítrea foi dividido em duas etapas. Na primeira etapa, a matriz TW foi dopada com várias concentrações de Nd2O3, para que fosse encontrada a concentração que apresentasse melhores propriedades espectroscópicas para este tipo de aplicação. Na segunda etapa, após escolhida a concentração de Nd2O3, esta foi fixada, para então o sistema ser co-dopado com várias concentrações de Yb2O3. Portanto, levando em consideração a busca por novas fontes renováveis de energia, as elevadas taxas de irradiação solar, a disponibilidade de matéria-prima para fabricação de CFs de Si-c e o seu baixo custo de produção, a ideia foi viabilizar um material CDE que sobreposto às CFs de Si-c proporcionasse grandes avanços na eficiência de conversão fotovoltaica, tema de grande importância para o Brasil. 1.2 – Objetivo O objetivo deste trabalho foi estudar as propriedades espectroscópicas dos íons Nd 3+ e Yb 3+ incorporados, como dopantes, nos vidros teluritos-tungstênio (TeO2-WO3), focando no processo de conversão descendente de energia e mecanismos de transferência; bem como investigar a influência dos grupos OH nessas propriedades e analisar a concentração de dopantes que melhor contribui para o aumento da eficiência das CFs de Si-c. 1.3 – Organização do trabalho No presente capítulo são apresentados a motivação e os objetivos desse trabalho. No capítulo 2 são apresentados os conceitos teóricos básicos e os detalhes experimentais. Os resultados obtidos para os vidros TW dopados com Nd 3+ e para os vidros TW co-dopados com Nd 3+ e Yb 3+ são apresentados nos capítulos 3 e 4, respectivamente, no formato de artigo. Os títulos apresentados nos capítulos 3 e 4 são os mesmos dos artigos publicado e submetido, respectivamente. 24 Capítulo 2 - Considerações Gerais Capítulo 2 – Considerações Gerais 2.1 – Conceitos teóricos básicos Considerando que este trabalho é essencialmente experimental, este tópico apresenta um breve resumo dos conceitos básicos necessários para análise e compreensão dos resultados. Íons terras-raras Os íons terras-raras (TRs), quando adicionados em um material hospedeiro, atuam como centros luminescentes. O principal efeito dos centros luminescentes é introduzir novos níveis de energia dentro da banda de gap da matriz hospedeira, de modo que as transições entre esses níveis produzam novas bandas de absorção e emissão [46] , tornando-os relevantes para uma variedade de aplicações, tais como: lasers, amplificadores e conversores solares. Entre os íons TRs, os mais comumente usados para esses tipos de aplicações são os íons lantanídeos trivalentes (Ln 3+ ). Os íons Ln 3+ possuem configuração eletrônica , onde é o número de elétrons da subcamada incompleta e varia de 1 (Ce 3+ ) até 13 (Yb 3+ ) (Tabela 2.1). Os elétrons desta subcamada são, de fato, os elétrons de valência responsáveis pelas transições ópticas e se encontram blindados pelos elétrons externos de configurações menos energéticas . Este efeito de blindagem faz com que os elétrons de valência dos íons Ln 3+ sejam fracamente afetados pelos íons ligantes da matriz hospedeira. Tabela 2.1: Número de elétrons ( ) na subcamada para cada íon lantanídeo trivalente. Íon (Ln 3+ ) N Íon (Ln 3+ ) n Cério (Ce 3+ ) 1 Térbio (Tb 3+ ) 8 Praseodímio (Pr 3+ ) 2 Disprósio (Dy 3+ ) 9 Neodímio (Nd 3+ ) 3 Hólmio (Ho 3+ ) 10 Promécio (Pm 3+ ) 4 Érbio (Er 3+ ) 11 Samário (Sm 3+ ) 5 Túlio (Tm 3+ ) 12 Európio (Eu 3+ ) 6 Itérbio (Yb 3+ ) 13 Gadolínio (Gd 3+ ) 7 25 Capítulo 2 - Considerações Gerais A configuração tem sua degenerescência quebrada pela interação eletrostática entre os elétrons de valência, pela interação spin-órbita somada a esses elétrons (ambas manifestadas no íon livre) e pela interação desses elétrons com o campo ligante (Figura 2.1). No entanto, em função do efeito de blindagem, quando os íons Ln 3+ são incorporados na matriz, os níveis de energia do íon livre são levemente perturbados pela interação com o campo ligante, ou seja, os estados, 2S+1 LJ, associados ao íon livre (onde e são os momentos angulares de spin e orbital e ) sofrem um deslocamento e um desdobramento adicional, da ordem de ~10 2 cm -1[47] . Como esses deslocamento e desdobramento são muito menores do que os provocados pela interação spin-órbita, os espectros ópticos dos íons Ln 3+ são bastante similares aos espectros esperados para íons livres. Figura 2.1: Diagrama esquemático do desdobramento dos níveis de energia dos íons lantanídeos trivalentes devido às interações eletrostática, spin-órbita e campo ligante. A Figura 2.2 mostra a rica estrutura dos níveis de energia provenientes da configuração dos íons Ln 3+ , por meio de um diagrama chamado de “diagrama de Dieke” [48] , os quais originam absorções e emissões em diferentes comprimentos de onda, desde a região do ultravioleta até a região do infravermelho. Neste diagrama os níveis emissores de luz são enfatizados por um semicírculo logo abaixo deles, a largura de cada estado 2S+1 LJ indica a ordem de magnitude do campo ligante e o centro de gravidade de cada multipleto dá a localização aproximada, correspondente ao nível de energia do íon livre [46] . f n 2S+1 L 2S+1 LJ 2S+1 LJ(µ) COULOMB SPIN-ÓRBITA CAMPO LIGANTE ~10 4 cm -1 ~10 3 cm -1 ~10 2 cm -1 26 Capítulo 2 - Considerações Gerais Figura 2.2: Diagrama de Dieke dos níveis de energia observados para os íons lantanídeos trivalentes [48] . Os níveis emissores de luz são enfatizados por um semicírculo logo abaixo deles, a largura de cada estado 2S+1 LJ 27 Capítulo 2 - Considerações Gerais indica a ordem de magnitude do campo ligante e o centro de gravidade de cada multipleto dá a localização aproximada, correspondente ao nível de energia do íon livre [46] . O espectro de absorção dos íons TRs 3+ consiste de intensas linhas correspondentes às transições entre os subníveis de estados 2S+1 LJ (resultantes da interação do íon TR 3+ com o campo ligante) dentro da configuração eletrônica . A Figura 2.3a mostra um exemplo de como empregar o diagrama de Dieke para interpretar o espectro de absorção do íon Nd 3+ incorporado. As estreitas bandas de absorção óptica (linhas) apresentadas no espectro de absorção, correspondem às transições do subnível do estado fundamental, 4 I9/2, para subníveis dos estados excitados 2S+1 LJ . Além disso, o diagrama de Dieke fornece informações úteis com as quais pode-se prever, grosseiramente, o espectro de emissão dos níveis emissores dos íons TRs 3+ . A Figura 2.3b mostra o espectro de emissão no infravermelho (IV), na faixa de 800 - 1350 nm, do íon Nd 3+ incorporado. As linhas apresentadas no espectro de emissão correspondem às transições do estado 4 F3/2 para os subníveis dos três estados terminais 4 IJ (J = 13/2, 11/2 e 9/2). (a) (b) Figura 2.3: (a) Espectro de absorção (lado direito) e parte do diagrama de Dieke (lado esquerdo) e (b) espectro de emissão (lado direito) e parte do diagrama de Dieke (lado esquerdo) correspondentes ao íon Nd 3+ incorporado. No entanto, as teorias existentes próximo a meados do século XX não explicavam as intensas linhas observadas em materiais dopados com íons TRs 3+ , pois, de acordo com a regra (estados excitados) 4 I 9/2 (estado fundamental) E n e r g ia  4 G 5/2 , 2 G 7/2 2 H 11/2 4 F 9/2 4 F 7/2 , 4 S 3/2 4 F 5/2 , 2 H 9/2 4 F 3/2 2S+1 L J ABSORÇÃO EMISSÃO (estados terminais 4 I J ) E n e r g ia  4 I 9/2 4 I 11/2 4 I 13/2 4 I 15/2 4 F 3/2 4 F 3/2  4 I 11/2 4 F 3/2  4 I 9/2 4 F 3/2  4 I 13/2 28 Capítulo 2 - Considerações Gerais Laporte, as transições são proibidas via dipolo elétrico por possuírem configurações de mesma paridade; e as transições via dipolo magnético, apesar de serem permitidas, são muito fracas (da ordem de ~10 5 vezes menor que as transições via dipolo elétrico) [46] . Em 1945, Broer et al. [49] concluíram que as transições via dipolo elétrico eram possíveis e predominantes nos íons TRs 3+ , pois, os estados não são puros, mas sim uma mistura com estados de paridades opostas do campo ligante cuja simetria não apresenta centro de inversão, de tal forma que as transições passam a ser permitidas via mecanismo de dipolo elétrico forçado. Teoria de Judd-Ofelt A teoria de Judd-Ofelt (JO) [50,51] descreve um método semi-empírico, que quantifica as ideias formuladas por Broer et al. [49] , comumente usado para estimar as probabilidades de transição radiativa ( ) dos níveis de energia e o tempo de vida radiativo (JO) de um determinado estado excitado dos íons TRs 3+ . A força de oscilador total calculada ( ), para cada uma das transições consideradas, pode ser estimada por: ( ) [ ( ) ∑ | ‖ ( )‖ | ( ) | ‖ ‖ | ] (2.1) onde é a massa do elétron; é a frequência da transição correspondente; é a constante de Planck; é o momento angular total; é a carga do elétron e é o índice de refração do meio em que o íon TR 3+ está incorporado. O primeiro termo dentro dos colchetes representa a intensidade de linha para mecanismos de dipolo elétrico forçado e o segundo termo representa a intensidade de linha para o mecanismo de dipolo magnético. No entanto, embora as transições via dipolo magnético sejam permitidas, sua contribuição é muito pequena, o que leva a assumir que as transições do íon Nd 3+ são dadas, puramente, via mecanismo de dipolo elétrico forçado. Logo, a força de oscilador calculada pode ser dada por: ( ) ( ) ∑ | ‖ ( )‖ | (2.2) 29 Capítulo 2 - Considerações Gerais onde (λ = 2, 4 e 6) são os chamados parâmetros de intensidade de Judd-Ofelt e | ‖ ( )‖ | são os elementos de matriz reduzidos, calculados por Carnall [52] para cada transição dos íons TRs 3+ , os quais não dependem significativamente da matriz hospedeira, onde e simbolizam todos os números quânticos necessários para definir os estados e . Para obter os parâmetros de intensidade de JO, a força de oscilador calculada ( ) é assumida ser igual à força de oscilador experimental. A força de oscilador ( ) para cada transição pode ser determinada experimentalmente, sendo necessários o espectro de absorção do íon TR 3+ incorporado na matriz e o número de íons TR 3+ por cm 3 , de acordo com: ∫ ( ) (2.3) onde c é a velocidade da luz, é o número de íons TR 3+ por cm 3 e ∫ ( ) é a área da banda de absorção, sendo o coeficiente de absorção e a frequência média da banda. Igualando as equações 2.2 e 2.3, obtém-se um sistema superestimado de equações, no qual o número de equações é igual ao número de bandas de absorção medidas e o número de incógnitas é igual a 3 ( ). A solução desse sistema de equações é realizada por meio do método de mínimos quadrados otimizando o conjunto de parâmetros . Esses parâmetros de intensidade podem ser usados no cálculo de probabilidade de transição radiativa ( ). A probabilidade de transição radiativa via dipolo elétrico forçado entre dois níveis é dada por: ( ) ( ) ( ) ∑ | ‖ ( )‖ | (2.4) Com os valores das probabilidades de transição radiativa em mãos, calcula-se o tempo de vida radiativo ( ) do nível emissor de acordo com: ∑ ( ) (2.5) onde o termo no denominador é a soma das probabilidades de transição para todos os níveis abaixo do nível emissor. 30 Capítulo 2 - Considerações Gerais A eficiência quântica da fluorescência ( ) é obtida a partir da relação entre os tempos de vida experimental ( ), que considera processos radiativos e não radiativos, e calculado ( ), que considera apenas processos radiativos, de acordo com: (2.6) Da Teoria de Judd-Ofelt [53] , algumas regras de seleção foram derivadas para transições via dipolo elétrico entre os estados em íons TRs 3+ : • . • Para íons com um número par de elétrons: (i) (transição proibida); (ii) ímpar (transições fracas); (iii) (devem ser transições intensas). Transições não radiativas – Decaimento multifônon Uma vez que um centro foi excitado, é conhecido que além da luminescência, há a possibilidade de decaimento não radiativo, que é um processo em que o centro pode atingir o estado fundamental por outros mecanismos sem que ocorra a emissão de fótons. O processo de decaimento mais importante que compete com o decaimento radiativo é o de decaimento multifônon [46] (as transições radiativas e não radiativas competem entre si, podendo diminuir, significativamente, a eficiência quântica). O diagrama de Dieke (Figura 2.2) mostra os níveis emissores e uma variedade de níveis não emissores de luz para os íons Ln 3+ . Nos níveis não emissores, a taxa não radiativa é dominante sobre a taxa radiativa e não há emissão direta. A energia pode ser dissipada via emissão de fônons (modos vibracionais quantizados da rede ao redor do íon Ln 3+ ). A taxa não radiativa de um nível excitado para um íon Ln 3+ está fortemente relacionada com a separação entre este nível e o nível posicionado logo abaixo - “gap de energia”. Estudos sistemáticos mostraram que a taxa de decaimento multifônon ( ), de um dado nível de energia, diminui exponencialmente com o aumento do gap de energia correspondente [46] . Esta lei experimental é conhecida como a lei do “gap de energia”, e é dada, em função da temperatura, por: 31 Capítulo 2 - Considerações Gerais ( ) [ ] (2.7) onde e são constantes que dependem do material hospedeiro, k é a constante de Boltzmann, é a energia de fônon máxima do material hospedeiro, é o gap de energia entre os níveis considerados e é o número de fônons efetivos envolvidos no processo de decaimento multifônon, dado por: (2.8) A diminuição exponencial da taxa de decaimento multifônon em função do aumento do gap de energia é devido ao aumento do número de fônons efetivos, pois quanto maior for o gap de energia, maior será o número de fônons necessários para preencher este gap e menor será a probabilidade de decaimento multifônon. Os fônons que participam desse processo são aqueles de maior energia, chamados de fônons efetivos. Processos não radiativos são dominantes em processos que envolvem menos que quatro fônons efetivos. Do contrário, o decaimento se dá, principalmente, por luminescência. Com base nisso, pesquisas têm sido direcionadas em encontrar materiais hospedeiros, de íons Ln 3+ , com baixa energia de fônon, com o intuito de minimizar as perdas de energia via fônons. Transferência de energia Os processos discutidos até aqui envolvem íons TRs 3+ individuais, onde a absorção e emissão ocorrem no mesmo centro luminescente. No entanto, um centro excitado também pode relaxar para o estado fundamental ou para um estado de menor energia por meio da transferência de energia (TE) para um segundo centro próximo. A Figura 2.4 ilustra os mecanismos de transferência de energia envolvendo pares de íons, em especial, pares Nd 3+ - Nd 3+ e Nd 3+ - Yb 3+ . As Figuras 2.4a e b representam os mecanismos de migração de energia por transferência radiativa e não radiativa, respectivamente. Eles têm em comum o fato de que para ocorrer a transferência, não é necessária nenhuma mudança de energia, ou seja, os estados inicial e final devem ser ressonantes [54] . Enquanto o processo de migração radiativa envolve a emissão/reabsorção por transferência radiativa, onde um centro doador excitado (D) decai para o estado fundamental por emissão de um fóton que é subsequentemente absorvido por um segundo centro aceitador 32 Capítulo 2 - Considerações Gerais (A) (Figura 2.4a), o processo de migração não radiativa ocorre sem nenhum intermédio de processo radiativo, onde um centro D excitado transfere toda energia para um centro A próximo, que anteriormente se encontrava no estado fundamental (Figura 2.4b). Já no processo de relaxação cruzada um centro D transfere parte da sua energia de excitação para um centro A vizinho. Esta transferência ressonante torna-se possível devido à disposição particular dos níveis de energia. Como resultado da relaxação cruzada, ambos os centros ocuparão níveis intermediários, dos quais poderão ocorrer relaxação não radiativa (Figura 2.4c) ou emissão de fótons (Figura 2.4d). O diagrama de Dieke (Figura 2.2) mostra que o posicionamento relativo dos níveis de energia dos íons lantanídeos oferece excelentes oportunidades para a concepção de materiais que podem tirar proveito do processo de transferência de energia ressonante. (a) (b) (c) (d) Figura 2.4: Representação esquemática dos mecanismos de (a) transferência de energia ressonante radiativa, (b) transferência de energia ressonante não radiativa, (c) relaxação cruzada entre centros iguais e (d) relaxação cruzada entre centros diferentes. As setas verticais sólidas indicam transições radiativas, as setas verticais tracejadas indicam transferência de energia entre íons e as setas senoidais indicam decaimento via fônon. TE = transferência de energia. Förster [55] discutiu sobre a taxa de transferência de energia quando essa interação é do tipo dipolo-dipolo elétrico, considerada efetiva para distâncias entre os íons de até 50-100 Å. Ele encontrou que a taxa de transferência varia com , onde é a distância entre D e A. No entanto, a transferência de energia só pode ocorrer se houver sobreposição espectral entre a AceitadorDoador h AceitadorDoador TE AceitadorDoador TE AceitadorDoador TE 33 Capítulo 2 - Considerações Gerais banda de emissão do íon doador e a banda de absorção do íon aceitador. Esta condição é conhecida como condição de ressonância. A princípio, o aumento da concentração de um centro A luminescente em um dado material deve ser acompanhado pelo aumento na intensidade luminescente, devido à redução na distância média entre D e A. Entretanto, esse comportamento só ocorre até uma certa concentração de centros A. Acima desta concentração, a intensidade luminescente começa diminuir. Este processo é conhecido como saturação (quenching) de concentração da luminescência [46] . Como a taxa de transferência de energia varia fortemente com a distância entre os íons e o aumento da concentração de centros A diminui a distância entre eles, a probabilidade de ocorrer transferência de energia entre os centros A aumenta. Logo, a energia de um centro A pode migrar sobre um grande número de centros antes de ser emitida. Porém, há sempre uma concentração de defeitos ou impurezas que podem atuar como centros aceitadores que podem relaxar para o estado fundamental por emissão multifônon (Figura 2.5). Figura 2.5: Esquema do processo de migração de energia para a saturação (quenching) de concentração da luminescência. TE = transferência de energia. Qualquer que seja o mecanismo de transferência de energia, o tempo de vida do estado excitado do íon doador ( ) é afetado pela transferência de energia e, portanto, a taxa total de decaimento do estado do íon doador ( ) é dada por: (2.9) Luz impureza ou defeito TE fônons 34 Capítulo 2 - Considerações Gerais onde é o tempo de vida radiativo do estado do íon doador, é a taxa de decaimento multifônon e é a taxa de transferência de energia. Mecanismos de conversão descendente de energia No capítulo 1, o processo de conversão descendente de energia (CDE) foi mencionado como sendo o mecanismo usado para aumentar a eficiência da célula fotovoltaica de Si-c, em função da conversão de fótons de alta energia em fótons de menor energia, minimizando as perdas por incompatibilidade espectral entre as regiões de máxima emissão solar e a de máxima eficiência fotovoltaica da célula de Si-c. A Figura 2.6 detalha alguns tipos de mecanismos CDE. (a) (b) (c) (d) (e) Figura 2.6: Representação esquemática de alguns dos possíveis mecanismos de conversão descendente de energia. As setas verticais sólidas indicam transições radiativas, as setas verticais tracejadas indicam transferência de energia entre íons e as setas senoidais indicam decaimento via fônon. TE = transferência de energia. A Figura 2.6a mostra um mecanismo CDE, observado na maioria dos TRs 3+[42,56] , envolvendo apenas uma espécie de íon, onde a absorção de um fóton de alta energia é seguida por um decaimento multifônon e pela emissão de um fóton de menor energia que a absorvida. Já a Figura 2.6b representa um mecanismo CDE envolvendo dois íons de espécies distintas. A Figura 2.6b mostra um dos mecanismos CDE observados no SrLn2O4:Sm 3+ -Eu 3+[57] em função da excitação em 405 nm, no qual a absorção pelo Sm 3+ (I) foi seguida por um I III TE III TE I TE IIIII TE 35 Capítulo 2 - Considerações Gerais decaimento multifônon, uma transferência de energia para o Eu 3+ (II) e emissão no vermelho (612 nm). A Figura 2.6c representa o mecanismo CDE em que há relaxação cruzada entre os íons I e II. Este mecanismo pode ser observado em sistemas co-dopados com Nd 3+ e Yb 3+[29] . O mecanismo CDE representado pela Figura 2.6d, pode ser visto no YF3: Pr 3+[22] , onde um fóton de 185 nm foi absorvido. A primeira e segunda transições radiativas resultam na emissão de um fóton azul (408 nm) e um vermelho (620 nm), respectivamente. O mecanismo de corte quântico, chamado de transferência de energia em duas etapas, é representado pela Figura 2.6e. Na primeira etapa, parte da energia do íon I é transferida para um íon vizinho II, por relaxação cruzada. Na segunda etapa, o íon I ainda excitado transfere a energia remanescente para um segundo íon II. Este mecanismo pode ser observado em sistemas co-dpados com Pr 3+ -Yb 3+[58] e Tm 3+ -Yb 3+[59] . Para melhorar a eficiência das células fotovoltaicas de Si-c (Eg = 1,12 eV), o mecanismo de corte quântico UV→Vis não é útil, uma vez que os comprimentos de onda de excitação UV envolvidos não estão presentes (ou minimamente) no espectro solar terrestre. Entretanto, o mecanismo de corte quântico Vis→IVpróximo é bastante promissor. Com o diagrama de Dieke (Figura 2.2) em mãos, fica evidente que o Yb 3+ é perfeitamente adequado para ser usado como íon aceitador em um processo CDE. Ele possui um único estado excitado ( 2 F5/2), cerca de 10.000 cm -1 acima do estado fundamental ( 2 F7/2), o que corresponde à emissão de um fóton de ~980 nm, podendo ser absorvido pela célula fotovoltaica de Si-c. No entanto, para que o processo CDE seja eficiente, é necessário escolher um íon doador que possua um nível de energia de cerca de 20.000 cm -1 e um nível intermediário por volta de 10.000 cm -1 . Um exame detalhado do diagrama de Dieke permite identificar esses íons potenciais, e entre eles estão o Nd 3+ e o Er 3+ . A escolha pelo íon Nd 3+ foi por ele apresentar uma forte absorção em torno de 580 nm, região de forte emissão solar, atuando como eficiente absorvedor da luz solar (Figura 2.7). 36 Capítulo 2 - Considerações Gerais Figura 2.7: Diagrama dos níveis de energia e processo de relaxação cruzada entre os íons Nd 3+ e Yb 3+ . Íon Neodímio (Nd 3+ ) O neodímio (Nd) é um elemento TR, pertencente ao grupo dos lantanídeos, de número atômico 60 e de configuração eletrônica . O íon Nd 3+ apresenta sua subcamada com 3 elétrons, de configuração eletrônica . A Figura 2.8a mostra o diagrama de níveis de energia da configuração (Nd 3+ ) e o desdobramento dos estados 2S+1 LJ ocorrido devido à fraca interação do íon Nd 3+ com o campo ligante, onde o estado 4 I9/2 é o fundamental. Íons excitados em níveis de energia superior à do nível 4 F3/2, podem relaxar via transições radiativas ou não radiativas (via fônon) até atingir o nível laser 4 F3/2, de onde podem decair radiativamente por meio de quatro transições 4 F3/2 → 4 I15/2 (1800nm), 4 F3/2 → 4 I13/2 (1350 nm), 4 F3/2 → 4 I11/2 (1060nm) e 4 F3/2 → 4 I9/2 (880 nm) [47] ou transferir parte da sua energia para outro íon Nd 3+ , que se encontra no estado fundamental, por meio do processo de relaxação cruzada (Figura 2.8b). 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 9 8 0 n m 2F5/2 2F7/2 [Yb 3+ ] E n er g ia ( 1 0 3 c m -1 ) [Nd 3+ ] 580 nm Relaxação Cruzada 2 G 9/2 , 4 G 11/2 , 2 K 15/2 , 2 D 3/2 4 G 9/2 , 2 K 13/2 4 G 5/2 , 2 G 7/2 4 G 7/2 2 H 11/24 F 9/24 F 7/2 , 4 S 3/2 4 F 5/2 , 2 H 9/24 F 3/2 4 I 15/2 4 I 13/2 4 I 11/2 4 I 9/2 37 Capítulo 2 - Considerações Gerais (a) (b) Figura 2.8: Ilustração esquemática do (a) desdobramento dos estados 2S+1 LJ do íon Nd 3+ com configuração eletrônica 4f 3 e (b) processo de relaxação cruzada entre íons Nd 3+ . Íon Itérbio (Yb 3+ ) O itérbio (Yb) é um elemento TR, pertencente ao grupo dos lantanídeos, de número atômico 70 e de configuração eletrônica . Normalmente, ele é encontrado na natureza como íon trivalente (Yb 3+ ), onde apresenta sua subcamada com 13 elétrons, de configuração eletrônica . O esquema de níveis de energia da configuração (Yb 3+ ) é muito simples, pois apresenta dois estados, o fundamental 2 F7/2 e o excitado 2 F5/2 separados por ~10.000 cm -1 (980 nm) (Figura 2.9), o que minimiza problemas referentes à perda de energia por meio de decaimento multifônon e relaxação cruzada. O desdobramento dos estados 2S+1 LJ do íon Yb 3+ , consequência do campo ligante da matriz hospedeira, quebra parcial ou totalmente a degenerescência dos estados fundamental e excitado (Figura 2.9). Este desdobramento acarreta uma banda larga de absorção e emissão por volta de 980 nm. 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 1 3 5 0 n m 1 0 6 0 n m 1 8 0 0 n m 8 8 0 n m Campo ligante E n er g ia ( 1 0 3 c m -1 ) Acoplamento spin-órbita 4 F 5/2 , 2 H 9/2 4 F 7/2 , 4 S 3/2 4 F 9/2 2 H 11/2 4 G 5/2 , 2 G 7/2 4 G 7/2 4 G 9/2 , 2 K 13/2 2 G 9/2 , 4 G 11/2 , 2 K 15/2 , 2 D 3/2 4 F 3/2 4 I 15/24 I 13/2 4 I 11/2 4 I 9/2 [Nd 3+ ] 580 nm 0 2 4 6 8 10 12 [Nd 3+ ][Nd 3+ ] E n er g ia ( 1 0 3 c m -1 ) Relaxação Cruzada 4 F 3/2 4 I 15/2 4 I 13/2 4 I 11/2 4 I 9/2 38 Capítulo 2 - Considerações Gerais Figura 2.9: Ilustração esquemática do desdobramento dos estados 2S+1 LJ do íon Yb 3+ com configuração eletrônica 4f 13 . 2.2 – Arranjos experimentais usados para a caracterização espectroscópica Absorção óptica Os espectros de absorção das amostras foram obtidos na região do ultravioleta, visível e infravermelho, utilizando um espectrofotômetro Lambda 900 UV/Vis/IV Perkin Elmer, que opera na região de comprimento de onda (λ) entre 180 e 3300 nm. Este espectrofotômetro é composto por: (1) duas lâmpadas: uma de halogênio (L1) que emite na região Vis-IV (350 < λ < 3300 nm) e outra de deutério (L2) que emite na região UV (λ < 350 nm); (2) dois monocromadores (M1 e M2) com configuração Czerny-Turner e (3) dois detectores: um de sulfeto de chumbo (PbS) que opera na faixa de 800 a 3000 nm (IV) e uma fotomultiplicadora que opera na faixa de 180 a 800 nm (UV-Vis). A Figura 2.10 ilustra o esquema de funcionamento do espectrofotômetro Lambda 900 UV/Vis/IV Perkin Elmer. A luz emitida pelas lâmpadas incide no espelho E1 que seleciona uma das lâmpadas. Em seguida, o feixe de luz é refletido pelos espelhos E2 e E3 passando por um conjunto de filtros, minimizando os efeitos de 2ª ordem. O feixe policromático é refletido pelo espelho E4, atravessa uma fenda e é direcionado por E5 ao monocromador M1. Após a 0 2 4 6 8 10 12 E m is sã o Campo ligante 2 F 5/2 2 F 7/2 E n er g ia ( 1 0 3 c m -1 ) Acoplamento spin-órbita A b so rç ã o [Yb 3+ ] 9 8 0 n m Comprimento de onda (nm) Absorção Emissão 39 Capítulo 2 - Considerações Gerais difração, o feixe de luz já monocromático é refletido novamente pelo espelho E5, passa por uma fenda que limita a largura do espectro do feixe e é refletido pelo espelho E6 atingindo o monocromador M2. No monocromador o feixe de luz é difratado novamente, melhorando a definição do λ, e chega aos espelhos E7 e E8, que são responsáveis por direcionar o feixe de luz monocromático ao modulador eletromecânico (chopper). O modulador eletromecânico (ME) é um espelho girante, que ora reflete a luz, excitando a amostra (AM), e ora transmite o feixe, gerando a referência (R). A detecção dos feixes é feita por um dos dois detectores, dependendo da região observada. Após a comparação entre os feixes vindos da amostra e da referência, os dados são transferidos para o sistema de aquisição de dados no computador, onde são registrados. Em operação, os monocromadores são ajustados para selecionar determinados comprimentos de onda, fazendo uma varredura na região desejada do espectro, obtendo ponto a ponto a potência luminosa na amostra I e na referência I0 e, a partir da lei de Beer, calcular o log dessa relação (absorbância) em cada ponto da varredura, construindo o espectro de absorção. Figura 2.10: Esquema do espectrofotômetro comercial LAMBDA 900 UV/Vis/IV. L1 = lâmpada de halogênio, L2 = lâmpada de deutério, E = espelho, M = monocromador, ME = modulador eletromecânico, R = referência, AM = amostra e PbS = detector de sulfeto de chumbo. Luminescência Os espectros de luminescência das amostras foram obtidos nas regiões do visível e infravermelho. O experimento de luminescência é composto por: (1) laser de Argônio: λ de 40 Capítulo 2 - Considerações Gerais excitação = 514,5 nm; (2) monocromador Thermo Jarrel Ash/82497, f = 30 cm e (3) dois foto- sensores: InGaAs que opera na faixa de 800 à 1800 nm (IV) e uma fotomultiplicadora que opera na faixa de 180 à 800 nm (UV-Vis). A montagem experimental está esquematizada na Figura 2.11. O feixe de luz do laser passa por um prisma, para eliminar as emissões do gás Argônio, e em seguida é refletido pelos espelhos E1 e E2 e focalizado pela lente L1 sobre a borda da amostra (AM), para evitar o processo de reabsorção. A luz emitida pela amostra é colimada e focalizada pelas lentes L2 (móvel) e L3 (fixa), passando pelo modulador eletromecânico (ME), onde parte da luz gera a referência e a outra parte segue para o filtro, em direção à fenda de entrada do monocromador (M). Em seguida, a luz difratada pelo monocromador é coletada por um foto-sensor. O sinal detectado é então amplificado por um amplificador (Lock-in). Por fim, o sinal é registrado pelo sistema de aquisição do computador, o qual também é responsável por controlar o motor de passo do sistema de varredura do monocromador. Figura 2.11: Esquema da montagem utilizada na medida de luminescência. E = espelho, L = lente, AM = amostra, ME = modulador eletromecânico e M = monocromador. Tempo de subida e de decaimento As curvas de evolução temporal da luminescência dos íons Nd 3+ e Yb 3+ foram obtidas na região do infravermelho. O experimento de evolução temporal é composto por: (1) laser Nd:YAG pulsado (largura do pulso = 5 ns e frequência = 10 Hz): λ de excitação = 1064 nm; (2) cristal gerador de 2º harmônico (KDP); (3) monocromador Thermo Jarrel Ash/82497, f = 41 Capítulo 2 - Considerações Gerais 30 cm; (4) dois foto-sensores: um de Si ou Ge (IV) e uma fotomultiplicadora Hamamatsu/ R928 (UV-Vis) e (5) osciloscópio Tektronix, TDS 380, 400 MHz. Na Figura 2.12 está representado o arranjo experimental utilizado nas medidas do tempo de vida do nível 4 F3/2 do Nd 3+ para as amostras TW-xNd e tempos de subida e de decaimento radiativo do nível 2 F5/2 do Yb 3+ para as amostras TW-1Nd-xYb. Quando o laser dispara, o osciloscópio é acionado para receber informações detectadas pelo foto-sensor. O feixe de bombeio oriundo do laser Nd:YAG, passa pelo cristal gerador do 2º harmônico, obtendo λ = 532 e 1064 nm. Parte do feixe é refletido pelo prisma e direcionado pelo espelho E3 a um fotodiodo ligado ao osciloscópio, gerando a referência, enquanto a outra parte do feixe é difratada, de modo a selecionar λ = 532 nm. O feixe monocromático é refletido pelos espelhos E1 e E2 até a lente L1, que é responsável por focar o feixe de luz próximo à borda da amostra. A luz emitida pela borda da amostra é colimada pela lente L2 e, posteriormente, é focalizada pela lente L3, passando pelo filtro, na fenda de entrada do monocromador. A luz na saída do monocromador é detectada por um foto-sensor. O sinal detectado é amplificado e então é registrado pelo osciloscópio, permitindo a visualização do tempo de subida e de decaimento temporal da luminescência. Figura 2.12: Esquema da montagem utilizada nas medidas de evolução temporal da luminescência. KDP = cristal gerador de 2º harmônico, E = espelho, L = lente, AM = amostra e M = monocromador. Excitação Os espectros de excitação foram obtidos utilizando um fluorímetro Horiba modelo SPEX Fluorolog, monitorando a emissão do íon Nd 3+ em 870 e 600 nm. Este fluorímetro é 42 Capítulo 2 - Considerações Gerais composto, basicamente, por: (1) lâmpada de Xenônio (Xe) de potência 150 W; (2) dois monocromadores duplos: um de excitação e um de detecção e (3) detector: uma fotomultiplicadora Hamamatsu/R928 (detecção na região do visível). A Figura 2.13 esquematiza o interior do fluorímetro. Para obtenção do espectro de excitação, no compartimento 1 (monocromador de excitação) o ângulo da grade de difração varia, enquanto no compartimento 3 (monocromador de detecção) é fixo. A luz emitida pela lâmpada de Xe passa por uma fenda (F) e pelo monocromador duplo de excitação (compartimento 1). No interior do compartimento de amostra há um sensor de referência (SR) que é irradiado por uma pequena parcela da luz refletida em um espelho semi-refletor, corrigindo as intensidades dos λs emitidos pela lâmpada. A outra parcela de luz passa pela amostra (AM), segue para o monocromador duplo de detecção e é detectado pela fotomultiplicadora ligada à fonte de alta tensão e ao amplificador. A fonte de alta tensão está em uma caixa separada que, além dela, contém a placa de comunicação e controle. Essa placa é incumbida da leitura do sinal proveniente do amplificador e do conversor tensão-frequência (C) que faz a leitura do sensor referência. Além das leituras de sinal, essa placa também controla a posição dos monocromadores (compartimentos 1 e 3) e lê os seus sensores de fim de curso, além de comunicar-se com um computador. Figura 2.13: Esquema do fluorímetro SPEX fluorolog. F = fenda, SR = sensor de referência, AM = amostra e C = conversor tensão-frequência. As medidas de absorção óptica, luminescência, tempos de subida e de decaimento e excitação foram realizadas junto ao Prof. Dr. Luiz Antônio de Oliveira Nunes (IFSC/USP). 43 Capítulo 2 - Considerações Gerais Lente térmica A técnica de lente térmica (LT) foi usada com a finalidade de determinar a eficiência quântica de fluorescência ( ) em função da concentração de Ln 3+ incorporado no vidro telurito-tungstênio (TW). O experimento de lente térmica é composto por: (1) um sistema laser de diodo (Verdi- G7, Coherent) com λ de operação a 532 nm e (2) um laser Ti:Safira (MBR-01, Coherent) com λ de excitação a 811,8 nm ou (3) um laser Ar + (Innova 308C, Coherent) com λ de excitação a 476 nm e 514,5 nm e (4) um laser HeNe com λ de prova a 632,8 nm. A Figura 2.14 ilustra uma das configurações experimentais da técnica de lente térmica com feixe duplo no modo descasado utilizada neste trabalho. Nesta configuração, foram usados como fonte de excitação o laser de Ti:Safira bombeado pelo laser Verdi-G7, para gerar o efeito de lente térmica, e como feixe de prova o laser HeNe, para provar o efeito térmico gerado na amostra. A amostra (AM) foi colocada na cintura do feixe de excitação, onde a potência é máxima, e na posição confocal do feixe de prova. Um colimador foi colocado na frente do detector (D2) para selecionar somente a parte central do feixe de prova. Um segundo detector (D1) foi usado para dar início à aquisição dos dados experimentais por um osciloscópio. Figura 2.14: Configuração experimental utilizada nas medidas de lente térmica com feixe duplo no modo descasado. E = espelho, FO = foto-obturador, L = lente, AM = amostra e D = detector. gatilho FO 44 Capítulo 2 - Considerações Gerais O efeito de LT tem como princípio básico, a variação do índice de refração da amostra com a temperatura. Quando um feixe laser com perfil de intensidade gaussiano atravessa a amostra, a energia absorvida por ela é convertida em calor, provocando uma mudança radial no índice de refração e fazendo-a se comportar como uma lente. O aquecimento local faz com que o feixe de prova sofra uma distorção ao passar pela amostra, que por sua vez produz uma mudança no comprimento do caminho óptico. Esta diferença de fase do feixe de prova pode ser quantificada pelo modelo proposto por Shen et al. [60] , para a configuração experimental de feixe duplo, de acordo com: ( ) ( ) * ( (( ) )( ⁄ ) )+ (2.10) ( ) (2.11) ( ) ; [ ( ) ] (2.12) onde ( ) é a dependência temporal da intensidade do laser de prova no detector; ( ) é a intensidade do sinal antes da formação da LT ( );  é a amplitude do efeito e está relacionada com a diferença de fase, termicamente induzida, do feixe de prova após passar pela amostra ( é a potência absorvida; é a potência do feixe de excitação; é o coeficiente de absorção da amostra para o comprimento de onda do feixe de excitação; é a espessura efetiva da amostra); é a espessura da amostra; é a condutividade térmica; é o comprimento de onda do feixe de prova; é a fração de energia absorvida convertida em calor; ⁄ é a taxa de variação do caminho óptico com a temperatura; são parâmetros geométricos ( é o raio do feixe de prova e é o raio do feixe de excitação, ambos na posição em que a amostra se encontra; é a distância entre a cintura do feixe de prova e a amostra; ⁄ é a distância confocal do feixe de prova; é a distância percorrida, entre a amostra e o detector, pelo feixe de prova); ⁄ é a constante de tempo característica de formação da LT ( é a difusividade térmica). 45 Capítulo 2 - Considerações Gerais Os valores de são obtidos pelo ajuste da curva de intensidade temporal, obtida experimentalmente, com a Equação 2.10. Para amostras que não apresentam luminescência, espera-se que toda fração de energia absorvida pelo material seja convertida em calor, ou seja, . Caso contrário, , onde ⁄ é a eficiência quântica da fluorescência obtida no experimento de LT, ou seja, é a fração de energia absorvida convertida em emissões radiativas, em que é o comprimento de onda de excitação e é o comprimento de onda de emissão médio. Maiores detalhes sobre as propriedades termo- ópticas medidas em vidros ópticos por meio da espectrometria de lente térmica no modo descasado são encontrados na referência [61]. As medidas de lente térmica foram realizadas junto aos Profs. Dr. Sandro Márcio Lima, Dr. Luis Humberto da Cunha Andrade (UEMS – Dourados) e Dr. Luiz Antônio de Oliveira Nunes (IFSC/USP). 46 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ Capítulo 3 – Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd 3+ Resumo Neste trabalho foram investigadas as propriedades espectroscópicas dos vidros teluritos- tungstênio dopados com neodímio, preparados em atmosferas ambiente e rica em O2. A conversão de unidades estruturais TeO4 → TeO3 foi causada pela adição de íons Nd 3+ , confirmada pelo espectro Raman. A relaxação do nível 4 F3/2 é dominada pelos processos de decaimento radiativo e relaxação cruzada entre pares de íons Nd 3+ . A transferência de energia do íon Nd 3+ para o grupo hidroxila foi desprezível quando comparada ao processo de relaxação cruzada. Os valores da eficiência quântica luminescente do nível 4 F3/2 diminuiu com o aumento da concentração de Nd 3+ , independentemente se foi determinado pelo método de Judd-Ofelt ou pela técnica de lente térmica. A redução da intensidade de absorção no infravermelho, associada aos grupos OH, não alterou a eficiência quântica luminescente. Experimental Dois conjuntos de vidros teluritos-tungstênio dopados com neodímio com composição nominal (100 - x)(0,8TeO2 + 0,2WO3) + xNd2O3, onde x = 0; 0,05; 0,5; 1; 2 e 4 mol %, foram preparados pelo método convencional de fusão-resfriamento em atmosferas diferentes. Um foi preparado em atmosfera ambiente (Amb) e o outro em atmosfera rica em oxigênio (O2). A Tabela 3.1 mostra a composição nominal (mol%) desses vidros. Para a obtenção do conjunto de amostras preparadas em atmosfera Amb, os reagentes da Sigma-Aldrich (com pureza maior que 99%) foram pesados estequiometricamente, misturados e homogeneizados em um almofariz de ágata. Essas misturas foram levadas ao forno, num cadinho de platina com 5% de ouro, e aquecidas a partir da temperatura ambiente (TAmb) até 250 °C à taxa de 7,5 °C/min. e então, aquecidas até a temperatura de fusão (Tf 880 °C) à taxa de 4,2 °C/min., permanecendo nesta temperatura por 30 minutos, sem controle da atmosfera local. Após a fusão, os fundidos foram vertidos em um molde de aço pré- aquecido a uma temperatura próxima e abaixo da temperatura de transição vítrea (Tg 350 47 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ °C). Para a obtenção do conjunto de amostras preparadas em atmosfera de O2, o forno foi colocado dentro de uma câmara selada (Figura 3.1a), onde foi feito vácuo, seguido da injeção de O2, até a pressão interior atingir 1 atm, seguindo as mesmas condições de fusão- resfriamento das amostras preparadas em atmosfera Amb. Em seguida, os vidros foram levados para outro forno aquecido a uma temperatura levemente menor que a Tg, onde permaneceram por 2 horas, para o processo de recozimento, que tem por finalidade reduzir as tensões internas provocadas durante o resfriamento, e então, resfriados lentamente até atingir a TAmb. Finalmente, os vidros produzidos foram cortados e polidos, atingindo espessuras entre 0,71 e 0,95 mm (Figura 3.1b). Todas as amostras apresentaram boa qualidade óptica, sem presença de bolhas. Tabela 3.1: Composição nominal (mol%) dos vidros TW puro e dopados com Nd 3+ . Vidros TeO2 (mol%) WO3 (mol%) Nd2O3 (mol%) TW 80 20 0 TW-0,05Nd 79,96 19,99 0,05 TW-0,5Nd 79,6 19,9 0,5 TW-1Nd 79,2 19,8 1,0 TW-2Nd 78,4 19,6 2,0 TW-4Nd 76,8 19,2 4,0 (a) (b) Figura 3.1: (a) Forno a vácuo e (b) vidros TW puro e dopados com Nd 3+ preparados em atmosferas Amb e de O2. 48 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ O estado vítreo desses vidros foi confirmado pela análise de difração de raios-x (DRX) usando radiação Cu Kα. As densidades dos vidros (Tabela 3.2) foram determinadas pelo método de Arquimedes usando água destilada como líquido de imersão. Não foi observada diferença nas densidades dos vidros preparados em atmosferas Amb e O2. Tabela 3.2: Densidade ( ) e volume molar (Vm) dos vidros TW puro e dopados com Nd 3+ . Vidros (g/cm 3 ) Vm (cm 3 /mol) TW 5,89 29,5 TW-0,05Nd 5,89 29,6 TW-0,5Nd 5,89 29,7 TW-1Nd 5,89 29,8 TW-2 Nd 5,93 29,9 TW-4Nd 5,94 30,4 O erro da densidade é de 0,02 e o do volume molar é 0,1. Os espectros no infravermelho foram obtidos por transmitância num espectrofotômetro infravermelho a transformada de Fourier (FTIR), modelo Nexus 670 da Nicolet. Os espectros de absorção dos vidros foram registrados na faixa de 2000 a 4000 cm -1 usando 64 scans, resolução de 4 cm -1 e purga de nitrogênio (N2). Medidas Raman foram realizadas pela excitação das amostras em 514,5 nm com um laser de argônio (Innova 308C, Coherent). Lentes com 4 mm de comprimento focal foram usadas para focar o feixe de laser nas amostras e detectar o sinal Raman. O espalhamento da luz foi filtrado e focado em uma fibra óptica acoplada a um monocromador (modelo iHR 320, Horiba Jobin Yvon) com CCD (Sygnature Hamamatsu S3903-1024Q PDA) para detecção. Os espectros de absorção dos vidros, a partir do estado fundamental, foram obtidos usando um espectrômetro UV/Vis/IV, Perkin Elmer Lambda 900, na faixa de 400 a 925 nm. A luminescência 4 F3/2 → 4 IJ (J = 13/2, 11/2 e 9/2) foi medida pela excitação em 514,5 nm com um laser de argônio (Ar + ) e depois foi corrigida pela concentração nominal de Nd 3+ para garantir que todas as amostras absorveram a mesma quantidade de fótons. As medidas de tempo de vida luminescente do nível 4 F3/2 foram obtidas usando radiação de comprimento de 49 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ onda de 532 nm gerada pelo cristal gerador de 2º harmônico (KDP) bombeado pelo laser Nd:YAG pulsado, 5 ns (1064 nm, 10 Hz). A técnica de lente térmica (LT) foi usada para medir a fração de energia absorvida que foi convertida em calor pelas amostras. Este resultado foi usado para determinar a eficiência quântica luminescente. A configuração experimental de LT foi de duplo feixe no modo descasado que usou um laser Ti:Safira sintonizado em 808 nm como fonte de excitação e um laser HeNe a 632,8 nm como feixe de prova. As curvas experimentais foram ajustadas usando o modelo teórico proposto por Shen et al. [60] . Os parâmetros geométricos experimentais foram m = 8,4 e V = 1,8. Resultados e discussão As Figuras 3.2 (a) e (b) mostram os difratogramas dos vidros TW puro e dopados com Nd 3+ , preparados em atmosfera Amb e de O2, respectivamente. Os difratogramas apresentaram dois halos que confirmam a estrutura amorfa dos vidros, ou seja, os vidros são carentes de um arranjo atômico regular e sistemático ao longo de distâncias atômicas relativamente grandes [62] . (a) (b) Figura 3.2: Difratogramas para os vidros TW puro e dopados com Nd 3+ preparados em atmosferas (a) Amb e (b) O2. 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 0Nd 0,05Nd 0,5Nd 1Nd 2NdIn te n si d a d e ( u .a .) 2 (graus) TW-xNd (mol%) atmosfera Amb 4Nd 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 In te n si d a d e ( u .a .) 2 (graus) 4Nd 2Nd 1Nd 0,5Nd 0,05Nd 0Nd TW-xNd (mol%) atmosfera O 2 50 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ A Figura 3.3 mostra uma comparação entre os espectros de absorção no infravermelho (IV), na faixa de absorção dos grupos OH (3700 a 2000 cm -1 ), dos vidros TW-1Nd preparados em atmosferas Amb e de O2. As amplitudes das bandas de absorção centradas em 3160 e 2200 cm -1 , associadas ao modo de estiramento dos grupos Te-OH…O-Te que formam ligações de hidrogênio mais fracas e mais fortes, respectivamente, com os oxigênios não ligantes (NBOs) [63,64,65] , foram reduzidas, em média, 48 e 44%, respectivamente, para os vidros preparados em atmosfera de O2. Esses resultados indicam que a preparação dos vidros em atmosfera de O2 foi um método eficiente de redução de grupos OH. Figura 3.3: Espectro de absorção IV dos vidros TW-1Nd preparados em atmosferas Amb e de O2. A Figura 3.4 mostra os espectros de absorção dos vidros TW dopados com Nd 3+ , preparados em atmosfera de O2, na faixa de 400 a 925 nm. As bandas de absorção correspondem aos íons Nd 3+ excitados a partir do nível fundamental, 4 I9/2, e estão localizadas em 475 ( 2 G9/2, 4 G11/2, 2 K15/2, 2 D3/2), 514 ( 4 G9/2, 2 K13/2), 527 ( 4 G7/2), 585 ( 4 G5/2, 2 G7/2), 628 ( 2 H11/2), 682 ( 4 F9/2), 748 ( 4 F7/2, 4 S3/2), 804 ( 4 F5/2, 2 H9/2) e 874 nm ( 4 F3/2). As posições e perfis das bandas estão de acordo com os resultados observados em vidros fluoretos [66] , boratos [67] e fosfatos [68] . A adição de Nd 3+ causou um aumento na intensidade dos picos de absorção e um deslocamento da borda de absorção para menores comprimentos de onda. Os espectros de 3500 3000 2500 2000 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 O 2 2200 C o e fi c ie n te d e a b so r ç ã o ( c m -1 ) Número de onda (cm -1 ) TW-1Nd 3160 Amb 51 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ absorção dos vidros de mesma composição, preparados em atmosfera Amb, não foram inseridos devido à semelhança com os espectros dos preparados em atmosfera de O2. A Figura 3.5 mostra uma relação linear entre a intensidade integrada da banda centrada em 585 nm ( 4 I9/2 → 4 G5/2, 2 G7/2) e a concentração de Nd 3+ para os vidros preparados em atmosferas Amb e de O2, indicando que a incorporação dos íons Nd 3+ no vidro foi efetiva. O mesmo comportamento foi observado nas demais bandas de absorção. Figura 3.4: Espectros de absorção dos vidros TW dopados com Nd 3+ preparados em atmosfera O2. 400 450 500 550 600 650 700 750 800 850 900 0 20 40 60 80 100 Atmosfera O 2 TW-0,05Nd TW-0,5Nd TW-1Nd TW-2Nd TW-4Nd C o ef ic ie n te d e a b so rç ã o ( cm -1 ) Comprimento de onda (nm) 4 G 9/2 , 2 K 13/2 4 G 7/2 4 G 5/2 , 2 G 7/2 2 H 11/2 4 F 9/2 4 F 7/2 , 4 S 3/2 4 F 5/2 , 2 H 9/2  4 I 9/2 4 F 3/2 52 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ Figura 3.5: Intensidade integrada da banda centrada em 585 nm em função da concentração de íons Nd 3+ para vidros TW dopados com Nd 3+ preparados em atmosferas Amb e O2. A Figura 3.6 é uma ampliação da faixa de comprimento de onda correspondente à borda de absorção mostrada na Figura 3.4. Observa-se no inset da figura que o deslocamento da borda de absorção para menores comprimentos de onda é proporcional à concentração de Nd 3+ . Este deslocamento já foi observado em estudos anteriores [32,69,70] e tem sido relacionado à conversão de unidades estruturais TeO4 (tbp = bipirâmide trigonal) em unidades TeO3+1 e TeO3 (tp = pirâmide trigonal) em função da substituição das ligações Te-O-Te por Te-O-Nd. 0 2 4 6 8 10 12 14 16 0 300 600 900 1200 1500 Concentração de Nd 3+ (10 20 íons/cm 3 ) In te n si d a d e i n te g ra d a ( u .a .) 4 I 9/2  4 G 5/2 , 2 G 7/2 (Nd 3+ )  = 585 nm TW-xNd Atmosfera Amb R 2 = 0,9968 Atmosfera O 2 R 2 = 0,9783 53 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ Figura 3.6: Ampliação dos espectros de absorção dos vidros TW dopados com Nd 3+ preparados em atmosfera Amb. Inset: Variação do comprimento de onda da borda de absorção em função da concentração de Nd 3+ . A Figura 3.7a mostra os espectros Raman, na faixa de 1100 a 500 cm -1 , dos vidros TW e TW-4Nd, ambos preparados em atmosfera de O2. Os espectros mostram uma banda acentuada localizada em 930 cm -1 e uma banda larga por volta de 700 cm -1 . A primeira banda é associada à vibração de estiramento (stretching) de ligações W-O - e/ou W=O em unidades tetraédricas (WO4) e/ou octaédricas (WO6) [40,71,72,73] . A diminuição desta banda de absorção pode estar associada à mudança do estado de coordenação do íon W, de seis (WO6) para quatro (WO4) [74] . Entretanto, um estudo mais detalhado deve ser realizado para confirmar esta mudança. A banda que se estende de 550 a 870 cm -1 é, na verdade, uma sobreposição de duas bandas, localizadas em ~ 670 e 750 cm -1 , associadas à ligação Te-O de unidades TeO4 e à ligação Te-O de unidades TeO3+1/3 [69,75,76] , respectivamente. Nos vidros TW essas duas bandas não são bem definidas [75] , ao contrário dos vidros TeO2-ZnO-Nb2O5 (TZN) dopados com Nd 3+[69] . A adição de Nd 3+ no vidro TZN provocou uma inversão nas intensidades dos picos localizados em 670 e 750 cm -1 . A fim de evidenciar a diferença entre nossos vidros, o espectro Raman TW-4Nd foi subtraído do espectro TW (Figura 3.7b). A intensidade a 650 cm -1 , associada às ligações Te-O de unidades TeO4, diminuiu em relação à intensidade localizada em 750 cm -1 , associada às ligações Te-O de unidades TeO3+1/3. Assim, o deslocamento da borda de absorção para menores comprimentos de onda em função da adição 410 420 430 440 450 460 470 480 0 20 40 60 80 100 Atmosfera Amb TW-0,05Nd TW-0,5Nd TW-1Nd TW-2Nd TW-4Nd C o e fi ci e n te d e a b so r ç ã o ( c m -1 ) Comprimento de onda (nm)  0 2 4 6 8 10 12 14 16 -8 -6 -4 -2 0  T W -x N d -  T W ( n m ) R 2 =0,9992 Concentração de Nd 3+ (10 20 íons/cm 3 ) Equation y = a + b*x Adj. R-Square 0.99923 D Intercept D Slope 54 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ de Nd 3+ , observado nos nossos vidros, ocorreu devido às mudanças estruturais (de tbp para tp). Figura 3.7: (a) Espectro de absorção Raman dos vidros TW e TW-4Nd preparados em atmosfera de O2 e (b) diferença entre os dois espectros (ITW-4Nd – ITW). As bandas de absorção do Nd 3+ (Figura 3.4), centradas em ̅ , foram integradas para determinação das áreas, usadas no cálculo de Judd-Ofelt (JO). Para determinar os parâmetros de intensidade ( ), uma vez que as transições do Nd 3+ são assumidas ser puramente de caráter dipolar elétrico, as intensidades de linha, para cada transição, foram medidas ( ) e calculadas ( ) (Apêndice A). Todos os valores obtidos estão listados na Tabela 3.3. Os valores obtidos estão de acordo com aqueles reportados na referência [77]. Além disso, não foi observada qualquer diferença nos valores entre os grupos de amostras estudadas (Amb e O2). Os parâmetros podem ser aplicados para calcular as intensidades de linha correspondentes às transições 4 F3/2  4 I9/2, 4 I11/2, 4 I13/2 e 4 I15/2 do íon Nd 3+ , e com isto, calcular as taxas de transição radiativa entre dois níveis dados, [ 4 F3/2,(SL)J], a probabilidade de 0.0 0.5 1.0 1100 1000 900 800 700 600 500 -0.1 0.0 0.1 (b) Atmosfera O 2 TW TW-4Nd (a) TW-4Nd TW In ten sid a d e su b tra íd a In te n si d a d e n o rm a li za d a Número de onda (cm -1 ) TeO4 TeO3+1 TeO3 55 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ transição radiativa normalizada para cada uma das transições, [ 4 F3/2,(SL)J], e o tempo de vida radiativo do nível 4 F3/2 ( ). Tabela 3.3: Parâmetros de absorção e parâmetros de intensidade de JO do vidro TW-1Nd preparado em atmosfera O2. Transição Nd 3+ : 4 I9/2 → ... ̅ ( ) [ 4 I9/2,(S’L’)J’] ( ) [ 4 I9/2,(S’L’)J’] ( ) 4 F3/2 874 0,8 1,0 4 F5/2, 2 H9/2 804 2,73 2,65 4 F7/2, 4 S3/2 748 2,39 2,46 4 F9/2 682 0,16 0,17 4 G5/2, 2 G7/2 585 6,56 6,57 4 G7/2 + 4 G9/2, 2 K13/2 526 1,6 1,5 ; Tabela 3.4: Parâmetros de emissão do vidro TW-1Nd preparado em atmosfera O2. Transição Nd 3+ : 4 F3/2 → ... ̅ ( ) [ 4 F3/2,(SL)J] ( ) [ 4 F3/2,(SL)J] ( ) 4 I15/2 1900 0,0303 0,0002 0,46 0,01 4 I13/2 1337 0,670 0,005 10,2 0,3 4 I11/2 1065 3,14 0,03 48,0 0,7 4 I9/2 907 2,7 0,1 41 1 ( ) Os espectros de emissão, na faixa de 840 a 1430 nm, dos vidros TW dopados com Nd 3+ , preparados em atmosfera de O2, são mostrados na Figura 3.8a. A radiação 514,5 nm (laser de argônio) excita os íons Nd 3+ para o nível 4 G9/2, 2 K13/2, de acordo com a Figura 3.8b e após serem excitados, eles decaem rapidamente de forma não radiativa (gerando calor) até atingir o nível metaestável, 4 F3/2, de onde ocorrem as emissões para os níveis 4 I9/2 (~907 nm), 4 I11/2 (1065 nm) e 4 I13/2 (1337 nm). 56 Capítulo 3 - Propriedades espectroscópicas de vidros teluritos-tungstênio dopados com Nd3+ O desaparecimento da emissão em ~880nm ( 4 F3/2 → 4 I9/2), em função do aumento da concentração do Nd 3+ , está associado com a reabsorção dos fótons emitidos. Esse fenômeno não ocorre para as outras transições, pois não há nível correspondente para ocorrência de reabsorção. (a) (b) Figura 3.8: (a) Espectros de emissão no infravermelho dos vidros TW dopados com Nd 3+ preparados em atmosfera de O2 e (b) diagrama de níveis de energia do íon Nd 3+ esquematizando os processos de absorção, decaimento via fônons e luminescência. A emissão para o nível 4 I15/2 (1800 nm) não foi medida, pois se encontra próxima ao limiar de detecção do foto-sensor de InGaAs (800 < λ < 1800 nm). As posições e perfis das bandas de emissão observadas nestes vidros estão de acordo com os resultados observados em vidros boratos [67] , aluminatos [42]