1 UFCE – UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - INSTITUIÇÃO ASSOCIADA: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – JÚLIO DE MESQUITA FILHO - UNESP DE MARÍLIA SIMONE CRISTINA DOS SANTOS Antropologia visual e o olhar dos estudantes para os direitos humanos: uma experiência sociológica no Laboratório de Ciências Humanas numa escola pública periférica UNESP-FFC Marília- 2023 2 SIMONE CRISTINA DOS SANTOS Antropologia visual e o olhar dos estudantes para os direitos humanos: uma experiência sociológica no Laboratório de Ciências Humanas numa escola pública periférica Dissertação como parte da experiência para a conclusão da Pós – graduação do programa de Mestrado em Rede Nacional - Profsocio, sob orientação da Prof.(a) Dr.(a): Ana Paula Cordeiro. Área de concentração: Ensino de Sociologia. Linha de pesquisa: juventude e questões contemporâneas. Submetida à apreciação da UFCE– Universidade Federal do Ceará – Instituição associada: UNESP – Universidade Estadual Paulista de Marília “Júlio Mesquita Filho”-SP. UNESP-FFC Marília- 2023 3 4 SIMONE CRISTINA DOS SANTOS Antropologia visual e o olhar dos estudantes para os direitos humanos: uma experiência sociológica no Laboratório de Ciências Humanas numa escola pública periférica Dissertação como parte da experiência para a conclusão da Pós – graduação do programa de Mestrado em Rede Nacional - Profsocio, sob orientação da Prof.(a) Dr.(a): Ana Paula Cordeiro. Submetida à apreciação da UFCE– Universidade Federal do Ceará – Instituição associada: UNESP – Universidade Estadual Paulista de Marília “Júlio Mesquita Filho”-SP. Área de concentração: Ensino de Sociologia. Linha de pesquisa: juventude e questões contemporâneas. BANCA EXAMINADORA Aprovada como parte das exigências para obtenção do Título de Mestra em Sociologia em Rede Nacional, área: Ensino de Sociologia pela Comissão Examinadora: Prof(a). Dr(a). ANA PAULA CORDEIRO Departamento de Didática / Unesp, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Prof(a). Dr(a). ALEXANDER MAXIMILIAN HILSENBECK FILHO Ciência Política e Comunicação / Faculdade Casper Líbero Prof(a). Dr(a). MARCIO JEAN FIALHO DE SOUSA Comunicação e Letras / Universidade Estadual de Montes Claros Marília, 29 de maio de 2023 5 Dedicatória Aos meus avós Maria Luiza e Joaquim O. da Fonseca e José C. dos Santos e Maria Alves Chaves que através de meus pais Evanete O. dos Santos e Luciano Chaves dos Santos que me educaram com princípios éticos dos quais me fizeram optar pelos trabalhos com educação, artes, segurança pública e direitos humanos, só tenho a agradecer pelo amor, apoio e inspiração; À Jailson Moreira dos Santos, pelo amor, afeto e presença constante, pelo companheirismo nas ações de desenvolvimento de metodologias ativas e interdisciplinares em ciências humanas, ações sociais, arte, cultura e educação. Em especial ao irmão Silvio, pelo companheirismo sempre me incentivando à produção fotográfica poética e filosófica. Aos irmãos Paulo e Janaina pelo carinho e incentivo à área de Sociologia da educação. Aos irmãos Silas, Daniel, Letícia e Matheus pelos olhares sensíveis à fotografia que me ajudaram a desenvolver uma metodologia para o trabalho de campo com crianças e adolescentes. Aos filhos (as): Luís Moreira, Thainá Ianaiê, Talita Ariadne, Yosef e Lúrian pelo amor, curiosidades artísticas, apoio, paciência, companheirismo e afetos sem fim. Aos familiares e sobrinhos pelo apoio e carinho nesta trajetória, em especial Sofia pelo amor e dedicação e inspiração à fotografia. Aos estudantes participantes das eletivas e oficinas de fotografias pelas escolas por onde andei, em especial aos participantes das oficinas de sociologia imagética e antropologia visual. Aos estudantes e professores das escolas estaduais, municipais, públicas e particulares por onde passei e me reinventei na educação, em especial a escola estadual, localizada na diretoria de ensino sul 3 da capital paulista, na qual me fixei desde 2014 e t ive a oportunidade de vivenciar companheirismo com professores, com os estudantes e a trajetória do nascimento do Laboratório de Ciências Humanas, do Centro de Documentação e Memória Calasans e do Observatório de Direitos Humanos- Marielle Franco, dedico com amor e carinho este trabalho, que sem a participação intensiva dos professores de humanas, estudantes, gestões do grêmio (Revolução Estudantil, Ubuntu e Mandela estudantil), coletivo vanguarda, coletivo de mulheres- não é não e coletivo esse tal do oprimido. Agradecimentos à gestão pedagógica da escola e o grupo de fotografia protagonistas da liberdade, que surgiu em 2015, sem eles nada seria possível. Este trabalho é dedicado aos amantes da fotografia, da arte, da educação e da liberdade. 6 Agradecimentos À orientação de Ana Paula Cordeiro, pelo carinho e sensibilidade. À UNESP pela oportunidade da realização do PROFSOCIO, a CAPES pela bolsa de estudos em apoio à pesquisa e em especial às professoras coordenadoras do curso de pós graduação em Sociologia em Rede Nacional das turmas de 2021- Dra. Sueli Guadelupe de Lima Mendonça e Dra. Maria Valéria Barbosa pela oportunidade de realização desta pesquisa. "O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 Aos estudantes e aos professores de turma Profsocio de 2021 que através da participação as aulas, eles tornaram este espaço uma riqueza imensa teórica e prática. Em especial aos amigos Beth, Alcir, Juliana, Tamires, Priscila, Débora, Adriano, Diego, Fabrício, Gisele, Camila e Henrique. Em especial aos professores: Sueli, Valéria, Totti, Luís Antônio, Rosângela, Henrique e Angélica. Em especial agradecimentos sem fim à Maria Moreira e Natal Castro pelo carinho, amor e dedicação. Aos amigos(as) das Ciências Humanas de sempre da diretoria de ensino sul 3, agradeço carinhosamente o núcleo pedagógico e os professores Eduardo, Osvaldo e Vanessa- PCNPs que formam incluindo os direitos sociais e humanos, e, vivem essa inquietude auxiliando na formação de professores da diretoria, formação esta que proporcionou e motivou parte deste trabalho na escola, nós aprendemos juntos teoria e prática, gratidão sem fim pelo apoio pedagógico e dedicação constante nos últimos anos. Agradecimentos especiais aos professores que fizeram parte da banca de qualificação deste trabalho e da banca de conclusão da dissertação pelas contribuições que ajudaram na construção do conhecimento para finalização desta etapa. Muito obrigada pelas orientações, indicações de estudo, pesquisa e práticas de ensino. Estima e gratidão à Dr.(a) Ana Paula Cordeiro- Orientadora- Departamento de Didática da UNESP; Dra. Rosângela de Lima Vieira- Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da UNESP; Dra. Luciana Aparecida Araújo- Departamento de didática da UNESP; Dr. Alexander Hilsembeck Maximiniano Filho- Departamento de Ciência Política e Comunicação da Faculdade Casper Líbero; Dr. Márcio Jean Fialho de Souza- Departamento de Comunicação e Letras da Universidade Estadual de Montes Claros e Dra. Ligia Wilhelms Eras- Instituto Federal de Santa Catarina- Câmpus Xanxerê 7 O ser humano aprende a ser humano aprendendo as significações que outros humanos dão à vida, à terra, ao amor, à opressão e à libertação. Paulo Freire,1997) 8 RESUMO Na sociedade brasileira ressignificar a democracia e exercitar o diálogo interdisciplinar para uma formação sociológica é uma tarefa árdua. O objetivo geral da pesquisa de campo foi compreender se as representações imagéticas e icnográficas produzidas pelos estudantes através da Antropologia Visual, junto ao Laboratório de Ciências Humanas (LACH) no ano de 2022 expressavam narrativas que aprimorariam o ensino- aprendizagem e se tais recursos auxiliariam no desenvolvimento do olhar sociológico e numa cultura de direitos humanos na escola. Fez parte dos objetivos específicos, o desenvolver a partir das técnicas de produção de imagens leituras de mundos despertando a narrativas antirracistas, de respeito às diversidades religiosas e de gênero. Refletiu-se conjunturas das experiências cotidianas e fatos sociais que expressaram violações dos direitos humanos e debateu-se as novas narrativas que contrapõem a comunicação violenta, os discursos racistas, homofóbicos, xenófobos e misóginos dinamizando oficinas de direitos humanos e produtos finais tecnológicas (portifólios, blogs, etc). Fortaleceu-se a área de Ciências Humanas contrapondo através de sua produção antropológica os vazios deixados nos conteúdos sociológicos por competências e habilidades aprovados na nova BNCC e sua aplicabilidade para o novo ensino médio. O diálogo com os campos das Artes, Linguagens, Tecnologia, Matemática, Geografia e História motivaram os(as) estudantes, que deixaram de ser os “agentes passivos” receptores dos conteúdos instrumentalizados e tornaram-se “agentes ativos” produtores do conhecimento. A compreensão das imagens, das subjetividades e potencialidades, se tornou rica fonte de memória e história em movimento. A metodologia participante trouxe reflexões dos atores sociais (estudantes) e seus espaços interculturais. O Laboratório de Ciências Humanas (LACH) buscou parcerias com linguagens e códigos para trabalhar o Slam resistência, os saraus de canto e poesia para as interlocuções dos jovens artistas na expressão de seus talentos poéticos e literários. Tanto as poesias quanto as fotografias, vídeos, teatros ou diários de campos fizeram parte de um leque de possibilidades e recursos. Durante a pesquisa houve a opção de priorizar os recursos da fotografia na área da antropologia visual para o desenvolvimento deste projeto. Os resultados deste projeto foram surpreendentes. Os desafios dos direitos humanos sensibilizaram a produção iconográfica e visual tornando as representações, referências estéticas e cognitivas, que se transformaram em recursos para o debates e reflexões sociológicas. A iconografia estudantil é um recurso importantíssimo em ciências sociais para sensibilização e desenvolvimento do olhar sociológico. As visitas aos museus ampliaram a formação, vivência e convivência humana e social entre estudantes e professores. A Organização do acervo, memória e banco de imagens da escola foi uma conquista relevante. Assim como, o fortalecimento de argumentos para o enfrentamento dos discursos e narrativas extremistas. A juventude defensora dos direitos humanos, se organizou com representantes de todas as turmas, se reúnem duas vezes por mês e de forma autônoma. Para além dos objetivos, o surgimento do Observatório dos Direitos Humanos- Marielle Franco, as Comissões de Direitos Humanos dos professores e a Comissão Gremista dos Estudantes acompanhada pela gestão da escola. O fazer antropológico descrito nesta dissertação legitimou aprendizagens humanizadas que puderam refletir as demandas, os desafios e as problemáticas que trazem a educação pública na atualidade. Palavras-chaves: Laboratório, Antropologia Visual, Juventude, Direitos Humanos, interculturalidades, Escola Pública 9 ABSTRACT In Brazilian Society, re-signifying democracy and exercising interdisciplinar dialogue for sociological training is na arduous task. The general objective of the research was to understand if the imagery and icnographic representations produced by the students through visual anthropology, together with the Human Sciences Laboratory (LACH) expressed narratives that would improve teaching-learning and if such resources would help in the development of the sociological look and in a culture of human rights at school. It was part of the specific objectives, to devolop from the techniques of production of images, readings of worlds, awakening anti-racist narratives, of respect for religious and gender diversities. Conjunctures of everyday experiences and social facts that expressed violations of human rights werw reflected and new narratives that oppose violent communication, racista himophobic, xenophobic and misogynistic speeches were discussed, promoting human rights workshops and technological final products (portifólios, blogs, etc.). The área of Human Sciences was strengthened, Opposing through its anthropological production the gaps left in the sociological contents by competences and abilities approved in the new BNCC and its applicability to the new higt school. The dialogue wuith the Fields of Arts, Languages, Techonology, Matematics, Geography and History motivated the students, who ceased to be “passive agentes” receivers of instrumentalized contents and became “active agentes” producers of knowledge. The understanding of imagens, subjectivities and potentialities, became a rich source of memory and Moving history. The participatory methodology brought reflections from social actors (students) and their intercultural spaces. The Human Sciences Laboratory (LACH) sought partnerships with languages and codes to work on SLAM resistance, singing and potry soirées for the interlocutions of young artists in the expression. Of their poetic and literary talents. Both poetry and photographs, vídeos, teaters or field diaries were part of a range of possibilities and resources. During the research there was the option to prioritize the resources of photography in the field of visual anthropology for the development of this Project. The results of this Project were amazing. The challenges of human rights sensitized the iconographic and visual production, making the representations aesthetic and cognitive references, which became resources for debates and sociological reflections. Student iconography is a very important resource in social sciences for raising a awareness and developing a sociological perspective. The visits to the museums expanded the training, experience and human and social coexistence between students and teachers. The organization of the school’s colletction, memory and image bank was a relevant achievement. As well as strengthening arguments to confront extremista discourses and narratives. The Youth defender of human rights, organized with representatives of all classes, meet twice a mont and autonomously. In addition to the objectives, the emergence of the Human Rights Observatory- Marielle Franco, the Human Rights Commissions of teachers and the Gremista Students Commission accompanied by school management. Anthropological work legitimized humanized learning that could reflect the demands, challengs and problems that presente public education today. Keywords: Laboratory, Visual Anthropology, Youth, Interculturalities, Human Rights, Public School "This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001" 10 RESUMEN Em la sociedade brasileña, ressignificar la democracia y ejercer el diálogo interdisciplinario para la formación sociológica es una ardua tarea. El objetivo general de la investigación del campo fue compreender si las imágenes y representaciones iconográficas producidas por los estudiantes a través de la Antropogía Visual, em conjunto com el Laboratorio de Ciencias Humanas (LACH), expressam narrativas que mejoren la enseñanza- aprendizaje y si tales recursos ayudarían em el desarrollo de la mirada sociológica y em uma cultura de derechos humanos em la escuela. Formaba parte de los objetivos específicos, desarrollar desde las técnicas de producción de imágenes, lecturas de mundos, despertar narrativas antirracistas, de respeto a as diversidades religiosas y de género. Se reflejaron coyuntura de experiencias cotidianas y hechos sociales que expresaban violaciones a los derechos humanos y se discutieron nuevas narrativas que contraponen discursos comunicativos violentos, racistas, homofóbicos, xenófobos y misóginos, promoviendo talleres de derechos humanos y produtos tecnológicos finales (portifólios, blogs, etc), Se fortaleció el área de Ciencias Humanas, contrapniendo a través de su producción antropológica los vacíos dejados em los contenidos sociológicos por competências y habilidades aprobadas em el nueva BNCC y su aplicabilidade al nuevo bachillerato. El diálogo com los campos de las Artes, las Lenguajes las Tecnología, las Matemáticas, la Geografía y la História motivo a los estudiantes, que dejaron de ser “agentes passivos” receptores de contenidos instrumentalizados para convertirse em “agentes activos” produtores de conocimiento. La comprensión das imágenes, subjetividades y potencialidades, se convirtió em uma rica fuente de memória e história conmovedora. La metodologia participativa trajo reflexiones de los actores sociales (estudiantes) y sus espacios interculturales. El Laboratório de Ciencias Humanas (LACH) buscó alianzas con linguajes y códigos para trabajar la resistencia al SLAM, veladas de canto y poesias para las interlocuciones de jóvenes artistas em la expresión de sus talentos poéticos como la fotografia, el vídeo, el teatro, el diário de campo formaban parte de um abanico de possibilidades y recursos. Durante la investigación se tuvo la opción de priorizar los recursos de la fotografia em el campo de la antropología visual para el desarrollo de este proyecto. Los resultados de este proyecto fueron assombrosos. Los desafios de los derechos humanos sensibilizaron la producción iconográfica y visual, haciendo de las representaciones referentes estéticos y cognitivos, que se convirtieron em recursos para debates y reflexiones sociológicas. La iconografia estudantil es um recurso muy importante em las ciencias sociales para crear consciência y desarrollar una perspectiva sociológica. Las visitas a los museos ampliaron la formación, la experiencia y la convivência humana y social entre alumnos y professores. La organización de la colección, memoria y banco de imágenes de la escuela fue um logro relevante. Así como fortalecer argumentos para confrontar discursos y narrativas extremistas. Los jóvenes defensores de los derechos humanos, organizados com representantes de todas las clases sociales, se reúnen dos veces al mês y de manera autónoma. Además de los objetivos, ele surgimento del Observatório de Derechos Humanos- Marielle Franco, las Comisiones de Derechos Humanos de docentes y la Comisión de Estudiantes Gremistas acompaãdos de la dirección escolar. El trabajo antropológico nesta dissertacion legitimó um aprendizaje humanizado que pudiera reflejar las demandas, desafios y problemas que presenta la educación pública em la actualidad. Palabras claves: Laboratorio, Antropología Visual, Jóvenes, Interculturalidades, Derechos Humanos, Escuela Pública 11 SUMÁRIO Introdução ................................................................................................... ............................. 12 CAPÍTULO I | O LABORATÓRIO DE CIÊNCIAS HUMANAS NA ESCOLA ........ ......17 1.1-|Concepção do Laboratório de Ciências Humanas (LACH) na escola pública ....................26 1.2-|Identidade e princípios de uma metodologia freiriana no (LACH)......................................29 1.3-|Eixos, projetos, eletivas, ações e parcerias do (LACH).......................................................35 1.4-|Centro de documentação e memória dos estudantes e da escola ........................................44 CAPÍTULO II | O ENSINO DE SOCIOLOGIA E DIREITOS HUMANOS NA ESCOLA NO LABORATÓRIO DE CIÊNCIAS HUMANAS (LACH)................................................ 47 2.1-|Diagnóstico social da realidade dos estudantes de 2022................. ..................................... 50 2-2-|A ressignificação da área de Humanas a partir da experiência laboral.............. ...................62 2.3-|A escuta ativa e o Observatório de Direitos Humanos (Marielle Franco)............................73 CAPÍTULO III | A EXPERIÊNCIA DO TRABALHO PRÁTICO NA ESCOLA E OS DIÁLOGOS COM A ANTROPOLOGIA VISUAL ..............................................................80 3.1-|A Fotografia como instrumento de pesquisa em Ciências Sociais.......................................87 3.2-|A Antropologia visual como prática e a metodologia de pesquisa participante...................98 3.3-|Os direitos humanos e as fotos poéticas nas representações iconográficas.............103 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................112 Referências Bibliográficas........................................................................................................116 ANEXOS 1- Autorizações de uso de imagem........................................................................ 121 ANEXOS 2- Portifólios- FOTOS:(Simone Santos)/ Registro de oficinas ...........................122 ANEXOS 3–Registros de Oficinas- divulgação em TV e Concurso de fotografia.............130 ANEXOS 4– Documentos de planejamentos de ações ................................................... ......138 12 Introdução [Daqui vem que os poetas devem aumentar o mundo com suas metáforas. Daqui vem que os poetas podem compreender o mundo sem conceitos. Que os poetas podem refazer o mundo por imagens, por eflúvios, por afeto] (DESPALAVRAS- de Manoel de Barros) A motivação inicial deste trabalho de pesquisa foi a possibilidade de fortalecimento de um Laboratório de Ciências Humanas (LACH) na escola pública e a oportunidade de produção etnográfica no campo da escola pública. Refletir se a fotografia e iconografia produzidas pelos estudantes através da metodologia participante na área de Antropologia Visual poderiam ter seus status enquanto recursos, narrativas e documentos históricos para as Ciências Sociais. Nossas questões primordiais foram: pode a fotografia e demais linguagens imagéticas serem recursos válidos para o trabalho de campo? Como pensá-las enquanto tais e quais são os problemas que elas colocam para os (as) professores pesquisadores? Partimos do princípio que utilizar os recursos visuais como instrumentos de pesquisa em Ciências Humanas é desenvolver documentos históricos que contenham informações baseadas na interpretação da realidade fornecida pelos autores das imagens (SANTOS, 2001 p.8). Os estudantes de escolas públicas da zona sul de SP o que teriam a dizer através das iconografias? As imagens são utilizadas pelos (as) fotógrafos (as) como mecanismo através do qual eles podem contar histórias com as fotos. Isto é, como um modo de narrar algo ou escrever as suas reflexões a partir da linguagem fotográfica. A primeira experiência de produção de imagens com adolescentes num território vulnerável na metrópole de São Paulo levou à experiência de um olhar para o território e a importância das imagens para a contação de histórias de produção de imagens e a história do território, seus primeiros moradores e desafios, as mulheres neste contexto e a valorização de suas atuações no território.1 Assim sendo, os historiadores como Kossoy (1985) trazem questões a se pensar: [se as fotografias podem ser usadas na pesquisa como instrumento para reconstituição e análise de estruturas sociais? Uma vez que a imagem tem, ela própria, uma linguagem com funcionamento próprio. De certo modo, podemos pensar que as artes visuais iconográficas têm sempre o caráter de uma investigação participante. A imagem do real retida pela fotografia (quando preservada ou reproduzida) fornece o testemunho visual e material dos fatos 1 A inspiração para esse trabalho está no anexo pg 171, página seguem imagens do concurso de fotografia onde os estudantes ganharam os 10 primeiros lugares do concurso, das oficinas de fotografias, bem como, o projeto fotográfico com seus temas e a premiação dos estudantes do território do pedreira no período de 2006 a 2009. 13 aos espectadores ausentes da cena. A imagem fotográfica é o que resta de acontecido, fragmento congelado de uma realidade passada ]. (Kossoy: 1989;22) Abordar o uso da fotografia como documento histórico e tal fonte torna-se o produto final, memória e testemunho de uma realidade passada e vivida num tempo e espaço. “Kossoy (1989) observa que alguns elementos constituem a construção e criação de uma imagem fotográfica e estes podem ser divididos em três momentos: o primeiro é a intenção de se constituir uma imagem; o segundo momento é o ato do registro que cristaliza a imagem, materializando-a; o terceiro é, para o autor, o olhar constituído e espectador da imagem, aquele que se transfere da emoção para sua concretude. Para sua constituição, entretanto, são necessários os seguintes elementos: o assunto – fragmento do mundo exterior/objetivo; o(a) fotógrafo(a) – personagem do processo; e a tecnologia”(...) não menos importante, observa, são as coordenadas da situação, como o espaço geográfico e o tempo (cronológico, época) sob a ação do homem que – neste determinado espaço e tempo – opta por um assunto, emprega recursos oferecidos pela tecnologia de sua época. Esse produto final, que para o autor é a fotografia, torna-se um registro visual fixo de um fragmento do mundo exterior, um conjunto de elementos icônicos que compõem o conteúdo. Tais informações contidas nas imagens são conectadas “interligadas” e importantes para serem detectadas nos estudos históricos. (SANTOS, 2001) Boris Kossoy (1985) e March Bloch (1974), no livro A Introdução a História, de 1974 trazem a ideia que, a fotografia tem a sua origem a partir do desejo de um indivíduo que se viu motivado a congelar em imagem um dado aspecto do real, a partir de determinado lugar e época, onde o homem em si mesmo e suas inúmeras manifestações e atividades, constituem a essência do visível fotográfico. Nessa perspectiva entendemos ser o estudo das imagens uma necessidade, um caminho que só teria a complementar e fornecer mais elementos para a elucidação do passado e do presente humano, pois, como observa o historiador March Bloch (1974) é o presente em transformação (SANTOS, 2001 p.10). As iconografias e fotografias estudantis são ricas fontes de memória e História parafraseando Bloch (1974): O autor diz que o passado é, por definição, um dado que coisa alguma pode modificar. Mas, o conhecimento do passado é coisa em progresso e se transforma e se aperfeiçoa”. Na interpretação de Kossoy(1985) pode-se dizer que as imagens vêm, com certeza, fornecer mais conteúdo para elucidar esse passado humano e 14 ajudar na construção de um olhar cotidiano. As reflexões etnográficas foram recursos fundamentais para o desenvolvimento deste projeto de pesquisa. Buscou-se no capítulo I trazer o contexto histórico da Ciências Humanas e a conjuntura política e histórica do início do projeto e a concepção do Laboratório de Ciências Humanas (LACH) na escola pública e, desde a origem para a transição de uma conquista de um espaço físico dentro de uma escola periférica, a identidade e princípios de uma metodologia na perspectiva freiriana se tornou parte deste projeto. Elaborar os eixos e princípios que seriam contextualizados neste laboratório, os novos projetos interdisciplinares e transdisciplinares, as eletivas dialogando com a área de Humanas, os desafios propostos pelos itinerários, as parcerias com os coletivos de direitos dos bairros que estão no entorno da escola e a rede de conectividade comunitária com os participantes, tudo isso trouxe desde o primeiro instante uma dinâmica de atuação diferenciada dentro da escola a partir do nascimento do Laboratório de Ciências Humanas (LACH). É importante ressaltar que outra importante conquista foi o Centro de Documentação e Memória dos estudantes e da escola. Tal centro de memória se mostrou uma necessidade anos antes. A produção do documentário dos 50 anos da escola organizou a seleção de imagens significativas para a comunidade 2. No capítulo II, o ensino de Ciências Sociais e a transversalidade em Direitos Humanos na escola e no LACH, as matrizes de formação e identidades étnico-raciais da cultura brasileira, ressignificando o povo brasileiro à luz de autores como Darcy Ribeiro (2002) e Florestan Fernandes (1977) na desconstrução do mito da democracia racial, a lei História da África (10.639/2003) e suas temáticas nas perspectivas decolonizadoras são parte das bases curriculares para o desenvolvimento do ensino aprendizagem. Num momento de reformas do “novo” ensino médio, “nova” BNCC e “nova” adaptação ao ensino integral, se tornou fundamental a ressignificação da área de Humanas a partir da experiência laboral, dos princípios, dos eixos que norteiam os conteúdos, dos objetivos, diagnósticos e perspectivas. Esse capítulo aprofunda os conceitos e conteúdos de sociologia trabalhados no LACH, se encerra com a escuta ativa do Observatório de 2 O documentário dos 50 anos da escola foi organizado pelo professor de História (Adilson Calasans) que lecionou nesta escola por cerca de 30 anos a té a sua aposentadoria. Os depoimentos do documentário trazem estudantes da escola que depois se tornaram professores da escola. Parte das imagens para a produção do documentário e várias fotografias antigas estavam sendo cuidadas pelo professor Adilson Ca lasans. Segue o link do documentário de 50 anos da escola na íntegra: https://www.youtube.com/watch?v=3kjQxVdwcKs https://www.youtube.com/watch?v=3kjQxVdwcKs 15 Direitos Humanos, os coletivos organizados na escola dialogando com a comunidade e as comissões de Direitos que se constituíram na escola. No capítulo III, a experiência do trabalho prático e os diálogos com Antropologia Visual proporcionaram na escola uma prática educativa onde a fotografia foi usada como recurso e instrumento de pesquisa em Ciências Sociais. As aulas transversais, interdisciplinares e as avaliações disruptivas. A metodologia participante, o olhar sociológico e etnográfico. Buscamos neste trabalho provocar o leitor sobre duas questões: a primeira foi a utilização da fotografia neste trabalho de pesquisa problematizando a sua utilização e o envolvimento de sua técnica com o sujeito aqui documentado, num segundo momento refletir os sujeitos sociais nesse processo de produção de imagens, os estudantes e professores como os atores sociais que transformaram fotos em narrativas e refletiram o olhar receptor das imagens produzidas. Sebastião Salgado (2000), fotógrafo documentarista disse numa entrevista que recomendaria a alguém que estivesse começando no mundo da fotografia, um livro de economia mundial, um de antropologia e um de história, ao invés de um manual de fotografia. Essa é uma discussão iniciada pelo fotógrafo e historiador Paulo Humberto Porto Borges (1999), que se completa ao dizer que ao vivermos numa sociedade imagética, onde a maioria das informações nos chegam via imagem, seja na embalagem de biscoito, seja no outdoor, na rua, na televisão, nas exposições de fotos em galerias ou museus. Para ele, a maioria dos fotógrafos amadores e iniciantes estão muito mais preocupados com o desenvolvimento da técnica do que com a sensibilidade e, sobretudo, de se perguntar o porquê da imagem e quais são os motivos que as justificam (SANTOS, 2001) As imagens são utilizadas pelo fotógrafo como mecanismo através do qual ele pode contar histórias. Isto é, como um modo de narrar alguma coisa, ou escrever as suas reflexões. Salgado acredita na força da fotografia como um instrumento para criar discussão e levar as pessoas a olhar suas imagens e refletir sobre o que está ocorrendo. Salgado (2000) e Borges (1999), problematizam aqui o que se refletiu neste trabalho sobre a nossa compreensão de fotografia e de sua utilização nas Ciências Sociais, cuja técnica se torna um instrumento que complementa o aprendizado (SANTOS,2001). Os desafios antropológicos contribuíram para a compreensão das imagens, das subjetividades e potencialidades, sendo rica fonte de memória e história em movimento. A metodologia participante trouxe reflexões dos atores sociais e seus espaços interculturais. A pesquisa participante inclui as iconografias estudantis, seus anseios e 16 sonhos, intervenções culturais e estéticas que dialogam com os direitos fundamentais. A rede de solidariedade dentro da escola se consolidou, a formação em Ciências Humanas, bem como, os conceitos e experiências de atuação dos professores contribuem para uma formação integral mais humanística e conceitual na área, o nascimento crítico e necessário do Observatório de Direitos Humanos (Marielle Franco) e a produção iconográfica e etnográfica estudantil possibilitaram mais ações que sensibilizaram o olhar jovem para ver a educação e escola como patrimônio cultural, legitimando as aprendizagens humanizadas e um olhar mais contundente para a área de Ciências Sociais e os Direitos Humanos. 17 CAPÍTULO I | O LABORATÓRIO DE CIÊNCIAS HUMANAS NA ESCOLA Os diálogos contemporâneos no Laboratório de Ciências Humanas(LACH) possibilitaram uma experiência sociológica que segue o seguinte pressuposto 3: A educação torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto consequência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico é requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça. (Declaração de Hamburgo, 1997). Os temas geradores de rodas de conversas4 e para reflexão em Direitos Humanos ampliaram o interesse dos estudantes em leitura de textos, contação de histórias e narrativas populares sobre os fatos sociais cotidianos que muitas vezes motivam as rodas de conversas e dialogam interdisciplinarmente com políticas públicas educacionais e culturais ou referências estéticas, éticas e cognitivas ampliando as narrativas que se transformam em recursos para produção etnográficas, iconográficas e debates através dos recursos da Antropologia Visual. O Laboratório de Ciências Humanas (LACH) surge num momento de reflexão profunda sobre as mudanças na educação que denominadas o “novo ensino médio”, os professores conversavam sobre o “novo” não ser tão novo assim, o ensino por habilidades e competências já era proposto na década de 60, 70 em meados da ditadura militar no Brasil. Nos encontros e manifestações de professores durante a greve de 2015, a área de 3 Diálogos Contemporâneos foi um projeto em conjunto com o Prof. Adilson F. Calasans de História que lecionava quase 30 anos na escola, também em conjunto com o professor Jailson Moreira dos Santos de filosofia que atuava em 2 escolas particulares e 3 públicas naquele contexto do ano de 2015 que tivemos a maior greve de professores do Estado, também com os Professores Luiz Marcelo de Paula, Cláudio Itihara e Maria Clemente que atuavam em 3 escolas públicas e desenvolviam os seus projetos nas áreas de ciência política, cultura brasileira e direitos humanos, as Professoras Vanessa Souza e Regina Silva que atuavam nas áreas de história, ciência política e cultura brasileira em 2 escolas públicas, o Professor Levi de Filosofia e Cícero de História também atuavam e apoiavam as ações interdisciplinares. Em Maio de 2015 apresentamos no VII - Congresso ICLOC - Práticas na sala de aula (https://issuu.com/icloc/docs/7congresso_icloc) sendo o primeiro projeto coletivo dos professores de humanas da escola em parceria com escolas do entorno da mesma região referente a iniciativa de diálogos e possíveis ações conjuntas dos professores de História, Filosofia, Geografia e Sociolo gia impactando no território. Neste ano de 2015, durante a maior greve dos professores do Estado de SP surgiu a possibilidade de realizarmos as aulas em praças fazendo os cafés filosóficos e proporcionando diálogos com os estudantes e com a comunidade. 4 No ano seguinte, em maio de 2016, o VIII - Congresso ICLOC- Saberes da docência (https://issuu.com/icloc/docs/8congresso_icloc) trouxe a versão do projeto que visava trabalhar em conjunto alguns temas geradores em Direitos Humanos e fazendo as rodas de conversas em várias escolas ao mesmo tempo. https://issuu.com/icloc/docs/7congresso_icloc https://issuu.com/icloc/docs/8congresso_icloc 18 Ciências Sociais, Filosofia, História e Geografia dialogavam sobre o processo de colonização e a história brasileira, os 21 anos de ditadura e as relações sociais cotidianas que reproduzem a casa grande e a senzala5, o crescimento das violências no país e da violência letal e necropolítica, as relações do poder de Estado com as periferias, a falta de políticas públicas e a criminalização dos movimentos sociais, os discursos de ódio, o crescimento dos movimentos conservadores de juventude, manifestações nazifascistas já observados nas ruas e nas escolas pelos professores, estudantes defendendo o que se dizia indefensável, o junho de 20136 e as manifestações de juventude para os direitos básicos e a conquista do passe livre estudantil nas grandes capitais do país, a copa do mundo de 2014 e as megas construções para as olimpíadas gerando as denúncias de corrupção dos governos e manifestações contra os gastos excessivos com os esportes e o clima que começava para o impeachment que se efetivou em 2016, o clima para as eleições de 2018 e crescimento das pautas conservadoras no país. Todos esses fatos históricos na sociedade direcionavam os professores de humanas na rede pública e particular de ensino para a análise de conjuntura e avaliação de teoria e prática. Pois, do ponto de vista classista e do ponto de vista social a sociedade brasileira é uma sociedade de opressão. É uma sociedade que para alguns intelectuais orgânicos, atuantes na luta contra a violência, não teve muitos avanços desde o século XIX quanto às relações sociais e políticas. Avalia-se a punição de forma discriminatória e preconceituosa. “Que sociedade é esta que legitima a violência e que acha que todo mundo tem que apanhar mesmo e que bandido bom “é bandido morto”.7 Eis uma sociedade classista-sectária amparada numa condição problemática histórica com sérios enclaves de consolidação democrática. Nesta experiência com Direitos Humanos no trabalho com análise das denúncia de torturas no sistema prisional, antes de atuar na educação pública estadual, foi possível perceber que a violência naturalizada e simbólica possui uma imagem impactante para a sociedade. Neste sentido, a violência e especificamente a tortura é uma prática enraizada na nossa cultura que beira a legalidade. Para Fernando Salla (2006)8 e Marcos Alvarez(2006)9 as raízes profundas estão “…no processo de tomada de território, na colonização e em uma imposição econômica violenta de dominação sobre os indígenas e 5 Os conceitos do autor Gilberto Freire estão sendo explicado nas páginas seguintes. 6 https://www.youtube.com/watch?v=InR56yKO5X4 Junho de 2013. 7 Padre Gunther Zgubic já observava essa narrativa em reunião de Direitos Humanos em abril de 2007. 8 Sociólogo e Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos e de Violência da USP. 9 Prof.de Sociologia da FFLCH-USP e Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos da Violência da USP. https://www.youtube.com/watch?v=InR56yKO5X4- 19 os negros trazidos da África10. Para os autores, ainda havia historicamente a destruição sistemática de grupos humanos e suas culturas. Por outro lado, a sociedade legitima o seu passado carrasco dentro de normas de conduta cuja matriz ainda consiste em relações escravistas. Quando o policial espanca um bêbedo11 publicamente dentro de um ônibus com armas nas mãos e é aplaudido pelas pessoas ele acaba legitimando o que a sociedade quer e acredita que está cumprindo, sua função legalmente oficializada na representação da lei e da ordem que essa sociedade busca.12 Neste sentido, é possível descobrir quais são as raízes desta violência e, sobretudo, a necessidade de autoafirmação social e política ordenada. O diálogo com a Antropologia traz as raízes históricas e os problemas estruturais referentes à questão da tortura e da violência na sociedade brasileira. O processo de colonização foi marcado por assassinatos, perseguições, escravidão indígena e mortes. O Brasil é marcado por períodos históricos determinantes na formação da identidade nacional13. Para Gilberto Freire (1987) no seu livro Casa Grande e Senzala, 25º Edição, naquele momento as etnias não entendem a unidade nacional, entendem territórios diferenciados, terra de Kaingang, terra de tupinambás é de tupinambá. Para Darcy Ribeiro(2002) em seu livro O povo Brasileiro, o começo do sentido de Brasil, traz a na raiz de sua história, o país que é formado por bandidos da Europa que são erradicados pra cá, por indígenas cativos (o cativeiro em virtude das atividades não massificadas era diferenciado do apresamento dos negros)14 e por negros, ele denomina a sociedade brasileira como de mestiços. O processo de escravidão negra foi marcado por uma cultura discriminatória, racista e sectária. Há militantes de Direitos Humanos que afirmam que há uma tradição e cultura de espancamento, consequentemente submissão do povo. Podemos dizer que houve 10 Fernando Salla e Marcos César Alvarez no artigo: “Apontamentos para uma história das práticas de torturas no Brasil”- págs. 277 a 308 da Revista Brasileira de Ciência Criminais nº 63- Editora Revista dos Tribunais- IBCCRIM- Dezembro de 2006- ano 14. 11 Caindo de bêbedo que nem sabe onde está e como está. Alienado pela drogadição e impossibilitado de reagir. 12 Situação vivenciada em novembro de 2008 na linha de ônibus praça da sé - IV Centenários- SP 13 Podemos dizer que a identidade nacional começa a se formar na década de 50 no Brasil, do ponto de vista institucional Getúlio Vargas legaliza e institucionaliza a não prática da escravidão, insere todo o povo na ideia da unidade nacional. Havia 6 milhões de indígenas no Brasil, hoje não há mais que 800 mil, pressupõe- se um processo de genocídio indígena, resistência de algumas etnias e não de submissão. Houve vá rios levantes no Brasil durante o período de colonização, haja vista os guerreiros Kaingang que quase expulsaram os portugueses. 14 A igreja naquele período teve um papa que considerou os indígenas como ser humanos de segunda classe- O filme “A missão”- especifica um pouco isso, as diferenças entre os cativeiros dos indígenas e dos negros, no cativeiro era pego o índio no mato colocado num regime de trabalho e educadamente ia destituindo a cultura deste indígena. (https://www.youtube.com/watch?v=FCY2DmMhjy0) 20 submissão do povo em virtude do colonialismo15, da escravidão16, da dominação econômica e do militarismo17? Para Gilberto Freyre (1987) as relações incestuosas da casa grande e senzala desdobravam em uma sexualidade coletiva. O senhor de escravos é o senhor da fazenda, senhor feudal, ele é poligâmico, além da esposa oficial tem as negras. Ele diz: [No Brasil , as relações entre brancos e as raças de cor foram desde a primeira metade do século XVI condicionadas, de um lado pelo sistema de produção econômica- a monocultura latifundiária; do outro, pela escassez de mulheres brancas entre os conquistadores] (FREYRE, p.10. 1987) A alegoria da fazenda como ele descreve, além das relações cordiais que o senhor da casa grande tinha com o pároco, com os comerciantes, ele descreve a relação com os escravos, a “comunhão” da alimentação de brancos e negros no mesmo espaço, os brancos comendo na mesa, davam uma ração para os negros e o negro de elite tem um acesso maior ao senhor da casa grande, observa o senhor se alimentar e recebe os restos dessas comidas sentados no chão como um cão. O povo absorve os comportamentos que foram embutidos ao longo da formação da identidade nacional18. Nesse processo da formação da identidade nacional o negro vai acreditando psicossocialmente que o negro é um cidadão inferior. Para Darcy Ribeiro (2002), o apresamento dos negros é um ponto determinante no processo de violência da sociedade, os negros tinham o apresamento forçado e de forma muito violenta, o negro era forçado a não ter uma língua, era machucado, espancado e violentado em todos os pontos de vistas, inclusive não era considerado humano. Para o autor, a formação do Estado brasileiro se dá pelo banditismo, pelo cativeiro dos indígenas, pelo apresamento dos negros, do estupro de mulheres indígenas e negras e do estupro e casamentos forçados de órfãos portuguesas19. Ambos têm em comum a etnografia da formação do Brasil, cabe ressaltar que os autores destacam a formação da identidade brasileira a partir de uma relação violenta com as etnias que aqui estavam e com os grupos 15 Havia 6 milhões de índios no Brasil, hoje não há mais que 800 mil, pressupõe-se um processo de resistência e não de submissão. 16 Os povos aqui escravizados mostram que não eram submissos em virtude da quantidade de quilombos existentes (houve um momento na história em que havia mais negros nos quilombos do que negros cativos). Os quilombos revelam uma resistência contra o opressor na medida em que não falam a mesma língua e tão pouco se conheciam, mas se unem em prol da liberdade. 17 O militarismo e a consolidação do Estado autoritário tiveram a sua origem num momento histórico de levante popular. 18 Por exemplo, os negros nas novelas, profissões que representavam condições escravagistas 19 Os casamentos forçados no por volta de 1570 no país é um dos temas aprofundado no obra Desmundo pela historiadora Ana Miranda. 21 afros que chegaram20, tamanha relação violenta que se tornou hoje uma marca estrutural a ser superada. Por outro lado, podemos dizer que a legitimação da violência física e psicológica como prática de correção comportamental é uma estratégia para manter sob controle o poder vigente sobre o povo? Salla (2006) e Alvarez(2006) defendem que as relações sociais se estruturaram por esta matriz da violência, eles refletem que: [as relações entre proprietários de terras e seus empregados, entre os patrões e operários nos centros urbanos, estão fortemente marcadas por aquela matriz, mesmo em nossa história recente] (SALLA e ALVAREZ, p.282, 2006) Os autores relatam a historiadora Maria Odila(1995) ao pesquisar a cidade de SP no século XIX, destacando a vida cotidiana menciona como um juiz de paz da cidade em 1834 considerava bem merecidos os maus tratos e as pancadas que alguém poderia ter recebido nos cárceres, justificando a péssima conduta do encarcerado e as desordens causadas na sociedade. Para eles, a sociedade brasileira além de hierarquizada, não há a tradição de reconhecimento da cidadania, ela é marcada pela violência como elemento constitutivo das relações sociais. Não dá para pensar as questões de direitos humanos21 no país sem refletir sobre a questão da propriedade no Brasil. A luta pela terra no Brasil revela o quanto na sociedade brasileira não se tem o reconhecimento de uma luta por cidadania. Para Gilberto Freyre(1987): [a “Casa -grande” venceu a igreja , nos impulsos que esta a princípio manifestou para ser a dona da terra. Vencido o jesuíta, o senhor de engenho ficou dominando a colônia quase sozinho. O verdadeiro Dono do Brasil. Mais do que os vice-reis e os bispos. A força concentrou-se nas mãos dos senhores rurais. Donos das terras. Donos dos homens. Donos das mulheres. Suas casas representam esse imenso período feudal. “Feias e fortes”. Paredes grossas. Alicerces profundos. Óleo de baleia. Refere uma tradição nortista que um senhor de engenho mais ansioso de perpetuidade não se conteve: mandou matar dois escravos e enterrá -los nos alicerces da casa. O suor e às vezes o sangue dos negros foi o óleo que mais do que o de baleia ajudou a dar aos alicerces das casas-grandes sua consistência quase fortaleza”. (FREYRE, p.19. 1987) A fortaleza referida reflete um domínio sobre o território existente, este senhor da casa-grande também era o senhor da terra, o autor fala que o senhor da terra leva a igreja para dentro de casa submetendo a igreja sob o seu jugo, havendo um jogo de interesses nesta relação. O senhor de engenho que controla o pensamento psicossocial das religiões, dos escravos e dos cativos. A história da casa-grande é a história íntima de quase todo 20 Cerca de 300 anos depois do processo de colonização. 21 Principalmente questões de violências física e psicológicas 22 brasileiro para Gilberto Freyre (1987) e ela está muito presente na história de luta pela terra no Brasil e revela por outro lado uma violência no campo que apresenta números de mortes assustadores22. No Brasil essa violência foi denunciada ao mundo devido aos tristes fatos das chacinas, como em Corumbiara em Rondônia - RO, que foram assassinados 13 sem-terra e diversos ficaram feridos, onde a polícia utilizou práticas de tortura, obrigando as mulheres e as crianças a comerem o cérebro dos homens, amarrando as pessoas em árvores e torturando na frente das crianças, além de cortarem as cabeças de alguns líderes do movimento de luta pela terra, onde até hoje existem vários desaparecidos. Esse método foi parecido com o método aplicado em Canudos na Bahia na transição para a República. E, Eldorado de Carajás, no Pará, onde dezenove sem-terra foram executados pela polícia militar, em abril de 1996. [A verdade é que quando o Estado não consegue, por via da polícia que mata não só o nosso povo, mas estão na caça dos nossos líderes, eles permitem que os fazendeiros contratam pistoleiros de aluguel que são infiltrados na ocupação da terra pra realizar o serviço. Nem a ditadura brasileira matou tanto. Somente na década de 90 foram mortos 370 dirigentes do MST no país, mais gente do que 281 vítimas assassinadas no regime militar...”23] (SANTOS, 2001) Para os participantes de uma ocupação do Movimento Social dos Trabalhadores Rurais de Luta por Reforma Agrária- MST a tensão é presente o tempo todo, de forma que na estrutura do acampamento, o movimento se organiza em comissões e equipes. Há uma equipe de segurança que vive em constante agonia, percebendo todo o espaço da área acampada, utilizando estratégias para descobrirem infiltração de pistoleiros, e são responsáveis para não permitir a entrada da polícia em um acampamento sem mandado judicial. O Estado autoritário no Brasil teve a sua origem num momento histórico onde o militarismo teve sua raiz fortalecida numa sociedade cujas as bases estavam estremecidas24. A tortura tornou-se um método violento de interrogatório em 1964. 22 1.634 feridos do ano de 1985 pra cá e 1.884 mortes (dados da revista Caros Amigos/nº 6 de 10/2000). Esses dados foram relatados até o ano 2000. 23 Revista Caros Amigos especial –MST- 10/2000. AF- coordenador de frentes de massa e acampamentos na região de Promissão-SP. O MST se posiciona como um movimento social de luta pela terra, cuja luta é uma luta política e legítima. SANTOS. S,C- Título: Um olhar aprendiz para a reforma agrária- organizador (a) e orientador (a): Prof(a) Dr(a) Célia Aparecida Tolentino- UNESP-Marília - Monografia de Bacharelado em Ciências Sociais- 2001- Cap II- das condições dos acampamentos. 24 O Governo novo de Getúlio Vargas foi formado entre a oligarquia rural e os industriais emergentes e dentro de um pacto com os grandes detentores do poder. Essa Aliança que era Aliança Liberal faz com que o aparelho militar em torno de Getúlio se torna o principal meio de consolidação de seu governo. 23 [Se a tortura pôde se transformar em fato cotidiano da vida nacional é porque todas as estruturas do Estado passavam por um processo correspondente de endurecimento e exclusão do direito de participa . A imagem do brasileiro , conformado, acomodado, submisso que sempre se procurou vender não corresponde ao registro da história ]. (ARNS, p.53. 1985) O Livro Brasil Nunca Mais revela que na história brasileira a tortura e os maus tratos foram fortalecidos nos momentos em que a sociedade se organizava contra as opressões estabelecidas. Já no período Monárquico ocorreram inúmeros episódios de levantes populares em defesa da soberania nacional e contra a opressão política: A confederação do equador (192425- Pernambuco liderada por Frei Caneca que foi executado); A Cabanagem (183526 a 184027- Pará- onde a repressão matou metade da população da província); A Guerra dos Farrapos em Santa Catarina28 e no Rio Grande do Sul (183529- foi sufocada em dez anos); A Sabinada na Bahia30 (em 1837 e 1838); a Balaiada no Maranhão31 (1838 a 1841); A Revolta Liberal em São Paulo e Minas Gerais (1842)32 e a Revolução Praieira em Pernambuco (1848)33; Para combatê-las foi criada em 1831 a Guarda Nacional, cujo o objetivo competia a repressão aos opositores internos”(ARNS, p. 53 e 54, 1985). Em 1888 na passagem do séc. XIX para o séc. XX São Paulo busca melhorar o seu aparato policial, os autores Salla e Alvarez mencionam que “buscava-se uma melhor preparação das forças policiais” esse processo envolvia a Força Pública, cuja burocratização e profissionalização da corporação influenciavam nomeações de chefes de polícias, delegados, etc “…um instrumento político que garantia por exemplo, o voto de cabresto” (SALLA e ALVAREZ, p.282 e 283, 2006). E faziam valer os interesses das elites locais. Por outro lado, mesmo neste processo de profissionalização houve elementos que indicaram a utilização ilegal de meios de violência e abuso de poder. Os autores citam a história de João Antônio de Oliveira, o “Tenente Galinha34”. Ele foi nomeado para comandar uma “escolta de capturas”, agia com autonomia não devendo satisfação a 25 https://www.youtube.com/watch?v=B_-Lwk83Z0A 26 https://www.youtube.com/watch?v=eYdPnucPmsw 27 https://www.youtube.com/watch?v=8Dsw7T6ilx4 28 https://www.youtube.com/watch?v=X3_oot1oUPo 29 https://www.youtube.com/watch?v=ifyTrXZfRZw 30 https://www.youtube.com/watch?v=ZvIFLqgNMso 31 https://www.youtube.com/watch?v= m9KAvggaKzA 32 https://www.youtube.com/watch?v=CDYPMZ1RxIg 33 https://www.youtube.com/watch?v=AbPiz9wEmxA 34 Foi nomeado para este cargo por ser alguém de caráter desvirtuado, com maus procedimentos, cujo o perfil deveria ser de alguém que exercesse a autoridade com extrema violência. Era ignorante, violento e o caçador de homens. O esquadrão da Morte da época. (Salla e Alvarez) 24 nenhuma autoridade local, somente da Capital. Capturava bandidos, executava-os e por onde passava violentava inclusive sexualmente as pessoas que ele achasse que poderia proteger um bandido. Os autores parafraseavam Figueiredo35 dizendo que o Tenente Galinha era “a lei, o juiz e o carrasco” . Torturava sem piedade, seu grupo na caça ao banditismo e aos escravos que fugiam aterrorizava por onde passava no interior paulista ganhava presentes dos fazendeiros e na sua morte revelou-se o seu prestígio entre a elite brasileira. Atuando por cerca de 25 anos, morreu assassinado em 1913, apesar de punido por suas atrocidades. Compareceram o Secretário de Justiça e de Segurança Pública, o representante do Presidente do Estado, oficiais da missão francesa que treinava a Força Pública do Estado, o alto comando da Força Pública, inúmeros delegados. Durante o período escravista houve participação dos militares na repressão das lutas sociais, no início da república a ação repressiva do exército foram contra Canudos (1897)36 e Contestado (1912)37, na década de 1930 há o registro de corrupções entre os generais e altos oficiais com o poder latifundiário local, os militares organizaram-se com seus tenentes38 e a Coluna Prestes empolgou o país entre (1924 a 1927)39. Em janeiro de 1935 se forma a Aliança Nacional Libertadora por comunistas e intelectuais que ganhou as ruas e quartéis num grande crescimento a partir de comícios e manifestações, esta conjuntura foi proibida por Getúlio Vargas e a partir do levante do Partido Comunista em novembro de 1935 o exército teve sua força anticomunista e tal violência “não se tratava apenas de castigar os revoltosos” ou os defensores da Reforma Agrária, da independência e da distribuição de renda40. Mais do que isso, as elites representadas no Governo sentiram chegada a hora de, aproveitando o pretexto, golpear as conquistas democráticas. Deve-se lembrar na memória e história que o Estado Novo de 1937 de Getúlio Vargas foi uma ditadura instaurada em torno de Governo e que neste período de 2º Guerra Mundial a cúpula das Forças Armadas Brasileira comemoravam as vitórias Nazistas. 35 Adherbal Oliveira Figueiredo- 1965- Jornalista que escreveu sobre a história de Tenente Galinha. 36 https://www.youtube.com/watch?v= UCicCcFJPns 37 https://www.youtube.com/watch?v=066HNpxaGR4; https://www.youtube.com/watch?v=FYSXN5YhHqA 38 O tenentismo foi um movimento com bandeiras simpatizantes da classe média urbana que lutavam pela democratização do voto e a dignidade nacional (págs. 55 - Brasil Nunca Mais). Comissão Nacional da Verdade: https://www.youtube.com/watch?v=Duzkd-j-2bc- Tenentismo 39 Vale ressaltar que o tenentismo não foi um movimento que se uniu ao movim ento operário, destaca-se que foi um levante da categoria. Vide: https://www.youtube.com/watch?v=1u02uqMK6Ek- O Velho- a História de Prestes; https://www.youtube.com/watch?v=hkj43oZFXWE- Documentário 40 Aliança Nacional Libertadora. https://www.youtube.com/watch?v=066HNpxaGR4 https://www.youtube.com/watch?v=FYSXN5YhHqA https://www.youtube.com/watch?v=Duzkd-j-2bc- https://www.youtube.com/watch?v=1u02uqMK6Ek- https://www.youtube.com/watch?v=hkj43oZFXWE- 25 Os anos de 1962 a 1964 foram anos de crescimento das lutas populares. Ascenção de Goulart através do plebiscito para derrubar o parlamentarismo, a luta pró “Reformas de Base” e o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) provocou na direita brasileira um espanto de uma provável revolução comunista no Brasil. Em 1º de abril de 1964, legaliza - se um golpe militar no país, fortalecendo o aparato repressivo, sobretudo, uma alteração da estrutura jurídica, modificações entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, segundo Arns: [Em outras palavras: foi necessário um Estado cada vez mais forte, apesar de se manterem alguns disfarces da normalidade democrática. Em 1969 milhares de cidadãos foram presos e torturados e “o assassinato tornou-se uma rotina” o Brasil segue com uma imagem no interior como um país de torturas, perseguições, exílios e cassações]41. (ARNS, p.60 a 63. 1985) Falar de violência e Direitos Humanos no Brasil ainda é um tabu, um Estado forte não pode significar ditatorial ou repressor, pois estabelecer políticas públicas e acessos aos direitos básicos da população fortalece o papel do Estado e reduz violências, por muitas vezes esta violência que se mostra em face simbólica e algo informal, é um tema permanente e relevante desde o período de consolidação democrática até a contemporaneidade. Os 21 anos de regime militar42 revelaram que havia mais de cem modos de torturas diferentes, habilidades foram desenvolvidas na prática da violência física para não se deixar marcas nos corpos. Com o desenvolvimento dos órgãos de segurança autônomos infelizmente a tortura física e psicológica instauram novas formas de violências e violações, os assassinatos se tornaram um método comum no cotidiano exercido como prática de resolução de conflitos. As raízes da violência no Brasil estão emaranhadas na nossa cultura e se fortaleceram com a ditadura militar, que só veio legalizar e aprimorar estes métodos há muito tempo utilizados no país43. As Ciências Humanas foram creditadas as responsabilidades de compreender as causas dos problemas sociais, como se reproduzem na sociedade e de que forma os simbolismos da violência estão nos cotidianos e nas relações sociais. É necessário criar nos espaços de educação, cultura e segurança pública condições de refletir novas práticas e novos paradigmas que superem as práticas historicamente vivenciadas e marcadas a ferro e fogo na sociedade. 41 Até o fim do Governo Médice, este governo “representa o período de maior repressão, violência e supressão das liberdades civis da nossa história republicana”- Brasil Nunca Mais. 42 https://www.youtube.com/watch?v=ltawI64zBEo – O dia que durou 21 anos- Documentário 43 No Cap II- O depoimento do militante C relata sobre a Lei Fleury criada no período da ditadura militar no Brasil e sobre a criação do Esquadrão da Morte- o comando de caça aos comunistas. https://www.youtube.com/watch?v=ltawI64zBEo 26 Na sequência segue um pouco da origem do Laboratório de Ciências Humanas (LACH) na escola pública periférica e sua relevância para a construção de novos olhares sobre os conceitos filosóficos, sociológicos, históricos e geográficos e a importância da reconstrução da memória da escola e da comunidade. 1.1- |Concepção do Laboratório de Ciências Humanas (LACH) na escola pública O Laboratório de Ciências Humanas (LACH) surgiu no contexto de 2015, ano em que as escolas públicas da rede estadual passaram por 92 dias de greve dos professores. Considerada a maior greve de professores da história do país, o governo de São Paulo anunciou o fechamento de salas de aulas num processo de reorganização escolar. Na escola que se fixou o Laboratório de Ciências Humanas houve o fechamento de 11 salas de aulas no ano de 2015. No ano seguinte, em 2016, o projeto de reorganização escolar pretendia separar em algumas escolas os ensinos fundamental 1 e 2 e o ensino médio, locomover cerca de 300 mil estudantes, retirando vinculação dos seus bairros e pretendia fechar 9244 escolas. Também proporcionar que o ensino básico fosse atribuição do município. O projeto de reorganização escolar foi questionado pela categoria e sindicatos de professores e pelos movimentos estudantis45, as ocupações das escolas46 começaram a ocorrer com o apoio das comunidades, dos artistas e dos movimentos culturais47. A escola periférica situada na zona sul de São Paulo, território da região do Grajaú, que no contexto atendia cerca de dois mil e oitocentos estudantes de ensino médio, é o local onde está localizado o Laboratório de Ciências Humanas (LACH) atualmente. Entre 2015 e 2016, o período que teve o fechamento de 11 salas de aulas, vários professores atribuíram aulas em 2 ou 3 escolas diferentes, alguns chegaram a assumir aulas em 6 escolas diferentes. O contexto da greve em 2015 e das ocupações de escolas pelo movimento estudantil em 2016 proporcionou vários debates sobre metodologias de educação e qual escola queremos ter. Os sujeitos sociais (professores e estudantes) propunham ações que mobilizavam e articulavam conceitos da área de humanidades que desafiam as áreas de humanas a repensar seu papel na educação e na escola, a tomar decisões éticas e socialmente responsáveis, na compreensão identitária, nos conflitos trabalhistas, nas relações de 44 https://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/10/politica/1449777218_852412.html 45 Documentário Lute como uma menina: https://www.youtube.com/watch?v=8OCUMGHm2oA&t=1s; A estudante que calou o parlamento- https://www.youtube.com/watch?v=aNo8BjBObXY&t=154s 46 https://www.youtube.com/watch?v=LK9Ri2prfNw&t=10s- Acabou a paz- Isso aqui vai virar o Chile 47 https://www.youtube.com/watch?v=q4-SE_tJ4OM- ninguém tira o trono do estudar https://www.youtube.com/watch?v=8OCUMGHm2oA&t=1s https://www.youtube.com/watch?v=LK9Ri2prfNw&t=10s- https://www.youtube.com/watch?v=q4-SE_tJ4OM- 27 poder, nas relações de consumo responsável, nas linguagens artísticas, corporais e verbais, no respeito às diferenças e diversidades, no exercício do diálogo, do conhecimento científico, da atuação social, da consciência antirracista, antifascista e da arte como um recurso de expressão, autonomia, interpretação de mundo e interlocução social. Os professores e estudantes repensavam a área de humanas como um fio condutor crítico para mobilizar a escola e a educação no território. Nas aulas que aconteciam antes da greve e, depois do período de greve, no momento de reposição dos dias paralisados, a junção de salas e os diálogos compartilhados dos professores favoreceram a organização de um trabalho interdisciplinar e a união de turmas para reflexão de temas geradores em direitos humanos. Vários professores que se conheciam se encontravam nas mesmas escolas. Uniam-se em rodas de conversas para o debate dos casos de racismo, violências cotidianas e necropolítica. Havia a intenção de fortalecer a organização do Laboratório de Ciências Humanas (LACH) em várias escolas. Pois, ele se justificava através de uma metodologia diferenciada para o aprofundamento de conceitos sociológicos, históricos, filosóficos e geográficos numa perspectiva histórico cultural. O espaço físico do Laboratório de Ciências Humanas nesta escola da zona sul de São Paulo se deu com a participação dos estudantes, insistência dos professores de sociologia e negociação política dentro da unidade escolar.48 O Laboratório de Ciências Humanas (LACH) é desenvolvido juntamente com estudantes de ensino médio numa escola que já tem 65 anos de história nesta região e está localizada na região do Grajaú, zona sul da cidade de São Paulo, território de contradições sociais, econômicas e dilemas identitários marcantes. Território que, segundo a subprefeitura de Capela do Socorro atende 180 bairros, cercado pelo ciclo dos rios e represas da zona sul, conhecidas como represa do Guarapiranga, represa Billings e rio Jurubatuba. 48 Negociação Política que demandou 3 anos, num primeiro momento se buscava uma sala ambiente para a disciplina de sociologia, depois incluiu-se a filosofia, na sequência uma professora de linguagem Maria Felles (in memorian na pademia) aceitou ajudar-me a desocupar uma sala cheia de carteiras e cadeiras quebradas, onde limpamos essa sala e continuamos a solicitar a sala ambiente de sociologia. Com a aposentadoria da diretora e a troca de diretores foi possível utilizar a sala, que o diretor em 2017 queria transformar em sala de vídeo. Com a vinda da nova diretora efetiva em 2018. Foi possível oficializar o Laboratório de Ciências Humanas em reunião de conselho de escola no fim do ano de 2019. 2020 e 2021 vieram a pandemia e fizemos várias lives interdisciplinares.. Em 2022, a escola se tornou integral e o LACH em atividade com atendimento remoto no período pandêmico. 28 A região da Cidade Dutra tem 4 escolas consideradas de passagem, as escolas atendem há décadas a juventude trabalhadora da região e de Santo Amaro, que não consegue chegar a tempo em seus bairros para ir à escola. Território marcado culturalmente pelas comunidades indígenas49 que o habitavam e se afastaram para dar lugar à indústria e o fluxo de circulação de trabalhadores para as fábricas e comércio local. Território importante para os trabalhadores ativistas, organizados em lutas sindicais e marcado também pelo assassinato do sindicalista Santo Dias da Silva.50 Politicamente dinamizado pelos movimentos operários, sociais e ambientais e por uma diversidade grande de coletivos de direitos que têm em suas pautas: a moradia, a arte, a água, a saúde, o feminino, o movimento LGBTQIA+ e a luta por uma educação emancipatória. As oficinas formativas e artísticas em 2022 trouxeram uma nova dinâmica para a escola, os estudantes que fortalecem a produção etnográfica e iconográfica para a construção de potencialidades pedagógicas, contrapondo o falso protagonismo proposto pelo novo ensino médio, que vem comprometido à submissão da juventude a uma condição de quarentena pós pandêmica e moratória social. Fala-se de juventude em contextos importantes a especificar, segundo o historiador Philippe Ariès (1960), no seu livro: História Social da Criança e da Família, a invenção da infância e da juventude proporciona-se a esta categoria uma ideia de submissão à infância, tira-se destas pessoas a capacidade de questionar a política porque este é o mundo dos adultos, a moratória seria uma suspenção da condição de sujeitos da própria história direcionando os jovens a uma disciplina cotidiana onde os sentidos da juventude se voltam para o mercado de trabalho. Apesar das atuais reformas da educação não atenderem às necessidades educacionais e sociais dos estudantes e as expectativas das famílias e comunidades escolares se fez necessário metodologias atrativas como por exemplo, o Laboratório de Ciências Humanas (LACH), que possam contrapor aos esvaziamentos dos conteúdos das Ciências Humanas nas escolas públicas. Urgentemente é preciso criar alternativas que motivem os interesses da juventude na escola e na educação. Quais os impactos este Laboratório de Ciências Humanas (LACH) através de seus projetos podem ter para melhorar a educação e interação na participação dos estudantes? 49 As aldeias Krukutu e Morro da Saudade foram demarcadas na região de Parelheiros pela prefeita e psicanalista Marta Suplicy em gestão no período de 2001 e 2004. https://acervo.socioambiental.org/acervo/noticias/parelheiros-abriga-2-aldeias-indigenas 50 Santo Dias da Silva, metalúrgico brasileiro, ativista da Pastoral Operária, aos 37 anos foi assassinado no dia 30 de Outubro de 1979 em frente à fábrica Silvania região de Santo Amaro. https://www.youtube.com/watch?v=ZUMtXPt6Z-0- Documentário sobre Santo Dias https://www.youtube.com/watch?v=ZUMtXPt6Z-0- 29 O desemprego dos familiares obrigou vários adolescentes ao mundo do trabalho rapidamente e às condições do trabalho informal, subemprego e condições precárias dos motoristas de aplicativos. E, aqueles que não se adequam às regras morais familiares, na realidade da metrópole paulistana, muitos adolescentes e jovens foram colocados para fora de casa, excluídos da família foram tentar a vida à própria sorte. A falta de apoio familiar e social, a falta de políticas públicas para a prevenção das violências contra crianças e adolescentes, a desistência dos estudos, as perdas de familiares com a pandemia e as necessidades humanas sociais e individuais foram causando uma evasão enorme na educação pública. O acesso escolar garantidos pelas leis educacionais no período de democratização da educação pública no país pós ditadura militar51, as leis constitucionais já não estão assegurando o direito à educação pública e de qualidade. O novo ensino médio pós pandêmico e as reformas das políticas educacionais não atenderam as demandas da educação pública hoje, não resolvendo o aumento da evasão escolar. É possível acreditar que através de uma interação entre professores e estudantes, metodologia interdisciplinar há um aumento do interesse estudantil para os conteúdos de humanidades, que busca conexões temáticas que sensibilizem os (as) estudantes para os conceitos sociológicos na perspectiva histórico cultural e decolonial.52 1.2- Identidade e princípios de uma metodologia freiriana no (LACH) A criação de um comitê de professores53 que denominamos Paulo Freire foi o primeiro passo para a oficialização e necessidade de fixação de um Laboratório numa escola para a organização de ações que pudessem fortalecer a área de Humanas e Direitos 51 A Ditadura Militar no Brasil foi consolidada a partir de um golpe militar na madrugada de 31 de março de 1964 e durou 21 anos impactando as reformas de base no governa João Goulart (Jango) desde 1962. 52 Essa linha de pensamento nas áreas de Humanas e Sociais visa dar voz aos colonizados, busca -se uma releitura crítica dos conceitos e da perspectiva eurocêntrica da História. 53 Os participantes do comitê de professores Paulo Freire se reuniram pós a greve de 2015, em meados de 2016 pós as ocupações das escolas feitas pelo movimento estudantil para pensar em ações conjuntas nas escolas que estavam. Os debates, comunicados, ações conjuntas são definidos até hoje no espaço de um grupo de WhatsApp onde atua -se coletivamente em ações, rodas de conversas, cafés filosóficos, análises de conjunturas em algumas escolas ao mesmo tempo. Estamos atualmente na definição de um fórum acadêmico e comunitário em uma das escolas que atuamos. A diretora desta escola se mostrou receptiva desde o final de 2022 para a organização deste fórum acadêmico, com a participação dos movimentos sociais e coletivos comunitários da zona sul de SP. A princípio a ideia do fórum era trazer o filósofo Safatle para fazer a abertura e pensarmos os GTs que dialogassem com os representantes das áreas de educação, cultura, saúde e segurança pública. Como é um evento de maior ousadia, ainda pensando se é possível a realização numa escola ou na casa de cultura do Grajaú. 30 Humanos nesta escola. O Comitê de Professores tem a participação de professores engajados em outras escolas e diretorias, da rede pública e privada e em comum realizam- -se cafés filosóficos em parcerias com as universidades nas escolas que se tem mais abertura para a realização dos eventos. A união que buscava motivação em tempos confusos na educação e de grandes perdas, tanto de pessoas (pós pandemia) e de direitos quanto do espaço conquistado pela ciência na educação pública. O fazer científico desapareceu dos conteúdos disciplinares com as novas reformas. As disciplinas que todos (as) lecionavam e o papel dos professores ficou como um espaço vago e vazio. Para o Comitê de Professores, esse lugar existencial do professores é um lugar fundamental para o desenvolvimento de boas práticas educacionais. Aos encontros eventuais e não por acaso, para além dos debates através grupos e redes sociais, o comitê de professores trazia à tona não somente a memória de Paulo Freire, mas sua metodologia em vários diálogos e reflexão das práticas, ações e dificuldades dos professores nas suas escolas de atuação, alguns professores foram atuar no sindicato, no grupo de oposição a gestão sindical, outros desistiram das escolas estaduais e ficaram somente nas municipais. Em busca dos sentidos e significados da educação e da escola num contexto de precarização do ensino em âmbito nacional, onde as consequências previstas de tais precarizações não temos a dimensão de tal impacto pós um contexto pandêmico, é através das narrativas estudantis que os professores e estudantes da escola perceberam que a juventude no cotidiano trouxe motivação e dedicação às temáticas de Humanas, que fazia muito sentido para eles, indo ao encontro de uma realidade muitas vezes ocultada, como por exemplo, as violências que vivem no cotidiano social. A pandemia do covid-19 em 2020 agravou a evasão escolar e o acesso à escola trazendo novos desafios pedagógicos aos professores, que através de estratégias e metodologias buscam manter e contribuir para uma educação pública que traz mais desafios e complexidades. O aumento do isolamento social trouxe novas formas de depressões estudantis, agressividades e dificuldades de sociabilidade, os conflitos familiares e a violência doméstica se intensificaram. Tais questões possuem um limite de atuação da escola e no âmbito familiar são muito complexas, elas impactam na vida dos estudantes de tal forma que muitos estão desistindo de estudar. O professor Paulo Freire (1967) em Pedagogia do Oprimido nos diz, que: 31 [Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando assim sua convivência com a opressão]. (Freire, 1967) Parafraseando Freire, já sabemos que ninguém liberta ninguém, mas também que ninguém se liberta sozinho e sozinha. Neste aspecto há a capacidade de organização dos professores, seja por via sindical ou coletivos de professores e cabe repensar quais os sentidos da educação? Até que ponto a sociologia na escola contribui para uma melhora da escola, da educação na sociedade brasileira? Pois, a educação se tornou ela própria mercadoria de mercantilização. Dialogando com o Florestan (1977) sobre pensar as escolhas individuais e coletivas, a formação da personalidade é uma das concepções norteadoras do ensino de sociologia contra a posição dominadora e simbólica do capital. A questão que fica é: Quais são os limites da narrativa das habilidades e competências? Principalmente, as questões que envolvem adaptabilidade à essa conjuntura do mundo do trabalho atual, responsabilidade social, cidadania, a relação público e privado e o conceito de protagonismo, que aparece de forma superficial? Como diz Mendonça (2011) em seu texto ao questionar a crise de sentidos e significados da escola: Para que serve a escola na sociedade capitalista? A escola nasce do capitalismo, atendendo as necessidades e demandas capitalistas. Cuja a grande contradição está no não acesso da informação que também prejudica o próprio mercado” (Mendonça,p.341,2011). Os conteúdos tecnicistas para a autora criaram um sistema para atender a demanda do mercado. O currículo não é somente uma seleção de conteúdos em si, mas também as práticas que formam o cotidiano dentro da escola. E, aos educadores se torna fundamental questionar se tais práticas favorecem as aprendizagens. As reflexões provocadas pela socióloga e pedagoga Sueli Mendonça (2011) nos fazem pensar no currículo que foi imposto numa política vertical e sem discussão com a base para as novas reformas e implementações do “novo ensino médio”, e neste caso, os materiais didáticos se tornaram instrumentos perigosos, pois direcionam a juventude para uma prática que a torna responsável para transformar uma realidade que não é transformada por falta de políticas públicas. Tais habilidades e competências podem levar estes jovens a se frustrarem em relação à realidade vivenciada e se não conseguirem tais habilidades em tão pouco tempo, não correspondendo às expectativas familiares, educacionais e profissionais esperadas socialmente, tais sentimentos podem aumentar as sensações de impotência diante da realidade e ampliar os problemas familiares e emocionais num contexto pós pandêmico. 32 Naturaliza-se na escola os fenômenos sociais e mostra-se uma realidade de inclusão da juventude negra e periférica no mercado de trabalho através de um vídeo, currículo e de habilidades formativas que serão adquiridas na escola para atender a demanda de mercado. Na educação, não aponta nada a respeito dos tipos de empregos, do emprego informal, do desemprego, das dificuldades de acessos tecnológicos, das dificuldades de acesso ao transporte público e, sobretudo, dos direitos trabalhistas, nem se fala na estabilidade profissional. Está muito focado no empreendedorismo de metodologia denominada como força e oportunidade e no contraponto fraqueza e ameaça. Essa metodologia não deveria existir para tratar de um tema tão importante como o mundo do trabalho. A fraqueza e ameaça envolve relações de poder no mundo do trabalho e também de criminalidade. Essa expressão é infeliz, a metodologia encontrada nos livros didáticos de projetos de vida não pode induzir à ameaça, o fracasso pessoal ou coletivo. A retirada de quase toda carga horária das disciplinas de humanas no novo ensino médio, principalmente para os segundos e terceiros anos e a inserção de habilidades e competências para a educação básica trouxe um imenso vazio dos conteúdos da área de humanas. No que se refere aos primeiros anos uma sobrecarga de conteúdos por disciplinas que eram distribuídos em 3 anos do ensino médio, hoje o professor seleciona para aplicar os conteúdos de 3 anos em 1. No caso da disciplina de Sociologia direcionando o tempo dos conteúdos para as técnicas das ciências estatísticas e sociais aplicadas. Retirando os conteúdos básicos curriculares. O objetivo deste trabalho de pesquisa não é analisar o currículo, mas cabe aos educadores refletirem se há algum espaço para os conteúdos de Ciências Humanas na atualidade da educação e na escola? Se não houver, é preciso conquistar novos espaços nas escolas públicas para que esta área seja mais valorizada e através de maior participação dos estudantes, se perceba cada dia mais necessária para dialogar com a juventude e suas linguagens e demandas. Os conceitos sociológicos do mundo do trabalho são mais do que necessários neste momento para compreendermos quem somos e onde estamos na contemporaneidade. E, esta geração jovem tem sido retirados os direitos conquistados desde pós ditadura, a partir de 1985 considerada era democrática brasileira. Na educação em tempos de neoliberalismo, as Ciências Humanas são uma área do conhecimento que abre diálogo para refletirmos quem somos? De que local viemos? Para onde vamos? Os caminhos filosóficos que tornam os conceitos de felicidade, liberdade, livre arbítrio indispensáveis às escolhas individuais e coletivas de possíveis projetos de vida. Os contextos históricos e geográficos que nos conduziram a esta cultura de 33 precarização do trabalho, sociedade de desigualdades, o não respeito aos direitos humanos, civis, sociais e políticos, a queda da democracia e aumento de uma retórica autoritária são parte de um processo político, econômico, social, histórico, ambiental e cultural nos âmbitos territoriais, municipais, estaduais, nacionais e mundiais que foram construídos socialmente e em diferentes momentos históricos. A educação pública considera nas suas habilidades e competências, o direito constitucional do contraditório e da exposição de diferentes pontos de vista e análise dos processos políticos, econômicos e sociais que transformam cotidianamente através da produção humana o meio ambiente e a cultura. Embora, na prática, exista o desfalque das horas aulas de Ciências Humanas, na retórica teórica temos as habilidades e competências que devem desenvolver uma educação crítica que respeite a pluralidade de ideias, baseadas em argumentos científicos. As temáticas em africanidades, etnicidades, direitos humanos, sociais e políticos sensibilizaram os olhares jovens para perceber a educação e a escola como patrimônios culturais. A educação da área de Ciências Humanas tem a responsabilidade de formar indivíduos autônomos que possam problematizar a própria realidade e educação que recebem do Estado, bem como, refletirem sobre os impactos desta formação humana em suas vidas. As ações, projetos e parcerias entre várias áreas do conhecimento trabalhando conteúdos de forma interdisciplinares podem ser uma relação ética e pedagógica fortalecendo práticas educativas em Ciências Humanas numa escola. E, como diz Mafra que aprofundando a perspectiva freiriana, a transdisciplinaridade é uma nova abordagem científica, cultural, espiritual e social. O espiritual freiriano trata-se de conectar-se com a natureza e em si mesmo, na máxima filosófica do conhecer-te a ti mesmo, o saber conectado à prática social que legitima escolhas individuais e coletivas que impactam uma sociedade. O autor chama a atenção para: [subestimar a sabedoria que resulta necessariamente da experiência sociocultural é, ao mesmo tempo, um erro científico e a expressão inequívoca da presença de uma ideologia elitista. Talvez seja mesmo um fundo ideológico escondido, oculto, opacificando a realidade objetiva, de um lado, e fazendo, de outro, míopes os negadores do saber popular, que os induz ao erro científico, em última análise, é essa miopia que, constituindo-se em obstáculo ideológico, provoca o erro epistemológico]. ( MAFRA,1999 p.85) 34 O erro científico metodológico para o autor é o descartar dos saberes populares, ou a negação do modo de vida e crenças comunitárias. Podemos dizer que o intelectual orgânico inserido num contexto social e comunitário precisa pensar no papel da ciência popular, precisa ouvir e sentir os significados para os atores sociais. A espiritualidade cotidiana não tem relação com ensino religioso, mas a compreensão de como as pessoas vivenciam religião e espiritualidade no espaço de atuação. O cientista social não poderia para o autor fechar os olhos para as vivências espirituais dos atores sociais. O respeito da complexibilidade e transdisciplinaridade é situar-se e trazer os clássicos que possam dar conta de explicar as experiências vivenciadas. Pois, para Mafra a possibilidade de uma formação humana de fato interdisciplinar ou transdisciplinar, ou seja, em várias áreas que envolvem a linguística, estética, história, arqueologia, etc, seria uma conexão de saberes, ele parafraseia Freire dizendo que: Nas condições de aprendizagem, os educandos vão se transformando na construção e reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. (FREIRE, 2000b, p.29). Sendo necessária uma relação entre estudantes e professores de forma mais horizontal. (MAFRA, 2007) A relação horizontal entre professores e estudantes está em construção, sendo um pouco difícil neste espaço escolar, que transitava de um espaço mais conservador para um espaço de mais escuta das narrativas estudantis. Pós aposentadoria de 45% dos docentes da escola, transição de escola regular para PEI e perda ou transferência de vários professores que tinham vínculos na escola e tiveram que escolher entre o município e o vínculo estadual, não sendo possível acumular os 2 cargos em virtude da carga horária da educação integral e prática pedagógica de alcance dos estudantes. Foram muitas mudanças ao mesmo tempo para se pensar uma avaliação mais profunda deste processo, infelizmente não é um dos objetivos deste trabalho avaliar se esse processo de transição alterou os índices escolares específicos desta escola pública. Na sequência é importante mostrar ações e projetos que fizeram diferenças na formação dos estudantes em 2022, principalmente num contexto pós pandêmico e de muitas mudanças, as ações impactam na escola e através de um grupo organizado de professores que possam atuar de forma acadêmica e orgânica no espaço acadêmico escolar poderá contribuir para uma formação integral dos estudantes. 35 1.3-|Eixos, projetos, eletivas, ações e parcerias do (LACH) Os eixos e princípios do Laboratório de Ciências Humanas (LACH) são: a) A educação como direito humano, fundamental e patrimônio cultural numa sociedade democrática; b) O papel da escola pública como uma “política pública” preventiva inserida num território; c) As matrizes de formação étnico-raciais da cultura brasileira, a lei história da África (10.639/2003) e suas temáticas nas perspectivas decoloniais; d) As narrativas estudantis através da antropologia visual sensibilizando o olhar e através das técnicas de produção de imagens e semiótica percebendo o olhar sociológico para o entorno da escola. As narrativas estudantis através das imagens produzidas pelos estudantes são recursos de ações de intervenções sociológicas na comunidade escolar, nas redes sociais e em espaços de conexão cultural e comunitária. Os poemas, raps, fotos, vídeos, desenhos, crônicas, etnografias, diários de campo e manifestos produzidos pelos estudantes formam uma iconografia repleta de significados e sentidos a serem divulgados, catalogados e decodificados no Laboratório de Ciências Humanas (LACH) que também se tornam recursos de leitura e interpretação de imagens objetivas e subjetivas que ajudam na interlocução de conceitos e ressignificam cotidianamente uma cultura para a reflexão em direitos humanos. A inspiração do primeiro projeto interdisciplinar na área de Ciências Humanas e Sociais levou a uma sequência de reflexões de conceitos históricos, sociológicos e estéticos com os estudantes de escolas públicas. O interesse pedagógico por alguns professores de sociologia ampliou-se em trabalhar os recursos da leitura de imagens, poesias, slam, visitas aos museus e centro histórico da cidade de São Paulo e possibilitou num primeiro momento várias experiências em escolas diferentes. Num segundo momento a fixação de projetos na escola com maior público entre as escolas das quais foram realizadas as ações coletivas. As exposições itinerantes começaram a cativar o público acadêmico e escolar. Neste trabalho de pesquisa de campo, os nomes de Professores e estudantes são colocados de forma simplificada somente com letras iniciais de seus nomes. Pois, o interesse aqui é ressaltar os trabalhos desenvolvidos de forma interdisciplinar e em parcerias com os clubes estudantis e coletivos comunitários. Os projetos interdisciplinares acompanhados nesta escola especificadamente e a partir da institucionalização do Laboratório de Ciências Humanas no ano de 2022 foram: 36 Bimestre 1: Atividades realizadas em 2022 e algumas estão sendo replicadas em 202354 Professores e disciplinas Projetos e ações Objetivos Cronograma Agendamento e recursos Professores de Humanas e PCAs55 de linguagens e códigos e equipe da sala de leitura Leitura diária- 15 min na primeira aula Exercício da leitura e reflexões sobre a realidade da juventude periférica Em sala toda semana Na segunda semana de aula foi escolhida a música “um homem na estrada de Racionais” Além dos textos propostos pelos professores e Artigos de jornais e revistas selecionados por estudantes Professora SCS Eletiva e estudantes da eletiva: B.T, V e R (3M), V, M, F e R (2H) (pinturas carnavalescas) Auto Retrato coletivo e beleza Afro na escola Ressaltar a beleza da juventude brasileira no cotidiano escolar. Em aulas, as matrizes de formação da identidade nacional e projeto integrador Darcy Ribeiro 15 a 25.02.2022- Feirão das Eletivas, Carnaval na escola Estrutura LACH Coletivo de Mulheres Não é Não- Mexeu com uma mexeu com todxs, PCAs Professoras Sociologia Rodas de conversas sobre os desafios de enfrentamento do machismo na escola e na sociedade. Escuta Ativa das estudantes, Intervenções sobre os dados das violências Prevenir as violências simbólicas, física ou moral contra as estudantes na escola e na sociedade, também os LGBTI+ 21,02,2022- Rodas de conversas sobre as questões que envolvem o uniforme e a intervenção na escola no dia 08 de março de 2022 e reunião com a gestão escolar Estrutura LACH 54 Referente à Leitura, conseguimos aprovar entre as áreas a partir de um projeto de Linguagens e Humanas, o Projeto de leitura da escola onde no bimestre 1 de 2023 cada área adotou um livro para cada série, Humanas adotou para os segundos anos no bimestre 1, o Livro Arte da Guerra de Sun Tzu, no dia 03 de abril de 2023 foi feito um evento no Teatro com todas as turmas de segundos anos para debater o livro, cuja as questões depois seriam abordadas na atividade de estudo que denominamos (provão) do bimestre 1. No bimestre 2, os estudantes estão no processo de escolha do livro do bimestre 2. Anexo folder do projeto elaborado pela coordenação do LACH. 55 Professor-coordenador de área. 37 contra as mulheres no Brasil Professora SCS, Professor R de Português e Professor F de História Caso Móise e demais casos de prisões e morte por racismo no Brasil em fevereiro de 2022 Debater sobre racismo no Brasil 07 e 14.03.2022- Roda de conversa com 3 turmas de manhã e 3 turmas a tarde no teatro Professor JMS História e professora SCS de eletiva Lendo imagens da pré- história e história da arte africana com a eletiva de sociologia imagética Desenvolver um olhar fotográfico a partir das pinturas 09.03.2022- Eletiva de sociologia imagética Estrutura LACH Professor JMS e professora SCS de sociologia Lendo imagens com história a partir das fotos históricas Diferenciar as narrativas a partir das imagens 10.03.2022. Terceiros anos da manhã Estrutura LACH Professores de Humanas, PCAs de Humanas Exposição Sebastião Salgado Amazonas- SESC pompeia Interação dos estudantes 15 ou 17.03.2022 Estrutura LACH para etnografia e baixar fotos- Ônibus e Lanche Professor M de História e Alunas V (3º0), J(3E) e B.T (3M), PCAs e Professora SCS Produção do livro da sociologia imagética, síntese da produção fotográfica, desenhos e poesias dos estudantes Interação com estudantes para escolha das imagens e projeto gráfico 07.03.2022 a 25.03.2022 Estrutura LACH Professor M de História e Pronatec e Professora SCS Eletiva Oficina de Produção de portfólio, blogs, livros digitais, podcasts, para um banco de dados de textos, poesias, crônicas e das imagens produzidas durante o Dinamizar com a equipe de tecnologia, possibilidad es de criação de sites, como um mecanismo de conservação das fotos Eventualmente nos horários possíveis; oficina de produção. Próxima agenda: 07 e 10.03.2022 Estrutura LACH e sala de informática Proatec 38 projeto da eletiva de sociologia imagética digitalizadas e memória re ssaltando a importância das imagens como documentos históricos; Professor JMS PCA e Professor W L e professoras B e LT- Biblioteca e sala de leitura Laboratório de pensamento e sarau de canto e poesia Utilizar do espaço da sala de leitura para interação do pensamento histórico filosófico e Estrutura LACH 25.03.2022 Professora M Artes e professora SCS Projeto de Vida Organização Do Centro de Memória da escola e encontros ex. alun@s para rodas de conversas sobre projeto de vida Levantament o da história e memória da escola, pais, tios e avós ex alunos no encontro da escola 25 ou 26 de março- Encontro com ex. Alunos e rodas de conversas e documentação fotográfica ou videográfica Estrutura LACH para a produção de documentário Professora SCS sociologia e Alunas BT (3M) e V (2H) da Eletiva Exposição Itinerante na escola por telões e TVs nos pátios Divulgação das Fotos produzidas pelos estudantes Os estudantes usam o LACH para elaboração dos portfólios Estrutura LACH- telão e projetores no pátio PCAs e professora SCS e Professor LM e ex. Professor de História AFC Visita à Pinacoteca e DOPS- Museu da Resistência e live sobre a República dos Marginais Reflexão sobre o período da ditadura e seus impactos na censura- Peça: Eles não usam Black Tie e reflexões na escola sobre necropolítica Oficina sobre os temas 01.04.2022 com todas as turmas de Humanas (10 professores nos 2 turnos da escola) e live com o professor AFC, G- Rede de Resistência contra o genocídio negro e LL Novo Normal Estrutura LACH e teatro 39 PCAs CI, professora SCS, professores de humanas e grêmio estudantil Gestão UMBUNTU Rodas de conversas sobre direitos humanos e participação política estudantil desde a ditadura na era democrática Aprofundar as temáticas que envolvem cidadania e participação de juventude Parceria com o coletivo conectividade para a leitura dos materiais produzidos do movimento estudantil a partir de 2015- período pandêmico 2020-21 e pós pandêmico Estrutura LACH Professor LM Sociologia e Professor C I PCA Eletiva de Cinema e participação política Desenvolver um olhar sociológico e político usando o cinema como recurso Eletiva do primeiro semestre Visita ao Museu do Holocausto Estrutura LACH e ônibus escola ok Bimestre 2: Projetos e ações Objetivos Cronograma Agendamento e recursos Professor E de Biologia, Professores D e A de Geografia e Professora SCS- Eletiva Explorando interlagos- O ciclo das águas e as ocupações das margens das represas Guarapiranga e Billings Conhecer as represas e analisar meio ambiente e impactos naturais e sociais A saída fotográfica e trabalho de campo 13.05.2022 Professora B História, e Professora SCS - Eletiva e alunas do (2H e 2G) Estética Afro versus estética eugênica Fotografar a beleza Afro a partir das oficinas de produção de tranças, dança afro na escola e o grupo do teatro negro e capoeira Mês de Maio- Estrutura LACH Professor JMS PCA, Professoras SCS, MC de Sociologia, Professor CI PCA, Professor D, Z de Geo, Professor F de História Estudos do meio no centro de SP para história e registro do patrimônio da cidade, Museu Afro, Museu dos Imigrantes e planetário Observar a história de SP, dos monumentos e relacionar com a mitologia guarani e africanidades Ibirapuera e laboratório astronômico Estrutura LACH e Ônibus da escola para Museu Afro ok OBS: O projeto se manteve para 2023 e precisa de recursos para ônibus 40 PCA geral A- Professora SCS sociologia e Alunos G(1D) e V (1D) da Eletiva e em 2023 2I Exposição Itinerante na escola por telões e TVs nos pátios Divulgação das Fotos produzidas pelos estudantes Os estudantes usaram o LACH para elaboração dos portfólios durante o mês de abril, maio e junho- Ok e segundo bimestre de 2023 Bimestre 3: Professores e disciplinas Projetos e ações Objetivo geral Cronograma e Agendamento e Recursos Professora SCS (Humanas), Professor R (Linguagens) e Coordenador do Clube Ancestralidade Afro Desfile Afro na Escola pós o semestre de rodas temáticas Movimentar os temas geradores em africanidades 01.08.2022 Partici