UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - CÂMPUS DE MARÍLIA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO KAREN KAHN O PAPEL DO DESIGN DA INFORMAÇÃO NA CURADORIA DIGITAL DE SISTEMAS MEMORIAIS: UM ESTUDO DO MUSEU DA PESSOA MARÍLIA/SP 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - CÂMPUS DE MARÍLIA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO KAREN KAHN O PAPEL DO DESIGN DA INFORMAÇÃO NA CURADORIA DIGITAL DE SISTEMAS MEMORIAIS: UM ESTUDO DO MUSEU DA PESSOA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência da Informação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Campus de Marília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação. Área de Concentração: Informação, Tecnologia e Conhecimento. Linha de Pesquisa: Informação e Tecnologia. Orientadora: Profª. Drª. Maria José Vicentini Jorente MARÍLIA/SP 2018 Kahn, Karen. K12p O papel do design da informação na curadoria digital de sistemas memoriais: um estudo do Museu da Pessoa / Karen Kahn. – Marília, 2018. 169 f. ; 30 cm. Orientadora: Maria José Vicentini Jorente. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, 2018. Bibliografia: f. 139-152 1. Ciência da informação. 2. Desenho (Projetos). 3. Curadoria. 4. Tecnologia da informação. 5. Web 2.0. I. Título. CDD 005.73 KAREN KAHN O PAPEL DO DESIGN DA INFORMAÇÃO NA CURADORIA DIGITAL DE SISTEMAS MEMORIAIS: UM ESTUDO DO MUSEU DA PESSOA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Campus de Marília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação. Área de Concentração: Informação, Tecnologia e Conhecimento. Linha de Pesquisa: Informação e Tecnologia. BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________ Orientadora: Profª. Drª. Maria José Vicentini Jorente Universidade Estadual Paulista - UNESP, SP ___________________________________________ Dr. Aquiles Alencar Brayner British Library, Londres ___________________________________________ Prof. Dr. Edberto Ferneda Universidade Estadual Paulista – UNESP, SP Marília, 24 de abril de 2018. Dedico este trabalho a minha filha, Giulia Kipnis; ao meu irmão, Túlio Kahn; ao meu sobrinho, Theo R. Kahn; à memória de meus pais, Frida Kahn e Jayme Kahn, e à memória do maninho Eduardo Kahn. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço aos irmãos e irmãs de fé, camaradas: Maria Cristina Greco, Cintia Ribeiro, Evelyn Rozenbaum, Lara Brum, Linda Lessa, Danilo Siqueira, Miranda Mavridis, Annik Altruy, Maria de Lourdes V. Jorente e Josep Jorente; e aos amigos do Laboratório de Design e Recuperação da Informação (LADRI): Natália Nakano, Mariana C. Padua, Lucinéia S. Batista, Nandia L.F. Rodrigues, Talita C. Silva, Laís Landim, João A. Oliveira e Anahi R. Silva. Agradeço, ainda, aos mestres Leilah S. Bufrem, Marta L.P. Valentim, Angela M. Grossi, José E. Santarém Segundo, Joana G. Lemos e Dunia Llanes Padrón pelas trocas e pelos ensinamentos. Em especial, agradeço à grande amiga e orientadora, Profª. Drª. Maria José Viventini Jorente, ao Dr. Aquiles Alencar Brayner e ao Prof. Dr. Edberto Ferneda. Por fim, agradeço à querida Karen Worcman, idealizadora e diretora do Museu da Pessoa, ao Lucas Lara e ao Felipe Rocha, pesquisadores do Museu da Pessoa, e a todos que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização desta dissertação. “O destino da humanidade é desconhecido, mas sabemos que o processo de existir modifica-se.” (Edgar Morin) RESUMO Fazeres pós-custodiais em ambiência digital de tradicionais Instituições da Informação, como arquivos, bibliotecas e museus, exigem novos saberes e novas representações padronizadas de dados. Tais dados devem convergir com linguagens computacionais que os traduzam para efetivas interoperabilidades entre sistemas para o armazenamento, a preservação, o acesso e compartilhamento da informação em processo de Curadoria Digital. No Museu da Pessoa, observa-se a convergência do Design da Informação (DI) com demais sistemas complexos, como a Curadoria Digital e a Ciência da Informação, para a construção intencional de memórias de pessoas ou comunidades na Web 2. 0. Atores informacionais que interagem nas interfaces das ambiências digitais destas instituições atuam como designers da informação. Os agentes institucionais devem capacitar-se para ações que justapõem disciplinas a fim de minimizar o risco de obsolescência digital e valorização das informações, idealmente armazenadas em repositórios digitais confiáveis para seu aceso e preservação a longo prazo. O estudo observa o papel do DI no processo de Curadoria Digital do Museu da Pessoa. O objetivo geral da pesquisa é descrever como o DI, definido em e para sua Curadoria Digital, estrutura e organiza as interfaces Homepage e Conte sua História (CSH) do portal do Museu e das páginas Principal e Nova História da base de dados. Ao objetivo geral da pesquisa, somam-se os objetivos específicos: levantar as transformações tecnológicas do Museu desde sua origem (1991); conhecer como se desenham e se apresentam os conteúdos informacionais em interfaces do seu ambiente digital a partir de suas Homepage (back-end e front-end); identificar convergências de linguagens e interoperabilidades entre o subsistema e sistemas digitais, recursos de DI previstos em Curadoria Digital; verificar as implicações do DI nas interações entre sujeitos e o ambiente digital do Museu e reconhecer o papel do DI nos processos contínuos e interativos do ciclo de vida da Curadoria Digital do Museu. A pesquisa descritiva parte de exploração por observação participativa indireta em livros, dissertações, artigos acadêmicos e sites; e observação participativa direta ou etnografia virtual para imersão e verificação do princípio de mutualidade sujeito- ambiente. Justifica-se por contribuir para o entendimento epistemológico, acadêmico e transdisciplinar do Museu e por dar um passo necessário em direção à compreensão técnico-científica sobre como o DI prevê convergências de linguagens, codificações multimodais e interoperabilidades entre sistemas. Do ponto de vista político-social, a descrição do processo de Curadoria Digital do Museu da Pessoa poderá servir de modelo a sistemas memoriais que objetivem a socialização da informação mediada por Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Destaca que no acervo do Museu, resultante de emergências bottom-up facilitadas por simulacro top-down (DI), o fato museal, memórias intangíveis, representam-se por metadados (DI). Descreve o papel estruturante do DI em camadas visíveis e invisíveis do sistema digital; bem como organizador da apresentação e representação de informações previstas em e para a Curadoria Digital. Observa possíveis atualizações na Curadoria Digital do Museu para que o acesso e compartilhamento da informação possa ser garantia de sua preservação a futuras gerações. Palavras-chave: Design da Informação, Curadoria Digital, Web 2.0, Museu da Pessoa, Informação e Tecnologia. ABSTRACT Post-custodial practices on digital environments of traditional information institutions such as archives, libraries and museums demand new knowledge and new standardized representation of data. Such data should converge with computational languages that translate them into effective interoperability across systems for the storage, preservation, access and sharing of information in the process of Digital Curation. In Museu da Pessoa, the convergence of Information Design (ID) with other complex systems, such as Digital Curation and Information Science is observed, for the intentional construction of memories of people or communities on the Web 2.0. Informational actors interacting at the interfaces of the digital environments of these institutions act as information designers. Institutional agents should be empowered to take actions that juxtapose disciplines in order to minimize the risk of digital obsolescence and information valorization, ideally stored in reliable digital repositories for their access and long-term preservation. The study discusses the role of ID in the process of Digital Curation of Museu da Pessoa. The general objective of the research is to describe how Information Design resources, defined in and for its Digital Curation, structure the interfaces of Homepage and Conte sua História (CSH) of the museum's digital ambience, and Principal and Nova História from the database. To the general objective of the research, the specific objectives are added: to raise the technological transformations of the museum from its origin (1991); to know how the information contents are designed and presented on the interfaces of their digital environment from Homepage (back-end and front-end); to identify language convergences and interoperability across the subsystem and digital systems, ID resources planned in the Digital Curation; to verify the implications of ID in the interactions between subjects and the digital environment of the museum and to recognize the role of ID in the Digital Curation of Museu da Pessoa. The descriptive research is based on bibliographical and documentary review, historical study and indirect participation in planned observation in sites, dissertations, theses, scientific articles and academic journals, documents and books; and direct participatory observation or virtual ethnography for immersion and verification of the principle of subject-environment mutuality. It is justified because it seeks to contribute to the epistemological, academic and transdisciplinary understanding of the museum and to take a step towards the technical-scientific understanding about how ID plans language convergences, multimodal coding and interoperability across systems. From the political-social point of view, to describe the Digital Curation process of Museu da Pessoa may serve as a model for memory systems aimed at socializing information mediated by Information and Communication Technologies (ICT). We highlight that in the Museum's collection, resulting from bottom-up emergencies facilitated by top-down simulations (ID), the museum fact, intangible memories, are represented by metadata (ID). We describe the structuring role of ID in visible and invisible layers of the digital system; as well as organizer of the presentation and representation of information provided in and for Digital Curation. We observe possible updates in the Digital Curation of the Museum so that the information access and sharing can be guarantee of its preservation to future generations. Keywords: Information Design, Digital Curation, Web 2.0, Museu da Pessoa, Information and Technology. LISTA DE FIGURAS Figura 1 DCC Curation Lifecycle Model....................................................................18 Figura 2 As Esferas do Universo como um Sistema de Memória, por J. Romberch, in Congestorium artificiose memorie, ed. de 1533.........................................................38 Figura 3 Tela principal da base de dados do CMS Shiro 1.0 beta ...........................71 Figura 4 Ficha de decupagem de vídeo do Museu da Pessoa ................................76 Figura 5 Captura de tela do site do Museo de la Persona .......................................80 Figura 6 Página principal do primeiro site do Museu da Pessoa (1996) ..................84 Figura 7 Página principal da segunda versão do site do Museu da Pessoa (1997 a 2000) .........................................................................................................................85 Figura 8 Página principal da terceira versão do site do Museu da Pessoa (2001- 2002) .........................................................................................................................87 Figura 9 Quarta versão – Portal Museu da Pessoa.net (2003) ................................89 Figura 10 O Gráfico de Garrett (2003) ....................................................................101 Figura 11 Homepage do Museu da Pessoa - interface para cadastro ...................103 Figura 12 Homepage do Portal do Museu da Pessoa - interface Área Pessoal ..................................................................................................................................104 Figura 13 Ontology Spectrum: Range of Models …………………………….………107 Figura 14 Homepage do Museu da Pessoa – centro da tela .................................111 Figura 15 Homepage do Museu da Pessoa – captura inferior da tela ...................112 Figura 16 Recursos Smartsupp na Homepage do Museu da Pessoa ...................113 Figura 17 Convergência Smartsupp e Museu da Pessoa (2018 ............................114 Figura 18 Interface administrativa para edição de história na base de dados .......116 Figura 19 Interface interna de História publicada no Portal do Museu da Pessoa..117 Figura 20 Continuação da Interface Interna de História publicada no Portal do Museu da Pessoa ....................................................................................................118 Figura 21 Interface do Museu para registro de URL de vídeo do YouTube............119 Figura 22 Interface da etapa 3 da seção CSH do Museu da Pessoa ....................120 Figura 23 Interface da etapa 4 da seção CSH do Museu da Pessoa ....................121 Figura 24 Interface da etapa 5 da seção CSH do Museu da Pessoa ....................122 Figura 25 Captura de tela “meu cadastro” ao final do processo .............................123 Figura 26 Página Principal da base de dados do Museu da Pessoa .....................125 Figura 27 Interface com ferramenta Nova História da base de dados....................127 Figura 28 Interface administrativa para edição de história na base de dados .......130 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Recursos de Design de Interação em interfaces digitais...........................91 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CI Ciência da Informação CMS Content Management System CSH Conte Sua História DI Design da Informação HO História Oral OHDA Oral History in the Digital Age OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público SEC Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo TIC Tecnologias de Informação e Comunicação SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..........................................................................................................16 1.1 COMPLEXIDADE PÓS-CUSTODIAL NA WEB 2.0 E A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO ....................................................................................................29 2 O ESPÍRITO DA COISA ........................................................................................37 2.1 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, UMA CIÊNCIA INTERDISCIPLINAR? ...........44 2.2 WEBTRAJETÓRIA: DA OBRA DE ARTE ÀS TIC .........................................50 3 NOVAS HISTÓRIAS: MEMÓRIA, ORALIDADE E NOVA MUSEOLOGIA ...........60 3.1 NOVA MUSEOLOGIA E FATO MUSEAL NA WEB 2.0 ................................67 3.2 MEMÓRIA COMO WEB ARTEFATO ...........................................................69 4 PATRIMÔNIO INTANGÍVEL, TANGÍVEL: UM MUSEU HÍBRIDO ........................73 4.1 MEMORIAL DO MUSEU DA PESSOA: ONDE VOCÊ FAZ PARTE DA HISTÓRIA ...........................................................................................................81 5 PLATAFORMA APACHE SHIRO 1.0: CONVERGÊNCIAS E INTEROPERABILIDADES PARA UM MUSEU CUSTOMIZÁVEL ..........................98 5.1 DESIGN DA INFORMAÇÃO DA BASE DE DADOS PARA CURADORIA DIGITAL DO MUSEU DA PESSOA ..................................................................124 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................133 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................139 ANEXO I ..................................................................................................................152 ANEXO II .................................................................................................................165 MOTIVAÇÃO Nos anos 80, a formação em Letras, na Universidade de São Paulo, já anunciava o gosto da autora por caminhos hipertextuais, interdisciplinares e intersemióticos (PLAZA, 2003) do campo. No início dos anos 90, vivendo em um veleiro, tomou contato com culturas do litoral brasileiro a ilhas do Caribe; e, ao final da mesma década, morou e exerceu trabalhos rotativos em Degânia Alef, o primeiro kibutz de Israel, país em que se estabeleceu por oito anos. Se, em um primeiro momento, estas atividades parecem desconexas, foi pelo método desta navegação pessoal que pôde refletir sobre valores coletivos em diferentes contextos. Para Oliveira (1998), método seria um percurso escolhido, entre muitos outros possíveis, que revela, ainda que inconscientemente, não apenas questionamentos intelectuais, mas os valores políticos e éticos do pesquisador. De volta ao Brasil, tais experiências possibilitaram a criação e o desenvolvimento do Projeto Escrevivendo - oficinas de leitura e escrita para o cotidiano1, desenvolvido entre 2006 e 2012 na Casa das Rosas, um ambiente híbrido de patrimônio histórico e arquitetônico, museu (cujo acervo é bibliográfico), biblioteca circulante e centro cultural, na cidade de São Paulo. O Projeto ganhou cena e desenvolveu sentidos a partir do investimento em um trabalho orgânico e sistemático com a leitura e escrita, atividades que requerem competências como, por exemplo, o uso da memória. A conjunção entre habilidades como a tomada de decisões sobre informações e seu contexto; a apropriação e a adequação de linguagens, estruturas, códigos linguísticos, tipos e gêneros textuais; convergências e concepção de ideias, sua organização e seu entrelaçamento, orientou ao entendimento da língua não apenas como herança social e meio de ação (GARCEZ, 1998), mas como uma forma de construção coletiva do saber e seu compartilhamento. Observa-se que o trabalho com questões relativas ao protagonismo informacional e ao hipertexto (ainda que no suporte papel) já se realizava em relação aos registros memoriais. 1 O Projeto Escrevivendo foi idealizado e ministrado pela autora entre 2006 e 2012 na Casa das Rosas - um museu da Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo - e em outros centros culturais na cidade de São Paulo até 2017. O trabalho desenvolvido em Instituições de Informação como museus, bibliotecas e centros culturais como o Serviço Social do Comércio (SESC), passou a flertar com o olhar informacional (ARAÚJO, 2014) da Ciência da Informação (CI) a partir do interesse por mediação dialógica de conteúdos informacionais em nova interface: a blogagem em ambiência digital. Em 2008, a parceria com a comunidade CIAM - Ciência da Informação Arte e Mídia e sua Rede de Informação Colaborativa Experimental, braço da linha de pesquisa Intersemioses Digitais, resultou em um primeiro blog do Projeto Escrevivendo. Orientada pela Profa. Dra. Maria José Vicentini Jorente, tal pesquisa vincula-se ao programa de pós-graduação em Ciência da Informação do Departamento de Ciência da Informação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP de Marília). Posteriormente, vários outros blogs foram criados pelos próprios escreviventes2, assim como um site para suporte, armazenamento e disseminação do conteúdo informacional do Projeto em ambiência digital, na plataforma Ning3. Tais informações passaram a ser registradas, armazenadas e preservadas em ambiências para sua acessibilidade e recuperação na Web 2.0. Ainda, o falar de si e do seu fazer, cada encontro garantiu, ao Projeto e seus participantes, coletar, selecionar, registrar e disseminar objetos digitais híbridos, compostos por textos, imagens e vídeos na ambiência digital do Blogspot, cujo design da plataforma prevê, de modo top-down, emergências e protagonismos bottom-up (JOHNSON, 2003). Neuza Guerreiro de Carvalho4, participante da terceira idade que veio a se tornar a midiática “vovó blogueira”, em seu blog, pondera: Gostei da nova ferramenta, novidade para mim. E fui postando, fui postando e me admirando que tanta gente passasse pelo BLOG DA VOVÓ NEUZA. São poucos os comentários, porque mesmo as pessoas que leem não têm muito tempo, mas eu não ligo muito. Escrevo e posto para minha satisfação pessoal, de poder colocar no 2 Escrevivente é o neologismo que denomina o participante do Projeto Escrevivendo. 3 Link para Projeto Escrevivendo. Disponível em:< http://projetoescrevivendo.ning.com/>. Acesso: 4 dez. 2017. 4 Link para o blog da Vovó Neuza. Disponível em:< www.vovoneuza.blogspot.com>. Acesso: 11 out. 2017. ar meus pensamentos, aquilo que pesquiso e aprendo e que quero partilhar. E principalmente partilhar minhas memórias. Testemunhar um outro tempo, uma outra sociedade, outros valores. Também vou passar a usar links com textos que podem agregar conhecimentos. (JORENTE, 2009, p.194). Acrescenta-se que, no mesmo ano de 2008, a autora cursou a disciplina Infoeducação5, ministrada pelo Professor Dr. Edmir Perrotti, na pós-graduação da ECA/USP, oportunidade para ler ou reler autores como Benjamin, Morin e Bruner, agora sob o olhar da CI, e refletir sobre a ordem informacional dialógica, fundamental para o aprofundamento sobre conceitos como apropriação simbólica, significação e construção de conhecimentos. 5 Link para o blog do grupo Infoeducação. Disponível em: . Acesso: 11 out. 2017. 16 INTRODUÇÃO Nos anos 2000, concomitantemente ao desenvolvimento de ambiências digitais e a novas práticas, tradicionais Instituições de Informação, como arquivos, bibliotecas e museus repensavam-se em ambiências híbridas na Web 2.0 (O’REILLY, 2005). Assim, a problemática da pesquisa sobre o papel do Design da Informação (DI) na Curadoria Digital da ambiência digital do Museu da Pessoa6 parte da constatação de que, em tempos de custódia ampliada, ou pós-custodiais (RIBEIRO, 2010), novas ambiências de museus, na Web 2.0, propiciam formas de atuação cada vez mais interativas e colaborativas, resultando no aumento da quantidade de agentes informacionais institucionais e internautas visitantes. Em novo contexto, ambos devem se capacitar aos novos desafios informacionais propostos pela emergente Web Social (FUMERO, 2007) ou Web Colaborativa. A despeito da polêmica que se faz em torno do conceito Web 2.0, em What Is Web 2.0 Design Patterns and Business Models for the Next Generation of Software, O’Reilly (2005) aponta diferenças entre a Web 1.0 e a Web 2.0, esta última vertida em uma plataforma para a oferta de serviços que preveem, de modo top-down, emergências - propriedades que nascem da organização do conjunto e retroagem sobre ele (MORIN, 2000) - colaborativas bottom-up de novos agentes que nela adentram e interagem, como blogs, sites e wikis. Observa-se que atos de criação e indexação para o armazenamento e preservação da informação em ambiência digital, tendo em vista o acesso e o compartilhamento, passaram a ser relacionados e apresentados nos sistemas por meio do DI, uma subárea do Design, para a organização da informação, compreendido como a arte e a ciência de preparar informação a ser utilizada por pessoas de modo eficaz, tornando a comunicação eficiente por meio de palavras e imagens, entre outros meios convencionais ou digitais (JACOBSON, APUD OLIVEIRA; JORENTE, 2015, n.p.). 6 Link para a ambiência digital do Museu da Pessoa. Disponível em: . Acesso: 11 out. 2017. 17 Por sua vez, Oliveira e Jorente7 (2015), ao buscarem, no âmbito da CI, definir disciplinarmente o DI para o estabelecimento de um conceito-referência no que se refere à apresentação da informação, verificaram que, além de apresentação visual, deve-se compreender o papel do DI também na representação eficaz da informação. Aponta-se que novos fazeres pós-custodiais em ambiência digital de tradicionais Instituições da Informação, como arquivos, bibliotecas e museus, exigem novos saberes e novas representações padronizadas de dados que sejam convergentes com linguagens computacionais que os traduzam para efetivas interoperabilidades entre sistemas complexos, tendo em vista atender a necessidades tanto de armazenamento e preservação da informação quanto de seu acesso e compartilhamento; ou seja, uma Curadoria Digital. Como extensão do pensamento de Bell e Shank em (2004), a partir do que os autores afirmam sobre bibliotecários de bibliotecas acadêmicas, entende-se que os agentes informacionais atuantes em Instituições de Informação contemporâneas devam agir como um blended librarian, ou seja, um profissional híbrido capacitado para a mescla de ações que justapõem múltiplas disciplinas em ambiências digitais de tais instituições. Para Padrón e Jorente (2017), o objetivo pós-moderno das representações seria representar a informação de forma coerente e sistemática para o desenvolvimento de um sistema informacional arquivístico a ser adotado em formatos e suportes diversos. Principalmente, seu objetivo seria integrar dados de diferentes Instituições de Informação para “[...] o acesso simultâneo a partir de múltiplas perspectivas (tempo, espaço, matéria e procedência), bem como permitir a reutilização de dados da web” (PADRÓN; JORENTE, 2017, p.109, tradução da autora). Tal integração de dados pressupõe uma Curadoria Digital que, segundo o Digital Curation Centre8 (DCC), é um processo voltado à manutenção e à preservação de dados digitais durante o seu ciclo de vida, objetivando maior acesso, durante um longo prazo. Tais ações minimizam o risco de obsolescência digital e, 7 Link para Design da Informação e Ciência da Informação: uma aproximação possível. XVI Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, 2015 (XVI ENANCIB): < http://www.ufpb.br/evento/lti/ocs/index.php/enancib2015/enancib2015/schedConf/presentations>. Acesso em: 4 fev.2018. 8 Link para DCC. Disponível em: . Acesso: 9 dez. 2017. 18 ainda, valorizam as informações que, idealmente armazenadas em repositórios digitais confiáveis, poderão ser acessadas e compartilhadas. Segundo o DCC, o trabalho realizado em equipe multidisciplinar para desenvolvimento do processo de Curadoria Digital envolve a concepção e a criação de objetos digitais, incluindo métodos para captura de dados e opções para seu armazenamento. Neste contexto, o estudo observa o DI organizador do processo de Curadoria Digital do Museu da Pessoa. Abaixo, na Figura 1, observa-se o modelo de Curadoria Digital de Higgins (2008) adotado pelo DCC (destinado a dados científicos de pesquisa) que oferece um gráfico para visualização das etapas requeridas (ações sequenciais) para as boas práticas de gestão da informação em ambiência digital: Conceitualização, Criação e/ou Recebimento, Avaliação e seleção, Ações de preservação, Armazenamento, Acesso, uso e reuso e Transformação. Figura 1 - DCC Curation Lifecycle Model. Fonte: site do Digital Curation Center : http://www.dcc.ac.uk/. Conforme Sayão e Sales (2012, p. 185), descrição e representação da informação; planejamento da preservação; participação e monitoramento; curadoria e preservação seriam ações sequenciais de um modelo que também estabelece 19 ações ocasionais a serem aplicadas eventualmente, como a eliminação, a reavaliação e a migração. Para os autores, “Essas ações interrompem ou reordenam as ações sequenciais como desdobramento de uma decisão.” (SAYÃO; SALES, 2012, p. 186). Em virtude dos novos fazeres em ambiência digital, como a Curadoria Digital, entende-se a necessidade de uma ampla discussão acadêmica tanto para se repensar conceitos sobre multi, inter, e transdisciplinaridades quanto pensar sobre o diálogo possível entre a CI, a Museologia, a Arquivologia, a Biblioteconomia (ARAÚJO, 2014), o DI e Curadoria Digital. Conforme Padrón e Jorente, no que se refere a quantidades exponenciais de informação na pós-modernidade, “A teoria da complexidade busca articular a fragmentação que foi imposta às disciplinas cientificas a partir de constituição epistemológica durante o predomínio do cartesianismo.” (PADRÓN; JORENTE, 2017, p.105, tradução da autora). Neste sentido, ao contrário do pensamento linear cartesiano, a perspectiva da complexidade, que comporta paradoxos e antagonismos, tenta melhor responder à crise instalada nas ciências a partir da segunda metade do séc. XX. Como possibilidade de um olhar contemporâneo para a informação, o estudo relaciona, de modo holístico, áreas e subáreas como o CI, o DI e a Curadoria Digital. Para a compreensão do desenho de convergências de linguagens híbridas criadoras de ambiências digitais, como a plataforma que suporta o Museu da Pessoa, observa-se elementos básicos descritos graficamente no modelo de Garrett (2003). Segundo o autor, a interação entre subáreas do Design na concepção de tais ambiências parte de um nível abstrato para atingir sua concretude. Assim, o Design Visual (concreto) que se apresenta pelo Design Gráfico reflete um Design de Interação planejado a partir de necessidades do internauta, objetivos do site, especificações funcionais e conteúdos informacionais (abstratos). Entre uma camada e outra, o DI converge e traduz linguagens para as efetivas mediações institucionais. Conforme Lemos e Jorente (2017), informações transformadas por meio de linguagens híbridas ressignificam o informar, alterando cenários por meio da ação coletiva e configurando um novo DI. Neste sentido, destacam-se as comunicações top-down e bottom-up entre os atores da informação no Museu da Pessoa, ou seja, 20 entre os customizadores da plataforma Apache Shiro 1.0 (top-down), artistas do controle (JOHNSON, 2003), os internautas mediadores institucionais ou pesquisadores9 que administram sua base de dados; e os internautas visitantes (bottom-up): todos praticantes do DI (HORN, 1999) por projetarem, nas diversas camadas hipertextuais do sistema, das mais às menos aparentes, uma narrativa intersemiótica e de natureza multimodal. Em ambiência digital, novas representações, como metadados10, descrevem conteúdos informacionais a partir de linguagens textual, sonora, e imagética; e os novos atores informacionais devem se capacitar para novas interações em ambiências digitais. Neste sentido, observa-se a convergência do DI com demais sistemas complexos como a Curadoria Digital, no âmbito da CI, para a construção intencional de memórias de pessoas ou comunidades na Web 2.0. O modelo comunicacional da plataforma livre e Open Source, ou de código aberto, Apache Shiro 1.0 - em que se apoia o sistema memorial do Museu da Pessoa para o armazenamento, preservação e compartilhamento de coleções de memórias e histórias de vida - é entendido como um contexto digital de ressignificação de sentidos estritos (ARAÚJO, 2014), a partir de convergências de linguagens de natureza multimodal que permitem interoperabilides entre subsistemas e sistemas abertos e dinâmicos. Na plataforma, a ressignificação de memórias, fatos museais (RÚSSIO, 2010) intangíveis, é conferida por meio de Curadoria Digital projetada de forma multidisciplinar (BICALHO; OLIVEIRA, 2011), a partir de metodologia do Design de Convergências (JORENTE, 2014). Como um constructo social no âmbito da CI, a pesquisa que se delineia como descritiva partiu de exploração por observação planejada - indireta (reconhecimento e navegação) e direta por imersão da própria autora para verificação do DI facilitador da produção de Web artefatos (documentos nato digitais) a partir do simulacro ou affordances para emergências do internauta visitante – na ambiência digital do Museu da Pessoa. Para a observação participativa direta, optou-se pela metodologia 9 O termo pesquisador refere-se aos agentes institucionais que atuam na base de dados do Museu da Pessoa, pois a pesquisa, a preservação e a comunicação são o tripé da Museologia. 10 Segundo Michael Day em Curation Reference Manual do Digital Curation Center (DCC), metadados é uma maneira de se referir a dados que suportam o gerenciamento de outros dados e informações. Link para metadata: . Acesso em: 9 fev. de 2018. 21 adaptável etnografia virtual (HINE, 2000) que, por vezes, confunde-se com a netnografia11 (KOZINETS, 2014), pois ambas são adaptações das técnicas de pesquisa antropológicas etnográficas para o estudo de culturas e comunidades online. O recorte tecnológico da linha de pesquisa em que se insere o estudo no âmbito da CI, por sua vez, objetiva a compreensão de interações mediadas por Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e do papel dialógico do DI na Curadoria Digital do Museu, tendo em vista a interação entre pessoas e computadores; e não propriamente a compreensão de conteúdo informacional produzido a partir da comunicação entre internautas visitantes que no Museu da Pessoa adentram12. Assim, optou-se por aporte metodológico imersivo, porém adaptável a culturas digitais. Observa-se que a etnografia virtual não prescreve regras ou uma receita de como deve se adaptar ao entorno online; nesta metodologia, cada pesquisador pode traçar suas próprias adaptações em função do contexto digital. Neste sentido, planejou-se a observação direta a partir do Design Visual (GARRETT, 2003) como resultado de estratégia e estrutura prévias - fundadas em objetivos institucionais, em metas relacionadas a necessidades do público, em especificações funcionais, em conteúdos informacionais, em modos de navegação, na interatividade e, ainda, fundadas em convergências com redes sociais: um todo sistêmico relacionado por um DI definido em e para a Curadoria Digital do Museu. Destaca-se que a descrição da interatividade verificou-se em observação participativa indireta na Homepage e direta por imersão em interfaces de CSH, explorada e experimentada inicialmente pela autora em 2016, quando participante da Formação em Digital Storytelling13, oferecida pelo Museu da Pessoa no Centro de 11 Kozinets, sobre a Netnografia no site Brand New World, em 2013: “Netnografia implica um conjunto específico de procedimentos etnográficos on-line caracterizados por uma metodologia particular, incluindo um fundo epistemológico, estruturas analíticas e um conjunto consistente e evolutivo de diretrizes para entrada, observação, análise de dados, ética, etc.” (tradução da autora). Link para Brand New World: . Acesso em: 11 fev. 2018. 12 Observa-se que a conversação direta entre os visitantes do Museu da Pessoa, em fórum ou chat, não é o foco do sistema memorial; a comunicação entre internautas é feita por meio da leitura de suas histórias de vida publicadas como acervo passível de reusos. 13 Digital Storytelling é uma metodologia desenvolvida por Lambert (2002), fundador do movimento internacional Digital Storytelling e diretor executivo do Center for Digital Storytelling que conta com 22 Pesquisa e Formação do Serviço Social do Comércio (SESC). Observou-se como o DI apresenta e representa uma estratégia para a coleta online de novos conteúdos informacionais ou acervos, coleções de histórias de vida. Objetivou-se investigar a implicação do DI na interação entre sujeitos e ambiente digital para emergência de participações e publicações do internauta visitante, e também do agente informacional que atua na base de dados do sistema (interface administrativa) tendo em vista colaborações por meio de criação e indexação de novos acervos informacionais passíveis de reuso, ações características de sistemas complexos (JORENTE, 2017) a partir de affordances, propriedades do ambiente em relação a um observador (GIBSON, 1979), sugestivas para tais funcionalidades. Entende-se com Jorente que da propriedade emergência – affordance (JORENTE, 2017, p. 186) deriva o princípio da mutualidade sujeito-ambiente. Em nosso contexto, internautas estariam “sujeitos à criação de hábitos que moldam e são moldados pelo ecossistema no qual se insere”, o que sugere um “continuum espaço-temporal entre o homem e o mundo, de acordo com as principais mudanças e as novas formas de viver, intensamente permeadas pelas TIC” (JORENTE, 2017, 186). Notadamente, os elementos de Design Visual observados na ambiência digital do Museu da Pessoa situam-se em dimensão visível ao observador. Para reflexões sobre esta e também sobre dimensões menos aparentes do sistema, em revisão bibliográfica buscou-se conceitos como Curadoria Digital, a partir do DCC, de Sayão e Sales (2012) e de Brayner (2017); e como DI, a partir de Horn (1999), Jacobson (1999), Garrett (2003), Lemos e Jorente (2017), Padrón e Jorente (2017) e Flores (2016), superando a ideia de que o DI relaciona-se apenas ao belo ou a informações visuais. Para Jacobson (APUD OLIVEIRA; JORENTE, 2015, n.p.), o DI oportuniza uma comunicação eficiente por meio de palavras e imagens, entre outros meios convencionais ou digitais. Buscou-se, assim, por meio do quadro teórico criado, investigar relações sistêmicas à luz do paradigma pós-moderno da complexidade, a fim de contextualizar a problemática em que se delineia o próprio problema do estudo (ALVES, 1992). o apoio da Fundação Kellog. Link para para Center for Digital Storytelling. Disponível em: < http://www.storycenter.org > Acesso em: 20 mar. 2018. 23 Ainda, buscou-se entrelaçar conceitos oriundos das áreas Metodologia do Trabalho Científico (BUFREM, 2013), História Oral (THOMPSON, 1992), Museologia (RÚSSIO, 2010) Nova Museologia (SANTOS, 2002), Mediação Cultural (PERROTTI; PIERUCCINI, 2014), pós-custodialidade e mediação institucional (RIBEIRO, 2010). Do conjunto, destacam-se as meta pesquisas realizadas em dissertações sobre o próprio Museu da Pessoa, como a dissertação de Henriques (2004) - Memória, museologia e virtualidade: um estudo sobre o Museu da Pessoa; e na dissertação de Herzog14 (2014) - Sistema para indexação e visualização de depoimentos de história oral – O caso do Museu da Pessoa, que complementam informações obtidas por meio do portal do Museu, exploram conceitos e auxiliam no estudo histórico do Museu da Pessoa e de suas transformações tecnológicas, principalmente após o advento da Internet (Web 1.0 e Web 2.0). Finalmente, destaca-se a observação no Manual da Base de Dados do Museu da Pessoa (MUSEU DA PESSOA, 2017), um guia interno, de autoria coletiva, escrito pela equipe multidisciplinar de pesquisadores do Museu e passível de edições e atualizações, que possibilitou a verificação de processos da Curadoria Digital na base de dados do sistema memorial em práticas informacionais de internautas institucionais na interface interna administrativa do Museu da Pessoa (invisível ao internauta visitante). Na criação do conceito de pós-custodial, Ribeiro (2010) compreende que acervos e coleções de histórias e memórias pessoais e coletivas redimensionam sistemas de informação para além de suas versões e suportes tradicionais na a Web 2.0; e, na mesma direção, Lemos e Jorente (2017), entendem que, em novos sistemas bottom-up (JOHNSON, 2003), o paradigma custodial cede espaço a uma forma mais oblíqua de criação do conhecimento. Fruto do paradigma do acesso e custódia ampliada, o Museu da Pessoa vem a ser um museu que tem, como fato museal (RÚSSIO, 2010), histórias de vida, um patrimônio intangível. Pela ótica de Rússio15 e de acordo com a Nova Museologia, o 14 Pedro Herzog é mestre em Design e Tecnologia. Em seu estudo sobre modelo de indexação na base de dados do Museu da Pessoa, o autor sugere recursos de DI a serem adotados em Curadoria Digital para indexação de trechos de vídeos, utilizando-se da plataforma Shiro 1.0, ainda em fase beta, desenvolvido em framework Code Igniter (PHP/MySQL). 15 Observa-se que o pensamento de Rússio apoia-se na tríade, Museu-Homem-Sociedade. Tal entrelaçamento destaca o homem e seus contextos, oportunizando a leitura do objeto musealizado, para além do que possa simbolizar ou ter simbolizado. 24 fato museal não é, a priori, um objeto musealizável16, mas algo que pode se estabelecer em decorrência da relação do homem e seu contexto. Neste sentido, a idealizadora e diretora do Museu da Pessoa desde sua abertura, em 1991, Karen Worcman toma, como ponto de partida para seu trabalho de coleta, organização, classificação e catalogação destas memórias- acevo, o conceito de História Oral (HO) de Paul Thompson (1992), o que os tornam autores básicos para o entrelaçamento de conceitos fundadores do Museu; entendo- se a HO como um processo transformador da História tradicional por meio da escuta e do registro das histórias de vidas de qualquer pessoa (HENRIQUES, 2004, p.80). Por sua vez, Araújo (2014), a partir do contemporâneo paradigma do acesso, provoca conversações ao propor o diálogo entre sistemas complexos como arquivos, bibliotecas, museus e a CI, como um resgate de ações humanas como in- formar e se- in-formar (ARAÚJO, 2014, p.154). Para a verificação das transformações no design e desígnios em ambientes Web 1.0, 2.0 e 3.0 como suportes informacionais, a leitura de Quando as Webs se encontram... (JORENTE; SANTOS; VIDOTTI, 2009), fez-se indispensável, pois a ambiência digital do Museu, em constante atualização, adquiriu característica própria por se tratar de uma Curadoria Digital colaborativa entre internautas institucionais e internautas visitantes, agentes da informação que nela adentram e interagem. Sobre DI, o pensamento de Jorente (2017) em Relações Sistêmicas entre a Teoria da Complexidade, o Design da Informação e a Ciência da Informação na pós- modernidade orientou a leitura da dissertação de Herzog (2014) que oferece dados sobre a plataforma Apache Shiro 1.0 desenvolvida pelo escritório Plano B17 para o Museu da Pessoa - conforme objetivos e funcionalidades pretendidas pela instituição para oferta de serviço ao público – utilizada a partir de 2013. Tais informações e conhecimentos foram fundamentais para a verificação do DI adotado em etapas da Curadoria Digital do sistema memorial. 16 Conforme o verbete musealização em Conceitos –chave de museologia (p. 56, 2013): “De um ponto de vista mais estritamente museológico, a musealização é a operação de extração, física e conceitual, de uma coisa de seu meio natural ou cultural de origem, conferindo a ela um estatuto museal – isto é, transformando-a em musealium ou musealia, em um “objeto de museu” que se integre no campo museal”. Link para Conceitos –chave de museologia:. Acesso em: 11 fev. 2018. 17 Link para Escritório de Design que tem como um de seus diretores Pedro Herzog, Plano B: . Acesso:4 fev. 2018. 25 Além dos autores mencionados, o estudo apoia-se em ideias de pensadores clássicos como Benjamin (1989), Horkheimer e Adorno (2002), Bush (2011), Engelbart (2003), Borko (1968), Nelson (1999) e Berners-Lee, Hendler e Lassila (2010). Faz-se, ainda, igualmente indispensável a leitura de Morin (2000) a respeito do paradigma da complexidade que transcende a noção tradicional sobre organização. Por entender o Museu da Pessoa como um fenômeno resultante de um DI que prevê convergências entre sub áreas da CI com o DI e com a Curadoria Digital, entre outras áreas como História e Ciência da Computação, foi fundamental a investigação de conceitos como pluri, multi, inter e transdisciplinardade no esforço de descrever o Museu em sua complexidade. Para se ter uma ideia da vivacidade das discussões sobre tais questões, na seção 2.1: CI, uma ciência interdisciplinar?, aborda-se o pensamento de estudiosos como Bicalho e Oliveira (2011) e Pombo (2008) sobre os conceitos de multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade. Assim, ao objetivo geral da pesquisa: descrever como o DI, definido em e para sua Curadoria Digital, estrutura e organiza as interfaces Homepage e CSH da ambiência digital do portal do Museu da Pessoa e das páginas Principal e Nova História da sua base de dados, somam-se os seguintes objetivos específicos: levantar as transformações tecnológicas do Museu da Pessoa desde sua origem (1991); conhecer como se desenham e se apresentam os conteúdos informacionais em interfaces do seu ambiente digital a partir de suas Homepage (back-end e front- end); identificar convergências de linguagens e interoperabilidades entre subsistemas e sistemas, recursos do DI previstos em e para Curadoria Digital do Museu da Pessoa; verificar quais as implicações do DI nas interações entre pessoas e o ambiente digital do Museu (Design de Interação) e reconhecer o papel do DI na Curadoria Digital do Museu da Pessoa, respondendo ao problema da presente pesquisa. Para Bufrem (2013), a construção epistemológica do objeto científico equivale a buscas e alinhavos de uma trajetória que se dão ao mesmo tempo. Assumindo-se o objeto de pesquisa em CI como um constructo sociocultural a partir de problemática observada e da qual se extrai um problema inexistente a priori, o problema do presente estudo pode ser entendido como uma emergência - fruto de 26 determinada problemática, renovada pelo olhar acadêmico e científico do pesquisador. Observa-se nesta introdução que, no esforço de uma articulação de raciocínios, descreve-se a busca de um rumo metodológico do estudo para que sirva como roteiro da dissertação. À dimensão teórica do estudo, ainda segundo Bufrem (2013), mescla-se uma dimensão epistemológica, em que se definem, a partir de revisão bibliográfica, pressupostos e conceitos básicos para a compreensão e a descrição do objeto da pesquisa, assim como de seu problema, estabelecendo relações entre a teoria e um universo de termos significativos a serem investigados. O estudo apresenta a teoria aplicada ao mundo dos acontecimentos, ou seja, em ambiência digito-virtual (JORENTE, 2017) do Museu da Pessoa, em que cabem interpretações contextuais referentes aos objetivos da pesquisa. Nota-se que, desde o planejamento do estudo, operações técnicas para a obtenção e posterior descrição do verificado foram definidas, como a observação participativa indireta em sites, livros, artigos e trabalhos acadêmicos, entre outros, e a observação participativa direta por imersão, técnica adotada em etnografia virtual (HINE, 2000); e estudo histórico no portal e sobre o portal do Museu. A partir de tais meios, objetiva-se a comunicação da investigação, tendo em vista a ampliação de discussões no domínio científico. Deste modo, buscou-se apresentar o Museu da Pessoa em dimensão conceitual e no plano dos acontecimentos, reconhecendo-se como uma Rede Internacional de Histórias de Vida, e tendo como slogan uma história pode mudar seu jeito de ver o mundo. O Museu apoia-se na crença de que todo ser humano, anônimo ou célebre, tem o direito de eternizar e integrar sua história à memória social18. Para o historiador inglês e um dos principais pensadores contemporâneos da HO, Thompson19 (2005): 18 Lê-se em Henriques (2004, p.16) sobre pensamento de Halbwachs (1990) que “Os estudos sobre a memória social ganharam fôlego nas obras de Maurice Halbwachs, sociólogo francês e discípulo de Durkheim. Criador do conceito de memória colectiva, Halbwachs via o homem como um ser social. Ele defende o carácter eminentemente social da memória, ou seja, a memória é sempre construída pelo grupo, mesmo sendo uma construção individual.” 19 Paul Thompson é autor de A Voz do Passado (1992); editor-fundador de Oral History; fundador da National Life Story Collection na British Library, em Londres, e membro do Conselho Consultivo do Museu da Pessoa. 27 A história oral é considerada atualmente parte essencial de nosso patrimônio cultural. Essa é uma situação muito nova e, olhando para o futuro, acho que há possibilidades imensas, por exemplo, para criar novas conexões entre as pessoas em mundos sociais e geográficos diferentes; através do oral, criando novas solidariedades e novos entendimentos. (THOMPSON, 2005, p.19). Metodologicamente, evidencia-se no estudo a preocupação ética com relação à fidedignidade de créditos autorais, à fiel descrição do observado e à constante vigilância em relação à postura investigativa (BUFREM, 2013). Uma vez que a produção e a comunicação científicas constroem sentidos ao revelarem um mundo dinâmico, a pesquisa científica, ao falar da própria metodologia, verte-se em meta pesquisa. Ainda segundo Bufrem (2013), dessa cultura será produzido o conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos a serem selecionados, organizados e transmitidos; sobre os quais trabalham ou trabalharão os pesquisadores em seus estudos científicos que, no contexto, abrange temas como HO, memória, identidade cultural na pós-modernidade (HALL, 2006), Museologia, DI e Curadoria Digital, entre outros. O presente estudo sobre o Museu da Pessoa, um museu reconhecidamente híbrido ou virtual, justifica-se por buscar contribuir para o entendimento não apenas epistemológico, mas acadêmico e transdisciplinar do Museu e, principalmente, por dar um passo necessário em direção à compreensão técnico-científica sobre como o DI prevê convergências de linguagens, codificações multimodais e interoperabilidades entre sistemas (JORENTE, 2012) em ambiência digital. Do ponto de vista político-social, a descrição do processo de Curadoria Digital do Museu da Pessoa poderá servir de modelo a sistemas que também objetivem a socialização da informação mediada por TIC, alargando noções sobre HO, memória, patrimônio imaterial ou intangível, linguagens, tecnologia e cidadania. Por meio de estudo histórico do Museu, observado em Henriques (2004), verifica-se que Museu da Pessoa já era considerado virtual antes mesmo do advento da Internet. Segundo a autora, ele foi concebido para ser um museu virtual de histórias de vida20 e abriga, desde sua gênese, a noção de virtualidade e o intuito de 20 Segundo Henriques (2004), inicialmente, antes do advento da Internet, pensou-se na divulgação das histórias de vida do Museu da Pessoa por meio de CD-ROMs, livros, exposições e até em um tipo de quiosque multimídia. 28 se repensar o espaço museal, entendido como algo que possa existir potencialmente. Conforme Henriques (2004), um museu virtual possibilitaria a interação entre pessoas e determinado património de forma virtual, sem o deslocamento em espaço físico. Assim, a “[...] criação de um museu de histórias de vida quase que pressupõe a criação de um museu virtual, uma vez que é impossível musealizar pessoas, no sentido tradicional do termo, tal como musealizamos objetos.” (HENRIQUES, 2004, p.66). Verifica-se que questões técnicas e tecnológicas, como as que se interligam a conceitos relacionados a patrimônio cultural, inclusão social, bens culturais, espaços democráticos físicos ou virtuais e mediação institucional, foram as perspectivas sobre as quais o Museu da Pessoa se apoiou e se ergueu, em 1991, na cidade de São Paulo. Neste sentido, de acordo com tais temas e particular visão política e social, entrelaçados à CI, buscam-se conceitos para a compreensão epistemológica do objeto do estudo que possam suportá-lo, tendo em vista a sistematização de conhecimentos e a reflexão sobre o papel do DI no processo de Curadoria Digital do sistema memorial Museu da Pessoa. O estudo fundamenta-se na investigação de acontecimentos e processos constitutivos e de desenvolvimento do Museu da Pessoa, assim como nas relações colaborativas que foram surgindo a partir da ideia de sua fundadora e diretora, Karen Worcman, graduada em História e mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Da mesma forma, a biografia institucional (concepção, desenvolvimento, consolidação, modificações e marcos históricos) constante no portal do Museu, no link História, entre outras fontes, também foram dados relevantes sobre o objeto pesquisado. As observações participativas indireta (leitura multimodal, navegação e busca de informações) e direta (imersão para criação e indexação por rotulagem (tag) de objetos digitais) para reconhecimento de possíveis interações que embasam o DI em interfaces Homepage e CSH ia do Museu da Pessoa compreendeu tanto a verificação de convergências e interoperabilidades que designam sua forma estrutural a partir de especificações funcionais (da aparente à menos aparente, em camadas do hipertexto) quanto a verificação dos conteúdos informacionais nelas contidos, como exposições e coleções de histórias de vida, projetos educativos, 29 programação cultural, publicações institucionais21, notícias, artigos e teses acadêmicas – escopo definido estrategicamente em equipe multidisciplinar, baseado em objetivos do produto Museu da Pessoa e as necessidades dos consumidores internautas que, no processo, também são praticantes do DI (HORN, 1999) e curadores do sistema memorial. 1.1 COMPLEXIDADE PÓS-CUSTODIAL NA WEB 2.0 E A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO Observa-se que, assim como arquivos e bibliotecas, a partir da Segunda Guerra Mundial, o museu tem se repensado e, no cenário contemporâneo, tende a ser um ambiente convidativo, propício a diálogos e trocas bilaterais de informações entre a instituição e o visitante, promovedor de interação entre seu acervo e diferentes públicos, assim como ambiente para mediações culturais (PERROTTI; PIERUCCINI, 2014) e institucionais (RIBEIRO, 2010). Propiciador de vivências e experiências elaboradas por agentes profissionais da informação ou atores de áreas inter-relacionadas, como educação, jornalismo e comunicação, busca uma mediação dialógica entre a instituição e diversos públicos por meio de visitas orientadas, cursos, oficinas, palestras e workshops presenciais. Ainda, por meio de serviços e produtos virtuais em interfaces digitais como Facebook, Websites, Twitter e blogs - o museu contemporâneo pretende, por meio de mediações culturais midiatizadas, estabelecer relações sociais (PERROTTI; PIERUCCINI, 2014) ao fazer com que o visitante internauta, em ambiência digital, reflita, criticamente, a partir e para além de seu objeto. 21 Entre outras publicações, destaca-se a Tecnologia Social da Memória (2009), entendida institucionalmente como um método capaz de sanar problemas sociais, de forma simples e a baixo custo. Trata-se de uma metodologia de trabalho com História Oral desenvolvida pelo Museu para captação de acervo de histórias de vida por meio de entrevistas. A publicação é organizada em cinco capítulos: Do que estamos falando, Ideias viram projetos, Construir histórias, Organizar histórias e Socializar histórias. Link para TSM. Disponível em:< http://www.museudapessoa.net/pt/entenda/portfolio/publicacoes/metodologia/tecnologia-social-da- memoria-2009>. Acesso: 11 out. 2017. 30 Para Perrotti e Pieruccini (2014), o termo mediação cultural pode ser utilizado em vários contextos e em um conjunto multiforme de práticas culturais. Neste quadro, os autores creem na necessidade de se entender tal noção como situacional ou como uma categoria referente a processos precisos e observam que, apesar de a noção de mediação cultural abrigar certa opacidade22, ela pode ser elevada a uma categoria entendida não apenas como metáforas da passagem ou de elos sociais, mas como um terceiro (DAVALLON, 2004) elemento - de dimensão simbólica - que não se situa entre, mas sim estabelece a comunicação entre pessoas, propiciando o viver junto entre si (CAUNE, 1999). A mediação cultural é tida, neste contexto, como produtora de atos de significação (BRUNER, 1997). Em retrospectiva, observa-se que a história institucional dos museus - de gabinetes particulares de curiosidades (séculos XV e XVI) pertencentes à nobreza e à realeza que se abriam a público restrito, passando pelos museus modernos (séculos XVIII e XIX), chegando ao museu contemporâneo - aponta que, nem sempre, esta foi a sua vocação. Ao contrário, no paradigma custodial, historicista, patrimonialista e tecnicista, a ideia da preservação e da guarda da memória teve sempre uma preferência muito grande em detrimento à ideia do acesso (RIBEIRO, 2010). Neste sentido, Araújo (2014) lembra-nos que, “[...] na esteira do positivismo, foram privilegiadas as técnicas de tratamento (descrição, inventário, classificação, conservação, exposição) dos acervos custodiados nas instituições” (ARAÚJO, 2014, p.6). A função de salvaguarda oportunizou, durante muito tempo, ao profissional da informação, um estatuto de técnico especializado e erudito que o transformava num elemento indispensável em uma curadoria preservacionista da informação e para uma mediação passiva, típicas de paradigmas da CI anteriores ao pós-custodial (RIBEIRO, 2010), a saber, o paradigma físico e o paradigma cognitivo (CAPURRO, 2007). À importante função de salvaguarda atribuída ao profissional de Instituições de Informação aliava-se o poder ou domínio sobre a informação que, dependendo do seu humor, permitia ou não o acesso a informações, podendo, por vezes, 22 Segundo Perrotti e Pieruccini (2014, p.2): “Tal “opacidade”, no entanto, necessita ser enfrentada no terreno científico, considerando-se que para tornar-se operatória, a noção deve ganhar objetividade e precisão, condição para atingir nível teórico, além de reconhecimento científico”. 31 dificultar a vida dos que as buscavam: disponibilizar em nome do direito à informação ou guardar a sete chaves em nome da privacidade dos cidadãos ou dos interesses do Estado (RIBEIRO, 2010, p. 64). Ainda segundo a autora, o fenômeno da explosão informacional do pós- guerra inaugura um novo paradigma pós-custódial ou de custódia ampliada que, mesmo convivendo com teorias e práticas de paradigmas anteriores, oferece novos desafios aos designers da informação responsáveis pela curadoria dos ambientes digitais como bases de produção, armazenamento, recuperação e disseminação de informação. Neste sentido, de acordo com Ribeiro, a Internet revoluciona e instaura “[...] o reordenamento possível para os serviços de informação e para os comportamentos de mediadores [...] em especial, os info-incluídos e os born digital ou nativos da Internet.” (RIBEIRO, 2010, p. 68). Dentre os serviços de informação aos quais Ribeiro se refere, destaca-se o do prestado pelo cientista da informação que atua em equipe multidisciplinar e desenvolve, com base em conhecimentos epistemológicos e técnicos da CI, plataformas ou softwares customizáveis. Espécie de artistas do controle (JOHNSON, 2003, p.121), eles atuam em sistemas abertos, dinâmicos e auto organizáveis, convergentes e interoperáveis devido ao DI previsto em e para Curadoria Digital colaborativa. Como recursos organizadores do DI, para além dos elementos de Design Gráfico e de identidade visual de superfície (GARRETT, 2003) em ambiências digitais, observa-se em Jorente que o conceito de affordance se torna importante para o DI devido a sua “[...] função contextualizadora do potencial das linguagens e codificações envolvidas nas formatações dos objetos e das representações” (JORENTE, 2017, p.189). No limite, a contextualização permite, aos desenvolvedores do sistema, provocar interações previstas. Neste sentido, entende-se o DI como um tradutor semiótico do Design de Interação estrutural do sistema. Ainda, como recurso menos aparentes do DI, no âmbito da CI, observa-se modos de classificação e indexação; uso (ou não) de vocabulário livre ou controlado, ontologias, tesauros, taxonomias resultantes de cauda longa e nuvem de etiquetas: metadados controlados em sistemas decentralizados por meio de Curadoria Digital (SAYÃO; SALES, 2012). 32 Estes podem ser recursos que contribuam, mesmo que aperceptivamente, para uma mediação entre internautas que atuam colaborativamente na Web 2.0 em interfaces interativas desenhadas por profissionais da informação em plataformas digitais. Assim, formas customizadas de registros de documentos digito-virtualizados (JORENTE, 2017) podem favorecer a recuperação da informação em buscas e buscas avançadas, possibilitando, ao internauta, o acesso ao conteúdo informacional da ambiência digital. Observa-se que quanto mais convergentes e normalizados os códigos de metadados traduzidos por linguagens computacionais padronizadas, maior será a interoperabilodade entre sistemas e subsistemas Open Source23, como o Apache Shiro 1.0. - entre outros modelos de plataformas atualizadas depois desta. Por vezes mais, por vezes menos aparente, o DI apresenta e representa o Design de Convergência (JORENTE, 2014) em camadas hipertextuais de sistemas como o Museu da Pessoa. Em O Papel do Design da Informação na Curadoria Digital do Museu da Pessoa24, Kahn e Jorente (2016) recordam que: Como, originalmente, o termo design provém da raiz romana designare, aproveitamos aqui a polissemia para pensar o design não apenas como desenho e recurso projetual, mas também como um ato designador, ou seja, como aquilo que determina, em nosso contexto, a apresentação da informação museal em interfaces de interação. (KAHN; JORENTE, 2016, p.30). Nesta perspectiva, faz-se necessário que o profissional da informação coexista, de forma interativa e colaborativa, com outros atores complementares da informação e comunicação (RIBEIRO, 2010), todos praticantes de DI (HORN, 1999). Como resultado, ao se justapor disciplinas, pode- se criar sistemas memoriais 23 De acordo com a Wikipédia, a definição do Open Source foi criada pela Open Source Iniciative (OSI) a partir do texto original da Debian Free Software Guidelines (DFSG). Código aberto, ou Open Source, em inglês, é um modelo de desenvolvimento que promove um licenciamento livre para o design ou esquematização de um produto, e a redistribuição universal desse design ou esquema, dando a possibilidade para que qualquer um consulte, examine ou modifique o produto. Link para Open Source: . Acesso em: 9 fev. 2018. 24 Link para O Papel do Design da Informação na Curadoria Digital do Museu da Pessoa. Disponível em: . Acesso: 11 out. 2017. 33 complexos como o Museu Pessoa que, em ambiência digital, rompe fronteiras disciplinares em suas práticas. Em Arquivologia, biblioteconomia, museologia e ciência da informação: o diálogo possível, Araújo (2014) recorda, já na introdução que, em fevereiro de 2013, “[...] ocorreu a primeira reunião do acordo de cooperação assinado entre o Arquivo Nacional, a Fundação Biblioteca Nacional e o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) em dezembro de 2011” (ARAÚJO, 2014, p.1). Para o autor, a existência deste acordo evidencia a tendência pós-custodial de convergência entre as áreas [...] um claro sinal de que os desafios colocados pela preservação e pelo acesso, nos tempos atuais, transcendem as fronteiras da atuação isolada de arquivistas, bibliotecários e museólogos, convocando-os a necessariamente atuar em parceria e também em conjunto com profissionais de diferentes áreas, como das tecnologias da informação, da gestão, entre outras. (ARAÚJO, 2014, p.1). No âmbito da CI, o fenômeno tecnológico observado em práticas contemporâneas tem refletido paralelamente na formação acadêmica de novos arquivistas, bibliotecários e museólogos - cientistas da informação - e, segundo Araújo (2014), verificam-se diálogos entre as subáreas na Universidade de Brasília, na Universidade Federal de Minas Gerais e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em diversos níveis, oportunizando discussões e um claro avanço teórico (ARAÚJO, 2014, p.4). Entretanto, o autor indaga-se sobre a efetiva colaboração epistemológica entre os três cursos: “[...] seria, em última instância, interessante e desejável?” (ARAÚJO, 2014, p. 5). Contemporaneamente inseridos no paradigma da complexidade - sem uma ordem absoluta e no qual a lógica pode comportar buracos negros (MORIN, 2000) - arquivos, bibliotecas e museus, ao se repensarem, lançam um novo olhar informacional sobre si a fim de se reestruturarem e se reorganizarem em ambiências digitais, sistemas dinâmicos e auto organizáveis, em que uma Curadoria Digital preveja, com auxílio do DI - um tipo de tradutor intersemiótico - convergências de linguagens multimodais para interoperabilidades entre sistemas diversos. Conforme Jorente: 34 As competências e as habilidades humanas, bem como as crenças estáveis culturalmente, condicionam olhares e o que é possível, aos olhos e mentes, perceberem nos códigos de comunicação. Por outro lado, as informações elaboradas como estruturas sistêmicas e complexidades informacionais criam dinâmicas. Estas implicam na mutualidade entre os sujeitos e os ambiente de informação, na qual as emergências podem criar novas conformações representacionais e de apresentação da informação. (JORENTE, 2017, p.196). No quadro descrito, procura-se entender a importância do DI justaposto às demais subáreas do Design apontadas no Gráfico de Garrett (2003) para o trabalho do cientista da informação, uma vez que a Curadoria Digital (SAYÃO ; SALES, 2012) de sistemas interativos e colaborativos na Web 2.0 propõe, como um desafio aos especialistas da área e aos demais atores da informação, uma capacitação para os meios digitais que deva ser facilitadora da criação de uma cultura de compartilhamento da informação em ambiência digital. Para Sayão e Sales (2012, p.184), ainda que Curadoria Digital seja um conceito em evolução, define-se o processo como um modo ativo de gestão e preservação de objetos digitais para melhor atender as necessidades informacionais contemporâneas e também de gerações futuras. Segundo os autores, entre as metodologias utilizadas pela Curadoria Digital, estão os processos de arquivamento digital, de preservação digital e as metodologias necessárias para a criação e gestão de dados de qualidade para sua valorização, para acesso e compartilhamento de informações. Verifica-se se e como tais processos ocorrem na ambiência digital do Museu da Pessoa. A plataforma Shiro 1.0 é flexível para cadastro, relacionamento e etiquetagem vertical e horizontal (bottom-up) de entidades ou objetos indexados (HERZOG, 2014). Customizável, adapta-se às necessidades de cada projeto ali inserido, oportunizando uma base de dados aos profissionais da informação da instituição que a utilizam em diferentes níveis hierárquicos: administradores – praticantes do DI institucionais/pesquisadores - ou superadministradores – desenvolvedores do sistema - para gerenciamento do portal, inserção de novos conteúdos informacionais na base de dados, tais como acervos (ativos ou não), tags ou rótulos, novos arranjos para exposições temáticas de coleções de histórias de vida e notícias. Acrescenta- se que, por meio do DI previsto em e para sua Curadoria Digital, internautas 35 visitantes passaram a ter a oportunidade de ser, a partir de 2013, além de criadores e colecionadores de memórias próprias, também curadores de coleções de histórias de vida do acervo maior do Museu, por meio de compartilhamento do acervo. Assim, considera-se o Museu da Pessoa um fenômeno modelar da custódia ampliada que se tem verificado nas últimas décadas, quando bibliotecas, arquivos e museus deixam de ser apenas ambientes físicos destinados à seleção, à salvaguarda, à organização, à classificação e à catalogação de documentos, obras e objetos colecionáveis; e passam a ser criadores de ambientes digitais tanto para preservação de dados quanto, principalmente, para o acesso de internautas, por meio de mediações dialógicas que estimulam a colaboração de pessoas que nelas adentram em busca de troca de informação e conhecimento. A seguir, no capítulo 2, em O espírito da coisa, investiga-se as origens de um pensamento científico desde a chamada cultura oral, passando pelas culturas escrita, impressa, de massas e de mídias, até se chegar à cultura digital (SANTAELLA, 2003); e especula-se quem, na cultura de mídias - o homem ou a máquina - estaria no controle de sistemas abertos, descentralizados e auto- organizáveis. Nesta chave, discute-se uma possível interdisciplinaridade entre a CI, a Museologia, o DI e TIC na Web 2.0. No capítulo 3, Novas histórias: memória, oralidade e Nova Museologia, investiga-se o fato museal (RÚSSIO, 2010) que compõe o acervo de histórias de vida - patrimônio cultural intangível - do Museu da Pessoa, entendido como Web artefato que verte memórias em informações-evidências tangíveis (metadados de representação e recuperação da informação) no contexto de uma Nova Museologia. No capítulo 4, Museu da Pessoa, tangível e intangível: um híbrido, observa-se o histórico do Museu, incluindo as transformações tecnológicas sofridas ao longo dos últimos 25 anos, e também a importância de estratégias e políticas para Curadoria Digital e custódia segura de documentos digitais, desenvolvida em equipe multidisciplinar na base de dados - e também por internautas no portal, da plataforma Apache Shiro 1.0 (HERZOG, 2014) ), customizada por um DI top-down que propicia interatividade bottom-up, configurando o sistema memorial como colaborativo, um espírito da coisa ressignificado na Web Social ou Web 2.0. O capítulo aborda reflexão sobre políticas públicas para preservação digital em 36 Instituições de Informação e Instituições de Memória Cultural (BRAYNER, 2017), desafio constante ao Museu da Pessoa, tendo em vista o acesso de seus dados arquivísticos a longo prazo. No capítulo 5, Plataforma Apache Shiro 1.0: convergências e interoperabilidades para um Museu customizável, investiga-se a ambiência digital do Museu nas interfaces Homepage e CSH do portal e as interfaces administrativas Principal e Nova História da base de dados do sistema. Objetiva-se o reconhecimento de convergências de linguagens previstas pelo DI de acordo com funcionalidades e interatividade especificadas para Curadoria Digital tendo em vista desejáveis interoperabilidades entre sistemas e subsistemas na Web 2.0. Verificou- se as implicações do DI nas interações entre sujeitos e ambiente digital a partir de observação participativa indireta em dissertação de Herzog (2014) e no Manual da Base de Dados do Museu da Pessoa (2017); e participativa direta, por imersão no sistema. No capítulo 6, dispõem-se as Considerações finais, a partir do entendimento do acervo do Museu da Pessoa como emergências bottom-up facilitadas por simulacro ou DI top-down, Web artefatos traduzidos para metadados; e de reflexões sobre conceitos referentes aos objetos culturais norteadores da pesquisa, e sobre a prática interativa própria - online e em fluxo -, como internauta, visitante, colecionadora e curadora do Museu da Pessoa. Descreve-se o papel organizador da apresentação e representação de informações do DI na Curadoria Digital do sistema complexo Museu da Pessoa. Finalmente, observar-se-á possíveis atualizações na Curadoria Digital do sistema memorial para que o acesso e o compartilhamento da informação possa ser garantia de sua preservação. 37 2. O ESPÍRITO DA COISA Se no princípio era o caos25, um sopro divino e criador, por meio de uma combinação mágica de letras, tradutoras de um espírito designador: faça luz, criou e vivificou um mundo, a saber, um caos ressignificado. Diante da complexidade, terra e água misturadas, um barro só e único, o criador selecionou, classificou e nomeou as coisas do mundo. Assim, cada signo (composto por significado e por significante) ganhou um nome ou tag que buscava representar imageticamente o próprio espírito da coisa, ou seja, o conteúdo informacional que abrigava em si. Nesta gênese mítica da Criação, cada registro-informação-coisa foi indexado em um determinado campo semântico: animais e coisas do céu: luzeiros da noite, lua e estrelas; e luzeiro do dia, o sol; animais e coisas da terra e animais e coisas do mar; macho e fêmea. Mas isto foi em um princípio, ou melhor, em um mito cosmogônico imaginado pelo homem na Antiguidade. Memorizado e transmitido por séculos, oralmente e, posteriormente, impresso, tal mito de origem nos chega até os dias atuais devido a um potente DI que nos conduz aos palácios da antiga Arte da Memória (YATES, 1976). Em O museu “total”, uma ferramenta para a mudança social, Wagensberg recorda que classificar seria uma das mais antigas formas de inteligibilidade científica. Para o mesmo autor, a grandeza da ciência está no fato de que ela pode intuir sem a necessidade de entender (WAGENSBERG, 2005, p.11). Como exemplo, aponta-se a figura abaixo, The Spheres of the Universe as a Memory System, que está presente em The Congestorium artificiose memorie, obra do dominicano Johannes Romberch, publicada em 1520. No tratado da memória do século XVI mencionado por YATES (1976, p.116), verifica-se o esforço mental para se traduzir, por meio do desenho, pensamentos em imagens. 25 Referência ao Livro bíblico Gênesis, primeira parte do Antigo Testamento. 38 Figura 2 As Esferas do Universo como um Sistema de Memória, por J. Romberch, in Congestorium artificiose memorie, ed. de 1533. Fonte: YATES (1976, p. 116). A partir do sentido intuitivo da ciência, Yates resgata o papel da Arte da Memória - suposta invenção dos gregos, na Antiguidade - no desenvolvimento das ideias e retóricas da Europa durante a Idade Média, que originou, na Modernidade, o método científico: um tipo de memória mágica ou “logica natural” extraída da realidade cultural, compreendendo leis mágico-mecânicas e formas ocultas conforme o universo (COIMBRA, 1989, p. 149-150). Segundo Coimbra, a Arte da Memória constituía-se, originalmente, de um conjunto de regras para memorização de normas ou palavras: “[...] uma técnica de imprimir lugares e imagens na memória, de maneira a fazer com que o orador possa reproduzir longos discursos com precisão infalível” (COIMBRA, 1989, p. 146). Um misto de arte e de técnica, a mnemotécnica foi um tipo fundamental de memória artificial em período anterior à imprensa. A Figura 2 ilustra um tratado ocidental sobre a Arte da Memória, de autoria do dominicano alemão Johannes Romberch, cuja publicação original data de 1520, 39 segundo La Rocca (2007). Se não um palácio ou edifício, a imagem apresenta um modelo de memória artificial, um sistema de armazenagem mnemônico (LA ROCCA, 2007), um design informacional para o armazenamento de conteúdos, ainda que o conhecimento possa ter sido representado por meio de códigos decifrados apenas por iniciados. Em sua dissertação, Arte da Memória e Arquitetura, La Rocca (2007) defende que há várias Artes da Memória (EDGAR, 2005), conforme constata nos diversos períodos que analisa. Essencialmente, mantêm uma relação entre imagem e local, imagine et loci26, característica que “[...] pode ser considerada uma chave para o desenvolvimento de processos criativos, como um dispositivo capaz de auxiliar a criação de espaços” (LA ROCCA, 2007, p.226). Para a autora, o pensar complexo que emerge no pós Segunda Guerra Mundial constrói-se a partir da relação entre a teoria da informação, a teoria dos sistemas e a cibernética, base para o desenvolvimento de sistemas artificiais “[...] que imitam a lógica dos sistemas naturais, emergentes, auto-organizados, complexos” (LA ROCCA, 2007, p. 223). Sobre a Arte da Memória, Coimbra recorda que, apesar de Aristóteles tê-la incluído em sua teoria do conhecimento, foi apenas como parte da retórica que ela percorreu a tradição europeia, até ser esquecida “[...] há relativamente pouco tempo” (COIMBRA, 1989, p.147). Entretanto, na Antiguidade e na Idade Média, como recurso mnemônico, criavam-se palácios ou templos como um produto da imaginação, espaços de memória não apenas com salas e corredores, mas com detalhes de decoração que se associavam a palavras e ideias para que tais espaços virtuais fossem, posteriormente, acessados e percorridos por oradores quando desejassem recuperar as informações armazenadas, bastando a recolha, em cada ambiência (ou interface), das imagens27 ali depositadas: “Deve-se pensar no orador da antiguidade 26 Conforme La Rocca (2007, p.225), “esta é a compreensão da Arte da Memória do Ad Herenium, um dos textos base da retórica, que não apenas descrevia essa relação entre imagens e lugares, mas também ensinava procedimentos para efetuar as interrelações entre loci e imagenes”. 27 Segundo Horn, “Muitas ideias são melhor expressas com linguagem visual; outras, podem ser expressas apenas por meio de linguagem visual”. (HORN, 1999, p. 28, tradução da autora). 40 proferindo seu discurso como uma pessoa percorrendo na imaginação as dependências desta construção de memória” (COIMBRA, 1989, p.147-148). Contemporaneamente, pode-se inferir que templos ou palácios da memória artificial, ultrapassando o documento impresso, encontram-se em grande parte em nuvens (ROBREDO, 2011) na Web 2.0. De lá para cá, links em hipertextos digito-virtuais passaram a relacionar nomes e imagens das coisas, agora ressignificadas segundo desígnios do homem- fractal, em livre arbítrio, editando releituras de objetos culturais que, se não originais, mantêm certa originariedade (JORENTE, 2009), e criando linguagens híbridas e multimodais: uma cultura remix, segundo Santaella (2003). Tecnologicamente, o DI praticado por equipes multidisciplinares em e para a Curadoria Digital de sistemas em plataformas customizáveis é a disciplina que oferece recursos metodológicos para convergências entre tais linguagens multimodais e hibridizadas para cada vez mais interoperabilidades. Se, em um primeiro momento da civilização, a construção de objetos simbólicos que emitem imagens era realizada por poucos artistas, talentosos detentores do uso de matrizes de linguagens e pensamento: sonora, visual e verbal (SANTAELLA, 2007) em busca de expressão e comunicação, - com obras destinadas a poucos espectadores; verifica-se, entretanto, que, ao longo do tempo (de novos meios tecnológicos resultantes da hibridez de linguagens às mídias, a partir do desenvolvimento de TIC), cada vez mais profissionais de distintas áreas compõem equipes de praticantes do DI, como queria Horn (1999), ou por artistas do controle, segundo Johnson (2003). Assim, na Web 2.0, em escala exponencial, sujeitos que, no paradigma anterior, não interagiam ou colaboravam de modo bottom-up na construção de objetos simbólicos, passam a adquirir, aperceptivamente (emergências em resposta a affordances), novas habilidades para a navegação em ambiência digito-virtual no ciberespaço, para a interação e a criação em sistemas abertos, dinâmicos e auto- organizáveis: cenários ou ambiências digitais que orbitam a descentralizada Web como obras abertas28. Neste sentido, em seu texto provocativo, Wagensberg 28 Referência à Obra Aberta, de Umberto Eco. Link para Obra Aberta (1991). Disponível em:< http://edtl.fcsh.unl.pt/business-directory/6325/obra-aberta/ >. Acesso: 10 out. 2017. 41 recorda que arte e ciência, igualmente, “[...] podem compartilhar as suas grandezas” (WAGENSBERG, 2005, p.11). No decorrer dos séculos, matrizes de linguagens que suportam pensamentos (SANTAELLA, 2007), a saber, a sonora, a visual e a verbal, passaram a se mesclar e a constituir novos espaços simbólicos e características semióticas. Tais ressignificações, ao longo de séculos e em escala global, por meio de novas tecnologias, permitiram que a trajetória do ser humano, no século XXI, seja narrada, concomitantemente, em dois espaços de fisicidades distintas: um material e um representacional, digito-virtual, no qual, metaforicamente, pode-se adentrar através de uma janela (JOHNSON, 2001), e nele e/ou com ele, interagir. Diante do panorama contemporâneo, Santaella (2003) nos lembra dos desafios de uma realidade em mutação, buscando conceitos para o entendimento de tal complexidade em sua obra Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano (2003). Ao repensar o que pretende por cultura das mídias, a autora a situa entre a cultura de massas e a cibercultura, sem que com elas se confunda. Para Santaella (2003), a cultura virtual não brota diretamente da cultura de massas, pois foi semeada por processos de produção, distribuição e consumo comunicacionais aos quais denomina cultura das mídias: “Esses processos são distintos da lógica massiva e vieram fertilizando gradativamente o terreno sociocultural para o surgimento da cultura virtual ora em curso” (SANTAELLA, 2003, p.24). Ainda conforme Santaella (2003), pode-se compreender a passagem de uma cultura a outra a partir de seis tipos de formações: a cultura oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital. Destaca-se que tais eras se baseiam na convicção da autora de que os meios de comunicação não passam de meros canais para a transmissão de informação, ou seja, as transformações culturais não ocorrem devido a novas tecnologias e novos meios de comunicação e cultura. Por sua vez, seriam os diferentes signos que circulam nesses meios, as diferentes mensagens e os diversos processos de comunicação que se engendram em tais meios, “[...] os verdadeiros responsáveis não só por moldar o pensamento e a sensibilidade dos seres humanos, mas também 42 por propiciar o surgimento de novos ambientes socioculturais” (SANTAELLA, 2003, p.24). Neste sentido, a autora crê que não se deva enfatizar os meios e as mídias em si para que se notem outras determinações que tendem a ser ocultadas pelo fetiche das mídias, como, por exemplo, a determinação da linguagem, central à comunicação e à cultura (SANTAELLA, 2003, p.24). Assim, o foco do estudo se volta para o DI entendido como uma disciplina do Design, servindo-se de suas linguagens e metodologias, em diálogo com a CI em relações multidisciplinares que estabelecem na curadoria do Museu da Pessoa. Contextualmente, entende-se a própria Curadoria Digital convertida em Design de Convergências de linguagens responsáveis por interoperabilidades no sistema memorial aberto. Para que se evite um (retorno ao) caos - uma real tendência de sistemas com as características mencionadas acima e, ainda, descentralizados -, eles devem ser previstos e prever, em e para a Curadoria Digital, níveis de controle. Ainda que, segundo Johnson (2003), um macro comportamento não se controle diretamente, deve-se estabelecer condições de obtenção de um feedback do próprio sistema. Neste sentido, recursos de DI tradicionalmente utilizados em subáreas da CI, como Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia, tal como modos de indexação, permitem a modelagem de sistemas emergentes conforme parâmetros definidos inicialmente para interatividade e, no limite, para a democratização do DI (HORN, 1999), oportunizando affordances como canais para auto expressão. Destaca-se que o conceito de affordances, proposto por Gibson, na década de 50, origina-se na área da Psicologia e destina-se à compreensão de ações desempenhadas por pessoas a partir de possibilidades sugeridas pelo design óbvio e interativo do ambiente. Tal conceito será retomado no capítulo 5 ao se verificar a interação entre sujeito-ambiente na interface CSH, oportunizada pela Curadoria Digital do Museu da Pessoa. Para Johnson: Provavelmente é justo dizer que a mídia digital vem lutando com “questões de controle” desde suas origens. A questão do controle, afinal de contas, reside no coração da revolução interativa, já que [...] 43 tornar algo interativo acarreta uma mudança no controle, da tecnologia – ou titeiros por trás da tecnologia – para o usuário. A maior parte das questões mais recorrentes no design interativos circundam a mesma pergunta subjacente: quem está no controle, o homem ou a máquina? O programador ou o usuário? Estas podem parecer perguntas esotéricas, mas têm implicações que se estendem muito além dos seminários sobre teoria de design e das discussões filosóficas nos cibercafés. Suspeito que mal estamos começando a entender como essas questões são complicadas, à medida que nos aclimatamos com a estranha falta de direção do software emergente. (JOHNSON, 2003, p.129). Logo, trata-se de uma esfera ou dimensão interativa desenhada em plataformas ou sistemas descentralizados que, em realidade, obedecem a regras definidas por seus programadores, um novo paradigma de controle oblíquo: “[...] tudo o que se pode fazer é estabelecer as condições que supostamente vão tornar aquele comportamento possível. Depois, é só pressionar o botão de “iniciar” e ver o que acontece.” (JOHNSON, 2003, p.125). Observa-se que, mesmo o comportamento emergente (bottom-up) estando delimitado por regras pré-definidas, o sistema complexo tende a constituir um todo maior que a soma das partes, pois inusitadas emergências a partir de affordances (GIBSON, 1979), podem surgir. No paradigma da complexidade, o pensamento positivista, assim como as verdades, os valores e os significados informacionais absolutos são superados e, uma vez customizados, relativizam-se, podendo se converter em conhecimentos ou não. Assim, novas interpretações e pontos de vista passam a considerar contextos (tempo e espaço) e abandonam uma perspectiva fragmentada e determinista, expandindo um pensamento questionador e científico em constante devir. Neste sentido, o incremento tecnológico na primeira metade do século XX, em função de um aumento de informações e conhecimentos, principalmente devido às duas Guerras Mundiais que se travaram no período, aspira a uma dimensão simbólica ou cultural também (para além das linguagens que convergem) a ser investigada no âmbito da CI que, vale recordar, naquele momento, ainda desenhava seus contornos disciplinares a partir das já consolidadas, no século XIX, Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia. 44 Conforme esclarece Araújo (2014, p.99), no período havia uma crítica aos profissionais bibliófilos, ou os que atuavam em bibliotecas e arquivos, pois preocupavam-se mais com os conteúdos das obras e com as instituições que as custodiavam, do que com disseminação, a circulação e o uso das obras. Aos poucos, uma mudança de perspectiva culmina no já mencionado paradigma de custódia ampliada ou pós-custodial (RIBEIRO, 2010). Foi nessa direção, querendo se tornar uma outra coisa que não a Arquivologia, a Biblioteconomia e a Museologia desse período, que se construiu a CI. Tal empreendimento envolveu diversos fatos históricos e científicos que ocorreram em épocas e locais diferentes. Embora esses fatos sejam múltiplos, elenca-se cinco dimensões: o surgimento da Bibliografia e da Documentação; a relação institucional com a Biblioteconomia, a atuação dos primeiros “cientistas da informação” no fornecimento de serviços em ciência e tecnologia, o incremento tecnológico; e a fundamentação na teoria matemática (ARAUJO, 2014, p. 99). Anterior à CI, a Documentação foi traçada por La Fontaine e Otlet e veio a ser, “[...] para os arquivos, os museus, os centros de cultura e demais instituições que custodiavam registros humanos, aquilo que a bibliografia tinha sido para a biblioteconomia.” (ARAÚJO, 2014, p.101). Segundo o autor, a Documentação, por ser disciplina transversal entre diferentes tipos de instituições, inaugura fazeres pós-custodiais como o registro da localização de registros e documentos digitais29 (metadados, dados sobre dados), visando otimizar sua recuperação. Este viria a ser também o espírito da então emergente CI. 2.1 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, UMA CIÊNCIA INTERDISCIPLINAR? Se a CI teve sua origem e evolução nos anos 60, quando já haviam se desenvolvido a Biblioteconomia, a Arquivologia, a Documentação e a Museologia, 29 Segundo o glossário da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos, documento digital é a informação registrada, codificada em dígitos binários, acessível e interpretável por meio de sistema computacional. Observa-se que o documento digital é reconhecido e tratado como documento arquivístico (CTDE, 2009). 45 considera-se, como marco desta ciência, o clássico texto de Herold Borko Ciência da Informação: o que é isto? publicado em 1968. No decorrer da segunda metade do século XX, alguns países chegaram a aproximar as disciplinas acima mencionadas em um mesmo centro de estudo, como, por exemplo, o Canadá, utilizando-se de conceitos da CI tanto dos EUA quanto da Europa. No Brasil, apesar da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) não considerar oficialmente a Museologia como subárea da CI, o ENANCIB (Encontro Nacional de Pesquisa da Ciência da Informação no Brasil), patrocinado pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciência da Informação (ANCIB), abriga um GT de Museologia. Neste contexto, pode-se inserir os estudos de museus dentro da grande área da CI. Segundo Borko (1968), por ter nascido da prática de cientistas com formação em diversas áreas do saber, uma das características naturais da CI seria sua configuração interdisciplinar e moderna, em oposição a um pensamento cartesiano e linear que previa fronteiras bem delineadas entre as disciplinas. Ainda que, em um primeiro momento, a crença na interdisciplinaridade se desse devido ao entendimento de que a CI devesse oferecer um corpus teórico sobre informação e serviços de informação às demais áreas do conhecimento científico (BORKO, 1968), esta foi uma importante etapa a ser superada. Estudos posteriores entendem este movimento interdisciplinar de modo bem diferente, ainda que se considere a CI como uma ciência pós-moderna e transgressora de fronteiras entre disciplinas antes compartimentadas e intangíveis, constituindo aí o lugar de sua própria e complexa disciplinaridade. Nas últimas décadas, verifica-se cientificamente a aproximação e a convergência entre a Arquivologia, a Biblioteconomia e a Museologia em Curadoria Digital de ambiências digitais das três áreas para a criação de novas comunidades do conhecimento. Neste sentido, o estudo sobre a Curadoria Digital do Museu da Pessoa, assim como o papel do DI neste processo, investiga um Web museu, realidade possível a partir do desenvolvimento da CI e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) simultaneamente. 46 A propósito de multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, inter e transdisciplinaridade, Pombo (2008, p. 13) nos lembra que “Há pois uma flutuação de conceitos mesmo no interior da palavra disciplina” e que do ponto de vista etimológico, não faz sentido haver distinção entre pluri e multidisciplinaridade: ambas criariam um conjunto e estabeleceriam algum tipo de coordenação, mero paralelismo de pontos de vista. Na mesma direção, sobre relações interdisciplinares, Pombo afirma que: Falar sobre interdisciplinaridade é hoje uma tarefa ingrata e difícil. Em boa verdade, quase impossível. Há uma dificuldade inicial - que faz todo o sentido ser colocada - e que tem a ver com o facto de ninguém saber o que é a interdisciplinaridade. Nem as pessoas que a praticam, nem as que a teorizam, nem aquelas que a procuram definir. A verdade é que não há nenhuma estabilidade relativamente a este conceito. Num trabalho exaustivo de pesquisa sobre a literatura existente, inclusivamente dos especialistas de interdisciplinaridade - que também já os há - encontram-se as mais díspares definições. Além disso, como sabem, a palavra tem sido usada, abusada e banalizada. Poderíamos mesmo dizer: a palavra está gasta. (POMBO, 2008, p. 1-2). Ainda que não haja consenso sobre como se estabeleçam as possíveis relações entre conhecimentos disciplinares, Piaget, já em 1970, não considerava o uso da terminologia multidisciplinar como classificatória de relação entre disciplinas; e, mais recentemente, Bicalho e Oliveira (2011) entendem que os termos multi e pluri sejam equivalentes e correspondam a uma busca de integração entre conhecimentos de diversas áreas por meio do estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina ou por várias delas ao mesmo tempo. Em sentido amplo, entende-se aqui disciplina, de acordo com Morin, como: Categoria que organiza o conhecimento científico e que institui nesse conhecimento a divisão e a especialização do trabalho respondendo à diversidade de domínios que as ciências recobrem. Apesar de estar englobada num conjunto científico mais vasto, uma disciplina tende naturalmente à autonomia pela delimitação de suas fronteiras, pela linguagem que instaura, pelas técnicas que é levada a elaborar ou a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são próprias (MORIN, 2002, p. 37). 47 Para estudar as principais formas de interação entre disciplinas atualmente presentes nas práticas científicas, Bicalho e Oliveira (2011) buscaram contextualizar a área da CI no âmbito da ciência contemporânea por meio da análise de suas características epistemológicas, porque, segundo as autoras, “[...] inovações tecnológicas também contribuíram muito para a ocorrência de mudanças fundamentais no papel do conhecimento nas relações sociais, criando um novo paradigma, econômico e tecnológico, que se tornou a base da sociedade atual”. Neste sentido, retomam Wersig (1992), ao salientarem fenômenos como a despersonalização do conhecimento; a credibilidade do conhecimento, que, em alguma extensão, já não é possível ser provado pela observação do mundo; a fragmentação do saber, devido à grande quantidade disponível e ao desenvolvimento de diferentes padrões de ação e aceitação entre os campos e dentro de cada um; e a racionalização do conhecimento, exigida pela crescente complexidade do mundo atual e pela concepção ocidental empirista. Neste quadro, a autora tende a compreender a CI como uma ciência que se fundamenta na aproximação de conhecimentos disciplinares e metodologias entre suas disciplinas e as de diferentes áreas do conhecimento, mas sem que, ao final da relação estabelecida para novos constructos e entendimentos (tendo em vista o desenvolvimento ou o estudo de artefatos culturais como os objetos digitais), as áreas envolvidas saiam transformadas, definitivamente, como se houvesse um antes e um depois de tal aproximação, o que não impede que se considere o Museu da Pessoa como um objeto transdisciplinar, fruto de relações disciplinares em diferentes níveis de aproximação. Também Dellatre (2006), considera a pluridisciplinaridade (entendida aqui como sinônimo da multi) como uma simples associação de disciplinas, reunidas para um estudo específico, sem alteração significativa nas disciplinas envolvidas, permanecendo assim cada uma com visão e métodos próprios. Para o autor “Toda realização teórica que põe em prática saberes diversos corresponde de fato a um empreendimento pluridisciplinar.” (DELATTRE, 2006, p. 280). Complementando esta breve, mas importante discussão, com Pombo (2008) entende-se que, em um paradigma em que o próprio termo verdade é relativizado, um tradicional modelo analítico (que deu inegáveis frutos e que não podem deixar de 48 ser reconhecidos), revela-se já insuficiente. Para a autora, “[...] caber-nos-ia a nós, cidadãos do final do século XX começo do século XXI, dar conta de uma mudança muito profunda, de uma clivagem, de um deslocamento no modo de o homem fazer ciência.” (POMBO, 2008, p. 16). Multidisciplinar, a equipe de agentes informacionais especializados - dentre eles os pesquisadores do Museu - interage em interface administrativa, base de dados