UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO HISTÓRICA, RELAÇÕES FILOGENÉTICAS E FILOGEOGRÁFICAS DE VEADO- MATEIRO-PEQUENO, Mazama bororo DUARTE, 1996 (Mammalia: Cervidae) Aline Meira Bonfim Mantellatto Bióloga 2016 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO HISTÓRICA, RELAÇÕES FILOGENÉTICAS E FILOGEOGRÁFICAS DE VEADO- MATEIRO-PEQUENO, Mazama bororo DUARTE, 1996 (Mammalia: Cervidae) Aline Meira Bonfim Mantellatto Orientador: Prof. Dr. José Maurício Barbanti Duarte Coorientador: Profa. Dra. Susana González Tese apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, Câmpus de Jaboticabal, como parte das exigências para a obtenção do título de Doutor em Genética e Melhoramento Animal. 2016 Mantellatto, Aline Meira Bonfim M292p Padrões de distribuição histórica, relações filogenéticas e filogeográficas de veado-mateiro-pequeno, Mazama bororo DUARTE, 1996 (Mammalia: Cervidae) / Aline Meira Bonfim Mantellatto. – – Jaboticabal, 2016 iv, 95 p. : il. ; 29 cm Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, 2016 Orientador: José Maurício Barbanti Duarte Coorientador: Susana González Banca examinadora: Renata Alonso Miotto, Alexandre Reis Percequillo, Eduardo Andrade Botelho de Almeida, Jesus Aparecido Ferro Bibliografia 1. Conservação. 2. DNA de coleções de museus. 3. Citocromo b. I. Título. II. Jaboticabal-Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. CDU 636.082:599.735.3 Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Câmpus de Jaboticabal. DADOS CURRICULARES DO AUTOR ALINE MEIRA BONFIM MANTELLATTO – solteira, nascida em 18 de setembro de 1984, na cidade de Santos - SP, filha de Edmir Mantellatto e de Maria Angélica Meira Bonfim Mantellatto. Iniciou em fevereiro de 2005 o curso de graduação em Ciências Biológicas na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Jaboticabal obtendo o título de Bacharel em Ciências Biológicas em janeiro de 2009 e o de Licenciada em Ciências Biológicas em janeiro de 2011. Durante a graduação, foi bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo por um ano e meio sob orientação do Prof. Dr. José Maurício Barbanti Duarte. Em março de 2009, ingressou no Programa de Pós-graduação em Genética e Melhoramento Animal na mesma instituição de ensino superior, como bolsista da mesma instituição de fomento, sob orientação do Prof. Dr. José Maurício Barbanti Duarte, obtendo o título de Mestre em 04 de julho de 2011. Em março de 2013, ingressou no curso de doutorado no mesmo programa de Pós-graduação, bolsista da mesma instituição de fomento e sob mesma orientação. No ano de 2014, fez estágio de pesquisa no Instituto de Investigaciones Biológicas Clemente Estable, no Uruguai, sob orientação da Profa. Dra. Susana González. Dedicatória Dedico minha tese aos coletores, funcionários e curadores dos museus por mim visitados ao longo do desenvolvimento deste trabalho. Todos esses encontros despertaram minha curiosidade e respeito imenso pelas coleções científicas. “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes” Cora Coralina. Agradecimentos Agradeço... Ao meu orientador José Maurício Barbanti Duarte, por todos esses intensos anos de ensino, discussões e muita paciência. À Susana González, minha co-orientadora, por ter me recebido em seu país e laboratório, sempre disposta a me ouvir e ensinar. Aos meus pais e irmãos pelo apoio e admiração em todas as etapas de minha formação científica e pessoal. A todos os integrantes e ex-integrantes do Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos, minha “casa” e “família” em Jaboticabal, sempre cheio de pessoas especiais que ficarão marcadas para a vida inteira. Aos funcionários e curadores dos museus por onde percorri: Sérgio Maia Vaz e João Alves de Oliveira (Museu Nacional do Rio de Janeiro), Mário de Vivo (Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo), Juliana Paulo da Silva e Hélio de Queiroz Boudet Fernandes (Museu de Biologia Professor Mello Leitão, Espírito Santo), Pedro Cordeiro Estrela (Museu de Zoologia da Universidade Federal da Paraíba), Diego Astúa de Moraes (Museu de Zoologia da Universidade Federal de Pernambuco), Karina Rebelo (Museu de História Natural Professor Adão José Cardoso, Campinas), Márcia Jardim e Lilian Sander Hoffmann (Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul), Carla Suertegaray Fontana (Museu de Zoologia da Universidade Pontifícia Católica, Rio Grande do Sul), Silvia Roberta Cramer e Fernando Rodrigues Meyer (Museu Colégio Anchieta, Rio Grande do Sul), Sebastião Carlos Pereira, Antenor Junior e Vinicius Abilhoa (Museu Capão da Imbuia, Curitiba), Roberto Portela Miguez (Museu de História Natural de Londres), sem vocês esse trabalho (e tantos outros) não seria viável. À Louise e Iara, minhas amigas e companheiras de laboratório, congressos, risadas, confissões, desabafos e cuidados com a Chica. Aos amigos da faculdade sempre presentes: Saidinha, Valita, Ba-Rosa, Ana Nievas, Clara. Aos amigos que fiz no laboratório do Instituto Clemente Estable e que me ajudaram tanto nas questões científicas quanto na adaptação à nova rotina: Maria Pía, Mariana Cossé, Adriana Mimbacas, Gonzalo Figueiro, Florência, Sabrina, Nádia, Carol, Jorge, Antonella, Natália e ao técnico do laboratório Ricardo. Aos amigos que conheci no Uruguai e que foram essenciais para minha estadia, bem estar e momentos de descontração: Patrícia, Elisa, Stephi, Nacho, Carlos, Nicolás, Renata, Ángel, Lucía. Aos professores e funcionários da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal, principalmente ao João Boer, técnico do laboratório do NUPECCE, por toda ajuda e amizade desde 2005, e aos professores Jesus Aparecido Ferro e Manoel Victor Lemos, pela oportunidade em realizar o estágio docência nas disciplinas que são responsáveis na graduação. Aos professores que tive a sorte de conhecer durante as disciplinas cursadas como aluna especial (Eduardo Almeida, Pedro Cordeiro Estrela, Max Cardoso Langer , Annie Schmaltz Hsiou e Jesus Maldonado), além dos companheiros de profissão que conheci na UFPB: Anderson Feijó, Alêny Lopes e Nichole. Ao professor e amigo Renato Caparroz, pela parceria, apoio e conversas. Às funcionárias do Centro de Recursos Biológicos e Biologia Genômica (CREBIO), na UNESP, FCAV, Agda Paula Fancincani e Renata Dozzi Tezza pelo acompanhamento e interesse constantes nos resultados que eu obtive com a tese e por todo o serviço prestado. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de estudos de 1 mês concedida e à Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelos 3 anos e 3 meses de bolsas concedidas, incluindo o financiamento de 4 meses e meio no Uruguai. Ao meu maior incentivador, companheiro acadêmico e de vida, Thiago Ferreira Rodrigues e a nossa filha de quatro patas, Chica. http://www.ffclrp.usp.br/docentes/biologia/annieschmaltzhsiou.php i SUMÁRIO CAPÍTULO 1- Considerações gerais ........................................................................ 1 Resumo ................................................................................................................... 1 Introdução ................................................................................................................ 2 Revisão de literatura ................................................................................................ 3 O gênero Mazama ............................................................................................... 3 Mazama bororo e descrição taxonômica da espécie ........................................... 4 Distribuição atual e histórica da espécie .............................................................. 6 DNA de coleções de museus ............................................................................... 9 Análises filogenéticas e filogeográficas .............................................................. 10 Objetivos ................................................................................................................ 12 Referências Bibliográficas ..................................................................................... 12 CAPÍTULO 2 – Marcadores mitocondriais como ferramenta para a identificação de espécimes do gênero Mazama em coleções de museus brasileiros ............ 18 Resumo ................................................................................................................. 18 Introdução .............................................................................................................. 18 Material e métodos ................................................................................................ 20 Coleta de fragmentos de ossos .......................................................................... 21 Extração e amplificação do DNA ........................................................................ 22 Análise dos dados .............................................................................................. 23 Resultados e Discussão ........................................................................................ 25 Amostras ............................................................................................................ 25 Quantificação e amplificação ............................................................................. 27 Análises filogenéticas ......................................................................................... 28 Identificação morfológica x identificação molecular ........................................... 30 Referências Bibliográficas ..................................................................................... 32 CAPÍTULO 3 – Novo nome para Mazama bororo (Mazama jucunda Thomas, 1913; Mammalia: Cervidae) a partir do DNA obtido em coleções de museus. .. 37 Resumo ................................................................................................................. 37 Introdução .............................................................................................................. 37 Material e Métodos ................................................................................................ 40 Amostras de DNA .............................................................................................. 40 Extração do DNA, amplificação e sequenciamento ........................................... 40 Análise dos dados .............................................................................................. 42 Resultados e Discussão ........................................................................................ 44 Referências Bibliográficas ..................................................................................... 46 ii CAPÍTULO 4 – Distribuição histórica de Mazama bororo (Mammalia, Cervidae): Implicações para a conservação na Mata Atlântica. ............................................ 50 Resumo ................................................................................................................. 50 Introdução .............................................................................................................. 50 Material e Métodos ................................................................................................ 53 Amostras ............................................................................................................ 53 Coleta de fragmentos de ossos .......................................................................... 55 Extração e amplificação do DNA ........................................................................ 56 Análise dos dados .............................................................................................. 57 Resultados e Discussão ........................................................................................ 59 Quantificação, amplificação e identificação ........................................................ 59 Distribuição histórica de Mazama bororo ........................................................... 61 Referências Bibliográficas ..................................................................................... 64 CAPÍTULO 5 – Filogeografia e caracterização genética de Mazama bororo ...... 69 Resumo ................................................................................................................. 69 Introdução .............................................................................................................. 69 Material e Métodos ................................................................................................ 71 Amostras de DNA .............................................................................................. 71 Extração do DNA, amplificação e sequenciamento ........................................... 71 Marcadores mitocondriais .................................................................................. 72 Marcadores microssatélites ................................................................................ 73 Análise dos dados .............................................................................................. 73 Resultados e Discussão ........................................................................................ 75 Análises filogeográficas...................................................................................... 75 Análises de caracterização e diversidade genética ............................................ 79 Referências Bibliográficas ..................................................................................... 82 Considerações finais .............................................................................................. 87 APÊNDICES ............................................................................................................. 88 A. Identificação molecular das amostras de DNA de coleções de museus a partir de um fragmento de 224 pb do gene mitocondrial citocromo b. ............................ 89 B. Amostras provenientes de crânios depositados em coleções de museus identificadas como pertencentes à espécie M.bororo, a partir de um fragmento do gene mitocondrial citocromo b ............................................................................... 91 C. Relação das 46 amostras de Mazama bororo utilizadas para o estudo de filogeografia da espécie a partir de um fragmento do gene mitocondrial citocromo b. ............................................................................................................................ 92 D. Relação das 22 amostras de Mazama bororo utilizadas nas análises de caracterização e diversidade genética a partir de 13 marcadores nucleares do tipo microssatélites. ...................................................................................................... 95 iii PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO HISTÓRICA, RELAÇÕES FILOGENÉTICAS E FILOGEOGRÁFICAS DE VEADO-MATEIRO-PEQUENO, Mazama bororo DUARTE, 1996 (Mammalia: Cervidae) RESUMO – Considerada a espécie de cervídeo brasileira mais ameaçada de extinção, Mazama bororo, foi recentemente descrita em 1996. Devido a isso, aspectos básicos de sua biologia ainda são desconhecidos. Dessa maneira, o presente trabalho teve como objetivo utilizar DNA extraído de espécimes recentes e de museus para descrever a sua distribuição histórica, investigar a existência de padrões filogeográficos, avaliar a taxonomia da espécie e os erros de identificação no material analisado pertencente aos acervos científicos de museus. Para tanto, foi realizada a extração de DNA de 200 amostras de ossos turbinais obtidos em museus de história natural e 78 destes espécimes foram identificados a partir de iniciadores do gene citocromo b (224bp). O total de 22 espécimes identificados como pertencentes à espécie Mazama bororo permitiu conhecer áreas inéditas da distribuição histórica e, possivelmente atuais, da espécie, como os estados de Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo e Bahia. Além disso, a comparação entre o DNA dos holótipos de Mazama bororo e de Mazama americana jucunda indica que a espécie M. bororo corresponde à subespécie M. americana jucunda, descrita em 1913, demonstrando a necessidade de elevar essa subespécie à categoria de espécie. Análises filogeográficas da espécie demonstram que M. bororo não apresenta uma estruturação populacional histórica e que diversidade genética é baixa quando comparada a outras espécies, um indicativo de que políticas de manutenção e conservação dessa espécie são essenciais a sua permanência. Comparando-se as identificações morfológicas presentes nos museus com as identificações obtidas a partir do marcador molecular utilizado observa-se que a taxa de erro decorrente da classificação baseada em caracteres morfológicos foi de 26%. Entretanto, espera-se que, com o auxílio do DNA de coleções científicas, a seleção de caracteres morfológicos não convergentes para este grupo seja possível, permitindo assim a realização de identificações morfológicas corretamente. Palavras-chaves: Mazama americana jucunda, DNA de coleções de museus, citocromo b, diversidade genética, conservação iv HISTORICAL DISTRIBUTION PATTERNS, PHYLOGENETICS AND PHYLOGEOGRAPHICS RELATIONS OF SMALL RED BROCKET DEER, Mazama bororo DUARTE, 1996 (Mammalia: Cervidae) ABSTRACT – Mazama bororo was recently described in 1996 and is considered the most threatened species of Brazilian deer. Due to this, basic aspects of its biology are still unknown. Thus, this research project aims to use DNA extracted from recent specimens and from natural history collections to review the taxonomy, to describe historical distribution and to investigate the existence of phylogeographic patterns on M. bororo. For this purpose, we extracted DNA from 200 samples of turbinate bones obtained from natural history collections and 78 of these were identified from cytochrome b initiator (224bp). We obtained a total of 22 specimens identified as M. bororo. This result allowed identify unpublished areas on historical and perhaps current distribution of M. bororo in states such as Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo and Bahia. Moreover, the comparison among the DNA from holotype of M. bororo and Mazama americana jucunda indicates that M. bororo corresponds to the subspecies M. americana jucunda, described in 1913, highlighting the need to raise this subspecies to full species status. Our results also demonstrates that M. bororo did not show a genetic structuration of their populations and that their genetic diversity is lower than other species, highlighting the need to increase conservation and environment policy efforts to maintenance of this species. Finally, when we compare the morphological identification available on natural history collections with the identification obtained from molecular markers we found that the error rate resulting from the classification based on morphological characters was 26%. Nevertheless, we expect with the help of DNA from natural history collections will be possible to select non-convergent morphological characters for this group, allowing thus correct morphological identifications. Keywords: Mazama americana jucunda, DNA from natural history collections, cytochrome b, genetic diversity, conservation 1 CAPÍTULO 1- Considerações gerais Resumo A espécie Mazama bororo, popularmente conhecida como veado-mateiro- pequeno, foi recentemente descrita em 1996. A espécie está aparentemente restrita à Mata Atlântica, ambiente que sofre intensa ação antrópica, e, possivelmente é a espécie de veado mais ameaçada no Brasil. O uso de DNA de amostras de coleções de museus, uma ferramenta relativamente recente, tem mostrado potencial para aplicação em estudos de conservação, possibilitando, neste caso, a elucidação da realidade taxonômica de M. bororo, descrição de sua área de distribuição histórica, bem como a análise dos possíveis erros de identificação presentes nessas coleções. Além disso, estudos filogeográficos e de diversidade genética são responsáveis por indicar medidas corretas de medidas conservacionistas para a espécie. Palavras-chave: DNA de coleções de museus, Mata Atlântica, taxonomia, veado- mateiro-pequeno, citocromo b Abstract Mazama bororo, popularly known as small red brocket deer, was recently described in 1996. This species is apparently restricted to the Atlantic Forest which has been suffered intense anthropogenic pressures and due to this possibly it is the most threatened deer in Brazil. The use of DNA from natural history collections, a relatively new tool, has shown potential on conservation studies, allowing, in this case, the elucidation of the taxonomic reality as well as the description of historical distribution and the analysis of potential identification errors on M. bororo. Furthermore, phylogeographic and genetic diversity studies are responsible for indicate correct measures toward conservation of species. Keywords: DNA from natural history collections, Atlantic Forest, taxonomy, small red brocket deer, cytochrome b 2 Introdução O conhecimento científico a respeito da biologia básica das espécies é um dos pilares para que projetos de conservação sejam bem sucedidos. Para tanto, estudos que busquem solucionar questões controversas e ainda desconhecidas de Mazama bororo (DUARTE, 1996) como o status genético de suas populações, aspectos ecológicos e realidade taxonômica, são fundamentais para a sua efetiva conservação. Mazama bororo é considerada a espécie de cervídeo brasileira mais ameaçada atualmente (VOGLIOTTI; DUARTE, 2012). Isso se deve, principalmente, a sua distribuição restrita a regiões de Mata Atlântica nos estados de São Paulo e Paraná (GONZÁLEZ et al., 2009). Sabe-se que a Mata Atlântica é o bioma brasileiro que apresenta a maior perda de cobertura vegetal, restando apenas cerca de 12% a 16% de sua área original (RIBEIRO, 2009), sendo que essa grande redução do bioma provavelmente causou forte redução populacional de M. bororo. Estudos de citogenética demonstraram que o cariótipo de M. bororo apresenta diferenças significativas em relação ao cariótipo de M. americana, indicando um inequívoco isolamento reprodutivo entre as duas espécies (DUARTE, 1992; DUARTE, 1996; DUARTE; JORGE, 2003). Dessa forma, outros estudos para a caracterização de M. bororo foram desenvolvidos, diferenciando-o das demais espécies a partir de dados da citogenética, morfologia corporal, biologia molecular e da ecologia (DUARTE, 1992; DUARTE, 1996a; DUARTE e JORGE, 2003; DUARTE et al., 2005; GONZÁLEZ et al., 2009). Porém, recentemente, revisando-se a descrição de Mazama americana jucunda (THOMAS, 1913), sugere-se que esta subespécie corresponda à espécie M. bororo, devido, principalmente, a mesma área de ocorrência e à semelhança de medidas morfológicas entre ambas as unidades taxonômicas. A recente descrição da espécie M. bororo traz, além de incertezas taxonômicas, lacunas no conhecimento da biologia básica da espécie, como, por exemplo, sua área de distribuição histórica (VOGLIOTTI; DUARTE, 2012). Têm-se como hipótese que a espécie ocupava, no melhor dos cenários, a ecorregião das Florestas Costeiras da Serra do Mar (VOGLIOTTI; DUARTE, 2010), restringindo sua 3 área de distribuição atual como consequência da fragmentação e perda desse ambiente. Como tentativa de elucidar a distribuição histórica e realidade taxonômica de M. bororo, tem-se a utilização de DNA de coleções de museus como uma tecnologia viável e com grande potencial de aplicação (LEONARD, 2008). Dessa forma, torna- se possível revisar o acervo de coleções científicas de cervídeos, com o objetivo de identificar, através do DNA de amostras de museus, a espécie pertencente de cada espécime analisado, uma vez que a identificação específica baseada em caracteres e medidas morfológicas ainda não é capaz de identificar corretamente o material das coleções de crânios pertencentes ao gênero Mazama. Consequentemente, a partir das identificações e informações de localidade geográfica de cada material, torna-se possível construir o mapa de distribuição histórica de M. bororo, informação até então impossível de ser obtida por outros métodos de estudo. Além disso, a comparação do DNA do holótipo de M. a. jucunda com o DNA do holótipo de M. bororo possibilita confirmar se M. a. jucunda corresponde à espécie M. bororo molecularmente. Assim, dados a respeito da distribuição histórica de M. bororo, além do conhecimento acerca de padrões filogeográficos e a confirmação de sua classificação taxonômica, a partir da combinação do uso do DNA de coleções de museus com o DNA de espécimes recentes podem ser obtidos, informações relevantes para o delineamento de programas de conservação para a espécie. Revisão de literatura O gênero Mazama O gênero Mazama é o nome dado a um extenso grupo de cervídeos de tamanho médio a pequeno e chifres curtos, simples e pontiagudos nos machos, que se distribui ao longo da América tropical e subtropical desde o estado de Veracruz no México até a Argentina central. Ocupa uma ampla variedade de habitats, incluindo florestas montanhosas, florestas tropicais chuvosas, florestas tropicais secas e savanas arbóreas, em margens altitudinais entre o nível do mar até acima dos 4000 metros sobre o nível do mar (EISENBERG, 1989; ALLEN, 1915). 4 Atualmente, o gênero é subdivido em dois grupos, de acordo com a cor da pelagem: veados vermelhos (Mazama americana, M. temama, M. nana e M. bororo) e veados marrons ou cinzas (M. gouazoubira e M. nemorivaga) (DUARTE et al., 2008). O primeiro grupo, ao qual pertence Mazama bororo, inclui animais com uma distribuição mais ampla e generalizada, havendo espécies em florestas fechadas altas e baixas desde a Argentina, a Bolívia e o Paraguai, passando pelos Andes, até o México tropical. Em análise filogenética realizada com o intuito de esclarecer a sistemática e a história evolutiva dos cervídeos sul-americanos, Duarte et al. (2008) obtiveram resultados indicando que o grupo de veados vermelhos se diferenciou rapidamente durante o Pleistoceno no refúgio glacial, sendo que M. bororo é a espécie mais recente, com menos de 1 milhão de anos de divergência (MYA) de M. americana (DUARTE et al., 2008). Mazama bororo e descrição taxonômica da espécie Assim como as demais espécies do gênero, Mazama bororo apresenta a porção anterior do corpo ligeiramente mais baixa que a posterior e a presença de chifres pequenos e não ramificados nos machos (VOGLIOTTI; DUARTE, 2012). Segundo Bourlière (1973) tais características morfológicas constituem-se em adaptações à vida em ambientes de vegetação densa. A espécie apresenta um peso médio de 25 kg e altura de cerca de 50 cm. Sua coloração geral é avermelhada, com a lateral do pescoço cinza claro e mais escura na porção dorsal. Possui manchas brancas características na base da orelha, na ponta da maxila, da ponta da mandíbula até o terço anterior ventral do pescoço. Apresenta uma coloração enegrecida na região do calcâneo, que se estende até os cascos através de um filete na porção posterior do metatarso quando comparado com M. americana (DUARTE, 1996b) (Figura 1.1). 5 Figura 1.1. Espécime adulto de veado-mateiro-pequeno (Foto: DUARTE, J.M.B., 2013). Em comparação com outras espécies do gênero, as médias das medidas corporais de Mazama bororo apresentam valores intermediários entre M. americana (peso médio de 30 kg e altura de cerca de 58 a 80 cm, VARELA et al., 2010) e M. nana (peso médio de 15 kg e altura de cerca de 45 cm, ABRIL et al., 2010) e bastante próximas das de híbridos entre estas duas últimas espécies (peso médio 22kg e altura de cerca de 56 cm) (DUARTE; JORGE, 2003), sendo que alguns caracteres morfológicos são potencialmente discriminantes da espécie como: peso, altura, comprimento do corpo, circunferência do tórax e comprimento de metacarpo e metatarso, e, além disso, apresentam conjuntos cromossômicos facilmente distinguíveis por meio da análise citogenética (VOGLIOTTI; DUARTE, 2012). A espécie Mazama bororo, ou veado-mateiro-pequeno, foi proposta pela primeira vez por Duarte em 1996a, durante um estudo para a caracterização citogenética dos cervídeos brasileiros. Apesar do padrão cromossômico consistente de quatro animais analisados (DUARTE; JORGE, 2003), a validade da nova espécie foi acompanhada de alguma controvérsia (VOGLIOTTI; DUARTE, 2012). Rossi (2000), em sua dissertação de mestrado, fez uma revisão do gênero Mazama no Brasil, através da análise de alguns caracteres morfológicos externos e internos. A identificação morfológica de peles e esqueletos depositados em museus revelou algumas diferenças de coloração, tamanho e pelagem entre os espécimes classificados como M. americana, provenientes da região de ocorrência de M. bororo e as amostras de M. americana de outras regiões brasileiras. No entanto, esses 6 dados não foram estatisticamente significativos para assegurar a diferenciação dessas amostras em nível específico (ROSSI, 2000), sugerindo um papel secundário das características morfológicas para a identificação de M. bororo. Porém, a possível ocorrência de duas espécies na região (VOGLIOTTI, 2003) e, consequentemente, nas coleções analisadas por Rossi (2000), pode ter gerado a sobreposição de valores que dificultaram a sua discriminação, visto que os valores de determinados caracteres apresentados por Duarte e Jorge (2003) na caracterização de M. bororo indicam que o peso, a altura, o comprimento do corpo, circunferência do tórax e comprimento do metacarpo e metatarso, podem ser discriminadores potenciais das espécies, pelo menos em animais vivos ou em corpos intactos (VOGLIOTTI; DUARTE, 2010). A análise de DNA desses espécimes estudados por Rossi, além de outros pertencentes a diferentes coleções científicas, permite a identificação molecular da espécie de cada material, solucionando incertezas taxonômicas que abarcam o gênero Mazama, identificando como M. bororo espécimes que, possivelmente estão identificados como M. americana. Além disso, o uso de DNA de coleções de museus também torna possível a comparação molecular entre o holótipo de M. bororo e o holótipo de Mazama americana jucunda (THOMAS, 1913), com o objetivo de comprovar se a espécie M. bororo é uma entidade biológica distinta ou não desta subespécie. O nome Mazama americana jucunda é o mais antigo publicado dentro do gênero Mazama no Brasil, tendo sido coletada em 1901, na região de Roça Nova, na Serra do Mar, no estado do Paraná, Brasil, a 1000 metros de altitude, região de provável ocorrência de M. bororo. Além disso, o animal utilizado para a descrição da subespécie apresentava padrões morfológicos semelhantes a M. bororo. Distribuição atual e histórica da espécie Estudos realizados em 2006, por meio da coleta de amostras de fezes em áreas com potencial ocorrência de Mazama bororo, foram responsáveis pela construção do atual mapa de distribuição geográfica da espécie (Figura 1.2). 7 Figura 1.2. Distribuição atual e distribuição histórica hipotética de Mazama bororo. Origem de espécimes de cativeiro analisados (círculos), detecção recente de ocorrência (triângulos) e população do Parque Estadual de Intervales (quadrado). (Fonte: VOGLIOTTI et al., 2012). A partir da extração do DNA deste material, a espécie de cada amostra foi identificada através de método desenvolvido por González et al., (2009), que consiste na amplificação de um fragmento de 224pb do gene citocromo b (citb), a partir de iniciadores capazes de amplificar amostras de todas as espécies do gênero Mazama, seguidos de digestão com enzima de restrição Bstnl, responsável pelo corte de fragmento de tamanho específico, que resulta na identificação da espécie em questão. A utilização de amostragem não invasiva foi o método que possibilitou a identificação de M. bororo na região estudada, visto que a simpatria entre M. bororo, M. americana, M. nana e M. gouazoubira na Mata Atlântica dificulta o processo de identificação por outras técnicas devido à similaridade morfológica das espécies (GONZÁLEZ et al., 2009). A partir da obtenção desses dados, Duarte et al. (In Press) demonstraram que a espécie encontra-se atualmente restrita entre os paralelos 23º e 28º Sul e os meridianos 47º e 49º Oeste. Dessa maneira, o mapa de distribuição da espécie evidencia uma distribuição restrita à ecorregião das Florestas Costeiras da Serra do Mar do sudeste paulista e leste paranaense e catarinense, como já havia sido 8 sugerido por Rossi (2000). Essa distribuição é umas das menores do mundo dentre toda a família dos cervídeos (WEBER; GONZÁLEZ, 2003), sugerindo o status relictual de sua população selvagem e, consequentemente, sua potencial vulnerabilidade aos riscos inerentes às pequenas populações. Além disso, esses resultados acrescentam um mamífero de grande porte à vasta lista de endemismos da Mata Atlântica, elevando o veado-mateiro-pequeno à categoria de maior animal endêmico do Brasil (VOGLIOTTI; DUARTE, 2012). Parte dos remanescentes florestais disponíveis dentro da provável área de distribuição histórica de M. bororo encontra-se protegido, seja na forma de Áreas de Proteção Ambiental (APA), Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN) e Parques Nacionais e Estaduais (DUARTE et al., 2012). Embora possível, a ocorrência de M. bororo em todas essas áreas ainda precisa ser confirmada em levantamentos futuros para que se tenha um panorama realista de sua distribuição atual. Até o presente, a espécie foi confirmada em apenas sete unidades de conservação (Parque Estadual Intervales – São Paulo, SP, Parque Estadual Carlos Botelho – SP, APA Estadual de Guaratuba – Paraná, PR (VOGLIOTTI; DUARTE, 2012), Parque Estadual Serra do Tabuleiro, Santa Catarina, SC, Parque Estadual de Jacupiranga, SP, Fazenda João XXIII, SP e Parque Nacional Serra do Itajaí, SC (DUARTE et al., In Press). Apesar de pequena, a distribuição de M. bororo tem mais de 3600 km² de áreas oficialmente protegidas e muitas delas estão conectadas entre si, formando um dos maiores blocos da Mata Atlântica no Brasil. Duarte et al. (2005) estimaram que o tamanho total da população dessa espécie é de 5500 indivíduos. Por outro lado, a principal ameaça para a população é a fragmentação do habitat, neste caso, a Mata Atlântica, que está sendo reduzida a fragmentos isolados, além do pequeno tamanho da população e declínio contínuo devido à caça (DUARTE; GIANNONI, 1996). Atualmente a espécie é categorizada como vulnerável (VU) na lista mundial da União Internacional para a Conservação da Natureza – IUCN (VOGLIOTTI et al., 2016), na Lista de espécies ameaçadas do estado de São Paulo (São Paulo, 2010), na Lista do estado do Paraná (IAP, 2010), assim como na Lista Nacional (Biodiversidade Brasileira) (DUARTE et al., 2012). Com base na atual destruição desse ambiente, sugere-se que M. bororo seja a espécie de veado mais 9 ameaçada atualmente no Brasil (VOGLIOTTI; DUARTE, 2012), sendo necessário unir forças para proteger e conservar a espécie (DUARTE; JORGE, 2003). Em relação à distribuição histórica da espécie, não há informações que permitam avaliar os efeitos do processo de colonização humana em sua distribuição. Porém, as evidências geográficas sugerem que a espécie sempre ocupou uma área de distribuição restrita que, no melhor dos cenários, corresponderia à ecorregião das Florestas Costeiras da Serra do Mar (VOGLIOTTI; DUARTE, 2010). A evidência mais razoável da distribuição histórica de M. bororo até agora é o exame das peles e crânios realizado por Rossi (2000) em coleções científicas brasileiras que revelou uma população parcialmente diferenciada de M. americana (VOGLIOTTI; DUARTE, 2010). Assim, uma solução para confirmar se os espécimes estudados pelo autor correspondem à M. bororo é analisar o DNA desses materiais, pois, além de comprovar a espécie pertencente a cada espécime, será possível descrever a distribuição histórica de M. bororo (VOGLIOTTI; DUARTE, 2010). DNA de coleções de museus Estudos a partir de DNA de coleções de museus representam um grande potencial para pesquisa nas áreas de antropologia, arqueologia, ciência forense, biologia e ciências evolutivas (HERMANN; HUMMEL, 1994), sendo que a capacidade de analisar geneticamente as populações do passado é uma grande promessa, especialmente, para a genética da conservação (LEONARD, 2008). Análises realizadas com o uso dessa ferramenta envolvem um ou poucos indivíduos isolados, permitindo a caracterização precisa do tamanho de uma população histórica, os níveis de fluxo gênico, as relações com outras populações do passado, e o grau de parentesco entre populações antes das fortes perturbações causadas pelo homem nos últimos séculos (RAMAKRISHNAN et al., 2005). Além disso, o DNA de coleções de museus tem sido utilizado para validar espécies, a partir da combinação da análise de DNA antigo do holótipo e dados de animais de vida livre (AMATO et al., 1999; BENSCHE; PEARSON, 2002), como também identificar indivíduos de cativeiro que representam linhagens extintas na natureza (RUSELLO et al., 2010), visando o planejamento de reintrodução de espécies, sendo estes aspectos fundamentais para o desenvolvimento de planos de gestão 10 para a efetiva conservação e gestão da vida selvagem (LEONARD, 2008; PAPLINSKA et al., 2011). Apesar de sua ampla utilização e sucesso de trabalho com esse tipo de material, têm-se a ressalva de que o DNA obtido de espécimes de museus apresenta problemas de baixa quantidade e má qualidade presente na maior parte dos espécimes (BESNARD et al., 2016). A amplificação por PCR de segmentos curtos de DNA (<200 pb) requer uma grande quantidade de trabalho, é oneroso e o sucesso é imprevisível (BESNARD et al., 2016; WANDELER et al., 2007). Além disso, a análise de tais amostras é propensa a erros (devido a contaminações por DNA moderno ou artefatos de PCR) enquanto que a amplificação por PCR de regiões de genes de cópia única continua a ser um desafio (PÄÄBO et al., 2004). Análises filogenéticas e filogeográficas Os genes mitocondriais são importantes ferramentas para uma variedade de estudos na área de evolução animal, como filogeografia (AVISE, 2000), genética populacional (BALLARD, 2000) e filogenia (ARNASON et al., 2000). As vantagens do uso desse tipo de marcadores são a transmissão materna, a alta taxa de mutação (comparada com o DNA nuclear) (ROKAS et al., 2003) e a facilidade de amplificação, uma vez que cada célula somática apresenta cerca de 500 a 1000 mitocôndrias (SATOH; KUROIWA, 1991). Outra vantagem importante e comumente aceita é a ausência de recombinação (ROKAS et al., 2003). Porém, a recombinação é regra na maioria das espécies de plantas, fungos e protistas (GILLHAM, 1994) e, recentemente tem sido relatada no reino animal (HOARAU et al., 2002; MA; O’FARRELL, 2015). Com o objetivo de identificar espécies distintas a partir do uso de DNA, neste caso DNA de coleções de museus, genes mitocondriais apresentam variabilidade útil na investigação de espécies que divergiram em tempos geológicos mais recentes, portanto, ideais para estudos das variações intra e interespecíficas (AVISE et al., 1987). Entre os genes mitocondriais amplamente utilizados, estão o citocromo b e a região controladora mitocondrial (Dloop). Recentemente, Duarte et al. (2008) realizaram um estudo utilizando o gene citocromo b para analisar as espécies de todos os gêneros de cervídeos sul- 11 americanos, com o intuito de esclarecer a sistemática e a história evolutiva dos mesmos. Já Taberlet (1996) revela que em estudos baseados entre espécies relacionadas ou populações coespecíficas, a sequência da região Dloop pode prover melhor resolução utilizando-se pouco esforço experimental, gerando filogenias ou análises filogeográficas. Estudos e análises comparativas em Cervídeos indicam que a sequência Dloop é altamente estruturada, com uma região central conservada e flanqueada por dois domínios periféricos altamente divergentes (GONZÁLEZ et al., 1998). Em estudo envolvendo o veado-campeiro, Ozotoceros bezoarticus, amostrados da Argentina à região central do Brasil e analisados a partir da região Dloop, verificaram-se efeitos de isolamento por distância entre as populações analisadas, sem registros de vicariância histórica (GONZÁLEZ et al., 1998). Para Avise (1989), a compreensão dos padrões de distribuição da variabilidade genética atual elucida os processos que devem ser mantidos para assegurar a preservação dessa variabilidade, assim como das populações e das espécies. Além disso, a delimitação de populações é uma questão fundamental no caso de espécies ameaçadas. Porém, estudos mais recentes apontam que a disparidade entre árvores de genes e de populações diminuem quando análises filogeográficas são baseadas em vários locos, resultando em dados mais confiáveis (CUNHA; SOLE-CAVA, 2012), pois cada loco funciona como uma réplica independente do processo de coalescência (EDWARDS; BEERLI, 2000; ARBOGAST et al., 2002). Além disso, a utilização de marcadores nucleares auxilia na análise de estruturação genética observada a partir do uso de marcadores mitocondriais, uma vez que a filopatria, observada em mamíferos, desempenha papel fundamental sobre a estruturação genética de uma população (SHIELDS, 1987), alimentando a hipótese clássica que prevê uma baixa variabilidade genética no interior das unidades de população, com uma divergência genética entre essas diferentes unidades (CHESSER 1991). Assim, os microssatélites mostram-se vantajosos, pois constituem um marcador codominante altamente variável, multialélico, de grande conteúdo informativo, permitindo uma discriminação precisa mesmo de indivíduos proximamente relacionados (PEREZ-SWEENEY et al., 2003). 12 Dessa forma, o uso de marcadores moleculares a partir de amostras de DNA recentes e de amostras de DNA provenientes de coleções de museus permite o estudo de lacunas da biologia básica das espécies, neste caso, do M. bororo, contribuindo assim para o conhecimento do táxon em questão. Tendo em vista as lacunas no conhecimento a respeito de M. bororo, o presente trabalho amplia o conhecimento científico, trazendo novos dados a respeito da taxonomia, evolução e ecologia, gerando subsídios para a elaboração de políticas públicas que implicam na conservação da espécie. Objetivos Os objetivos e as respectivas hipóteses deste trabalho foram as seguintes: 1 - Avaliar os erros de identificação no material analisado nos museus (Hipótese: existem erros de identificação em espécimes do gênero Mazama nos acervos de coleções científicas); 2 - Descrever a distribuição histórica de M. bororo (Hipótese: distribuição histórica da espécie abrange os estados de RS, SC, PR, SP, RJ, ES, BA, SE, AL, PE, RN, CE, PI, MS, MG, GO); 3 - Confirmar a descrição taxonômica de M. bororo como uma espécie distinta da subespécie M. americana jucunda (Hipótese: o espécime utilizado para a descrição da subespécie M. americana jucunda corresponde à espécie M. bororo); 4 - Verificar as relações filogeográficas e a diversidade genética da espécie (Hipótese: não existe estruturação genética dentro da espécie). Referências Bibliográficas ABRIL, V. V.; VOGLIOTTI, A.; VARELA, D. M.; DUARTE, J. M. B.; CARTES, J. L. Brazilian dwarf brocket deer Mazama nana (Hensel 1872). 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Porém, erros de identificação taxonômica deste tipo de material geram resultados baseados em dados incorretos e propagam aspectos irreais da natureza das espécies. Dentro deste contexto, o presente trabalho teve como objetivo revisar a identificação de crânios do gênero Mazama pertencentes a acervos de museus por meio de marcadores moleculares, diante da dificuldade em distinguir esse material a partir de características morfológicas. Um total de 199 amostras de ossos turbinais foram obtidas para a extração do DNA, e a identificação da espécie foi atingida para 77 espécimes a partir de um fragmento de 224pb do gene mitocondrial citocromo b. Constatamos que 26% dos crânios estavam identificados erroneamente em nível de espécie, e, além disso, 57% das amostras identificadas molecularmente estavam identificadas como Mazama sp nos museus visitados. Esses dados corroboram a dificuldade que há na classificação de cervídeos pertencentes a este gênero e indicam a necessidade de obtenção de caracteres não convergentes para a correta classificação morfológica das espécies em questão. Palavras-chave: Morfologia, convergência morfológica, erros de identificação, coleções biológicas, DNA, citocromo b Introdução Coleções biológicas de museus armazenam milhões de espécimes em todo o mundo (WANDELER et al., 2007), sendo que a diversidade de plantas e animais preservados nesses ambientes são a principal fonte para a consulta e desenvolvimento de estudos que envolvam a distribuição geográfica e temporal dos organismos, descrições morfológicas e morfométricas, análises filogenéticas e 19 filogeográficas, dentre outros (GOODWIN et al., 2015, WANDELER et al., 2007, ROSSI, 2000). As informações contidas nas etiquetas de cada espécime são sempre assumidas como corretas, porém erros de identificação taxonômica dos espécimes são observados (GOODWIN et al., 2015). A delimitação correta dos limites entre espécies é crucial para o conhecimento da diversidade da vida, uma vez que eles determinam se os organismos em questão são membros ou não de uma mesma entidade (DAYRAT, 2005). Poucos são os estudos que foram delineados para a verificação de erros de identificação em coleções de museus. GOODWIN et al. (2015) avaliaram a precisão dos nomes associados a uma espécie de planta, a partir de 40 herbários em 21 países. Os resultados mostram que pelo menos 58% dos espécimes apresentava identificação errada, sendo que um padrão semelhante também foi obtido para outras duas famílias de plantas. Um dos possíveis motivos para essa alta taxa de erros de identificação apontados pelos autores é a diminuição da formação específica de novos taxonomistas frente ao aumento do número de espécimes nas coleções. A difusão destes erros de identificação em trabalhos que associam características ecológicas aos nomes presentes nas classificações dos museus origina problemas taxonômicos triviais que afetam hipóteses e ideias, além de um profundo problema prático que atinge nosso conhecimento sobre a natureza (BORTOLUS, 2008). Com objetivo de revisar a taxonomia do gênero Mazama (Mammalia: Cervidae), análises morfológicas e morfométricas foram realizadas em coleções de museus e indicaram um alto polimorfismo individual, dificultando a discriminação das espécies (ROSSI, 2000). Isso se deve ao fato da escassez de registros fósseis e ao alto nível de homoplasia nos caracteres morfológicos do gênero (DUARTE; MERINO, 1997; WEBB, 2000; PITRA et al., 2004; GILBERT et al., 2006; DUARTE et al., 2008; GONZÁLEZ et al., 2010). Desta forma, o gênero Mazama é considerado um dos casos mais impressionantes (GILBERT et al., 2006) e surpreendentes de convergência morfológica entre os mamíferos (DUARTE et al., 2008), permanecendo muitas dúvidas acerca das relações evolutivas entre as espécies descritas até o presente momento. A polifilia desse gênero indicada em análises morfológicas 20 também foi observada a partir de análises moleculares utilizando isoenzimas (SMITH et al., 1986) e marcadores mitocondriais e nucleares (GILBERT et al., 2006; DUARTE et al., 2008; HASSANIN et al., 2012). Com o advento das abordagens na área de genética molecular, as coleções de museus têm se tornado fonte de muitos estudos (WANDELER et al., 2007). Dentro desse contexto, o presente trabalho teve como objetivo revisar o gênero Mazama em museus de zoologia brasileiros por meio de técnicas moleculares, buscando verificar a possível existência de erros de identificação, visto a dificuldade de distinção das espécies deste gênero por meio de dados morfológicos. Material e métodos Um total de 199 amostras foram obtidas em 10 museus brasileiros. As entidades visitadas, localização e a quantidade de material obtido em cada uma delas estão descritas na Tabela 2.1. Tabela 2.1 – Museus visitados com sua respectiva sigla, localização e quantidade de amostras de ossos turbinais obtidas Museu Localização Quantidade de amostras obtidas Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP) São Paulo, São Paulo 49 Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ) Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 23 Museu de História Natural Capão da Imbuia (MHNCI) Curitiba, Paraná 75 Museu de História Natural Professor Adão José Cardoso (ZUEC) Campinas, São Paulo 6 Museu de Biologia Professor Mello Leitão (MBML) Santa Teresa, Espírito Santo 12 Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZB) Porto Alegre, Rio Grande do Sul 14 Colégio Anchieta (MAMM) Porto Alegre, Rio Grande do Sul 3 Museu de Zoologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Porto Alegre, Rio Grande do Sul 4 Museu de Zoologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) João Pessoa, Paraíba 7 Museu de Zoologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Recife, Pernambuco 6 Para a seleção dos crânios a serem amostrados, coletaram-se fragmentos de ossos turbinais de espécimes do gênero Mazama (independente da identificação de 21 espécie presente em cada material) que apresentavam origem geográfica em algum dos estados que atualmente apresenta ou que já apresentou cobertura da Mata Atlântica (RS, SC, PR, SP, RJ, ES, MG, MS, GO, BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, PI). O estado do Maranhão, embora não apresente cobertura de Mata Atlântica atual e historicamente, foi amostrado devido à disponibilidade de amostras desse estado próximas a fragmentos da Mata Atlântica no estado do Piauí. A Figura 2.1 representa a distribuição geográfica das 199 amostradas coletadas e georreferenciadas no Google Earth v.7.1.2.2041, e plotadas no mapa a partir do programa ArcGIS v.10.1. (ESRI, 2011). Figura 2.1. Localização geográfica das 199 amostras de ossos obtidas nas coleções científicas dos museus. Coleta de fragmentos de ossos Para a coleta de material como fonte de DNA de coleções de história natural optou-se pela obtenção de fragmentos de ossos turbinais, por prejudicarem minimamente os crânios amostrados (WISELEY, 2004), sendo obtido, aproximadamente, 180 mg deste material de cada crânio selecionado. Dessa maneira, utilizou-se uma pinça de cabo longo para a retirada de um pedaço do osso, sendo esta higienizada com água sanitária após o uso em cada espécime. Os fragmentos de ossos foram armazenados em tubos do tipo falcon, e identificados 22 com a sigla do museu e número de tombo do respectivo crânio. A Figura 2.2 representa o procedimento de coleta de ossos turbinais. Figura 2.2. Procedimento de coleta de fragmentos dos ossos turbinais. A – com o auxílio de uma pinça de cabo longo retira-se um pedaço do osso. B – os fragmentos são colocados, com auxílio de uma folha de papel, dentro do tubo. C- cada tubo contém, aproximadamente, 180 mg de ossos turbinais, e estes são identificados com a sigla do museu da coleta e número de tombo do espécime. Extração e amplificação do DNA A extração do DNA proveniente das amostras de coleções de museus foi realizada utilizando o protocolo Medrano et al. (1990). A fim de minimizar os riscos de contaminação e garantir a confiabilidade dos resultados controles negativos foram utilizados em todas as extrações de DNA e quantificados em NanoDrop 2000 (“Thermo Scientific”), além de ponteiras com filtro e luvas descartáveis em todas as etapas. A Reação da Polimerase em Cadeia (PCR) foi realizada em fluxo laminar, equipado com luz ultravioleta, sempre acompanhada de controles negativos que foram submetidos a etapa de amplificação para a confirmação de ausência de contaminação nas reações. Foram utilizados iniciadores para amplificar uma região do gene mitocondrial citocromo b, de 224 pares de bases (pb), (IDMAZ224 L e IDMAZ H) (sequência “foward”: 5’ CATCCGACACAATAACAGCA 3’, sequência “reverse” 5’ TCCTACGAATGCTGTGGCTA 3’) (GONZÁLEZ et al., 2009). A amplificação foi realizada no termociclador do tipo tempo real, Rotor Gene (Qiagen), com alíquotas de amostras que apresentavam 10 ng/µL, 30 ng/µL, 50 ng/µL e 100 ng/µL. A eleição desse valor de concentração das soluções foi devido a uma revisão bibliográfica para concentração de DNA de coleções de museus utilizada nos protocolos, sendo que este valor variava de 10 ng/µL a 100 ng/µL 23 (ALLENTOFT et al., 2011; ANDERSEN et al., 2011; LOZIER; CAMERON, 2009; TEX et al., 2010; PAPLINSKA et al., 2011; WOIDE et al., 2010). Verificamos que as alíquotas com concentração de 10 ng/µL foram as que apresentaram os melhores resultados e, por esse motivo, essa foi a concentração de DNA eleita para a amplificação das 199 amostras deste trabalho. As reações de amplificação apresentaram 20,0 µL de volume final, contendo: 1X do kit SensiFASTTMHRM, 0,8 µM de cada iniciador, 0,3 µL de BSA, 10 ng/µL de DNA e 6,9 µL de água. A programação do termociclador foi a seguinte: 95ºC por 2 minutos/ 95ºC por 5 segundos/ 55ºC por 10 segundos (10 ciclos) / 54ºC por 10 segundos (15 ciclos)/ 53ºC por 10 segundos (15 ciclos)/ 72ºC por 20 segundos. Após a purificação das amostras, seguindo o protocolo Dorado-Pérez (2012), foi realizado o sequenciamento de ambas as fitas (“foward” e “reverse”) das amostras amplificadas, através do sequenciador automático 3730XL “Applied Byosystems”. Análise dos dados A qualidade das sequências obtidas foi analisada visualmente e também a partir do programa PHRED, contido nos pacotes do programa Codon Code Aligner v. 6.0.2. Os valores de PHRED indicam a qualidade de cada base a partir da probabilidade de erro na definição da mesma. Dessa forma é realizada a análise de qualidade de cada sequência e a remoção das bases das extremidades das sequências onde valores de PHRED são inferiores a 20. Consequentemente, sequências com número inferior a 50 bases com PHRED 20 são excluídas. O alinhamento das sequências foi realizado a partir do programa Clustal W (THOMPSON et al., 1994), contido no Bioedit v. 7.2.5, (HALL, 1998). Para identificação da espécie de cada amostra, as sequências obtidas foram comparadas com as sequências referentes ao gene citocromo b de 985 bp depositadas no “Genbank”, um banco de sequências do “National Center for Biotecnology Information” (NCBI), a partir da ferramenta “blast” (blast.ncbi.nlm.nih.gov). Posteriormente as sequencias foram analisadas no CIPRES Science Gateway (MILLER et al., 2010) a partir do programa jModelTest v.2 (DARRIBA et al., 2012), 24 com o objetivo de inferir qual o modelo evolutivo que melhor se adequa para o gene analisado. O critério utilizado para a seleção do melhor modelo foi o Bayes Information Criterion (BIC), sendo o modelo Hasegawa Kishino e Yano (HKY) + modelo G selecionado como o mais indicado. O programa Beast v.1.8.1 (DRUMMOND et al., 2012), foi utilizado para a inferência da árvore baseada em análise bayesiana, a partir de 10.000.000 gerações, que agrupou as sequências das amostras provenientes das coleções de museus com as sequências de espécies do gênero Mazama com a finalidade de que a identificação de espécie de cada amostra fosse mais robusta. Para enraizamento da árvore foi utilizada uma sequência pertencente à espécie Ozotoceros bezoarticus. Foi adotado um descarte por “burn-in” de 25%. A convergência entre as corridas foi verificada utilizando o programa Tracer v.1.6 e apenas resultados do “Effective Sample Size” (ESS) maior que 200 foram aceitos. As árvores resultantes foram condensadas no programa Tree Anotator e a visualização destas foi realizada através do programa FigTree v.1.3.1 (RAMBAUT, 2010). As amostras pertencentes às espécies Mazama americana, Mazama nana, Mazama bororo, Mazama gouazoubira, Mazama nemorivaga e Ozotoceros bezoarticus utilizadas para a inferência da árvore filogenética estavam presentes no Genbank ou no banco de sequências do NUPECCE (Tabela 2.2). Todas as amostras provenientes do Genbank e utilizadas nas análises filogenéticas foram depositadas pelo NUPECCE ou pela co-orientadora Susana González, indicando a credibilidade da qualidade e procedência do material. 25 Tabela 2.2 – Sequências utilizadas para a inferência da árvore filogenética, relacionando as amostras provenientes das coleções de museus com sequências que apresentam identificação conhecida. O símbolo (-----) indica localidade de coleta desconhecida e sequências que ainda não foram depositadas no Genbank e estão disponíveis apenas no banco de sequências do NUPECCE. Espécie Identificação da amostra Acesso GenBank Localidade de coleta Mazama americana T40 DQ789224.2 Pará T43 ------ Pará T110 DQ789201.2 Paraná T205 DQ789215.2 Paraná Mazama bororo T71 DQ789231.2 São Paulo T72 ------ São Paulo T338 ------ Paraná (cativeiro) Msg54 DQ789187.2 ------ Mazama nana T2 DQ789214.2 Paraguai T53 DQ789227.2 Paraná (cativeiro) T185 DQ789210.2 Paraná Mazama gouazoubira T112 DQ789202.2 São Paulo Mazama nemorivaga T19 DQ789213.2 Rondônia Ozotoceros bezoarticus ------ L48404.1 ------ Resultados e Discussão Amostras De acordo com a informação presente na etiqueta de cada crânio analisado foram obtidas 39 amostras pertencentes à espécie M. americana, uma pertencente à Mazama rufa (sinônimo de M. americana), 58 pertencentes à M. gouazoubira, 11 pertencentes à Mazama simplicicornis (sinônimo de M. gouazoubira), duas pertencente à M. nana, seis pertencentes à Mazama rufina (sinônimo de M. nana) e 82 identificadas como Mazama sp., totalizando 199 amostras. O ano de coleta, presente em 172 das 199 amostras obtidas é um dado significativo para relacionar a taxa de sucesso de amplificação e idade das amostras. Um total de 42,5% das amostras apresenta até 19 anos de idade. As amostras mais antigas (de 100 a 114 anos de idade) correspondem a 5% do material obtido. A Figura 2.3 ilustra a porcentagem das amostras correspondentes aos intervalos de idade dos fragmentos de ossos adquiridos para extração de DNA de coleções de museus e seu correspondente sucesso de amplificação. 26 Figura 2.3. Taxa de sucesso de amplificação do DNA (cinza escuro) de acordo com a idade de 172 amostras obtidas em coleções de museus. Os números acima das barras indicam o número absoluto de amostras presentes em cada intervalo de idade. Assim, podemos observar que os resultados obtidos não indicam relação entre idade da amostra e sucesso de amplificação do DNA, uma vez amostras com entre 80 a 99 anos de idade apresentaram sucesso de amplificação maior do que amostras mais recentes. Diferentes métodos de preservação podem afetar negativamente a extração, amplificação e o sequenciamento do DNA (HALL et al., 1997; TANG, 2006). Como os métodos de preservação podem variar consideravelmente, a variância esperada na qualidade do DNA entre amostras de idade similar pode ser grande e o risco de contaminação é considerável. Consequentemente, a idade da amostra não é o único fator importante que afeta a qualidade do DNA (ROHLAND et al., 2004). Dessa forma, sugere-se que outros fatores, como por exemplo, condições de armazenamento apresentem maior influência na obtenção do DNA. Além disso, é importante destacar que existe uma flutuação na quantidade de crânios disponíveis nos acervos visitados ao longo dos anos, com uma maior quantidade de material a partir do ano de 1975 até o ano atual. Historicamente, as coletas de espécies da fauna e flora encontradas no Brasil eram realizadas pelos historiadores naturais (GIULIETTI et al. 2005), sendo que, nas últimas décadas, o aumento de empreendimentos na área da construção civil, como rodovias e 73 48 1 36 6 8 0% 20% 40% 60% 80% 100% 1-19 20-41 42-59 60-79 80-99 100-114 Idade das Amostras Amostras Amplificadas Total de Amostras 27 hidrelétricas, propiciaram a coleta e depósito de espécimes de cervídeos, neste caso, em coleções científicas. As coletas de espécimes realizadas em áreas de construção de hidrelétricas tiveram início na década de 1970 como uma das formas de mitigação do impacto gerado (ELETROBRAS, 1999). Para Rodrigues (1999), apesar dos impactos provocados ao meio ambiente, as hidrelétricas fornecem a melhor oportunidade de conhecer localmente a diversidade de fauna terrestre das áreas onde são implantadas, sendo que nenhum método de coleta permite conhecer tão precisamente a composição local de espécies quanto a coleta propiciada pelo enchimento dos reservatórios. Já o aumento da infraestrutura viária no Brasil aponta crescimento desde o governo Juscelino Kubitschek (1956 –1961), sendo que o conhecimento científico a respeito de atropelamentos decorrentes das construções de rodovias, estradas e ferrovias foi avaliado por Dornas et al. (2012), que verificaram que dos 66 trabalhos consultados, 8% foram realizados antes do ano 2000, 31% entre 2000 e 2005 e 61% entre 2006 e 2009, demonstrando um evidente crescimento dos estudos na última década, e, consequentemente o aumento da coleta e depósito deste tipo de espécimes. Quantificação e amplificação Após a extração de DNA, todas as 199 amostras foram quantificadas em Nanodrop. A média de DNA quantificado no total de amostras foi de 443 ng/µL, porém, sabe-se que os valores obtidos são superestimados, visto que como produto final de extração obteve-se, além do DNA alvo, o DNA proveniente de insetos e micro-organismos que contaminaram os crânios com seu material genético a partir de algum tipo de contato. O sucesso de amplificação e identificação das amostras foi de 39%. Numerosos fatores biológicos, físicos e químicos afetam a qualidade do DNA de espécimes de museu. Muitos desses fatores revelam a atividade das endonucleases e de enzimas hidrolíticas (WANDELER et al., 2007). Como consequência, é esperado que o DNA extraído de material histórico seja altamente degradado e altamente diluído, semelhante ao DNA proveniente de amostras não invasivas 28 (TABERLET et al., 1999). Besnard et al. (2016) afirma que os problemas decorrentes do uso de DNA de museus devido à baixa quantidade e qualidade são facilmente observados para a maioria dos espécimes, sugerindo a utilização de sequenciamento de nova geração para a obtenção de informações genéticas em grande escala a partir de estudos que envolvem espécimes de coleções de museus. Análises filogenéticas Após as comparações entre as sequências obtidas e as sequências de referência pertencentes ao gênero Mazama, foram inferidas árvores filogenéticas relacionando-as com o objetivo de identificar a espécie pertencente às amostras provenientes dos museus. Dessa maneira, foram identificados três crânios pertencentes à M. americana, 41 pertencentes à M. gouazoubira, 12 pertencentes à M. nana e 21 pertencentes à M. bororo. A Figura 2.4 representa a árvore que relaciona as amostras dos museus às amostras referência do gênero Mazama, sendo que as diferentes cores indicam as quatro espécies identificadas (azul – M. americana; rosa – M. nana; amarelo – M. bororo; verde – M. gouazoubira). Além disso, as amostras provenientes dos museus estão representadas por seu respectivo número tombo, sigla do museu de origem e localidade geográfica entre parênteses e as amostras de referência estão indicadas com o nome da espécie e sigla de identificação presente do Genbank e/ou banco de sequências do NUPECCE (Tabela 2.2). Informações detalhadas de cada uma dessas amostras pertencentes aos museus estão no Apêndice A. 29 Figura 2.4. Árvore filogenética inferida a partir de análise bayesiana, demonstrando as relações entre amostras de DNA recente e de coleções de museu dentro do gênero Mazama, a partir de um fragmento do gene mitocondrial citocromo b. As amostras referências estão representadas pelo nome da espécie e sigla de identificação. As amostras de museus estão representadas pelo número tombo, sigla do museu de origem e localidade geográfica entre parênteses. As cores indicam as quatro espécies identificadas nos museus (azul – M. americana; rosa – M. nana; amarelo – M. bororo; verde – M. gouazoubira). 30 Identificação morfológica x identificação molecular Comparando-se a identificação obtida para cada museu com a espécie identificada molecularmente observam-se os resultados apresentados na Tabela 2.3. Tabela 2.3 – Comparação entre a identificação morfológica de 77 espécimes pertencentes a coleções de museus brasileiros com a identificação obtida a partir de análise molecular Identificação Museu Identificação Molecular M. gouazoubira M. americana M. nana M. bororo M. gouazoubira 21 11 1 2 7 M. americana 7 3 0 1 3 M. nana 5 0 0 4 2 Mazama sp. 44 27 2 5 9 Total 77 41 3 12 21 Os crânios pertencentes à M. gouazoubira e M. nana foram os que apresentaram menor taxa de erro, comparando-se os resultados de identificação morfológica e molecular para estas espécies (Figuras 2.5 e 2.6). Figura 2.5. Comparação entre a identificação morfológica de crânios pertencentes à espécie M. gouazoubira (1ª coluna) com a identificação molecular dos mesmos crânios (colunas de coloração escura). 0 5 10 15 20 25 M.gouazoubira M.gouazoubira M.bororo M.nana M.americana N º d e a m o s tr a s Espécies Mazama gouazoubira 31 Figura 2.6. Comparação entre a identificação morfológica de crânios pertencentes à espécie M. nana (1ª coluna) com a identificação molecular dos mesmos crânios (colunas de coloração escura). Em contrapartida, os crânios identificados morfologicamente como pertencentes à M. americana apresentaram 100% de taxa de erro (Figura 2.7), visto que a revisão deste material, a partir do DNA de coleções de museus, indicou que nenhum dos crânios identificados como M. americana pertencia a esta espécie. Figura 2.7. Comparação entre a identificação morfológica de crânios pertencentes à espécie M. americana (1ª coluna) com a identificação molecular dos mesmos crânios (colunas de coloração escura). 0 1 2 3 4 5 M.nana M.nana M.bororo N º d e a m o s tr a s Espécies Mazama nana 0 1 2 3 4 5 6 7 8 M.americana M.gouazoubira M.bororo M.nana N º d e a m o s tr a s Espécies Mazama americana 32 Já os 21 crânios pertencentes à espécie M. bororo foram identificados molecularmente, porém não estavam presentes em nenhuma identificação morfológica do material analisado, fato que pode ser explicado devido a recente descrição da espécie, por Duarte em 1996, além da ausência de diferenças morfométricas estatisticamente significativas entre os crânios desta espécie e de M. americana, como afirma Rossi em 2000. Esses resultados demonstram que a taxa de erro decorrente da identificação baseada em caracteres morfológicos foi de 26%, mesmo resultado obtido por Moraes-Barros et al. (2011), que a partir de dados morfológicos e moleculares revisou coleções de museus de duas espécies de preguiças e observou 26% de erros de identificação, atribuídos à semelhança de coloração na pelagem dessas duas espécies. Os erros aqui observados indicam a dificuldade de identificação correta das espécies de cervídeos do gênero Mazama a partir de caracteres morfológicos, como também a existência de muitos espécimes sem identificação em nível de espécie, visto que 57% do total dos crânios identificados molecularmente estavam classificados como Mazama sp. (APÊNDICE A). Dessa forma, espera-se que com o auxílio do uso do DNA de coleções de museus possa ser realizada a seleção de caracteres morfológicos não convergentes para este grupo, permitindo assim, a realização de identificações morfológicas corretamente, visto que altas taxas de erros de identificação têm implicações graves para o uso indiscriminado dos dados de espécimes de coleções de história natural (GOODWIN et al., 2015), pois além de propagar erros de classificação biológica (BORTOLUS, 2008), torna inconsistente os resultados de estudos que utilizam esse tipo de material, de acordo com a classificação taxonômica presente no museu. Referências Bibliográficas ALLENTOFT, M. E.; OSKAM, C.; HOUSTON, J.; HALE, M. L.; GILBERT, M. T. P.; RASMUSSEN, M.; SPENCER, P.; JACOMB, C.; WILLERSLEV, E.; HOLDAWAY, R. N.; BUNCE, M. Profiling the Dead: Generating Microsatellite Data from Fossil Bones of Extinct Megafauna—Protocols, Problems, and Prospects. 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American Journal Of Physical Anthropology, v. 142, p. 321–327, 2010. 37 CAPÍTULO 3 – Novo nome para Mazama bororo (Mazama jucunda Thomas, 1913; Mammalia: Cervidae) a partir do DNA obtido em coleções de museus. Resumo A taxonomia integrativa constitui-se da utilização de um conjunto de ferramentas de diferentes áreas para o conhecimento e caracterização de unidades taxonômicas. A espécie Mazama bororo foi reconhecida, inicialmente, através de um padrão cariotípico e morfológico distinto dos demais existentes para o gênero Mazama, constituindo a base para a descrição da espécie, em 1996. Porém, recentemente, revisando-se a descrição de Mazama americana jucunda, sugere-se que esta subespécie corresponda à espécie Mazama bororo, devido, principalmente, a mesma área de ocorrência e a semelhança de medidas morfológicas entre ambas as unidades taxonômicas. Com o objetivo de resolver essa questão, comparou-se o DNA proveniente do holótipo de Mazama americana jucunda com o DNA do holótipo de M. bororo. Através da amplificação de um fragmento do gene mitocondrial citocromo b foi construída uma árvore filogenética, a partir da análise bayesiana. Desta forma confirmou-se que M. a. jucunda e M. bororo constituem a mesma entidade biológica, demonstrando-se a necessidade de elevação de M. a. jucunda à categoria de espécie, permanecendo Mazama bororo como seu sinônimo. Palavras-chave: análise filogenética, espécies crípticas, Mazama americana jucunda, citocromo b, taxonomia Introdução A espécie Mazama bororo, ou veado-mateiro-pequeno, foi proposta pela primeira vez por Duarte em 1992, durante um estudo para a caracterização citogenética dos cervídeos brasileiros. Esta classificação foi predominantemente baseada em diferenças cariótípicas dessa espécie em relação às demais do gênero Mazama. O espécime utilizado para esta análise, um macho adulto proveniente do município de Capão Bonito, região sul do Estado de São Paulo, até então 38 caracterizado como Mazama americana, apresentou um padrão cromossômico completamente distinto das demais espécies conhecidas de Mazama, sugerindo seu provável isolamento reprodutivo (VOGLIOTTI et al., 2012). Uma descrição mais detalhada do animal foi feita por Duarte (1996), Duarte e Merino (1997), e Duarte e Jorge (2003), que caracterizaram e descreveram M. bororo com número diplóide (2N)=32-34 e número fundamental (FN)=46, reconhecendo esta espécie como uma forma cariotipicamente intermediária entre Mazama nana (2n=36-38 e FN=56,59 ou 60) e Mazama americana americana (2n=50-53 e FN= 54, 56 ou 57) (DUARTE; JORGE,1996). Comparando-se os aspectos morfológicos, as médias das medidas corporais de M. bororo também apresentam valores intermediários entre M. americana e M. nana, e são muito próximas das de híbridos entre estas duas últimas espécies (DUARTE; JORGE, 2003). Os híbridos entre M. nana e M. americana, apesar de bastante semelhantes aos M. bororo no aspecto morfológico, apresentam o conjunto cromossômico de ambos os parentais e, portanto, são facilmente distinguíveis através da análise citogenética (VOGLIOTTI; DUARTE, 2012). O holótipo de M. bororo, proveniente do estado de São Paulo, foi depositado no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP), com o número de testemunho MZUSP 33471 (VOGLIOTTI; DUARTE, 2009). Estudos morfométricos e morfológicos realizados por Rossi (2000) baseados em esqueletos e peles de diferentes coleções brasileiras falharam em diferenciar M. bororo de M. americana. Entretanto, os dados indicam a presença de uma população parcialmente diferenciada de M. americana distribuída ao longo da costa sul do Brasil (VOGLIOTTI; DUARTE, 2010). Porém, sabe-se que alguns caracteres são potencialmente discriminantes da espécie como: peso, altura, comprimento do corpo, circunferência do tórax e comprimento do metacarpo e metatarso (VOGLIOTTI; DUARTE, 2010), dados, na maioria das vezes, inacessíveis em coleções científicas. Recentemente, a partir de uma revisão das descrições de espécimes pertencentes ao gênero Mazama, constatou-se que o nome Mazama americana jucunda (THOMAS, 1913), é o mais antigo publicado dentro do gênero no Brasil, tendo sido coletada em 1901, na região de Roça Nova, na Serra do Mar, no estado 39 do Paraná, Brasil, a 1000 metros de altitude, região de provável ocorrência de M. bororo. Além disso, o animal utilizado para a descrição da subespécie apresentava padrões morfológicos semelhantes a M. bororo. Dessa forma, considerou-se como hipótese que esta subespécie corresponda à espécie M. bororo, devido, principalmente, a mesma área de ocorrência e à semelhança de medidas morfológicas entre ambas as unidades taxonômicas. Esses dados conferem uma evidência de que M. bororo e M. americana jucunda podem constituir a mesma entidade biológica. Atualmente, apesar da espécie M. bororo não estar listada na CITES (VOGLIOTTI; DUARTE, 2010), a espécie foi classificada como “Vulnerável” (Vulnerable – VU) no estado de São Paulo (São Paulo, 2010), VU no Paraná (IAP, 2010) e VU na avaliação global da IUCN (VOGLIOTTI et al., 2016). Para Weber e González (2003), o veado-mateiro-pequeno pode ser considerado uma das espécies de cervídeos mais ameaçadas do mundo, provavelmente devido ao seu endemismo na Mata Atlântica e à intensa história de destruição desse bioma. A degradação ambiental da Mata Atlântica, causada também por explorações clandestinas de recursos naturais representam uma importante ameaça às populações de M. bororo. Isso porque a caça e a predação por cachorros, decorrentes dessas explorações clandestinas, representam uma importante ameaça à espécie, além de M. bororo apresentar a menor distribuição geográfica das espécies de cervídeos descritas atualmente (VOGLIOTTI; DUARTE, 2010; DUARTE et al. 2012; DUARTE et al., In Press). Registros atuais sugerem que a área de ocorrência da espécie inserida neste bioma é restrita aos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, com paisagem que varia entre planície costeira, ao nível do mar, terreno abrupto e montanhas com altitude de até 1200 m (VOGLIOTTI; DUARTE, 2010; DUARTE et al. In Press). Tendo em vista que a subespécie M. a. jucunda pode corresponder à espécie M. bororo, realizou-se a comparação do DNA do holótipo de M. americana jucunda com o DNA do holótipo de M. bororo. Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi o de avaliar a hipótese de que M. bororo corresponde à subespécie M. a. jucunda, através de análises filogenéticas. 40 Material e Métodos Amostras de DNA Foram utilizadas amostras de pelo para a extração do DNA de M. bororo, provenientes do estado do Paraná e São Paulo, incluindo a amostra do holótipo da espécie (T71), que estavam armazenadas no banco de células do Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos (NUPECCE), localizado em Jaboticabal, São Paulo, Brasil. Em relação à extração do DNA do holótipo de Mazama americana jucunda, utilizou-se um pequeno fragmento de osso cedido pelo Museu de História Natural de Londres (BMNH 3.7.1.103). Extração do DNA, amplificação e sequenciamento A extração do DNA proveniente das amostras de M. bororo foi realizada a partir do protocolo de Sambrook et al. (1989), sendo que um fragmento de 224 pares de bases (pb) foi amplificado a partir de um par de iniciadores para a região mitocondrial do citocromo b (IDMAZ224 L e IDMAZ H) (sequência “foward”: 5’ CATCCGACACAATAACAGCA 3’, sequência “reverse” 5’ TCCTACGAATGCTGTGGCTA 3’) (GONZÁLEZ et al., 2009). As amostras de DNA de pelo de M. bororo foram amplificadas em um termociclador convencional, da marca “Biometra T1 Thermocycler”, e a reação de amplificação apresentou 25,0 µL de volume final, contendo: 1X de ImmoMixTM, Bioline, 0,3 µM de cada iniciador, 0,3 µM de BSA, 15 ng/µL de DNA e 7,6 µL de água. As condições da reação de amplificação da polimerase em cadeia (PCR) foram: 95oC por 5 min, 35 ciclos a 95oC por 1 min, 55oC por 1 min, 72oC por 1 min; e extensão final a 72oC por 10 min. Os produtos de PCR foram visualizados em gel de agarose a 1% para avaliar a amplificação e verificar o tamanho dos fragmentos baseados no marcador de 1kb plus DNA ladder (Invitrogen) . A extração do DNA proveniente da amostra do Museu de História Natural de Londres foi realizada utilizando o protocolo de Medrano et al. (1990). A fim de minimizar os riscos de contaminação e garantir a confiabilidade dos resultados, 41 controles negativos foram utilizados em todas as extrações de DNA e estes foram quantificados em NanoDrop 2000 (“Thermo Scientific”), além da utilização de ponteiras com filtro e luvas descartáveis em todas as etapas. A Reação da Polimerase em Cadeia (PCR) foi realizada três vezes, de maneira distinta e em dois laboratórios diferentes, em fluxo laminar equipado com luz ultravioleta, sempre acompanhada de controles negativos que foram submetidos à etapa de amplificação para a confirmação de ausência de contaminação nas reações. A reação de amplificação da polimerase em cadeia para a amostra de DNA proveniente de coleção de museu apresentou 20,0 µL de volume final, contendo: 1X do kit SensiFASTTMHRM, 0,8 µM de cada iniciador, 0,3 µL de BSA, 10 ng/µL de DNA e 6,9 µL de água. A programação do termociclador em tempo real (Rotor Gene, Qiagen) foi: 95ºC por 2 minutos/ 95ºC por 5 segundos/ 54ºC por 10 segundos (10 ciclos) / 54ºC por 10 segundos (15 ciclos)/ 53ºC por 10 segundos (15 ciclos)/ 72ºC por 20 segundos. Após a purificação das amostras, seguindo o protocolo de Dorado-Pérez (2012), foi realizado o sequenciamento de ambas as fitas (“foward” e “reverse”) das amostras amplificadas, por meio do sequenciador automático 3730XL “Applied Byosystems”. Morfometria linear Foram registradas 25 m