APLICAÇÃO DO MÉTODO TIMBRE PARA GERENCIAMENTO DE ÁREA CONTAMINADA POR ATIVIDADE CERÂMICA: ESTUDO DE CASO NA REGIÃO DOS LAGOS NO MUNICÍPIO DE SANTA GERTRUDES (RLSG), ESTADO DE SÃO PAULO CAROLINA REAME SANTOS Orientador: Prof. Dr. Fabio Augusto Gomes Vieira Reis RIO CLARO - SP 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS CAROLINA REAME SANTOS Aplicação do método TIMBRE para gerenciamento de área contaminada por atividade cerâmica: estudo de caso na Região dos Lagos no município de Santa Gertrudes (RLSG), Estado de São Paulo Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Geociências e Meio Ambiente, área de concentração em Geologia do Quaternário e Processos Exógenos do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp de Rio Claro, como requisito para obtenção do título de Mestre em Geociências e Meio Ambiente. Orientador: Prof. Dr. Fabio Augusto Gomes Vieira Reis Rio Claro - SP 2018 CAROLINA REAME SANTOS Aplicação do método TIMBRE para gerenciamento de área contaminada por atividade cerâmica: estudo de caso na Região dos Lagos no município de Santa Gertrudes (RLSG), Estado de São Paulo Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Geociências e Meio Ambiente, área de concentração em Geologia do Quaternário e Processos Exógenos do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp de Rio Claro, como requisito para obtenção do título de Mestre em Geociências e Meio Ambiente. Comissão Examinadora ______________________________ Prof. Dr. Fábio Augusto Gomes Vieira Reis - Orientador Departamento de Geologia Aplicada - Universidade Estadual Paulista - Câmpus de Rio Claro (SP) ______________________________ Prof. Dr. Gerson Araujo de Medeiros Instituto de Ciência e Tecnologia de Sorocaba - Universidade Estadual Paulista - Câmpus de Sorocaba (SP) ______________________________ Profa. Dra. Vania Silvia Rosolen Departamento de Petrologia e Metalogenia - Universidade Estadual Paulista - Câmpus de Rio Claro (SP) Resultado: APROVADA Rio Claro, SP 18 de abril de 2018 AGRADECIMENTOS Agradeço à vida em suas diversas formas de manifestação. À Unesp, pelo ensino público e de qualidade. Aos meus pais, Maria Rosa e Nandir, pelo apoio incondicional nos momentos de fraqueza e por compartilhar dos momentos de alegria. À minha irmã Mariana, pelos bons momentos e ensinamentos, pela paciência, e por ser minha melhor amiga. Ao meu namorado e amigo Gean Mauro por estar ao meu lado na conclusão de mais esta etapa. Obrigada por me acolher, me compreender e por dividir inúmeros passeios de bicicleta pela cidade azul. Aos meus amigos Alexandre Leme, Bruna Albuquerque, Bruno Zucherato, Camila Simões, Daniela Ribeiro, Felipe Marostegan e Isabela Horta, agradeço por todos os momentos incríveis compartilhados. Às companheiras de república Gabriela Villani, Rafaela Niemann e Patrícia Kalaf, pelas conversas e amizade. Aos funcionários da biblioteca da Unesp - Câmpus de Rio Claro, aos funcionários da biblioteca da CETESB São Paulo; aos funcionários da CETESB Limeira, em especial ao Paulo Moura e João Sumere; à Profa. Dra. Soraya Giovanetti El-Deir e ao grupo de pesquisa Gestão Ambiental em Pernambuco (GAMPE), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), por gentilmente me ceder acesso parcial ao livro "Metodologias Inovadoras para o Empoderamento Social". Ao Prof. Dr. Fábio Reis, pela orientação neste trabalho, e além disso, por compartilhar de momentos enriquecedores em eventos e no estágio de docência. Obrigada por confiar mais uma vez em mim e em meu trabalho, mesmo em momentos de apuros, você me mostrou que eu era capaz. À Profa. Dra. Andreia Medinilha Pancher e Profa. Dra. Vania Silvia Rosolen, pelas valiosas contribuições na ocasião do exame de qualificação. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de bolsa de pesquisa (Processo 144255/2015-4). A natureza, vista em dimensão histórica, inclui o homem, seus atos, objetos, conhecimentos, crenças, potencialidades e limites. Mutável e instável, sempre se transformou por força das mesmas leis que regem a evolução da sociedade e de seu processo de produção e, com o passar do tempo, incorporou a essa transformação a dimensão técnica, traduzida em um modelo mundial e único que se sobrepõe a toda e qualquer diversidade cultural, econômica ou política, unificando a natureza como um conjunto de atos, juízos, intervenções. LEITE, 1993, p. 139 RESUMO Diversas mudanças nos modelos sociais e econômicos desenvolvidos nas cidades podem, muitas vezes, criar ambientes insustentáveis do ponto de vista ambiental. É o caso do surgimento de brownfields, áreas que possuíam uma função anterior, e que por motivos geralmente econômicos, são abandonadas, podendo herdar passivos ambientais. Porém, estes espaços podem ser descontaminados, reutilizados e adquirir nova função. Depois de realizar diversos projetos de remediação de áreas contaminadas, um consórcio da União Europeia criou o Tailored Improvement of Brownfield Regeneration in Europe (TIMBRE) projeto que tem o objetivo de remediar áreas contaminadas levando em consideração aspectos do meio físico e socioeconômico, se adaptando à realidade dos locais e às necessidades dos envolvidos. Nesse sentido, a presente dissertação teve o objetivo de aplicar o método TIMBRE de forma simplificada na Região dos Lagos de Santa Gertrudes (RLSG), considerando as investigações ambientais já realizadas na área e instrumentos de planejamento urbano e territorial, visando a elaboração de uma proposta de gerenciamento ambiental. Após o levantamento bibliográfico inicial, que possibilitou o conhecimento da situação legal sobre áreas contaminadas no país, especialmente no Estado de São Paulo, foi possível caracterizar a área de estudo em aspectos físicos e socioambientais. Após a interpolação dos dados obtidos nessa etapa para o método TIMBRE, foi possível elaborar três categorias de análise nos resultados, sendo um banco de dados bibliográfico, a questão do planejamento urbano e territorial no município de Santa Gertrudes e a caracterização da contaminação existente na RLSG. Os resultados possibilitaram a elaboração de uma proposta de gerenciamento ambiental que, ao utilizar os instrumentos de planejamento, enfatizou a adaptabilidade do método à realidade brasileira, contribuindo para uma gestão integrada da área ao unir diversos setores da sociedade. Palavras-chaves: Áreas contaminadas. Brownfield. Planejamento ambiental. Planejamento urbano. TIMBRE. ABSTRACT Various changes in the social and economic models developed in cities can often create environmentally unsustainable environments. It is the case of the emergence of brownfields, areas that had a previous function, and for economic reasons, are abandoned, being able to inherit environmental liabilities. However, these sites can be decontaminated, reused and acquire new functions. After undertaking several remediation projects for contaminated sites, the European Union created a consortium named Tailored Improvement of Brownfield Regeneration in Europe (TIMBRE) project which aims to remedy contaminated areas taking into account aspects of the physical and socioeconomic environment, adapting to the reality of the sites and the needs of those involved. In this sense, this dissertation aimed to apply the TIMBRE method in a simplified way in the Santa Gertrudes Lake Region (RLSG), considering the environmental investigations already carried out in the area and instruments of urban and territorial planning, aiming at the elaboration of an environmental management proposal. After the initial bibliographic survey, which enabled the knowledge of the legal situation on contaminated areas in Brazil, especially in the State of São Paulo, it was possible to characterize the study area in physical and socio-environmental aspects. After the interpolation of the data obtained in the previous step for the TIMBRE method, it was possible to elaborate three categories of analysis in the results, being a bibliographic database, the question of the urban and territorial planning in the municipality of Santa Gertrudes and the characterization of the existing contamination in the RLSG. The results allowed the elaboration of an environmental management proposal that, when using the planning instruments, emphasized the adaptability of the method to the Brazilian reality, contributing to an integrated management of the area by uniting diverse sectors of society. Keywords: Brownfield. Contaminated sites. Environmental planning. Urban planning. TIMBRE. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Relação entre os conceitos referentes a degradação ..................................... 23 Figura 2 - Evolução do número de áreas contaminadas cadastradas pela CETESB ..... 24 Figura 3 - Ilustração do contexto de criação do TIMBRE ............................................ 26 Figura 4 - Região dos Lagos de Santa Gertrudes .......................................................... 42 Figura 5 - Mapa de declividade da RLSG ..................................................................... 46 Figura 6 - Médias mensais de precipitação (mm) para o município de Santa Gertrudes (1941-2016) .................................................................................................................... 47 Figura 7 - Uso e ocupação do solo (outubro/2013) ....................................................... 48 Figura 8 - Uso e ocupação do solo (junho/2014) .......................................................... 49 Figura 9 - Uso e ocupação do solo (março/2016).......................................................... 49 Figura 10 - Uso e ocupação do solo (outubro/2016) ..................................................... 50 Figura 11 - Uso e ocupação do solo (junho/2017) ........................................................ 51 Figura 12 - Uso e ocupação do solo (setembro/2017) ................................................... 51 Figura 13 - Fluxograma de desenvolvimento da pesquisa ............................................ 55 Figura 14 - Unidades de Decisão e plumas de contaminação ....................................... 58 Figura 15 - Dimensões e fatores associados à Ferramenta de Priorização .................... 63 Figura 16 - Redesenvolvimento da RLSG segundo a Ferramenta de Priorização ........ 86 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Localização e especificações técnicas de cada UD..................................... 59 Quadro 2 - Resultados da pesquisa para os trabalhos sobre a RLSG ............................ 65 Quadro 3 - Modelo conceitual usado na avaliação de risco, definindo as áreas fontes, substâncias associadas, mecanismos de liberação, vias de transporte e exposição e receptores ........................................................................................................................ 76 Quadro 4 - Síntese das recomendações considerando os resultados obtidos para solo, sedimento e água em cada Unidade de Decisão ............................................................. 78 Quadro 5 - Contaminação nos diversos compartimentos (solo, água superficial e subterrânea) com risco confirmado nas amostragens de 2014 e 2015 ........................... 80 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Espessura dos compartimentos geológicos encontrados na RLSG .............. 44 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT ............................................................ Associação Brasileira de Normas Técnicas ANN ............................................................................................... Rede Neural Artificial ASPACER .................................... Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento BDNAC ....................................... Banco de Dados Nacional sobre Áreas Contaminadas BTEX ............................................................ Benzenos, toluenos, etilbenzenos e xilenos CABERNET .... Rede de Ação Conjunta para Regeneração de Brownfields e Economia CADRI ……..…….… Certificado de Aprovação de Destinação de Resíduos Industriais CIGA ...………………………………………. Comitê Interministerial Governo Aberto CMA ……………………………………….………… Concentração Máxima Aceitável CETESB ................................................ Companhia Ambiental do Estado de São Paulo CMA ............................................................................. Concentração Máxima Aceitável DAEE ............................................................ Departamento de Águas e Energia Elétrica DTU .................................................................. Departamento de Engenharia Ambiental EIA/RIMA ................... Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental FP7 ............................. Sétimo Programa para Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico FEAM .................................................................. Fundação Estadual do Meio Ambiente GAMPE .................................................................... Gestão Ambiental em Pernambuco GESA ............ Corporação para o Desenvolvimento e Descontaminação de Brownfields IAB ............................................................................ Conselho Consultivo Internacional IBGE ......................................................... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IETU ............................................................ Instituto de Ecologia para Áreas Industriais IMP ...................................................................... Informações dos Municípios Paulistas INEA ...................................................................... Instituto Estadual do Meio Ambiente INPE ............................................................... Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IOG .................................................................................................. Instituto de Geologia ISO .............................................................. Organização Internacional de Normalização MMS .............................................................................................. Metilmetanosulfonato MMT .............................. Conjunto de Ferramentas para o Gerenciamento de Megasites NEPA ........................................................... Agência Nacional para Proteção Ambiental OGP .................................................................................. Parceria para Governo Aberto OHSAS ................................. Serviços de Avaliação de Segurança e Saúde Ocupacional OPAS ................................................................... Organização Pan-Americana de Saúde PAH .................................................................. Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos PCJ .................................................................................... Piracicaba, Capivari e Jundiaí PM ................................................................................................. Materiais Particulados PNUMA ........................................ Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PRAD ............................................................. Plano de Recuperação de Área Degradada PT ....................................................................................................... Pacote de Trabalho RLSG .................................................................... Região dos Lagos de Santa Gertrudes RSL ............................................................................. Níveis de Rastreamento de Riscos SAT ................................... Ferramenta Online para Avaliação e Planejamento de Reuso SEADE ................................................................ Sistema Estadual de Análise de Dados SEV ....................................................................................... Sondagem Elétrica Vertical SIACR .................................................... Sistema de Áreas Contaminadas e Reabilitadas SIG .......................................................................... Sistema de Informações Geográficas SHMSDW .............................................................. Sistema de Gerenciamento de Saúde e Segurança para o trabalho de Desconstruções SIG .......................................................................... Sistema de Informações Geográficas TAC ........................................................................... Termo de Ajustamento de Conduta TCC .............................................................................. Trabalho de Conclusão de Curso TIMBRE ................. Técnicas sob Medida para Regeneração de Brownfields na Europa TUE …………………………………………………...…….. Universidade de Tübingen UC ……………………………………………………………. Unidade de Conservação UD ..................................................................................................... Unidade de Decisão UFPE ..................................................................... Universidade Federal de Pernambuco UE ...……………………………………………………………………. União Europeia UFC ............................................................................ Universidade do Condado Francês UFZ ................................................................................ Centro de Pesquisas Ambientais UGRHI …………………………....... Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos UICN ............................................. União Internacional para a Conservação da Natureza UNIVE ..................................................................... Universidade Ca'Foscari de Veneza USEPA ........................................... Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos UTCB ............................................................ Universidade Técnica de Engenharia Civil UTM .............................................................. Projeção Universal Tranversa de Mercator VOC ................................................................................. Compostos Orgânicos Voláteis WWF ............................................................................................... World Wildlife Fund SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 14 2 OBJETIVOS .............................................................................................................. 18 3 ESTADO DA ARTE .................................................................................................. 19 3.1 Aspectos legais......................................................................................................... 19 3.2 Contextualização de Áreas Contaminadas no Brasil .......................................... 21 3.3 Áreas Contaminadas no Estado de São Paulo ..................................................... 23 3.4 Método TIMBRE .................................................................................................... 25 3.4.1. Pacotes de Trabalho ............................................................................................. 28 3.4.1.1 Pacote de Trabalho 1 - Sistema de Informação .................................................. 28 3.4.1.2 Pacote de Trabalho 2 - Estruturas de decisão e cultura local: investigação de possibilidades administrativas e atitudes específicas dos locais e dos atores sociais (Governança) .................................................................................................................. 30 3.4.1.3 Pacote de Trabalho 3 - Medidas de sucesso e ferramenta de priorização (Priorização) ................................................................................................................... 32 3.4.1.4 Pacote de Trabalho 4 - Estratégias e tecnologias para caracterização e remediação integrada da área (Caracterização e remediação) ........................................ 33 3.4.1.5 Pacote de Trabalho 5 - Desconstrução e reuso de estruturas e materiais (Desconstrução e reuso).................................................................................................. 36 3.4.1.6 Pacote de Trabalho 6 - Ferramenta online para planejamento integrado e avaliação das opções de revitalização para brownfields (Ferramenta Online Integrada)39 3.4.1.7 Pacote de Trabalho 7 - Plataforma online, pesquisa, disseminação e transição (Disseminação) ............................................................................................................... 40 3.4.1.8 Pacote de Trabalho 8 - Gerenciamento do projeto ............................................. 40 4 LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO................. 41 4.1 Caracterização geológica-geotécnica .................................................................... 43 4.2 Caracterização geomorfológica ............................................................................. 45 4.3 Clima ........................................................................................................................ 46 4.4 Evolução do uso e ocupação do solo ...................................................................... 47 4.5 Hidrografia .............................................................................................................. 52 5 MATERIAL E MÉTODOS ...................................................................................... 53 5.1 Material ................................................................................................................... 53 5.2 Métodos.................................................................................................................... 55 6 RESULTADOS E DISCUSSÕES............................................................................. 65 6.1 Banco de dados bibliográfico ................................................................................. 65 6.2 Planejamento urbano e territorial ........................................................................ 71 6.3 Caracterização da situação da contaminação ...................................................... 75 6.4 Proposta de gerenciamento .................................................................................... 81 7 CONCLUSÕES .......................................................................................................... 91 REFERÊNCIAS............................................................................................................ 93 ANEXO A - PLANO DE INTERVENÇÃO .........................................................................102 14 1 INTRODUÇÃO As sociedades se organizam a partir de diversas e consecutivas mudanças em modelos sociais e econômicos. Quando reflete-se sobre o avanço tecnológico atual, muito se deve aos produtos das atividades de mineração. Apesar de serem essenciais para grande parte da produção industrial, a exploração de recursos minerais, se realizada indiscriminadamente e fora das normas ambientais, pode acarretar diversos problemas socioambientais. Nas últimas décadas, a crescente preocupação com as questões ambientais exigem ações para minimizar o impacto nas áreas ocupadas, além de buscar recuperar as áreas historicamente contaminadas. O conceito de sustentabilidade, amplamente divulgado a partir da elaboração do Relatório de Brundtland (WCED, 1987) ofereceu subsídios para ampliar o debate acerca das questões ambientais, de forma a considerar ao menos três setores essenciais: sociedade, meio físico e economia (GIDDINGS, HOPWOOD, O’BRIEN, 2002). Além disso, como apresentado por Bitar e Braga (1995), grandes instituições como a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a World Wildlife Fund (WWF) consideram as áreas degradadas como insustentáveis para o desenvolvimento de atividades e ecossistemas; dessa forma, a perspectiva da recuperação dessas áreas mostra-se importante para o desenvolvimento de ambientes mais sustentáveis. Áreas contaminadas podem ser definidas, de modo amplo, como locais que possuem quantidades de substâncias nocivas à saúde humana, ao meio ambiente ou a outros bens, que possam ter sido depositados de maneira natural ou antropogênica, de forma acidental ou planejada (BRASIL, 2016). A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) tem monitorado anualmente a situação das áreas contaminadas no Estado, bem como cadastrado novas áreas a cada ano. Em maio de 2002, quando se iniciaram as investigações, haviam 255 áreas contaminadas cadastradas no banco de dados da instituição. Nos dados mais recentes, datados de dezembro de 2017, o número cadastrado chega a 5942 áreas com contaminação confirmada advindas de indústrias, comércios, postos de combustíveis, resíduos, acidentes, agricultura ou origem desconhecida. Esse expressivo crescimento de 2330% em um intervalo de 15 anos no número de áreas cadastradas demonstra um 15 esforço por parte do órgão em identificar e fiscalizar áreas nessas condições através de ações preventivas e corretivas (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2017). Quando as áreas contaminadas são abandonadas por motivos geralmente econômicos, passam a ser denominadas “brownfields”. O termo, criado nos Estados Unidos, começou a ser empregado em um período relativamente recente na literatura brasileira, opondo-se a “greenfields”, áreas verdes de uso controlado ou de conservação (SANCHÉZ, 2001). No mundo todo, é possível notar tendências históricas de surgimento de brownfields, principalmente onde a industrialização é mais antiga. Na Europa, muitas áreas usadas para usos militares, mineração, industriais ou comerciais encontram-se complexamente contaminadas, representando um risco ambiental, apresentando poluição de águas e solos, riscos à saúde e prejuízos sociais e econômicos (TIMBRE, TIMBRE Project, 2016). Neste sentido, o projeto Tailored Improvement of Brownfield Regeneration in Europe (TIMBRE) ou Técnicas sob Medida para Regeneração de Brownfields na Europa (tradução nossa) busca suprir necessidades na aplicação de metodologias que visam recuperar áreas contaminadas. O TIMBRE foi criado a partir da iniciativa de um consórcio de instituições da União Europeia, através do Sétimo Programa para Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico1 (FP7 - 2007-2013), para buscar atender o desenvolvimento de soluções novas e integradas, utilizando pacotes de abordagens com tecnologias e ferramentas para o planejamento de remediação e reuso de áreas contaminadas (TIMBRE, TIMBRE Project, 2016). Rizzo at al. (2016) afirmam que desde meados da década de 2000 houve um aumento na preocupação em desenvolver iniciativas de remediação sustentável. Segundo os autores, “isso reflete a percepção de que atividades de gerenciamento de risco podem causar impactos ambientais, sociais e econômicos (positivos ou negativos) [...]” (RIZZO et al., 2016, p. 4, tradução nossa2). Apesar de se tratar de uma tendência mundial, não existe um consenso entre publicações no que diz respeito à definições e princípios, sendo que as diferenças geralmente ocorrem quando se trata de análise em escala de detalhe, nos contextos legais e específicos da área. 1 Seventh Framework Programme for Research and Technological Development. 2 This reflects a realisation that risk-management activities can about bring environmental, social, and economic impacts (positive or negative) [...]. 16 Černík, Kunc e Martinát consideram essenciais, na recuperação de brownfields “o contexto da área, especialmente dos pontos de vista território-técnico, espacial, sociodemográfico, econômico e urbanístico” (ČERNIK; KUNC; MARTINÁT, 2016, p. 22, tradução nossa3) a fim de identificar novas formas de uso sustentáveis a longo prazo para as áreas contaminadas. Assim, a presente dissertação aplica partes dos pacotes do método do projeto TIMBRE em uma área de atividade cerâmica contaminada por resíduos industriais. Situada no interior paulista, a Região dos Lagos de Santa Gertrudes (RLSG), caracteriza-se por ser composta por diversos lagos naturais e artificiais, sendo esses últimos resultantes da exploração de argila do local para a produção de cerâmica de revestimento. Após a lavra completa do minério, as cavas foram abandonadas e passaram a receber resíduos provenientes da esmaltação dessas cerâmicas, que continham metais pesados em sua composição (zinco, cádmio e chumbo), além de outros elementos tóxicos, como o boro. O acúmulo gradual desses resíduos ao longo dos anos resultou em uma contaminação complexa, envolvendo solo, sedimentos, água superficial e subterrânea, fauna e flora. Desde o começo das ações de monitoramento da CETESB no interior do Estado de São Paulo, por volta da década de 1980, foi possível detectar esta contaminação e desde então se encontra sob monitoramento, tendo sido alvo de diversas ações de remediação. A RLSG está inserida na microbacia hidrográfica do Córrego da Fazenda Itaqui, localizada à montante da bacia hidrográfica do Ribeirão Claro, afluente do Rio Corumbataí. Morais (2010) ressalta o potencial hídrico da bacia do Rio Corumbataí, que abastece cidades como Analândia, Charqueada, Corumbataí, Rio Claro, Santa Gertrudes, Ipeúna e Itirapina e permite a exportação para bacias de municípios vizinhos, como Araras e Piracicaba. As águas são utilizadas para consumo domiciliar e industrial, logo, é de suma importância que os recursos hídricos estejam em boas condições de uso e dentro dos padrões de qualidade estabelecidos. Como ainda aponta o autor, o monitoramento da qualidade das águas é um importante instrumento de gestão ambiental, pois facilita o planejamento e a tomada de decisões. Além disso, segundo a Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento (ASPACER, 2017), o Polo Cerâmico de Santa Gertrudes, formado pelos municípios de 3 [...] it is essencial to consider the context of the area, especially from the territorial-technical, spatial, sócio-demographic, economic and urbanistic points of view. 17 Cordeirópolis, Ipeúna, Iracemápolis, Limeira, Piracicaba, Rio Claro e Santa Gertrudes, é reconhecido por ser o maior polo cerâmico das Américas. Ao todo, são 33 indústrias em toda a cadeia produtiva, sendo responsáveis por gerar 12 mil empregos diretos e 200 mil empregos indiretos. Dessa forma, dada a importância ambiental e econômica dessa região, a realização desta pesquisa teve por objetivo identificar as barreiras e potencialidades da recuperação da área de estudo, de forma a elaborar uma proposta de gerenciamento ambiental. O estudo das dinâmicas ambientais, como as interações entre meio físico e socioeconômico, constitui uma importante parte da crescente demanda por estudos ambientais interdiscipinares, principalmente no que diz respeito a saúde pública, à justiça social e ambiental, além de poder contribuir para o debate sobre sustentabilidade, tema cada vez mais presente nas geociências. 18 2 OBJETIVOS O objetivo principal da pesquisa é aplicar o método TIMBRE de forma simplificada em uma área contaminada por atividade cerâmica, situada na Região dos Lagos no município de Santa Gertrudes - RLSG (SP). Os estudos foram desenvolvidos considerando-se as investigações já realizadas no local e as tecnologias, ferramentas e instrumentos do TIMBRE, visando elaborar uma proposta de gerenciamento da área com vistas a sua recuperação. Os pacotes TIMBRE foram aplicados na pesquisa considerando os seguintes aspectos e objetivos específicos:  Avaliar o contexto de planejamento urbano e territorial de Santa Gertrudes, com foco no Plano Diretor do município, legislações pertinentes ao assunto e uso e ocupação do solo, incluindo aspectos socioeconômicos;  Analisar e descrever os resultados dos estudos de investigação de solo, sedimentos e águas superficiais e subterrâneas já desenvolvidos na Região dos Lagos, incluindo a avaliação de risco e propostas de intervenção feitas pelo empreendedor e as considerações da CETESB; e,  Propor medidas e ações de recuperação da Região dos Lagos, considerando seu potencial de contaminação e todo o contexto de planejamento territorial no qual está inserida para seu uso futuro. 19 3 ESTADO DA ARTE O presente capítulo aborda a contextualização do tema de áreas contaminadas no Brasil, incluindo as principais legislações, Federais e Estaduais. 3.1 Aspectos legais A seguir, são apresentados os principais documentos e legislações que foram consultados e utilizados para a elaboração do embasamento teórico referente a situação de áreas contaminadas:  Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que “dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências” (BRASIL, 1981);  Decreto Federal nº 97.632, de 10 de abril de 1989, que “dispõe sobre a regulamentação do Artigo 2º, inciso VIII, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, e dá outras providências” (BRASIL, 1989);  Relatório de Estabelecimento de Valores Orientadores para Solos e Águas Subterrâneas no Estado de São Paulo (CASARINI et al, 2001);  Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas do Estado de São Paulo (CETESB, 2001).  Resolução CONAMA nº 357, de 17 de março de 2005, que “dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências” (BRASIL, 2005);  Decisão de Diretoria CETESB nº 195-2005-E, de 23 de novembro de 2005, que “dispõe sobre a aprovação dos Valores Orientadores para Solos e Águas Subterrâneas no Estado de São Paulo – 2005, em substituição aos Valores Orientadores de 2001, e dá outras providências”.  Resolução CONAMA nº 396, de 03 de abril de 2008, que “dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento das águas subterrâneas e dá outras providências” (BRASIL, 2008a); 20  Resolução CONAMA nº 397, de 03 de abril de 2008, que “altera o inciso II do § 4o e a Tabela X do § 5o, ambos do art. 34 da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA nº 357, de 2005, que dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes” (BRASIL, 2008b);  Lei nº 13.577, de 08 de julho de 2009, que “dispõe sobre diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas, e dá outras providências correlatas” (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2009);  Resolução CONAMA nº 420, de 28 de dezembro de 2009, que “dispõe sobre critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas” (BRASIL, 2009);  Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, que “institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências” (BRASIL, 2010);  Decreto nº 59.263, de 05 de junho de 2013, que “regulamenta a lei nº 13.577, de 8 de julho de 2009, que dispõe sobre diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas, e dá outras providências correlatas” (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2013);  Decisão de Diretoria CETESB nº 045/2014/E/C/I, de 20 de fevereiro de 2014, que “dispõe sobre a aprovação dos Valores Orientadores para Solos e Águas Subterrâneas no Estado de São Paulo – 2014, em substituição aos Valores Orientadores de 2005 e dá outras providências”  Decisão de Diretoria CETESB nº 256/2016/E, de 22 de novembro de 2016, que "dispõe sobre a aprovação dos 'Valores Orientadores para Solos e Águas Subterrâneas no Estado de São Paulo - 2016' e dá outras providências";  Decisão de Diretoria CETESB nº 038/2017/C, de 07 de fevereiro de 2017, que “dispõe sobre a aprovação do ‘Procedimento para a Proteção da Qualidade de Solo e das Águas Subterrâneas’, da revisão do ‘Procedimento para o 21 Gerenciamento de Áreas Contaminadas’ e estabelece ‘Diretrizes para o Gerenciamento de Áreas Contaminadas no Âmbito do Licenciamento Ambiental’, em função da publicação da Lei Estadual nº 13.577/2009 e seu Regulamento, aprovado por meio do Decreto nº 59.263/2013, e dá outras providências”;  Resolução SMA nº 10, de 08 de fevereiro de 2017, que “dispõe sobre a definição das atividades potencialmente geradoras de áreas contaminadas” (SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE, 2017a);  Resolução SMA nº 11, de 08 de fevereiro de 2017, que “dispõe a definição das regiões prioritárias para a identificação de áreas contaminadas” (SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE, 2017b). A partir dos documentos e legislações apresentados, nota-se que existem aqueles que operam em esfera legislativa, a fim de nortear as ações ambientais estaduais e municipais, e outros que operam em esfera mais técnica, podendo destacar as resoluções e diretrizes da CETESB e da Secretaria de Meio Ambiente. 3.2 Contextualização de Áreas Contaminadas no Brasil A industrialização brasileira ocorreu tardiamente frente o cenário mundial, em meados do século XX. Enquanto os países de industrialização mais antiga, como Inglaterra e Estados Unidos já identificavam áreas contaminadas e já davam seus primeiros passos rumo a recuperação dessas áreas, o Brasil passava por um momento de plena expansão industrial. Este processo acompanhou as tendências urbanas de crescimento e descentralização das metrópoles em direção às periferias e interior, tanto em busca de novas áreas de expansão para as plantas fabris, quanto pela proximidade com matérias primas e oferta de mão de obra mais barata. Porém, o custo desta descentralização refletiu no cenário ambiental, onde o meio físico foi amplamente explorado, assim como o planejamento urbano foi negligenciado de modo geral, acarretando prejuízos também para as cidades e seus moradores. Do mesmo modo, havia um desconhecimento sobre o manejo e gerenciamento de substâncias nocivas, além da ocorrência de acidentes e vazamentos durante o transporte, 22 armazenamento, ou no processo produtivo dessas substâncias (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2016a). A primeira sistematização brasileira referente a exigência de recuperação de áreas degradadas ocorreu em 1981, quando foi incluída na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6938/1981), o princípio da “recuperação de áreas degradadas”. Alguns anos depois, na Constituição Federal de 1988, ficou explícita a obrigatoriedade da recuperação àqueles que explorassem os recursos minerais, de acordo com o estabelecido pelo órgão ambiental responsável. (BITAR; BRAGA, 1995) Em 1989, através do Decreto Federal nº 97632/1989, foi estabelecido um prazo de 180 dias para as mineradoras já operantes a apresentarem um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), e para os futuros empreendimentos, que apresentassem o então documento juntamente do Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Também no ano de 1989 houve a redação do documento sobre as terminologias utilizadas na Norma de Degradação do Solo, elaborado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Apesar de terem sido elaboradas na mesma época, o Decreto Federal e as normas da ABNT diferem um pouco quanto ao seu conteúdo. O uso dos conceitos relativos a degradação de uma área, e sua consequente recuperação são bastante ambíguos. O termo “recuperação” possui uma conotação mais abrangente e, por isso, foi historicamente utilizado de forma mais arraigada e frequente do que os demais termos. Apesar disso, o processo de recuperação de uma área parte do princípio de dois tipos de ação, sendo a correção da degradação e a manutenção das paisagens após o processo de correção (BITAR; BRAGA, 1995). A seguir, serão apresentados de forma mais detalhada os principais conceitos referentes a essa questão conforme apresentado por Bitar e Braga (1995) e ilustrado na Figura 1. 23 Figura 1 - Relação entre os conceitos referentes a degradação Fonte: Fornasari Filho; Amarante apud Bitar; Braga, 1995, p. 167. O primeiro termo a ser considerado é o da degradação. Segundo Bitar e Braga (1995), o conceito de degradação, na área ambiental, remete à ideia de impacto negativo nos diferentes compartimentos ambientais. Ou seja, a degradação de uma área não necessariamente se refere a degradação do solo, mas da paisagem e dos diversos tipos de uso que estão a ela atrelados. Já para o processo de recuperação desses ambientes, podem-se listar três tipos de intervenção: a restauração, a recuperação e a reabilitação. Quando se fala no processo de restauração, diz-se do processo onde as condições do ambiente do local serão reproduzidas, de modo a “refazer” a paisagem do local tal como este se encontrava antes de sofrer as intervenções; no processo de recuperação o objetivo é diminuir o impacto dos processos, buscando atingir um patamar de equilíbrio entre o ambiente anterior e o impactado; e, no caso da reabilitação, busca-se dar novas formas de uso ao solo, reaproveitando-as para outras funções de acordo com o estabelecido em projetos prévios. (BITAR; BRAGA, 1995) 3.3 Áreas Contaminadas no Estado de São Paulo A CETESB no ano de 2002 iniciou um levantamento de áreas contaminadas no Estado de São Paulo, com a finalidade de cadastrar e acompanhar o processo de reabilitação dessas áreas. Para a elaboração desse cadastro, a CETESB considera 5 24 regiões, sendo São Paulo (capital do Estado), RMSP - outros (38 municípios pertencentes à Região Metropolitana de São Paulo, excetuando a capital), Litoral (municípios do litoral norte e sul, baixada santista e Vale do Ribeira), Vale do Paraíba (municípios do Vale do Paraíba e da Serra da Mantiqueira) e Interior (abrange todos os outros municípios não citados anteriormente) (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2017). Desde então, a CETESB divulga anualmente o registro de áreas contaminadas no Estado de São Paulo. Durante o período de 2002 a 2017, foram elaborados 18 relatórios, onde é possível acompanhar a evolução e a classificação para as áreas contaminadas (Figura 2): Figura 2 - Evolução do número de áreas contaminadas cadastradas pela CETESB Fonte: Governo do Estado de São Paulo, 2017. Segundo o relatório de dezembro/2017, o interior ocupa uma posição de destaque nas regiões que mais possuem áreas contaminadas, ficando atrás apenas da capital. Das 5942 áreas cadastradas no ano, 293 estão no Vale do Paraíba (5%); 383 estão no Litoral (7%); 1033 estão na RMSP - outros (17%); 2085 estão no interior (35%) e 2148 estão em São Paulo (36%). A CETESB classifica as áreas contaminadas em 5 categorias distintas, divididas por atividades, podendo ser por uso comercial, industrial, resíduos, postos de combustíveis, acidentes/origem desconhecida/agricultura. 25 São Paulo e Interior lideram o ranking de todas essas categorias. Enquanto o maior número de áreas contaminadas advindas de atividades comerciais, industriais e postos de combustíveis se localiza na capital paulista, o interior lidera os números para a disposição incorreta/descarte de resíduos (70 ocorrências) e acidentes/categoria desconhecida/agricultura (21 ocorrências) (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2017). Como o foco desta pesquisa é apresentar um estudo de caso onde a área está contaminada por metais pesados, foi realizado um levantamento a respeito da contaminação por essas substâncias. Segundo o relatório da CETESB, a contaminação por metais é a quarta maior causa de ocorrências (1101 casos), ficando atrás apenas de contaminações por hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAH) (2494 casos), solventes aromáticos (4049 casos) e combustíveis automotivos (4543 casos). Apesar do alto número de áreas cadastradas, pode-se destacar que as áreas reabilitadas para uso declarado e áreas em processo de monitoramento para encerramento correspondem à 2643, representando 45% do total de áreas registradas, e outras 1525 áreas (26%) se encontram em processo de remediação. No município de Santa Gertrudes, existem quatro áreas cadastradas no Sistema de Áreas Contaminadas e Reabilitadas (SIACR), sendo três contaminações derivadas de postos de combustíveis, e uma por resíduos, que é o caso da RLSG. 3.4 Método TIMBRE Uma vez que os brownfields trazem consigo uma gama de aspectos complexos, seja por impactos ao meio físico e/ou ao meio socioeconômico, pode-se afirmar que uma das principais consequências é o atraso ou impedimento do desenvolvimento de comunidades vizinhas à essas áreas, sendo necessário, portanto, uma abordagem metodológica que busque mitigar esses impactos de forma ambiental e socialmente corretas e justas para as partes envolvidas. Diversos projetos e iniciativas foram desenvolvidos e aplicados com o intuito de recuperar essas áreas em países europeus, porém, não obtiveram total sucesso devido a insatisfação em termos ambientais, financeiros e sociais. Assim, a União Europeia (UE) através do FP7 criou o TIMBRE através de um consórcio entre diversas instituições pertencentes à UE, a fim de preencher a lacuna de um método que buscasse explorar 26 todo seu potencial, envolvendo diversos tomadores de decisão e aplicando técnicas de remediação que fossem “visíveis”, ou seja, que permitisse que atores sociais pudessem perceber as intervenções e, então, participassem ativamente do processo de remediação dessas áreas. A seguir, é possível visualizar um esquema do processo de criação do TIMBRE, a partir das iniciativas anteriores. Figura 3 - Ilustração do contexto de criação do TIMBRE Fonte: TIMBRE, TIMBRE Project, 2016. Esse consórcio foi integrado por 15 parceiros, entre eles: institutos de pesquisas, como Centro de Pesquisas Ambientais (UFZ4 - Alemanha), Instituto de Geologia (IOG5 - República Tcheca), Instituto de Ecologia para Áreas Industriais (IETU6 - Polônia), 4 Helmholtz Centre for Environmental Research at the University of Tübingen. 5 Institute of Geonics, Academy of Sciences of the Czech Republic. 6 Institute for Ecology of Industrial Areas. 27 diversas universidades, como Universidade de Tübingen (TUE7 - Alemanha), Universidade Ca’Foscari de Veneza (UNIVE8 - Itália), Universidade Técnica de Engenharia Civil - UTCB9 (Romênia), Departamento de Engenharia Ambiental - DTU10 (Universidade Técnica da Dinamarca), Universidade do Condado Francês (UFC11 - França), organizações governamentais, como Agência Nacional para Proteção Ambiental - NEPA (Romênia), empresas de pequeno e médio porte, SolGeo AG (Suíça), Consultoria Geoexperts (Alemanha) e Escritório de Engenharia JENA-GEOS® (Alemanha), e pelas seguintes indústrias: Geo-log (Alemanha), Grupo Zabar (Luxemburgo) e Corporação para o Desenvolvimento e Descontaminação de Brownfields (GESA12 - Alemanha), além de ser apoiado também pelo Conselho Consultivo Internacional (IAB13). A solução encontrada foi desenvolver um método que oferecesse suporte à usuários experts e leigos, por meio de pacotes de abordagens orientados à resolução de problemas, baseando-se na realidade do local. Contendo diversas tecnologias e ferramentas, este método inclui fatores administrativos e culturais no processo, tendo em vista a obtenção das melhores práticas para o planejamento e o gerenciamento para o reuso e reabilitação de brownfields. O TIMBRE foi aplicado em 10 países, como Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Eslováquia, França, Holanda, Itália, Polônia, República Tcheca e Romênia, totalizando 65 locais teste, com diferentes culturas, ambientes e condições econômicas. A definição de brownfield usada nesta pesquisa foi norteada pela Rede de Ação Conjunta para Regeneração de Brownfields e Economia (CABERNET14), elaborada durante a vigência de projeto europeu para regeneração de brownfields (2002 a 2005). A definição foi posteriormente adotada pelo projeto TIMBRE, e corresponde à áreas:  que foram afetadas por antigos usos do local ou por terrenos vizinhos;  abandonadas ou subutilizadas; 7 Center for Applied Geosciences at the University of Tübingen. 8 University Ca'Foscari of Venice. 9 Technical University of Civil Engineering Bucharest. 10 Department of Environmental Engineering, Technical University of Denmark. 11 University of Frech Country Besançon. 12 Corporation for Brownfield Development and Decontamination. 13 International Advisory Board. 14 Concerted Action on Brownfield and Economic Regeneration Network. 28  que encontram-se principalmente em áreas urbanas totalmente ou parcialmente desenvolvidos;  que necessitam de intervenção para trazê-los de volta para uso benéfico;  e que podem ter problemas de contaminação reais ou percebidos (CABERNET apud BARDOS, 2003, p. 5, tradução nossa15). 3.4.1. Pacotes de Trabalho Os Pacotes de Trabalho (PT) se caracterizam por serem tópicos interdisciplinares focados na reabilitação de brownfields. Nas palavras do projeto, “cada um desses tópicos, individualmente e em conjunto, articulam-se para criar uma forte agenda de pesquisa e desenvolvimento com o objetivo de empoderar e beneficiar todos os tomadores de decisão envolvidos em projetos de remediação” (TIMBRE, Research Topics, 2017). A seguir, serão apresentadas as principais características e objetivos originais dos Pacotes de Trabalho, conforme exposto no site oficial do TIMBRE. No início da descrição de cada PT, está destacado qual é o principal objetivo de cada um deles. 3.4.1.1 Pacote de Trabalho 1 - Sistema de Informação Objetivo: criar, a partir de informações já existentes provenientes de outros projetos e programas, um sistema que abrigue informação de qualidade e que possa servir de banco de dados para acesso, análise e classificação sobre processos em diferentes fases de reabilitação de brownfields (TIMBRE, Expert System, 2017). O Sistema de Informação TIMBRE foi criado com o intuito de coletar e abranger todas as informações sobre brownfields produzidas na União Europeia. É um software online que permite compartilhar, acessar, e selecionar a maioria das informações das diferentes fases do processo de gerenciamento, levando em conta requerimentos específicos dos atores sociais e feedbacks dos usuários. Composta por 15 Brownfield sites:  have been affected by the former uses of the site and surrounding land  are derelict or underused  have real or perceived contamination problems  are mainly in developed urban areas  require intervention to bring them back to beneficial use. 29 um banco de dados, a ferramenta abriga links de informações relevantes, classificando- as de acordo com as necessidades dos usuários através de uma metodologia de ranqueamento, levando em consideração as necessidades e especificidades ambientais e socioeconômicas. O funcionamento do Sistema de Informação TIMBRE é composto por dois módulos principais: o banco de dados online e a metodologia de ranqueamento. Para o banco de dados, as informações se apresentam na forma de regulamentos, manuais técnicos, ferramentas e estudos de caso, considerando as seguintes variáveis: planejamento estratégico; investigação; avaliação de risco; estratégias e opções de remediação; avaliação e seleção de tecnologias de remediação; gerenciamento de perdas; desconstrução/reuso de materiais; documentos de construção e infraestrutura; desenvolvimento de um plano de requalificação; implementação, controle e monitoramento das terras que voltaram ao mercado; avaliação socioeconômica; financiamento; tomada de decisões e comunicação. Já para a metodologia de ranqueamento, a ideia é que o sistema se retroalimente através das buscas de usuários já realizadas anteriormente, a fim de prover resultados cada vez mais específicos. Dessa maneira, foi utilizada a Rede Neural Artificial (ANN - Artificial Neural Networks), que consiste em um modelo matemático, onde os inputs provêm dos usuários durante o registro na ferramenta, durante as sessões de busca, de pontuações dadas para a qualidade de cada conteúdo online, e demais estatísticas numéricas. Os resultados das buscas são mostrados de acordo com as especificidades de cada usuário, classificando qualitativamente a informação a ser buscada de acordo com as estatísticas de buscas prévias de outros usuários. Após clicar na categoria de informação desejada, a lista de informações disponíveis é classificada de acordo com as características do usuário e número de visualizações. 30 3.4.1.2 Pacote de Trabalho 2 - Estruturas de decisão e cultura local: investigação de possibilidades administrativas e atitudes específicas dos locais e dos atores sociais (Governança) Objetivo: identificar e avaliar as especificidades das áreas e dos atores sociais, a fim de compreender de que modo os diferentes atores sociais estão envolvidos na questão de reabilitação, e como isso pode alavancar ou impedir o desenvolvimento do processo. TIMBRE, Governance, 2017) Durante a 11ª Conferência da Associação Sociológica Europeia (Turin, 2013), em que o tema foi Crise, Crítica e Mudança, foram apresentados alguns resultados de pesquisas sociológicas, com uma apresentação intitulada “Indo além da ‘europeização’ visando a compreensão da reabilitação de brownfields na Europa Oriental como estratégias e ações emergentes de campo” (tradução nossa16). O objetivo da apresentação foi salientar o papel dos atores sociais sobre mudanças em políticas ambientais nos países da Europa Oriental. O argumento de que o contexto dos atores envolvidos necessita ser levado em consideração foi abordado nos termos de uma das mais recentes teorias de organização social, a Teoria dos Campos de Ação Estratégica (TIMBRE, Governance, 2017). Fligstein e McAdam, em seu livro “A Theory of Fields” (2012), defendem que o ser humano é essencialmente um ser social, necessitando organizar-se para alcançar certos objetivos, ou seja, a empatia gera a colaboração entre diversas partes. Porém, os autores afirmam que existem dois tipos de atores sociais: os dominantes e os desafiantes. De modo geral, o primeiro grupo é detentor de capital e meios de produção, podendo moldar a atuação dos campos de acordo com suas necessidades, enquanto o segundo possui menor influência, necessitando se submeter à lógica do grupo dominante para sobrevivência (REVISTA GV EXECUTIVO, 2013). 16 “Moving Beyond Europeanization Towards an Understanding of Brownfield Regeneration in Eastern Europe as Emerging Strategic Action Fields” 31 Pode-se dizer que a reabilitação de brownfields “envolve duas componentes: a descontaminação de áreas e seu redesenvolvimento econômico, social e cultural” (TIMBRE, Governance, 2017, tradução nossa17). Dessa maneira, buscou-se coletar em três países teste (Polônia, República Tcheca e Romênia) informações legais, institucionais e sociais pertinentes à temática de reabilitação de brownfields, tendo sido realizadas entrevistas (com especialistas e atores sociais), além de grupos de discussão focal. As entrevistas e reuniões foram gravadas e transcritas para serem utilizadas posteriormente (TIMBRE, Governance, 2017). O ponto de partida foi baseado em duas questões principais. A primeira buscava investigar quem são os atores envolvidos e quais suas características fortes para alavancar o processo de reabilitação; a segunda, investigar quais fatores são favoráveis e desfavoráveis para a reabilitação do ponto de vista dos atores. Com a realização dessa pesquisa qualitativa, foi possível identificar fatores favoráveis e desfavoráveis, que estimulam ou inibem o desenvolvimento de projetos de reabilitação. Ambos os fatores tendem a ocorrer em três áreas principais: “[...] dentro do contexto institucional, na organização da equipe do projeto e no processo de gestão do conhecimento para o processo de reabilitação” (TIMBRE, Governance, 2017, tradução nossa18). De maneira geral, os pontos favoráveis encontrados dizem respeito à um contexto constitucional coerente e estável, com leis e regulamentação sobre reabilitação de brownfields, disponíveis principalmente para investidores em potencial; equipes bem organizadas, estáveis e com objetivos claros e bem definidos, que conte com recursos adequados; e o uso e consideração de dados colhidos por diferentes especialistas e atores sociais para a elaboração de bases de dados (TIMBRE, Governance, 2017, grifo nosso). Os pontos desfavoráveis dizem respeito à exatamente o contrário dos pontos positivos, ou seja, leis e constituições fragmentadas e burocráticas, equipes desestruturadas e marginalização dos dados e interesses gerados por motivações pessoais por parte da equipe. 17 The regeneration of brownfields includes two components: the decontamination of sites and their economic, social or cultural redevelopment. 18 [...] within its institucional context, in the organization of the project team and in the process of accumulating knowledge for regeneration. 32 3.4.1.3 Pacote de Trabalho 3 - Medidas de sucesso e ferramenta de priorização (Priorização) Objetivo: garantir que as principais características de reabilitação de brownfields, bem como o processo de planejamento e tomada de decisão, sejam consideradas na pesquisa, por meio de dados quantitativos (análises estatísticas e questionários) (TIMBRE, Prioritization, 2017). A atenção para a reabilitação de áreas contaminadas ganhou mais força há aproximadamente 20 anos, quando as terras disponíveis começaram a ficar cada vez mais escassas. O processo de reabilitação foi possibilitado principalmente pelo surgimento de políticas, instrumentos econômicos e ferramentas de gerenciamento adequados. À medida que crises econômicas ocorreram, muitas plantas fabris se realocaram ou fecharam, possibilitando o surgimento de mais brownfields, enquanto a reabilitação encontra muitas barreiras econômicas, legais, políticas, sociais e tecnológicas (TIMBRE, TIMBRE Prioritization Tool, 201?). No que diz respeito a medidas estratégicas, é necessário levar em consideração três fases primordiais ao projeto de remediação, sendo:  Inventário - mapeamento, identificação, análise e registro de brownfields já existentes em unidades administrativas específicas (regiões, distritos e cidades).  Priorização - avaliação e classificação de brownfields de acordo com seu potencial de redesenvolvimento, risco ambiental ou outros critérios que auxiliam na alocação de recursos.  Marketing - aplicar informações de bancos de dados e priorizar brownfields com maior potencial de reuso, captação de fundos, pesquisa de potenciais investidores e subsídios públicos, promovendo cases de sucesso para estimular o processo de reabilitação (TIMBRE, TIMBRE Prioritization Tool, 201? p. 5, tradução nossa19).  19 Inventorying - mapping, identification, analysis and registration of existing brownfields in specific territorial administrative units (regions, districts, cities.  Prioritizing - evaluation and classifying brownfields according to their redevelopment potential, environmental risk, or other criteria that assist in the allocation of limited available resources.  Marketing - applying information from databases and prioritizing for marketing selected (prioritized) brownfields, fundraising, searching for potential private investors or public subsidies (e.g., EU structural funds), promoting examples of successful regenerations ("best practices") to stimulate the regeneration process. 33 Priorização, para brownfields, diz respeito a um processo onde uma certa quantidade de áreas são avaliadas, classificadas e ranqueadas de acordo com critérios que influenciam a reabilitação. Logo, a priorização permite que os atores envolvidos saibam onde investir fonte, recursos e energia para aquelas áreas consideradas mais urgentes ou proveitosas. Para tanto, foi criada a ferramenta online de priorização de brownfields. Essa ferramenta permite que os atores sociais possam administrar melhor os recursos, nas áreas que foram classificadas como prioritárias, baseando-se em cálculos de valor médio para três dimensões pré-determinadas pelos desenvolvedores da ferramenta: potencialidade de redesenvolvimento local (valor da terra, densidade populacional, índice educacional, atividade empresarial, periferia, acesso à meios de transporte); atratividade da área (localização, uso prévio, infraestrutura, custos de reabilitação, propriedade) e riscos ambientais (contaminação, tamanho da área, zoneamento, limites de proteção). A ferramenta foi testada em diferentes bancos de dados (urbano, regional, nacional e privados) para quatro países teste (Alemanha, Polônia, República Tcheca e Romênia). A ferramenta de priorização também permite que as dimensões sejam personalizadas, além de contar com a função de espacialização dos locais via Google Maps© e Google Street View©, possibilitando aos atores tomarem medidas mais eficazes com relação à recursos. A ferramenta de priorização está disponível online para uso gratuito, sendo possível acessá-la por meio de cadastro prévio (TIMBRE, Prioritization, 2017). 3.4.1.4 Pacote de Trabalho 4 - Estratégias e tecnologias para caracterização e remediação integrada da área (Caracterização e remediação) Objetivo: conduzir pesquisas e avaliar tecnologias e estratégias mais sustentáveis do ponto de vista ambiental, utilizadas para a caracterização e remediação de brownfields. As principais técnicas utilizadas incluem métodos de amostragem por phytoscreening, fitorremediação e uso e reuso de fluidos de remediação (FATIN-ROUGE et al., 2013, p. 4). 34 O método de investigação pelo potencial das plantas para a identificação de contaminações é chamado na literatura nacional e internacional de “phytoscreening”. Este método já é utilizado para escanear principalmente Compostos Orgânicos Voláteis (VOC) e contaminação por solventes clorados, mas o diferencial deste PT reside no fato da metodologia englobar outros tipos de poluentes para além dos já citados, como metais pesados e outros tipos de benzenos, toluenos, etilbenzenos e xilenos (BTEX). Através do processo de phytoscreening, escolheu-se o método de Tree Core Sampling (amostragem através de perfurações realizadas no tronco de árvores), onde é possível utilizar espécies vegetais como bioindicadores para rastrear a contaminação existente em subsuperfície para determinadas áreas. Para a amostragem, é necessário seguir algumas etapas, como a escolha da espécie vegetal para a perfuração e recolhimento da amostra. A depender do contaminante, é necessário um cuidado extra no recolhimento, para que não haja contaminação cruzada. No caso das amostragens realizadas por Algreen e Trapp (2014) para mapeamento de metais pesados, foi utilizado um perfurador Suunto© para amostragem das árvores. É necessário que haja ao menos três perfurações em diferentes orientações, que posteriormente serão divididas em ao menos duas amostras. A espécie salgueiro (Salix sp.) se mostrou bem adequada para detecção de metais como cádmio, chumbo, níquel e zinco. Os autores ressaltam a novidade da utilização do método de perfuração para rastrear metais pesados, logo, não existem muitos dados na literatura que já tenham se utilizado deste método. Os autores ainda relatam que é necessário estabelecer valores orientadores para contaminação por metais em madeira, pois não são muito claros os parâmetros para este tipo de amostragem, uma vez que os metais estão presentes naturalmente no solo, o que poderia levar a resultados incertos e falsos positivos em áreas que não se encontram fortemente contaminadas (ALGREEN; TRAPP, 2014). Fitorremediação é uma técnica para remediação de áreas contaminadas por compostos orgânicos ou inorgânicos, que se utiliza do potencial de árvores, gramíneas, ervas, fungos e microrganismos e que possui várias vantagens do ponto de vista financeiro e ambiental (TRAPP, 2014). O processo de fitorremediação envolve diferentes processos: 35  Fitoextração: transferência de poluentes para a vegetação;  Fitovolatilização: volatilização de componentes para os estômatos das folhas e tronco da planta;  Rizofitodegradação: degradação da contaminação na área das raízes ou no interior das plantas;  Controle hidráulico e fixação do solo: as plantas previnem a erosão do solo e minimizam a infiltração (TIMBRE, Phytoremediation: a green solution, 2017, tradução nossa20). Trapp (2014) enfatiza a importância de realizar a caracterização do meio físico da área contaminada, bem como as características físico-químicas do contaminante em questão, que serão cruciais para poder determinar o tempo de remediação, que geralmente é realizado em longos períodos. No caso da contaminação para metais, o autor ainda afirma que o tempo previsto para a remediação através da fitorremediação pode se estender por até milhares de anos. Além disso, uma área contaminada não pode se tornar livre da contaminação por metais pesados, pois não há um tratamento eficaz para destruí-los, sendo possível somente torná-los indisponíveis. O tratamento por fitorremediação de áreas contaminadas por metais também gera resíduos ao final do processo, que serão descartados em aterros e, dessa forma, não promove melhoria do meio ambiente do ponto de vista da sustentabilidade. O autor sugere, portanto, que exceto em casos de contaminação para água subterrânea, a melhor prática a ser realizada em áreas florestais é permitir que as espécies originais sejam mantidas, pois será a alternativa mais econômica e com menores impactos ambientais. Para o tratamento de outros tipos de contaminantes, o autor sugere a utilização de lavagem de solos ou queima de matéria orgânica. O método de lavagem de solos com reutilização de fluidos consiste na aplicação de tecnologia in-situ que se utiliza de aditivos específicos para a remoção do contaminante de interesse. Para tanto, são utilizados produtos químicos, vetores e ferramentas de separação, de modo a melhorar a eficácia de remoção e reutilizar os fluidos, que podem ser espumas ou soluções aquosas (TIMBRE, Soil-flushing with reused fluids, 2017).  20 Phytoextraction: transfer of pollutants to the vegetation.  Phytovolatilization: volatilization of components through stomata of the leafs and trunk.  Rhizo- and phytodegradation: degradation of contamination in the root zone or within the plants.  Hydraulic control and soil fixation: plants prevent soil corrosion and minimize infiltration. 36 Os materiais utilizados nos locais testes envolveram: membranas de nanofiltração (PCI Membrane Systems©), membrana de ultrafiltração (KOCH Membrane Systems©), além dos seguintes oxidantes e surfactantes: cocamidopropil hidroxisultaína, dodecil sulfato de sódio, lauril betaína e cocamidopropil betaína (FATIN-ROUGE et al., 2013). Os resultados obtidos demonstram que para solos contaminados por hidrocarbonetos, a combinação da utilização dos fluidos surfactantes juntamente com substâncias oxidantes e espumas surfactantes se mostrou eficiente para a extração de VOC, agindo como uma combinação das técnicas de ventilação e lavagem, reduzindo a quantidade de resíduos gerados no processo. Para áreas contaminadas por metais, recomenda-se a utilização de agentes quelantes, que podem ser reutilizados inúmeras vezes através das reações de rodox ou precipitação (TIMBRE, Soil-flushing with reused fluids, 2017). 3.4.1.5 Pacote de Trabalho 5 - Desconstrução e reuso de estruturas e materiais (Desconstrução e reuso) Objetivo: desenvolver ferramentas e instrumentos que auxiliem as partes interessadas a levar em consideração estratégias ambientalmente corretas no processo de construção, desconstrução ou reuso de prédios e estruturas (TIMBRE, Deconstruction and reuse, 2017). Levando em consideração o objetivo principal deste PT, a equipe do PT 5 pesquisou literaturas sobre métodos de descontaminação, bem como leis e regulamentos para elaborar quatro relatórios, que referem-se à medidas de desconstrução, estratégias de reciclagem, minimização de emissões atmosféricas, e saúde e segurança do trabalho (HAGEMANN et al., 2012). Os dados foram obtidos por meio de pesquisas do contexto legal existente em âmbito nacional e vigentes para os estados-membro da UE, e também por meio de entrevistas com representantes de institutos, associações e outros profissionais ligados às áreas teste (HAGEMANN et al., 2012). O primeiro relatório resume os principais pontos sobre o contexto legal, abordagens específicas e necessidades especiais sobre desconstrução e reuso de materiais. Os países teste para a implementação do PT 5 foram escolhidos com base em 37 seus diferentes status e abordagens para o assunto, tendo sido escolhidos Alemanha, França, Itália e Romênia. Apesar de não pertencer à UE, a Suíça também foi incluída por ser um país central, com o objetivo de analisar se o sistema suíço é similar ou influenciado pelas legislações da UE (HAGEMANN et al., 2012). Os resultados obtidos, de forma geral, evidenciam aspectos positivos e negativos. Os aspectos positivos dizem respeito à um contexto legal nacional que, apesar de não estar completamente implementado em alguns países à época, estavam em discussão e implementação constantes. Os aspectos negativos referem-se à barreiras burocráticas, com informações sobre brownfields frequentemente fragmentadas e com acesso limitado a poucos atores sociais, e também à dificuldades linguísticas entre os países, que muitas vezes possuem materiais somente em suas línguas nativas (HAGEMANN et al., 2012). Outro aspecto negativo é relativo à reutilização de materiais minerais, onde foi possível notar uma falta de aceitação do uso desse tipo de material. O relatório sugere, portanto, que o comércio e troca de materiais poderia ser facilitado ao criar uma espécie de banco de dados qualitativos, contendo, por exemplo, as análises químicas e garantias de qualidade nos níveis da legislação nacional e da UE. De modo geral, nos países teste, o contexto legal estava bem estabelecido e funcionando corretamente, com exceção da Suíça (que não é afetada pelas Diretivas Europeias, mas os requerimentos são similares aos da UE) e Romênia (onde a adaptação da legislação estava em progresso) (HAGEMANN et al., 2012). O segundo relatório trata sobre as possibilidades de renovação e reuso de construções já existentes, desconstrução de estruturas e prédios e uso dos materiais de demolição em novas construções (HAGEMANN et al., 2013a). Para tanto, foram escolhidos três locais teste, sendo um prédio comercial no centro de Dortmund, Alemanha; uma antiga base militar russa localizada em Szprotawa, na Polônia; uma antiga siderúrgica localizada em Hunedoara, na Romênia. Os objetivos das investigações ocorrerem nesses locais teste para desenvolver a base do desenvolvimento de estratégias mais ecológicas de reciclagem de entulhos; abordagens para evitar ou diminuir a quantidade de entulho gerado; métodos para economizar a utilização de novas matérias primas e ferramentas para uma estimativa de preços associados à este processo (HAGEMANN et al, 2013a). Resumidamente, os principais resultados encontrados nos locais teste foram: 38 Szprotawa: algumas opções de reuso, porém caras para realizar; infraestrutura pouco desenvolvida ou devastada na área; grande quantidade de matéria prima (concreto) para reciclagem mineral; recomendado o processamento e uso dos materiais na área ou vizinhança. Hunedoara: desconstrução parcial e informal dos prédios e estruturas com mistura de entulho, somente reutilizável sob certas especificações técnicas e geológicas; estruturas de fundações remanescentes; piora da situação devido ao desenvolvimento de atividades informais; mercado para produtos reciclados pouco desenvolvido; local com melhores condições de reuso. Dortmund: avaliação de reuso vs. desconstrução de um antigo prédio comercial; investigações preliminares dos materiais de demolição e poluentes com estimativa de volumes e custos; desenvolvimento de um conceito de demolição; demolição com separação dos materiais e preparo da área para o desenvolvimento futuro (HAGEMANN et al., 2013a, p. 5, tradução nossa21). O terceiro relatório do PT 5 aborda a questão da minimização das emissões de poeira, barulho, vibrações e contaminantes durante as etapas de reconstrução ou remodelação de prédios e estruturas, que pode influenciar nos trabalhadores, vizinhança e no meio ambiente. Portanto, este relatório tem o objetivo de descrever as principais emissões que ocorrem nesses processos, o contexto legal na UE, e os métodos que podem ser utilizados para redução de tais emissões (HAGEMANN et al., 2013b) . O modelo qualitativo das emissões baseia-se nas investigações de pré demolição das estruturas, apresentando uma lista detalhada de cada contaminante e seu respectivo volume, de acordo com a legislação da UE. A previsão das emissões apresentadas nos resultados mostraram que, para diminuir as emissões, é interessante construir uma área própria para realizar a desconstrução das estruturas de interesse. O quarto e último relatório referente ao PT 5 aborda sobre o gerenciamento dos riscos em saúde e segurança do trabalho durante a etapa de desconstrução, uma vez que os riscos envolvidos podem envolver os trabalhadores e a vizinhança (HESSE et al., 2014). Para a elaboração da metodologia utilizada para o gerenciamento desses riscos, 21 Szprotawa: some re-use options, but expensive to realise; poorly developed or devastated infrastructure on the site; large amount of source materials (concrete) for mineral recycling products: processing and use of materials on site or in the neighbourhood recommended. Hunedoara: Partially informal deconstruction of buildings and structures with the result of mixed rubble, only re-usable under specific technical and geological requirements: remaining subsurface structures: worsening situation due to continuing informal activities: poorly developed market for recycling products: Best solution re-use on site. Dortmund: Evaluation re-use vs. deconstruction of an existing building stock; pre demolition investigations of materials and pollutants with estimation of volumes and costs; development of a demolition concept; demolition with separation of materials and preparing the site for the following development 39 utilizou-se a legislação europeia e a série OHSAS22 18001, que culminou na criação no Sistema de Gerenciamento de Saúde e Segurança para o trabalho de Desconstruções (SHMSDW23). Esta metodologia mostrou-se uma opção para a implementação de melhorias para os trabalhos de desconstrução, mas seu sucesso dependerá dos recursos e da participação das pessoas envolvidas no processo (HESSE et al., 2014). 3.4.1.6 Pacote de Trabalho 6 - Ferramenta online para planejamento integrado e avaliação das opções de revitalização para brownfields (Ferramenta Online Integrada) Objetivo: No PT 6, o objetivo da Ferramenta Online para Avaliação e Planejamento de Reuso (SAT24) tem o propósito de dar suporte aos projetos ainda em fase de triagem, a fim de definir as opções de reuso e avaliar as consequências dessas opções. A Ferramenta Online Integrada possui uma interface simples e funcionalidades de um Sistema de Informações Geográficas (SIG) (MORIO et al., 2014). A Ferramenta Online Integrada foi planejada a partir de um software já existente, chamado Conjunto de Ferramentas para o Gerenciamento de Megasites (tradução nossa25). Este software realiza uma avaliação holística das opções de redesenvolvimento, que incluem os custos de implementação da opção escolhida, benefício econômico e sustentabilidade da opção escolhida, com base em opções pré definidas. Já a Ferramenta Online Integrada foi planejada para atender a demanda de utilização por diversos atores sociais, inclusive os mais leigos; para tanto, inclui dois módulos de avaliação de risco, um para a avaliação em um aspecto e cenário mais gerais, e outro para avaliação em um cenário mais específico de reuso (FINKEL et al., 2013). Como se trata de uma versão simplificada e limitada para alguns casos, há dois tipos de direitos de utilização da ferramenta: os usuários avançados e os usuários finais. 22 Occupational Health and Safety Assessment Series. 23 Safety and Health Management System for Deconstruction Work. 24 Site Assessment Tool. 25 Megasite Management Toolsuite. Objetivo: desenvolver uma ferramenta online de planejamento de avaliação e reuso da área, com software livre, para que diversos atores sociais envolvidos possam avaliar suas ideias para o uso futuro da área (MORIO et al., 2014). 40 3.4.1.7 Pacote de Trabalho 7 - Plataforma online, pesquisa, disseminação e transição (Disseminação) Objetivo: Uma vez que o objetivo do PT 7 é gerar conhecimento e oportunidades, várias atividades foram realizadas durante o desenvolvimento do projeto, como workshops, demonstrações de tecnologias, visitas à campo, cursos, treinamentos, painéis e simpósios (BARTKE et al., 2012). Os resultados englobam várias produções científicas, como a publicação dos resultados em diversos periódicos, as apostilas e folhetos informativos sobre o método e o próprio site, que serve como fonte de informação e atualização (BARTKE et al., 2014). 3.4.1.8 Pacote de Trabalho 8 - Gerenciamento do projeto Os objetivos específicos desse PT incluem implementar uma estrutura de gerenciamento, para que os objetivos do projeto e as atividades desenvolvidas estejam em sincronia, em termos financeiros e do cronograma (TIMBRE, Project management, 2017). Objetivo: gerar oportunidades de treinamento, cursos e eventos para que, principalmente os usuários finais, estejam engajados a utilizar os produtos e ferramentas gerados no TIMBRE (TIMBRE, Dissemination, 2017). 41 4 LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO Situado a 170 km da capital paulista, o município de Santa Gertrudes localiza-se na porção centro oeste do Estado, possuindo uma área de aproximadamente 98 km² e uma estimativa de 25637 habitantes para o ano de 2017 (IBGE, 2017). O município está localizado às margens da BR 364 (Rodovia Washington Luis), além de estar próximo a outras vias importantes, como SP 127 (Rodovia Fausto Santomauro - acesso à Piracicaba), SP 316 (Rodovia Constante Peruchi - acesso à Rodovia Anhanguera) e SP 348 (Rodovia dos Bandeirantes). A Região dos Lagos de Santa Gertrudes localiza-se a 7.513.560m N e 238.676m E (coordenadas centrais) e possui 33 hectares. Caracterizada por ser uma região de vale, a área pertence à microbacia hidrográfica do Córrego da Fazenda Itaqui, inserida na bacia hidrográfica do Rio Corumbataí (CETESB, 2005). 42 Figura 4 - Região dos Lagos de Santa Gertrudes Fonte: Bioesfera, 2016. 43 O histórico de intensa exploração de argila, juntamente com a baixa condutividade hidráulica e regime pluviométrico constante na área, contribuiu para a formação de diversos lagos artificiais. Ao longo de décadas, foram depositados nesses lagos resíduos advindos do processo de manufatura e esmaltação de revestimentos cerâmicos, contribuindo para uma contaminação progressiva em diversos compartimentos ambientais (GARCIA, 2016). O resíduo advindo da esmaltação são conhecidos popularmente como as “raspas” do esmalte, que são compostos de minerais fundentes e vitrificantes, que melhoram a aparência e a qualidade da cerâmica, mas que antigamente levavam elevados teores de metais pesados, principalmente o chumbo, sendo extremamente tóxicos para os seres vivos. As raspas podem ser plumbíferas (chumbo), cincíferas (zinco) e mistas (diversos materiais), o que explica a alta concentração desses elementos na RLSG. 4.1 Caracterização geológica-geotécnica Nos estudos realizados por Garcia (2016), foi possível detectar cinco compartimentos geológicos distintos para a RLSG. Para isso, foram feitas descrições baseadas em 23 furos de sondagens, três sondagens elétricas verticais (SEV) e em um mapa de declividade. 44 Tabela 1 - Espessura dos compartimentos geológicos encontrados na RLSG SEV-01 Camada Espessura (m) Profundidade ao topo (m) Litologia 1 0,3 - Topo 2 0,6 0,3 Nível do aterro de resíduos + sedimentos quaternários 3 7,6 0,9 Formação Corumbataí 4 - 8,5 Diabásio (Formação Serra Geral) SEV-02 1 0,3 - Topo 2 0,7 0,3 Nível do aterro de resíduos 3 6,5 1 Formação Corumbataí 4 - 7,5 Diabásio (Formação Serra Geral) SEV-03 1 1,2 - Topo + nível do aterro de resíduos 2 3,7 1,2 Solo 3 5,9 4,9 Formação Corumbataí 4 - 10,8 Diabásio (Formação Serra Geral) Fonte: GARCIA, 2016, p. 6. Da base para o topo, há cinco compartimentos geológicos principais: sill de diabásio, Formação Corumbataí, rochas e solos intemperizados da Formação Corumbataí, sedimentos do quaternário e o nível do aterro de resíduos. A área do sill de diabásio está associada a eventos de intrusão cretácea da Formação Serra Geral, podendo ser encontrada em grandes extensões e espessuras variadas. De textura macia e fraturado localmente, as falhas podem ser preenchidas por pirita e carbonatos (GARCIA, 2016). O segundo compartimento diz respeito às rochas da Formação Corumbataí, geradas no Permiano, com origem em ambientes marinhos de águas rasas em condições climáticas redutoras na porção inferior e ambientes sob influências de marés em condições oxidantes na porção superior (CHRISTOFOLETTI; MORENO, 2004). Esta formação pode ser identificada através de lamitos e argilitos (GARCIA, 2016). De textura maciça e fraturado localmente, podem ser encontrados siltitos e argilitos cinza- avermelhados/esverdeados e arroxeados (CENTRO DE ANÁLISE AMBIENTAL E GEOPROCESSAMENTO, 2011). 45 O terceiro compartimento corresponde às rochas e solos intemperizados da Formação Corumbataí, com predominância de solos lateríticos, onde podem ser encontradas quatro camadas diferenciadas. Do topo para a base, a primeira camada é mais escura, com predominância de matéria orgânica; a segunda, tem uma cor marrom escura, porém menos argilosa que as demais; a terceira camada possui cor marrom- avermelhada com transição para a próxima camada; e a quarta camada é caracterizada pelas rochas intemperizadas da Formação Corumbataí, de cor roxo-avermelhadas (GARCIA, 2016). O quarto compartimento coincide com os sedimentos do Quaternário, podendo ser encontrados ao longo do vale do córrego da Fazenda Itaqui. É caracterizada por possuir uma textura argilosa de coloração acinzentada, intercalados com solos de cor escura e amarelada, ricos em matéria orgânica (GARCIA, 2016). O quinto compartimento é representado pelo nível do aterro de resíduos, caracterizado por camadas que contém fragmentos cerâmicos e resíduos de construção. A composição mineralógica é formada por quartzo, ilita, caulinita, matéria orgânica e óxidos e hidróxidos de ferro (GARCIA, 2016). 4.2 Caracterização geomorfológica A área de estudo está situada na Província Geomorfológica Ocidental na unidade morfoestrutural da Bacia Sedimentar do Paraná, mais especificamente na Depressão Periférica Paulista. Esta área é caracterizada por ser uma região deprimida, erodida e situada entre o Planalto Atlântico e o Planalto Ocidental (PENTEADO, 1976), com aproximadamente 470 km de extensão por 90 km de largura (CENTRO DE ANÁLISE AMBIENTAL E GEOPROCESSAMENTO, 2011). A Depressão Periférica Paulista pode ser subdividida em três zonas, sendo: Médio Tietê, Paranapanema e Mogi Guaçu. A bacia hidrográfica do Rio Corumbataí pertence a zona do Médio Tietê, apresentando características interplanálticas, com relevo levemente ondulado. No contexto de evolução geomorfológica, o Rio Corumbataí surgiu tardiamente, seguindo a tectônica de falhamentos pós-cretácicos concordantes com a região permo-triássica (CENTRO DE ANÁLISE AMBIENTAL E GEOPROCESSAMENTO, 2011). 46 A RLSG possui elevação média aproximada de 600 m acima do nível do mar, sendo caracterizada como um vale, possuindo lagos antropogênicos e rodeado por um relevo levemente suavizado, com declives menores que 20% (PENTEADO, 1976). Figura 5 - Mapa de declividade da RLSG Fonte: GARCIA, 2016, p. 8. 4.3 Clima O clima da RLSG é definido como Cwa pela classificação climática de Köppen, ou seja, clima temperado chuvoso e moderadamente quente, com verão quente e úmido com temperaturas superiores a 22ºC e inverno seco, atingindo temperaturas inferiores a 18ºC. As temperaturas médias anuais, levando em consideração a altitude e latitude, variam entre 18,1ºC e 20,9ºC, possuindo uma baixa amplitude térmica (CENTRO DE ANÁLISE AMBIENTAL E GEOPROCESSAMENTO, 2011). 47 Troppmair (1978) classifica o regime de chuvas da bacia do Rio Corumbataí como tropical, com duas estações bem definidas: período seco, que se estende dos meses de março a setembro, correspondendo a pouco menos de 20% das precipitações anuais; e período chuvoso nos meses de outubro a fevereiro, apresentando mais de 80% das precipitações anuais. Na Figura 6, apresenta-se as médias mensais históricas dos anos de 1941 a 2016, segundo o posto pluviométrico D4-059, da rede de monitoramento do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), localizado em Santa Gertrudes. Figura 6 - Médias mensais de precipitação (mm) para o município de Santa Gertrudes (1941-2016) Fonte: DAEE, 2017, prefixo D4 - 059. 4.4 Evolução do uso e ocupação do solo A seguir, serão apresentadas algumas imagens orbitais a fim de realizar a análise da evolução do uso e ocupação do solo na região ao redor da RLSG. Para tanto, foram obtidas imagens no Google Earth Pro©. O período considerado para análise abrange os anos de 2013 a 2017, porém, não existe nenhuma imagem registrada no ano de 2015. Dessa forma, foram utilizadas as seguintes imagens: outubro/2013, junho/2014, março e outubro/2016 e junho e setembro/2017. As imagens foram escolhidas com base em sua qualidade e no ano de 2016, foi escolhido dois meses, um mês mais no início e outro mais no fim do ano, a fim de tentar representar melhor a tendência ocorrida no ano de 2015 e no ano de 2017, foram 26 7, 42 19 6, 77 16 3, 71 66 ,1 7 61 ,7 7 40 ,9 4 29 ,9 8 30 ,0 1 64 ,1 7 12 5, 42 14 8, 26 21 2, 23 J A N F E V M A R A B R M A I J U N J U L A G O S E T O U T N O V D E Z P R EC IP IT A Ç Ã O ( E M M M ) MESES MÉDIAS MENSAIS HISTÓRICAS - POSTO D4-059 SÉRIE: 1941 A 2016 48 escolhidas duas imagens para representar a época que antecede e procede a colheita da cana de açúcar. De modo geral, não houveram mudanças muito expressivas no uso e ocupação do solo nas áreas do entorno da RLSG ao longo do período considerado, constituindo-se basicamente na época de cultivo temporário e colheita da cana de açúcar, solos expostos e áreas urbanizadas, como no caso das instalações das áreas de cerâmica (barracões, depósitos e indústrias). Em outubro/2013 (Figura 7), era possível notar a época da colheita da cana de açúcar, que no geral seguem as curvas de nível porém, existiam algumas áreas de solo exposto. Figura 7 - Uso e ocupação do solo (outubro/2013) Fonte: Google Earth (Imagem: CNES/Airbus). Em junho/2014 (Figura 8), a área à oeste da RLSG, se comparada com o ano anterior, possuía menos áreas com solo exposto e algumas áreas pontuais com maior quantidade de espécies nativas, porém é possível notar dois grandes novos terrenos, um à oeste e outro ao sul da RLSG. À leste da RLSG, existia uma grande área de solo exposto devido à colheita da cana de açúcar. Em relação ao ano anterior, é possível notar uma maior quantidade de barracões construídos na RLSG, principalmente às margens da Rodovia Washington Luis. 49 Figura 8 - Uso e ocupação do solo (junho/2014) Fonte: Google Earth (Imagem: DigitalGlobe). Em março/2016 (Figura 9), os grandes terrenos, à oeste e ao sul permaneciam expostos, e devido à colheita da cana de açúcar, a região oeste apresentava solos expostos e uma maior degradação. A região leste continuava com solos expostos, e é possível notar que houve uma maior urbanização e expansão da planta fabril da indústria localizada à nordeste da figura. Figura 9 - Uso e ocupação do solo (março/2016) Fonte: Google Earth (Imagem: CNES/Airbus). 50 Entre os meses de março/2016 e outubro/2016 (Figura 10), nota-se que foi recuperada grande parte das áreas que apresentava solos expostos. À sudoeste da RLSG, por exemplo, houve um aumento nas áreas com mata nativa. Ao sul e à leste, onde havia um grande terreno e áreas com solo exposto, foi construído novos barracões. Figura 10 - Uso e ocupação do solo (outubro/2016) Fonte: Google Earth (Imagem: CNES/Airbus). Na Figura 11, nota-se a expansão da planta fabril localizada ao sul da RLSG e o cultivo da cana de açúcar em todas as áreas ao redor da RLSG, o que diminuiu a exposição do solo comparado com o período anterior. 51 Figura 11 - Uso e ocupação do solo (junho/2017) Fonte: Google Earth (Imagem: CNES/Airbus). A Figura 12 é a imagem mais recente da área, e ilustra o período de colheita da cana de açúcar, o que causa novamente a situação de exposição do solo. Considerando o curto espaço de tempo referente as imagens (3 meses), não foi possível notar grandes diferenças em relação a forma de uso e ocupação do solo, tendo se mantida relativamente estável. Figura 12 - Uso e ocupação do solo (setembro/2017) Fonte: Google Earth (Imagem: CNES/Airbus). 52 4.5 Hidrografia O município de Santa Gertrudes está inserido na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos 5 (UGRHI-5) - Piracicaba/Capivari/Jundiaí, também conhecida por bacia do PCJ, que caracteriza-se por ser uma zona altamente industrial, tendo 44 municípios totalmente inseridos e 30 parcialmente inseridos na bacia do PCJ. Trata-se também de uma área com alta densidade populacional e com grande disponibilidade de recursos hídricos, porém, apresenta diversas áreas críticas com relação à quantidade e qualidade desses recursos. A bacia do PCJ pode ser dividida em 7 sub-bacias, sendo: sub-bacia Atibaia, sub-bacia Camanducaia, sub-bacia Capivari, sub-bacia Jaguari, sub-bacia Jundiaí, sub- bacia Piracicaba e sub-bacia Corumbataí, onde se encontra o município de Santa Gertrudes. A bacia hidrográfica do Rio Corumbataí pode ser considerada uma área crítica. Apesar de grande parte da bacia estar inserida em uma Unidade de Conservação (UC), em 2008 a região de Rio Claro e Santa Gertrudes já apresentavam um cenário crítico para abastecimento público e qualidade das águas (COBRAPE, 2010). O Córrego da Fazenda Itaqui, onde se localiza a RLSG, é afluente do Ribeirão Claro e subafluente do Rio Corumbataí. A microbacia do Córrego da Fazenda Itaqui possui cerca de 13,5 km², e na RLSG, tem área uma área aproximada de 1,5 km² (SILVA, 2001). Silva (2001) estimou a disponibilidade hídrica superficial da microbacia do Córrego da Fazenda Itaqui a partir de levantamentos hidrológicos disponibilizados pelo DAEE. Como resultado, foi encontrado o valor de vazão específica de 7,7 L/s.km², vazão média de 36,2 L/s, vazão de referência (Q7,10) de 0,012 m³/s e vazão específica da ordem de 7,6 L/s.km². Em relação à água subterrânea na RLSG, o fluxo ocorre por meio de “aquíferos livres porosos (sedimentos aluvionares, solo de alteração e matérias de aterro) e fraturados (siltitos da Formação Corumbataí e diabásios” (TIMGEO, 2014, p. 14), sendo muito provável que o fluxo das áreas subterrâneas seja controlados pelos lagos e cursos d’água existentes em superfície. 53 5 MATERIAL E MÉTODOS A seguir, serão apresentados os materiais e os métodos utilizados durante o desenvolvimento da dissertação. 5.1 Material A elaboração da dissertação baseou-se nos dados dos relatórios técnicos de investigação da área, obtidos junto à CETESB, em leis e regulamentos municipais e em documentos específicos do TIMBRE. Relatórios contidos no Processo 21/00302/02 da CETESB:  Relatório Técnico Hidrogeoambiental nº 007/2010, “Caracterização, monitoramento ambiental e avaliação de risco na Região dos Lagos de Santa Gertrudes, SP” (HIDROGEOAMBIENTAL, 2010);  Relatório TIMGEO TGBR-P1501-R1501, “Atualização do modelo de fluxo das águas subterrâneas na Região dos Lagos de Santa Gertrudes” (TIMGEO, 2014);  Relatório 2 - Versão Final, Bioesfera, “Execução dos trabalhos de monitoramento do solo, sedimentos e água da Região dos Lagos de Santa Gertrudes” (BIOESFERA, 2015);  Relatório 3 - Versão Final, Bioesfera, “Execução dos trabalhos de monitoramento do solo, sedimentos e água da Região dos Lagos de Santa Gertrudes (RLSG)” (BIOESFERA, 2016). Para a etapa de planejamento urbano e territorial, foram utilizados o Plano Diretor e Lei Orgânica do município de Santa Gertrudes:  Lei Complementar nº 1.883, de 5 de julho de 2002, que “dispõe sobre o Plano Diretor do município de Santa Gertrudes e dá outras providências”;  Lei Complementar nº 2.121, de 4 de setembro de 2007, que "introduz alterações na Lei Complementar nº: 1.883/2002, de 05 de julho de 2002 e suas alterações, que dispõe sobre o Plano Diretor do município de Santa Gertrudes e dá outras providências";  Lei Complementar nº 2.412, de 20 de abril de 2012, que "introduz alterações na Lei Complementar nº 2.121, de 04 de setembro de 2007, que dispõe sobre 54 alterações da Lei Complementar 1.883/2002 de 05 de julho de 2002 que trata do Plano Diretor do município de Santa Gertrudes e dá outras providências";  Lei Orgânica do município de Santa Gertrudes; Outros documentos e softwares:  Documentos e relatórios contidos no site oficial do método TIMBRE;  ArcGIS© 10.2.2 (ESRI, 2015), para a elaboração do mapa de localização da área de estudo;  Calculadora geográfica (INPE, 2018);  Ferramenta de Priorização (TIMBRE, Prioritization Tool);  Imagens orbitais (Google Earth Pro©). 55 5.2 Métodos Neste capítulo, são apresentadas as diversas etapas que foram realizadas para a elaboração da dissertação, como pode ser visto de forma resumida no fluxograma (Figura 13). Figura 13 - Fluxograma de desenvolvimento da pesquisa Fonte: Elaborado pela autora. 56 Primeira etapa: levantamento bibliográfico A primeira etapa consistiu em levantamento bibliográfico, tendo sido realizadas pesquisas em acervos físicos e digitais, tanto nacionais quanto internacionais. As consultas nos acervos físicos incluíram buscas em livros, dissertações e teses da biblioteca da Universidade Estadual Paulista - Júlio de Mesquita Filho - Câmpus de Rio Claro; no acervo da biblioteca “Prof. Dr. Lucas Nogueira Garcez” - CETESB São Paulo, onde foi possível acessar relatórios e notícias sobre a RLSG e obter uma cópia digital dos volumes do Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do Complexo Argileiro de Santa Gertrudes; e no acervo da CETESB Limeira, com solicitação prévia de vistas aos processos relativos à área. As consultas nos acervos digitais incluíram as seguintes bases acadêmicas: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - Parthenon (UNESP), Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (SIBi USP) e Portal de Periódicos da Capes. Para as buscas nos acervos físicos e digitais foram realizadas pesquisas com termos necessários ao desenvolvimento inicial da dissertação, principalmente referentes a temática de áreas contaminadas, brownfields e a situação atual da produção científica referente a esses temas no município de Santa Gertrudes. Para tanto, o levantamento bibliográfico foi realizado utilizando expressões e termos entre aspas (busca segmentada) e operadores booleanos, de modo a restringir os resultados das pesquisas para o tema e a área de estudo. Dessa forma, foram utilizados os seguintes termos: “Santa Gertrudes” AND “Região dos Lagos”; “Santa Gertrudes” AND “brownfield” e “Santa Gertrudes” AND “contaminação”. Após realizada a