Alessandro de Moura MOVIMENTO OPERÁRIO E SINDICALISMO EM OSASCO, SÃO PAULO E ABC PAULISTA: RUPTURAS E CONTINUIDADES Marília 2015 2 MOVIMENTO OPERÁRIO E SINDICALISMO EM OSASCO, SÃO PAULO E ABC PAULISTA: RUPTURAS E CONTINUIDADES Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em “Ciências Sociais” da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como requisito para obtenção do título de doutor. Orientador: Prof. Dr. Francisco Luiz Corsi. 3 Moura, Alessandro de. M929m Movimento operário e sindicalismo em Osasco, São Paulo e ABC paulista: rupturas e continuidades / Alessandro de Moura. – Marília, 2015 434 f. ; 30 cm. Orientador: Francisco Luiz Corsi. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2015. Bibliografia: f. 414-434 1. Movimento operário – Osasco (SP). 2. Sindicalismo – 1968-1980. 3. Movimento operário – ABC Paulista. 4. Movimento operário - São Paulo (SP). 5. Oposição sindical metalúrgica. 6. Comissões de fábrica. I. Título. CDD 331.88 4 MOURA, Alessandro de, Membros da Banca Examinadora: ____________________________ Dr. Francisco Luiz Corsi (orientador- Unesp/Marília) ____________________________ Dra. Paula Marcelino (USP) ____________________________ Dr. Antonio Carlos Mazzeo (USP) ____________________________ Dr Everaldo de Oliveira Andrade (USP) ____________________________ Dr. Agnaldo dos Santos (UNESP) MARÍLIA 2015 5 RESUMO O trabalho aborda as atividades do movimento operário e sindical na Grande São Paulo no período 1968-1980, analisando as greves de Osasco em 1968 e as comissões de fábricas São Paulo nos anos 1970 e o ciclo de greves no ABC paulista nos anos 1978-1980. Após o golpe militar de 1964, as comissões assumem nova importância para a reorganização do movimento sindical e operário, os processos de Osasco e o surgimento da Oposição Sindical Metalúrgica em São Paulo são experiências significativas desse processo. Realizamos uma série de entrevistas com alguns dos principais dirigentes da greve de 1968 em Osasco, militantes da Oposição Sindical Metalúrgica e militantes do movimento operário do ABC paulista. O movimento operário e sindical de São Paulo foi impactado pelos processos desdobrados em Osasco nos anos 1967-1968, sobretudo pela formação das comissões e grupos clandestinos. Sob influência desses processos desenvolveu-se em São Paulo a Oposição Sindical Metalúrgica, que inspirada nas greves de Osasco, organizará comissões de fábricas e grupos clandestinos. A expressão maior da Oposição Sindical Metalúrgica se dá em sua terceira fase, de 1975 a 1980. Por fim traçamos um paralelo com a forma de organização e linha sindical praticada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Esta opõe-se em muitos aspectos àquela "tradição" que, desde o golpe militar-burguês, vinha se desenvolvendo de Osasco a São Paulo. Apoiando-se na estrutura sindical estatal/oficial, opõem-se a criação de comissões independentes do Sindicato e centraliza toda a orientação das greves nas mãos da Diretoria do Sindicato do ABC. Palavras-chave: Movimento operário em Osasco: Comissões de fábrica: Movimento operário em São Paulo: Oposição Sindical Metalúrgica: Movimento operário no ABC paulista. RESUMEN El trabajo enfoca las actividades del movimiento obrero y sindical, en la Gran San Pablo, en el período 1968-1980, analizando las huelgas de Osasco en 1968 y las comisiones de fábricas en San Pablo durante la década de 1970 y el ciclo de huelgas en el ABC en los años 1978- 1980. Después del golpe militar de 1964, las comisiones adquieren nueva importancia para la reorganización del movimiento sindical y obrero, los procesos de Osasco y la emergencia de la Oposición Sindical Metalúrgica de San Pablo son experiencias significativas de este proceso. Realizamos una serie de entrevistas con algunos de los principales líderes de la huelga de 1968 en Osasco, militantes de la Oposición Sindical Metalúrgica de San Pablo y militantes del movimiento obrero del ABC paulista. El movimiento obrero y sindical en São Paulo fue influenciado por los procesos desplegados en Osasco de los años 1967-1968, especialmente para la formación de las comisiones y grupos clandestinos. Bajo la influencia de estos procesos, desarrollase en São Paulo la Oposición Sindical Metalúrgica, que se basando en las huelgas Osasco, organiza comisiones de fábricas y grupos clandestinos. La máxima expresión de la Oposición Sindical Metalúrgica se produce en su tercera fase, de 1975 a 1980. Finalmente trazamos un paralelo con la forma de organización con la línea practicada por la dirección del Sindicato Metalúrgicos de San Bernardo. Esta se opone en muchos aspectos a la "tradición" que desde el golpe de Estado burgués-militar, se había desarrollado en Osasco y São Paulo. Apoyado en la estructura sindical estatal/oficial, se oponen a la creación de comisiones independientes de lo Sindicato y centraliza toda la orientación de las huelgas en las manos de la dirección del Sindicato de San Bernardo. Palabras clave: Movimiento obrero en el Osasco: Comisiones de fábricas: Movimiento obrero en el San Pablo: Oposición Sindical Metalúrgica: Movimiento obrero en el ABC paulista. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------------------------- p. 9 Como fizemos esta pesquisa Como selecionamos os entrevistados CAPÍTULO I - MOVIMENTO OPERÁRIO EM OSASCO E SÃO PAULO DURANTE A DÉCADA DE 1960: EXPERIÊNCIAS DO SINDICALISMO DE BASE ----------- p. 24 1942-1964: auto-organização operária e o PCB Lutas operárias na década de 1950 - o movimento operário ultrapassa suas direções Governo Kubitschek: intensificação da exploração do trabalho e abertura para as multinacionais Mobilizações operárias massivas durante a década de 1960 Golpe militar burguês como resposta à ameaça operária Do reformismo pacífico ao reformismo armado A perseguição ditatorial aos operários Os sindicatos são convertidos em órgãos paraestatais Uma resposta operária ao golpe - surgem as oposições sindicais Oposição Metalúrgica em Osasco Movimento operário em Osasco Organização a partir do chão das fábricas A comissão de Fábrica da Cobrasma As greves de abril de 1968 em Contagem Movimento Intersindical Anti-arrocho (MIA): Osasco e São Paulo O Primeiro de Maio na Praça da Sé A conjuntura internacional contribui com a agitação política e sindical no Brasil A greve na Cobrasma: estratégia e seu legado ao movimento operário O primeiro dia de greve - 16 de julho As mobilizações do dia 17 de julho - segundo dia de greve Dia 18 de julho - o terceiro dia de mobilizações Por que as greves de 1968 em Osasco não foram totalmente vitoriosas? Importantes "quadros" dirigentes se apartam do movimento operário A auto-organização de Osasco como exemplo ao movimento operário brasileiro 7 CAPÍTULO II - EXPERIÊNCIAS NO MOVIMENTO OPERÁRIO DURANTE A DÉCADA DE 1970 NA GRANDE SÂO PAULO ------------------------------------------ p. 167 Quem se beneficiou com o AI5? 1969-1974: refluxo e reorganização Interfábricas: embriões de conselhos operários Crise pós "milagre" e a reorganização do movimento sindical e operário Da militância clandestina à retomada das mobilizações públicas: 1974-1978 Movimento sindical no ABC - luta econômico-corporativa consentida pela ordem ditatorial Manipulação dos dados inflacionários de 1973 e o Movimento pela Reposição dos 34,1% CAPÍTULO III - 1978: O ANO DA RETOMADA DAS LUTAS OPERÁRIAS MASSIVAS ---------------------------------------------------------------------------------------- p. 241 1978 - mobilizações, paralisações e greves no ABC A greve na Scania em 1978 O ascenso operário de 1978 em São Paulo: o desenvolver da maré montante Eleições sindicais de 1978 em São Paulo Novembro de 1978 em São Paulo - a primeira greve geral pós-golpe militar Sindicato de São Bernardo e o trabalho no interior das fábricas Início da greve de 1979 no ABC paulista A trégua de 45 dias em São Bernardo Em meio à trégua, dezenas de milhares de operários comparecem ao 1º de maio de 1979 O fim da trégua de 45 dias - o Sindicato é contrário a retomada da greve O 1º Congresso da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo A greve geral em São Paulo em 1979 Sobre a greve de 1980 no ABC paulista De 1978 a 1980: o peso do Sindicato de São Bernardo sobrepõe-se à Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo A desintegração da Oposição Sindical Metalúrgica durante a década de 1980 Os pelegos vencem a Chapa da CUT pela base e a Chapa da CUT-Articulação A Oposição e a formação do PT Considerações finais ----------------------------------------------------------------------------- p. 409 Referências ----------------------------------------------------------------------------------------- p. 414 8 Agradecimentos Agradeço aos operários e operárias que concederam as entrevistas que possibilitaram a realização dessa pesquisa. Agradeço também ao professor Francisco Luiz Corsi, com que tive a feliz oportunidade de trabalhar durante os quatro anos desse trabalho, sou grato pelas reuniões, leituras críticas sobre o trabalho e indicações bibliográficas que me possibilitaram melhorar, aprofundar e aperfeiçoar vários aspectos da pesquisa. Agradeço aos membros da banca de qualificação, Ruy Braga, Lincoln Secco e Arakin Monteiro, que mediante um imprevisto na banca aceitou substituir um dos seus membros na última hora. Também aos membros da banca de defesa da tese, Paula Marcelino, Antônio Carlos Mazzeo, Everaldo Oliveira Andrade e Agnaldo dos Santos. Agradeço a Andréia Cordeiro Mecca e Gabriela Urbano pelos estímulos, auxílios e revisões nos manuscritos durante a execução do trabalho. Agradeço os amigos: Dalmir Solimenes Forni (Bill), Fábio Nunes, Antônio Augusto Quiozini, Thiago Gindro (Flamé), Eduardo Parra, Claudinei Cássio de Rezende e Euber Fernando pelos estímulos, debates, considerações críticas e o prazer da convivência. Agradeço aos trabalhadores da seção de Pós-Graduação da Unesp-Marília pela disponibilidade e encaminhamentos sempre que solicitado. Por fim agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que financiou esta pesquisa durante 3 anos. 9 Introdução Em março de 2011 defendi a dissertação de mestrado Movimento operário no ABC e na Volkswagen (1978-2010). O trabalho que apresentamos aqui é continuidade dos esforços para compreender o movimento operário na Grande São Paulo. Ao propor tal investigação pretendemos fornecer elementos para construção de explicações sobre os caminhos e descaminhos da atuação sindical e política no pós golpe militar-burguês. Para refletir sobre esses aspectos, coletamos uma série de entrevistas1 com militantes operários que trabalharam na zona fabril da Grande São Paulo. Escolhi regiões que havia experienciado importantes processos de atuação política e sindical, Osasco, São Paulo e ABC paulista. Dentro dessa perspectiva, buscamos investigar processos que até então são pouco abordados na bibliografia sociológica, marcadamente as greves de Osasco de 1968 e a atuação da Oposição Sindical Metalúrgica. Abordamos tais aspectos como desdobramento de um processo mais longo da esquerda sindical e operária que se abre pós-golpe militar até o ciclo de greves 1978-1980. Os processos desdobrados entre 1978-1980 marcaram o protagonismo da classe operária no cenário nacional. Isso mexeu com o bloco do poder estabelecido até então. O movimento operário intervém massivamente durante a abertura lenta, gradual e segura, fazendo acelerar sua dinâmica. Junto com o ascenso das lutas operárias e a construção de novas instituições sindicais e políticas, marcadamente a CUT e PT, floresce uma série de alternativas explicativas. Nessa rica onda de produção historiográfica de disputas explicativas, predomina uma leitura hegemônica que as lutas proletárias, pós-golpe militar, ressurgem apenas em 1978. Com isso intenta-se lançar à escuridão os processos e experiências que não podem ser capitalizadas diretamente pela corrente interpretativa hegemônica. É justamente sobre as explicações não hegemônicas que nos debruçamos. Nesse campo ainda há muito o que ser feito. É necessário vasculhar os arquivos produzidos pela classe operária para compreender nossa própria formação sócio política. Importante aspecto é que, diferente dos milhares de dirigentes sindicas e políticos que se enfrentaram na arena da luta de classe, alguns dos principais protagonistas dos processos que abordamos, publicaram suas perspectivas sobre sua própria história. José Ibrahim e José Campos Barreto, operários da Cobrasma e militantes da Vanguarda Popular Revolucionária - VPR, ainda em 1968, assinam o documento: Manifesto de balanço da greve de julho, importante balanço sobre aspectos centrais daquela greve. Dez 1 As entrevistas podem ser conferidas no sitio da pesquisa: http://www.memoriasoperarias.blogspot.com.br/ 10 anos depois, em 1978, Ibrahim publica em coletânea chamada Cadernos do Presente outro balanço sob o título A história do movimento de Osasco. Em 1986 publicou O que todo cidadão precisa saber sobre comissões de fábrica. Antônio Roberto Espinosa, que foi operário na Cobrasma e também militante da VPR, na mesma coletânea, publicou o texto Dois relâmpagos na noite do arrocho. Roque Aparecido da Silva, que também era operário da Cobrasma e militante da VPR, publicou em 2008 o artigo: Osasco 1968: história de um movimento. João Joaquim, também operário da Cobrasma e militante da esquerda católica publicou em 2006, importante artigo na Revista Revés do Avesso, sob o título As greves de 1968 - intervenção em Osasco. Na mesma publicação, João Batista Cândido, também operário na Cobrasma e militante histórico da esquerda católica, escreveu o artigo Pioneira no Brasil, a comissão de fábrica da Cobrasma. Orlando Miranda, também ex-operário da Cobrasma publicou em 1987, o livro Obscuros heróis de capricórnio, que narra aspectos da vivência da greve. Esse conjunto de artigos oferece elementos importantes para a compreensão daquele movimento e foram importantes para a construção desse trabalho que apresentamos. No campo acadêmico é indispensável consultar: Além do referido livro Obscuros heróis de capricórnio, tem-se o estudo Greve na Cobrasma - história de luta e resistência, de Ari Marcelo Macedo Couto. Uma coletânea de ensaios de Roberto Espinosa Abraços que Sufocam, nessa coletânea encontra-se o texto Dois relâmpagos na noite do arrocho. Ainda, outra coletânea de documentos de militantes e organizações políticas, foi organizada por Celso Frederico A esquerda e o Movimento Operário (vol. I), nela encontra-se três textos importantes, o já referido de Espinosa, mas também o Manifesto de balanço da greve de julho, assinado por Ibrahim e Barreto e também uma longa, e muito explicativa, entrevista com Ibrahim datada de 1972. Na Revista Ensaio, n.º 6, de 1980, publicou-se um debate com intervenções de Ibrahim acerca do processo de Osasco. Cabe consultar a dissertação de Sérgio Luis Santos de Oliveira: O grupo (de esquerda) de Osasco – movimento estudantil, sindical e guerrilha (1966-1971). Dissertação de mestrado. USP, 2011. Quando já havia concluído a redação final do meu trabalho, chegou em minhas mãos a tese de doutorado de Marta Gouveia de Oliveira Rovai: 1968: a greve no masculino e no feminino, no entanto não houve tempo hábil para sua apreciação e incorporação. Após o golpe militar de 1964, as comissões assumem nova importância para reorganização do movimento sindical e operário. Na ausência de sindicatos que representem 11 seus interesses, comissões e grupos de fábrica serão canais de auto-organização operária, funcionarão como espaços de contraposição aos imperativos patronais. A ditadura intervém nos organismos sindicais cassando e perseguindo centenas de militantes. O governo indica interventores que têm como função principal converter os sindicatos em órgão de colaboração com o Estado militarizado. Desta forma, a serviço da dominação militar-burguesa de caráter bonapartista, os sindicatos funcionam essencialmente como organismos para-estatais. A militância operária em Osasco ganha maior importância durante a década de 1960. Operários passam a formar comissões internas clandestinas. As comissões juntam-se e formam uma chapa para disputar as eleições para o Sindicato Metalúrgico de Osasco. São realizadas novas eleições sindicais na grande São Paulo em 1967, dentro desse processo surgem duas chapas que se contrapõem aos interventores, a Chapa Verde de Osasco e a Chapa Verde de São Paulo. A Chapa Verde de Osasco será formada a partir da fusão entre duas comissões internas que existiam no interior da Cobrasma. O presidente dessa chapa será José Ibrahim. Chegando ao Sindicato, a gestão trabalhará para construir comissões em fábricas de Osasco, como a Lonaflex, Braseixos, Brown Boveri, Fósforos Granada, entre outras. Formam também uma Frente de Trabalhadores, que discutia organização política e sindical, oferece cursos de formação teórica e política. Várias correntes políticas participam dessa Frente. Um dos nossos entrevistados, Roberto Espinosa, relatou que cerca de mil pessoas participavam da Frente de Trabalhadores. Além da Frente e do trabalho para formar outras comissões e grupos de fábrica clandestinos, entre os principais feitos dessa gestão está a participação no Movimento Intersindical Anti-Arrocho, também a atuação no primeiro de maio de 1968 na Praça da Sé e a greve realizada em julho de 1968. O Movimento Intersindical Anti-Arrocho foi formado ainda em 1967, englobava os principais dirigentes sindicais da grande de São Paulo. O Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, dirigido por Ibrahim, mas amparado pela organização basista de Osasco, representou o setor combativo no interior do MIA. No final de 1967, o MIA delibera pela realização de um ato no Primeiro de Maio na Praça da Sé. O Sindicato de Osasco, a partir das fábricas, organiza um grande grupo para intervir na atividade e impedir que Abreu Sodré, representante da ditadura militar, participe do ato. Por fim, cerca de mil militantes de Osasco intervêm no ato, apedrejam Sodré e incendeiam o palanque. Levavam bandeiras como "Só a greve derruba o arrocho", "abaixo a ditadura" e "Minas é exemplo de luta" 12 Essa intervenção naquele evento moraliza a militância de Osasco e também a Diretoria do Sindicato. A greve realizada em Contagem também influencia sobre os ânimos do operariado de Osasco. No dia 16 e 17 de julho de 1968 os operários de Osasco saem em greve. Ocupam duas fábricas da região, a Cobrasma, que era a mais importante dali, e a Lonaflex. A repressão ditatorial chega no mesmo dia, ocupa militarmente a cidade, intervém nas fábricas e a cidade fica sitiada durante 5 dias. Centenas de operários são presos. Para avançar em relação a esses trabalhos referidos, além de nos somarmos à reconstrução daqueles processos, da comissão de fábrica, frente de trabalhadores, da chapa verde de 1967, o primeiro de maio de 1968 e a comissão de fábrica da Cobrasma, buscamos analisar como os principais elementos políticos e organizacionais puderam ser transmitidos ao meio sindical e operário pós-greve de 1968. Buscamos elementos de continuidade entre a oposição formada em Osasco e a Oposição Metalúrgica de São Paulo. As entrevistas, com alguns dos principais protagonistas dessas mobilizações, foram fundamentais para isso, uma vez que a bibliografia sobre o sindicalismo no Brasil dedica poucas páginas à transmissão dessa herança histórica. As experiências que foram desenvolvidas ali não ficaram circunscritas. O movimento operário e sindical foi impactado pelos processos desdobrados em Osasco nos anos 1967- 1968, sobretudo pela formação das comissões, grupos clandestinos, independência em relação ao governo e aos patrões. Exemplo mais destacado dessa influência foi a Oposição Sindical Metalúrgica que se formou em São Paulo para disputar eleições em 1967. Assimilou como item programático a formação de comissões, grupos clandestinos e Frente de Trabalhadores que englobava operários de diversas correntes políticas e sindicais. Os militantes da Oposição Metalúrgica de São Paulo também escreveram sobre sua história e experiências. Entre as publicações indispensáveis estão: a já citada Revista Revés do Avesso de 2006 contém um apanhado de artigos escritos por alguns dos principais dirigentes da Oposição. Em 2014, sob edital da Comissão Nacional da Verdade, um grupo de militantes da Oposição, organizado em torno do IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas - http://www.iiep.org.br/index1.html), desenvolveu uma profunda pesquisa sobre a trajetória e ação da Oposição, o texto final foi publicado com o título Investigação operária: empresários, militares e pelegos contra os trabalhadores. Também da Oposição, o caderno Nas raízes da democracia operária - a história da oposição metalúrgica de São Paulo, publicado em 1982. No campo acadêmico, tem-se a coletânea de documentos de militantes e 13 organizações políticas, organizada por Celso Frederico A esquerda e o Movimento Operário (vol. II e III). Outro trabalho imprescindível é a dissertação de mestrado de Hamilton Faria A experiência operária nos anos da resistência - A Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo e a dinâmica do movimento operário - 1964-1978, (1986). Outro trabalho imprescindível é a tese de doutorado de Maria Rosângela Batistoni, Entre a fábrica e o sindicato: os dilemas da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (1967-1987), de 2001. A partir dessa base analítica, buscamos identificar os elementos "ancestrais da oposição" incorporados da experiência das mobilizações decorridas em Osasco e que deram coesão à proposta da Oposição Metalúrgica de São Paulo: as comissões, grupos de fábrica e as interfábricas. Por fim, fazemos uma contraposição da experiência da Oposição de São Paulo à experiência do movimento operário no ABC e do Sindicato Metalúrgico do ABC paulista. Dessa forma, o trabalho traça um panorama da atuação sindical e política do sindicalismo nos principais centros industriais da Grande São Paulo. A Oposição em São Paulo dá seus primeiros passos entre 1967 e 1972. Sua primeira fase, de aglutinação inicial, se deu para as disputas eletivas para o Sindicato de São Paulo, quando é derrotada pela primeira vez. Na segunda fase, 1972-1975, disputa pela segunda vez as eleições do Sindicato Metalúrgico de São Paulo, sendo novamente derrotada. Nessa segunda fase, cria as interfábricas, uma espécie de conselho operário que interliga operários militantes de diversas fábricas em São Paulo. No entanto, a expressão maior da Oposição Sindical Metalúrgica é verificada em sua terceira fase 1975-1980. Com o ascenso das lutas operárias em 1978, formam-se centenas de comissões em São Paulo. Será o auge da Oposição Sindical, que além de disputar as eleições sindicais para o Sindicato paulista em 1978, organizará a primeira greve geral pós-ditadura militar em 1978. Em 1979 organiza a segunda greve geral metalúrgica em São Paulo, estará à frente de piquetes móveis que chegaram a contar com cerca de 15 mil operários. Tanto em São Paulo como no ABC as lutas operárias assumem projeção de luta de massas naqueles anos, convergindo com o ascenso das lutas em Osasco, Guarulhos e diversas outras cidades do interior. O ascenso das lutas operárias de massa se desdobra em meio a profunda crise econômica e política da ditadura militar. Em crise, a ditadura é obrigada a fazer concessões, decreta a Lei de Anistia e põe em prática uma nova política salarial. As greves de São Paulo e ABC portam a potencialidade latente de impor uma ruptura efetiva com os planos de abertura orquestrados pelos militares e setores das classes dominantes. 14 Considerando as imbricações desses processos, por fim, traçamos um paralelo com a forma de organização e linha sindical praticada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Sendo que, na atuação da Diretoria desse Sindicato é possível identificar uma marcante resistência às formas de representação por locais de trabalho, comissões e grupos internos. O Sindicato busca afirmar-se reivindicando uma forma de exclusividade de representação. Nela, reafirma-se uma forma de monopólio da representação em contraposição à organização a partir dos locais de trabalho, sobretudo à demanda de comissões independentes. Em meio ao ascenso grevístico, o operariado busca apoiar-se no Sindicato como órgão de unificação e representação de massas. A Diretoria do Sindicato de São Bernardo interage com essa demanda e busca fortalecer o poder da entidade, centralizando o poder político na gestão e estabelecendo a exclusividade de representação. Dessa forma, constrói e reforça uma linha sindical relativamente resistente às pressões da base. Apoiando-se no "peso do aparato sindical", na inexperiência dos novos e massivos setores em movimento, e mesmo no temor à ditadura nutrido por parcela da classe, a Diretoria do Sindicato de São Bernardo consegue sobrepor-se aquelas experiências de organização pela base que vinha sendo experimentada a partir das greves em Osasco em 1968 e pelas comissões de fábrica na cidade de São Paulo. A linha sindical da Diretoria de São Bernardo reforçava a atuação supraestrutural como forma de preservar sua hegemonia e arbitrar entre a classe operária e a ditadura militar burguesa. O grupo dirigente, que compunha e se nucleava em torno da Diretoria do Sindicato de São Bernardo, terá esta forma de atuação com sua característica estrutural, rompendo assim com aquela "tradição" que se desenvolveu em Osasco e São Paulo. No que tange a bibliografia específica sobre o movimento operário no ABC e as greves de 1978-1980, tomaremos por base entrevistas concedidas por Luís Inácio Lula da Silva no período 1978-1981, a compilação Lula - entrevistas e discursos (1981), e também a entrevista Lula - retrato de corpo inteiro (Revista Ensaio, 1982), e a entrevista: São Bernardo: uma experiência de sindicalismo "autêntico" (Revista Cara a Cara, 1978), bem como documentos publicados pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Na revista História Imediata, nº2, publicou-se uma série de entrevistas com operários que atuaram nas greves de 1978 no Estado de São Paulo. Na Revista Escrita Ensaio de abril de 1980, publicou-se uma importante entrevista com dirigentes operários do ABC. Na coletânea de documentos de 15 militantes e organizações políticas, organizada por Celso Frederico A esquerda e o Movimento Operário (vol. III) encontra-se documentos importantes sobre esse processo. Também realizamos cinco entrevistas com operários que trabalharam e militaram em São Bernardo do Campo durante a década de 1970. Além dessa bibliografia "clássica" e entrevistas, tomaremos como importante fonte primária uma das principais publicações oficiais do Sindicato de São Bernardo e dos Autênticos do ABC, o livro As lutas operárias e sindicais dos metalúrgicos de São Bernardo (1977-1979), publicado pelo próprio Sindicato de São Bernardo sob autoria de Luís Rainho e Osvaldo Bargas. Destacando que Osvaldo Martines Bargas foi Secretário Geral do Sindicato de São Bernardo de 1981 a 1983, período em que publica o livro. Como sabido, o cargo de Secretário Geral é o mais importante depois do cargo de presidente. Isso faz do livro, recomendado na contracapa pelo próprio Lula, um diário de bordo oficial da atuação do Sindicato. Entre os livros destacamos a publicação de Celso Frederico (1979), Abramo (1999), Antunes (1988), Moisés (1982), Chasin (2000), Correia (1980), Ianni (1980) e Humphrey (1982). Na análise de Frederico destaca-se que a superexploração fabril, repressão no local de trabalho, deterioração das condições de vida e erosão salarial durante a década de 1970 combinaram-se, criando condições para a eclosão da revolta operária daquele período. Certamente esses variados exercícios de resistência individuais e coletivos, expressos nas operações tartaruga, estavam presentes na formação da vanguarda operária, tanto no ABC como nas fábricas em São Paulo. Focado nas ações no interior da fábrica, o autor acaba não analisando o contexto externo ao qual estavam inseridas essas formas de resistência. Escapa à sua análise a evolução da luta operária e sua evolução ao longo da década de 1970. Mas, no que se propõe, o livro é importante para análise das ações operárias no interior das fábricas. José Chasin, como editor da Revista Ensaio, publicou três importantes contribuições para auxiliar na compreensão da eclosão das greves no ABC paulista: Conquistar a democracia pela base, publicado em 1979, As máquinas param, germina a democracia, publicado em 1980 e Lula versus Luís Inácio da Silva publicado em 1982 (reunidos em: CHASIN, 2000). Nesses artigos, interpreta aquelas mobilizações no marco do esgotamento do ciclo de crescimento econômico da década de 1970 e da luta pela democracia, auxiliando assim na compreensão dos determinantes para eclosão daqueles processos no ABC. Escapa ao foco de Chasin a auto-organização do movimento operário ao longo de toda a década de 1970. No artigo As máquinas param... a reorganização da classe operária é retomada apenas a partir 16 da campanha pela reposição dos 34,1% em 1977. Esse último, assim como o artigo Lula versus Luís Inácio da Silva têm o mérito de criticar a perspectiva da Diretoria do Sindicato de deflagrar uma greve daquelas dimensões sem procurar expandir a base de apoio da greve para além das fábricas do ABC. No entanto não chega à formulação de que tal opção feita pelo grupo de Lula foi produto da luta por hegemonia no movimento operário paulistano. Outra importante interpretação foi realizada por Ricardo Antunes (que pertencia ao mesmo grupo de Chasin) no livro A rebeldia do trabalho (1988), trabalhando centralmente com os artigos e entrevistas da Revista Ensaio, argumenta que os principais motivos daquelas mobilizações foram a luta contra o arrocho salarial e a superexploração. Antunes, defensor da Diretoria de Lula, toma as greves do ABC como algo completamente novo no cenário nacional, ao mesmo tempo analisa as greves como conduzidas por forte ímpeto espontaneísta das massas, considerando esse como o principal elemento que levou o ciclo grevista à derrota. Sua análise ignora totalmente as principais mobilizações decorridas durante a década de 1970. Não dedica uma página sequer às mobilizações protagonizadas pelo operariado de São Paulo, nem mesmo as greves de 1978 e 1979 ocorridas nessa cidade. Tal interpretação conduz o leitor à impressão de que não havia organização operária antes da greve da Scania. Além disso, buscando construir uma imagem de Lula e dos Autênticos de São Bernardo como os elementos mais combativos da classe operária, ameniza as manobras e capitulações operadas pela Diretoria do Sindicato de São Bernardo e Diadema na greve de 1979, assim como diminui a responsabilidade política da mesma na derrota da greve de 1980. Nem sequer cita a perseguição que essa exercia sobre as comissões de fábrica. Em 1978 a gestão do Sindicato do ABC ficou para trás do movimento grevista. Em 1979 entregou a greve e abriu mão das principais demandas reivindicadas para poder retornar à gestão do Sindicato, aceitando 6% de aumento, negando-se a reorganizar a greve depois da trégua de 45 dias descumprindo, assim, o que tinha acordado com o operariado. E, por fim, em 1980, buscando recuperar-se do desgaste sofrido pela capitulação de 1979, em uma "rústica e bizarra encenação de resistência" (nos dizeres de Chasin) manteve a greve até o seu esgotamento último. Enforcou a classe operária na corda da resistência. Além disso, Antunes não admite que o setor de Lula era na verdade uma fração reformista da auto-reforma da transição pactuada operada durante a crise agônica da ditadura militar burguesa. Ao invés de canalizar as demandas mais radicais para empreender a derrota da ditadura, a linha sindical praticada via Diretoria do Sindicato de São Bernardo, foi na verdade uma forma de desvio das 17 possibilidades de auto-organização e de transformação profunda da sociedade brasileira naquele ciclo 1978-1980. Hércules Correia, militante e dirigente do PCB, no trabalho O ABC de 1980, publicado em 1980, afirma que as greves de 1978 foram produto do acúmulo de forças da resistência à ditadura. Sua análise está focada sobre os motivos da derrota da greve de 1980. Seu ponto central é a crítica à estratégia protagonizada pela gestão do Sindicato de São Bernardo em 1980, para o autor a greve deveria ter sido terminada entre o dia 26 de abril e o Primeiro de Maio daquele ano. O debate com as posições do PCB deve levar em conta que o Partido entendia aquelas greves do ABC como muito radicalizadas e que elas colocavam em risco a transição democrática. No mesmo período o Partido (em conjunto com PMDB, MR8 e PCdoB) estava alinhado à Diretoria de Joaquinzão pelego no Sindicato de São Paulo, atacando a Oposição Sindical Metalúrgica por entender que ela colocava em risco a transição pactuada. (Confira esse debate em ANTUNES, 1988). Ainda, sua análise não aborda mais profundamente as greves de 1978 e 1979. Assim, fica fora de sua análise a organização do movimento operário ao longo da década de 1970 bem como os determinantes da crise do regime naquela década. Apesar disso, trata-se de um trabalho importante para compreender o debate acerca da greve de 1980. José Álvaro Moises, escreve uma série de artigos ao final da década de 1970 e início da década de 1980 sobre as greves no ABC paulista. Esses foram reunidos no livro Lições de liberdade e de opressão (1982). Moisés é também defensor da atuação do sindicato do ABC, suas análises apontam uma série de motivos para as greves, tanto a luta pela liberdade de organização, contra a opressão da ditadura e do patronato como a luta pela cidadania. Sua análise tem o mérito de abordar aspectos das lutas operárias durante a década de 1970 em São Paulo. Debate de forma mais profunda a posição do sindicato de São Bernardo em relação às comissões de fábrica e delegados sindicais. Para o autor, ao invés de combater as comissões de fábrica como fez o sindicato, era necessário organizar as comissões de fábrica, delegados sindicais e sindicato para com isso construir um movimento operário mais democrático e organizado pela base contornando os limites e imobilismo da estrutura sindical vigente. Amnéris Maroni, no livro A estratégia da recusa (1982), interpreta as greves de 1978 como uma forma de resistência às determinações organizacionais do sistema produtivo, compreendendo o surgimento das comissões de fábrica em São Paulo como aspecto da luta pelo controle do processo produtivo. Nesse livro, a luta operária é explicada centralmente 18 como decorrente do contra-poder no local de trabalho. As lutas sociais e políticas decorridas fora do espaço da fábrica, a atuação de setores de vanguarda é silenciada. Seu material de análise são os artigos da Revista Oboré, intitulada História imediata (1979), no entanto a autora não cita devidamente a revista ficando a impressão de que foi ela quem coletou as entrevistas. Lélia Abramo publicou um dos livros mais importantes e sérios sobre as greves no ABC, cujo maior mérito é a qualidade de seu material empírico. O resgate da dignidade (1999), como explicita o título do livro, denota como elemento principal daquelas greves, admitindo o caráter político que assumiam, a luta pela "recuperação da dignidade dos trabalhadores" vilipendiada pela perda salarial, intensificação do ritmo de trabalho, rotatividade no emprego, péssimas condições de trabalho e despotismo patronal. Embora nossa interpretação destoe da tese central da autora, sua consulta é indispensável. A autora analisa que: "a eclosão das greves de 1978 foi resultado de um complexo processo em que se destacam três elementos principais". Destacando: "a contraditória vivência das condições de trabalho e as múltiplas práticas de resistência desenvolvidas no interior das empresas durante os anos 70", bem como: "o surgimento de um novo tipo de ação sindical", e "uma conjuntura política marcada por aguda crise de legitimidade do regime militar que potencializou a força e a capacidade expressiva do movimento". (ABRAMO, 1999, p. 179). Esse livro, embora a autora também seja defensora da atuação do Sindicato do ABC durante toda a década de 1970, tem o mérito de apresentar dados significativos de pesquisa de campo, detalhes das greves nas fábricas do ABC no ano de 1978. Analisa que as greves foram "resultado do surgimento de um novo tipo de ação sindical que, embora não tivesse sido responsável direto e explícito pela sua organização e deflagração, teve um papel fundamental em todo o processo que culminou na sua eclosão". (ABRAMO, 1999, p. 37). Essa é, na verdade, uma perspectiva comprometida com a ação dos Autênticos da Diretoria do Sindicato de São Bernardo. Pois esses não inauguraram "um novo tipo de ação sindical" no cenário da história da luta operária no Brasil. Também não tiveram papel fundamental na eclosão do ciclo grevista. Embora o cotidiano das salas do Sindicato possa dizer muito sobre as lideranças que se formam na Diretoria, diz pouco ou quase nada sobre a eclosão daquele movimento. Segundo nossa interpretação, enquanto a ditadura entrava em uma crise econômica profunda a partir de 1973, o movimento operário e popular acumulava forças em lutas cotidianas intra e extra-fabril ao longo de toda a década. Não foi o Sindicato do ABC o 19 responsável por fazer as lutas operárias virem à tona. Nem mesmo foi a combativa Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo a responsável por fazer eclodir as greves de massa e os piquetes com milhares de pessoas em 1979. Mesmo com tais especificidades, o livro de Abramo contém importante análise das greves nas fábricas auxiliando de forma imprescindível na compreensão daquele movimento. Esse trabalho, assim como o de Humphrey, Fazendo o Milagre (1982) e Operários da indústria automobilística (1979) estão entre os mais importantes trabalhos empíricos sobre as greves do ABC. O trabalho de Humphrey publicou um importante relatório de pesquisa: Operários da indústria automobilística no Brasil: Novas tendências no movimento trabalhista. Este foi ampliado e publicado em livro sob o título: Fazendo o Milagre, embora contendo boa base empírica e sendo de leitura indispensável, assim como os de Abramo, Antunes, Moisés e Chasin, é muito comprometido com uma defesa acrítica das políticas aplicadas pelo Sindicato de São Bernardo, em especial das gestões de Lula. Entre os elementos problemáticos do livro estão: negar que o sindicato sobre gestão de Lula se colocava como apolítico; ao mesmo tempo identificar uma combatividade nessas gestões que elas de fato nunca tiveram (conforme podemos observar pelas intervenções nas assembleias no Estádio Vila Euclides) e por fim; construir uma ideia de que o ascenso das lutas sindicais do final da década de 1970 no ABC se devem ao tipo de intervenção do Sindicato do ABC. Por mais que a opinião do autor busque construir uma ideia de combatividade das gestões de Lula no Sindicato, em seu próprio artigo e também no livro fica evidente o interesse dessa diretoria sindical de diferenciar-se do restante do operariado para conseguir acordos e reajustes melhores apenas para os operários das grandes montadoras. Claro que a gestão de Lula e sua Diretoria não eram idêntica a de "Joaquinzão Pelego", que era um interventor direto da ditadura. A Diretoria de Joaquinzão recusava-se inclusive a encaminhar os índices de reajustes reivindicados pelos operários de São Paulo. A Diretoria de Lula não agia como Joaquinzão. Diferenciava-se por reivindicar os reajustes que eram desejados pela base e, já no início de 1978, passa a defender a deflagração de greves como forma de pressão por melhores reajustes salariais. Criticava direta e publicamente a política salarial da ditadura e do patronato. Isso por sua vez, era uma forma de reposicionar-se dentro do novo período de mobilizações que decorre a partir de 1975 e para legitimar seu poder sindical. Ao mesmo tempo, essa diretoria não pode ser caracterizada como de enfrentamento com a ditadura militar, em suas entrevistas Lula por várias vezes elogia figuras 20 comprometidas com a ditadura (LULA, 1981). Além disso, negociava sempre dentro das prerrogativas permitidas pela ditadura, dentro das exigências patronais, dos lucros do setor, etc. Sua atuação e resultados denotam fortemente sua opção de trilhar por dentro das determinações e necessidades da burguesia e das forças armadas e da democratização por dentro da ditadura militar burguesa. Nos anos 1978, 1979 e 1980 isso fica muito claro, quando a Diretoria do Sindicato de São Bernardo aceitou as prerrogativas patronais em detrimento das demandas daquele operariado. Invertendo o processo real, Humphrey, assim como faz Antunes (1988), põe todo o acento na gestão do sindicato. Ela é vista como responsável pelo desencadeamento do ascenso operário massivo, como se aquela diretoria, em seu ímpeto e determinação, estivesse à frente dos anseios de suas bases, animando-as e fazendo-as avançar para além de seus limites. O protagonismo das dezenas de milhares de operários não encontram espaço em sua análise. A tese central do nosso trabalho é que existia uma forma alternativa de organização sindical, que em muitos aspectos, se opunha à perspectiva que se desenvolveu a partir do ABC pós 1978. No período 1978-1980, dois modelos de ação sindical se chocam. Uma proposta com maior enraizamento nas bases operárias, que se opunha à estrutura sindical vigente, reivindicando um sindicalismo independente, desatrelado do Estado, sustentado em comissões e grupos de fábrica, e outra que se desenvolve por dentro da estrutura sindical opondo-se frontalmente a auto-organização pela base. Embora o chamado "novo sindicalismo", hegemonizado pelos Autênticos2 de São Bernardo, tenha sido o modelo que teve maior vigência e ocupou maior espaço no sindicalismo brasileiro de 1978 em diante, esse modelo de ação sindical não era o único existente. O sindicalismo do eixo industrial Osasco- São Paulo era, em certa medida, uma via que concorria com o modelo praticado pela Diretoria do Sindicato de São Bernardo. 2 Chamou-se de "Autênticos" os militantes que não eram completamente alinhados com as diretivas políticas da ditadura militar burguesa. O termo popularizou-se durante a década de 1970. Inclusive, dentro do MDB, formou- se um grupo de "políticos autênticos", que não se alinhavam completamente com a linha central do partido e da ditadura, eram chamados, na primeira metade da década de 1970, de "Autênticos do MDB". Também o Movimento pela Reposição Salarial, de 1977, que congregava uma variada gama de sindicalistas ("pelegos" de maior ou menor adesão à ditadura e "não-pelegos"), reivindicava-se como um movimento de "sindicalistas autênticos". Em julho de 1978, pós as greves do ABC, no V Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores Industriais, realizado no Rio de Janeiro, é lançada uma carta de princípios denominada Carta dos dirigentes Autênticos. No entanto, o termo ganhará ainda mais notoriedade a partir do ciclo de greves de 1978- 1980, sendo o Sindicato Metalúrgico de São Bernardo o que mais capitalizará os aspectos positivos desse termo. 21 A execução da pesquisa envolveu entrevistas semi-estruturadas com operários que militaram nas greves de Osasco em 1968, e que, posteriormente vieram a integrar-se na construção de atividades do movimento operário ao longo da década de 1970. Realizamos 23 entrevistas com operários e operárias que participaram ativamente das greves de Osasco de 1968 e construíram o Movimento de Oposição Sindical de São Paulo, articularam e militaram nas greves metalúrgicas durante a década de 1970. Trabalhamos a base operária que construí e atuou nos principais processos grevistas do final da década de 1960 até as greves do ABC de 1978-1980. Essa mesma base operária e militante é que construirá o Partido dos Trabalhadores e a Central Única dos trabalhadores durante a década de 1980, 1990 e 2000. Com base nessas entrevistas e bibliografia especializada, construímos uma explicação teórica sobre a trajetória e desenvolvimento político do movimento operário. O objetivo específico da tese é analisar os elementos históricos e sociais que condicionaram e deram corpo político à atuação do movimento operário e sindical de 1968 até 1980. Para isso, discutimos distintas estratégias e táticas que coabitaram o movimento operário pós-golpe militar. Aqui o acento recaiu sobre as estratégias de enfrentamento e conciliação com o Estado burguês e o patronato, mas também sobre a forma de organizar a classe operária em um projeto sindical, político e social. Por fim, chocam-se duas estratégias políticas: a oriunda do movimento operário de Osasco e São Paulo, contra a estratégia dos Autênticos de São Bernardo. Cabe diferenciar aqui movimento operário de movimento sindical. Por movimento operário entendemos atuação organizada que vai para além da atividade sindical. O movimento operário engloba a totalidade das atividades políticas, sociais, teóricas e sindicais expressas pelo conjunto do proletariado3, extrapolando os limites reivindicativos de valorização e adequações do regime burguês. Entendemos por movimento operário a atuação 3 Friedrich Engels no trabalho Princípios básicos do comunismo de 1847, define o proletariado como a classe em relação à divisão hierárquica do trabalho. “[...] que tira o seu sustento única e somente da venda do seu trabalho e não do lucro de qualquer capital; [classe] cujo bem e cujo sofrimento, cuja vida e cuja morte, cuja total existência dependem da procura do trabalho e, portanto, da alternância dos bons e dos maus tempos para o negócio, das flutuações de uma concorrência desenfreada”. (Engels, 1982). Também Marx n’O capital, afirma que por proletário “deve entender-se economicamente o assalariado que produz e expande o capital e é lançado à rua logo que se torna supérfluo às necessidades de expansão do “monsier capital”. (MARX, 1989, p. 714, nota 70). No relançamento do Manifesto do partido comunista, em 1888, Engels introduz uma nota para precisar a definição de proletariado, nas palavras do autor, por proletariado entendia-se “a classe dos assalariados modernos que, não tendo meios, são obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver”. (p. 40). Entendemos então que incluem-se na categoria de proletariado todos os despossuídos de meios de produção, tais como os trabalhadores e trabalhadoras agrícolas, campenses, trabalhadores e trabalhadoras das cidades, donde se inclui os operários fabris, terceirizados etc... Na concepção de Marx, 2004: Marx e Engels, 2005, Lênin, 2010, Trotsky, 2005: 2007a, todas estes segmentos da classe trabalhadora, despossuídos de meios de produção, necessitam ser organizados pelo partido revolucionário para superação do capitalismo. 22 organizada da classe trabalhadora que questiona a dominação de classe. Já por movimento sindical compreendemos a atuação sindical por meio de instituições reconhecidas pelo Estado, tal como os sindicatos, as centrais sindicais, as federações e confederações que reivindicam reajustes salariais e a valorização da força de trabalho, melhores condições de trabalho etc. Como fizemos esta pesquisa Para promover coleta de dados utilizei técnicas de pesquisa qualitativa, buscando apreender os principais elementos da experiência vivida, percebida e compartilhada por grupos de operários e operárias que se organizaram em grupos de fábricas, comissões de fábrica e em torno de sindicatos de suas categorias, realizei vinte e três (23) entrevistas, com operários e operárias no período de 10 de fevereiro de 2013 a janeiro de 2015. Por meio do estudo bibliográfico, documental e das entrevistas, caracterizamos os principais processos e debates desenvolvidos no meio sindical e operário. Como selecionamos os entrevistados Em fevereiro de 2012 em uma atividade sindical que tinha como objetivo central a reintegração de um sindicalista demitido por ser militante da Caixa Econômica Federal, descobri que o mesmo era da Região de Osasco. Um amigo em comum nos apresentou. A partir desse contato, expliquei que estava interessado em entrevistar operários de Osasco. Bastava que fossem operários ou ex-operários que tivessem história de militância no movimento sindical e de alguma forma tivessem contatos com greves, CUT e PT. Assim cheguei ao primeiro entrevistado Albertino Oliva, que trabalhava como advogado da Cobrasma em 1968 e que integrou a Frente Nacional do Trabalho, uma organização católica. A partir disso segui indicações dos entrevistados para chegar a outros nomes de militantes que participaram daquele processo. Assim entrevistei Octaviano, (conhecido no meio sindical como "Tigrão"), José Pedro da Silva ("Zé Pedro"), Antonio Vieira de Barros (“Toninho três oitavos"). Na sequência de indicações cheguei até João Joaquim. Por sua vez, João Joaquim me indicou o nome de Joaquim Miranda. Entrevistei Roberto Espinosa em julho de 2013, Stanislaw Szermeta ("Stan"), Waldemar Rossi, Jorge Luiz Santos Oliveira ("Jorge Preto"). Com base nas indicações, cheguei também a Anízio Batista, Cloves Castro, Sebastião Lopes Neto, Maria do Carmo Gomes, Sofia Dias Batista, Maria José Soares ("Mazé"), Elias Stein, Alberto Eulálio ("Betão"), que foi diretor do Sindicato de São Bernardo em 1981, Francisco Carlos de Souza ("Chico gordo"). Além desses, foram entrevistados: Gilson Menezes, 23 principal articulador da greve da Scania em 1978 e diretor do Sindicato de São Bernardo em 1978. João Paulo de Oliveira, que foi operário na Mercedes Bens de 1970 a 1974 e membro da Diretoria do Sindicato de São Bernardo em 1981. Ivan José Maciel (militante, bancário), Rosa Maria Eleutério (militante, que trabalhou como jornalista da Folha de São Paulo e Estado de São Paulo). Por conta da importância daqueles processos vividos, todos os entrevistados tornaram- se pessoas públicas, existem muitas entrevistas com os mesmos em livros e em meios digitais. De acordo com as leituras feitas durante a pesquisa bibliográfica chegamos à formulação de algumas questões. Estas serviam como um roteiro, mas as entrevistas eram abertas semi-estruturadas para novas questões que surgiam durante o relato da experiência do entrevistado. Ainda, muitos dos elementos colocados pelos operários nas entrevistas foram reformulados em novas questões. 1) Onde nasceu? 2) Qual foi seu primeiro emprego? 3) Qual foi a primeira experiência de militância? 4) Qual foi a primeira greve que participou? 5) Como se aproximou do movimento sindical? 6) Qual a participação em eleições sindicais? Participou do Primeiro de Maio na Praça da Sé? Participou de comissão de fábrica ou grupos de trabalho clandestino? 7) Participou de greves durante a década de 1970? 8) Como foram as greves de 1978-1980 em São Paulo e no ABC? Participou da fundação do PT? Participou da fundação da CUT? Quais os principais processos que participou durante a década de 1980? Quando se deram as principais mudanças no PT e na CUT? Como avaliou o governo Lula? 24 CAPÍTULO I - MOVIMENTO OPERÁRIO EM OSASCO E SÃO PAULO DURANTE A DÉCADA DE 1960: EXPERIÊNCIAS DO SINDICALISMO DE BASE É lugar comum afirmar que o golpe militar-burguês de 1964 teve como objetivo principal findar a disputa entre dois blocos políticos que defendiam projetos distintos para o Brasil. Essa análise pode ser verificada, por exemplo, nas Resoluções Políticas da Conferência Nacional de 1962, do PCB. De acordo com o documento, aquela conjuntura era caracterizada: "por um contínuo aguçamento da luta entre as forças nacionalistas e democráticas, de um lado, e as reacionárias e entreguistas, de outro". (PCB, 1962, p. 198). O que demandaria ao Partido, com toda sua força militante, fazer-se escudeiro da burguesa nacional, defendendo um programa de reformas burguesas na sociedade brasileira. Segundo essa visão, o bloco Nacionalista seria formado pelo PCB, PTB, burguesia nacional, industriais, parte dos latifundiários, setores dos movimentos populares e sindicais e setores da Igreja. A este bloco nacional reformista, opunha-se um bloco entreguista que englobava setores dos latifundiários ligados ao imperialismo e articulados em torno do PSD e UDN. (Confira: VINHAS, 1982: MAZZEO, 1999). Na perspectiva do PCB, antes de fazer a sua revolução, o proletariado deveria juntar- se com setores da burguesia nacional para ajudá-la a fazer uma revolução democrático- burguesa. Tal estratégia de colaboração de classes, pautada na "teoria" do socialismo em um só país e na "teoria" da revolução por etapas, foi sumarizada pelo grupo articulado em torno de Stalin no VI Congresso da Internacional Comunista de 19284. Nesse Congresso definiram- se os países maduros e não-maduros para o socialismo. Apenas em 3 países do mundo o proletariado poderia desencadear um processo revolucionário tendo como objetivo direto a 4 Cabe acrescentar que a "teoria" do socialismo em um só país e da revolução por etapas não em 1928. Elas são elaboradas logo após a morte de Lênin, no interregno de 1924 a 1926. Opera significativos giros à direita para atacar os setores revolucionários do Partido Bolchevique e do movimento operário e camponeses. As primeiras formulações desta nova linha do Partido Comunista da União Soviética vêm a público em 18 de maio de 1924, por meio do texto intitulado Sobre os fundamentos do Leninismo (https://www.marxists.org/portugues/stalin/1924/leninismo/index.htm), assinado por Stalin, mas publicado durante sua primeira atuação em conjunto com Zinoviev e Kamenev, na direção do Partido Comunista Russo conhecida como troika. O texto busca consubstanciar as propostas de orientação que seriam apresentadas no V Congresso da Internacional Comunista que seria realizado no mês seguinte. Desta forma, o documento é, na prática, uma tese pré-congressual. É uma amalgama de citações de Marx e Lênin, misturando posições corretas dos revolucionários às necessidades da burocracia soviética e sua nova linha. Define a revolução russa como um caso único, em que uma pequena classe operária conseguiu acaudilhar a maioria campesina para a tomada do poder. Em 25 de janeiro de 1926, vem a público o texto Questões do leninismo. (https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe1/Stalin%20-%20Obras%20escogidas.pdf). Neste texto, também assinado por Stalin, publicado durante sua aliança com Bukharim e Richov na direção do Partido Comunista Russo (conhecida como triunvirato), reforça-se as justificativas para a "teoria" do socialismo em um só país e a revolução por etapas. Operando outro giro à direita, são criticadas inclusive às formulações expressas no texto Sobre os fundamentos do Leninismo. 25 construção do socialismo, podia “passar direto à ditadura do proletariado" os Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra. No segundo bloco estavam: Países de desenvolvimento capitalista médio (Espanha, Portugal, Polônia, Hungria, Balcãs, etc.), países que "não têm ainda concluída a sua transformação democrática-burguesa". Por fim defini-se um terceiro bloco de países ainda mais atrasados, onde se inclui o Brasil, onde não seria possível a edificação independente do socialismo: Países coloniais e semicoloniais (China, Índia, etc) e países dependentes (Argentina, Brasil e outros) possuindo um embrião de indústria, por vezes mesmo uma indústria desenvolvida, insuficiente embora, na maioria dos casos, para a edificação independente do socialismo; países em que predominam as relações sociais da Idade Média feudal ou o «modo asiático de produção», tanto na vida econômica como na sua superestrutura política; países, enfim, em que as principais empresas industriais, comerciais, bancárias, os principais meios de transporte, os maiores latifúndios, as maiores plantações, etc, se encontram nas mãos de grupos imperialistas estrangeiros. Aqui têm uma importância primordial, por um lado, a luta contra o feudalismo, contra as formas pré-capitalistas de exploração e a consequente revolução agrária e, por outro lado, a luta contra o imperialismo estrangeiro, pela independência nacional. A passagem à ditadura do proletariado só é possível nestes países, regra geral, depois de uma série de etapas preparatórias, esgotado todo um período de transformação da revolução burguesa-democrática em revolução socialista, sendo que o sucesso da edificação socialista é, na maior parte dos casos, condicionado pelo apoio direto dos países de ditadura proletária. (Resoluções do VI Congresso da Internacional Comunista - 1928). Aplicando tal estratégia no Brasil, o PCB abria mão da defesa da independência de classe preconizada por Lênin: "A salvaguarda da independência ideológica e política do partido do proletariado é obrigação constante, invariável e incondicional dos socialistas". (LÊNIN, 1979, p. 102). Lembremos ainda que o capitalismo5 brasileiro é amplamente aberto ao capital internacional sob a égide do governo de Juscelino Kubitscheck, quando opta por desenvolver o D3 - Departamento de bens de consumo em lugar do D1 - bens de produção via indústria nacional. (OLIVEIRA, 1976). A burguesia reafirmava sua opção de ser sócia menor das multinacionais e do imperialismo norte-americano e europeu. 5 Conforme resumiu Lênin: "Denomina-se capitalismo a organização da sociedade em que a terra, as fábricas, os instrumentos de produção, etc., pertencem a um pequeno número de latifundiários e capitalistas, enquanto a massa do povo não possui nenhuma ou quase nenhuma propriedade e deve, por isso, alugar sua força de trabalho. Os latifundiários e os industriais contratam os operários, obrigando-os a produzir tais ou quais artigos, que eles vendem no mercado. Os patrões pagam aos operários exclusivamente os salário imprescindível para que estes e sua família mal possam subsistir, e tudo o que o operário produz acima dessa quantidade de produtos necessária para a sua manutenção o patrão embolsa; isso constitui o seu lucro. Portanto, na economia capitalista, a massa do povo trabalha para os outros, não trabalha para si, mas para os patrões, e o faz por um salário. Compreende-se que os patrões tratem sempre de reduzir o salário; quanto menos entreguem aos operários, mais lucro lhes sobra. Em compensação, os operários tratam de receber o maior salário possível, para poder sustentar sua família com uma alimentação abundante e sadia,viver numa boa casa e não se vestir como mendigos, mas como se veste todo mundo. (...). (LÊNIN, 1979, pp. 36-37). 26 Segundo esta visão de dois blocos, o golpe militar-burguês destinava-se “a derrotar o modelo nacionalista de desenvolvimento, enquanto estrutura de poder política e econômica. Simultaneamente, derrotam-se as classes assalariadas e parte do empresariado nacional”. (IANNI, 1987, p. 204: Confira também o relatório da Comissão Nacional da Verdade, GT-13, 2014). Esta visão compreende o golpe de 1964 como produto de disputas parlamentares supra-estruturais. Entendendo que os distintos setores da classe trabalhadora do campo e das cidades, que se insurgiam em variadas e radicalizadas lutas e enfrentamentos de classe, eram apenas um elemento que "temperava" as disputas entre nacionalistas e entreguistas6. Aqui trabalhamos com outra corrente interpretativa, segundo a qual havia um terceiro bloco, formado pelo proletariado do campo e das cidades. Esse bloco ganha coesão e força desde a década de 1940 até o pré-golpe. Esse era o bloco central que rompia a ordem de dominação burguesa, que para preservar sua dominação lançou mão de um golpe preventivo contra-revolucionário como forma de conter a situação potencialmente pré-revolucionária que se delineava no início de 1964. (FERNANDES, 2009). Assim, o golpe burguês-militar teve como objetivo central derrotar o ascenso da classe trabalhadora brasileira do campo e da cidades que viam intensificando suas formas de auto-organização desde a crise da ditadura de Getúlio Vargas. No início da década de 1960 tinha-se um proletariado forte e uma burguesia em crise de hegemonia. Era necessário derrotar a classe trabalhadora para recompor a dominação burguesa, as taxas de exploração de mais valor e as margens de lucro. Como apontou Moisés: "De fato, na conjuntura de profunda crise política e institucional do início dos anos 60, o movimento sindical aparecia como um ator decisivo e, mesmo perigoso, capaz de levar milhares de trabalhadores à ação coletiva, através das greves. (MOISÉS, 1982, p. 85). O golpe de 1964 impunha uma forma de dominação política ditatorial e policialesca como forma de recompor o conjunto heterogêneo das frações da burguesia interna e externas em um novo bloco do poder. (FERNANDES, 2009). Conforme veremos, para se rearticular e recompor suas margens de lucro e de dominação sobre o proletariado do campo e das cidades, era necessário fazer refluir a fórceps a crise profunda aberta desde a renúncia de Jânio Quadros7. 6 No cinema, tal visão pode ser observada no documentário de Silvio Tendler: Jango. Também no documentário O dia que durou 21 anos, dirigido por Camilo Galli Tavares (Cidade do México, 1971). E no documentário Dossiê Jango - o golpe de Estado de 1964 no Brasil (2013), dirigido por Paulo Henrique Fontenelle. 7 Nesse sentido, confira dois trabalhos de Moniz Bandeira: A renúncia de Jânio Quadros e a crise pré 64. Editora brasiliense. São Paulo. 1979 e Brizola e o trabalhismo. Ed. Civilização brasileira, 1979b. 27 Assim, o motivo do golpe não foi a "disputa entre dois programas" da burguesia, não foram as propostas das "reformas de base" e seu anúncio público por João Goulart em 13 de março de 1964 em frente à Estação Central do Brasil no Rio de Janeiro. Antes disso, as propostas organizadas como reformas de base, debatidas entre setores do governo, eram, na verdade, uma forma de responder às demandas da classe trabalhadora do campo e das cidades que tomava as ruas e paralisavam a produção desde a década de 1940. Em mais de 20 anos de experimentação e auto-organização, polarizava-se a luta de classe no país, ganhando, logicamente, expressões parlamentares. Assim, concordamos com Murilo Legal quando analisa que o golpe de 1964: "foi um golpe de classe contra todas as conquistas que já haviam sido obtidas pelos trabalhadores no campo material, político e simbólico desde o pós-guerra" (LEAL, 2011, p. 461). Foi sobretudo, um golpe contra a classe operária. (BANDEIRA, 1977: ANTUNES, 1988: CHASIN, 2000: LEAL, 2004: 2011). Vejamos concretamente os elementos centrais desse processo. 1942-1964: auto-organização operária e o PCB Para uma leitura mais expandida sobre o protagonismo objetivo da classe trabalhadora em luta, é importante empreender esforço para analisar as mobilizações operárias não apenas nas iniciativas do sindicato ou de suas direções, mas também em seu ativismo expresso em formas de auto-organização, tanto no chão de fábrica como nos piquetes e em movimentações de bairros de trabalhadores e periferias, uma vez que as questões de trabalho e demandas urbanas (habitação, saúde, transporte, etc.) se interligam objetivamente. Já em 1942, em meio à entrada do Brasil na II Guerra (Missão Aranha) e os consequentes "esforços de guerra" com suspensão do direito de férias e aumento das jornadas de trabalho, os operários são designados como "soldados da produção". Floresce o descontentamento, intensificam-se as atividades sindicais e políticas da classe trabalhadora, nos locais de trabalho surgem comissões de fábricas (LEAL, 2011, p. 331), tem-se o início de um período de fortalecimento da classe operária nos principais centros urbanos do país. (MATTOS, 2009, p. 74). No mesmo período, com o despontar de uma redefinição do novo equilíbrio de poderes na política internacional em favor dos Aliados contra o nazi-fascismo, a questão da democracia ganha vigor determinante para as conjunturas nacionais. O Brasil passa a sofrer pressões externas, sobretudo dos EUA (que passou a principal aliado econômico), para findar a ditadura varguista. No período 1943-1945, o apoio das classes dominantes à ditadura vive 28 crescente erosão. (CORSI, 2000). Vargas então passou ao discurso mais nacionalista e intentou aproximar-se da classe trabalhadora como forma de recompor sua base de sustentação política e social. Essa era uma forma de assegurar a sua própria sobrevivência política, substituir o apoio da burguesia pelo apoio da classe trabalhadora. A CLT, que unificava uma série de conquistas trabalhistas, foi promulgada em 1943 e constitui parte importante dessa política. (CORSI, 2000). De início, o meio principal para desenvolver esses vínculos com o movimento sindical será os sindicatos oficiais. No final de 1945 Vargas criará o PTB como forma de organizar sua base entre trabalhadores e preparar sua eleição em 1950. O PTB não era um partido de trabalhadores, mas um partido para trabalhadores, fundado para englobar industriais, latifundiários e trabalhadores, posteriormente contará com apoio patronal e de industriais que dirigirão o partido. (BENEVIDES, 1989). As mudanças da política internacional e a realocação de Vargas, somadas às determinações de Stalin na URSS levam o PCB para a base de apoio do ditador. Conforme registrou Moisés Vinhas, militante e dirigente do PCB: No Brasil, estudantes e trabalhadores ganham as ruas em manifestações contra o Eixo e cresceram as insatisfações contra o custo de vida, baixos salários, etc. Em processo de reorganização, os comunistas adotaram a linha da União Nacional contra o fascismo, oferecem apoio a Vargas e impulsionam os movimentos de massa pelo envio de uma Força Expedicionária Brasileira aos campos de batalha na Europa. Da prisão, Luis Carlos Prestes lança apelo aos tenentistas, à União Nacional dos Estudantes (UNE), à Ação Católica Brasileira e outros organismos, para que se irmanassem ao governo no esforço de guerra. Comunistas apresentam-se como voluntários e alguns, como Jacob Gorender, integram a FEB. Na volta, assim como Salomão Malina, outros se tornam comunistas. (VINHAS, 1982, pp. 73-74). O PCB alia-se ao ditador e a seu novo partido o PTB, criado em 15 de maio de 1945. Juntam-se na "campanha pela permanência de Vargas no poder, sob a divisa "Constituinte com Getúlio". (LÖWY, 1980, p.50). Seguindo as diretivas de Stalin, o PCB, "como todos os partidos comunistas que participavam do bloco dos aliados, faz uma política de 'União Nacional', apoiando o governo e rejeitando como 'esquerdista' e 'sectária' toda crítica à Vargas, ao Estado Novo e suas instituições". (LÖWY, 1980, pg. 47-48). Com as ações de Getúlio de legalização dos partidos e anistia aos presos políticos, aprofundam-se as alianças do PCB com o ditador. De acordo com Vinhas: "Os comunistas apoiaram decididamente Getúlio e saíram às ruas para lutar pela 'constituinte com Getúlio' ao lado dos 'queremistas' (Como eram chamados os partidários de Vargas, em decorrência do slogan 'queremos 29 Getúlio', utilizado na campanha)". (VINHAS, 1982, p. 86).Também neste momento, o PCB abre mão do princípio da independência em relação ao Estado burguês. Aplicando a política e estratégia de Stalin, opõem-se aos princípios básicos do marxismo revolucionário, expressos por Lênin, segundo o qual: "O princípio fundamental, o primeiro preceito de todo movimento sindical, consiste no seguinte: não confiar no Estado, confiar unicamente na força de sua classe. O Estado é a organização da classe dominante. Não confieis nas promessas, confiai unicamente na força da união e da consciência de vossa classe". (LÊNIN, 1979, 169). O PCB segue caminho oposto ao apontado por Lênin8, acaba ajudando Vargas na "estabilização da estrutura sindical controlada pelo Estado". (LÖWY, 1980, p. 47). Conforme analisou Gorender: Conquistada uma situação de legalidade em 1945, excepcional em sua trajetória histórica, o PCB se iludiu pela aparente concórdia internacional reinante no breve lapso entre a derrota do Eixo nazifascista e a deflagração da Guerra Fria. Continuou a se orientar pelo enfoque da união nacional contra o fascismo, sem perceber as alterações na disposição das forças de classe dentro do País. (GORENDER, 1987, p. 20). O Partido, seguindo a linha internacional do Partido Comunista Russo, firmada em Yalta e Potsdam de convivência pacífica entre capitalistas e comunistas, destaca-se como defensor da "ordem e tranquilidade". No Discurso de Luís Carlos Prestes no Estádio de São Januário, Rio de Janeiro, em 1945, o Secretário Geral do PCB, defendendo a conciliação de classes, afirma que: "a democracia burguesa volta-se para a esquerda, a classe operária tem a possibilidade de aliar-se com a pequena burguesia do campo e da cidade e com a parte democrata e progressista da burguesia nacional". (PRESTES, 1945, p. 100). Em outro trecho do mesmo discurso, defendendo "o caminho da ordem e da tranquilidade" afirma que: "É por intermédio de suas organizações sindicais que a classe operária poderá ajudar o Governo e os patrões a encontrar soluções práticas, rápidas e eficientes para os graves problemas econômicos do dia". (Idem, p. 107). Em comício realizado em Recife, em 26 de novembro de 1945, Prestes, maior autoridade do PCB, afirma que: "é preferível, companheiros, apertar barriga, passar fome, do que fazer greve a criar agitações - porque agitação e desordem na etapa histórica que estamos atravessando só interessa ao fascismo. O Partido Comunista foi, durante esses 6 meses o 8 Lênin destaca: "O velho Estado (...) nunca foi nem pode ser outra coisa a não ser a ditadura da burguesia, isto é, daqueles que têm em suas mãos as fábricas, os instrumentos de produção, a terra, as estradas de ferro, em resumo, todos os meios materiais, todos os instrumentos de trabalho, sem cuja posse o trabalho continua escravizado". (LÊNIN, 1979, p. 173). 30 esteio máximo da ordem em nossa terra". (PRESTES, 26/09/1945, p. 116). Em seu brevíssimo período de legalidade (1945-1947), afirma-se como guardião da ordem burguesa. Na II Conferencia Nacional do PCB, de agosto de 1943, chamada Conferência da Mantiqueira, o PCB passa a defender o pacifismo frente ao governo, de acordo com Gorender9 (...) Prestes e os principais dirigentes saídos da Conferência da Mantiqueira (Diógenes de arruda, Pedro Pomar, João Amazonas e Maurício Grabois) se entregaram à pregação de um trivial pacifismo. Acreditavam nos bons propósitos da burguesia nacional, então chamada de “progressista”, e recomendavam aos trabalhadores o entendimento com os patrões em benefício do desenvolvimento da economia brasileira. (p. 20-21). Porém, o PCB encontrará pós 1943, um proletariado pouco disposto à tranquilidade, como se pode observar por meios das mobilizações operárias e populares, com no caso dos quebra-quebras dos ônibus da CMTC em 1947, os saques e prisões nesse ano. Era uma forma de rebelião popular que não encontrava qualquer canal partidário organizado pelo qual pudesse se expressar. (MOISÉS, 1983). O PCB, na busca pela "ordem e tranquilidade" se aliará com o PTB buscando chegar à crista das mobilizações para controlá-las como forma de construir-se. Em conjunto com o PTB constrói o MUT - Movimento de Unificação dos Trabalhadores. São esforços para se ligar ao operariado que adentra em uma onda crescente de mobilizações que, com avanços e recuos, fará importantes experiências de auto- organização e enfrentamento com as forças estatais. A queda daquela ditadura libertará ainda mais as atividades reivindicativas do proletariado urbano e rural. Conforme recorda Singer (1982), a ditadura Vargas (...) adotou medidas de ‘mobilização bélica da mão de obra, que naturalmente serviram para barateá-la, tais como prolongar a jornada de trabalho, reduzir os padrões sanitários, impedir a mobilidade entre empregos dos que trabalham em estabelecimentos considerados de importância militar (nos quais se incluíam as tecelagens, entre outras) etc. Terminada a guerra, a exigência de cumprimento das disposições legais trabalhistas se impôs, amparada numa maior autonomia (e combatividade) sindical, decorrente da liberalização política. Era lógico que o impacto do aumento do custo da força de trabalho fosse repercutir nos preços e que a elevação do custo de vida consequentemente viesse a fundamentar novas reivindicações salariais. (SINGER, 1982, p. 31). Assim que tomou posse em 1946, o General Dutra: "assistiu a cerca de 60 greves apenas nos seus primeiros dois meses, cerca de 100 mil operários decretam greve no Rio de Janeiro; Em São Paulo se assistirá mais seis paralisações nesse ano. (MATTOS, 2009, p. 83). 9 Importante destacar que Jacob Gorender, além de estudioso do tema também foi um dos membros dirigentes que compunha o Comitê Central do PCB. 31 Os militantes do PCB ficam em um impasse, entre atender às orientações da direção do partido de "paz e tranquilidade" ou ligar-se à onda de mobilizações nas bases. Já nos primeiros meses de 1946, o governo Dutra responde à onda de mobilizações com o decreto 9.070, de 16 de março de 1946, que investe contra o direito de greve. Com base nesse decreto é reprimida a greve dos portuários no Rio de Janeiro no mesmo mês. Utilizará os mecanismos repressivos conservados da ditadura de Vargas para tentar conter o ressurgimento das atividades sindicais e políticas do proletariado. Além de poder julgar as greves como ilegais, os comícios passam a ser reprimidos, voltam a ocorrer prisões de trabalhadores, os sindicatos sofrerão intervenção e os salários serão congelados. O PCB, buscando manter-se na legalidade, mantém-se ainda como base de apoio do governo Dutra. (SANTANA, 2001: MAZZEO, 1998). O apelo de Luis Carlos Prestes, um dos principais dirigentes do PCB, buscando construir uma união nacional para a defesa da ordem, expressa com profundidade a estratégia do partido: Lutamos, antes de tudo, por ordem e tranquilidade. Não cessamos de explicar ao povo que, no período histórico que atravessamos, de desenvolvimento pacifico, só aos fascistas e reacionários interessa a desordem. Por isso, defendemos, intransigentemente, a posse do candidato eleito e reconhecido pelo Tribunal, particularmente diante da maneira como se realizou o pleito, num clima de liberdade. Frente ao governo do general Dutra, nossa política será a mesma que vimos mantendo em face dos governos do sr Vargas e Linhares: apoio a todas as medidas democráticas, contra agitadores, demagogos e salvadores que pretendam perturbar a ordem e interromper o processo democrático com novos golpes armados. (“Prestes faz novo apelo pela União Nacional e para a defesa da ordem. Tribuna Popular, 12 dez. 1945”. Apud BIANCHI, 2001, p. 107). O PCB será o paladino da conciliação de classes. Isso não quer dizer que não houvesse atrito entre a cúpula do partido e suas bases proletárias. O comitê central e os demais órgãos orientadores do Partido buscavam aplicar as diretivas de apoio à burguesia, mas encontrava resistência por parte dos trabalhadores. De acordo com Mazzeo (1998): (...) No período Dutra (1946-1951). O PCB procurará reforçar a imagem de partido da ordem e da tranquilidade, defensor do “apertar o cinto”, chegando a colocar-se, em muitas ocasiões, contra os movimentos grevistas, para “evitar as provocações”. Sem dúvida, nessa nova política implementada pelo núcleo dirigente do PCB estão as raízes históricas que irão determinar a política de conciliação imposta muitas vezes sectariamente pelo Comitê Central às bases do partido, como demonstravam as preocupações em expurgar do partido os “elementos sectários ainda existentes” e reforçar a “democracia interna” em suas fileiras. O eixo da ação do PCB era permeado por uma política taticista, que privilegiava a unidade ampla para a consolidação da democracia, por meio de uma luta “ordeira e pacífica”. (p. 73). 32 No entanto, mesmo sob a repressão de Dutra e os apelos conciliatórios do PCB, as mobilizações operárias não refluem ao nível da ditadura Vargas. Continuam a afluir as demandas operárias que até então estavam reprimidas, a auto-organização se reconstituí. O movimento operário era oriundo centralmente de duas categorias: alimentícia e têxtil. De acordo com a economista Maria da Conceição Tavares: "Em 1949 duas indústrias eram responsáveis, em conjunto, por mais de 50% do valor total da produção total das indústrias de transformação: a de alimentos e a têxtil". (TAVARES, 1975, p. 92). Será nestes setores que se darão as principais mobilizações durante a primeira metade da década de 1950. A industrialização ampliava-se continuamente e com elas ampliavam também os sindicatos e os contingentes da classe operária urbana. No estudo O Estado e a burocratização do sindicato no Brasil, Heloisa Helena de Souza Martins (1979) destaca que de 1945 a 1964 o número de sindicatos multiplica-se, registra um aumento de 139% no número de sindicatos no Brasil. (1979, p. 75). A autora aponta ainda que nesse período o movimento sindical passou a abordar temas como inflação, desemprego, custo de vida e os problemas de abastecimento. (MARTINS, 1979, p. 77). Ou seja, o fim da ditadura Vargas é marcado não só pelo aumento das atividades sindicais, mas também pelo aumento do número de entidades representativas e novas pautas. Mesmo a onda repressiva deflagrada por Dutra, não foi capaz de derrotar o movimento sindical e político. Com a liberdade de organização, não só a atividade sindical ganha novo vigor, mas também os partidos que atuam no movimento operário recrutam novos contingentes de trabalhadores, amplia-se o quadro de militantes do PCB. Em meio ao clima crescente de mobilizações, o Partido trabalha pela filiação de novos membros, conforme registrou Moisés Vinhas, militante e dirigente do PCB: O recrutamento de novos militantes era feito de forma simples. Em São Paulo, reuniam-se centenas de trabalhadores em clubes esportivos ou sedes de outras entidades, geralmente em dias de folga do trabalho, e se fazia uma exposição da política dos comunistas, seguida de debates. Encerrado o debate, pedia-se aos que queriam ingressar no PCB que permanecessem no recinto, e aos demais que se retirassem. Por vezes, permaneciam centenas de trabalhadores, que eram então divididos em grupos, segundo as empresas em que trabalhavam. Preenchiam-se então as fichas de filiação, sendo imediatamente organizada a célula e eleita uma direção (secretariado), composta, em geral, por sindicalistas ou elementos com liderança na empresa. Era naturalmente difícil aos membros dessa célula, a função específica de cada secretário. Recorríamos então a comparações com a família, considerando o primeiro-secretário uma espécie de chefe de família, o segundo a dona de casa etc. Esse modo de estruturar centenas de bases e recrutar milhares de trabalhadores para as fileiras do PCB não era exclusivo de São Paulo. Em Pernambuco, onde atuei como delegado do Comitê Central, tivemos oportunidade de 33 fazer o mesmo nas camadas populares do Recife e entre os camponeses. Gregório Bezerra fazia discursos de agitação e nós filiávamos os assistentes dos comícios ao PCB. Trabalhávamos também da mesma forma em Curitiba, Londrina e outras cidades do País. (VINHAS, 1982, p. 90). O fato de centenas de trabalhadores mostrarem-se dispostos a filiar-se ao partido, é exemplo concreto da fase de intensificação das lutas sindicais e políticas do período. No entanto, a forma de filiação adotada pelo PCB colocava-lhe importante desafio. Pois a ampliação repentina do número de militantes nesses anos de legalidade (1945-1947) gerava maiores atritos entre as bases e o Comitê Central e secretariado do PCB. Chegando a cifra de cerca de 200 mil militantes em 1947 (VINHAS, 1982, p. 89), chegou-se a falar da existência de “dois PCs”, um nucleado em torno das orientações do Comitê Central e outro de base que queria seguir as mobilizações. (MAZZEO: 1998: SANTANA, 2001: MATTOS, 2009). Embora consiga ampliar seus quadros militantes, mobilizações continuam sendo deflagradas por fora do partido: "Diante da passividade dos comunistas, muitas greves surgiram à margem dos sindicatos, por meio das comissões por locais de trabalho". (MATTOS, 2009, p. 84). Em meio as mobilizações operárias e camponesas, o PCB atinge êxitos eleitorais, conquistando a legalidade e cargos parlamentares, sendo 14 deputados federais, 41 deputados estaduais e 1 senador. O Partido crescia mas matinha sua linha de conciliação de classes. Luis Carlos Prestes defendia que "Por intermédio de suas organizações sindicais a classe operária pode ajudar o governo e os patrões a encontrar soluções práticas, rápidas e eficazes para os graves problemas econômicos de hoje" (In: LÖWY, 1980). Mesmo defendendo a moderação e a ordem, o crescimento do PCB com ampliação de sua base de votos revertida em conquista eleitoral incomodam o governo Dutra, que cassará a legalidade do partido em maio de 1947. Os órgãos máximos do PCB não acreditavam que a legalidade do partido pudesse ser cassada, acredita que "setores progressistas" da burguesia não o permitiriam. De acordo com Gorender: Ao abrir-se o processo judicial de cassação do seu registro de partido legal, a direção do PCB não levou a sério. Prestes em particular. Um mês antes do julgamento, o secretário-geral fez uma conferência para militantes comunistas na Casa do Estudante e ali tranquilizou os presentes (entre os quais me encontrava): a cassação era inviável, o processo judicial partia de inexpressivo grupelho fascista, a burguesia "progressista" não tinha interesse em tamanho disparate. Diante de tão autorizada apreciação, a militância do PCB se acomodou nas tarefas rotineiras e deixou de promover uma campanha de protestos de massa contra a cassação. (GORENDER, 1987, p. 21). O PCB, acreditando ter respaldo da burguesia nacional e "progressista", aferrando-se a estratégia reformista de conciliação de classes, acreditava estar intocável frente ao governo 34 Dutra, e que este não cassaria seu registro. De acordo com Vinhas: "A cassação pega os comunistas desprevenidos - havíamos subestimado essa possibilidade - e não conseguem articular nenhuma reação de massa à arbitrariedade do ato". (VINHAS, 1982, p. 94). Frente à cassação e a onda repressiva que se abriu contra o movimento operário durante o governo Dutra, o PCB decide-se por abandonar os sindicatos oficiais em 1947 e construir centros operários "fora da estrutura submetida ao enquadramento do Ministério do Trabalho. A experiência dos centros operários - algumas dezenas em São Paulo - foi estéril". (GORENDER, 1987, p. 23). Aqui também, o PCB dissocia-se da estratégia marxista revolucionária, segundo a qual deve-se atuar no sindicatos sempre, por mais conservadores e reacionários que possam ser suas direções. (LENIN, 1979). Essa linha sindical leva o partido a afastar-se do espaço onde se reuniam os trabalhadores militantes e ativistas. Esses elementos, somados à mudança conjuntura, perseguição aos sindicalistas e militantes, bem como a cassação do seu registro, o PCB perde a maioria de seus filiados: "Dos 200.000 inscritos em 1947, o Partido Comunista se vê reduzido, no início da década de 50, a cerca de 20.000, ou seja, a 10% dos seus efetivos". (VINHAS, 1982, p. 130). A cassação do PCB e sua ausência dos sindicatos oficiais, abrirá maior espaço sindical e político para o PTB, que atuando na legalidade e na estrutura sindical estatal, buscará capitalizar o vácuo político deixado pelo PCB. O PTB procurará colocar-se como o partido da reforma social, colando-se nas mobilizações dos trabalhadores. A política sindical do PCB foi chamada de "sindicatos vermelhos", por não ter tido êxito, delibera-se por sua extinção em 1952, de acordo com Gorender: "Em princípios de 1952, uma Resolução da Comissão Executiva, aprovada em julho pelo Comitê Central, determinou a dissolução dos centros operários e a volta dos comunistas aos sindicatos oficiais". (GORENDER, 1987, p. 23). As bases operárias atuarão ora com maior, ora com menor autonomia em relação aos esforços desses partidos, como se pôde observar na greve geral de 1953. Nesse processo foram criadas comissões de fábrica independentes que se mobilizam por fora e por dentro dos sindicatos. (C.f: MOISÉS, 1978: LEAL, 2011). Lutas operárias na década de 1950 - o movimento operário ultrapassa suas direções Entre dezembro de 1952 e janeiro de 1953, no Rio de Janeiro, operários da indústria têxtil desencadeiam uma greve massiva que envolve cerca de 30 mil trabalhadores (MATTOS, 2009, p. 88-89). Em 1953 em São Paulo será deflagrada a greve dos 300 mil. Em 26 de março, de 1953 (uma segunda-feira) a partir de comissões de fábricas de trabalhadores 35 têxteis do Brás e Mooca. Esta greve envolveu têxteis, metalúrgicos, gráficos, vidreiros e marceneiros, estende-se até o dia 23 de abril, sendo que a categoria dos gráficos mantém-se em greve até o dia 27 de abril. (LEAL, 2011, p. 239). Centrada sob "comissões de empresa", acabou "atropelando a agenda de suas direções". (Idem). De acordo com Leal, a greve espalha-se pela categoria "pela base", frente a isso o Sindicato, correndo atrás de suas bases, antecipa sua assembleia e decreta a greve oficialmente. (LEAL, 2011, p. 239). Interessante observar que, nas assembleias dos têxteis podiam votar todos os trabalhadores que portassem carteira de trabalho, independente de ser ou não sócio do sindicato. A greve difunde-se por São Paulo e paralisa a produção em 276 empresas só na capital paulista, por fim: "O movimento conquistou 32% de reajuste, a libertação dos grevistas presos e o compromisso de não descontar os dias parados". (LEAL, 2011, p. 239). O movimento ocupou as ruas da capital paulista com marchas, passeatas, manifestações e piquetes. Ainda: "A greve associou a luta pelos salários à luta contra a carestia [encarecimento dos preços], tocando no nervo de uma reivindicação geral". (LEAL, 2011, p. 241). Diversas direções disputam o movimento, que por fim é capitalizado pelo PCB (MOISES, 1976). No primeiro dia de greve, dia 26 de março, 30 mil metalúrgicos aderiram às mobilizações, somam-se ainda às paralisações dos metalúrgicos, mais 30 mil trabalhadores têxteis. São 60 mil em greve. A categoria metalúrgica contava com cerca de 96 mil operários e o setor da indústria têxtil contava com mais de 120 mil. (MOISES, 1976, p. 82). Os operários grevistas, além dos comitês de empresa, utilizaram largamente de piquetes desde às 5 horas da manhã nas portas das fábricas. Moises destaca a espontaneidade daquele movimento grevista que se antecipa às lideranças sindicais, segundo o autor "os líderes eram surpreendidos pela antecipação do movimento, que revelava a existência, na base do movimento operário, de uma tendência espontânea da classe ir à ação". (MOISES, 1976, p. 83). Outras categorias passaram à adesão às greves, aderiram os carpinteiros e gráficos, sendo que: "A 28 de março, a greve atingiu Osasco, onde os trabalhadores de quatro empresas metalúrgicas aderiram ao movimento" (MOISES, 1972, p. 84). Em 31 de março os grevistas fazem uma manifestação massiva na Praça da Sé. A polícia política, DOPS, cavalaria da Força Pública, o Corpo de Bombeiros e a Guarda Civil são acionados para reprimir os manifestantes, centenas são presos. (MOISES, 1976, p. 85). Na semana seguinte os sindicatos 36 da indústria de papel e de gorduras comestíveis também aderiram à onda grevista. No dia 2 de abril de 1953 já estavam em greve 100 mil operários da indústria têxtil, estes se somavam a mais 75 mil metalúrgicos de 200 fábricas. Em Osasco chegava-se a 3 mil metalúrgicos em greve. (MOISES, 1976). No dia 7 de abril são desencadeadas greves em Taubaté, Santos e Sorocaba. As mobilizações em São Paulo confluem com o Movimento contra o alto custo de vida que fazem manifestação envolvendo cerca de 20 mil pessoas na Mooca. A polícia dispersa os manifestantes com tiros de metralhadora, os manifestantes revidam com paus e pedras. Enfrentamentos decorrem também em Osasco. A greve geral de 1953 estende-se por 29 dias paralisando São Paulo. Nessa ocasião o Ministério do Trabalho congelou as contas bancárias dos sindicatos envolvidos, o que, por sua vez, reafirma a importância de ser ter sindicatos independentes do Estado. Vive-se uma onda de antagonismo de classes. Sobre tal contexto João Goulart é designado para a pasta do Ministério do Trabalho e propõe 100% de aumento para os trabalhadores urbanos, aumento que será decretado no dia Primeiro de maio de 1954. (LEAL, 2011: MOISES, 1976). A onda grevista de 1953 não foi capaz de satisfazer as demandas da classe trabalhadora. Por isso, já em junho de 1954 é discutida uma nova campanha grevista a partir das categorias de metalúrgicos e têxteis. Entre os principais motivos do descontentamento estava a não aplicação do reajuste de 100% dos salários. Em assembleia realizada em 1º de agosto de 1954 foi marcada uma greve de 24 horas no dia 2 de setembro como forma de pressionar pelo reajuste salarial. (LEAL, 2011, p. 255). O governo de Getúlio Vargas, de 1950-1954, abandonado crescentemente por setores da burguesia, continuava buscando apoio no proletariado, tentava construir a imagem de "pai dos pobres", fazendo concessões parciais à classe trabalhadora como forma de conseguir ampliar a base de sustentação de seu governo. Seu suicídio em 1954 marcará o ápice das disputas desenvolvidas durante seu governo, fato que golpeará fortemente a oposição anti-varguista. Com isso ganha maior força o PTB, que garante a eleição de Juscelino Kubitschek na aliança PSB-PTB e com apoio do PCB da "semilegalidade" (GORENDER, 1987, p. 23: MAZZEO, 1998). Já a partir do dia 25 de agosto, uma série de paralisações é deflagrada. A mobilização é crescente e, com isso, acaba por concretizar-se, às pressas, a proposta de greve geral marcada para o dia 2 de setembro de 1954. 37 Nesta conjuntura, o PCB que, em seus zigue-zagues, foi do queremismo para a caracterização do governo Vargas como "de traição nacional", reconcilia-se com o varguismo, abandona a perspectiva crítica e busca maior aproximação do PTB, reivindicando: "um governo de coalizão do qual participem, além da classe operária, os camponeses, os intelectuais, a pequena burguesia e a burguesia nacional" (VOZ OPERÁRIA, Outubro de 1954, p. 410). Ainda assim, o movimento sindical em sua crescente mobilização vai para as ruas e o governo de Café Filho reprime-o, intervém nos sindicatos e efetua prisões. Em volta Redonda os operários expulsam os interventores do governo Café Filho. Trabalhadores do setor vidreiro e cortadores de cana de Pernambuco fazem greves. O Governo de Juscelino Kubitschek encontrará mobilizações crescentes dos trabalhadores que lutam pela manutenção do valor de compra de seus salários. A produção e os lucros do patronato aumentavam significativamente, a indústria metalúrgica, mecânica e de material elétrico aumentaram "sua participação de 22% em 1949 para 38% em 1958 e 41% em 1961". (TAVARES, 1975). Frente a isso, a classe trabalhadora pressiona por reajustes salariais. Ainda, estas indústrias ocupam progressivamente maior peso na produção total, atraindo mais mão de obra. Com isso, avoluma-se a classe operária urbana, acumulando cada vez mais capacidade de pressão social. A mobilização operária é uma resposta às precárias condições de vida a qual estão submetidas, mas também é uma forma de protesto ao aumento do ritmo do trabalho, da produtividade e dos lucros patronais. Conforme aponta um boletim do DIEESE de 1961: (...) o lucro bruto da produção industrial elevou-se ininterruptamente de 1955 a 1959, crescendo de 76%; enquanto a produtividade do operário aumentou também ininterruptamente, crescendo 37% nesse mesmo período; o salário real (ou seja, o poder aquisitivo do operário) sofreu apenas um ligeiro incremento de 1955 a 1958 (18%) e caindo de 6,7% em 1959. (Apud: MARTINS, 1979, p. 81). O operariado produzia cada vez mais em ritmos mais intensos de trabalho, ao mesmo tempo, observava que os níveis salariais não acompanhavam o aumento da produtividade. A questão salarial, bem como as condições de vida do operariado nas periferias, constituirá os principais elementos de descontentamento e de mobilizações daquele período. O PCB, por sua vez, continuava a defender a conciliação de classes por meio da aliança do proletariado com o 10http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=154512&pagfis=3296&pesq=&url=http://me moria.bn.br/docreader#. Acessado em 13/08/2014. O mesmo chamado consta na "Plataforma para união de todos os patriotas" de setembro de 1954. 38 patronato nacional, industriais e latifundiários. Conforme podemos observar no informe oficial sobre o IV Congresso do Partido, realizado em novembro de 1954: (...) As reivindicações específicas da pequena-burguesia, da intelectualidade e da burguesia nacional devem merecer por parte dos comunistas a maior atenção. Em relação aos grandes capitalistas brasileiros, nosso ataque deve ser dirigido somente contra aqueles que traírem os interesses nacionais, pondo-se do lado dos imperialistas ianques. Mesmo em relação aos latifundiários, nossa posição deve depender de suas atitudes concretas diante da luta pelas reivindicações e direitos do nosso povo. (Reportagem sobre o IV Congresso do PCB, dezembro de 1954. p. 167). A realidade social e política não converge com as determinações do PCB. O proletariado entraria em uma nova batalha de classe que envolveria centenas de milhares de operários que lutarão contra o patronato nacional e internacional. Em 15 de outubro 1957 eclode em São Paulo a greve dos 400 mil. De acordo com Murilo Leal (2011), essa greve provocou "a combustão de muitas lutas inesperadas" que "só a custo" foram controladas pelas direções sindicais. (2011, p. 264). Esse movimento envolve mais categorias do que a greve dos 300 mil: metalúrgicos, têxteis, gráficos, trabalhadores de curtumes, da indústria de papel e papelão, mestres e contramestres das indústrias de fios e tecelagem, teve a adesão ainda de vidreiros, operários da Nitro Química e trabalhadores do refino de açúcar. (Ibidem, p. 268). O movimento encerrou-se no dia 24 de outubro, estendendo-se portanto por 10 dias. Uma diferença importante é que essa greve de 1957 não foi deflagrada apenas a partir das comissões de fábrica como em 1953. Desta vez, ganhara notoriedade a organização de piquetes autônomos. Conforme analisa Murilo Leal (2011): "Como em 1953, baseou-se em forte mobilização de organizações de base: comissões de fábrica, de greve e de solidariedade. Mas em 1957 os piquetes desempenharam um papel não visto em 1953". (Ibidem, p. 269). Essa greve foi preparada com antecedência. Em 3 de outubro 1957, por meio de uma assembleia intersindical é marcada a greve para o dia 15 do mesmo mês caso não se atendesse a reivindicação de reajuste salarial e ao congelamento do preço de determinados gêneros alimentícios. As Sociedades Amigos de Bairro e o movimento estudantil apoiaram o movimento. (LEAL, 2011, p. 269). De acordo com Leal, embora a produção industrial estivesse em franca expansão em 1957, "o desemprego atípico naquele ano" atingiu cerca de 100 mil trabalhadores da indústria. (Ibidem, p. 266). O desemprego fundiu-se com as altas inflacionárias, que segundo Baer (1996, p. 401), foram de 22,6% para o ano de 1956 e de 12,7% para 1957. Por isso, um dos pontos principais das reivindicações era o congelamento dos preços de gêneros alimentícios. Assim, também a greve assumiu "Traços de 'motim de 39 fome', galopando pela cidade junto com os piquetes, ocorrendo, então, vários conflitos violentos". (LEAL, 2011, p. 271). As ações dos piquetes escapavam do controle das direções sindicais, por isso o autor afirma que "os limites e o controle da greve foram parcialmente rompidos". (Ibidem, p. 327). A atmosfera torna-se ainda mais tensa a partir do segundo dia de greve, quando "patrões passaram a receber os piquetes a tiros". (Ibidem, p. 281). Segundo Castro (1980), Jânio Quadros, então governador do Estado de São Paulo, destaca 11 mil policiais para guardar as fábricas e reprimir o operariado. Os operários grevistas, por sua vez, chegam a organizar assembleias que reúnem 100 mil operários (CASTRO, 1980, p. 69). De acordo com Leal (2011), o movimento grevista ganha aspectos de rebelião popular. Na greve de 1957: "confluíram a revolta contra o desemprego, a percepção do aumento da inflação e da necessidade de repor as perdas salariais, a experiência da superexploração da força de trabalho e escassez de gêneros de primeira necessidade, carregando a atmosfera de tensão". (LEAL, 2011, p. 267). Além de gráficos, têxteis e metalúrgicos, trabalhadores da indústria de papelão, trabalhadores de curtumes. No dia 22 aderem os vidreiros, no dia 23 aderem mais 6 mil operários da Nitro Química e mais 3 mil operários das refinarias de açúcar União e Tupi. (Idem, p. 272). A greve também chegou ao ABC paulista. O descontrole sobre os piquete