UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL ALTERAÇÕES NO PERFIL DE METILAÇÃO DO DNA E IDENTIFICAÇÃO DE TRANSCRITOS DIFERENCIALMENTE EXPRESSOS EM CANA-DE-AÇÚCAR EM RESPOSTA AO SCMV (Sugarcane mosaic virus) Marcel Fernando da Silva Engenheiro Agrônomo 2017 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL ALTERAÇÕES NO PERFIL DE METILAÇÃO DO DNA E IDENTIFICAÇÃO DE TRANSCRITOS DIFERENCIALMENTE EXPRESSOS EM CANA-DE-AÇÚCAR EM RESPOSTA AO SCMV (Sugarcane mosaic virus) Marcel Fernando da Silva Orientadora Profa. Dra. Luciana Rossini Pinto Coorientador: Dr. Marcos Cesar Gonçalves Tese apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, Câmpus de Jaboticabal, como parte das exigências para a obtenção do título de Doutor em Agronomia (Genética e Melhoramento de Plantas) 2017 Silva, Marcel Fernando da S586a Alterações no perfil de metilação do DNA e identificação de transcritos diferencialmente expressos em cana-de-açúcar em resposta ao SCMV (Sugarcane mosaic virus) / Marcel Fernando da Silva. – – Jaboticabal, 2017 viii, 117 p. : il. ; 29 cm Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, 2017 Orientadora: Luciana Rossini Pinto Coorientador: Marcos Cesar Gonçalves Banca examinadora: Michael dos Santos Brito, Samira Domingues Carlin Cavallari, Dilermando Perecin, Janete Apparecida Desiderio Bibliografia 1. Epigenética. 2.Genes candidatos. 3. Infecção viral. 4. Perfil de expressão. 5. Saccharum officinarum. I. Título. II. Jaboticabal- Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. CDU 631.52:633.61 Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação – Diretoria Técnica de Biblioteca e Documentação - UNESP, Câmpus de Jaboticabal. DADOS CURRICULARES DO AUTOR MARCEL FERNANDO DA SILVA – nascido em dezessete de dezembro de 1986 em Araraquara (SP), Brasil, ingressou em 2006, no curso de Agronomia na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias - Campus de Jaboticabal. No ano de 2011 recebeu o grau de Eng.º Agrônomo pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias - Campus de Jaboticabal. Em março de 2012 ingressou no curso de Mestrado em Agronomia (Genética e Melhoramento de Plantas), sendo bolsista CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) durante o curso. Em 2014 recebeu o grau de mestre em Genética e Melhoramento de Plantas, ingressando no curso de doutorado no mesmo ano pelo programa Genética e Melhoramento de Plantas, sendo bolsista CAPES. i SUMÁRIO Página SUMÁRIO .................................................................................................................................. i RESUMO .................................................................................................................................. iii ABSTRACT ............................................................................................................................... v LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................. vii 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1 2. REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................. 3 2.1. Importância da cultura da cana-de-açúcar ............................................................... 3 2.2. Taxonomia da Cana-de-açúcar, origem e diversidade ........................................... 4 2.3. Doenças da cana-de-açúcar ....................................................................................... 7 2.4. Biotecnologia e o melhoramento da cana-de-açúcar .............................................. 8 2.5. Mosaico da cana-de-açúcar ...................................................................................... 10 2.6. Interação patógeno-hospedeiro ................................................................................ 15 2.7. Epigenética e padrões de metilação ........................................................................ 21 3. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................. 28 3.1. Material vegetal e tratamentos .................................................................................. 28 3.2. Obtenção de marcadores MSAP .............................................................................. 29 3.3. Análise dos dados MSAP .......................................................................................... 31 3.4. Isolamento dos fragmentos polimórficos MSAP e cDNA-AFLP .......................... 32 3.5. Clonagem e sequenciamento ................................................................................... 32 3.6. Desenho de oligonucleotídeos iniciadores ............................................................. 36 3.7. Obtenção de cDNA ..................................................................................................... 37 3.8. Experimentos de validação e análise de dados ..................................................... 37 4. RESULTADOS ................................................................................................................... 38 4.1. Alterações no padrão de metilação .......................................................................... 38 4.2. Sequenciamento e análise dos fragmentos MSAP polimórficos ......................... 43 4.3. Sequenciamento e análise dos FDEs ...................................................................... 50 4.4. Genes de referência ................................................................................................... 55 4.5. Genes candidatos ....................................................................................................... 58 5. DISCUSSÃO ...................................................................................................................... 61 6. CONCLUSÃO .................................................................................................................... 74 ii 7. REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 75 iii ALTERAÇÕES NO PERFIL DE METILAÇÃO DO DNA E IDENTIFICAÇÃO DE TRANSCRITOS DIFERENCIALMENTE EXPRESSOS EM CANA-DE-AÇÚCAR EM RESPOSTA AO SCMV (Sugarcane mosaic virus) RESUMO - O mosaico da cana-de-açúcar é uma das principais viroses da cultura, sendo os estudos de padrões de metilação e de transcriptoma de contribuição para a compreensão da resistência genética à doença. O presente trabalho aplicou a técnica MSAP (“Methylation-sensitive amplified polymorphism”) em dois cultivares de cana-de-açúcar de resposta contrastante à doença do mosaico, causada pelo Potyvirus Sugarcane mosaic virus (SCMV), nas condições de inoculação falsa e inoculação com SCMV, para análise de alterações no padrão de metilação. As alterações no padrão de metilação causadas pela interação com o SCMV foram identificadas por meio de clonagem e sequenciamento. Fragmentos diferencialmente expressos (FDEs), previamente obtidos pela técnica cDNA-AFLP (“cDNA-amplified fragment length polymorphism”), também foram clonados e sequenciados para a identificação de genes candidatos associados à resistência ao SCMV. Em análises da frequência dos padrões de presença e ausência de bandas MSAP, níveis de metilação genômica variando de 33% a 35,4% foram observados para IAC91-1099, e de 33% a 37,3% para IACSP95-5000, com uma pequena proporção de loci alterados em resposta ao SCMV para ambos os cultivares. A análise global pelo pacote R MSAP indicou níveis de metilação genômica de 40%, além de demonstrar que as variações epigenéticas entre os cultivares (Phi_ST = 0,32; P = 0,008) apresentaram menor extensão que as variações genéticas (Phi_ST = 0,96; P = 0,0067). As análises AMOVA e PCoA confirmaram a pequena proporção de polimorfismos ocasionados pela infecção por SCMV, sendo as variações devidas a tempo de coleta mais proeminentes. Essas alterações, no entanto, foram específicas para os cultivares em estudo, sugerindo diferenças epigenéticas na resposta a inoculação com o SCMV. Enquanto o cultivar resistente IACSP95-5000 apresentou maiores polimorfismos de hipometilação 24 e 72 horas após a inoculação (hai) e a maior ocorrência de hipermetilação 48 hai, o cultivar suscetível IAC91-1099 apresentou uma troca entre a metilação da citosina interna e a semimetilação da citosina externa. O sequenciamento de polimorfismos MSAP decorrentes da interação com SCMV indicaram relevância para a caracterização da interação cana-de-açúcar e SCMV, uma vez que foram observados alinhamentos com transcritos com função putativa de resposta a estresses bióticos e abióticos, remodelação da cromatina e elementos transponíveis. Já os alinhamentos MSAP com região genômica revelaram possíveis regiões promotoras para os transcritos à jusante, relacionados à proteína kinase e elementos transponíveis. Os alinhamentos dos FDEs, oriundos do marcador molecular cDNA-AFLP, indicaram vias possivelmente relacionadas à fotossíntese, recuperação pós-estresse, proteínas transmembranas, resposta a estresses abióticos, elementos transponíveis e remodelação de cromatina via metilação de DNA e alterações na histona 3 (H3). A região promotora dos fragmentos MSAP e FDEs apresentou elementos reguladores responsivos a estresses, fitormônio e vias epigenéticas, além da ocorrência de ilhas CpG, sugerindo conexões entre alterações no transcriptoma e no perfil de metilação iv de DNA. A validação de três FDEs por qRT-PCR revelou uma complexidade na expressão e um comportamento diferente do observado por cDNA-AFLP. Ainda assim, o FDE_1 pode explicar alguns dos polimorfismos de hipometilação de DNA observados pelo marcador molecular MSAP, enquanto o FDE_2 pode explicar as diferenças na expressão de sintomas de mosaico entre os cultivares. Por sua vez, a regulação negativa do FDE_4 em IACSP95-5000 se assemelha ao observado na literatura para resistência genética em milho a um Potyvírus do subgrupo do SCMV. Palavras chave: epigenética, genes candidatos, infecção viral, perfil de expressão, Saccharum officinarum v ANALYSIS OF DNA METHYLATION PATTERN CHANGES AND IDENTIFICATION OF DIFERENTIALLY EXPRESSED TRANSCRIPTS IN SUGARCANE IN RESPONSE TO SCMV (Sugarcane mosaic virus) ABSTRACT – Mosaic caused by Sugarcane mosaic virus (SCMV) is one of the main viruses infecting sugarcane worldwide. Studies on transcriptomic analysis and methylation status of genomic DNA contribute to understand the molecular bases of resistance to mosaic. The present study used the MSAP (Methylation-sensitive amplified polymorphism) approach in two sugarcane cultivars with contrasting response for SCMV, IACSP95-5000 (resistant) and IAC91-1099 (susceptible), both under mechanical inoculation condition, along with their respective mock inoculated controls, in order to evaluate changes in DNA methylation patterns and to identify polymorphisms caused by SCMV via cloning and sequencing. Differentially expressed transcribed fragments (DTFs) previously obtained from cDNA-AFLP were also cloned and sequenced with the aim of identifying candidate genes for SCMV resistance. Analysis of MSAP patterns frequency revealed genomic methylation levels ranging from 33% to 35.4% in IAC91-1099, and from 33% to 37.3% in IACSP95-5000, with minor changes caused by interaction with SCMV for both cultivars. Global analysis performed by R MSAP package demonstrates a genomic methylation level of 40% and also reveals that epigenetic variation between cultivars (Phi_ST = 0.32; P = 0.008) was less expressive than genetic variation (Phi_ST = 0.96; P = 0.0067). AMOVA and PCoA analyses confirmed the little extension of alterations in cytosine methylation caused by SCMV inoculation, being the variations observed among sample time points more expressive. Nonetheless, SCMV changes in cytosine methylation were distinctive between the cultivars, suggesting epigenetic differences in response to SCMV inoculation. Whilst the resistant cultivar IACSP95- 5000 showed higher frequencies of polymorphisms regarding cytosine hyphomethylation 24 hours post inoculation (hpi) and 72 hpi, and higher hypermethylation polymorphisms 48 hpi, the susceptible cultivar IACSP91-1099 showed an exchange from inner cytosine methylation to external cytosine hemimethylation. The sequencing of the MSAP polymorphism caused by SCMV indicated relevance for the characterization of sugarcane-SCMV interaction, since alignments with transcripts putatively associated with biotic and abiotic stresses responses, chromatin remodeling and transposable elements were observed. In turn, MSAP alignments with genomic region showed putative promoter regions for downstream transcripts associated with protein kinase and transposable elements. DTFs alignments suggests changes in photosynthesis, post-stress recovery, activity of transmembrane proteins, responses to biotic and abiotic stresses, transposable elements and a DTF with putative function in chromatin remodeling via DNA methylation and histone 3 (H3) modification. Analyses of putative promoter regions of MSAP fragments and DTFs revealed cis acting motifs responsive to stress, phytohormones and epigenetic pathways, besides the proximity of CpG islands, suggesting a crosstalk between changes in transcriptome and cytosine methylation. The validation of three DTFs by qRT-PCR showed a complex expression and a contrasting behavior from cDNA-AFLP observations. Even though, DTF_1 profile vi expression may explain some of the hypomethylation polymorphisms observed from MSAP molecular marker, whereas DTF_2 may explain the contrasting behavior in symptom expression between cultivars. The pronounced downregulation observed for DTF_4 in IACSP95-5000, in turn, correlates with maize genetic resistance to a Potyvirus belonging to SCMV subgroup. Keywords: epigenetics, candidate genes, viral infeccion, expression profile, Saccharum officinarum vii LISTA DE ABREVIATURAS AAA – “ATPases associated with diverse cellular activities” cDNA-AFLP – “cDNA-amplified fragment lenghth polymorphism” Clp – “Caseinolytic protease” ETI – “Effector triggered immunity” FDE – Fragmento diferencialmente expresso Hai – Horas após a inoculação mecânica HR – “Hyper-sensitive response” Hsp 100 – “Heat Shock Protein 100” MBD – “Methyl-CpG binding domain MDMV – Maizedwarf mosaic virus MSAP – “Methylation-sensitive amplified polymorphism” MSL – “Methylation susceptible loci” NB-LRR – “Nucleotide-binding leucine rich repeat” NML – “Non Methylated loci” PAMP – “Pathogen-associated molecular patterns" Pfam – “Protein family” PRR – “Pattern recognition receptors” PTI – “PAMP-triggered immunity” RdDM – “RNA-directed DNA methylation” RNAi – Interferência de RNA ROS – “Reactive oxygen species” SAR – “Systemic acquired resistance” SCMV – Sugarcane mosaic virus SYT – “Synaptotagmins” viii TMV - Tobacco mosaic tobamovirus 1 1. INTRODUÇÃO A cana-de-açúcar (Saccharum spp.) é uma das principais culturas de importância econômica mundial sendo o Brasil o maior produtor com 657,18 milhões de toneladas de cana-de-açúcar na safra 2016/2017 (CONAB, 2017). O número de cultivares de cana-de-açúcar em cultivo no país é grande devido ao alto potencial produtivo dos programas de melhoramento, o que permite adaptação às diversas condições agroclimáticas, além de proporcionar uma restrição natural da área plantada com um único cultivar, reduzindo riscos econômicos de perdas com possíveis epidemias (LANDELL; BRESSIANI, 2008). A resistência a doenças constitui o principal fator de substituição de cultivares na cana- de-açúcar (BRESSIANI, 2001), sendo o mosaico uma das principais doenças da cultura, com registros em quase todos os países produtores (GONÇALVES et al., 2012; VISWANATHAN; MOHANRAJ, 2001). O mosaico da cana-de-açúcar causado pelo Sugarcane mosaic virus (SCMV) é responsável por diversos impactos econômicos na cultura, com prejuízos desde a redução na eficiência fotossintética a reduções em vários parâmetros de crescimento e produção (VISWANATHAN; BALAMURALIKRISHNAN, 2005). Os sintomas iniciais de infecção, segundo Gonçalves et al. (2007), são caracterizados por pontos cloróticos de distribuição linear no meio ou mais comumente na base das folhas, que evoluem para áreas alongadas formando um mosaico típico, podendo aumentar de severidade com a idade da folha. Pode haver acentuada redução no crescimento das plantas dependendo da espécie e estirpe do vírus, do cultivar de cana-de-açúcar e da infecção ocorrer nos estágios iniciais de desenvolvimento da planta. No Brasil, a doença encontra-se relativamente controlada com a ação dos programas de melhoramento e a adoção de práticas culturais como o roguing em viveiros, o uso de mudas sadias e o constante monitoramento de campos comerciais. No entanto, fatores como condições epidemiológicas favoráveis a 2 disseminação do mosaico e a descrição de novos isolados, como o SCMV Rib-1, responsável por surtos de mosaico em cultivares até então consideradas resistentes, reforçam a importância atual da doença no desenvolvimento de novos cultivares (GONÇALVES et al., 2004, 2007, 2012). Apesar de sua importância, principalmente por ocasionar perdas significativas de produtividade em cultivares suscetíveis, poucos estudos foram realizados para a caracterização molecular da resistência da cultura da cana-de-açúcar ao SCMV. A identificação de fragmentos diferencialmente expressos (FDEs) no cultivar resistente durante o processo de infecção pelo SCMV pode sinalizar possíveis genes candidatos envolvidos em respostas de resistência. Técnicas de análise de transcriptoma permitem o estudo de mudanças na expressão gênica, sendo a principal forma de caracterização de genes em cana-de- açúcar (MANNERS; CASU, 2011), uma vez que o sequenciamento completo de seu genoma ainda não foi obtido (OKURA et al., 2016). A técnica de cDNA-AFLP (“cDNA-amplified fragment length polymorphism”) tem sido considerada eficiente, sensível e com reprodutibilidade para o isolamento de genes diferencialmente expressos (BACHEM et al., 1996), a qual não requer o conhecimento prévio do genoma. Por este motivo ela vem sendo muito útil no estudo de novos genes em organismos não modelos (DURRANT et al., 2000; DITT et al., 2001; ZAGO et al., 2006) e oferece grande potencial em estudos de estresse biótico para o desenvolvimento de marcadores genéticos associados à resistência a pragas e doenças (BUTTERFIELD et al., 2004). Diversas alterações na expressão gênica vêm sendo relacionadas aos fenômenos de metilação de DNA (SUZUKI; BIRD, 2008), interferência de RNA (RNAi; STORZ, 2002) e modificação de histonas e proteínas remodeladoras da cromatina (BANNISTER; KOUZARIDES, 2011), fenômenos estes que são compreendidos pelo termo epigenética (FEIL; FRAGA, 2012). A investigação de alterações no padrão de metilação no genoma da cana-de-açúcar durante o processo de infecção pelo SCMV por meio da técnica MSAP (“Methylation Sensitive Amplified Polymorphism”) permite sua quantificação e identificação de possíveis genes afetados por essa via epigenética. A técnica vem sendo aplicada para 3 avaliação de variabilidade no padrão de metilação de populações selvagens, assim como para associações com função gênica por meio de técnicas de clonagem e sequenciamento dos polimorfismos observados (CICATELLI et al., 2014; MEDRANO et al., 2014). Neste sentido, o presente trabalho teve como objetivo dar continuidade a identificação de FDEs obtidos pela técnica cDNA-AFLP por Medeiros et al. (2014), assim como investigar a alteração no padrão de metilação e sua associação a genes por meio da técnica MSAP. A técnica MSAP foi aplicada em material vegetal procedente do experimento conduzido por Medeiros et al. (2014), onde dois cultivares de resposta contrastante ao mosaico foram inoculados com a estirpe agressiva de SCMV (estirpe Rib-1). Ambos os cultivares, IACSP95-5000 (resistente) e IAC91-1099 (suscetível), foram obtidos por micromeristemas, conduzidos em condições controladas de casa-de-vegetação e amostradas nos tempos de 24, 48 e 72 horas após a inoculação. 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Importância da cultura da cana-de-açúcar A cultura da cana-de-açúcar possui importância para produção de alimento e energia devido à sua capacidade de acúmulo de altos níveis de sacarose em seus colmos e alto rendimento, sendo uma das culturas de maior colheita total em toneladas (DAL-BIANCO et al., 2011). Em 2013, foram produzidas 1.900 milhões de toneladas de cana-de-açúcar em uma área de 26,5 milhões de hectares distribuídos nos diversos países produtores, sendo o Brasil o maior produtor mundial, com contribuição de 40,5% dessa produção (FAOSTAT, 2013). Segundo a CONAB (2016), a produção de cana-de-açúcar para a safra 2015/16 foi de 665,6 milhões de toneladas, com crescimento de 4,9% em relação à safra 2014/15, enquanto a área cultivada foi de 8,6 milhões de hectares, com redução de 3,9% em relação à safra 4 anterior. As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste contribuíram para a redução na área cultivada, mas apresentaram aumentos na produtividade, enquanto a região Nordeste apresentou declínio na área destinada à produção e na produtividade. A região Norte, responsável por menos de 1% da produção nacional, apresentou aumento na área cultivada e redução na produtividade. Após o salto de produção de açúcar entre as safras 2005/06 e 2010/11, os valores permaneceram em torno de 38 milhões de toneladas até a safra 2013/14, ficando abaixo dos 35 milhões nas últimas duas safras, sendo a produção na safra 2015/16 de 33,49 milhões de toneladas, com redução de 5,8% em relação à safra anterior. Cinco estados contribuíram para essa redução, sendo eles Alagoas, São Paulo, Pernambuco, Paraná e Goiás. No estado de São Paulo, a despeito do aumento na produção de cana-de-açúcar, o açúcar total recuperável (ATR) foi menor que o da safra anterior, o que acarretou em uma menor obtenção de subprodutos. Outros fatores que contribuíram para a redução na produção de açúcar foram o déficit hídrico nos estados de Alagoas e Pernambuco, e a produção de etanol em detrimento da de açúcar, no estado de Goiás. As contribuições das diferentes regiões para a produção de açúcar na safra 2015/16 foram nas proporções de 73,5% para a região Sudeste, 10,6% para a Região Centro-Oeste, 7,6% para a Região Nordeste, 8,1% para a região Sul e 0,1% para a Região Norte. A produção brasileira de etanol total no país na safra 2015/2016 foi de 30,5 bilhões de litros, com aumento de 6,3%, com contribuição das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Norte para esse aumento. A produção de etanol é concentrada na Região Sudeste (59,3%), seguida pela Região Centro-Oeste (29%), Nordeste (5,6%), Sul (5,2%) e Norte (0,9%). Os aumentos na produtividade da cana- de-açúcar no Brasil devem-se principalmente a práticas culturais e ao melhoramento genético (CHEAVEGATTI-GIANOTTO, 2011), sendo o objetivo atual a seleção de clones com alta produtividade e teores de sacarose por hectare, mais rusticidade, como tolerância a seca, resistência a pragas e doenças e alta produção de etanol e biomassa (CESNIK; MIOCQUE, 2004; MORAIS et al., 2015). 2.2. Taxonomia da Cana-de-açúcar, origem e diversidade 5 A cana-de-açúcar pertence ao gênero Saccharum L., tribo Andropogoneae, subfamília Panicoideae, família Poaceae. Espécies domesticadas e selvagens da tribo Andropogoneae representam importantes fontes de alimento, forragem, fibra e combustível, e incluem grandes culturas como milho (Zea mays) e sorgo (Sorghum bicolor), além da cana-de-açúcar. Todas as espécies da tribo apresentam sistema fotossintético C4, que é caracterizado pela maior fixação de carbono e eficiência no uso de água e nutrientes em comparação a maioria das espécies vegetais (BEADLE; LONG, 1985; BROWN, 1978) contribuindo para as altas produtividades de biomassa observadas nas espécies cultivadas (SWAMINATHAN et al., 2010). Outra característica da tribo é a ampla distribuição do fenômeno da poliploidia levando a formação de genomas grandes e complexos. Mesmo apresentando distribuição tipicamente tropical e subtropical, as espécies de Andropogoneae cultivadas apresentam adaptação a uma diversidade de ambientes e variam quanto ao ciclo da cultura (anuais e perenes) e à forma cultivável de carbono (açúcar, amido de grãos ou celulose) (SWAMINATHAN et al., 2010). Segundo Grivet et al. (2004), os recursos genéticos da cana-de-açúcar podem ser divididos nas categorias de cultivares tradicionais, acessos selvagens e cultivares modernos. Os cultivares tradicionais não apresentam mais expressão no ambiente de cultivo, sendo utilizados como progenitores dos cultivares modernos e fontes em potencial de caracteres de interesse para o melhoramento genético. Historicamente, os cultivares tradicionais descendem diretamente das primeiras domesticações por propagação clonal via toletes, abrangendo os cultivares nobres (S. officinarum L., x = 10, 2n = 8x = 80) (BREMER, 1961; D'HONT et al., 1995), os cultivares do Norte da Índia e os Chineses (BARBER, 1922). Os cultivares nobres possuem centro de diversidade em Nova Guiné e são caracterizados pelos altos teores de açúcar, enquanto os cultivares do Norte da Índia e os Chineses são caracterizados pela melhor adaptação ao clima tropical, número de cromossomos menor que 80 e teores de açúcar comparativamente menores (GRIVET et al., 2004). Cinco grupos morfo-citológicos foram descritos o subgrupo que abrange os cultivares do Norte da Índia e Chineses, sendo quatro deles incluídos na espécie S. barberi Jesw (Mungo, Saretha, Nargori e Sunnabile) e um incluído tanto na espécie 6 S. barberi Jesw (2n = 111-120) como S. sinense (2n = 81-124) Roxb (Pansahi) (BARBER, 1922; D’HONT et al., 1996). Os acessos selvagens incluem S. spontaneum L (x=8, 2n=40 e 2n=128), S. robustum Brandes e Jeswiet ex Grassl (x=10, 2n=60 e 2n=80) (D’HONT et al., 1996, 1998; HA et al., 1999, GRIVET et al., 2004) e espécies do gênero Erianthus, Miscanthus, Sclerostachya e Narenga. Esses acessos selvagens, que são relacionados aos cultivares tradicionais de cana-de-açúcar e potencialmente incluídos entre seus progenitores (GRIVET et al., 2004), foram reunidos no grupo taxonômico informal ‘complexo Saccharum’, definido primeiramente por Mukherjee (1957) e estendido posteriormente por Daniels et al. (1975). O ‘complexo Saccharum’ representa a fonte de variação genética disponível para os programas de melhoramento. De acordo com D’Hont et al.(2002), S. barberi e S. sinense são híbridos interespecíficos entre S. officinarum e S. spontaneum, enquanto S. edule pode ser um híbrido interespecífico ou intergênero entre S. officinarum ou S. robustum com alguma espécie do ‘complexo Saccharum’ (DANIEL; ROACH, 1987). Segundo Irvine (1999), o nível de ploidia e número de cromossomos variam entre acessos de espécies do gênero Saccharum, com exceção para S. offcinarum, resultando em diferentes tamanhos de genoma entre acessos e híbridos Saccharum. Os cultivares modernos de cana-de-açúcar pertencem a um complexo de espécies aneuploides e poliploides (GRIVET; ARRUDA, 2002) obtidos por meio de complexas hibridações interespecíficas entre cultivares tradicionais e clones de S. spontaneum em cruzamentos artificiais, seguido de diversas gerações de seleção clonal (D’HONT et al., 1996). O conjunto cromossômico dos cultivares modernos (2n=100-130) é estimado em consistir de 70-80% de S. officinarum, 10-20% de S. spontaneum e de aproximadamente 10% de recombinantes entre os genomas destas duas espécies (D’HONT et al., 1996). As espécies S. sinense, S. barberi e S. robustum também apresentam uma contribuição menor em alguns cultivares modernos de cana-de-açúcar (CHEAVEGATTI-GIANOTTO et al., 2011). A base genética dos cultivares modernos é caracterizada pelo estreitamento devido ao uso de um pequeno número de clones S. officinarum e S. spontaneum nos primeiros cruzamentos interespecíficos (ARCENAUX, 1967), sendo sua maioria descendente 7 desses clones (BERDING; ROACH, 1987; DEREN, 1995). O estreitamento da base genética também tem sido observado nos programas de melhoramento do Brasil, onde se utilizam de forma preponderante cultivares comerciais como parentais, os quais possuem uma base genética comum (BARBOSA, 2001; DUARTE FILHO et al., 2010). Dessa forma, programas de introgressão com acessos selvagens vêm sendo desenvolvidos para ampliar a base genética da cultura, assim como para seleção de genótipos com foco na produção de biomassa para produção de etanol e energia (BARBOSA et al., 2004). 2.3. Doenças da cana-de-açúcar Atualmente, 216 doenças foram descritas em cana-de-açúcar sendo 10 consideradas como de grande impacto econômico, sendo elas mosaico, carvão, raquitismo da soqueira, escaldadura, ferrugem, amarelinho, podridão vermelha, estrias vermelhas, podridão abacaxi e mancha parda (SANGUINO, 2012; MORAIS et al., 2015). O manejo de doenças na cultura da cana-de-açúcar consiste principalmente na integração entre resistência genética e práticas culturais como medidas de quarentena, roguing em viveiros e o constante monitoramento de campos comerciais. Alguns cultivares são suscetíveis a mais de um patógeno e muitos clones elite de alta produção não são liberados comercialmente devido a suscetibilidade a patógenos. Desta forma, existe uma constante necessidade de manter e introduzir genes de resistência em clones cultivados assim como em germoplasma de cana-de-açúcar com potencial para o melhoramento (LAKSHMANAN et al., 2005). Os primeiros híbridos interespecíficos entre S.officinarum e S. spontaneum e o subsequente processo de nobilização caracterizaram os primeiros avanços no cultivo da cana-de-açúcar. O processo de nobilização consistiu de retrocruzamentos sucessivos com S. officinarum, e os avanços obtidos consistiram no controle de algumas doenças via transferência de genes de resistência, assim como aumentos 8 na produtividade, no perfilhamento e na adaptação a estresses abióticos (ROACH, 1972). Um dos grandes avanços do melhoramento convencional consistiu na obtenção de clones resistentes ao raquitismo de soqueira e ferrugem (MORAIS et al., 2014). 2.4. Biotecnologia e o melhoramento da cana-de-açúcar A aplicação de ferramentas da biologia molecular pode fornecer alternativas às limitações do melhoramento clássico, a exemplo do emprego de marcadores moleculares nos estudos genéticos em culturas de genoma complexo como a cana- de-açúcar. O sequenciamento de genomas vegetais geralmente é desafiador devido à arquitetura complexa e alto conteúdo de sequências repetitivas, sobretudo para os híbridos de cana-de-açúcar, com mais de 55% de sequências repetitivas (OKURA et al., 2016), nível de ploidia superior a 10 e o genoma de 10 Gb, a exemplo do cultivar R570 (D’HONT; GLASZMANN, 2001; LE CUNFF et al., 2008). Esta complexa arquitetura genômica com diversos homo/homeoalelos em cada locus (DAUGROIS et al., 1996; GUIMARAES et al., 1999) dificulta a montagem do genoma por meio da técnica de sequenciamento “shotgun”, devido à sobreposição de leituras provenientes dos homeoalelos que impede a recuperação de grandes “contigs”. O sequenciamento completo do genoma da cana-de-açúcar ainda não foi alcançado e algumas regiões do genoma consenso obtidas podem apresentar um mosaico de sequências com significado biológico comprometido (OKURA et al., 2016). Como alternativa tem-se realizado sequenciamentos de bibliotecas de cromossomos artificiais de bactérias (“Bacterial Artificial Chromosome”, BAC) e posteriores alinhamentos usando o genoma de sorgo como modelo sintênico de modo a fornecer mapas de referência que permitem o melhor entendimento da organização genômica da cana-de-açúcar (PATERSON et al., 2009; DE SETTA et al., 2014; OKURA et al., 2016), pois alinhamentos parciais de regiões sobrepostas de grandes contigs possibilitam a representação de diferentes segmentos cromossômicos homólogos/homeólogos. Os gêneros Saccharum e Sorghum compartilham diversas 9 similaridades em sua composição genética, uma vez que se originaram de um ancestral comum aproximadamente 5-8 milhões de anos atrás (Al-JANABI et al., 1994; GUIMARÃES et al., 1997; FIGUEIRA et al., 2008) de forma que possui amplo reconhecimento como genoma de referência para análises comparativas, auxiliando a compreensão do genoma da cana-de-açúcar (SWAMINATHAN et al., 2010). Devido à falta de um genoma completamente sequenciado, a caracterização de genes de cana-de-açúcar e sua associação com caracteres biológicos como acúmulo de açúcar, produção de biomassa e tolerância a estresses tem se baseado em estudos de transcriptoma (MANNERS; CASU, 2011). Diversas técnicas que permitem o estudo das alterações no transcriptoma estão presentes na literatura, tendo-se como exemplos macroarranjos (SCHENA et al., 1995), microarranjos (AHARONI; VORST, 2002), análise de diferenças representativas (“representational difference analysis”, RDA) (HUBANK; SCHATZ,1994), hibridização subtrativa supressiva (“suppression subtractive hybridization”, SSH) (DIATCHENKO et al., 1996), cDNA-AFLP (BACHEM; OOMEN; VISSER, 1998), análise serial da expressão gênica (“serial analysis of gene expression.”, SAGE) (YAMAMOTO et al., 2001) e RNA-seq (GRABHERR et al., 2011). O sequenciamento de marcadores de sequência expressa (“expressed sequence tags”, ESTs) tem contribuído para o processo de descoberta de genes em cana-de-açúcar (HOTTA et al., 2010), havendo iniciativas de desenvolvimento de coleções ESTs por grupos de pesquisa na África do Sul (CARSON; BOTHA, 2000), Austrália (CASU et al., 2003), Estados Unidos (MA et al., 2004), e pela iniciativa da SUCEST no Brasil (VETTORE et al., 2003). Segundo Dal-Bianco et al. (2010), a base de dados SUCEST-FUN integra o projeto EST de cana-de-açúcar (SUCEST) (VETTORE et al., 2003), o índice de genes de cana-de-açúcar (“Sugarcane Gene Index”, SGI), dados de expressão gênica (PAPINI-TERZI et al., 2005; ROCHA et al., 2007; PAPINI-TERZI et al., 2009; WACLAWOVSKY et al., 2010), a base de dados GRASSIUS (YILMAZ et al., 2005) e registros de características agronômicas, fisiológicas e bioquímicas de cultivares de cana-de-açúcar (http://sucest-fun.org). A coleção SUCEST abrange 26 bibliotecas cDNA obtidas de raiz, plântulas, colmos, folhas, flores e sementes, assim como calos submetidos a estresses abióticos e http://sucest-fun.org/ 10 plântulas submetidas a infecção com bactérias fixadoras de nitrogênio endofíticas, que permitem uma abordagem global da expressão gênica em cana-de-açúcar (VETTORE et al., 2003). A coleção contém 237.954 ESTs agrupados em 43.141 transcritos montados, 32.848 proteínas preditas e 68.383 pontos de dados de expressão gênica diferencial (NISHIYAMA et al., 2010). Os estudos envolvendo a caracterização de genes descobertos por meio de ESTs foram realizados principalmente por meio de análises de padrões de macro e micro arranjos e PCR quantitativo (HOTTA et al., 2010). Uma limitação das metodologias de arranjo se encontra na aplicação restrita a sequências já identificadas (YAMAMOTO et al., 2001). A técnica cDNA-AFLP, por sua vez, possui a vantagem de não requerer conhecimentos prévios de sequência para sua aplicação. Diferentemente das técnicas de arranjo, ela oferece poucas informações para um cenário mais amplo da reprogramação gênica (MANNERS; CASU, 2011), mas têm apresentado relevante aplicação na identificação de genes candidatos para diversas condições (DINARI et al., 2013; BASTIAANSE et al., 2014; EBADZAD; CRAVADOR, 2014; GUO et al., 2014). 2.5. Mosaico da cana-de-açúcar O Sugarcane mosaic virus (SCMV), agente causal do mosaico da cana-de- açúcar, pertence ao gênero Potyvirus, da família Potyviridae. A família Potyviridae é a segunda maior dentre os fitovírus, depois da Geminiviridae, com um total de 203 espécies distribuídas em oito gêneros de vírus: Potyvirus, Brambyvirus, Bymovirus, Ipomovirus, Macluravirus, Poacevirus, Rymovirus, Tritimovirus, sendo o gênero Potyvirus o mais abrangente, com 146 espécies (ROOSSINCK, 2012; VALLI et al., 2015 ). A doença do mosaico em membros da família Poaceae é causada por diferentes vírus pertencentes ao subgrupo do SCMV, incluindo seis espécies do gênero Potyvirus (SCMV; Sorghum mosaic virus, SrMV; Johnsongrass mosaic virus, JGMV; Maizedwarf mosaic virus, MDMV; Pennisetum 11 mosaic virus ,PenMV; Zea mosaic virus, ZeMV) e uma do gênero Poacevirus (Sugarcane streak mosaic virus, SCSMV). Em condições naturais apenas o SCMV, SrMV e SCSMV infectam a cana-de-açúcar (CHATENET et al., 2005), sendo que no Brasil apenas o SCMV foi relatado (GONÇALVES et al., 2007). A doença é responsável por diversos impactos econômicos na cultura da cana-de-açúcar, promovendo reduções em parâmetros de crescimento e produção, além de alterações nas propriedades do caldo extraído. Viswanathan e Balamuralikrishnan (2005) ao compararem colmos dos cultivares Co 740 e CoC 671 nas condições de ausência e presença de infecção por SCMV, observaram reduções na germinação de colmos, produção de perfilho e assimilação líquida de CO2, a qual representa redução na taxa de fotossíntese. Os parâmetros de produção como diâmetro de colmo, número de internódios e peso de colmo também apresentaram redução juntamente com as propriedades do caldo extraído como brix, polaridade, pureza e sobrenadante livre de células (“cell free supernatants”, CCS). As espécies SCMV e SrMV representam os vírus mais disseminados na cultura e uma ameaça potencial à agroindústria (PERERA et al., 2009). Os sintomas iniciais de infecção, segundo Gonçalves et al. (2007), são caracterizados por pontos cloróticos de distribuição linear no meio ou mais comumente na base das folhas, que evoluem para áreas alongadas formando um mosaico típico, podendo aumentar de severidade com a idade da folha. Pode haver acentuada redução no crescimento das plantas dependendo da espécie e estirpe do vírus, do cultivar de cana-de-açúcar e do estágio de desenvolvimento da planta quando ocorre a infecção, com maior severidade em estágios iniciais. A transmissão dos vírus do subgrupo do SCMV se dá por meio de várias espécies de afídeos, com destaque para Rhopalosiphum maidis e Schizaphis graminum (TEAKLE et al., 1989), encontrados frequentemente em várias culturas do Brasil (GONÇALVES et al., 2007) (Figura 1). A transmissão ocorre de forma não persistente, com períodos de acesso de aquisição e de transmissão de poucos segundos a minutos, e retenção por até algumas horas, a exemplo do SCMV MDB (SHUKLA et al.,1994). 12 Figura 1. Sintomas de mosaico da cana-de-açúcar e os principais vetores da doença. A: Sintoma severo de mosaico após inoculação mecânica com SCMV Rib-1 do cultivar IACSP97-4039. B: Adultos de Schizaphis graminum infestando S. bicolor (SPARKS, 2004). C: Infestação ocasionada por Rhopalosiphum maidis (fonte: http://www.nbair.res.in/Aphids/Rhopalosiphum-maidis.php). Devido à transmissão não persistente, o controle químico dos vetores não é efetivo no controle da doença (GONÇALVES et al., 2012). O controle e a prevenção de infecções por Potyvirus são dificultados pelo comportamento de migração dos afídeos, juntamente com o fato de que cada espécie de Potyvirus pode ser transmitida por muitas espécies de afídeos, ao passo que cada espécie de afídeo pode transmitir diversas espécies de Potyvirus (GIBBS et al., 2008; IVANOV et al., A B C 13 2014). No Brasil, a doença se encontra relativamente controlada com a ação dos programas de melhoramento e a adoção de práticas culturais como o rouguing em viveiros, o uso de mudas sadias e o constante monitoramento de campos comerciais (GONÇALVES et al., 2012). No entanto, fatores como condições epidemiológicas favoráveis a disseminação do mosaico e a descrição de novos isolados, como o SCMV Rib-1, responsável por surtos de mosaico em cultivares considerados resistentes, até o seu surgimento, reforçam a importância atual da doença no desenvolvimento de novos cultivares (GONÇALVES et al., 2007, 2012). A infecção por Potyvirus envolve processos moleculares complexos em vários compartimentos celulares, requerendo a participação de diversos genes e proteínas por parte do hospedeiro, sendo muitos aspectos não esclarecidos acerca do mecanismo de supressão das defesas do hospedeiro e da criação de um ambiente intracelular ótimo para a tradução do genoma viral (IVANOV et al., 2014). Um melhor entendimento da interação entre proteínas de Potyvirus e hospedeiro tem sido possível por meio de análises de transcriptoma (AGUDELO-ROMERO et al., 2008; BABU et al., 2008; BAEBLER et al., 2009), proteoma (YANG et al., 2011; WU et al., 2013), metaboloma (PRASCH; SONNEWALD, 2013) e interactoma (ELENA; RODRIGO, 2012; MARTÍNEZ et al., 2016). O estudo de microarranjos de cDNA realizado por Baebler et al. (2009) com dois cultivares de batata de resposta contrastante a estirpe necrótica de Potato virus Y (PVY) revelou alterações em transcritos relacionados a fotossíntese, percepção de sinais, e defesa vegetal por meio de compostos secundários e inibidores de proteinase. No cultivar suscetível foi observada a regulação positiva de transcritos relacionados à sinalização e à fatores de transcrição da família WRKY, enquanto no cultivar resistente foi observada regulação positiva de transcritos relacionados à síntese de compostos secundários e resposta a estresses bióticos. Em Arabidopsis thaliana sob infecção com outro Potyvirus, o Plum pox virus (PPV), Babu et al. (2008) observaram regulação negativa de genes relacionados a desenvolvimento/armazenamento de proteínas, síntese proteica e tradução de genes relacionados à parede celular, enquanto uma regulação positiva foi observada para genes envolvidos em açúcares solúveis, aminoácidos, organelas intracelulares 14 ligadas a membrana, cloroplastos e destinação de proteínas. A expressão diferencial destes genes foi associada à infecção por PPV e ao desenvolvimento de sintomas, enquanto o perfil de protoplastos de A. thaliana transfectados com PPV revelou uma regulação negativa mais proeminente que a regulação positiva nos primeiros estágios de infecção e a concomitante indução e alta representação de genes relacionados à defesa, sinalização celular, metabolismos primário e secundário, transcrição e transporte com possível função em vias de transdução de sinais responsáveis pela indução de resistência a PPV, sendo alguns exemplos proteínas da família zinc finger e da família de fatores de transcrição WRKY (BABU et al., 2008). A interação entre vias de sinalização de estresses abióticos e bióticos tem sido observada na literatura (KNIGHT; KNIGHT, 2001; SMEKALOVA et al., 2014). Agudelo-Romero et al. (2008) observaram que o Potyvirus Tobacco etch virus (TEV) ativou genes de A. thaliana que também são induzidos por estresses abióticos, como seca, salinidade, altas temperaturas e injúria mecânica. Em análises de proteoma de milho sob infecção com SCMV, Wu et al. (2013) observaram 93 proteínas responsivas a infecção viral, envolvidas principalmente em vias de energia e metabolismo, resposta a estresses e em vias de defesa, fotossíntese e fixação de carbono, com localização predominante no cloroplasto e citoplasma. Yang et al. (2011) observaram 28 proteínas diferencialmente expressas em soja sob infecção com outro Potyvirus, o Soybean mosaic virus (SMV), envolvidas na síntese e degradação de proteínas, sinalização, defesa a doenças e regulação do metabolismo energético. Elena e Rodrigo (2012) realizaram uma abordagem sistêmica das interações entre os componentes do hospedeiro e de Potyvirus em A. thaliana mediante análises de interactoma. Isso foi realizado por meio da integração de informações de diversas fontes referentes a interações físicas entre proteínas de Potyvirus e A. thaliana, e demonstraram que as proteínas virais P3 e VPg interagem com as proteínas do hospeiro Rbcs e OBE-1. Essas proteínas de hospedeiro se caracterizam por serem altamente conectadas a outras proteínas, apresentando 23 e 27 interações, respectivamente, podendo ser definidas como proteínas ‘hub’. Segundo os autores, isso sugere a ocorrência de uma perturbação de todo o 15 proteoma hospedeiro durante a infecção, por meio de interações diretas na tradução, degradação e dobramento proteicos. Apesar da tendência das proteínas alvo de vírus serem ‘hub’ no interactoma hospedeiro (DE CHASSEY et al., 2008; PICHLMAIR et al., 2012), Martínez et al. (2016) ao analisarem proteínas de A. thaliana alvos da proteína NIa de clones construídos de TEV, por meio de marcação de um de seus dois domínios, VPg ou NIaPro, e purificação por afinidade seguida de análise por espectrometria de massa (“affinity purification followed by mass spectrometry analysis”, AP-MS) do tecido infectado, observaram que os alvos de NIa não apresentaram número de conexões significativas para serem consideradas ‘hub’, mas apresentaram posicionamento que permite a conexão com outras proteínas hospedeiras por vias curtas. Segundo os autores, as proteínas alvo de NIa estão envolvidas principalmente em respostas a estresse, metabolismo, fotossíntese e localização, estando muitas conectadas a vias de sinalização pelo fitormônio etileno. Diferentemente dos avanços alcançados em outras espécies vegetais, existem poucas informações na literatura sobre os mecanismos moleculares da interação entre Potyvirus e a cultura da cana-de-açúcar. Um exemplo consiste na investigação do transcriptoma em cana-de-açúcar realizada por meio da técnica cDNA-AFLP em cultivares de resposta contrastante ao SCMV por Medeiros et al. (2014). Os autores identificaram FDEs com similaridade a elementos transponíveis, transcritos de proteína relacionada à patogênese (“Pathogenesis Related”, PR) e sinalização de defesa. 2.6. Interação patógeno-hospedeiro A defesa contra organismos potencialmente patogênicos em espécies vegetais consiste em respostas imunes inatas de cada célula vegetal e em sinais sistêmicos originados dos sítios de infecção, não existindo especialização celular para esse propósito (THOMMA et al., 2011). A imunidade inata pode ser dividida em dois ramos principais de acordo com o tipo e localização do receptor, da molécula 16 detectada e dos componentes de sinalização subsequentes (DODDS; RATHJEN, 2010). O primeiro ramo consiste no reconhecimento de padrões moleculares associados a patógenos (“pathogen-associated molecular patterns”, PAMPs) por meio de receptores transmembrana de reconhecimento de padrão (“pattern recognition receptors”, PRRs). Os PAMPs são originalmente definidos como moléculas altamente conservadas evolutivamente em uma determinada classe de microrganismo com funções essenciais para o valor adaptativo ou sobrevivência (MEDZHITOV; JANEWAY, 1997; NURNBERGER; BRUNNER, 2002), estando presente também em microrganismos não patogênicos, o que leva ao uso do termo alternativo na literatura de padrões moleculares associados a micróbios (“microbe- associated molecular patterns”, MAMPs) (BOLLER; FELIX, 2009). Após o reconhecimento, a subsequente transdução de sinais dentro da célula ocorre por meio de cascatas de fosforilação, ocasionando reações conhecidas como defesas basais ou imunidade induzida por PAMP (“PAMP-triggered immunity”, PTI), tendo-se como exemplo a produção de espécies reativas de oxigênio (“reactive oxygen species”, ROS), óxidos nítricos, ativação de proteínas kinases induzidas por substâncias mitógenas (MONAGHAN; ZIPFEL, 2012; BIGEARD; COLCOMBET; HIRT, 2015), espessamento de paredes celulares, síntese de ácido salicílico e sinalização, além da reprogramação transcricional (BIGEARD; COLCOMBET; HIRT, 2015). Dentre as moléculas derivadas de patógenos, têm-se como exemplo a proteína estrutural de flagelo bacteriano, flagelina e o polissacarídeo quitina, presente nas paredes celulares de fungos, encontrados nos espaços apoplásticos. O segundo ramo da imunidade vegetal compreende o reconhecimento de efetores gerados pelos patógenos, que são moléculas responsáveis pela interação com proteínas intracelulares do hospedeiro para disponibilizar nutrientes ou para inibir respostas de defesa, que ocorrem principalmente por meio de receptores imunes intracelulares denominados de proteínas ligantes a nucleotídeos, ricas em repetições de leucina (“nucleotide-binding leucine-rich repeat”, NB-LRR). Esse processo é conhecido como imunidade induzida por efetores (“effector-triggered immunity”, ETI) que envolve vias de defesa ainda pouco conhecidas (DODDS; 17 RATHJEN, 2010; DANGL; HORVATH; STASKAWICZ, 2013). Essa via de sinalização é caracterizada pela especificidade em nível de estirpe ou raça do patógeno e é associada a respostas como morte celular programada, definida como uma resposta de hipersensibilidade (“hyper-sensitive response”, HR), e também à resistência sistêmica adquirida do hospedeiro (“systemic acquired resistance”, SAR) (THOMMA; NURNBERGER; JOOSTEN, 2011). Jones e Dangl (2006) propuseram o modelo ‘zig-zag’, que ilustra em quatro fases o processo evolutivo da relação entre patógeno e hospedeiro. Na primeira fase, a infecção é prevenida por meio da defesa basal ou PTI. Na segunda fase, patógenos bem sucedidos liberam efetores que interferem com as defesas basais ou que permitem sua nutrição e dispersão, ocasionando a suscetibilidade induzida por efetores (“effector-triggered susceptibility”, ETS). Na terceira fase ocorre o reconhecimento de um dos efetores por uma proteína NB-LRR, ocasionando a ETI e a prevenção do processo infeccioso. Na quarta fase, a pressão de seleção ocasiona a predominância de isolados que não possuam o efetor reconhecido pelo hospedeiro e até ao ganho de novos efetores via fluxo gênico horizontal, de forma a inibir a ETI (STAVRINIDES; MCCANN; GUTTMAN, 2008; DONG et al., 2014). Essa circunstância favorece a seleção de novos alelos do hospedeiro capazes de reconhecer os novos efetores, promovendo novamente a ETI (KASCHANI et al., 2010; RAVENSDALE et al., 2010). Dentre os mecanismos responsáveis pela evolução dos receptores vegetais encontram-se mutações, duplicações e rearranjos gênicos (MEYERS, 2003; JOSHI; NAYAK, 2013). Evidências recentes têm apontado para um cenário mais complexo para o sistema imune vegetal que o proposto pelo modelo ‘zig-zag’, sugerindo a existência de uma transição contínua entre PAMPs e efetores, PRR e proteínas R e, deste modo, entre PTI e ETI (THOMMA; NURNBERGER; JOOSTEN, 2011). Os vírus geralmente não são vistos como responsáveis pela codificação de PAMPs e efetores, sendo excluídos na maioria dos modelos de imunidade vegetal PTI e ETI (JONES; DANGL, 2006; BOLLER; FELIX, 2009; DANGL; SCHWESSINGER; RONALD, 2012; HORVATH; STASKAWICZ, 2013). Evidências recentes reunidas na revisão de Nicaise (2014) demonstram casos de http://journal.frontiersin.org/article/10.3389/fpls.2014.00663/full#B39 18 reconhecimento de elementos virais por proteínas hospedeiras NBS-LRR que desencadeiam reações como HR e SAR, sugerindo mecanismos antivirais ETI. Já a presença de um padrão molecular conservado nos motivos protéicos dos vírus, cujo genoma é altamente variável, é de difícil aplicação, no entanto a presença de características estruturais únicas nos genomas virais e em suas formas replicativas pode permitir seu reconhecimento pelo hospedeiro e atuar como um PAMP viral (NICAISE, 2014). Mais recentemente, Nicaise e Candresse (2016) observaram regulação de genes PTI em Arabidopsis em resposta ao Potyvirus Plum pox virus (PPV) e efeitos repressores na expressão desses genes, trabalhando com a expressão in planta de CP-GFP (proteína capsidial viral fusionada a GFP). Os autores levantaram a hipótese que a infecção por PPV induz mecanismos PTI que são posteriormente reprimidos pela proteína viral CP, um possível efetor, para promover a colonização do hospedeiro. Segundo Nicaise (2014), as vias de defesa de espécies vegetais a vírus se baseiam em genes R (resistência dominante), na ausência de fatores favoráveis ao vírus no hospedeiro (resistência recessiva), na regulação de redes de sinalização por fitormônios e na interferência de RNA (“RNA interference”, RNAi). A maioria dos genes de resistência de herança dominante (genes R) identificados na interação de espécies vegetais com vírus pertence à classe de sítios NB-LRR (NBS-LRR) que reconhecem especificamente os produtos gênicos virais estabelecendo a interação definida como gene a gene. Diversas proteínas NB-LRR que conferem resistência a vírus foram descritas e classificadas com base na estrutura N-terminal, que pode carregar um receptor “Toll-interleukin-1” (TIR) ou domínio “coiled-coin” (CC) (MOFFETT, 2009; DE RONDE et al., 2014). Dentre as proteínas CC-NBS-LRR, um dos exemplos mais bem caracterizados é o gene Rx1 da cultura da batata, responsável por mediar à resistência ao vírus Potato potexvirus X (PVX) por meio do reconhecimento da proteína capsidial (CP) (RAIRDAN et al., 2008; HAO et al., 2013). Das proteínas TIR- NBS-LRR, o fator N (“N factor”), descrito em Nicotiana tabacum, interage com o domínio replicase do Tobacco mosaic tobamovirus (TMV) de forma dependente de ATP (UEDA et al., 2006). Exemplos de genes de resistência não pertencentes à 19 classe NB-LRR incluem os genes RTM (“Restircted TEV Movement”) observados em interações com vírus do gênero Potyvirus como Tobacco etch virus (TEV), Lettuce mosaic virus (LMV), e Plum pox virus (PPV) (COSSON et al., 2012). Segundo Diaz-Pendon et al. (2004), dos 200 genes de resistência a vírus descritos em espécies vegetais, aproximadamente metade apresenta herança recessiva. Essa proporção sugere que genes de herança recessiva são mais importantes na resistência de plantas a vírus do que a outros patógenos, havendo vários exemplos de clonagem de genes com esse padrão de herança em espécies cultivadas . Estes genes demonstraram funções na codificação de fatores de iniciação eucarióticos (“eukaryotic initiation factors”, eIFs), pertencendo às famílias eIF4E e eIF4G (TRUNIGER; ARANDA, 2009; WANG; KRISHNASWAMY, 2012; JULIO et al., 2014; NICAISE, 2014; REVERS; NICAISE, 2014). Esses fatores recrutam mRNAs e ribossomos antes do processo de tradução (PESTOVA et al., 2001) e são preditos como fatores de suscetibilidade que são recrutados durante a tradução e replicação do genoma viral (NICAISE, 2014). Os genes pertencentes às famílias eIF4E e eIF4G se destacaram inicialmente pela associação com infecções bem sucedidas por vírus do gênero Potyvirus. Posteriormente, encontraram-se indícios de participação de um mecanismo mais amplo de suscetibilidade vegetal à vírus após a descrição de funções para outros gêneros como Bymovirus, Cucumovirus, Ipomovirus, Sobemovirus, Carmovirus e Waikivirus (REVERS; NICAISE, 2014). Genes desta família possuem o aspecto de abranger uma ampla variedade de resistência fenotípica, de resistência completa qualitativa a resistência parcial e poligênica (CARANTA et al., 1997; NICAISE et al., 2003; ACOSTA-LEAL; XIONG, 2008; CHARRON et al., 2008). Genes de resistência de herança recessiva que não codificam fatores de iniciação também foram identificados, tendo-se como exemplos a proteína similar a dissulfeto isomerase (“Protein disulfide isomerase like 5-1”, PDI5-1) para resistência a bymovirus em cevada (YANG et al., 2014), o gene bloqueador de transporte vascular caracterizado em batata ra contra o Potato virus A (PVA), do gênero Potyvirus, (HÄMÄLÄINEN et al., 2000) e o gene rwm1 que confere resistência em Arabidopsis ao Watermelon mosaic virus, também do gênero Potyvirus, que atua 20 nos estágios iniciais da infecção, prejudicando o acúmulo de partículas virais (OUIBRAHIM et al., 2014). Os hormônios vegetais, ou fitormônios, possuem importantes funções na sinalização da defesa, apresentando alterações na quantidade, composição e balanço frente ao ataque de um patógeno. Os principais fitormônios envolvidos em vias de defesa são ácido salicílico (“salicylic acid”, SA), ácido jasmônico (“jasmonic acid”, JA), etileno e ácido abscísico (“abscisic acid”, ABA). O acúmulo endógeno de SA em infecções virais é necessário para a manutenção da SAR, resultando na reprogramação transcricional de um conjunto de genes codificantes de proteínas relacionadas à patogênese (“pathogenesis-related”, PR) (TSUDA et al., 2008; YI et al., 2014). As respostas de HR ocasionadas por infecções virais, por sua vez, alteram o balanço hormonal entre SA e JA (NICAISE, 2014), que é essencial na determinação do nível de resistência genética de forma similar a outros patossistemas envolvendo patógenos não-virais (THALER et al., 2012). Os efeitos de JA na resistência vegetal a vírus são controversos, apresentando regulação negativa da resistência localizada em fumo ao TMV (OKA et al., 2013) enquanto tem demonstrado papel essencial na resistência sistêmica ao TMV em Nicotiana benthamiana (ZHU et al., 2014). Outros hormônios com efeitos regulatórios na resistência vegetal a vírus são ABA (CHEN et al., 2013; ALAZEM et al., 2014; SEO et al., 2014), etileno (LOVE et al., 2007; CHEN et al., 2013) e brassinosteroide (ALI et al., 2014). Segundo Alazem e Lin (2015), as vias alteradas por infecções virais são amplas e sobrepostas, abrangendo alterações em fitormônios, metabólitos, no perfil transcricional e no perfil de pequenos RNAs. Vias baseadas em RNAi têm evidenciado um sistema antiviral muito eficiente direcionado a agentes infecciosos em nível de ácido nucléico (AGRAWAL et al., 2003; NICAISE, 2014). RNAi é um termo abrangente que descreve um sistema regulatório específico a sequências que leva ao silenciamento gênico tanto pela repressão da transcrição (“transcriptional gene silencing”, TGS) como pela degradação do transcrito ou repressão da tradução (“post transcription gene silencing”, PTGS) (AGRAWAL et al., 2003; MATZKE; MOSHER, 2014). A PTGS em vírus se baseia no reconhecimento de seus RNAs 21 codificados por meio de proteínas como RNA polimerase dependente de RNA (“RNA-dependent RNA polymerase”, RDR) e proteínas similares a Dicer (“Dicer-like”, DCL) para a geração de pequenos RNAs interferentes (“small interfering RNAs”, siRNA) os quais são incorporados ao complexo RISC (“RNA-induced cytoplasmic silencing complex”) que realiza a clivagem adicional de RNAs virais complementares aos siRNAs, de modo a limitar a replicação e disseminação viral (RUIZ-FERRER; VOINNET, 2009). A TGS consiste na geração de siRNA a partir de transcritos de uma região genômica a ser silenciada, desencadeando em modificações epigenéticas repressivas, como metilação de DNA e de histonas, nas regiões do genoma homólogas a estes siRNA (MATZKE; MOSHER, 2014), sendo os vírus com genoma de DNA também sujeitos à TGS, uma vez que também geram pequenos RNAs (RUIZ-FERRER; VOINNET, 2009). Vias envolvendo fenômenos epigenéticos têm demonstrado importante função em espécies vegetais durante a infecção viral, a exemplo da correlação entre metilação de DNA e remodelação da cromatina com a manutenção da SAR (SPOEL; DONG, 2012). 2.7. Epigenética e padrões de metilação Estudos anteriores têm demonstrado diversas alterações na expressão gênica envolvendo processos como metilação de DNA (SUZUKI; BIRD, 2008), interferência de RNA (RNAi) (STORZ, 2002) e modificação de histonas e proteínas remodeladoras da cromatina (BANNISTER; KOUZARIDES, 2011). Essas alterações formam um sistema que promove a regulação gênica e a adaptabilidade a estímulos externos, de natureza biótica ou abiótica, de forma independente de modificações na sequência de DNA, sendo conhecidas, em um sentido amplo, como epigenética (FEIL; FRAGA, 2012). Os processos de RNAi e modificações de histonas remodeladoras de cromatina apresentam estreita ligação com a metilação de DNA, sendo um exemplo a via da metilação direcionada por RNA (“RNA-directed DNA methylation”, RdDM), onde siRNAs promovem modificações epigenéticas repressivas como metilação de DNA e de histonas em regiões homólogas do 22 genoma, podendo desencadear a herança epigenética (RAPP; WENDEL, 2005; RICHARDS, 2011; MATZKE; MOSHER, 2014). A estrutura da cromatina, resultante da interação entre a molécula de DNA e as proteínas histonas, influencia a transcrição por tornar o DNA mais ou menos acessível. Diferentes modificações pós-traducionais de proteínas histonas, que consistem na adição covalente de diferentes grupos químicos a resíduos particulares, principalmente na cauda das histonas, influenciam a estrutura local da cromatina com efeitos tanto positivos como negativos na expressão gênica. A associação entre modificações de histona e estado funcional da cromatina está bem estabelecida, a exemplo da trimetilação no resíduo de lisina 4 da histona 3 (H3K4me3), que está relacionada a genes ativos, enquanto a trimetilação no resíduo de lisina 9 (H3K9me3) é característica de cromatina em estado reprimido (RAPP; WENDEL, 2005; GÓMEZ-DÍAZ et al., 2012). Contudo, a extensão das relações de causa e efeito entre os fenômenos de metilação de DNA e modificação de histonas nas alterações na expressão gênica ainda não é conhecida (MEDVEDEVA et al., 2013; ROSE; KLOSE, 2014; SCHÜBELER, 2015). A metilação de DNA ocorre por meio da adição covalente de um grupo metil ao carbono 5’ da citosina, sendo um processo catalisado enzimaticamente que promove alterações no processo de transcrição ou estrutura da cromatina. A distribuição genômica da metilação de DNA e sua prevalência variam amplamente entre os clados, sugerindo modos de direcionamento e função distintos (SCHÜBELER, 2015). Em vertebrados, a metilação de DNA ocorre exclusivamente no motivo CpG e sua distribuição é generalizada pelo genoma, indicando ser este um estado padrão. No decorrer do tempo evolutivo, os dinucleotídeos CpG são perdidos devido ao processo de deaminação da citosina metilada em timina, uma base adequada para genoma, ao invés da uracila, resultando em uma ineficiência do processo de reparo por excisão de bases no DNA metilado. As ilhas CpG são uma exceção para essa perda generalizada por permanecerem hipometiladas e são caracterizadas por coincidir com regiões promotoras (SCHÜBELER, 2015). Em plantas, a metilação é comumente detectada em sítios de sequência CpG, CpHpG e CpHpH (com H sendo 23 A, T ou G). A metilação genômica é distribuída em padrão de mosaico, com intercalação de regiões metiladas e não metiladas cobrindo regiões gênicas inteiras (FENG et al., 2010). A presença de ilhas CpG em espécies vegetais tem sido demonstrada (ASHIKAWA, 2001a), mas sua equivalência ou distinção das ilhas CpG observadas em vertebrados não é conhecida atualmente (DEATON; BIRD, 2011; DZIALO et al., 2017). O controle do status de metilação é realizado por meio de enzimas metiltransferases e de demetilação (SAHU et al., 2013). Três classes de enzimas estão envolvidas no processo de metilação em espécies vegetais: a Metiltransferase 1 (“Methyltransferase 1”, MET1), responsável pela metilação dos sítios CpG; a Cromometilase 3 (“Chromomethylase 3”, CMT3), nos sítios CpNpG; e “Domains Rearranged Methylase” (DRM), que catalisa a metilação “de novo” nos sítios assimétricos CpHpH (SAHU et al., 2013). A metilação nos sítios CpG e CpNpG pode ser mantida após a replicação do DNA por “imprinting” parental pelas enzimas MET1 e CMT3 (CHAN et al., 2005), enquanto a metilação nos sítios assimétricos CpNpN precisa ser estabelecida “de novo” após cada ciclo de replicação do DNA por enzimas DRM em vias dependentes de siRNA (RAMSAHOYE et al., 2000; KARLSSON et al., 2011). A perda de metilação ocorre por mecanismos passivos, que envolvem a inibição da metilação “de novo” ou falha na manutenção do “imprinting” parental (KANKEL et al., 2003), e por mecanismos ativos que podem ocorrer via atividade glicosilase que remove grupos metil das citosinas do DNA (ZHU et al., 2000; AGIUS et al., 2006; MORALES-RUIZ et al., 2006; ZHU et al., 2007), com possível função na prevenção de formação de epialelos hipermetilados estáveis no genoma vegetal (PENTERMAN et al., 2007). Essas mudanças podem ser mantidas durante a replicação do DNA nas divisões mitóticas e meióticas (CUBAS; VINCENT; COEN, 1999; TAKEDA; PASZKOWSKI, 2006; RICHARDS, 2009; HOLESKI et al., 2012) com efeitos persistentes na expressão gênica em uma próxima geração (RICHARDS, 2011). A influência de variações no padrão de metilação tem sido observada em importantes caracteres agronômicos como tempo de florescimento e altura da planta (FIELDES, 1994; FIELDES et al., 2005), resistência a patógenos (AKIMOTO et al., 2007; 24 BOYKO et al., 2007) e produção (TANI et al., 2005). Estudos de polimorfismos no padrão de metilação têm sido realizados para variedades, biótipos ou intraespécies de arroz (Oriza sativa) (ASHIKAWA, 2001b), Arabidopsis spp. (CERVERA et al., 2002), Brassica oleraceae (SALMON et al., 2008) e algodão (Gossypium hirsutum L.) (KEYTE et al., 2006). A metilação de DNA tem sido um processo epigenético amplamente explorado, em parte devido à facilidade de estudo e à tecnologia disponível (YANG et al., 2011) com vários métodos desenvolvidos que permitem a observação das alterações dos padrões de metilação. As primeiras técnicas se baseavam na separação de citosinas metiladas das não metiladas por técnicas de cromatografia como RP-HPLC (“reversed-phase high performance liquid chromatography”) e TLC (“thin-layer chromatography”), fornecendo informações da proporção entre resíduos de citosina metilados e não metilados, mas incapazes de fornecer informações sobre o status de metilação em nível de genes individuais (HARRISON PARLE- MCDERMOTT, 2011; ALONSO et al., 2016). Nos anos subsequentes, foram empregadas técnicas moleculares que permitem a análise indireta da metilação de DNA em nível genômico ou específico a determinado locus por três abordagens principais: uso de reações químicas que discriminam os resíduos de citosina não metilados dos metilados; purificação por afinidade; e exploração da suscetibilidade diferencial a enzimas de restrição sensíveis à metilação (YAMAMOTO, 2004; LAIRD, 2010). O método químico mais comum é o da modificação por bissulfito de sódio que causa a conversão de citosinas não metiladas em uracila, enquanto citosinas metiladas permanecem inalteradas no DNA e RNA (PLONGTHONGKUM et al. 2014; SCHAEFER 2015), havendo técnicas que combinam este método com PCR, digestão por enzimas de restrição ou sequenciamento de DNA (HERMAN et al. 1996; XIONG; LAIRD, 1997). Dentre as técnicas de purificação por afinidade têm-se como exemplos o MeDIP-seq (“Methylated DNA immunoprecipitation sequencing”) que consiste no emprego de anticorpos para a precipitação de fragmentos de DNA que contenham citosina metilada e posterior análise por sequenciamento (DOWN et al., 2008) e os métodos relacionados MBD-seq (SERRE et al., 2010) e MethylCap- 25 seq (BRINKMAN et al., 2010) que empregam proteínas de domínio ligante a methyl CpG para precipitação de fragmentos que contenham metilação no motivo CpG. As enzimas de restrição sensíveis a metilação mais empregadas em estudos de metilação de DNA são HpaII (e seu isosquizômero MspI) e SmaI (com seu neosquizômero XmaI) (LAIRD, 2010) sendo usadas em combinação com hibridização ou PCR (BIRD; SOUTHERN, 1978; McGREW; ROSENTHAL, 1993), a exemplo da abordagem em nível de locus. Em abordagens de ordem genômica têm- se como exemplo métodos como “Restriction Landmark Gel Scanning” (RLGS; HAYASHIZAKI et al., 1994), “Methylation-Sensitive Restriction Fingerprinting” (MSRF; HUANG et al., 1997), “Methylated CpG island Amplification Representational Difference Analysis” (MCA-RDA; TOYOTA et al., 1999), e “Differential Methylation Hybridization” (DMH; HUANG et al., 1999). Mais recentemente, essas três abordagens vêm sendo empregadas em combinação com microarranjos de DNA e plataformas de sequenciamento de nova geração, permitindo a quantificação e localização da metilação na citosina (HARRISON; PARLE-MCDERMOTT, 2011; ALONSO et al., 2016). Estes métodos, porém, requerem sequências de referência de alta qualidade, impossibilitando a aplicação em organismos não modelo (LAIRD, 2010; SCHREY et al., 2013; KIM et al., 2014). O marcador MSAP proporciona informações como extensão e padrão de metilação na citosina em loci distribuídos aleatoriamente no genoma sem requerer o seu conhecimento detalhado, o que permite sua aplicação em organismos não modelo (FRAGA; ESTELLER, 2002; ALONSO et al., 2016). A técnica é uma modificação do AFLP (“amplified fragment length polymorphism”), e consiste no emprego dos isosquizômeros HpaII e MspI como enzimas de corte frequente, no motivo CCGG (FRAGA; ESTELLER, 2002) com suscetibilidade diferenciada ao status de metilação. A literatura recente apresenta certa inconsistência quanto à sensibilidade desses isosquizômeros à metilação de citosina (SALMON et al., 2008; HERRERA; BAZAGA, 2010; LIRA-MEDEIROS et al., 2010; PAUN et al., 2010; RICHARDS et al., 2012), mas de acordo com especificações recentes da base de dados de enzimas de restrição REBASE (http://rebase.neb.com/rebase/rebase.html) e com Schultz et al. (2013), a enzima HpaII realiza o corte de motivos CCGG sem http://rebase.neb.com/rebase/rebase.html 26 metilação em citosina e em motivos com semimetilação, ou seja metilação em uma das fitas de DNA, da citosina externa, enquanto a enzima MspI realiza corte do motivo sem metilação em citosina e com semimetilação ou metilação completa da citosina interna. O marcador MSAP tem sido empregado para acessar a variabilidade no padrão de metilação e estrutura epigenética de populações vegetais selvagens e correlaciona-las com condições ecológicas e variações fenotípicas (HERRERA; BAZAGA, 2011; MEDRANO et al., 2014). A técnica também permite a associação entre alterações no padrão de metilação de DNA e função, por meio de clonagem e sequenciamento de fragmentos diferencialmente metilados, extraídos de géis de poliacrilamida, e alinhamentos com bancos de dados pela ferramenta BLAST (GRECO et al., 2012; CICATELLI et al., 2014). Ainda que a técnica seja amplamente aplicada, diferentes formas de obtenção e interpretação dos dados MSAP estão presentes na literatura (SCHULZ et al., 2013; FULNECEK; KOVARIK, 2014). Contudo, os resultados obtidos de regressão linear e análise de coordenadas principais dos diferentes métodos de análise MSAP avaliados por Schulz et al. (2013) demonstraram uma grande consistência entre eles. A relação entre patógeno e hospedeiro forma um dos sistemas de maior dinamismo na natureza, apresentando processos epigenéticos que podem ser herdados no decorrer das gerações (POULIN, 2008). Modificações epigenéticas podem fornecer alternativas de variação fenotípica de forma rápida, reversível e prontamente disponível, sendo modeladas pelas pressões de seleção sobre patógeno e hospedeiro (RANDO; VERSTREPEN, 2007; BONDURIANSKY; DAY, 2009). A herança epigenética de resistência a patógenos foi observada em um estudo preliminar realizado por Roberts (1983) onde a inoculação com TMV induziu a resistência na progênie de planta de fumo infectada em comparação às progênies de plantas não infectadas. Outros estudos demonstraram que o ataque de herbívoros e patógenos induziu uma maior concentração de compostos de defesa em sementes em relação às sementes de plantas controle (LAMMERINK; MACGIBBON; WALLACE, 1984; SHATTUCK, 1993). Estudos com TMV em fumo (BOYKO et al., 2007), ferrugem em arroz (AKIMOTO et al., 2007) e em Brassica oleraceae (SALMON et al., 2008) têm fundamentado a hereditariedade de variações 27 no padrão de metilação. Em outros estudos com fumo inoculado com o TMV as alterações na metilação de DNA ocorreram de forma rápida (1-24 h) nos genes responsivos NtAlix (WADA et al., 2004) e NtGPDL (CHOI; SANO, 2007), concomitantemente ao estabelecimento de reações de hipersensibilidade. Também foram observadas alterações no nível de expressão gênica do gene NtGPDL consistentes com a hipótese de que as infecções virais alteram os níveis de metilação no genoma e a transcrição gênica da planta. Entretanto, o mesmo não foi observado para o gene NtAlix onde a mudança na metilação não foi simultânea a expressão gênica, uma vez que os transcritos se acumularam 12 h após os primeiros sintomas de hipersensibilidade enquanto a mudança no padrão de metilação ocorreu após 24 h. Isso pode dever-se ao fato que o método de análise de metilação seja menos sensível que a detecção dos transcritos da expressão gênica, ou a expressão do gene NtAlix não estar relacionada diretamente à metilação de DNA (PENG; ZHANG, 2009). Até recentemente, muito pouco era conhecido acerca da função da metilação de DNA na reprogramação transcricional ocasionada por estresses bióticos. De acordo com as informações na literatura levantadas por Deleris, Halter e Navarro (2016), os fenômenos epigenéticos de metilação e demetilação de DNA impactam a resistência genética a doenças pela regulação de diversos genes relacionados à imunidade vegetal. Essa influência ocorre geralmente em genes de defesa que possuam elementos transponíveis e repetições em suas regiões promotoras, sendo elas, portanto, suscetíveis a alterações no padrão de metilação de DNA. Entretanto, ainda é necessário comprovar experimentalmente se os processos de metilação e demetilação de DNA nos elementos reguladores da região promotora possuem efeitos sobre a acessibilidade aos sítios de ligação para os fatores de transcrição. Com base na literatura consultada é possível observar a relevância de estudos de transcriptoma e de alterações no padrão de metilação de DNA para caracterizar a resistência da cultura da cana-de-açúcar (Saccharum spp.) ao SCMV, o único agente causal do mosaico da cana-de-açúcar descrito no Brasil até o momento. A elucidação dessa interação entre patógeno e hospedeiro se encontra em suas etapas iniciais, a exemplo da descrição dos primeiros FDEs em resposta à 28 infecção pelo SCMV por Medeiros et al. (2014). Neste sentido, o presente trabalho teve como objetivo dar continuidade a identificação de FDEs e avaliar alterações no padrão de metilação de DNA em cana-de-açúcar sob infecção com SCMV. 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. Material vegetal e tratamentos O estudo foi realizado a partir de amostras foliares coletadas de dois cultivares indexados de cana-de-açúcar de resposta contrastante ao SCMV, IACSP95-5000 (resistente) e IAC91-1099 (suscetível) em experimento conduzido anteriormente por Medeiros et al. (2014). O delineamento experimental foi em fatorial com dois fatores, tratamento e tempo de coleta, em delineamento inteiramente casualizado (DIC), com condução do experimento em condições de casa de vegetação em vasos plásticos de 1 litro. O fator tratamento consistiu em inoculação falsa (s/i) e inoculação com SCMV Rib-1 (c/i), enquanto o fator de tempo de coleta consitiu na coleta de amostra foliar 24, 48 e 72 h após a inoculação (hai). Para cada combinação entre os níveis dos fatores foram empregadas seis réplicas biológicas, totalizando 36 mudas por cultivar. A inoculação mecânica foi realizada de acordo com o método de Bain (1944) e consistiu no preparo de inóculo viral a partir de folhas jovens de S. bicolor (L) ‘Rio’, previamente inoculado com SCMV Rib-1 e com os sintomas típicos do mosaico. As folhas foram maceradas em tampão fosfato 0,01M, pH= 7,2 e à 4ºC, obedecendo a razão mg de folhas : mL de tampão de inoculação de 1:5. Em seguida, foi adicionado pó abrasivo (carbeto de silício, 600 mesh) ao inóculo para a posterior aplicação às folhas recém-expandidas das mudas de cana-de-açúcar usando os dedos e exercendo suave pressão. A presença do SCMV nas mudas inoculadas e ausência nos controles foram confirmadas por RT- PCR (“reverse transcription-polymerase chain reaction”). Com base nesse diagnóstico, foram selecionadas três réplicas biológicas para cada combinação entre 29 os níveis dos fatores para a aplicação prévia de cDNA-AFLP (MEDEIROS et al., 2014) e a presente aplicação do marcador molecular MSAP. 3.2. Obtenção de marcadores MSAP O DNA genômico total foi extraído de 150 mg de tecido vegetal procedente do bulk das três réplicas biológicas mencionadas acima, segundo o método do CTAB (HOISINGTON; KHAIRALLAH; GONZÁLEZ-DE-LEÓN, 1994) e quantificado com base em um padrão de DNA do fago , em gel de agarose 0,8% (p/v) corado com brometo de etídio. Os marcadores MSAP foram obtidos de acordo com Lei et al. (2006) utilizando o mesmo protocolo dos marcadores do tipo AFLP (VOS et al., 1995), adaptado para cana-de-açúcar no Laboratório de Biologia Molecular do Centro de Cana (IAC). As digestões duplas foram realizadas a partir de 250 ng de DNA genômico, com a enzima de restrição EcoRI, em combinação com a enzima HpaII ou com MspI, usando-se 2,5 U de cada enzima . As reações de restrição foram adicionadas separadamente a um mesmo volume de adaptador/solução de ligação e incubadas em termociclador à temperatura de 37ºC, por 15 horas. As reações de ligação foram diluídas 6x em água Mili-Q e uma alíquota de 2 µL foi usada como amostra para a pré-amplificação com os oligonucleotídeos Eco+0 e HpaII+0. As reações foram realizadas com 29 ciclos de desnaturação a 94ºC por 30 segundos, anelamento a 56ºC por 60 segundos e extensão a 72ºC por 60 segundos. Uma alíquota de 5 µL dessa reação foidiluída 10x em água mili-Q e 2 µL dessa diluição foram usados para a amplificação seletiva, que empregou primers Eco e Hpa com três bases seletivas. As reações de amplificação consistiram em 13 ciclos a 94ªC por 30 segundos, 65ºC (-0,7 ºC/ ciclo) por 30 segundos e 72ºC por 1 minuto, seguidos por 23 ciclos de 94ºC por 30 segundos, 56ºC por 30 segundos e 72ºC por 1 minuto. Os produtos amplificados das combinações seletivas foram separados por eletroforese vertical em gel desnaturante de poliacrilamida a 6% em tampão de corrida TBE (445 mM de Tris-base; 445 mM de ácido bórico; 10 mM de EDTA) pH 30 8,0. Os produtos das amplificações de duas combinações seletivas EcoRI(700)/MspI e EcoRI(800)/MspI foram misturados, acrescidos de tampão de amostra (LiCor, Bioscience), diluídos cinco vezes e desnaturados a 95ºC por 5 minutos para separação em gel de poliacrilamida desnaturante a 6,0%, em um genotipador de DNA (Infrared 4300 DNA Analyzer, LiCor Bioscience), utilizando iniciadores seletivos de EcoRI marcados com IR700 e IR800 (Figura 2), com análise de 29 combinações seletivas. Figura 2: Perfil molecular MSAP da combinação seletiva EcoRIaca (IR700) e HpaI/MspIIacc em gel de poliacrilamida 6%. As vinte e quatro amostras compreendem os dois conjuntos de reação de digestão, dois cultivares, dois tratamentos (inoculação falsa, s/i; inoculação com SCMV, c/i) e três tempos de coleta (24 hai, 48 hai e 72 hai). 31 3.3. Análise dos dados MSAP Os genótipos em análise foram avaliados em todas as combinações seletivas quanto à presença (+) e ausência (-) de bandas por meio de comparações lado a lado dos perfis moleculares obtidos de cada tratamento (sem inoculação, s/i; e com inoculação, c/i), de cada cultivar, em cada um dos tempos de coleta, nas digestões realizadas com EcoRI-HpaI e EcoRI-MspII. Os quatro padrões possíveis, identificados por ++/++, ++/--, --/++, e --/--, representam ausência de metilação, semi-metilação da citosina externa, metilação da citosina interna, metilação completa ou ausência de sítio de restrição, respectivamente. A contagem dos padrões MSAP para os cultivares IAC91-1099 e IACSP95-5000 nas condições s/i e c/i nos diferentes tempos de coleta foi realizada de acordo com Abid et al. (2017). Desse modo, a proporção de metilação genômica foi subdividida em semi-metilação, considerando a frequência dos loci ++/--, e metilação completa, considerando a frequência dos loci --/++ e --/--. Os polimorfismos ocasionados pela interação com SCMV foram subdivididos em seis padrões possíveis de presença (+) e ausência (-) de bandas MSAP para o fenômeno de hipometilação e em mais seis para hipermetilação, sendo avaliada a frequência para cada um desses padrões. Os dados de presença e ausência de bandas MSAP também foram analisados com o pacote R MSAP (PÉREZ-FIGUEROA, 2013) no programa R 3.0.3 (R Core Team, 2014). Foi considerado como grupo cada cultivar sob um dos tratamentos s/i e c/i, totalizando quatro grupos, sendo eles IAC91-1099 s/i, IAC91- 1099 c/i, IACSP95-5000 s/i e IACSP95-5000 c/i. Dentro de cada grupo foram incluídos os três tempos de coleta, 24 h, 48 h e 72 h após a inoculação (hai). O valor padrão de 0,05 foi adotado como limiar de erro específico de combinação de primers (“threshold”) em todas as combinações seletivas. Os loci com frequências de metilação acima ou abaixo desse limiar foram classificados como loci suscetíveis à metilação (“Methylation Susceptible Loci”, MSL) e não metilados (“Non Methylated loci”, NML), respectivamente. O conteúdo de informação em MSL e NML foi 32 estimado por meio do índice de diversidade de Shannon, e as diferenças entre esses índices para MSL e NML foram testadas por meio do teste da soma de postos de Wilcoxon (W), ao nível de 5% de significância. Os níveis genômicos de metilação, semimetilação e ausência de metilação foram estimados para cada material com base na frequência dos estados de metilação em MSL. As diferenciações entre modificações epigenéticas (MSL) e genéticas (NML) para os cultivares sob diferentes tratamentos foram estimadas e testadas pela estatística baseada em AMOVA, Phi_ST, e visualizadas por coordenadas principais (PCoA). 3.4. Isolamento dos fragmentos polimórficos MSAP e cDNA-AFLP Os fragmentos identificados com polimorfismos provenientes da aplicação da técnica MSAP entre os tratamentos s/i e c/i foram excisados do gel de poliacrilamida e eluídos em 50 µl de tampão TE (10 mMTris-HCl, 1,0 mM EDTA, pH8,0) a 4ºC, incubados a 60ºC por duas horas e centrifugados por dez segundos para a separação da poliacrilamida. A reamplificação do fragmento via PCR foi realizada a partir de uma alíquota de 10 µL do eluído, usando os respectivos primers seletivos e as mesmas condições de ciclagem. Os fragmentos diferencialmente expressos (FDEs) provenientes da técnica cDNA-AFLP obtidos previamente por Medeiros et al. (2014) foram reamplificados pelo mesmo método descrito acima. Os produtos foram separados em gel de agarose 1%1X TBE, para a identificação da banda de interesse, novamente eluídos e purificados com o kit Wizard® SV Gel and PCR Clean up system “kit” (Promega, EUA). 3.5. Clonagem e sequenciamento As informações de seqüência foram obtidas por clonagem dos fragmentos em vetor pGEM-T easy (Promega, EUA), de acordo com as instruções do fabricante. A 33 reação de ligação consitiu na adição do mix composto por 1 µL de pGEM-T easy, 5 µL de tampão de ligação (“2x Rapid Ligation Buffer, T4 DNA ligase”) e 1 µL de enzima T4 DNA ligase a 3 µL da reação de PCR purificada anteriormente, sendo em seguida incubada overnight a 4ºC. A transformação foi realizada por meio da adição de 1 µL da reação de ligação em 40 µL de células competentes de Escherichia coli DH10B, na transferência para uma cubeta de eletroporação, previamente colocada em gelo, e na imediata eletroporação usando o aparelho GenePulser XCell (BIOHAD). Imediatamente após a transformação, foi adicionado 1 mL de meio LB às células, sendo todo o volume transferido a um tudo eppendorf de 1,5 mL e incubado a 37ºC a 200 rpm por uma hora. Após esse tempo, as células E. coli foram centrifugadas a 4000 rpm por quatro minutos para a formação de um pellet. Este foi ressuspendido em 80 µL do sobrenadante obtido e transferido para placas de petri contendo meio LB sólido (1,5% de ágar) contendo 50 µg/mL de ampicilina e previamente tratado como 20µL de X-gal e 80 µL de IPTG, para a triagem das colônias. Após incubação por 16 horas a 37ºC, colônias brancas e individuais, que representam os plasmídeos com o fragmento de interesse interrompendo o gene lacZ, foram selecionadas e transferidas para uma nova placa reserva, também contendo meio LB sólido e ampicilina nas mesmas concentrações, assim como para poços de microplaca para PCR, para a realização da PCR de colônias. Durante a realização da reação de PCR de colônia, as placas reservas foram incubadas a 37ºC. Usando-se os oligonucleotídeos iniciadores SP6 e T7 que flanqueiam o fragmento de interesse, a reação de PCR foi conduzida nas condições de ciclagem de desnaturação inicial a 94ºC, seguida de 30 ciclos compreendo desnaturação a 94ºC por 1 minuto, anelamento a 55ºC por 2 minutos e extensão a 72ºC por 3 minutos, e um ciclo final de extensão a 72ºC por 7 minutos. Os produtos PCR foram analisados por eletroforese em gel de agarose 0,8% com brometo de etídeo (1 µg.mL−1) e as colônias contendo o tamanho esperado do produto PCR foram selecionadas da placa reserva. As colônias escolhidas foram transferidas para tubos falcon de 50 mL contendo 15 mL de meio LB com ampicilina nas mesmas concentrações do meio LB sólido e incubadas a 37ºC em agitação de 200 rpm por 16 horas. Os plasmídeos foram extraídos com o kit PureYield Plasmid (Promega), 34 seguindo as especificações do frabricante para posteriormente serem enviados para sequenciamento de clones individuais pelo método de Sanger em reação coposta por 5 µL de plasmídeo a 100ng/ µL e 2,5 µL do “primer” SP6 a 10µM. Com as sequências obtidas, a investigação por similaridade a genes conhecidos e a regiões genômicas foi realizada por meio da ferramenta de alinhamento BLAST em sequências de cana-de-açúcar do banco de dados do CTBE (http://bce.bioetanol.cnpem.br/ctbeblast/) e SUCEST (http://sucest-fun.org/wsapp/); e com o genoma do sorgo no banco Phytozome (Sorghum bicolor v 3.1). Os possíveis domínios proteicos associados a regiões transcritas foram identificados por meio do programa Pfam (http://pfam.xfam.org/). As sequências transcritas obtidas pelos fragmentos MSAP e cDNA-AFLP foram alinhadas a sequências genômicas de cana- de-açúcar, dos bancos de dados do CTBE e LBMP, e de sorgo, do banco Phytozome, e investigadas quanto à presença de elementos reguladores, ilhas CpG e repetições em tandem através da base de dados PlantPAN (http://plantpan2.itps.ncku.edu.tw/promoter.php) (CHANG et al., 2008). Os fragmentos MSAP que apresentaram alinhamento com região genômica até 3000pb à montante da região 5’UTR de uma região transcrita também foram testados para a presença de elementos reguladores, ilhas CpG e repetições em tandem pelo PlantPAN. A Figura 3 ilustra o processo de clonagem e sequenciamento e as buscas por similaridade e regiões promotoras descritas em 3.4 e 3.5. http://pfam.xfam.org/ 35 Figura 3. Esquema ilustrativo da clonagem e sequenciamento de fragmentos gerados pelos marcadores MSAP e cDNA-AFLP e a busca por similaridade e função. A: Clonagem e sequenciamento de um fragmento MSAP que apresentou polimorfismo de hipometilação após a inoculação com SCMV, envolvendo as etapas de ligação ao vetor pGEM-T easy e sequenciamento pelo método de Sanger. B: Fluxograma das buscas por similaridade e função dos fragmentos MSAP sequenciados. C: Fluxograma das buscas por similaridade e função dos FDEs cDNA-AFLP sequenciados. 36 3.6. Desenho de oligonucleotídeos iniciadores A partir dos alinhamentos dos fragmentos resultantes das técnicas MSAP e cDNA-AFLP que apresentaram potencial para elucidar vias de resistência de cana- de-açúcar ao SCMV, foram selecionados genes para validação por PCR em tempo real. Os oligonucleotídeos foram desenhados para os genes alvos por meio da ferramenta PrimerQuest (https://www.idtdna.com/primerquest/Home/Index) e analisados pelo software Netprimer (http://www.premierbiosoft.com/netprimer/) adotando tamanho de fragmento amplificado (amplicon) de 80 a 150 pares de base (pb) e nota Netprimer acima de 75, a qual se baseia em parâmetros como temperatura de melting (Tm), estabilidade, conteúdo CG e interação entre primers. Genes de referência observados por Andrade et al. (2017) em cana-de-açúcar em condições de déficit hídrico, já disponíveis no laboratório de Biotecnologia do Centro de Cana – IAC, foram testados em experimentos de validação juntamente com genes de referência mais estáveis em sorgo sob infecção com Brome mosaic virus (BMV), do gênero Bromovirus, e milho sob infecção com SCMV, observados por Zhang et al. (2013a). No último caso, as sequências dos genes mais estáveis foram obtidas na base de dados DFCI gene index (http://compbio.dfci.harvard.edu/tgi/) e ortólogos em cana-de-açúcar foram buscados a partir dessas sequências na base de dados Sucest pela ferramenta BlastN (tabela 1). A partir desses genes ortólogos, oligonucleotídeos foram desenhados pelo mesmo método para os genes alvo descrito acima. Tabela 1. Relação de sequências ortólogas em cana-de-açúcar para os genes de Zea mays e Sorghum bicolor do banco de dados DFCI. Gene Espécie Acesso DFCI Ortólogo Sucest e-value Identidade (%) Gap (%) EF1α Z. mays TC506730 SCVPLB2C05B11.g 0 94 0 UBC18 Z. mays TC479874 SCEZSD1083D06.g 0 95 0 https://www.idtdna.com/primerquest/Home/Index http://compbio.dfci.harvard.edu/tgi/ 37 SAND S. bicolor TC131743 SCSGFL4194B02.b 0 93 0 GTPB S. bicolor TC111436 SCEZHR1048A04.g 0 93 1 UK S. bicolor TC123979 SCQSST1039D09.g 0 96 0 3.7. Obtenção de cDNA A partir do RNA total extraído de folhas recém-expandidas (folhas +1) de cada réplica biológica por Medeiros et al. (2014) foi novamente averiguada a integridade em gel de agarose 1,5% corado com brometo de etídio (1 µg.mL−1), enquanto a quantificação e avaliação de pureza foram realizadas por meio do equipamento NanoDrop ND-2000c (Thermo Scientific), sendo a última obtida através de razões de absorbância 260/280 nm e 260/230 nm. A partir de 1 µg de RNA, foi realizada a remoção de DNA genômico das amostras por meio de DNAse I (Promega, Fitchburg WI, USA) para em seguida ser realizada a transcrição reversa com o kit GoScript Reverse Transcription System (Promega), de acordo com as recomendações do fabricante. Devido a maior ocorrência de FDEs nos tempos de coleta de 24 e 72 h, as reações de validação foram realizadas para estes dois pontos. 3.8. Experimentos de validação e análise de dados As reações foram realizadas com o kit SYBR Green Power Master Mix (Applied Biosystems), de acordo com as especificações do fabricante, no equipamento Applied Biosystems StepOnePlus System (Foster City CA, USA). Para as amplificações foi adotada uma desnaturação inicial a 95 ºC por 2 minutos, 95 ºC por 2 minutos, seguida de 40 ciclos a 95 ºC por 15 segundos e 60 ºC por 1 minuto. A concentração dos oligonucleotídeos testados foi de 0,2µM em 10µL de reação de 38 PCR. Após 40 ciclos, a especificidade dos produtos PCR foi analisada por meio dos perfis das curvas de dissociação (curva de “melting”). A eficiência da RT-qPCR foi observada por meio do programa LinReg PCR, o qual detecta a fase exponencial da amplificação pela plotagem de dados de fluorescência em escala logarítmica (RAMAKERS et al., 2003). Os oligonucleotídeos foram primeiramente testados em sua eficiência e especificidade em bulks de cDNA, cada um consistindo de três réplicas biológicas e dois tempos de coleta, 24 h e 72 h, sendo um bulk para cada cultivar e tratamento, perfazendo um total de quatro bulks: IAC91-1099 (s/i), IAC91- 1099 (c/i), IACSP95-5000 (s/i) e IACSP95-5000 (c/i). Os genes candidatos a normalizadores foram testados em sua estabilidade em oito bulks de cDNA, cada um consistindo de três réplicas biológicas: IAC91-1099 24 hai (s/i), IAC91-1099 24 hai (c/i), IAC91-1099 72 hai (s/i), IAC91-1099 72 hai (c/i), IACSP95-5000 24 hai (s/i), IACSP95-5000 24 hai (c/i), IACSP95-5000 72 hai (s/i) e IACSP95-5000 72 hai (c/i). Com os dados de Ct, “Cycle threshold”, e eficiência de reação, a escolha dos genes mais estáveis foi realizada por meio dos algoritmos NormFinder (ANDERSEN; JENSEN; ORNTOFT, 2004) e RefFinder (http://leonxie.esy.es/RefFinder/?type=reference). As reações de validação foram realizadas para os dois genes normalizadores mais estáveis e para os genes candidatos, com a reação realizada separadamente para as três réplicas biológicas em dois tempos de coleta. Os resultados de Ct foram avaliados segundo a metodologia do 2-ΔCt para a obtenção do perfil de expressão de três genes alvo (PFAFFL, 2001). As diferenças foram testadas por testes de randomização dos valores Ct por meio da ferramenta Software de Expressão Relativa (“Relative Expression Software Tool”, REST) (PFAFFL et al., 2002). 4. RESULTADOS 4.1. Alterações no padrão de metilação Um total de 1.131 loci, variando de 11 a 59 por combinação seletiva, foi obtido 39 com as 29 combinações seletivas avaliadas, considerando as 24 amostras dos cultivares IAC91-1099 e IACSP95-5000. Com os dados da Tabela 2 é possível observar que os níveis de metilação total em condições s/i para o cultivar IAC91- 1099 foram de 33,9%, 33,1% e 35,2% para os horários de coleta 24 h, 48 h e 72 h, respectivamente. Já o cultivar IACSP95-5000 apresentou níveis de metilação total em condições s/i de 37,3%, 33% e 35,7% para 24 hai, 48 hai e 72 hai, respectivamente. Na condição c/i, os níveis de metilação total do cultivar IAC911099 foram de 33%, 33,6% e 35,4% para 24 h, 48 h e 72 h, respectivamente, enquanto para o cultivar IACSP95-5000 foram de 34,1%, 34,5% e 32,4%, 24 h, 48 h e 72 h, respectivamente. Os dados sugerem alterações nos níveis de metilação mais expressivas em função do tempo de coleta que os tratamentos s/i e c/i. Analisando as alterações ocasionadas pela interação com SCMV é possível constatar um comportamento distinto entre os cultivares em estudo. O cultivar IACSP95-5000 apresentou as maiores alterações, que consistiram na diminuição da metilação total em 3,2% 24 hai, aumento de 1,5% 48 hai e novo decréscimo de 3,3% 72 hai. As alterações nos níveis de metilação do cultivar IAC91-1099 ocorreram principalmente 48 hai, com diminuição de 2,2% de metilação completa (a qual inclui loci de metilação da citosina interna) e aumento de 2,7% nos níveis de semi- metilação da citosina externa, resultando no aumento de 0,5% na metilação total. Esses dados sugerem a ocorrência de uma troca entre essas formas de metilação em IAC91-1099 (Tabela 2). Tabela 2. Frequência dos quatro padrões MSAP possíveis para os cultivares IAC91- 1099 e IACSP95-5000 sob os tratamentos s/i e c/i e três tempos de coleta, 24 hai, 48 hai e 72 hai. Padrão MSAP 1099 24 hai 1099 48 hai 1099 72 hai HpaII/MspI s/i c/i s/i c/i s/i c/i ++ 748 758 757 751 733 731 +- 72 61 55 86 62 66 -+ 207 202 227 197 213 218 -- 104 110 92 97 123 116 Total 1131 1131 1131 1131 1131 1131 Metilação completa (%)a 27.5 27.6 28.2 26.0 29.7 29.5 Semi-metilação (%)b 6.4 5.4 4.9 7.6 5.5 5.8 Total bandas metiladas (%)c 33.9 33.0 33.1 33.6 35.2 35.4 40 Padrão MSAP 5000 24 hai 5000 48 hai 5000 72 hai HpaII/MspI s/i c/i s/i c/i s/i c/i ++ 709 745 758 741 727 765 +- 49 54 48 65 70 47 -+ 220 192 186 189 190 190 -- 153 140 139 136 144 129 Total 1131 1131 1131 1131 1131 1131 Metilação completa (%)a 33.0 29.4 28.7 28.7 29.5 28.2 Semi-metilação (%)b 4.3 4.8 4.2 5.7 6.2 4.2 Total bandas metiladas (%)c 37.3 34.1 33.0 34.5 35.7 32.4 a: {[Metilação da citosina interna (-+) + Metilação das duas citosinas ou ausência de sítio(--)]/Número total de loci}*100; b: {[Semimetilação da citosina extern (+- )]/Número total de loci}*100; c: Metilação completa (a) + Semi-metilação (b). Na Tabela 3 seguem os loci MSAP subdivididos em loci não responsivos a SCMV e tempo de coleta, loci responsivos apenas a tempo de coleta, loci responsivos a SCMV (hipometilação, hipermetilação e troca da citosina metilada) e os loci não variáveis dentre os responsivos a SCMV em, pelo menos, um dos tempos de coleta, em um total de 24 categorias de presença e ausência de bandas. Os resultados indicam o comportamento diferenciado nos fenômenos de hipometilação e hipermetilação para os cultivares em estudo. A hipometilação total em IAC91-1099 apresentou uma tendência de aumento entre os horários de coleta 24 h e 48 h, principalmente devido ao polimorfismo -+/++, e entre 48 h e 72 h, devido principalmente a --/-+. O cultivar IACSP95-5000 apresentou aumentos de hipometilação 24 hai, de