UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro A PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO SUL-AMERICANO: INICIATIVA PARA A INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTURA REGIONAL SUL-AMERICANA (IIRSA) SAMIR EID PESSANHA Orientadora: Profa. Dra. Angelita Matos Souza Rio Claro - SP 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro A PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO SUL-AMERICANO: INICIATIVA PARA A INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTURA REGIONAL SUL-AMERICANA (IIRSA) SAMIR EID PESSANHA Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientadora: Profa. Dra. Angelita Matos Souza Rio Claro - SP 2018 Pessanha, Samir Eid. P475p A produção desigual do espaço sul-americano: iniciativa para a integração da infraestrutura regional sul-americana (IIRSA)/Samir Eid Pessanha. -- Rio Claro, 2018. 156 p. : tabs., mapas Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista (Unesp) Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientadora: Angelita Matos Souza. 1. IIRSA; 2. Integração Regional; 3. Infraestrutura; 4. América do Sul; 5. EIDs; I. Título. 1. IIRSA; 2. Integração Regional; 3. Infraestrutura; 4. América do Sul; 5. Eixo de Integração e Desenvolvimento; I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro A PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO SUL-AMERICANO: INICIATIVA PARA A INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTURA REGIONAL SUL-AMERICANA (IIRSA) SAMIR EID PESSANHA Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geografia. Comissão examinadora Profa. Dra. Angelita Matos Souza (UNESP) Prof. Dr. Samuel Frederico (UNESP) Prof. Dr. Leandro Bruno Santos (UFF) Conceito: Aprovado Rio Claro, 23 de outubro de 2018. AGRADECIMENTOS Agradeço e dedico esta pesquisa à minha família, em especial aos meus pais, Teresinha e Alvaro, por sempre embarcarem comigo nas minhas ideias com todo o apoio possível. Às minhas irmãs, Thamis e Michelle, por sempre me ensinarem o significado de companheirismo. E à minha avó Marina, por compartilhar comigo suas aventuras como professora. Aos meus amigos de sempre – Camilla, Lara, Angélica, Lucas Taoni, Kena, Bruno, Irina, Camila, Lucas Pessoa, Juliana, Felipe, Yume, André – pelo apoio, principalmente em momentos em que quis desistir. Muito obrigado pela amizade. Entretanto, tenho que versar sobre duas em especial. Primeiramente à Raquel. Muito obrigado por ter sido a melhor pessoa, amiga e companheira de trabalho. Ter contado com sua amizade durante o desenvolvimento do mestrado foi de importância inimaginável. Obrigado pelo companheirismo, por ter me estimulado a aproveitar o céu azul de Rio Claro e principalmente por me ensinar a importância de me conhecer melhor. Ao Julio, agradeço muito ao acaso por ter te conhecido. Muito obrigado pelo apoio, estímulo e companheirismo. Ter chegado aqui teria sido bem difícil sem você. Obrigado por me ensinar a valorizar quem eu sou e a acreditar que posso chegar cada vez mais longe. Muito obrigado. Agradeço à minha orientadora, Angelita Matos Souza, pois sem a sua orientação nada disso existiria. Muito obrigado pelo estímulo, paciência, conhecimento compartilhado e principalmente por ter me auxiliado na minha capacitação profissional. Agradeço à UNESP de Rio Claro, aos funcionários e corpo docente – em especial ao professor José Gilberto - por ter me concedido os meios que me levaram ao fim desta caminhada. Agradeço também ao professor Paulo Fernando Cirino Mourão, que me estimulou a continuar pelo caminho da academia. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. RESUMO A pesquisa desenvolvida tem como objeto de estudo a “Iniciativa de Integração de Infraestrutura da América do Sul” (IIRSA). O argumento central é que os projetos e eixos da iniciativa refletem no território sul-americano o desenvolvimento desigual do capitalismo. Iremos abordar a temática do desenvolvimento desigual, assim como a do novo imperialismo para tentar compreender a integração regional da América do Sul e como a IIRSA pode ser apreendida a partir da inserção periférica e dependente da região no sistema econômico mundial, para tanto também recorremos à noção de novíssima dependência, muito embora nem a teoria marxista do imperialismo, nem a da dependência sejam objeto de análise neste estudo, apenas recorreremos às ideias para buscar refletir sobre integração sul-americana enfocando a IIRSA. E a título de ilustração acerca dos resultados da Iniciativa, analisaremos uma das obras concluídas no seu portfolio: o “Corredor Vial Interoceánico Sur” (CVIS), presente no “Eixo de Integração e Desenvolvimento” (EID) Peru-Brasil-Bolívia, que se constituiu em uma das maiores obras de infraestrutura do Peru, com forte envolvimento do Brasil, e conforme a pesquisa realizada, não alcançou os resultados esperados. No mais, mesmo que a escala de análise seja pequena frente ao portfólio total da iniciativa, argumentaremos que a IIRSA não possibilita o surgimento de um recorte regional integrado. Palavras chave: IIRSA, integração regional, infraestrutura, América do Sul, EIDs. ABSTRACT The research carried out has as object of study the "Initiative of Integration of Infrastructure of South America" (IIRSA). The central argument is that the projects and axes of the initiative reflect in the South American territory the unequal development of capitalism We will address the issue of uneven development as well as that of the new imperialism to try to understand the regional integration of South America and how the IIRSA can be apprehended from the peripheral and region-dependent insertion in the world economic system, for which we also resort to the notion of new dependence, although neither the Marxist theory of imperialism nor the dependence theory is analyzed in this study, we will only resort to ideas to seek to reflect on South American integration focusing on IIRSA. And as an illustration of the results of the Initiative, we will analyze one of the projects completed in its portfolio: the "Corridor Vial Interoceánico Sur" (CVIS), present at the Peru-Brazil-Bolivia “Integration and Development Hub” (EID), which became one of the largest infrastructure works of Peru, with strong involvement of Brazil, and according to the research, did not reach the expected results. Moreover, even if the scale of analysis is small compared to the total portfolio of the initiative, we will argue that IIRSA does not allow the emergence of an integrated regional cut. Keywords: IIRSA, regional integration, infrastructure, South America, Integration and Development Hub. LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Sete Formas De Integração Econômica .............................................................................. 34 Quadro 2 - Projetos realizados em 2017, seu financiamento e países envolvidos. ............................... 77 Quadro 3 - Projetos da API 2022 finalizados, seu financiamento e países envolvidos. ........................ 79 Quadro 4 - Principais Produtos de Exportação Segundo a participação no total (2008)....................... 92 Quadro 5 - Principais Produtos de Exportação Segundo a participação no total (2015)....................... 93 Quadro 6 - Principais Produtos de Exportação Segundo a participação no total do MERCOSUL (2015) ............................................................................................................................................................... 94 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Classificação dos projetos de acordo com Eixos e tipo de financiamento no âmbito do Portfólio de Projetos. ............................................................................................................................. 74 Tabela 2 - Classificação dos projetos realizados de acordo com Eixos e o montante investido em milhões de dólares (2017) ..................................................................................................................... 75 Tabela 3 - Estágios dos Projetos Por Setor (2017) ................................................................................ 76 Tabela 4 - Grupos de Projetos do Eixo do Amazonas ........................................................................... 82 Tabela 5 - Grupos de Projetos do Eixo Andino..................................................................................... 83 Tabela 6 - Grupos de Projetos do Eixo de Capricórnio ......................................................................... 84 Tabela 7 - Grupos de Projetos do Eixo do Sul ...................................................................................... 85 Tabela 8 - Grupos de Projetos do Eixo do Escudo das Guianas ........................................................... 86 Tabela 9 - Grupos de Projetos do Eixo Hidrovia Paraná-Paraguai ....................................................... 87 Tabela 10 - Grupos de Projetos do Eixo Interoceânico Central ............................................................ 88 Tabela 11 - Grupos de Projetos do Eixo MERCOSUL-Chile ............................................................... 89 Tabela 12 - Grupos de Projetos do Eixo Peru – Bolívia – Brasil. ......................................................... 90 Tabela 13 - Informes dos investimentos projetados e os reais até 2016 na IIRSA Sul (em milhões de US$). ................................................................................................................................................... 103 Tabela 14 - Principais destinos das exportações de minério de cobre no Peru ................................... 107 Tabela 15 - América do Sul: Investimento em Infraestrutura (em porcentagens do PIB) .................. 112 LISTA DE MAPAS Mapa 1 - Os EIDs da IIRSA.................................................................................................................. 72 Mapa 2 - EID Peru-Brasil-Bolívia ........................................................................................................ 98 Mapa 3 - Rodovia Interoceânica IIRSA Sul ........................................................................................ 100 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADP - Atividades Diretamente Produtivas AIC – Agenda de Implementação Consensuada ALALC - Associação Latino-Americana de Livre Comércio ALADI - Associação Latino Americana de Integração ALBA - Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América ALCA - Área de Livre Comércio das Américas AM – Eixo Amazonas API – Agenda de Projetos Prioritários de Integração AR - Argentina BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico BO - Bolívia BR - BRASIL CAF - Corporação Andina de Fomento CAN - Comunidade Andina CAP – Eixo Capricórnio CCT - Comitê de Coordenação Técnica CEPAL - Comissão Econômica para América Latina e Caribe CFBC - Corredor Ferroviário Bioceânico Central CH - Chile CN - Coordenações Nacionais COSIPLAN - Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento CSAN - Comunidade Sul-Americana de Nações CVIS - Corredor Vial Interoceánico Sur DES – Eixo do Sul ECOSOC - Conselho Econômico e Social das Nações Unidas EGASUR - Empresa de Geração Elétrica Amazonas Sul EUA – Estados Unidos EID – Eixo de Integração e Desenvolvimento ENID - Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento FHC – Fernando Henrique Cardoso FOCEM - Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL FONPLATA Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do Prata GUY - Guiana GTE - Grupos Técnicos Executivos HPP – Eixo Hidrovia Paraná - Paraguai IOC – Eixo Interoceânico Central IFRI - Instituições Financeiras Multilaterais IIRSA - Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da Região Sul-Americana JBIC - Banco Japonês de Cooperação Internacional MCC – Eixo MERCOSUL - Chile MERCOSUL - Mercado Comum do Sul MS - Mato Grosso do Sul MT – Mato Grosso MW - Megawatt NAFTA - Tratado Norte-Americano de Livre Comércio OEC - Observatório de Complexidade Econômica OMS – Organização Mundial da Saúde PA - Pará PBB – Eixo Peru - Bolívia - Brasil PE - Peru PPA - Plano Plurianual PR - Paraná PSI - Processo Setorial de Integração PY - Paraguai S.A - Sociedade Anônima SP – São Paulo SIP - Sistema De Informações de Projetos SNIP - Sistema Nacional de Investimento Público UE – União Europeia UNASUL - União de Nações Sul-Americanas UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento UY - Uruguai SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 8 1.1 Procedimentos Metodológicos e Esclarecimentos Teóricos ........................................................... 11 1.2 Organização do texto ...................................................................................................................... 13 2. A PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO CAPITALISTA .......................................................... 15 2.1 O espaço desigual: as contribuições de David Harvey e Neil Smith para a compreensão da produção capitalista do espaço .............................................................................................................. 15 2.2 Novo imperialismo e novíssima dependência ................................................................................. 25 3 TEORIAS DA INTEGRAÇÃO E INICITIVAS DA INTEGRAÇÃO .............................................. 32 3.1 Teorias da Integração Regional ....................................................................................................... 32 3.2 Os diferentes regionalismos ............................................................................................................ 39 3.3 Iniciativas de Integração: ALALC, ALADI, CAN, MERCOSUL e UNASUL .............................. 48 4 INICIATIVA PARA A INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTRA REGIONAL SUL-AMERICANA (IIRSA) .................................................................................................................................................. 62 4.1Iniciativa para a integração regional da Infraestrutura Sul Americana (IIRSA) .............................. 62 4.2.1 Os Eixos de Desenvolvimento e Integração ................................................................................. 68 4.2.2 Os EIDs do IIRSA em detalhe ..................................................................................................... 80 4.2.2.1 O Eixo do Amazonas ................................................................................................................. 81 4.2.2.2 O Eixo Andino .......................................................................................................................... 82 4.2.2.3 O Eixo de Capricórnio ............................................................................................................... 84 4.2.2.4 O Eixo do Sul ............................................................................................................................ 85 4.2.2.5 O Eixo do Escudo das Guianas ................................................................................................. 85 4.2.2.6 O Eixo Hidrovia Paraguai-Paraná ............................................................................................. 86 4.2.2.7 O Eixo Interoceânico Central .................................................................................................... 87 4.2.2.8 O Eixo MERCOSUL-Chile ....................................................................................................... 89 4.2.2.9 O Eixo Peru – Bolívia - Brasil .................................................................................................. 90 4.2.3 IIRSA Sul (Rodovia Interoceânica): o “desbravamento” do território peruano? ......................... 95 5 IIRSA: INTEGRAÇÃO OU INTERCONEXÃO SUL-AMERICANA? ......................................... 110 5.1 Visões sobre infraestrutura ........................................................................................................... 110 5.2 A Integração Regional Sul-Americana: Um Sonho Sazonal? ...................................................... 120 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 133 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 139 8 1. INTRODUÇÃO Nesta pesquisa o objeto de estudo é a “Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana” (IIRSA). A IIRSA tem sua origem na “Reunião de Presidentes da América do Sul”, realizada em Brasília em 2000 e liderada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Em muito espelhada nas antigas experiências em integração regional, a IIRSA é apontada como a primeira iniciativa formada pelos doze países da América do Sul (HONÓRIO, 2017). A iniciativa teve como um dos seus eixos norteadores a perspectiva do regionalismo aberto, seu objetivo é a integração física regional a partir de projetos organizados em “Eixos de Integração e Desenvolvimento” (EID). Em 2004, quando o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva retoma a Iniciativa, na reunião “Reunião de Presidentes da América do Sul”, em 2004, em Cuzco no Peru, foi aprovada a “Agenda de Implementação Consensuada (AIC) 2005-2010”, que definiu 31 projetos prioritários a serem concluídos até 2010 dos mais de 500 outros projetos do portfólio original. Em 2011, a IIRSA seria incorporada ao Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) da UNASUL, criada em 2008, quando será estabelecida a “Agenda de Projetos Prioritários de Integração” (API), com 31 projetos escolhidos pelos representantes dos 12 países a partir da sua importância para o processo de integração e viabilidade, com um investimento estimado de US$ 13,6527 bilhões de dólares. A absorção da IIRSA pela União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), organização intergovernamental criada com o objetivo declarado de ser um mecanismo político para união e defesa dos governos da região, não alterou a situação dos projetos da IIRSA, mantendo alto nível de complexidade e pouco atrativo para o investimento externo (COSTA; GONZALEZ, 2015). A IIRSA se desenvolveu como uma iniciativa de integração regional multisetorial que por meio de obras de infraestrutura promoveria integração regional focando nas áreas de transportes, energia e telecomunicações, tendo como objetivo final a conformação de corredores de exportação, apostando na integração geoeconômica da região, o que refletiria tanto os posicionamentos dos governos na época de sua elaboração quanto à própria história sul-americana em questões de integração regional. Fundamentada em um extenso portfolio de projetos, a IIRSA representa a escolha dos Estados sul-americanos pela criação de corredores de exportação, bioceânicos, que viessem a garantir a interconectividade entre os Estados e o comércio tanto intraregional quanto externo 9 à região, possibilitando acesso aos dois oceanos que banham a América do Sul. A carteira de projetos da IIRSA possui 562 projetos, com um investimento estimado em US$ 198 bilhões de dólares, até o ano de 2017, 153 projetos foram finalizados, com investimentos em torno de US$ 48 bilhões de dólares, o que representa apenas 25% dos valores projetados. Dos projetos finalizados em 2017, 23 de um total de 25 são relacionados com a área de transportes, em sua maioria obras de pavimentação e reabilitação de vias. Este padrão se repetiu durante os anos anteriores, demonstrando um desvio do ímpeto da IIRSA: nos portfolios de projetos é afirmado que o seu objetivo é a integração regional, mas baseado em Gudynas (2007) nosso posicionamento é de que o que é realizado são interconexões do território sul-americano. Interconexão não é sinônimo de integração na medida em que não impulsiona outros processos que a integração culminaria. Integração regional é um processo multidimensional (GUDYNAS, 2005), sendo a dimensão política uma das que se ausentam dentro de um processo de interconexão como a da IIRSA. Destarte, buscamos compreender a possibilidade de afirmar que a IIRSA e os seus EIDs são ajustes espaço-temporais. Os seus projetos miram na readequação dos territórios que receberam investimentos e capital advindos de outros espaços, que de acordo com a literatura, estariam sobreacumulados em seu local de origem, sendo o ajuste espaço-temporal uma “metáfora das soluções para as crises capitalistas através da suspensão temporal e da expansão geográfica” (HARVEY, 2004, p. 98), estando intrinsicamente relacionado com a produção capitalista de espaço, que se apoia no processo mencionado acima para garantir a sua reprodução. Partindo dos resultados da análise percebemos que um dos entraves da IIRSA é a própria questão do financiamento, sendo este realizado majoritariamente pelos Estados nacionais. Discutiremos a questão do financiamento da iniciativa, mas de antemão já afirmamos a sua dificuldade de investimentos por parte do capital externo. Se a IIRSA nasce como um projeto proposto pelo império, visto a significante participação do “Banco Interamericano de Desenvolvimento” (BID), em seu desenvolvimento esta característica enfraquece. O ajuste espaço-temporal acima caminha juntamente com o da acumulação por espoliação. Para Harvey, no contexto atual a “[...] incapacidade de acumular por meio da reprodução ampliada tem sido compensada por um aumento das tentativas de acumulação mediante desapossamento” (HARVEY, 2004, p. 10), sendo estas duas noções centrais para a compreensão do que ele chama de novo imperialismo. Apesar de Harvey estar dissertando sobre o contexto norte-americano, enfocando mais a questão do petróleo, a acumulação por 10 espoliação se reproduz em escalas como a sul-americana, e estão presentes nas territorializações dos projetos da IIRSA. A expansão do capitalismo está conectada ao desenvolvimento de diferenciações geográficas. Neste sentido, utilizamos a noção de desenvolvimento geográfico desigual, presente em Harvey e Neil Smith. Smith utiliza a teoria do desenvolvimento desigual, presente inicialmente em Lenin e desenvolvida de forma mais sistemática por Trotsky, para compreender a espacialidade do desenvolvimento e a sua relação na garantia dos meios de expansão e garantia de sobrevivência do capitalismo (SMITH, 1988). Como a produção do espaço é política (LEFEBVRE, 1985), a teoria do desenvolvimento geográfico desigual foi utilizada nesta pesquisa para compreender como o capitalismo se fundamenta na diferenciação geográfica, para a produção e expansão de si próprio, o que se correlaciona com a IIRSA na medida em que os EIDs da IIRSA territorializam uma gama de projetos que ao visar a readequação do território sul-americano reproduzem o desenvolvimento desigual, inerente ao próprio sistema. A título de ilustração, abordaremos o CVIS, ou a Rodovia Interoceânica. Iniciada no ano de 2006 trata-se de um dos grandes projetos concluídos da IIRSA e a estrada como objeto geográfico engendra transformações territoriais sérias, não obstante a sua territorialização não representou alterações significativas para as relações entre o Brasil e o Peru no tocante à integração econômica. Os levantamentos que serão apresentados posteriormente indicam que a obra representa grande avanço na interligação física entre os dois países, mas foi levada adiante com forte apoio do Estado peruano apenas por conta do montante de investimento externo que ela poderia captar para a sua finalização. Já para o Brasil, a obra representou espaço para as grandes empresas nacionais. Ao capital, a obra se torna uma das adequações necessárias aos fluxos do capital, e a conformação de um corredor de exportação. A inserção internacional dependente dos países sul-americanos é uma questão histórica, a autonomia regional um sonho a ser perseguido, porém de difícil alcance nos quadros do desenvolvimento hierárquico e desigual. Harvey ensina que a lógica estatal- territorial até pode se chocar com a lógica capitalista, uma vez que o Estado busca destacar-se no cenário global, todavia a complementaridade entre as duas lógicas tende a predominar, nem sempre ao encontro das ambições estatais. Para Harvey, a lógica do Estado funciona como a reprodução das relações de poder do Estado na regulação e alcance dos seus interesses tanto dentro quanto fora do seu território; ao passo que a lógica do capital diz respeito aos processos de acumulação do capital em busca do lucro. As duas lógicas se complementam e destoam, pois os dois entes não possuem interesses 11 que convergem todo tempo. Mas parece-nos interessante manter, como Harvey (2016), as duas lógicas separadas, concebendo autonomia aos Estados no desenho dos interesses geopolíticos. No caso da IIRSA, estes podem favorecer a integração, mas não convergir com a lógica do capital. 1.1. Procedimentos Metodológicos e Esclarecimentos Teóricos No que diz respeito a procedimentos metodológicos, nos guiamos a partir de Moraes e Costa (1984) e a sua distinção entre método de interpretação e método de pesquisa. O primeiro diz respeito aos posicionamentos filosóficos, de ideologia e posicionamento político do pesquisador. Já o segundo refere-se ao conjunto de técnicas utilizadas no desenvolvimento de algum estudo. Para o nosso método de pesquisa, ou procedimentos metodológicos, realizou-se o levantamento bibliográfico a partir da análise de livros, dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos, assim como consulta a bancos de dados e sites oficiais, como o Observatório de Complexidade Econômica 1 , a base de dados e publicações estatísticas da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) 2 , o “Sistema de Informações de Projetos” (SIP) 3 do COSIPLAN, e conversas com outros estudiosos do tema em eventos. A escolha da temática desenvolvida nesta pesquisa de mestrado advém do interesse pelo estudo dos processos de integração regional desenvolvidos no contexto sul-americano. A escolha pela IIRSA se deu pela iniciativa se diferenciar das anteriores pela sua atuação diretamente no território, campo fértil para os estudos geográficos. O segundo pressuposto é o de trabalhar com a noção de novo imperialismo e desenvolvimento geográfico desigual a partir das contribuições de David Harvey e Neil Smith. Com o avanço da pesquisa, houve mais adições para a leitura pretendida, como a noção de novíssima dependência. É necessário frisar que a novíssima dependência só será usada para enriquecer a pesquisa acerca do objeto de estudo, sem um aprofundamento na seara da teoria da dependência, o que exigiria um nível de discussão maior. Pretendemos apenas recorrer à ideia de novíssima dependência a partir das contribuições de Angelita Matos Souza, Décio Azevedo Marques de Saes e José Luís Fiori. Outrossim, falaremos um pouco acerca de teorias e paradigmas da integração regional, com o intuito de compreender quais são as diretrizes que influenciaram a conformação das 1 Disponível em: < https://atlas.media.mit.edu/en/>, acessado em 27 de ago. 2018. 2 Disponível em: < http://estadisticas.cepal.org/>, acessado em 27 de ago. 2018. 3 Disponível em: < http://www.iirsa.org/Page/Detail?menuItemId=105>, acessado em 27 de ago. 2018. 12 iniciativas de integração regional sul-americana. Abordamos também iniciativas anteriores de integração regional sul-americana, mas a partir de um recorte escolhido pelo pesquisador, partindo do regionalismo desenvolvimentista até o regionalismo pós-liberal. Com os resultados finais da pesquisa, espera-se que o trabalho possa contribuir para a discussão acerca do desenvolvimento e papel da IIRSA na questão da integração regional sul- americana. Mesmo com pouco tempo de existência, o objeto de estudo já possui ampla literatura e pesquisas a respeito. Entretanto, das que entramos em contato, a maioria foi desenvolvida durante um recorte específico da história sul-americana, afirmando a necessidade do seu contínuo estudo, devido à finalização de algumas das obras que estavam presentes no portfólio da iniciativa e que uma vez territorializadas engendram novas dinâmicas territoriais, que necessitam ser analisadas. Um dos autores norteadores do desenvolvimento da pesquisa é o geógrafo David Harvey e a sua noção de novo imperialismo. Harvey (2005) considera o imperialismo capitalista como a fusão contraditória entre a lógica do Estado e a lógica da acumulação do capital, resumidas acima, que em alguns momentos podem estar em consonância, mas em outros não. O geógrafo utiliza esta visão para tecer sua leitura acerca da realidade estadunidense. No entanto, isso não impossibilita o uso, com as devidas adaptações, para outras realidades geopolíticas de Estados, menos ou nada imperialistas, que é o caso dos Estados sul-americanos. Neste sentido, utilizaremos a análise de Harvey sobre o novo imperialismo para tentar compreender a maneira pela qual a IIRSA promoveria uma adequação regional do território ditado pelas forças do mercado com o consentimento dos Estados sul-americanos? Como entendemos a partir dos resultados alcançados com a pesquisa, os projetos da IIRSA se encaixam como ajustes espaço-temporais. Os chamamos de ajustes no sentido de adaptar o território sul-americano a necessidades do mercado internacional, com o intuito de melhorar o escoamento da produção e os fluxos necessários para este fim. Somado aos ajustes, há uma espoliação dos recursos e excedentes da produção e alterações territoriais sérias, que permitem que utilizemos na análise a noção de produção de espaço por efeito do desenvolvimento geográfico desigual no contexto do novo imperialismo. A expansão do capital para uma nova localidade levanta novas diferenciações e barreiras que ao serem exploradas também representam elementos a serem superados para um novo processo de expansão. Neil Smith (1988) atribui o desenvolvimento desigual do capitalismo ao que ele chama de “vaivém”, no qual o autor considera o mundo como uma “superfície de lucro” produzida 13 pelo capital, a diferenciação geográfica dos territórios fruto direto desta busca incessante do capital pelo lucro. Isto se correlaciona diretamente com o novo imperialismo, no qual o capital fundamenta a sua expansão pelo ajuste espaço-temporal, que busca garantir a reprodução fundamentada em mecanismos de espoliação. A expressão “sonho sazonal” de Fiori (2010), ao falar de integração sul-americana estaria, do nosso ponto de vista, ligada ao ímpeto da readequação do território sul-americano conforme estímulos do centro do capitalismo, o que é justificado pela nossa inserção dependente no mercado capitalista internacional, mesmo que os interesses pela integração regional façam parte da história sul-americana. Entretanto, a IIRSA, mesmo que visando os corredores de exportação e, por muitos, considerada uma iniciativa neoliberal, após 18 anos em desenvolvimento, não se mostrou à altura do planejado/almejado por possuir uma estrutura complexa de projetos e não ser atrativa ao capital externo, como Costa e Gonzalez (2015) afirmam. Ademais, esteve fortemente baseada em projetos de interconexão territorial (GUDYNAS, 2007), distantes do que entendemos por integração regional, estabelecendo as chamadas redes extravertidas, que interconectam áreas produtoras de commodities do território aos portos, que por sua vez abastecerão o mercado internacional. Desta forma, esta dissertação se posiciona ao afirmar que a IIRSA promove uma adequação territorial, por meio de interconexões, fortalecendo a inserção subordinada sul- americana e o posicionamento de região produtora de commodities, não resultando na integração regional clamada nos documentos oficiais da iniciativa. 1.2. Organização do texto O texto está organizado em seis partes, com essa introdução e as considerações finais. O próximo capítulo traz o arcabouço teórico principal da pesquisa, que são as noções de novo imperialismo, ajuste espaço-temporal e acumulação por espoliação de David Harvey e de desenvolvimento (geográfico) desigual em Neil Smith, também presente em Harvey. Este arcabouço permite a compreensão sobre o que seria a produção desigual do espaço capitalista, e a maneira pela qual relacionamos isto com a IIRSA e a integração regional sul-americana. No segundo tópico do capítulo abordamos a novíssima dependência, que utilizaremos para o entendimento da atual inserção dependente da região sul-americana. O terceiro capítulo versa sobre algumas das teorias acerca da integração regional. Posteriormente discutimos os diferentes regionalismos e algumas das iniciativas passadas de 14 integração regional ocorridas na América do Sul, respectivamente a ALALC, ALADI, CAN, MERCOSUL E UNASUL. As teorias da integração regional foram incorporadas à pesquisa de maneira a se constituírem como um esforço nosso pela compreensão da problemática acerca integração regional, e em partes demonstrar o quanto a IIRSA, como iniciativa de integração regional física, se diferencia das outras que recebem influências diretas destas teorias. As iniciativas anteriores de integração permitem compreender qual caminho percorrido pelos sul-americanos até a IIRSA e os diferentes regionalismos para compreender a sua influência direta na iniciativa, como o do regionalismo aberto. O quarto capítulo diz respeito a própria IIRSA, no qual realizamos o levantamento bibliográfico acerca de sua história e características institucionais, assim como dos EIDs, que estão presentes em subtópico. Posteriormente trazemos, a título de ilustração, o caso da chamada Rodovia Interoceânica, para ilustrar uma dos projetos da IIRSA já concluídos e seus impactos no território. O quinto capítulo tem o primeiro tópico que objetiva a distinção de duas visões acerca da infraestrutura, uma acatada pelos documentos oficiais da IIRSA e instituições financiadoras e apoiadoras, e a outra visão que desvincula o que a primeira afirma. O segundo tópico discute o papel do Brasil na integração regional sul-americana e resgata a discussão acerca da produção do espaço capitalista. 15 2. A PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO CAPITALISTA O objetivo deste capítulo é refletir sobre a produção do espaço capitalista, a partir da analise de David Harvey (2005a) sobre o novo imperialismo, bem como dos estudos acerca do desenvolvimento desigual em Harvey e Neil Smith. Posteriormente, falaremos brevemente sobre a novíssima dependência a partir do levantamento bibliográfico. Nosso foco é elucidar o que seria a inserção dependente sul-americana, e consideramos a produção desigual do espaço como o principal elemento a ser discutido e que mais fortemente se conecta aos processos desencadeamos a partir da IIRSA. 2.1 O espaço desigual: as contribuições de David Harvey e Neil Smith para a compreensão da produção capitalista do espaço A globalização fortaleceu a suposta ideia de integração do mercado capitalista mundial. Entretanto, esta afirmação enfraquece quando recordamos qual é o principio norteador do sistema capitalista: a busca pelo lucro. A mundialização, de acordo com Chesnais (2000, p. 12), liberou “[...] todas as tendências à polarização e à desigualdade que haviam sido contidas, com dificuldades, no decorrer da fase precedente (anterior a 1970)”. De acordo com o autor, a globalização não significou um processo real de integração menos desigual dos mercados mundiais, mas sim o fortalecimento de um processo de desregulamentação que polarizou e acentuou a hierarquização dos Estados. Nada é mais seletivo que um investimento ou um investimento financeiro que procura rentabilidade máxima. É por isso que a globalização não tem nada a ver com um processo de integração mundial que seria um portador de uma repartição menos desigual das riquezas. Nascida da liberalização e da desregulamentação, a mundialização liberou, ao contrário, todas as tendências à polarização e à desigualdade que haviam sido contidas, com dificuldades, no decorrer da fase precedente (CHESNAIS, 2000, p. 12). A mencionada hierarquização funciona a partir da divisão regional do trabalho, que passa por mudanças para acompanhar o novo patamar do processo de mundialização iniciado a partir da década de 70. Neil Smith (1988) disserta acerca da maneira pela qual o capitalismo está sempre em movimento de readequação/destruição dos espaços nacionais, em busca de uma configuração espacial que seja do seu interesse, sendo parte de um processo muito maior, que é compreendido como o desenvolvimento geográfico desigual. A teoria do desenvolvimento desigual possui origem Lênin e na sua empreitada em compreender o desenvolvimento do imperialismo. Contudo, o russo não a aplicou como uma lei. Posteriormente foi utilizada por e nomeada por Leon Trotsky como teoria do 16 desenvolvimento combinado e desigual, que visava “[...] dar conta da lógica das contradições econômicas e sociais dos países do capitalismo periférico ou dominados pelo imperialismo” (LÖWY, 1998, p. 73). Pois bem, a noção de desenvolvimento desigual possui estas origens, e se diferencia da do desenvolvimento geográfico desigual por: [...] enquanto a preocupação da primeira está em explicar porque uma formação social periférica/ atrasada, cujas forças produtivas não estão desenvolvidas e nem sob o controle de uma burguesia nacional consolidada, pode experimentar uma revolução política; a segunda constitui uma tentativa teórico-metodológica que busca captar a espacialidade do desenvolvimento desigual, portanto, a natureza especificamente geográfica da desigualdade socioeconômica entre regiões e países (THEIS, 2009, p. 245) Portanto, a expansão do capitalismo está conectada com o desenvolvimento geográfico desigual, sendo que na concepção de David Harvey este processo corresponde à fusão entre a mudança de escalas e a produção de diferenças geográficas. A concepção geral de desenvolvimento geográfico desigual que tenho em mente envolve uma fusão desses dois elementos, a mudança das escalas e a produção de diferenças geográficas. Temos por conseguinte de pensar em diferenciações, interações e relações tanto interescalares como intra- escalares. Um erro comum tanto de compreensão analítica como de ação política decorre do fato de, com demasiada frequência, nos aprisionarmos numa dada escala de pensamento, tratando então as diferenças nessa escala como a linha fundamental de clivagem política. Julgo ser esse um dos mais disseminados erros a advir de toda a pletora de discursos sobre globalização a que nos vemos expostos atualmente. Ele sustenta erroneamente que tudo é determinado fundamentalmente na escala global (HARVEY, 2004, p. 112). O primeiro elemento diz respeito às escalas geográficas. De acordo com Smith (1988, p. 196), o capital herda da apropriação do espaço uma “[...] hierarquia cada vez mais sistemática de escalas espaciais [...]”, sendo o espaço urbano, a escala da nação-Estado e espaço global. O que engendrará a produção de diferenças geográficas é a movimentação do capital por entre estas escalas, o que torna cada uma necessitada de uma análise especifica para o aprofundamento da maneira pela qual o capital irá transformá-la. Já a produção de diferenças geográficas se originaria dos fluxos de capital, que ao buscarem ao redor do globo territórios mais facilmente ocupados do que outros incitam transformações territoriais, que produziram as diferenças. Disto há um encontro entre estes espaços e o próprio mercado internacional, que forçará a readequação e adaptação para a sua inclusão no sistema. Neste processo, o capitalismo busca reproduzir a si mesmo nestes territórios, partindo do principio da divisão internacional do trabalho, que hierarquizará as regiões no processo transformação do espaço. Instaura-se um processo da produção da diferenciação geográfica, que é o principal ponto do desenvolvimento geográfico desigual, e 17 que permeia a visão de Harvey. Sendo assim, a transição entre escalas do capital permite a produção da diferenciação geográfica. Com o incessante progresso de elementos que permitem o fluxo de capital e a sua realocação, o espaço do capital é constantemente produzido ao bel prazer dos ímpetos do processo de acumulação. Sendo assim, para Harvey a noção de desenvolvimento geográfico desigual é: O resultado disso é que o desenvolvimento da economia de espaço do capitalismo está cercado de tendências contrapostas e contraditórias. As barreiras espaciais e as distinções regionais precisam ser derrubadas. Mas os meios para atingir esse objetivo envolvem a produção de novas diferenciações geográficas que criam novas barreiras espaciais a serem superadas. A organização geográfica do capitalismo internaliza as contradições dentro da forma de valor. É isso que quer dizer o conceito do inevitável desenvolvimento desigual do capitalismo (HARVEY, 2006, p.604). O autor afirma que o processo de acumulação de capital sempre se constituiu em uma questão geográfica, sendo que “sem as possibilidades inerentes em expansão geográfica, reorganização espacial e ao desenvolvimento geográfico desigual, o capitalismo teria há muito tempo deixado de funcionar como um sistema político-econômico.” (HARVEY, 2001, p. 369, tradução nossa) 4 . É neste ponto que David Harvey e Neil Smith contribuem para a noção de desenvolvimento desigual a partir da Geografia por incluir a importância da espacialidade do desenvolvimento. Portanto, o capital busca em diferentes territórios as melhores condições para o seu processo de reprodução. Os territórios se diferenciam pela natureza e quantidade de seus recursos, o que torna o capital dependente da criação de “[...] infraestruturas físicas e sociais fixas e imóveis” (HARVEY, 2006, p. 619). São estes fatores os determinantes para a possibilidade do fluxo de capitais percorrerem o território, e que guiaram o desenvolvimento geográfico desigual. Smith (1988) também propõe uma discussão acerca do desenvolvimento desigual, mas o faz a partir de uma leitura pautada em dois âmbitos: um geográfico e outro político. Para o autor, uma perspectiva puramente geográfica sobre o desenvolvimento desigual entrega uma leitura acerca dos processos de reestruturação espacial como “[...] processos separados, em escalas separadas, com muitas causas e explicações separadas” (SMITH, 1988, p. 15). Já a perspectiva política ganha por ser pautada na perspectiva marxista com um viés mais relacional, mas que perde em sensibilidade geográfica (SMITH, 1988). Partindo desta ótica, 4 Do original “without the possibilities inherent in geographical expansion, spatial reorganization and uneven geographical development, capitalism would long ago have ceased to function as a political economic system” (HARVEY, 2001, p. 369) 18 para Smith (1988) cada etapa do capitalismo engendra desenvolvimentos desiguais que possuem suas próprias características e geografias, sendo a base natural da diferenciação espacial respaldada no conceito de divisão do trabalho, pois “a divisão espacial ou territorial do trabalho não é um processo separado, mas está implícito, desde o início, no conceito de divisão do trabalho” (SMITH, 1988, p. 152). O desenvolvimento desigual é tanto o produto quanto a premissa geográfica do desenvolvimento capitalista. Como produto, o padrão é altamente visível na paisagem do capitalismo, tal como a diferença entre espaços desenvolvidos e subdesenvolvidos em diferentes escalas: o mundo desenvolvido e o subdesenvolvido, as regiões desenvolvidas e as regiões em declínio, os subúrbios e o centro da cidade. Como premissa da expansão capitalista, o desenvolvimento desigual [...] é a desigualdade social estampada na paisagem geográfica e é simultaneamente a exploração daquela desigualdade geográfica para certos fins sociais determinados (SMITH, 1988, p. 221). Espacialmente, a divisão qualitativa do trabalho esteve inicialmente condicionada às condições naturais de cada território, sendo que posteriormente com o advento de uma sociedade pautada em uma economia mais desenvolvida há a internalização das diferenciações naturais como base para uma diferenciação social sistemática do processo de trabalho, fazendo com que a divisão social do trabalho se expresse espacialmente 5 (SMITH, 1988). Certamente, o capitalismo herdou uma divisão territorial do trabalho radicada nas diferenciações naturais e essa divisão territorial se mantém em proporção maior ou menor, mas ela subsiste ao fato – relíquia para os ditames de uma nova sociedade, como um novo conjunto de forças que tendem para a diferenciação das condições e dos níveis de desenvolvimento (SMITH, 1988, p. 158). Esta divisão social do trabalho espacial é também realidade devido à expansão do neoliberalismo, que acirrou a concentração de capitais e de tecnologias em certas regiões em detrimento de outras. De acordo com Smith (1988) a concentração e centralização do capital em um ambiente construído se dariam de acordo com a lógica social inerente ao processo de acumulação de capital, uma visão também compartilhada por Harvey (2008), sendo esta lógica social em sobremaneira consoante à lógica do Estado. Para Smith (1988) o desenvolvimento desigual se dá a partir da produção da natureza pelo capital, sendo uma teoria chave para determinar o que caracterizaria a geografia especifica do capitalismo, em 5 Ora, é este o material de estudo da Geografia tradicional, principalmente a regional, que buscava apreender a localização das atividades econômicas e partir disto elaborar estudos regionais da localização geográfica das atividades sociais de acordo com as diferenciações na natureza (SMITH, 1988). 19 busca da resposta à seguinte questão: como a configuração geográfica da paisagem contribui para o desenvolvimento do capitalismo (SMITH, 1988, p. 17). A natureza geralmente é vista como sendo precisamente aquilo que não pode ser produzido; é a antítese da atividade produtiva humana [...] Todavia, com o progresso da acumulação de capital e a expansão do desenvolvimento econômico, esse substratum material torna-se cada vez mais o produto social, e os eixos dominantes de diferenciação são, em sua origem, crescentemente sociais. Em suma, quando essa aparência imediata da natureza é colocada no contexto histórico, o desenvolvimento da paisagem material apresenta-se como um processo de produção da natureza. Os resultados diferenciados dessa produção da natureza são os sintomas materiais de desenvolvimento desigual (SMITH, 1988, p. 67, grifo do autor). Destarte, o capital é um dos elementos primordiais para a expansão e reprodução do capital, sendo o centro da sua ação baseada fundamentalmente em uma economia embasada na espoliação (HARVEY, 2016) que atuará na diferenciação do espaço, que segundo Smith (1988, p. 136) é “[...] um resultado direto da necessidade, inerente ao capital, de imobilizar o capital na paisagem”, sendo esta imobilização de acordo com os interesses tanto do Estado quanto do capital. De acordo com Smith (1988) há duas forças por trás do desenvolvimento desigual: a da igualização e a da diferenciação. Estas duas forças são contraditórias, pois o capital é investido em dada localização objetivando a apropriação e produção da mais-valia, entretanto, da mesma forma que se procura consolidar esta base para a sua expansão, o capital passa aos poucos a ser retirado mirando em outras localidades, sempre em busca de lucros maiores, sendo assim “[...] a imobilização espacial do capital produtivo em sua forma material não é nem menos necessária do que a perpétua circulação do capital como valor” (SMITH, 1988, p. 19). Desta forma, Smith (1988) demonstra que a produção capitalista do espaço se dá por meio de uma relação entre a instalação e a mobilidade desse capital, sendo que a partir de 1970 essa mobilidade passou a outro patamar com as transformações na economia capitalista a partir desta década. A partir da década de 70 há o advento da onda neoliberal. O Estado neoliberal se define pela proteção aos direitos à propriedade privada, ao livre funcionamento do comércio e a menor interferência na economia, a competição passa a ser vista como um valor fundamental e o do Estado o principal guardião destes fundamentos. Atribui-se peso a livre mobilidade do capital, elemento este que se relaciona fortemente com o desenvolvimento geográfico desigual, pois como o neoliberalismo prega a livre mobilidade do capital, este então encontra os subsídios para atingir territórios interessantes ao processo de acumulação, iniciando assim uma nova etapa da diferenciação espacial capitalista. 20 A livre mobilidade do capital entre setores, regiões e países é julgada crucial. Todas as barreiras ao livre movimento [...] têm de ser removidas, exceto em áreas essenciais ao “interesse nacional”, como quer que esteja definido. A soberania do Estado com relação aos movimentos de mercadorias e de capital é entregue de bom grado ao mercado global [...] Os Estados devem por conseguinte empenhar-se coletivamente para a redução e a negociação de barreiras ao movimento do capital por suas fronteiras e para a abertura dos mercados (tanto para mercadorias como para o capital) às trocas globais (HARVEY, 2008, p. 77). O espraiamento do processo de neoliberalização depende do balanço de forças entre as classes (como a resistência dos sindicatos) e do grau de dependência da classe capitalista com relação ao Estado. Os recursos que possibilitavam a transformação e a restauração das classes a partir do neoliberalismo foram sendo instaurados, de modo gradual, mas desigual, a partir dos anos 80, sendo quatro os componentes essenciais (HARVEY, 2008). Em primeiro lugar, a virada para uma financeirização mais aberta, iniciada em 1970, acelerou-se durante os anos de 1990. O investimento externo direto e o investimento indireto aumentaram rapidamente por todo o mundo capitalista, mas se disseminaram desigualmente [...] Em segundo lugar, havia crescente mobilidade geográfica do capital, facilitada em parte pelo fato corriqueiro mas essencial da rápida redução dos custos de transporte e comunicação [...] Em terceiro, o complexo Wall Street-FMI-Tesouro dos Estados Unidos, que veio a dominar a política econômica nos anos Clinton, conseguiu persuadir, iludir e (graças aos programas de ajuste estrutural administrados pelo FMI) forçar muitos países em desenvolvimento a seguir o caminho neoliberal [....] Por fim, a difusão global da nova ortodoxia econômica neoliberal e monetarista passou a exercer uma influência ideológica cada vez mais forte (HARVEY, 2008, p. 102). Estes quatro componentes resultaram no “Consenso de Washington” na década de 90, este que assumiu o neoliberalismo como modelo para a solução dos problemas globais. Com a crise do modo de produção fordista, esta que foi ocasionada principalmente pela sua rigidez e pela crise de sobreacumulação, que levaram ao advento da chamada fase de acumulação flexível, que ao contrário do paradigma anterior, contava muito com o fortalecimento da financeirização dos espaços, principalmente por meio do capital financeiro e do “empreedimentismo com papéis” 6 , no qual ganha espaço a busca pelo lucro pela especulação financeira, da aquisição de outras empresas e seus ativos, ou seja, fortalecendo o mercado financeiro, que apostou na citada mobilidade geográfica do capital para tornar o mais flexível possível a oferta de novas chances de acumulação de capital, tornando as diferentes economias reféns do “´[...] aumento dessa capacidade de dirigir fluxos de capital para lá e 6 Harvey (2008) utiliza este termo para se referir às atividades responsáveis por “[...] obter lucros que não se restrinjam à produção pura e simples de bens e serviços” (p.154). Ou seja, as maneiras pelas quais o capital obtém lucro através do mercado financeiro, exploração de juros, compra de dívida externa, obtenção de novas empresas principalmente por fusões. 21 para cá de maneiras que parecem desprezar as restrições de tempo e espaço” (HARVEY, 2008, p. 155). Desta forma, o neoliberalismo dominou as políticas econômicas dos diversos países a partir dos anos 1990, capitaneado por instituições como a “Organização Mundial do Comércio” (OMC), tendo como meta garantir que o centro do sistema pudesse extrair excedentes do resto do mundo (HARVEY, 2008) de forma segura, mesmo que este processo acabasse levando ao surgimento de crises, como a do México em 1995, em um contexto de forte flexibilização dos mercados e economia, tendo cada Estado que focar na cartilha neoliberal para poder ser capaz de atrair para si o interesse daquele capital desregulamentado e móvel. Portanto, a expansão do neoliberalismo a partir dos anos 70 reforçou o aparecimento de desenvolvimentos geográficos desiguais no sentido de que os diferentes países que não possuíam estruturas econômicas que fossem preparadas para os capitais sem barreiras do neoliberalismo, passaram por crises que os levaram a diferentes processos de diversificação e adaptação aos ditames advindos principalmente de Washington, em busca de preservar o seu lugar na competição capitalista, sendo este interesse advindo em grande parte dos interesses das forças de classe nesta equação. Por conseguinte, aprofundou-se a hierarquia entre as regiões, pois o desenvolvimento técnico não foi socializado entre os países através do aprofundamento da globalização, apenas as barreiras desregulamentadas, intensificando as consequências da entrada do capitalismo em diferentes territórios. O avanço do neoliberalismo e o aprofundamento da globalização levaram David Harvey a desenvolver a noção de novo imperialismo com o intuito de compreender os desdobramentos das forças neoliberais capitaneadas pelos Estados Unidas direcionadas para a intensificação de um capitalismo predador, que através dos ajustes espaço-temporais visa a espoliação com vias de intensificar o processo de acumulação de capital. Cabe lembrar que o pensamento de Harvey é desenvolvido em cima da realidade norte-americana e do centro do capitalismo. A ordem mundial tem como característica a relação entre o que Harvey (2005) chama de fusão contraditória entre a política do Estado e do império e “[...] os processos de acumulação do capital no espaço e no tempo [...]” (HARVEY, 2005, p. 31), resultando no “[...] imperialismo capitalista [...]” (HARVEY, 2005, p. 31), dotado de características específicas a partir de 1970, com mudanças que tornariam possível a adjetivação de “novo” na leitura deste autor. Para Harvey, as duas lógicas convergem em certos momentos, e em outros se sobrepõem. Mas o autor defende que a lógica capitalista tem primazia no capitalismo 22 hodierno, pois, há uma “[...] predominância da lógica capitalista, embora haja momentos em que a lógica territorial venha para o primeiro plano” (HARVEY, 2005a, p. 36). O que deve ser salientado é que apesar de a literatura apresentar um fácil acordo entre as lógicas, no entanto, o Estado é primordialmente uma entidade territorial, e os interesses do Estado capitalista nem sempre são os mesmos do capital (HARVEY, 2016), pois os interesses do capital não são os únicos a serem atendidos pelo Estado. A espoliação exercida por meio do capital vai desde o âmbito das relações sociais e de trabalho, propriedade privada até o espacial, através da produção da natureza. O capital então transforma os territórios a fim de satisfazer as necessidades para a sua reprodução, o que faz com que os mecanismos de espoliação funcionem consoantes a esta necessidade. A produção da natureza segue um padrão guiado pela rentabilidade e possibilidade ao lucro. O capitalismo transforma a relação com a natureza em uma relação de valor de troca e “a produção capitalista (e a apropriação da natureza) é acompanhada não pela satisfação das necessidades em geral, mas pela satisfação de uma necessidade particular: lucro” (SMITH, 1988, p. 94). Este lucro advém dos capitais investidos na paisagem geográfica, em consoante dos blocos no poder, que juntamente com o Estado contam com a possibilidade de se instalarem em territórios vantajosos, a fim de satisfazer projetos de poder específicos. Desta forma, o que temos como ferramenta explicativa é a chamada “acumulação por espoliação” (HARVEY, 2005a), principal mecanismo da nova fase do capitalismo e fortemente relacionada com o desenvolvimento desigual geográfico. O processo de acumulação por espoliação teria intensificado, segundo o autor, os mecanismos nefastos de expropriação por meio de meios similares aos da fase de acumulação primitiva analisada por Karl Marx. A acumulação por espoliação é adjetivada como predatória, funcionando principalmente a partir do que é identificado como “[...] capitalismo de rapina [...]” (HARVEY, 2005, p. 111) sendo a força-motor para desenrolar do ordenamento espaço- temporal do sistema capitalista. O que garante movimento ao processo mencionado acima são os “ajustes espaço- temporais” (HARVEY, 2016) que objetivam solucionar problemas em relação à absorção do excedente de capital e trabalho, sendo saídas para as crises de sobreacumulação do capital, investindo no espraiamento geográfico de longo prazo, garantindo um ajuste literal e físico do capital em determinadas paisagens, que virão a funcionar de acordo com os ditames exigidos. Harvey (2005b) fortalece a importância desse processo à perpetuação do capitalismo, por meio das expansões geográficas. Analisando o papel das exportações de capital para a produção de outros países, como uma tática de ajuste espacial e prevenção de crises de 23 superacumulação de capital, que transformam regiões e sociedades com a reconfiguração resultante da entrada desta exportação. O autor salienta que mesmo que o ajuste espacial seja uma saída para as crises ele próprio não as evita. Harvey (2005b) demonstra que como fenômeno, o ajuste espaço-temporal está intrinsecamente conectado à própria mão de obra, e acumulação, pois este fator é o que dirá o quão longevo será a duração do processo, antes ocorra a instauração da sua própria crise. O que se estabelece é que há a importância de se assegurar a circulação do capital e a os seus processos de acumulação. A exportação de excedentes de força de trabalho e capital parece um meio bastante fácil de evitar a desvalorização. Por intermédio de mudanças e reestruturações geográficas, existem todos os tipos de possibilidades para protelar as crises, sustentar a acumulação e modificar a luta de classes [...] Em todo caso, as implicações das dramáticas transformações ocorridas na geografia da produção, do consumo e da troca por toda a história do capitalismo são, em si mesmas, merecedoras de estudo [...] Toda forma de mobilidade geográfica do capital requer infra-estruturas espaciais fixas e seguras para funcionar efetivamente [...] Provavelmente, a capacidade de mover mercadorias depende da construção de um sistema de transportes sofisticado, eficiente e estável, amparado por todo um conjunto de infra- estruturas sociais e físicas [...] (HARVEY, 2005b, p. 148) Desta forma, as expansões geográficas do capital exigem ajustes para a criação de novas divisões territoriais do trabalho, novas regiões que funcionam como espaços dinâmicos de acumulação do capital, visando o lucro e absorção dos excedentes de capital, trabalho e recursos naturais provenientes da produção da natureza, sendo a lógica capitalista do imperialismo tendo que ser compreendida como responsável por buscar novas ordenações espaço-temporais para o problema do capital excedente (HARVEY, 2005a). Este ajuste espaço-temporal se conforma como uma “metáfora das soluções para as crises capitalistas através da suspensão temporal e da expansão geográfica” (HARVEY, 2004, p. 98). A partir da sobreacumulação de capitais, este excedente necessita de novas áreas (ou negócios) que possam se tornar investimentos produtivos, sendo o objetivo destes, de acordo com o novo imperialismo, somente a possessão do lucro que pode ser ali obtido. No entanto, os ajustes objetivam alterações em territórios com dinâmicas já estabelecidas, as ameaçando. Estabelece-se assim uma contradição: a movimentação do capital é necessária para evitar danos advindos das crises de sobreacumulação, e o resultado disto é um rastro de conflitos e devastação, que são repetidos, pois o capital: [...] nunca resolve suas falhas sistêmicas porque as desloca geograficamente [...] O princípio aqui é o seguinte: o capital cria uma paisagem geográfica que satisfaz suas necessidades em determinado momento, apenas para destruí-la em outro e facilitar uma nova expansão e transformação qualitativa. (HARVEY, 2016, p. 146) 24 Desta forma, a acumulação por espoliação se configura como o motor para o ciclo de expansão – ajuste – acumulação – destruição que valida o imperialismo capitalista, criando uma permanente divisão do trabalho que possibilita a reprodução de uma economia que se desenvolve a partir de mecanismos de espoliação. Estabelecem-se diversos centros dinâmicos de acumulação de capital que concorrem entre si por mercados e na outra medida, regiões que almejam e competem entre si para se tornarem locais para investimento do capital. O que prevalece é um sistema que assegura uma inserção subordinada a certas regiões dentro na divisão internacional do trabalho, como no caso da região sul-americana, sendo esta obediente aos ditames e exigências advindos da lógica do centro do capital. Esta dinâmica auxilia o desenvolvimento geográfico desigual das regiões, e se refletirá no desenvolvimento da IIRSA. No tocante à IIRSA, a noção de desenvolvimento geográfico desigual é chave, pois auxilia na compreensão da maneira pela qual os projetos da iniciativa, visando ajustar os territórios em busca do lucro, produzem espaços desiguais. A iniciativa objetiva a readequação do território sul-americano a partir dos investimentos em infraestrutura e criação de corredores bioceânicos. Territorialmente, as obras vão produzir, diretamente ou indiretamente, diferenciações geográficas, principalmente pela natureza dos EIDs, que preveem objetivos diferentes para cada região. A infraestrutura possui papel chave para a expansão do capitalismo. Os EIDs da IIRSA são processos de regionalização que possuem interesses externos, especialmente em readequar os territórios aos fluxos de capitais e as oportunidades de exploração existentes, reproduzindo no espaço sul-americano o que é exigido para atender as demandas do grande mercado, impulsionando o perfil regional de exportador de produtos primários, como é o caso da IIRSA. Consequentemente, estes interesses estão alinhados ao que Harvey (2005a) chama de novo imperialismo, e que através da IIRSA fomentará lógicas de espoliação territorial. A IIRSA foi desenhada, conforme analisaremos posteriormente, contando com o investimento externo, principalmente o oriundo do BID. Neste ponto identificamos interesse imperialista, através da participação deste capital externo. Contudo, este capital externo não adentra a iniciativa com força, sendo um dos principais problemas ao desenvolvimento da IIRSA, que fica totalmente dependente do capital dos próprios Estados. Desta forma, a IIRSA não se torna um projeto imperialista exatamente por não haver ser uma iniciativa do império, agindo, por exemplo, como uma saída para a produção do centro. O que existe é um adiantamento dos Estados da região em investir em uma iniciativa 25 do tamanho da IIRSA, que em última instância irá interessar ao capital imperialista, pois facilitaria o fluxo das mercadorias. 2.2 Novo imperialismo e novíssima dependência De acordo com Fiori (1995) e Pereira (2010) não há nas ciências sociais uma teoria da dependência, sendo que o se acostumou a chamar é um “[...] número infinito de artigos e livros de vários autores, que nos anos 60 e 70 dedicaram-se à análise de um mesmo problema com métodos e teorias distintos e com derivações político-normativas diferentes entre si” (FIORI, 1995, p. 215), criando uma interpretação sociológica e política da América Latina, sendo “[...] o objeto central da preocupação dos dependentistas sempre foram as relações concretas entre o desenvolvimento capitalista industrial tardio e periférico da América Latina (sobretudo) e o avanço da acumulação capitalista nos países centrais” (FIORI, 1995, p, 216), pois o termo “dependência” quando “aplicado à periferia, é uma contrapartida ao termo imperialismo aplicado ao centro” (PEREIRA, 2010, p. 32). Segundo Fiori (1995), a escola da dependência formou-se a partir de duas grandes correntes de pensamento, sendo a primeira desenvolvida a partir do trabalho de Raul Prebisch, que buscou explicar a desigual distribuição dos frutos do progresso técnico entre o centro e a sua periferia, posteriormente contribuindo ao pensamento cepalino. Já a segunda corrente de inspiração foi a da teoria do imperialismo marxista “[...] caracterizada pelo pessimismo com relação ao seu potencial no desenvolvimento do capitalismo nas suas periferias ou zonas de expansão colonial ou pós-colonial” (FIORI, 1995, p. 216). Fiori (1995) afirma que os autores dependentistas se dividiram ao questionarem se a industrialização tardia da América Latina era inevitável. O autor levanta três grandes grupos que possuem respostas a esta questão, sendo um deles conformado pela leitura da questão da dependência por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto em Dependência e Desenvolvimento na América Latina (1973). De acordo com Martins (2011), a dependência analisada por Cardoso e Faletto tinha como característica uma ambiguidade entre as esferas econômicas e política: a esfera econômica se estabelecia de forma a reproduzir estruturas e mecanismos dependentes e a política é “[...] variável fraca frente ao econômico. A face econômica da dependência se expressa na conformação de uma estrutura produtiva nacional em função do mercado externo” (MARTINS, 2011, p. 233). A burguesia, principal classe que poderia ser responsável por engendrar alguma mudança estrutural significativa, é retratada como responsável por 26 reproduzir a cartilha dos países centrais. Desta forma, o desenvolvimento dependente da periferia é analisado como resultante da dinâmica contraditória do capitalismo, que cria estas amarras de desigualdade nestas regiões para que elas próprias alimentem o crescimento do centro através do processo de exploração e acumulação. Ou seja, a estrutura política dos Estados sul-americanos não conseguia superar a reprodução da dependência já estabelecida através do âmbito da produção econômica, que advinha da nova divisão internacional do trabalho resultante do pós-guerra. Nesta nova etapa da divisão, os países subdesenvolvidos seriam os responsáveis pela produção de bens de consumo duráveis, bens de capital e claro, de matérias primas, sendo que a instalação e o melhoramento da produção e tecnologia seriam totalmente dependentes da vontade dos países centrais. Há então o surgimento de uma nova etapa chamada nova dependência. Esta nova etapa começa a se desenvolver a partir da década de 50, com a nova configuração do mercado internacional pós-guerra. Com o fortalecimento dos EUA como centro mundial, há uma reorganização de toda a dinâmica do capitalismo. As empresas, agora em sua maioria transnacionais, buscavam fortemente a sua internacionalização, principalmente através da inserção nos mercados internos da periferia do sistema, possibilitando o crescimento econômico e modificações na divisão internacional do trabalho naqueles espaços. De acordo com Hadler (2012), é nesta fase em que se pode apontar para certo desenvolvimento dependente-associado “[...] ainda que problemático, pois reproduzia a heterogeneidade das forças produtivas, as desigualdades sociais e a dependência, redefinida pela ‘internacionalização do mercado interno’ [...]” (HADLER, 2012, p. 3). Cardoso e Faletto entendiam que a industrialização da América Latina se daria através do que chamaram de desenvolvimento dependente e associado, sendo “uma forma de industrialização viabilizada pela onda de investimentos que transporta, a partir dos anos 50, as filiais de todas as grandes corporações capitalistas, norte-americanas e europeias, para dentro dos mercados nacionais protegidos de alguns países latino-americanos” (FIORI, 1995, p. 218). Para Pereira (2010, p. 37) o desenvolvimento dependente e associado pode ser resumido como: A dependência associada pode ser resumida – com todos os riscos implícitos em um resumo – em uma idéia simples: já que os países latino-americanos não contam com uma burguesia nacional, não lhes resta alternativa senão se associarem ao sistema dominante e aproveitarem as frestas que ele oferece em proveito de seu desenvolvimento. Segundo seus adeptos, um pré- requisito do crescimento econômico nesses países era o ingresso de poupança externa, na medida em que se supõe que os países latino- americanos careçam de recursos para financiar seu desenvolvimento. 27 Portanto, “a nova dependência” dizia respeito a um recorte temporal que se iniciou na década de 50 e estendeu-se até o final de década de 1970, sendo que “[...] a nova dependência contaria com investimentos diretos estrangeiros no setor industrial, ensejando desenvolvimento capitalista com dependência [...]” (SOUZA, 2017 a, p. 2). No contexto latino-americano, este recorte é desenvolvido por Estados que objetivam o desenvolvimento, principalmente industrial, com dependência do capital externo, no qual estes “[...] passam a investir diretamente nos novos ramos industriais, como o setor de produção de bens de consumo duráveis [...] e o setor de produção de insumos para a indústria” (SAES, 2017, p. 157). Do ponto de vista social, esse modelo de dependência [...] era viabilizado pela articulação de três setores econômicos num tripé: a) um setor industrial principal, comandado pelo capital estrangeiro; b) um setor industrial secundário, fornecedor de insumos para o setor industrial principal e entregue à chamada burguesia local; c) o setor público, nomeadamente o Estado, destinado a fornecer uma infraestrutura física (energia, estradas, comunicações) ao setor industrial [...].O novo modelo de industrialização e a nova dependência produziram, portanto, a partir da segunda metade da década de 1950 um desenvolvimento capitalista de curto prazo, limitado, porém real (SAES, 2007, p. 158). De acordo com Saes (2007), a primeira fase da dependência 7 tinha “[...] um lado negativo: a exploração de tipo colonial” (SAES, 2007, p. 160), sendo contrabalanceada por um lado positivo, que era o de possibilitar “[...] alguma expansão econômica, ainda que orientada para os objetivos das economias centrais” (SAES, 2007, p. 160, grifo do autor). Já a nova dependência também possuía um lado positivo, que era o de promover algum crescimento econômico, principalmente através do avanço horizontal da indústria e por atrair massas rurais para dentro do desenvolvimento capitalista. Entretanto, no tocante à sociedade, a nova dependência mostrou o quanto não há nas burguesias nacionais a capacidade de romper com a dependência, mas sim o aceite em ser o “sócio menor do imperialismo” (HADLER, 2012), o que se explica pela sua fraca capacidade de engendrar um desenvolvimento que seja autônomo, tanto pela própria questão dependentistas quanto por escolhas próprias, com preferência pela busca de vantagens na negociação com o capital externo. Ao início da década de 80 o modelo de industrialização a partir da relação com o capital externo de forma associada passa a se esgotar. De acordo com Saes (2007) há duas razões para isto: primeiramente, a impossibilidade de se continuar a industrialização via 7 De acordo com o autor a primeira fase da dependência é “[...] aquela que dominou o século XIX e se estendeu até pelo menos 1930 [...]” (SAES, 2007, p. 160). 28 substituição de importações com a colaboração do capital estrangeiro, pois não havia na região condições de internalização de setores mais complexos da economia industrial, assim como a ausência de uma cadeia de produção com condições de atender estes setores, como também um mercado interno para este tipo de produção. Com o advento da década de 90, a globalização se desenvolve a partir da concentração do progresso tecnológico no espaço econômico do centro capitalista, chegando à periferia de maneira extremamente restrita e segmentada, e somente a partir da decisão dos oligopólios mundiais, que acabam hierarquizando os espaços políticos nacionais segundo a importância deles ou de algumas sub-regiões de acordo com alguns governos ou firmas decisoras (FIORI, 1995). Há então mais controle na transferência de tecnologia e conhecimento aos espaços periféricos. Ainda que haja na periferia alguns espaços que possam ter sido bem sucedidos em internalizar algumas técnicas e métodos por conta de seus avanços no processo de industrialização, como o Brasil, na novíssima dependência há menos contribuição para o desenvolvimento da capacidade endógena de progresso técnico nos países periféricos. [...] novíssima dependência, muito mais perversa e desalentadora para a periferia do capitalismo. Mas, em que consiste a novíssima dependência? O capital financeiro e o capital monopolista industrial do Primeiro Mundo, bem como os governos – como os Estados Unidos – e as entidades que os representam – como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Mundial -, querem não mais realizar novos investimentos no aparelho produtivo para fazer avançar a industrialização associada nos países periféricos, e sim obter ganhos fáceis [...] (SAES, 2007, p. 159). Portanto, na novíssima dependência o capital financeiro do centro deixa de investir no aparelho produtivo, que contribuiu ao avanço da industrialização associada dos países periféricos, e buscam obter lucros fáceis “[...] apoderando-se de todos os setores econômicos já existentes que possam propiciar ganhos reais e imediatos” (SAES, 2007, p. 159). O que abriu espaço para a novíssima dependência foi a prevalência dos EUA e a sua liderança na implementação das reformas neoliberais necessárias para a adequação dos diferentes espaços ao que era necessário ao ritmo de acumulação exigida, assim como a concentração do capital financeiro na figura norte-americana. À novíssima dependência também cabe a noção de capitalismo de rapina, pois como argumenta Souza o que interessa é a entrega do “[...] aparelho produtivo existente, com as instituições internacionais que representam o capital imperialista induzindo os Estados da região no sentido da adoção de reformas neoliberais implementadas nos anos 1980/1990” (SOUZA, 2017 b, p. 8). 29 A partir da década de 90, os Estados periféricos passaram por um processo de inserção no mercado internacional diferente do que havia anteriormente. No caso dos sul-americanos, até então, a inserção havia sido com base nos investimento advindos do centro, principalmente em industrialização e infraestrutura, que possibilitaram o fortalecimento do mercado interno e a produção para a exportação. A partir de 1990, uma nova etapa se inicia a partir da adoção veemente da cartilha neoliberal pelos Estados, mas que vinha sendo elaborada desde os anos de 1970, que Harvey aponta como possível o início do recorte do novo imperialismo. O que Harvey (2005a) chama de novo imperialismo é a intensificação do imperialismo baseado em uma aliança entre Estado e seus poderes para com o território e a população, e os aspectos predatórios do capital financeiro, criando uma forma de “capitalismo abutre” (HARVEY, 2016), que se fortalece e recria a partir de processos de acumulação que tem por principal característica a espoliação. É exatamente este capitalismo abutre, principal característica do novo imperialismo, que permite a correlação com a novíssima dependência. No que diz respeito à integração regional, com o advento dos anos 90, há o abandono do seu lado protecionista “[...] para tornar-se um instrumento de abertura comercial, assim como do aumento da capacidade do Estado para responder às novas demandas sociais ao mesmo tempo em que tem que lidar com a realidade das pressões exercidas pelas relações transnacionais” (MARIANO, 2015, p. 17). A IIRSA surge para atender as pressões e necessidades da liberalização econômica e relação com o mercado externo, respondendo as expectativas acerca da inserção ao grande mercado internacional, com a IIRSA tentando se adequar ao seu objetivo inicial: a conformação de corredores de exportação, aos moldes do que é exigido pela agenda neoliberal, conforme os ditames do novo imperialismo. A integração pela infraestrutura prometeu entregar a região sul-americana uma saída ao combate às assimetrias regionais. No entanto, ao se abrirem aos mercados seguindo o ideário neoliberal, os Estados aprofundam o desenvolvimento geográfico desigual, pois abrem margem para a mobilidade irrestrita do capital em seus territórios. O foco na questão infraestrutural idealizada pela IIRSA aposta no papel diminuto do Estado em relação ao planejamento e investimento, pois este possuiria restrições financeiras que deveriam ser respeitadas (PADULA, 2010), reservando aos agentes externos o papel para com a fomentação e investimento na implantação da infraestrutura. O papel dos Estados no desenvolvimento da iniciativa, apesar de termos experimentado uma fase de governos de esquerda no início do século XXI, é o de apostar no investimento e capacidade da infraestrutura, uma vez estabelecida, ser capaz de gerar o desenvolvimento necessário para 30 corrigir as assimetrias e desenvolver a região a partir do incremento comercial resultante dos corredores de exportação. Partindo deste pressuposto, há a aposta no incremento da iniciativa externa e privada nos projetos. Isto torna a regionalização da IIRSA como um elemento de estrangulamento das economias dos Estados nacionais em busca do investimento externo para a continuidade do desenvolvimento da região geoeconômica a partir dos EIDs, que possuem o enfoque no estabelecimento de projetos que sejam capazes de potencializar o escoamento da produção a partir do perfil regional, com o capital externo almejando a apropriação e acumulação do excedente da produção. Isto porque os Estados sul-americanos não possuem capacidade de investimento suficiente para levar adiante algumas das obras previstas no portfolio da iniciativa, como no caso a ser mencionado posteriormente do Peru. Desde a formação do MERCOSUL, o Brasil passou a ter protagonismo no processo de integração regional, e ao país foi posta as expectativas de carregar a iniciativa da integração física nacional, principalmente através do uso dos recursos via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Entretanto, o principal interessado nas commodities e parceiro no tocante a investimentos sul-americanos, a China, experimenta uma desaceleração no seu crescimento econômico, o que reflete na balança do comércio externo. Com importações principalmente baseadas em minério de ferro, soja e petróleo (que de acordo com os dados presentes nos quadros 2, 3 e 4 são os principais produtos exportados pelos EIDs da IIRSA e pelo MERCOSUL) estes acabam por refletir na própria dificuldade da iniciativa em angariar investimentos externos, visto que em grande parte estes eram resultantes destas exportações. O portfólio de projetos da iniciativa, com o desenvolver da IIRSA, expôs as fragilidades para com a integração regional do tipo da IIRSA, sendo estas os pontos nos quais as noções de novo imperialismo e novíssima dependência articula-se, visando compreender quais os desafios enfrentados na atual fase do capitalismo, partindo da ideia contida em Souza (2017 a, 2017 b) de que a novíssima dependência seria a face periférica do novo imperialismo, e partindo deste ponto, como os resultados da IIRSA auxiliariam a corroborar esta ideia. Como iniciativa de integração regional inserida dentro do contexto da novíssima dependência, a IIRSA corrobora com o argumento no sentido de que incita processos de transformação territorial por meio de seus projetos que, direta ou indiretamente, culminam com processos tais quais a acumulação por espoliação salientada por Harvey. A IIRSA possui como um dos pilares formadores o regionalismo aberto, que discutiremos posteriormente. A 31 partir disto, o seu portfolio de projetos é sistematizado a partir da integração dos mercados em busca da competitividade, serventia ao mercado e capital internacional. Os ganhos fáceis salientados por Saes (2007) são obtidos a partir da infraestrutura territorializadas pela IIRSA, financiada pelos próprios Estados mas orquestradas em grande parte pelo capital externo, que obtém posteriormente os excedentes da produção que foram escoados pela infraestrutura territorializadas pela IIRSA. Desta forma, é a integração da infraestrutura como serventia ao capital externo. É esta dinâmica da novíssima dependência que está presente na IIRSA, que se conecta à lógica do novo imperialismo. 32 3. TEORIAS DA INTEGRAÇÃO E INICITIVAS DA INTEGRAÇÃO Neste capítulo iremos primeiramente discorrer sobre as teorias da integração regional para mostrar a particularidade da IIRSA como iniciativa de integração regional, se diferenciando de outros organismos como o MERCOSUL por ser tratar de uma iniciativa de integração infraestrutural visando criar corredores de exportação para produtos primários na fase de novo imperialismo em que a região sul-americana se adequa como exportadora de produtos primários. Posteriormente, versamos acerca dos diferentes regionalismos que influenciaram a IIRSA, como o “regionalismo desenvolvimentista” (CERVO, 2007) e o chamado “regionalismo aberto” e do “regionalismo pós-liberal”. Em seguida fazemos um breve resgate de tentativas anteriores de integração regional no contexto sul-americano. 3.1 Teorias da Integração Regional De acordo com Richard (2014) a integração regional seria um processo que parte do estabelecimento de uma interligação de territórios pouco ou nada conectados entre si, mas que posteriormente formarão um conjunto regional distinto do resto do mundo. As iniciativas de integração regional pautam-se pela aceitação por parte dos Estados regionais da limitação da sua soberania operacional (MARIANO, 2015) em favor de os resultados esperados pela ação em conjunto com os demais Estados. O termo integração regional “[...] apresenta de mais divergências do que consensos [...]” (ROLIM, 1994, p. 56), pois é visto ora como um processo, ora como “[...] um estado final em decorrência do processo [...]” (ROLIM, 1994, p. 56). Outra confusão diz respeito também ao objeto da integração, pois há divergências se a integração diz respeito às pessoas, aos mercados, áreas, políticas. O adjetivo regional também torna confusa a discussão acerca da integração, pois a ele se relacionam “[...] as tentativas de liberalização comercial entre países próximos ou então se é utilizado no contexto da integração das diversas regiões que irão compor uma economia nacional” (ROLIM, 1994, p. 55). A palavra integração aparece na análise econômica com vários sentidos. Ora refere-se à integração entre firmas, ora à integração dentro de uma mesma firma ou de um mesmo setor econômico, ora refere-se à integração entre países na perspectiva do comércio internacional e ainda é integração nacional (ROLIM, 1994, p. 55). Em relação às formas de integração regional, há duas (RICHARD, 2014): a formal e a real. A primeira diz respeito a um processo de “cima para baixo”, ou seja, controlada pelos 33 Estados, no qual há um acordo formal para a conformação de um espaço comum entre os signatários. O MERCOSUL se constitui em um exemplo de integração regional formal. Já a real, ou funcional, refere-se ao processo engendrado em que as relações internas entre os territórios tornam-se mais intensas no interior do que no exterior, não necessariamente respeitando algum tipo de acordo. O tipo de integração mais disseminado entre os países é o da integração econômica, que objetiva pela integração dos países a partir inúmeras ações de cunho econômico, como a diminuição ou eliminação de barreiras alfandegarias. A integração econômica pode se apresentar de sete formas (QUADRO 1), baseados nas normas e acordos estabelecidos e o grau de integração econômica e política entre as partes (MACHADO, 2000). O estabelecimento do tipo de forma de integração a ser celebrada depende diretamente dos objetivos perseguidos e o quanto cada Estado está disposto a ceder de sua soberania nacional em função da cooperação regional, pois quanto maior for o aprofundamento da integração, maiores e mais complexas serão as políticas e instrumentos que visam à harmonização das ações entre Estados constituintes de um acordo ou bloco regional. A América do Sul possuí um exemplo de integração econômica do tipo Mercado Comum, o “Mercado Comum do Sul” (MERCOSUL). Cabe salientar que a IIRSA é uma iniciativa de integração infraestrutural, que age no sentido de complementar algumas destas formas, cabendo então discutir qual o tipo de integração que a IIRSA desenvolve no território. Para a instituição de alguma destas formas de integração econômica há um conjunto de ações que são empregadas pelos Estados, baseados em teorias da integração regional. 34 Quadro 1 - Sete Formas De Integração Econômica Zona Preferencial De Comércio Eliminação de barreiras alfandegárias em geral. Apesar de violarem a cláusula estabelecida pelo “Acordo Geral de Tarifas e Comércio” (GATT), estes acordos são permitidos de serem celebrados em desenvolvimento. Zona De Livre Comércio Define-se pela eliminação de tarifas aduaneiras e outras restrições ao comércio entre os países signatários. No entanto, cada membro preserva sua autonomia na gestão política e comercial em relação a terceiros países, mantendo tarifas aduaneiras diferenciadas. União Aduaneira Qualifica-se como uma união de países onde há a ausência de barreiras ao comércio entre os signatários, tendo apenas a chamada tarifa externa comum (TEC) como taxa comercial sob as movimentações existentes. A existência desta forma de integração pressupõe a harmonização dos instrumentos de política comercial para manter o fluxo de comércio entre as partes. Mercado Comum O seu funcionamento pressupõe a harmonização dos instrumentos de política comercial, fiscal, financeira, trabalhista e de previdência social, pois há a preocupação acerca de harmonização de elementos que possam afetar, direta ou indiretamente, o fluxo intra-regional de fatores de produção. Define-se pela supressão das barreiras ao intercâmbio de mercadorias e fatores de produção. União Econômica Há o estabelecimento de uma autoridade supranacional que objetiva a aplicação de políticas comuns, define critérios e identifica novas políticas visando a harmonização em busca da convergência de resultados para o caso das políticas geridas em âmbito nacional. Neste estágio da integração há a perda de soberania nacional na gestão de determinadas políticas. Integração Econômica Total Caracteriza-se pela criação da moeda única e de um banco central regional independente. Neste estágio há a perda total da autonomia dos estados nacionais na gestão da política monetária. União Política Há instituição de uma federação de Estados com autoridade política unificada ou conformação de uma confederação de Estados onde apenas as áreas acordadas passam a serem objetos de controle de instituições supranacionais. No geral, a formação da união política envolve a cooperação em termos de política externa e de defesa. Fonte: Machado, 2000 Pinto (2006, p. 20) afirma que “as principais teorias explicativas da integração regional são fundamentalmente as seguintes: federalismo, funcionalismo, neofuncionalismo, neoinstitucionalismo e o intergovernamentalismo”. Porquanto esta pesquisa não objetiva se aprofundar nas teorias, apresentaremos algumas delas por acreditarmos que este esforço colabora na compreensão da maneira pela qual as iniciativas de integração regional se dão. Tanto o funcionalismo quanto o federalismo aparecem fortemente como alternativas na época do pós II Guerra Mundial, no caso do funcionalismo o seu formato é seguido pela ONU e suas diversas agências, como a “Organização Mundial da Saúde” (OMS), e na própria incorporação da IIRSA pelo COSIPLAN. 35 Enquanto o federalismo entendia que iniciativas políticas para a construção de estruturas federais supranacionais, na forma de uma união federal entre os Estados europeus, eram o caminho para paz europeia, o funcionalismo afirmava que a cooperação interestatal em áreas técnicas e funcionais específicas, por meio de organizações internacionais, conduziria a um sistema mais próspero e pacífico (SZUCKO, 2017, p. 30). O funcionalismo direcionava sua atenção para a “[...] proliferação das organizações internacionais e às expectativas que estas pudessem resultar em crescentes níveis de cooperação internacional” (VAZ, 2002, p. 30). Desta forma, a cooperação é o elemento central para a relação entre Estados e instituições internacionais, já que não havia mais fortemente a crença na racionalidade dos Estados nacionais. Para esta teoria, o desenvolvimento econômico e tecnológico torna a integração regional como um passo natural para o prosseguimento do processo de crescimento do Estado e região, pois com o avanço do capitalismo e das técnicas, certos desafios mostram-se demasiadamente difíceis de serem solucionados por um Estado sozinho. Ou seja, esta teoria afirma que os Estados deveriam focar na integração regional baseada na “low polítics 8 ” (PINTO, 2007), quer dizer, em questões que não estão no rol das essências ao Estado, como a economia. Desta forma, o funcionalismo analisa a integração regional como um processo realizado fortemente na ação e cooperação dos Estados entre si e com as instituições internacionais, sendo que o funcionalismo surge como uma saída para a concentração de poderes nas mãos dos Estados que compunham uma federação para a aposta em uma estrutura política regional que represente uma superação da competição entre Estados e aposte em uma integração entre si, apostando no “[...] desenvolvimento gradual da cooperação internacional em áreas técnicas” (PINTO, 2007, p. 16), sendo estas áreas coordenadas por agências e outros órgãos internacionais. O federalismo se conforma como a corrente da integração regional que afirma que há certo momento em que os Estados transferem a sua soberania territorial a instituições criadas em acordo mútuo. O federalismo não é citado recorrentemente por não apresentar as razões pelas quais deve ser adotado para o processo de integração, não trazendo ao debate, segundo Szucko (2017, p. 30) “[...] hipóteses para validar como e por que motivo o processo de integração se constrói, mas, sim, um modelo de integração a ser implementado”. Posteriormente, há o surgimento da corrente neofuncionalista, que se desenvolveu a partir da crítica ao funcionalismo, principalmente à importância dada ao Estado e instituições no processo de conformação de políticas, sendo que o neofuncionalismo inclui na equação 8 De acordo com Wettlaufer (2006, p. 2) “’low’ politics has traditionally included such international activities as the regulation and promotion of trade and commerce”. 36 setores como as elites e a própria sociedade civil, “[...] como atores fundamentais para apoiar ou se opor ao processo de integração” (MARIANO, 2015, p. 217). Com Ernest B. Haas há o conceito de spill over (HASS, 1961), que representa uma das principais ideias desta corrente, que crê na diminuição da importância do Estado nacional e aposta na ascensão de outros grupos e a atores, principalmente aqueles atrelados ao mercado, iriam enxergar a integração política e de mercado como um dos meios para satisfazer os seus interesses, ou seja, há a valorização de uma integração com elementos supranacionais (HASS, 2004). Eu chamei anteriormente o efeito “transbordante” das decisões internacionais: políticas feitas de acordo com uma tarefa inicial e concessão de poder só podem se concretizar se a tarefa em si for expandida, como refletido nos compromissos entre os estados interessados na tarefa (HAAS, 1961, p. 368, tradução nossa) 9 . Destarte, entende-se que deva haver interesses concernentes à integração que atinjam a todos, para que assim a transferência de responsabilidade por parte do Estado para uma instituição internacional possa ser ótima, sendo a supranacionalidade um resultado natural do fortalecimento do efeito spill over na política integracionista. A cooperação entre Estado e instituições se realizaria através de “transbordamento” “[...] da cooperação de um setor para outro, conceito fundamental na concepção funcionalista [...]” (VAZ, 2002, p. 31), na qual há uma articulação entre diferentes agentes e o Estado objetivando fomentar o desenvolvimento através de uma integração política. A teoria neofuncionalista e os seus adeptos enfatizam o papel das elites políticas no processo de criação das instituições internacionais (MARIANO, 2015). Portanto, os responsáveis pelo efeito descrito acima e desenvolvimento do processo de integração regional são um grupo político seleto, os tomadores de decisão (MARIANO, 2015). Os autores neofuncionalistas enfatizam em suas análises a importâncias das regras, das instituições (especialmente as supranacionais) e da organização política. Nesse sentido, a noção de supranacionalidade está ligada ao pressuposto de que uma tecnocracia especializada seria capaz de organizar as demandas de uma sociedade transnacional, de forma a transformá-la numa agenda positiva de integração regional (MARIANO, 2015, p. 261). Há o fortalecimento da influência dos tomadores de decisão no processo integracionista. O neofuncionalismo baseia-se na afirmação de que a integração internacional avança melhor quando voltada para o estabelecimento de medidas que tenham como resultado final o estabelecimento do bem-estar da sociedade. Sendo assim, os efeitos de 9 Do original “I have elsewhere called the “spill over” effect of international decisions: policies made pursuant to an initial task and grant of power can be made real only if the task itself is expanded, as reflected in the compromises among the states interested in the task” (HAAS, 1961, p. 368). 37 transbordamento atingiriam centros de decisão de poder, “[...] onde as instituições negociariam impasses e conflitos para alcançar interesses comuns” (PADULA, 2010, p. 45). Desta forma, a integração regional a partir da perspectiva neofuncionalista: A verdadeira integração somente é possível quando o critério subjetivo das expectativas de certas elites é satisfeito. Se as elites mais importantes da região têm suas expectativas convergindo com as demandas e os benefícios decorrentes da integração, surge uma mobilização que movimenta e sustenta o processo. Os vínculos estreitos entre elites ou importantes organizações nacionais (como partidos políticos, sindicatos, associações profissionais, organizações religiosas e outras instituições semelhantes) são essenciais para uma integração regional ampla (MARIANO, 2015, p.