Juliana Fioroto O debate regrado: uma análise das capacidades linguageiras em atividades didáticas de produção textual oral em uma coleção de livros para o ensino médio São José do Rio Preto 2022 Câmpus de São José do Rio Preto Juliana Fioroto O debate regrado: uma análise das capacidades linguageiras em atividades didáticas de produção textual oral em uma coleção de livros para o ensino médio Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestra em Estudos Linguísticos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Orientadora: Profa. Dra. Lília Santos Abreu-Tardelli São José do Rio Preto 2022 Fioroto, Juliana F521d O debate regrado : uma análise das capacidades linguageiras em atividades de produção textual oral em uma coleção de livros para o ensino médio / Juliana Fioroto. -- São José do Rio Preto, 2022 84 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto Orientadora: Lília Santos Abreu-Tardelli 1. Linguística Aplicada. 2. Atividades didáticas. 3. Material didático de língua portuguesa. 4. Capacidades linguageiras. 5. Gênero textual oral: debate regrado. I. Título. CDU – Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto. Dados fornecidos pelo autor(a). Juliana Fioroto O debate regrado: uma análise das capacidades linguageiras em atividades didáticas de produção textual oral em uma coleção de livros para o ensino médio Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestra em Estudos Linguísticos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Comissão Examinadora Profa. Dra. Lília Santos Abreu-Tardelli UNESP - Câmpus de São José do Rio Preto Orientadora Profa. Dra. Suzi Marques Spatti Cavalari UNESP - Câmpus de São José do Rio Preto Profa. Dra. Betânia Passos Medrado Universidade Federal da Paraíba São José do Rio Preto 09 de março de 2022 A minha família: Beatriz, Heloísa e Rodrigo pelo incentivo. A minha mãe e a meu pai (in memorian), meus exemplos. DEDICO AGRADECIMENTOS A Deus, por ser minha força e coragem para seguir em frente e para concluir mais essa etapa de minha vida. A minha mãe, Rosa, pelo amor incondicional por mim e pelas minhas filhas e pelo apoio para que eu nunca sentisse medo de enfrentar novos desafios. A meu pai, Antônio, que, mesmo não estando presencialmente neste plano, de alguma forma, permanece ao meu lado. Ele sempre me incentivou nos estudos e sempre reforçou que eu poderia e seria capaz de fazer tudo que quisesse nesta vida. A meus irmãos, Patrícia e Júnior, por torcerem por mim e por darem apoio a minhas filhas durante toda a minha ausência na conquista desse sonho. A meu marido, Rodrigo, por todo apoio, amor e compreensão e por suportar meus momentos de vulnerabilidade, permanecendo firme ao meu lado. A minhas filhas, Beatriz e Heloísa, que são a minha razão de viver e de lutar sempre, agradeço pela compreensão de minha ausência, pelo amor e força que sempre me deram para seguir em frente. A minha orientadora, por quem guardo grande admiração, professora doutora Lília Santos Abreu-Tardelli, pelo profissionalismo, pela sensibilidade, pela paciência, pelo apoio e pelo estímulo constantes. Agradeço pela dedicação e pela profunda generosidade em acreditar em mim, quando, muitas vezes, nem eu mesmo acreditei. Às professoras doutoras Solange Aranha, Suzi Marques Spatti Cavalari, Anise de Abreu Gonçalves D’Orange Ferreira e Betânia Passos pelas contribuições. Aos amigos do Grupo de Pesquisa ALTER- FIP, Angélica, Jéssica, Kelli, Marta, Renan e Neuraci, pelo suporte nos momentos difíceis e pelas contribuições ao meu trabalho. Em especialmente, a minha amiga Mariana Cassemiro, alguém que tenho grande admiração e apreço, quem me ajudou muito. Além das contribuições e das discussões dividiu comigo todas as angústias, alegrias e sofrimentos nessa trajetória. Todos vocês estarão guardados eternamente em meu coração. Ao Centro Paula Souza, pela oportunidade de realizar um sonho que achei ser impossível. Em especial, agradeço às ETECs de Olímpia e de Mirassol, aos professores que me substituíram nesse período, aos diretores e aos coordenadores (pedagógicos, de curso e das salas descentralizadas), aos meus colegas de trabalho pelo apoio e pelo incentivo: vocês também fazem parte desse processo. “[...] saber falar, não importa em que língua, é dominar os gêneros que nela emergiram historicamente, dos mais simples aos mais complexos.” Schneuwly (2011, p. 116) RESUMO Esta dissertação tem como objetivo identificar quais capacidades linguageiras (CRISTÓVÃO; STUTZ, 2011; DOLZ; PASQUIER; BRONCKART, 1993) podem ser desenvolvidas, a partir das propostas de atividades voltadas ao ensino do gênero oral debate regrado em material didático adotado por um grupo de escolas do estado de São Paulo. Especificamente, discutimos como essas capacidades linguageiras podem contribuir para a compreensão e para a produção do gênero oral debate regrado. A base teórico-metodológica do estudo é o interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART, 1999; 2006) que compreende as práticas linguageiras como instrumentos do desenvolvimento humano, tanto no concernente aos saberes quanto às capacidades do agir e a Didática das Línguas de Genebra (DOLZ; GAGNON; DECÂNDIO, 2010; DOLZ, SCHENEUWLY, 2004), que propõe a produção textual como prática social. O córpus da pesquisa foi retirado de um material didático para o Ensino Médio (FNDE/ PNLD), utilizado por professores de Língua Portuguesa de Escolas Técnicas Estaduais (ETECs) da região noroeste do Estado. Para a análise dos dados, pautamo-nos na proposta de Machado (2005). O debate regrado é um gênero que se propõe a persuadir o outro em posicionamentos, expressões de opiniões ou atitudes durante as interações, o que estimula a escuta e o confronto de opiniões. Os resultados de nossa pesquisa apontam que, em relação à análise de atividades sobre o gênero debate regrado (unidade 3; livro da 1ª série), existe uma maior mobilização da capacidade linguístico-discursiva (38%), pois no decorrer das atividades há mais evidências de elementos dos mecanismos de textualização como organizadores textuais. Acreditamos que o debate regrado contribua para o desenvolvimento de capacidades linguageiras nas atividades didáticas que envolvam gêneros orais tanto para o desenvolvimento de textos orais quanto escritos. Palavras-chave: Material didático de língua portuguesa. Gênero textual oral. Capacidades linguageiras. Debate regrado. ABSTRACT This dissertation aims to identify which language skills (CRISTÓVÃO; STUTZ, 2011; DOLZ; PASQUIER; BRONCKART, 1993) can be developed from the proposals of activities aimed at teaching the oral genre moderate debate in didactic material adopted by a group of schools in the state of São Paulo. Specifically, we discuss how these language skills can contribute to the understanding and production of the oral genre ruled debate. The theoretical-methodological basis of the study is sociodiscursive interactionism (BRONCKART, 1999; 2006) which understands language practices as instruments of human development, both in terms of knowledge and abilities to act and the Didactics of Geneva Languages (DOLZ; GAGNON; DECÂNDIO, 2010; DOLZ, SCHENEUWLY, 2004), which proposes textual production as a social practice. The research corpus was taken from a didactic material for High School (FNDE/PNLD), used by Portuguese Language teachers from State Technical Schools (ETECs) in the northwest region of the State. For data analysis, we were guided by Machado's (2005) proposal. The results of our research indicate that, in relation to the analysis of activities on the genre regulated debate (unit 3; book of the 1st grade), there is a greater mobilization of the linguistic-discursive capacity (38%), because in the course of the activities there is more evidence of elements of textualization mechanisms as textual organizers.We believe that the regulated debate contributes to the development of language skills in didactic activities that involve oral genres both for the development of oral and written texts. Keywords: Portuguese language teaching material. Oral textual genre. Language skills. Moderate debate. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1. O contexto de produção. 19 Figura 2. Mecanismos de textualização. 23 Figura 3. Esquema dos elementos constituintes do trabalho docente em situação de sala de aula. 32 Figura 4. Esquema da Sequência Didática. 35 Figura 5. Proposta de reestruturação do modelo de SD. 37 Figura 6. Seção Produção de texto. 49 Figura 7. Parte do trecho transcrito do debate regrado. 49 Figura 8. Seção Hora de Produzir. 50 Figura 9. Seção Foco no texto. 55 Figura 10. Atividades didáticas e respostas do exercício 1. 56 Figura 11. Atividades didáticas e respostas do exercício 2 e 3. 57 Figura 12. Enunciados e respostas do exercício 4 do MD. 59 Figura 13. Atividade 5 e resposta do MD 60 Figura 14. Atividade 6 e a resposta do MD. 61 Figura 15. Atividade 7 e resposta do MD. 62 Figura 16. Atividade 8 e resposta do MD. 63 Figura 17. Orientação Antes do debate. 65 Figura 18. Orientação Durante o debate. 66 Figura 19. Orientação Depois do debate. 66 Figura 20. Orientação O debate na web. 67 Gráfico 1. Debate Regrado: capacidades linguageiras nas atividades. 67 Gráfico 2. Debate regrado: análise da capacidade linguístico-discursiva nas atividades. 68 Quadro 1. Tipos de discurso. 21 Quadro 2. Formas referenciais de coesão nominal. 24 Quadro 3. Meios não linguísticos de comunicação oral. 26 Quadro 4. Recorte das operações de linguagem CS. 39 Quadro 5. Capacidades linguageiras e critérios de classificação. 42 Quadro 6. Os gêneros orais e escritos do MD. 46 Quadro 7. Subdivisões das etapas para o debate regrado. 51 Quadro 8. Operações e níveis de análise das capacidades linguageiras. 54 SUMÁRIO CAPÍTULO 1 12 INTRODUÇÃO PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 15 1 O Interacionismo Sociodiscursivo e a Didática de Línguas 15 1.1 Conceitos de gênero textual e texto segundo o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) e a Didática de Línguas 16 1.2 Proposta de análise textual segundo o ISD: o Folhado Textual de Bronckart 20 1.3 Os gêneros textuais orais e o papel da oralidade em sala de aula 26 1.3.1 O debate regrado 27 1.3.2 Instrumentos de trabalho docente: modelo didático de gêneros e SD 30 1.3.3 Capacidades linguageiras 38 CAPÍTULO 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 45 2.1 Contexto e dados da pesquisa 45 2.1.1 A apresentação do gênero oral no material didático: o debate regrado 48 2.2 Procedimentos de análise 52 CAPÍTULO 3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DE ANÁLISE DOS DADOS 55 3.1 As capacidades linguageiras presentes nas atividades do debate regrado 55 3.2 As capacidades linguageiras para o ensino do debate regrado 68 CONSIDERAÇÕES FINAIS 70 REFERÊNCIAS 72 ANEXOS 76 Anexo I 76 Anexo 2 77 Anexo 3 Anexo 4 Anexo 5 Anexo 6 Anexo 7 78 79 80 81 82 11 INTRODUÇÃO Em 2015, depois de ter atuado onze anos em escolas de idiomas da rede privada com aulas de língua inglesa, decidi1 participar de um processo seletivo para professores de línguas de uma Escola Técnica Estadual (ETEC), no qual fui aprovada e dei início a minha carreira na rede pública de ensino. Em 2017, tive a oportunidade de escolher ministrar a disciplina de Língua Portuguesa (LP) para o Ensino Médio (EM) nessa instituição. Objetivando dedicar minha atenção aos gêneros textuais no ensino de LP para o EM, cursei, em 2018, junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (PPGEL), a disciplina “Ensinar e aprender a ler e a escrever através de gêneros textuais no mundo contemporâneo”, ministrada pelas professoras Glaís Cordeiro e Lília Abreu-Tardelli. Mediante uma parceria entre o Centro Paula Souza e a UNESP para uma seleção de professores das ETECs e Faculdades de Tecnologia (FATECs) para os cursos de mestrado e doutorado, ingressei, em 2019, como mestranda no PPGEL, na linha de “Ensino e Aprendizagem de Línguas”. Passei a fazer parte, também, do grupo de pesquisa Análise de Linguagem, Trabalho e suas Relações – Formação, Intervenção e Pesquisa (ALTER-FIP)2. Após conhecer os trabalhos de estudiosos da Universidade de Genebra, dediquei-me em iniciar um estudo a respeito do ensino da língua materna, envolvendo gêneros textuais, à luz dessa perspectiva teórica, trazendo o gênero como uma ferramenta atuante no processo de ensino/aprendizagem de uma língua. Para Schneuwly (2004), o gênero também é considerado um instrumento que oferece suporte nas situações de comunicação, tornando-se uma referência para o ensino. Sob essa perspectiva, o gênero pode ser considerado um megainstrumento para os estudantes. Com base nesses anseios, iniciei meus estudos sobre os gêneros textuais, analisando atividades de um livro didático, Português Contemporâneo: Diálogo, Reflexão e Uso, de Cereja, Vianna e Damien (2016), selecionado para o EM das ETECs de minha região. Optei por trabalhar com o EM de uma ETEC por já lecionar na instituição e, assim, poder contribuir para uma mudança dentro dela; além disso, a decisão por trabalhar com gêneros textuais orais 1 Utilizo a primeira pessoa do singular para narrar, discutir e apresentar alguns aspectos, a fim de pessoalizar minha experiência nesta introdução; e a primeira pessoa do plural para apresentar os capítulos seguintes desta dissertação. 2 Criado em 2002, o grupo tem como intuito a propagação dos estudos do interacionismo sociodiscursivo, no brasil, era coordenado pela profa. Dra. Anna Rachel Machado. Após o falecimento da pesquisadora, o grupo passou a ser coordenado pelas pesquisadoras Eliane Gouvêa Lousada e Ana Maria de Mattos Guimarães, com sede na Universidade de São Paulo (USP). 12 veio após uma atividade sobre entrevista desenvolvida com alunos da 2ª série do Curso Técnico em Informática integrado ao EM. Considerando que “[...] a entrevista é um gênero primordialmente oral” (HOFFNAGEL, 2010, p. 197) e pensando na necessidade de os alunos produzirem gêneros textuais orais, já que, no material didático (MD) analisado, há mais propostas de produção de gêneros textuais escritos, a entrevista de especialista proposta como produção final na modalidade escrita foi adaptada para uma entrevista de especialista oral. Assim, parto de uma lacuna deste MD em questão, sobre gêneros textuais orais, para discutir sua importância no processo de ensino/aprendizagem. Antes de diferenciar fala e escrita diante de uma imagem dicotômica, é necessário revisitar Marcuschi (2002), sobre a configuração de oralidade e escrita em um continuum tipológico, caracterizado, de um lado, pelas peculiaridades de cada uma dessas modalidades e, de outro, pelas semelhanças percebidas em diversos gêneros - o que faz com que às vezes se torne bastante difícil definir o limite entre elas. Após a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1998, e a publicação de Dolz e Schneuwly (2004), Abreu-Tardelli e Voltero (2019) identificam um fortalecimento em contribuições de muitos pesquisadores que se dedicaram à questão do ensino do oral (BARRICELLI, 2015; BAUMGÄRTNER, 2015; COSTA-HÜBES; SWIDERSKI, 2015; DOLZ; BUENO, 2015; DOLZ; MESSIAS, 2015; FERRAZ; GONÇALVEZ, 2015; LEURQUIN, 2015; LOUSADA; ROCHA; GUIMARÃES-SANTOS, 2015; NASCIMENTO, 2015; SOUZA; CRISTOVÃO, 2015) evidenciando a relevância do estudo dos gêneros textuais orais para o ensino. Embora tais estudos apontem mais pesquisas envolvendo gêneros escritos comparados aos gêneros orais, indicam, também, uma crescente atenção aos estudos sobre o ensino do oral após registro nos documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997; 1998; 2000), as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2002), as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (Brasil, 2006), o Programa Nacional do Livro Didático (BRASIL, 2015) e a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) e, consequentemente, nos livros didáticos de LP da Educação Básica, fortalecendo a relevância do tema, principalmente, para o ensino de língua materna. Dada a importância que o oral assumiu em pesquisas voltadas para o ensino, muitos trabalhos a respeito de MD de LP foram realizados, com o objetivo de contribuir com discussões 13 sobre o ensino dos gêneros textuais orais para o EM (cf. MARQUES; MESQUITA, 2011; OSIAS, 2010; QUIRINO, 2014; RIBEIRO, 2009). Para Marques e Mesquita (2011), os gêneros orais têm recebido menor atenção e ocupado um espaço reduzido em comparação aos gêneros escritos. Posição essa que é compartilhada por Osias (2010). A autora defende que os gêneros textuais orais deveriam compor os programas escolares e caminhar lado a lado com a escrita para não haver distinção entre fala e escrita, pois esta dicotomia ainda coloca a fala em um plano secundário e inferiorizado. Quirino (2014) analisou duas propostas de gêneros textuais orais no LD Português Linguagens (CEREJA, 2010), a saber: o debate de opinião e o seminário. O autor concluiu haver, no material, propostas que contribuam com discussões sobre a importância de se ensinar o oral dentro e fora da sala de aula. Especificamente, na seção produção textual observou que há mobilizações de reconhecimento das características do gênero e posterior produção do gênero estudado. Para Ribeiro (2009), além de os gêneros orais serem pouco privilegiados nas escolas de Educação Básica, quando comparados aos gêneros escritos, os gêneros da ordem do argumentar também são apresentados tardiamente, nos últimos anos do Ensino Fundamental e no EM. A autora traz evidências do trabalho com o gênero debate regrado, sinalizando-o como um importante instrumento para o desenvolvimento da oralidade e das capacidades argumentativas no contexto escolar. A partir da entrada do oral nos documentos prescritivos, as pesquisas apresentadas ajudam a evidenciar uma crescente que se volta para o ensino de gêneros textuais orais. Nesse contexto, esta dissertação contribui para o ensino oral em MD, principalmente ao considerarmos que os materiais didáticos são instrumentos significativos que compõem o trabalho do professor e que podem, portanto, ser objetos de estudo, como destaca Machado (2009). Para levarmos a cabo este trabalho, buscamos identificar de que maneira os gêneros textuais orais e escritos são apresentados no MD, visando comprovar ou não as afirmações de Marques e Mesquita (2011), de Osias (2010), de Quirino (2014) e de Ribeiro (2009). Entre os gêneros textuais orais que estão no MD em estudo, na seção “Produção de Texto”, o gênero textual oral debate aparece, concomitantemente, nos livros do 1º ano (debate regrado) e do 3º ano (debate deliberativo), fortalecendo meu interesse em buscar estabelecer relações no estudo a respeito do gênero textual oral debate regrado. Isso, pois, a primeira vez em que ele aparece é no livro do 1º ano do EM do MD e, assim, em pesquisas futuras, seria 14 possível acompanhar a progressão das capacidades do oral no próximo gênero debate deliberativo, no 3º ano do EM do MD, podendo se estabelecer uma comparação entre eles. Assim, nossos objetivos são: (i) identificar quais capacidades linguageiras, considerando a capacidade de ação, a capacidade discursiva, a capacidade linguístico- discursiva (DOLZ; PASQUIER; BRONCKART, 1993) e a capacidade da significação (CRISTÓVÃO; STUTZ, 2011) aparecem nas atividades do MD em estudo, no livro do 1º ano do EM e (ii) identificar quais dessas capacidades predominam. Nossas perguntas de pesquisa para as atividades propostas sobre o gênero textual oral debate regrado no material em análise são: a) quais capacidades linguageiras subjazem às propostas de produção textual oral do gênero debate regrado? b) Quais são as capacidades linguageiras predominantes? c) De que forma esse predomínio aponta para quais capacidades linguageiras poderiam ser mais trabalhadas no ensino desse gênero pelo professor? Para respondermos a essas perguntas, pautamo-nos nos subsídios teórico-metodológicos do interacionismo sociodiscursivo. Expostos nossos objetivos, este trabalho organiza-se da seguinte forma. No primeiro capítulo, apresentamos a proposta teórico-metodológica do interacionismo sociodiscursivo (ISD) e da Didática de Línguas de Genebra, com apresentação das concepções que fundamentam essa perspectiva teórica considerando o conceito de gêneros e o folhado textual de Bronckart (1999), gêneros como instrumento de desenvolvimento humano com foco ao ensino dos gêneros textuais orais, especificamente, o debate regrado, e das capacidades linguageiras baseado em autores genebrinos (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004) e nas autoras brasileiras Stutz e Cristóvão (2009) que propuseram uma quarta capacidade para estudos. No segundo capítulo, intitulado “Procedimentos Metodológicos”, há a apresentação do contexto e dados selecionados e analisados nesta pesquisa, a apresentação do gênero textual oral em estudo - o debate regrado - e a análise de atividades didáticas do debate regrado, nosso objeto de estudo. Os resultados são apresentados no terceiro capítulo. Nele, analisamos as atividades didáticas propostas no MD em análise, envolvendo o gênero textual oral “debate regrado”, respondendo a nossas perguntas de pesquisa com as capacidades linguageiras identificadas, as predominantes, e dentre elas quais poderiam ser mais trabalhadas pelo professor no MD. Ao final, seguem nossas considerações finais e as referências utilizadas. 15 CAPÍTULO 1 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS Para esta pesquisa, mobilizamos os aportes teórico-metodológicos do interacionismo sociodiscursivo (ISD) de Bronckart (1999; 2004; 2006; 2007; 2008), de Bronckart e Machado (2004; 2009) e dos autores da Didática de Línguas de Genebra (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004; DOLZ; GAGNON; DECÂNDIO, 2010) e autoras brasileiras (CRISTÓVÃO; STUTZ, 2009), com estudos voltados para o ensino e para aprendizagem da linguagem oral e escrita por meio de gêneros textuais. 1 O Interacionismo Sociodiscusrsivo e a Didática de Línguas Ao assumirmos os pressupostos teóricos do ISD, assumimos, também, a problemática do agir humano, com foco central a linguagem (BRONCKART, 1999; 2004; 2006; 2007; 2008; BRONCKART; MACHADO, 2004; 2009). Especificamente, ao pensarmos os gêneros textuais, valemo-nos da didática das línguas, [...] uma disciplina que estuda os fenômenos de ensino e aprendizagem das línguas e as relações complexas entre os três polos do triângulo didático: o ensino, o aluno e/ou as línguas ensinadas (DOLZ; GAGNON; DECÂNDIO, 2019, p. 21). Essa perspectiva volta-se para as relações e para as interdependências entre essas instâncias, que compõem uma “totalidade organizada”. O objeto central dessa teoria é estudar a transmissão e a apropriação das línguas, principalmente, a partir dos processos de construção das práticas e dos conhecimentos de linguagem, no contexto escolar. Assim, a didática das línguas “[...] é uma disciplina científica compartilhada por uma comunidade de pesquisadores que trabalham em diferentes organizações acadêmicas, diferentes departamentos e diferentes instituições” (DOLZ; GAGNON; DECÂNDIO, 2019, p. 22). Para os autores, há duas perspectivas de pesquisa que dominam o campo da Didática das Línguas, quais sejam: (i) a engenharia didática, que visa a elaboração e experimentação de dispositivos de ensino, e (ii) as abordagens mais recentes que descrevem as práticas dos professores, que buscam compreender e explicar os fenômenos observados no âmbito das aulas. Os dois expoentes dessa teoria são Ecaterina Bulea Bronckart, professora e coordenadora do grupo de pesquisa em Didática das Línguas (GRAFE, no francês Groupe de 16 recherche pour l´analyse du français enseigné), da Universidade de Genebra (UNIGE), na Suíça, e o professor Joaquim Dolz. Ambos dialogam com pesquisas brasileiras e de outros países por meio de suas obras traduzidas (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004; DOLZ; GAGNON; DECANDIO, 2010) com o intuito de apresentar e de divulgar as recentes problemáticas no campo das Ciências da Educação, da formação de professores e da Didática das Línguas desenvolvidas por ela e seu grupo de pesquisa. Após esta breve apresentação sobre a Didática das Línguas, discutiremos, na próxima seção, a constituição da materialidade linguística dos gêneros, bem como seus conceitos de gênero textual e texto segundo a perspectiva do ISD. 1.1 Conceitos de gênero textual e texto segundo o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) e a Didática de Línguas Para Bronckart (2006; 2008), o ISD é uma corrente do interacionismo social que não se classifica como um movimento constituído, formalmente, mas, sim, como uma orientação epistemológica geral ou um posicionamento epistemológico e político, construído, principalmente, a partir das obras de Spinoza, de Marx e de Vygotsky, compartilhado por vários estudiosos das Ciências Humanas e Sociais, como Bühler, Dewey, Mead, Politzer e, parcialmente, por Durkheim, Wallon, entre outros (LOUSADA, 2010). O ISD tem o objetivo de mostrar o papel fundador da linguagem e, sobretudo, do funcionamento da atividade discursiva no desenvolvimento humano (BRONCKART, 2006; 2008), conduzindo trabalhos teóricos e empíricos que se desenvolvem nos três níveis do programa de referência do interacionismo social, a saber: os pré-construídos, as mediações formativas, o desenvolvimento humano. De acordo com Bronckart (1999), no nível dos pré-construídos, o ISD visa analisar as condições de funcionamento efetivo dos textos, partindo do princípio de que os gêneros textuais são os produtos de uma atividade linguageira coletiva, organizada pelas formações sociais do indivíduo que se adapta aos formatos textuais dependo das exigências das atividades gerais. O segundo nível de análise diz respeito aos processos de mediação formativa, isto é, os processos deliberados por meio dos quais às condições de emergência do pensamento consciente fundador da pessoa. Tais processos são resultado da interiorização das propriedades funcionais dos signos linguísticos. Por fim, Bronckart (1999) destaca que o nível do 17 desenvolvimento das capacidades ativas das pessoas está relacionado às interações entre as representações individuais e as representações coletivas veiculadas pelos pré-construídos. Sumariamente, a proposta teórico-metodológica do ISD defende que os gêneros textuais como produtos das ações humanas e, quando apropriados, podem ser verdadeiros instrumentos para o desenvolvimento humano às condições de ensino-aprendizagem e às capacidades que os alunos já desenvolveram e aquelas que devem desenvolver, de acordo com o objetivo de ensino. Para Bronckart (1999; 2008), os textos são formas de realizações empíricas, articuladas a diferentes situações de comunicação e define-nos como uma entidade linguística correspondente à unidade psicológica que constitui a ação de linguagem. Dessa forma, estabelece uma interação com um dos modelos de gêneros disponíveis em um dado estado da língua. [...] os textos são produto da linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais: em função de seus objetivos, interesses e questões específicas, essas formações elaboram diferentes espécies de textos, que apresentam características relativamente estáveis (justificando-se que sejam chamados de gêneros de texto3 (BRONCKART, 2004, p. 137, grifos no original). É durante nossas interações, como assinala Bronckart (1999; 2008), que produzimos textos, exemplos de gêneros textuais moldados pelas gerações anteriores ou contemporâneas a nossas. Dessa maneira, estamos de forma contínua sempre adotando um gênero textual e adaptando-o a cada situação de interação verbal que vivenciamos. Em síntese, todo texto oral ou escrito é fonte de compreensão da ação do sujeito (MACHADO; BRONCKART, 2009) e constitue-se no cruzamento dialético entre a ação individual, empiricamente situada (psicossocial), e os “construtos históricos”, os próprios gêneros textuais. Isso quer dizer que [...] a produção de cada novo texto empírico contribui para a transformação histórica permanente das representações sociais referentes não só aos gêneros textuais, mas também à língua e às relações entre textos e situações de ação (BRONCKART, 1999, p. 109). Os diferentes gêneros textuais (escritos e orais) são mobilizados pelas pessoas de acordo com a condição específica da situação de comunicação em que se encontram e devem ser 3 A partir deste momento, passaremos a utilizar a expressão gênero textual conforme traduções atuais. 18 escolhidos conforme o contexto para serem compreendidos. Em outras palavras, há, para cada objetivo de interação, a seleção de um gênero textual apropriado, como, por exemplo, para registrar uma reunião, há o gênero textual ata; para convidar alguém para uma festa de aniversário, o convite de aniversário com informações como horário, local e data; para uma discussão acerca de uma problemática, o mediador e os debatedores que realizam o debate. Quando, para se comunicar, é necessária uma padronização: os gêneros. É por isso que, nessas situações de comunicação, têm-se os gêneros textuais (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004). Para Bronckart (2007), [...] todo texto se inscreve, necessariamente, em um conjunto de textos, ou em um gênero, sendo que esses conjuntos são múltiplos e infinitos, ao passo que os segmentos que compõem os textos são de número finito e podem ser identificados por características linguísticas específicas (BRONCKART, 2007, p. 75). Segundo Dolz e Schneuwly (2004), os diferentes gêneros textuais (escritos e orais) são mobilizados pelas pessoas de acordo com a condição específica da situação de comunicação em que se encontram e devem ser escolhidos conforme o contexto. Dessa forma, sempre recorremos a um conjunto de representações que temos sobre a situação de produção de um texto, a sua organização textual e a sua linguagem, mobilizando um conjunto de conhecimentos. Nas interações, os gêneros textuais continuam a aparecer e, por isso, tornam-se infinitos. O podcast, os twetts e as lives são exemplos dessa infinidade de gêneros, que surgem da necessidade comunicativa em um contexto mediado pelas novas tecnologias. Entretanto, em sua própria organização, cada gênero tem características que lhes são próprias, tornando-os finitos. Por razões teórica e de ordem metodológica, a noção de gênero textual implica considerar, “[...] primeiramente, os textos com suas múltiplas propriedades linguísticas internas, enquanto as dimensões contextuais externas, se são seguidamente evocadas, só excepcionalmente constituem o objeto de estudos sistemáticos” (BRONCKART, 2017, p. 48). Toda e qualquer produção de linguagem (oral ou escrita) é um texto, com um modo determinado de organização de seu conteúdo referencial. Todo texto é composto, também, por frases articuladas, mediante determinadas regras de composição, envolvidas por um contexto de produção, visto que tem uma relação de interdependência com as características de seu contexto de produção (BRONCKART, 1999). 19 Sendo assim, para Bronckart (1999), o produtor do texto mobilizará, em sua interação, o contexto de produção e o conteúdo temático do texto que ele produzir. A situação de produção de um texto de determinado gênero considera (i) seu contexto físico (o lugar de produção; o momento de produção, se oral ou escrito; o emissor e o receptor do texto) e (ii) seu contexto sociossubjetivo (o lugar social de produção; a posição social do emissor/enunciador na interação do gênero e a posição social do receptor/destinatário nessa interação, bem como seus objetivos). Na Figura 1, ilustramos os fatores que estão no entorno do contexto de produção. Figura 1. O contexto de produção. Fonte: Henrique (2020, p. 39). Em suma, a depender da situação de comunicação ou do contexto em que a interação ocorre, o texto pode realizar-se de diferentes formas, chamadas, também, de diferentes espécies de texto. Essas espécies de textos, para Bronckart (1999), estão centradas até hoje, na noção de gêneros textuais.4 A existência de uma atividade sócio-verbal, que Bronckart (2017) qualifica como atividade linguageira, desdobra-se nos quadros práticos, culturais e econômicos nos quais, concretamente, realiza-se pela exploração dos recursos semióticos de uma língua natural. Um determinado gênero, formado por um conjunto de textos, é chamado por Bronckart de intertexto. Esses textos sofrem, com o passar do tempo e das gerações, mutações para se adaptarem à situação de comunicação de uso. A ação de linguagem realiza-se com a ajuda de 4 É a partir das teorias de Bakhtin (2003), sobre gênero do discurso, que tal concepção foi estabelecida. 20 um gênero que é um instrumento para agir linguisticamente. É um instrumento semiótico, constituído por signos organizados de maneira regular. Esse instrumento é complexo e compreende diferentes níveis. Portanto, os gêneros textuais constituem o objeto de ensino-aprendizagem da língua, pois são considerados megainstrumentos, isto é, um “[...] conjunto articulado de instrumentos de produção que contribuem para a produção de objetos de um certo tipo [...]” (SCHNEUWLY, 2004, p. 28). Considerar como se estruturam e como funcionam os gêneros é uma maneira “[...] de desenvolver as práticas comunicativas, uma necessidade central para a formação humana e para inserção do homem em sociedade” (HENRIQUE, 2020, p. 40). Na próxima seção, apresentamos a proposta metodológica de análise textual segundo o ISD. 1.2 Proposta de análise textual segundo o ISD: o Folhado Textual de Bronckart Nesta seção, discutimos a relação entre o modelo de análise textual de Bronckart (1999) e as três capacidades linguageiras de Dolz, Pasquier e Bronckart (1993), a saber: (i) capacidade de ação, (ii) capacidade discursiva e (iii) capacidade linguístico-discursiva; além de uma quarta, a capacidade de significação, proposta por Cristóvão e Stutz (2011). Bronkart (2009) concebe o texto como um folhado textual, propondo uma lógica de sobreposição de camadas. No que se refere à arquitetura interna dos textos, ligada à organização textual, temos três níveis hierarquizados e subdivididos em três camadas sobrepostas: (i) a infraestrutura geral do texto; (ii) os mecanismos de textualização; (iii) e os mecanismos enunciativos. A camada mais profunda do folhado textual de Bronckart (1999), a infraestrutura geral do texto, é constituída “[...] pelo plano mais geral do texto, pelos tipos de discurso que comporta, pelas modalidades de articulação entre esses tipos de discurso e pelas sequências que nele eventualmente aparecem” (BRONCKART, 1999, p. 120). Para o autor, essa camada coloca em funcionamento a representação de mundos discursivos, que podem ser conjuntos ou disjuntos ou implicados ou autônomos, em relação à ação da linguagem. Em outras palavras, a infraestrutura textual relaciona-se à organização interna de um texto, envolvendo seu conteúdo temático, os tipos de discurso, os tipos de sequência e suas articulações no interior textual desse gênero. 21 Para Bronckart (1999), há quatro tipos de discurso básicos, a saber: (i) interativo; (ii) teórico; (iii) relato interativo; (iv) narração; os quais, de acordo com o nível semântico- pragmático, mostram uma determinada relação com o contexto físico de produção: de implicação desse contexto, no caso dos tipos de discurso interativo e de relato interativo; ou de autonomia em relação a ele, no caso do discurso teórico e da narração. Ainda no nível semântico-pragmático, eles exibem uma determinada forma de apresentação dos conteúdos em relação ao tempo-espaço da produção: de conjunção, no caso do discurso interativo e do teórico; de disjunção, no caso do relato interativo e da narração. Quadro 1. Tipos de discurso. RELAÇÃO AO ATO DE PRODUÇÃO COORDENADAS DOS MUNDOS Ordem do EXPOR Ordem do NARRAR implicação Discurso interativo Relato Interativo autonomia Discurso teórico Narração Fonte: adaptado de Bronckart (1999; 2007). Bronckart (2007) caracteriza as formas de narrar como uma separação mundo virtual- imaginário e do mundo ordinário, das formas de expor, quando há uma associação entre esses dois mundos. Na forma do narrar autônoma, utilizam-se verbos, indicando quando os fatos ou os acontecimentos passaram, associados a marcas linguísticas (advérbios de tempos ou expressão de tempo, conectores argumentativos etc.). A forma do narrar implica elementos da forma do narrar autônoma e a presença dos elementos dêiticos, relativos ao tempo, ao espaço e à pessoa. Em Bronckart (1999), a forma autônoma é classificada como narração e a forma implicada como relato interativo. Já na ordem do expor, não há termos que operam a separação dos mundos virtual e ordinário, os verbos são no presente. Dessa forma, tanto na forma de narrar como na de expor, há a forma autônoma e a implicada, cujas distinções podem ser feitas pelos elementos dêiticos. Elementos esses que podem ser compreendidos a partir das condições de produção do enunciado. Percebemos, dessa forma, que pode haver uma mescla de tipos textuais. Elementos de um tipo de discurso podem estar presentes em textos de outros tipos, assim se segue. Entretanto, devemos compreender que, em um texto, mesmo que possa haver mais de um tipo de discurso, haverá sempre um discurso predominante. Bronckart (1999) apresenta ainda as sequências, uma das formas possíveis de planificação dos conteúdos. Planificações essas que incluiriam ainda os scripts e as 22 esquematizações. Para o autor, seis tipos de sequências podem ser distinguidos: descritiva, explicativa, argumentativa, narrativa, injuntiva e dialogal. De tal modo, com base em Machado (2005, p. 246–247), os tipos de sequências são caracterizados da seguinte forma: (i) Descritiva: o destinatário terá um olhar pormenorizado dos elementos de um objeto de discurso conforme a orientação do produtor; (ii) Explicativa: quando um acontecimento ou uma ação humana requerem explicações sobre suas causas e/ou sobre suas razões. O objeto do discurso é percebido pelo destinatário como de difícil compreensão; (iii) Argumentativa: tem o intuito de persuadir o destinatário da veracidade de um objeto de discurso que é visto como contestável; (iv) Narrativa: quando a organização do tema é sustentada por um processo inicial de intriga, uma tensão que desencadeia uma transformação (ou transformações), e, por fim, há o equilíbrio; (v) Injuntiva: expõe a existência de segmentos de textos denominados instrucionais ou procedimentais visando o agente produtor fazer o destinatário agir de um certo modo ou em uma determinada direção; (vi) Dialogal: estabelece uma conexão de interação entre os interlocutores. Os mecanismos de textualização, como pontuado por Bronckart (1999), camada intermediária do folhado textual, englobam a conexão e a coesão (nominal e verbal), as quais contribuem para estabelecer a coerência temática do texto. Realizada por organizadores textuais, como conjunções, advérbios, locuções adverbiais etc., a conexão contribui para marcar as articulações da progressão temática. Sobre a coesão, a nominal tem a função de introduzir novos elementos no texto, assegurando sua retomada ou sua substituição, formando as cadeias anafóricas, cujas unidades constitutivas podem ser, por exemplo, os pronomes. Quanto à verbal, fundamentalmente, realiza-se pelos tempos verbais, responsáveis pelo arranjo temporal dos estados, dos eventos ou da ações verbalizados no texto (BRONCKART, 1999, p. 122-129). A Figura 2 apresenta uma sumarização dessa perspectiva teórica sobre os mecanismos de textualização. Figura 2. Mecanismos de textualização. 23 Fonte: Henrique (2020, p. 48). Os mecanismos enunciativos, de responsabilização enunciativa, cooperam mais para o estabelecimento da coerência pragmática (ou interativa) do texto, pois, como aponta Bronckart (1999), além de contribuírem para o esclarecimento dos posicionamentos enunciativos, traduzem as várias avaliações em relação ao conteúdo temático e envolvem vozes e modalizações. O autor define as vozes como as “[...] entidades que assumem (ou as quais são atribuídas) a responsabilidade do que é enunciado (1999/2007, p.326) e as divide em três tipos. O primeiro, a voz do autor, refere-se à pessoa que está diretamente ligada à produção textual, “o próprio agente da comunicação linguageira”. A voz do personagem trata das vozes de seres humanos ou de “entidades humanizadas”, envolvidos na qualidade de agentes de todos os seguimentos do texto. Por fim, a voz social refere-se à personagens, grupos ou instituições sociais que não interferem, diretamente, no conteúdo temático do texto, mas, de alguma forma, externalizam avaliações de alguns aspectos desse conteúdo. Quanto às modalizações, independem da linearidade do texto, pois estão relacionadas à coerência pragmática e dividem-se em quatro tipos, a saber: (i) modalizações lógicas: avaliações ligadas a alguns elementos do conteúdo temático com julgamentos sobre o valor de verdade dos enunciados tratados como certos (incertos), possíveis (impossíveis), prováveis (improváveis), etc. (ii) modalizações deônticas: avaliação de proposições ligadas ao mundo social, que apresentam conformidade ao que é permitido, necessário, proibido etc. (iii) modalizações apreciativas: marcas subjetivas, julgamentos ligados à subjetivação, apresentando os fatos enunciados como bons, maus, estranhos etc., na visão e posição de quem avalia. (iv) modalizações pragmáticas: contribuem com julgamentos a uma entidade do conteúdo temático na responsabilidade de agente, implicando, principalmente, sobre a capacidade de ação, a intenção e as razões – o poder fazer, o querer fazer e o dever fazer. 24 Segundo Bronckart (2008), os mecanismos enunciativos são qualificados, nesse modelo de organização de texto do ISD, como superficiais, porque operam “[...] quase que independentemente da progressão do conteúdo temático e, portanto, não se organizam em séries isotópicas; [...] eles servem, sobretudo, para orientar a interpretação dos destinatários” (BRONCKART, 2008, p. 90). Aos destinatários, por sua vez, cabe a possibilidade aderir ou não à orientação recebida. No Quadro 2, apresentamos as formas referenciais de coesão nominal. Quadro 2. Formas referenciais de coesão nominal. FORMAS REFERENCIAIS DEFINIÇÃO EXEMPLO Expressões ou grupos nominais definidos Ocorre quando um termo (ou expressão) é substituído por grupo nominal iniciado por um artigo definido. Umberto Eco disse que o livro impresso não vai desaparecer. O escritor italiano defendeu esta tese em uma entrevista. Nominalização Ocorre quando um termo (ou expressão) é substituído por formas nominalizadas de um verbo em uma oração anterior. O aluno compareceu às aulas. O não comparecimento resulta em penalidades. Expressões sinônimas Ocorre quando um termo (ou expressão) é substituído por termos que apresentam semelhanças de sentido aproximado. O estudante prefere ler livro eletrônico. O aluno moderno está adaptado a esta realidade. Hiperônimo Ocorre quando um termo (ou expressão) é substituído uma por palavra em sentido geral, designação de classe de seres. O livro trata da necessidade de discutir o papel da mídia na sociedade contemporânea. A obra faz uma revisão interessante sobre a cultura de massa. Nome genérico Ocorre quando é utilizado um termo não específico. As crianças viram um vulto no bar. Todos olharam e viram um negócio saindo da água Categorização Ocorre quando um termo resume uma sucessão de itens ou uma descrição apresentada na oração anterior. As redes sociais têm mudado os comportamentos da sociedade. Esse fato precisa ser estudado com mais profundidade pelas pesquisas científicas. Elipse Ocorre quando há a omissão de algum termo (representado aqui por ). Os autores discutem como a tecnologia pode contribuir para o desenvolvimento da leitura e da escrita.  Apontam caminhos para atingir que a escola consiga atingir esse objetivo. Repetição Ocorre quando há uso de mesma expressão ou termo. A escola deve promover espaços para que as brincadeiras sejam efetivadas. A escola precisa envolver os alunos em atividades lúdicas. Fonte: Henrique (2020, p. 50). 25 Essa divisão de níveis de análise é concebida pelo autor como necessidade metodológica para se desvendar a complexidade da organização textual. Apesar de o modelo não ser concebido teoricamente para a descrição de gêneros, ele tem sido utilizado explícita e implicitamente, quer para a descrição de algumas características de gêneros particulares por pesquisadores ligados ao ISD (SCHNEUWLY & DOLZ, 1998; MACHADO, 200; CRISTOVÃO, 2002; COELHO, 2003; FREITAS,2003); quer para a análise de textos específicos (DE SOUZA, 2003; LUCA, 2000; ABREU, 2002; LOUSADA, 2002), sobretudo com finalidades didáticas (MACHADO, 2005, p. 255). Para Schneuwly e Dolz (2004), o objeto do processo de ensino e aprendizagem das línguas são operações de linguagem, já que são fundamentais para a realização das ações linguageiras que, ao serem apropriadas, tornam-se capacidades linguageiras. Os gêneros, nesse contexto, são formas de funcionamento da língua e da linguagem, criados conforme as diferentes esferas da sociedade em que o indivíduo circula. Portanto, são produtos sociais bastante heterogêneos e contribuem, significativamente, com o desenvolvimento de capacidades linguageiras dos alunos quando trabalhados por meio de sequências didáticas formuladas pelos autores a partir de modelos didáticos. A próxima seção dedica-se à descrição do papel dos gêneros textuais orais e, especificamente, o papel da oralidade em sala de aula. 1.3 Os gêneros textuais orais e o papel da oralidade em sala de aula A prática da língua oral e escrita na sala de aula tem sido objeto de estudos de professores e de pesquisadores, gerando reflexões sobre as práticas de ensino da língua e sobre o desenvolvimento das capacidades linguageiras dos alunos. Para Dolz e Schneuwly (2004), o ensino a oralidade tem um lugar de grande importância durante os anos escolares. Na pré-escola e no Ensino Fundamental (Anos Iniciais), apresentam-se os usos informais da língua, que pode ser trabalhada através da musicalidade para desenvolver as bases do letramento oral pela compreensão fonológica. No Ensino Superior, as tomadas de palavra em público, com enfoque maior para o exercício profissional, em apresentações de seminário, diálogos e/ou debates, configuram-se como possíveis formas de trabalhar a oralidade durante as aulas. Ribeiro (2009) destaca que em outras etapas escolares, como o Ensino Fundamental (Anos Finais) e no Ensino Médio, a linguagem oral está presente nas aulas. Entretanto, a abordagem é feita de maneira muito superficial, principalmente, quanto aos usos mais formais- 26 públicos, o que, a nosso ver, apresentam um distanciamento negativo entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental (Anos Iniciais) e o Ensino Superior. Durante as apresentações orais, há muitas possibilidades para trabalhar e para evidenciar os fatores de efeitos em uma comunicação. A título de exemplo, o gênero oral debate de opinião, além de trabalhar o diálogo de forma esquematizada, apresenta a troca de opiniões, por meio da qual é possível exercitar a escuta, o volume da voz, a respiração, postura de respeito diante de opiniões contrárias, bem como aspectos ligados a elementos exteriores (vestimentas, disposição dos lugares, situação de organização e condições do ambiente etc.), uma vez que, como destacam Schneuwly e Dolz (2004), toda a comunicação oral não se limita somente na utilização dos meios linguísticos, é preciso também destacar que existem os meios não- linguísticos. Segundo Dolz, Schneuwly e Haller (2011), os meios não-linguísticos, presentes através de mímicas faciais, olhares, gestos, tonalidade da voz, proporcionam a tomada de consciência a respeito da voz, do olhar, da atitude corporal ligados os meios paralinguísticos, meios cinésicos e disposição de lugares, além da posição dos locutores e aspectos exteriores, como apresentado no Quadro 3. Quadro 3. Meios não linguísticos de comunicação oral. Meios paralinguísticos Meios cinésicos Posição dos locutores Aspecto exterior Disposição dos lugares. Qualidade da voz; Melodia; Elocução e pausas; Respiração; Risos; Suspiros. Atitudes corporais; Movimentos; Gestos ; Troca de olhares; Mímicas faciais. Ocupação de lugares; Espaço pessoal; Distâncias; Contato físico. Roupas; Disfarces; Penteado; Óculos; Limpeza. Lugares; Disposição; Iluminação; Disposição das cadeiras; Ordem; Ventilação; Decoração. Fonte: adaptado de Dolz, Schneuwly e Haller (2011, p. 134). Se os recursos (a capacidade de codificar uma mensagem tanto nos planos linguístico, prosódico, paralinguístico, como extralinguístico) utilizados para a comunicação humana são, aparentemente, universais, as diferentes modalidades de expressão desses códigos são de uma infinita diversidade, no tempo e no espaço. A ação de falar realiza-se com a ajuda de um gênero, um instrumento para agir linguisticamente. Portanto, trata-se de um instrumento semiótico, constituído por signos 27 organizados de maneira regular, que também é complexo e compreende diferentes níveis. Os gêneros textuais constituem o objeto de ensino-aprendizagem da língua, pois são considerados megainstrumentos “[...] conjunto articulado de instrumentos de produção que contribuem para a produção de objetos de um certo tipo” (SCHNEUWLY, 2004, p. 28). Sobre as produções orais, alguns pontos importantes podem ser destacados ao serem trabalhados durante as aulas, com o intuito de qualificar os alunos em suas diferentes formas de representação da língua. [...] a produção oral, a escuta, a leitura e a escrita estão presentes em nosso cotidiano de forma articulada, uma contribuindo para o desenvolvimento da outra, cabendo, dessa forma, à escola fazer com que os alunos tenham o conhecimento e domínio das duas modalidades, oral e escrito, e das múltiplas funções da linguagem, já que esta possui diferentes manifestações (ZANI; BUENO, 2016, p. 627). Por acreditarmos no potencial de desenvolvimento de capacidades para o agir linguageiro do aluno e, considerando a importância das discussões sobre o ensino de gêneros orais, principalmente, os do eixo do argumentar, para estudantes do Ensino Médio, na próxima seção, apresentamos o gênero textual oral de nossa pesquisa: o debate regrado, suas características e as mobilizações que envolvem as dimensões ensináveis desse gênero da ordem do argumentar. 1.3.1 O debate regrado Dolz, Noverraz e Schneuwly (2001 apud COPPOLA; DOLZ, 2020, p. 22-23) definem o debate regrado como uma discussão entre vários participantes, em público, organizado e dirigido por um moderador, a partir de uma pergunta controversa, que visa à mudança de opinião ou de atitudes por parte do público. Classifica-se, também, como um gênero textual oral público, por apresentar características relativamente formais e específicas, a saber: o moderador e especialistas, que se dirigem ao público de maneira a transmitir informações, explicar ou descrever algo por meio de perguntas e de respostas mobilizadas por conteúdos temáticos que serão problematizados no decorrer da exposição (DOLZ et al., 2011). Assim, segundo Schneuwly e Dolz (1998), o debate pode ser entendido como um instrumento de trabalho para desenvolvimento das capacidades argumentativas dos alunos, por proporcionar que defendam, oralmente, um ponto de vista. Dessa forma, o gênero possibilita a 28 descoberta do raciocínio coletivo, através das soluções encontradas pelos problemas postos em discussão. À luz dessa questão, é necessário revisitar alguns aspectos que envolvem o gênero oral debate, a saber: (i) a presença de argumentos que revelam posições positivas ou negativas em relação ao tema; (ii) a concordância, o apoio, o desacordo e a refutação; e (iii) os variados tipos de argumento: por exemplificação, de autoridade, de princípios, de causalidade etc. (DOLZ; SCHNEUWLY; DE PIETRO, 2010) Pensando sobre a proposta de atividade de nossa análise, o gênero debate, como objeto de ensino, é classificado por Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004) como (i) debate para deliberação, (ii) debate para resolução de problemas e (iii) debate de opinião sobre fundo controverso. Os autores evidenciam, ainda, que o debate pode desenvolver capacidades fundamentais, do ponto de vista linguístico (técnicas de retomada do discurso do outro, marcas de refutação etc.), cognitivo (capacidade crítica), social (escuta e respeito pelo outro) e individual (capacidade de se situar, de tomar posição, construção de identidade). Sob essa perspectiva, o debate é um importante evento de comunicação, o que justifica sua presença na escola. Seu trabalho em sala de aula, propõe a escolarização do gênero por meio de gravações, seguidas de retextualização, a fim de possibilitar a construção de uma situação de aprendizagem dentro da esfera escolar e da realidade do aluno por meio de atividades bem estruturadas que mobilizem elementos de produção, de circulação e de recepção desse gênero. Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004) destacam outras reflexões importantes no contexto de sala de aula sobre o ensino do oral, quais sejam: (i) características argumentativas dos textos, bem como a concessão, os tipos de palavras, da abertura e fechamento de trocas; (ii) a escuta e a retomada do discurso, a formalidade e suas convenções; (iii) a responsabilidade enunciativa sobre o dizer, por meio de suas escolhas lexicais;(iv) consciência fonológica e os meios não- linguísticos como gestos, posturas, tom da voz, mímica facial; (v) o uso de recursos argumentativos, como a exemplificação e a citação; e (vi) a consideração da escolha do tema: para que seja compatível com a dificuldade ao contexto do grupo e para que não haja controvérsia. O gênero textual debate dominante nas representações dos indivíduos na sociedade brasileira é o televisivo, chamados de “antimodelo” pelo fato de dificultar o trabalho docente com essa prática de linguagem que se resumiria mais em embates contra seus oponentes. 29 Normalmente, nesse modelo televisivo, o vencedor é aquele que agride ou ridiculariza mais o adversário. Para Cristóvão e colaboradores (2003), uma maneira de o professor levar esse tipo de representação para sala de aula seria destacando, para os alunos, o ponto de vista negativo desse tipo de confronto. A partir desse apontamento, o professor apresentaria os conhecimentos de formas mais coerentes e menos agressivas do debate, uma vez que o propósito dos debates é encontrar algumas soluções aceitáveis para problemas colocados em discussão por meio de um coletivo. É importante ressaltar que a escuta e a reflexão dos argumentos expostos têm um papel muito relevante durante as discussões dos debates, ao possibilitarem que os envolvidos respeitem os momentos de falas dos outros participantes, retomando e reformulando suas ideias por meio de argumentos. Os participantes fazem uso de todos os tipos de modalizações, a saber: comparações; concessões; recursos à autoridade; exemplificações; justificativas; diferentes formas de refutação, de analogias, de descrições, de relatos, de negociações de conflitos; formas especiais de transmissão das palavras alheias, que, em seu conjunto, englobam capacidades discursivas, interacionais e cognitivas. Tais capacidades, segundo Dolz e Schneuwly (1998), devem ser desenvolvidas nos alunos pelos professores. A partir do quadro de categorias de análise sobre as capacidades linguageiras, elaborado por Machado (2005) e adaptado em nossa pesquisa, chegamos às seguintes dimensões ensináveis do gênero debate envolvendo: as capacidades linguageiras, o contexto sócio- histórico mais amplo, o contexto sociossubjetivo, bem como a sequência tipológica e os discursos. Mobilizações que envolvam as capacidades de ação têm como objetivos apresentar e defender um posicionamento do enunciador, em função de um determinado tema real, sustentando ou refutando outros posicionamentos, além de persuadir o destinatário à adesão do mesmo posicionamento, defendido pelo enunciador. A relação do gênero debate e a relação com seu momento sócio-histórico mais amplo correlaciona-se à relevância do tema que está sendo discutido, publicamente, e a mobilização das capacidades de significação (CRISTÓVÃO; STUTZ, 2011) por meio do modo de ser, de pensar, de agir e de sentir dos produtores envolvidos no discurso. No contexto sociossubjetivo de produção, a mobilização da capacidade de ação dá-se pela influência da posição social do enunciador (debatedores/moderador), por meio de questões como para quem falar e qual o papel social ocupado por ele, bem como pela projeção da posição 30 social do destinatário (ouvintes/telespectadores), sumarizadas em questões como para quem e como falar e qual o público a que se destina a fala. Para capacidades discursivas, que envolvem a estrutura textual do gênero, identificamos (i) a abertura, com apresentação dos envolvidos (por parte do moderador), (ii) a introdução, através da exposição do tema e do ponto de vista, e (iii) o desenvolvimento, com argumentos e contra-argumentos. Segue, ao fim, a conclusão, por meio da reafirmação do ponto de vista e/ou de propostas de solução para o problema (réplicas e tréplicas e considerações finais por parte dos debatedores). Geralmente, há um predomínio do discurso interativo ou teórico e da sequência argumentativa (tese, argumentação, contra-argumentação, conclusão): capacidades de sustentação, refutação e negociação de um ponto de vista. No discurso teórico, empregam-se pronomes de primeira pessoa do plural, organizadores lógico-argumentativos e modalizações lógicas. Ao passo que no discurso interativo, empregam-se pronomes de primeira e segunda pessoa do singular e do plural com referência ao enunciador e seus destinatários, verbos na primeira pessoa; utilização de dêiticos temporais; retomadas anafóricas como dêixis intratextual; alta densidade sintagmática. Quanto às capacidades linguístico-discursivas, predomina o pretérito perfeito, na contextualização e na introdução do conteúdo temático, e o presente do indicativo, na sequência argumentativa no discorrer do texto. A seguir, trazemos à baila os instrumentos de trabalho docente relacionados ao modelo didático de gêneros e a sequência didática (SD) 1.3.2 Instrumentos de trabalho docente: modelo didático de gêneros e SD Por influência do interacionismo social, a atividade humana é concebida como uma ação tripolar, mediada por instrumentos que se encontram entre o indivíduo que age e a situação na qual age. Desse modo, [...] a ação é mediada por objetos específicos, socialmente elaborados, frutos das experiências das gerações precedentes, através dos quais se transmite e se alargam as experiências (SCHNEUWLY, 2011, p. 21). Para Schneuwly (2011), os gêneros são mediadores da comunicação entre as pessoas. Concepção essa que decorre do fato de que os gêneros podem determinar o comportamento, guiando-o, afinando-o e diferenciando-o com relação à situação do agir. O instrumento, objeto mediador da ação, pode ser tomado como uma artefato físico, no sentido concreto do termo, ou 31 como um artefato psicológico, abarcando os signos de natureza semiótica, que representam algo do mundo para o sujeito. Pode-se conceber o instrumento (ou a ferramenta) como tendo duas faces: por um lado, há o artefato material ou simbólico, isto é, o produto material existente fora do sujeito, materializando-se por sua própria forma, as operações que se tornam possíveis aos fins aos quais o instrumento é destinado; por outro lado, - o do sujeito -, há os esquemas de utilização do objeto que articulam suas possibilidades às situações de ação (por exemplo, tarefas a resolver) (SCHNEUWLY, 2011, p. 21-22). É preciso ressaltar, ainda, que o instrumento só será útil como mediador, se o sujeito se apropriar dele, tornando-o transformador de sua própria ação; de outro modo, esse instrumento será considerado apenas um artefato disponibilizado no mundo. Para Schneuwly (2011), o gênero textual é um instrumento de desenvolvimento para o aluno, pois ao ser apropriado, modifica o seu agir linguageiro. Ainda de acordo com o autor, a escolha de um gênero é determinada pela esfera social, pelos participantes da interação e pela intenção almejada. O professor, nesse processo, faz uso de instrumentos ou ferramentas durante sua atuação docente que irá impactar sobre a relação dos alunos no ambiente de sala de aula. Ao inter-relacionar teorias para o entendimento do complexo trabalho docente, o ensino como trabalho e sua relação com a linguagem, Machado (2004; 2007; 2010) focaliza, em seus trabalhos, aspectos da prática docente que são inerentes à construção do conhecimento das práticas do trabalho do professor. Por se tratar de uma pesquisa baseada nessa perspectiva e por entendermos que os materiais didáticos transpassam a ação do professor, sendo um dos elementos que compõem o seu trabalho (MACHADO, 2009), apresentamos, na Figura 3, um esquema dos elementos constituintes do trabalho docente em situação de sala de aula. Figura 3. Esquema dos elementos constituintes do trabalho docente em situação de sala de aula. 32 Fonte: Hernandes-Lima (2020, p. 96). O esquema de Hernandes-Lima (2020) explicita a proposta de Machado (2010), ao trazer o trabalho do professor, influenciado pelo contexto sócio-histórico, composto pelo sistema educacional e pelo sistema de ensino em que está inserido. Tais contextos estão, hierarquicamente, interligados, dentro dos quais a atividade docente ocorre: o sistema de ensino, o sistema educacional e o contexto sócio-histórico particular. Dessa forma, o trabalho docente é orientado por prescrições, sendo-lhe atribuídos aspectos impessoais e prefigurados, tais como documentos reguladores para o trabalho docente. Assim, a atividade exercida tem como finalidade proporcionar um ambiente de trabalho favorável ao coletivo, que possibilite o ensino e aprendizagem de determinados conteúdos disciplinares e o desenvolvimento de suas capacidades. Machado (2007; 2010) constata, também, que a atividade docente é considerada instrumentalizada (instrumentos materiais ou simbólicos), para conduzir as atividades aplicadas que têm um caráter social, uma vez que o trabalhador pode se apropriar de artefatos, socialmente, construídos e que lhe foram disponibilizados pelo meio social. Trabalho esse que é desenvolvido entre vários sujeitos: alunos, pais, colegas de trabalho, direção e, também, os outros interiorizados. No centro do triângulo, há os instrumentos (materiais ou simbólicos), os quais mediatizam as relações entre os vértices. Hernandes-Lima (2020), à luz de Machado (2007) destaca que, externamente ao triângulo, estão os artefatos (materiais ou simbólicos) disponíveis ao trabalhador que, mediante a apropriação desse artefato, transforma-os em instrumentos, ou 33 seja, caso haja a apropriação no agir docente, tem-se um instrumento, caso contrário, tem-se apenas um artefato de trabalho. Levando em consideração os aspectos que envolvem os elementos do trabalho do professor em um contexto de sala de aula, acreditamos que os materiais didáticos são um dos artefatos que compõem o trabalho do professor e que podem ser objetos de estudo e de discussões. Assim, tomaremos por base a afirmação de Machado (2009) quanto à análise de materiais didáticos. Acreditamos também que um instrumento deste tipo poderá contribuir para outros trabalhos de avaliação de outros tipos de materiais didáticos, pois, mesmo com o necessário acréscimo de outros critérios e mesmo que esses materiais sejam construídos com base em linhas teóricas diferentes das que adotamos, a configuração geral do instrumento poderá ser útil, quando se trata de avaliar os conteúdos específicos de Língua Portuguesa desenvolvidos por um determinado material didático (MACHADO, 2009, p. 156-157). Para Bronckart (1999), a partir da preocupação didática em relação aos modelos teóricos e da aplicação desses à realidade das salas de aula e ao trabalho do professor, emerge o projeto do ISD mais tarde chamado de “transposição didática”. Um conteúdo do saber que tenha sido designado como saber a ensinar sofre a partir de então um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O trabalho que faz de um objeto do saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado Transposição Didática (CHEVALLARD, 1991, p. 39). Machado e Cristovão (2006) alertam que o termo “transposição didática” não deve ser compreendido como uma aplicação simplória de um conceito científico qualquer ao ensino, [...], mas como o conjunto das transformações que um determinado conjunto de conhecimentos necessariamente sofre, quando temos o objetivo de ensiná- lo, trazendo sempre deslocamentos, rupturas e transformações diversas a esses conhecimentos (MACHADO; CRISTOVÃO, 2006, p. 552). De acordo com as autoras, o conhecimento precisa passar por uma transformação, e a transposição didática assume esse processo como intermediador entre o saber científico e o saber disciplinar, transformando assim o conhecimento teórico em conhecimento didático, pois só assim é possível que o ensino seja concretizado. Entretanto, consoante aos pesquisadores do Grupo de Genebra, para que esse processo de transposição de um gênero se torne efetivo, é preciso, primeiramente, a elaboração de uma 34 ferramenta mediadora das dimensões ensináveis desse gênero, denominada de modelo didático do gênero (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004). O modelo parte da análise de diferentes textos de um determinado gênero. Segundo Machado e Cristóvão (2009), trata-se de um córpus, que apresenta a situação de comunicação, contexto de produção, sua estrutura composicional e a linguístico-discursiva, ou seja, as dimensões ensináveis do gênero, que são fatores básicos para a análise textual. Dolz e Schneuwly (2011) pautam um modelo didático na aplicação de três princípios básicos, a saber: (i) o princípio de legitimidade (referência aos conhecimentos que emanam da cultura ou elaborados por profissionais especialistas); (ii) o princípio de pertinência (referência às capacidades dos alunos, às finalidades e objetivos da escola, aos processos de ensino/aprendizagem); e (iii) o princípio de solidarização (tornar coerentes os conhecimentos em função dos objetivos visados). Esses são alguns procedimentos para a construção de um modelo didático, uma ferramenta que possibilita a construção de uma sequência didática (SD). Dessa foram, “[...] o modelo didático é algo provisório, e que tem sua estrutura modificada conforme a evolução do sistema escolar” (ABREU-TARDELLI; APOSTOLO, 2018, p. 365). Segundo as autoras, o modelo didático deve sempre estar em transformação e em consonância às práticas sociais e às capacidades dos alunos. Dessa forma, Machado e Cristovão (2006) sintetizam que a construção do modelo didático dependerá do conhecimento sobre o gênero que envolve as capacidades e as dificuldades dos estudantes, as experiências de ensino- aprendizagem desse gênero, bem como as prescrições que constam nos documentos oficiais sobre a prática docente. Para tanto, a fim de que um gênero textual seja ensinado adequadamente, segundo essa perspectiva, é importante compreender a proposta da SD, tanto em seu aspecto de produção quanto de aplicabilidade. Por isso, acreditamos na importância desses princípios e de conhecimentos envolvendo as SDs por meio de um ensino de atividades organizadas de forma sistemática que “[...] procura favorecer a mudança e a promoção dos alunos ao domínio dos gêneros e das situações de comunicação” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 97), para êxito no desenvolvimento das produções textuais escritas e orais no processo de ensino- aprendizagem. É a partir desses princípios e desses conhecimentos que as SDs de produção textual devem ser desenvolvidas, considerando todos os aspectos que serão apresentados a seguir. As SDs são um conjunto de atividades organizadas de maneira sistemática em torno de um gênero textual oral e/ou escrito e que circulam em determinadas situações sociais de 35 comunicação, possibilitando aos alunos utilizar a língua em várias situações comunicativas cotidianas (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004). Para elaborar uma SD, é necessário elaborar o modelo didático do gênero textual a ser ensinado para a identificação das características do gênero (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 149-150). Com essas informações, constrói-se o modelo didático do gênero e suas características ensináveis, i.e., “[...] o modelo didático do gênero nos fornece, com efeito, objetos potenciais para o ensino” (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p. 152). A partir do modelo didático do gênero, é possível produzir inúmeras sequências didáticas (SD), selecionando os saberes, de acordo com as capacidades a serem desenvolvidas pelos alunos. Além disso, o modelo didático permite ao professor conhecer as características ensináveis do gênero em questão, servindo-se de guia para suas abordagens de ensino (DOLZ; SCHENEUWLY, 2004). Assim, a SD é definida por Dolz e Schneuwly (2004) como um conjunto de atividades escolares que visam auxiliar os alunos a desenvolver suas capacidades linguageiras para a produção e compreensão de gêneros textuais orais ou escritos. Cada SD tem uma organização e princípios que, a partir de um projeto de apropriação das dimensões constitutivas de um gênero textual, compõem (i) meios para depreender as condições sociais efetivas de produção de determinado gênero; (ii) exercícios que favoreçam a apropriação de valores socioenunciativos das unidades linguísticas; (iii) constituição do corpus de textos pertencentes ao gênero; e (iv) tempo limitado para trabalhar e desenvolver as capacidades linguageiras durante a SD. A Figura 4 ilustra a estrutura de base de uma sequência didática. Figura 4. Esquema da Sequência Didática. Fonte: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 98). 36 Para Dolz, Noverraz e Schenuwly (2011), para iniciar uma SD, é necessário fazer a apresentação da situação, um momento de preparação para a produção inicial. Nesse momento, os alunos receberão informações necessárias para que conheçam o projeto comunicativo do qual irão participar. Após a apresentação da situação, partimos para a produção inicial. Nesse momento, os alunos tentaram elaborar um primeiro texto com base em seus conhecimentos reais. A partir disso, as etapas seguintes à produção inicial são organizadas em módulos chamados de ateliers. Esse é o momento de trabalhar os problemas apontados na produção inicial e as especificidades do gênero para se chegar ao todo. Concomitantemente, teremos durante as atividades dos ateliers capacidades linguageiras a serem desenvolvidas para bem compreender as especificidades de cada gênero. Capacidades essas que são definidas e classificas como [...] adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidade de ação); mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas); dominar as operações psicolinguísticas e as unidades linguísticas (capacidades linguístico-discursivas) (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 44). Cabe ao professor analisar e a observar essas capacidades durante o processo de ensino- aprendizagem. A observação e a análise permitirão ao professor que proceda a uma intervenção didática, a fim de mobilizar os conhecimentos que os aprendizes ainda não tenham adquirido e que podem ser aprimorados durante esse processo. Ao final do processo, teremos a produção final, período em que o aluno irá colocar em prática tudo o que foi trabalhado durante os módulos. Nessa etapa, verificam-se se os objetivos iniciais foram ou não alcançados. A partir da proposta do grupo de pesquisadores genebrinos, algumas adaptações referentes à elaboração de uma SD começam a ser pensadas e refletidas no contexto escolar brasileiro. Abreu-Tardelli e colaboradores (2018) elaboraram uma releitura do modelo de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), com o intuito de estimular novas discussões a respeito do tradicional esquema proposto pelos autores da didática de línguas. A complexidade teórico-metodológica da proposta de SD na perspectiva do ISD pode acarretar releituras equivocadas do esquema tradicional com interpretações com visão reducionista tanto dessa abordagem como do próprio esquema. Dessa forma, Abreu-Tardelli e colaboradores (2018) revisitam os conceitos-chave da abordagem de ensino de gêneros textuais fundamentada sob a perspectiva do interacionismo sociodiscursivo, com o objetivo de discutir a complexidade do processo de desenvolvimento da produção de gêneros orais e escritos e propor 37 [...] uma reestruturação do modelo de SD de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) de modo a contemplar alguns elementos não explícitos no esquema matriz desses autores” (ABREU-TARDELLI et al., 2018, p. 239). A Figura 5 ilustra a proposta de reestruturação do modelo de SD: Figura 5. Proposta de reestruturação do modelo de SD. Fonte: Abreu-Tardelli e colaboradores (2018, p. 29). Para Abreu-Tardelli e colaboradores (2018), esta releitura faz-se necessária para deixar mais explicitado o agir do professor como mediador e a inter-relação em cada etapa da SD. A novidade reside nas constantes avaliações, em cada módulo, feitas pelo professor para dar continuidade ao processo de ensino e aprendizagem das capacidades linguageiras que permeiam o desenvolver dos alunos de forma espiralada em cada etapa. Henrique (2019) destaca o reconhecimento das ideias de Dolz, Noverraz e Scheneuwly (2004) na releitura de Abreu-Tardelli e colaboradores (2018), uma vez que a representação da nova figura evidencia o processo de maneira mais ampla, sem minimizar o trabalho com gêneros, de modo que tal proposta “[...] implica em diferentes aspectos linguísticos, sociais, políticos e pedagógicos para sua real efetividade” (HENRIQUE, 2019, p. 59) Ademais, o principal objetivo em utilizar uma SD é aprimorar uma determinada prática de linguagem. (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004). Durante essas atividades sistematizadas, em uma SD, é possível executar o desenvolvimento das capacidades linguageiras por meio de uma “aprendizagem social” e não 38 de um desenvolvimento natural do indivíduo, e a escola tem papel primordial nesse processo (HENRIQUE, 2019). Dessa forma, a construção de um MD de gênero efetivo dependerá da necessidade de se conhecer o estado da arte dos estudos sobre esse gênero, bem como as capacidades e as dificuldades dos estudantes ao trabalharem com textos que pertencem a tal gênero, as experiências de ensino/aprendizagem existentes nesse processo e o conhecimento dos documentos oficiais prescritivos sobre o trabalho do professor (DOLZ; SCHNEUWLY, 1998 apud ABREU-TARDELLI, 2018). Para a elaboração de uma SD, devemos assumir que toda ação de linguagem é composta por suas particularidades. Por essa razão, é permeada pelas capacidades linguageiras que os alunos possuem e, também, aquelas que necessitam desenvolver para realizar as operações de linguagem. Considerando todos esses aspectos da perspectiva do trabalho com gêneros do ISD, apresentaremos, a seguir, discussões acerca de outra proposta didática para se ensinar um gênero com base nas capacidades linguageiras. Segundo os autores do ISD é possível fazer essa relação em pesquisas tendo em vista que são propostas didáticas e o objetivo do gênero segundo o ISD é desenvolver capacidades linguageiras, independente da perspectiva teórica. Vale ressaltar, que os próprios autores do MD analisado citam os autores genebrinos e se baseiam na divisão de gêneros dos pesquisadores aqui citados nos eixos do argumentar, narrar, relatar, expor e instruir (prescrever). 1.3.3 Capacidades linguageiras Dolz, Pasquier e Bronckart (1993) afirmam que a noção de capacidades linguageiras traz competências que são aprimoradas pelo aprendiz em produções de determinado gênero numa situação de interação determinada. As capacidades funcionam de forma articulada e embora estejam separadamente apresentadas elas estão interligadas e contribuem para que o aluno se aproprie de gêneros textuais orais ou escritos como um todo. O desenvolvimento das capacidades de linguagem constitui-se, sempre, parcialmente, num mecanismo de reprodução, no sentido de que modelos de práticas de linguagem estão disponíveis no ambiente social e de que os membros da sociedade que os dominam têm a possibilidade de adotar estratégias explícitas para que os aprendizes possam se apropriar deles (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 44). 39 Para Dolz, Pasquier e Bronckart (1993), as capacidades linguageiras são classificadas em capacidade de ação, discursiva e linguístico-discursiva. A capacidade de ação (CA), segundo Dolz e Schneuwly (2004), refere-se à adaptação das características do contexto e de seu conteúdo referencial. A CA possibilita representações do contexto da ação de linguagem, o que corresponde a um poder-fazer adaptando sua produção aos parâmetros do ambiente físico da ação de linguagem (lugar de produção, momento de produção, produtor e receptor do texto), pelo contexto social e subjetivo, o sociossubjetivo (lugar social, posição social de enunciador e destinatário, motivo e objetivo da interação), assim como pelo conteúdo temático ou referente textual relacionado aos conhecimentos pessoais e temas que serão verbalizados no texto. Dessa forma, o nível articula o gênero à base de orientação da ação discursiva. Em relação às atividades didáticas, as que têm o intuito de desenvolver a capacidade de ação possibilitam ao aluno reconhecer o gênero textual em foco, por meio da identificação do contexto de produção, levando o discente ter a percepção sobre quem o produziu, para quem e com qual objetivo esse texto foi elaborado, além de identificar onde, quando e para quê foi produzido. No que diz respeito à capacidade discursiva, o ISD propõe um modelo de análise, a partir da interpretação de que todo texto deve ser organizado em três níveis interativos, o folhado textual de Bronckart (1999). A organização dos três níveis deste folhado permite gerenciar a infraestrutura geral de um texto, a saber: plano geral, tipos de discurso (discursos: teórico, narração, relato interativo, interativo) e sequências textuais (argumentativa, explicativa, descritiva, dialogal e injuntiva) de um conteúdo ou da elaboração deste conteúdo. As atividades que contribuem para o desenvolvimento da capacidade discursiva têm seu foco na organização textual e estão diretamente ligadas na forma como determinado conteúdo do texto está organizado. Para Bronckart (1999), a coerência temática provém do funcionamento dos mecanismos de textualização (organização geral do texto) e dos mecanismos enunciativos. No que tange à capacidade linguístico-discursiva, essa capacidade envolve as operações implicadas na produção textual representadas pelos mecanismos de textualização (conexão, coesão nominal e coesão verbal) e mecanismos enunciativos (gerenciamento de vozes e modalizações). Nesse nível, entram, também, a elaboração de enunciados e as escolhas lexicais. As atividades, cujo objetivo é desenvolver a capacidade linguístico-discursiva, buscam através de escolhas lexicais o seu efeito de sentido nas produções dos alunos com variações 40 semânticas, sintáticas e fonológicas; de mecanismos de textualização, os organizadores textuais (relações sintático-semânticas de causa, consequência, conclusão, concessão), bem como a coesão nominal (anáforas nominais e pronominais, sintagmas nominais, referenciação dêitica, apagamento e a coesão verbal em retomadas entre predicados ou sintagmas verbais, incluindo a escolha de verbos e flexões verbais que darão sentido à coerência temática do texto); de mecanismos enunciativos, através do gerenciamento de vozes, as diferentes vozes sociais trazidas pelo agente produtor do texto para avaliações, inserção de outras vozes, e as modalizações (lógica, deôntica, apreciativa e pragmática) expressões apresentadas pelos conteúdos temáticos que podem exprimir um valor de verdade, obrigação, direito, norma, apreciação. De maneira a ampliar as capacidades de ação, discursiva e linguístico-discursiva estão as capacidades de significação (CRISTÓVÃO; STUTZ, 2011) com o objetivo de potencializar a relação entre os indivíduos que se apropriam da linguagem a fim de estabelecer significados ao mundo e às representações que desejam efetivar nele. Esta quarta capacidade aparece recentemente em estudos para contribuir com a relevância dos planos das atividades sociais no agir linguageiro. Possibilitam ao indivíduo construir sentido mediante representações e/ou conhecimentos sobre práticas sociais (contexto ideológico, histórico, sociocultural, econômico etc.) que envolvem esferas de atividade, atividades praxiológicas em interação com conteúdos temáticos de diferentes experiências humanas e suas relações com atividades de linguagem (CRISTÓVÃO; STUTZ, 2011, p. 22). O Quadro 4 apresenta um recorte das operações de linguagem que fazem parte do processo de significação, segundo Cristóvão e Stutz (2011, p. 23) a partir de Souza e Stutz (2019). Quadro 4. Recorte das operações de linguagem CS. (1CS) Compreender a relação entre textos e a forma de ser, pensar, agir e sentir de quem os produz; (2CS) Construir mapas semânticos; (3CS) Engajar-se em atividades de linguagem; (4CS) Compreender conjuntos de pré-construídos coletivos; (5CS) Relacionar os aspectos macro com sua realidade; (6CS) Compreender as imbricações entre atividades praxeológicas e de linguagem; (7CS) (Re)conhecer a sócio-história do gênero; (8CS) Posicionar-se sobre relações textos-contextos. Fonte: Souza e Stutz (2019, p. 1120). 41 As capacidades de significação requerem um olhar amplo, que contemple, de modo macro, as atividades de linguagem para a compreensão mais aprofundada dos discursos (SOUZA; STUTZ, 2019). Desse modo, cabe ao aluno (re)significar o mundo e as representações que deseja em um contexto sociocultural específico, a durante as atividades didáticas que objetivam desenvolver a capacidade de significação. Ressignificação essa que se dá a partir de um contexto sócio-histórico mais amplo, pois é por meio de experiências vividas que ele (re)significa seu modo de ser, pensar, agir e sentir de forma concreta e/ou estereotipada. [...] capacidades de ação (do contexto imediato), discursivas (da configuração geral) e linguístico-discursivas (das unidades menores). Em uma analogia em níveis hierárquicos, as capacidades de significação compreenderiam o nível externo à unidade de comunicação da atividade imediata de linguagem, tendo como próximo nível interno as capacidades de ação, seguidas das discursivas, e, no menor nível, as linguísticos-discursivas (SOUZA; STUTZ, 2019, p. 1120). A capacidade de significação contribuiria em atividades didáticas, com analogias que significariam o que é compreender a realidade de forma individual por meio de um “comportamento psicológico” (SOUZA; STUTZ, 2019) de uma experiência concreta ou estereotipada do aluno. Durante esse processo de exposição oral5, traz sentido de sua representação para outros indivíduos, em um coletivo, quando é capaz de se comunicar (capacidade de ação) e de interagir de forma oral, expondo seu ponto de vista, organizando ideias (capacidade discursiva) e apresentando opiniões com escolhas lexicais apropriadas (capacidade linguístico-discursiva) que se encaixariam ao gênero, interligadas de forma articulada. O Quadro 5 sumariza as capacidades linguageiras e os critérios de classificação de cada uma. Quadro 5. Capacidades linguageiras e critérios de classificação. CAPACIDADES LINGUAGEIRAS E CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO Capacidades de significação (CS) Constrói sentido mediante representações e/ou conhecimentos referentes a práticas sociais que envolvem esferas de atividade, atividades de linguagem e praxiológicas, e suas relações com os diferentes planos da linguagem e em interação com diferentes experiências humanas. 5 Aqui, utilizamos o termo “oral”, por se tratar de uma reflexão a cerca do debate – gênero estudado nesta pesquisa. 42 (1CS) Compreender a relação entre textos e a forma de ser, pensar, agir e sentir de quem os produz; (2CS) Construir mapas semânticos; (3CS) Engajar-se em atividades de linguagem; (4CS) Compreender conjuntos de pré-construídos coletivos; (5CS) Relacionar os aspectos do contexto macro com sua realidade; (6CS) Compreender as imbricações entre atividade praxiológicas e de linguagem; (7CS) (Re)conhecer a sócio-história do gênero; (8CS) Posicionar-se sobre relações textos-contextos. (CRISTOVÃO; STUTZ, 2011, p. 22-23) Capacidades de ação (CA) Constroem sentido mediante representações dos elementos do contexto de produção, da mobilização dos conteúdos e a escolha do gênero textual. São as operações para o reconhecimento de componentes físicos e sociossubjetivos, de conteúdo e da seleção do gênero os responsáveis pela construção das capacidades de ação. (BRONCKART, 1997/2007, MACHADO, 2005). Para tal fim, o foco está na interpretação com base no contexto sócio-histórico dos seguintes itens: levantamento do produtor e receptor do texto, do local e período de produção, da posição social ocupada pelo produtor e pelo receptor, a função social do texto e o conteúdo temático. (1CA) Realizar inferências sobre: quem escreve o texto, para quem ele é dirigido, sobre qual assunto, quando o texto foi produzido, para que objetivo; (2CA) Avaliar a adequação de um texto à situação na qual se processa a comunicação; (3CA) Levar em conta propriedades linguageiras na sua relação com aspectos sociais e/ou culturais; (4CA) Mobilizar conhecimentos de mundo para compreensão e/ou produção de um texto (CRISTOVÃO et al., 2010, p. 195). Capacidades discursivas (CD) Constroem sentido mediante as representações sobre as características próprias do gênero como: a planificação global do texto, os diferentes segmentos organizados de forma linguística no texto (os tipos de discurso), e as formas de planificar a linguagem no interior do texto os tipos de sequências: narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal). (1CD) Reconhecer a organização do texto como layout, linguagem não verbal (fotos, gráficos, títulos, formato do texto, localização de informação específica no texto) etc. (2CD) Mobilizar mundos discursivos para engendrar o planejamento geral do conteúdo temático; (3CD) Entender a função da organização do conteúdo naquele texto; (4CD) Perceber a diferença entre formas de organização diversas dos conteúdos mobilizados (CRISTOVÃO et al., 2010, p. 195). Capacidades linguístico-discursivas (CLD) Constroem sentido mediante representações sobre as operações de textualização, de construção de enunciados e da escolha do vocabulário. Os conhecimentos a serem abordados referem-se à microestrutura (as unidades linguísticas das frases e sentenças) como: coesão, conexão verbal, conexão nominal, seleção lexical, modalizações, dêiticos, conectivos, pronúncia, entonação e encadeamentos da voz. (1CLD) Compreender os elementos que operam na construção de textos, parágrafos, orações; (2CLD) Dominar operações que contribuem para a coerência de um texto (organizadores, por exemplo); (3CLD) Dominar operações que colaboram para a coesão nominal de um texto (anáforas, por exemplo); (4CLD) Dominar operações que cooperam para a coesão verbal de um texto (tempo verbal, por exemplo); (5CLD) Expandir vocabulário que permita melhor compreensão e produção de textos; 43 (6CLD) Compreender e produzir unidades linguísticas adequadas à sintaxe, morfologia, fonética, fonologia e semântica da língua; (7CLD) Tomar consciência das (diferentes) vozes que constroem um texto; (8CLD) Perceber as escolhas lexicais para tratar de determinado conteúdo temático; (9CLD) Reconhecer a modalização (ou não) em um texto; (10CLD) Identificar a relação entre os enunciados as frases e os parágrafos de um texto, entre outras operações que poderiam ser citadas. (11CLD) Identificar as características do texto que podem fazer o autor parecer mais distante ou mais próximo do leitor (CRISTOVÃO et al., 2010, p. 195). (12CLD) Buscar informações com base em recursos linguísticos (relacionando língua materna e língua estrangeira, por exemplo) (Categorizadas por CRISTOVÃO; LENHARO (2016). Fonte: Adaptado de Cacilho (2016), Cristóvão e Lenharo (2016) e Stutz (2012). Essas operações “[...] não descrevem os mecanismos mentais e comportamentais que um agente põe em funcionamento online, isto é, na temporalidade e no curso efetivo da produção de um texto” (BRONCKART, 1999, p. 109), mas, sim, estão ligadas, conceitualizadas e hierarquizadas historicamente no ambiente sócio-semiótico e quando o agente se apropria delas há o desenvolvimento das capacidades necessárias para a ação. As ações, as operações e as capacidades não são inatas, visto que, no decorrer da história, constituíram-se e o ser humano, durante o seu desenvolvimento, apropria-se delas por meio das diferentes atividades e avaliações sociais de que estão envolvidos (MACHADO, 2005). Assim, podemos observar uma relação entre os níveis de análise de Bronckart e as operações de linguagem nas produções de comunicação orais ou escritas. Relação essa que é identificada, em decorrência de uma série de requisitos apresentados por um determinado gênero, que partem desde a infraestrutura e textualização/enunciação às implicaturas em um contexto de produção e contexto sócio-histórico mais amplo, sendo possível, não só tornar os gêneros “[...] como objeto real de ensino e aprendizagem, mas como quadros da atividade social em que as ações de linguagem se realizam”. (MACHADO, 2005, p. 259). No processo de ensino/aprendizagem, os gêneros colaboram para o desenvolvimento da linguagem, funcionando como instrumento de trabalho para professores. Dessa forma, sustentam o trabalho escolar e contribuem para que o aluno produza diversos textos de maneira mais consciente em variadas situações, pois [...] o objeto real de ensino e aprendizagem seriam as operações de linguagem, necessárias para essas ações, essas operações que, dominadas, constituem as capacidades de linguagem (MACHADO, 2005, p. 259). 44 Exposta essa revisão sumária da literatura, o próximo capítulo dedica-se a apresentar os procedimentos metodológicos desta pesquisa. 45 CAPÍTULO 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste capítulo, trazemos a natureza e o contexto desta pesquisa, os critérios de seleção do material didático, os critérios da seleção do gênero a ser trabalhado no MD que será analisado bem como os procedimentos de análise de dados. 2.1 Contexto e dados da pesquisa A presente pesquisa classifica-se como qualitativa (BRASILEIRO, 2021), em decorrência das atividades didáticas, por meio das quais pretendemos identificar as capacidades linguageiras. Uma vez identificadas, passamos a entender e a interpretar como essas capacidades podem contribuir para a compreensão de textos orais pelos alunos. Seu caráter, quanto aos meios, é bibliográfico, pois se baseia na análise de materiais didáticos já publicados. Gerhardt e Silveira (2009) explicam que as características da pesquisa qualitativa são a hierarquização das ações de descrever, de compreender, de explicar e de precisar as relações entre o global e o local em determinado fenômeno; o respeito ao caráter interativo entre os objetivos buscados pelos investigadores, suas orientações teóricas e seus dados empíricos; e a busca de resultados os mais fidedignos possíveis ao entender os motivos e os comportamentos dos fenômenos em estudo. Em relação ao contexto, esta pesquisa considerou para análise o MD adotado pelas ETECs da Diretoria Regional de Ensino de Barretos, especificamente das cidades de Barretos, de Bebedouro e de Olímpia, localizada no noroeste paulista. Todas as ETECs pertencem ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), autarquia da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia (SDECTI) do estado de São Paulo e estão presentes em 156 municípios paulistas, com o total de 212 unidades no Estado de São Paulo, divididas por 15 regiões administrativas. Para selecionar o MD, procedemos, durante o primeiro semestre de 2019, a um levantamento junto às ETECs para coletar informações sobre o material didático utilizada nas aulas de LP do EM. Em todas as ETECs, utiliza-se o livro Português Contemporâneo: Diálogo, Reflexão e Uso, dos autores William Cereja, Carolina Dias Vianna e Christiane Damien (2016), para os três anos. 46 A primeira aparição do livro didático foi por meio do Decreto Lei n. 1.006, de 30 de dezembro de 1938, conforme lemos a seguir. Art. 2: Compêndios são os livros que expõem total ou parcialmente a matéria das disciplinas constantes dos programas escolares [...] livros de leitura de classe são os livros usados para leitura dos alunos em aula; tais livros também são chamados de livro-texto, compêndio escolar, livro escolar, livro de classe, manual, livro didático (OLIVEIRA et al., 1984, p. 22). Em 1985, surgiu a regulamentação legal do livro didático com o Decreto n. 91.542, de 19/8/1985, por meio do qual se implementou o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) ligado a execução de ordens do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) (FURTADO; GAGNO, 2009). O PNLD é responsável pela compra e pela distribuição de materiais didáticos, pedagógicos e literários de todas as escolas públicas brasileiras. Atualmente, participam da seleção, realizada por meio do Ministério da Educação (MEC) e do Fundo Nacional da Educação (FNDE), todos os níveis da Educação Básica e a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Sumariamente, os livros didáticos devem apresentar uma série de requisitos, estabelecidos pelo PNLD para participarem de uma seleção por meio de um edital elaborado pelo MEC e pelo FNDE e, após aprovações, são inseridos no “Guia do Livro Didático” (BRASIL, 2014). Após a formulação do “Guia do Livro Didático”, catálogos são distribuídos às redes de ensino e caberá a cada escola a decisão de escolha desses materiais didáticos, que contribuirão para o trabalho docente daquele ambiente escolar (uma coleção para cada disciplina) em um ciclo de três anos. A edição do material didático6 analisado nesta pesquisa é do triênio de 2018-2019-2020 e pautou-se nas prescrições dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998). O PCN foi o documento norteador das propostas de LD, até 2018. O documento trazia o conteúdo previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), com orientações para todos os níveis de educação naquele ano. Especificamente para a disciplina de LP, os PCNs apresentam, como objetivo geral, que o aluno tenha capacidade de ampliar seu conhecimento discursivo em várias situações comunicativas, principalmente em contextos públicos de uso da linguagem para o exercício da 6 Em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus e das mudanças no Novo Ensino Médio, o término do ciclo do material didático desta pesquisa previsto para 2020 ocorrerá em 2021. 47 cidadania (BRASIL, 1998). Atualmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ocupa a posição de orientar aspectos educ