UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro ALAN SILVEIRA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA AVALIAÇÃO DOS NÍVEIS DE RESTRIÇÃO DO RELEVO AO USO URBANO Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Geografia. Orientadora: PROFª DRª CENIRA MARIA LUPINACCI DA CUNHA RIO CLARO (SP) 2013 ALAN SILVEIRA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA AVALIAÇÃO DOS NÍVEIS DE RESTRIÇÃO DO RELEVO AO USO URBANO Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Geografia. Comissão Examinadora: Profa. Dra. Cenira Maria Lupinacci da Cunha - Orientadora Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento – IGCE – UNESP Campus de Rio Claro Profa. Dra. Regina Célia Oliveira Departamento de Geografia – IG – UNICAMP Prof. Dr. Salvador Carpi Júnior Departamento de Geografia – IG – UNICAMP Prof. Dr. Antonio Carlos Tavares Departamento de Geografia – IGCE – UNESP Campus de Rio Claro Prof. Dr. Roberto Braga Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento – IGCE – UNESP Campus de Rio Claro Aprovado em 18 de outubro de 2013. Rio Claro - SP À família, em especial à Patrícia. Agradecimentos: Este trabalho foi materializado pela participação, apoio e motivação de pessoas e instituições as quais devo carinho, respeito e gratidão. Agradeço a todos aqueles que participaram e acompanharam essa trajetória acadêmica e de vida: À Profª Drª Cenira Maria Lupinacci da Cunha pelo carinho, segurança e notável competência na transmissão do conhecimento e orientação de pesquisas. Neste ano de 2013, completa-se 10 anos que estou sob sua orientação. Cara Mestra, meu eterno respeito, admiração e gratidão por tudo o que me proporcionara. Muito obrigado!; À Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, campus de Rio Claro, que me abriga como discente desde 2002. Nesta valorosa Instituição cursei a graduação, o mestrado e, nesses últimos quatro anos, a pesquisa de doutorado; À Profª Drª Regina Célia de Oliveira (IG/UNICAMP) e à Profª Drª Iandara Alves Mendes (IGCE/UNESP) por participarem, conforme no mestrado, do exame geral de qualificação, oportunidades nas quais, contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento das pesquisas; Aos Professores do curso de Geografia da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, campus de Rio Claro, em especial: Prof. Dr. Antonio Carlos Tavares, Prof. Dr. Adler Guilherme Viadana e Prof. Dr. Pompeu Figueiredo de Carvalho; Aos colegas integrantes do Laboratório de Geomorfologia (LAGEO/IGCE/UNESP); Aos colegas da Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro pelo apreço e carinho; Aos funcionários do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento (Deplan/IGC/UNESP), em especial, a Elisabete Ap. Ortiz de Camargo Franciolli (a Bete) e Ubirajara Gerardin Junior (o Bira); Ao Técnico Alan de Oliveira do Labgeot do Departamento de Geologia Aplicada do (UNESP Campus de Rio Claro) pelo empréstimo do trado holandês; Ao Técnico Gilmar Batista Grigolon do Laboratório de Hidráulica do Departamento de Biossistemas da (ESALQ USP) pelo empréstimo do trado para coleta de amostras indeformadas e trocas de informações no uso do permeâmetro de carga variável; À Técnica Suely Teodoro de Souza Martins do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento (Deplan - IGCE - UNESP Campus de Rio Claro) pela ajuda no “desvendar” do uso do permeâmetro; À Técnica Magali Leme Falcão do Geocarto do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento (Deplan - IGCE - UNESP Campus de Rio Claro) pelo empréstimo de fotografias aéreas; Aos funcionários do Serviço de Água e Esgoto de Piracicaba (SEMAE) e do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Piracicaba (IPPLAP) pela contribuição no fornecimento das cartas topográficas e fotografias aéreas; Ao Laboratório para Análise de Formações Superficiais (LAFS) do Deplan – IGCE – UNESP pelo espaço concedido ao trabalho de laboratório com amostras indeformadas; Ao Laboratório de Física de Solos do Departamento de Ciências do Solo (ESALQ USP) pelo tratamento de amostras deformadas na análise granulométrica e classe de textura; À Adriana Maria Patricio Takaki pela revisão gramatical da tese; Ao aluno Luis Gustavo Bernardo Silva pela ajuda nos trabalhos de campo; À José Sebastião Borges, meu sogro, que além de nos apoiar na vida, reservou parte do seu tempo para vir a Piracicaba e me ajudar nos difíceis trabalhos de campo; À José Silveira Filho, meu pai, pelo constante apoio no dia a dia e palavras otimistas e sinceras de que “vai dar certo” e “foco no doutorado”; Ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), instituição na qual venho trabalhando desde 2008. Agradeço aos colegas das Etecs, em especial a Diretora Sandra Voltani Queiroz, que sempre estimulou e acompanhou o desenvolvimento deste trabalho; À Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Campus de Ourinhos) e à Universidade Federal de São Carlos (Campus de Sorocaba), instituições as quais tive oportunidade de trabalhar, e que me fizeram estudar Geografia e Geomorfologia; Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por propiciar a compra de materiais de pesquisa, que foram adquiridos por meio do Programa Chamada Universal (processo nº 472550/2011-0); À Patrícia, que é geógrafa, professora e esposa. Por abrir a janela e deixar o sol entrar! O que o homem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual- conceitual prévia o ensinou a ver. Kuhn (1962, p.148). Proposta Metodológica para Avaliação dos Níveis de Restrição do Relevo ao Uso Urbano Resumo. Considerando que a urbanização constitui-se em um tema contemporâneo marcante, o crescimento das cidades, promovido a partir de um modelo desenvolvimentista e pouco planejado, vem gerando problemas ambientais e sociais, com destaque a ocupação de áreas frágeis do relevo. Tendo em vista que a humanidade constrói seus espaços territoriais nas formas de relevo, o trabalho teve como objetivo principal, a construção de uma proposta metodológica para a identificação dos níveis de restrição do relevo ao uso urbano. Fundamentado teoricamente na concepção sistêmica da relação homem-natureza, partiu-se da premissa de que a construção de uma proposição metodológica para identificação de níveis de restrição do relevo ao uso urbano necessita da análise da fragilidade inerente ao sistema natural sob sucessivas interferências do sistema antrópico. A proposta metodológica esteve organizada em duas etapas. A primeira, com a elaboração da carta de Fragilidade do Meio Físico, derivada da integração das cartas de Materiais Inconsolidados e Energia do Relevo. A segunda, com a elaboração da carta de Níveis de restrição do Relevo ao Uso Urbano, que é resultante da integração dos dados registrados na carta de Fragilidade do Meio Físico com as cartas de Cobertura Natural e Uso da Terra, cartas Geomorfológicas e carta de Derivações Ambientais e Transgressões Legais de diversos cenários. A área selecionada para a aplicação da proposta metodológica, a bacia do Córrego das Ondas, localiza-se no município de Piracicaba (SP) em área de expansão urbana noroeste. Nesta bacia predominam classes de fragilidade do meio físico média e forte, as quais estão sujeitas historicamente as intervenções humanas associadas principalmente ao uso canavieiro, de pastagem e urbano. Dessa forma, a análise das intervenções antrópicas e os impactos resultantes avaliados em uma perspectiva histórica de uso e ocupação, juntamente com a identificação da fragilidade inerente ao meio físico, foram fundamentais para a definição dos níveis de restrição do relevo ao uso urbano fraco, moderado, severo, muito severo e legal. Palavras-chave: Proposta metodológica. Fragilidade do meio físico. Intervenções antrópicas. Expansão urbana. Methodological Approach to the Assessment of Levels of Restriction of Relief to Urban Use Abstract. Whereas urbanization constitutes a striking contemporary theme, the growth of cities, which was promoted from a developmental and less planned model, comes generating environmental and social problems, especially the occupation of fragile areas. Considering that humanity builds its territorial spaces in landforms, this paper aimed the construction of a methodological proposal for identifying levels of restriction of relief to urban use. Theoretically based on the systemic design of the relationship between human being and nature, we set off from the premise that the construction of a methodological proposition for identifying levels of restriction of relief to urban use needs to analyze the fragility that is inherent in the natural system under successive interference of anthropic system. The methodological proposal was organized in two stages. The first one consists in the development of Environmental Fragility Map, which is derived from the integration of Unconsolidated Materials and Energy Maps. The second stage corresponds to the development of the map of Levels of Restriction of Relief to Urban Use, which is a result of integration among data from Environmental Fragility Map and from Natural Vegetation Cover and Land Use Maps, Geomorphological Maps and Environmental Derivations and Legal Transgressions Maps of various scenarios. We selected the basin of Ondas Stream for the application of the methodological approach. It is in the city of Piracicaba (São Paulo State, Brazil) in a Northwest area of urban sprawl. In this basin there is the predominance of medium and heavy fragile classes of physical environment, which are historically subject to human interventions associated mainly to sugar cane, pasture and urban use. Thus, the analysis of human interventions and the impacts that were assessed in a historical perspective of use and occupation, along with the identification of an inherent in the media fragility, were fundamental to the definition of the levels of restriction of relief to weak, moderate, severe, very severe and legal urban use. Keywords: Methodological approach. Environmental fragility. Human interventions. Urban sprawl. Índice de Figuras: Figura 1 - Localização da Área de Estudo...................................................................................................................................18 Figura 2 - Relação entre sistemas (natural e antrópico), que deriva na organização espacial....................................................25 Figura 3 - Etapas da proposta metodológica...............................................................................................................................32 Figura 4 - Ficha de campo...........................................................................................................................................................42 Figura 5 - “Base Fragilidade_Meio_Físico” com limites e números dos polígonos de informação materiais inconsolidados/relevo/geologia...................................................................................................................................................59 Figura 6 - “Base Restrições_Relevo” com limites e letras dos polígonos representativos da relação fragilidade do meio físico e dinâmica de uso e impactos resultantes....................................................................................................................................71 Figura 7 - Evolução do sítio urbano de Piracicaba (SP): em vermelho, destaque para o setor noroeste (área de estudo).........................................................................................................................................................................................79 Figura 8 – A Bacia do Córrego das Ondas..................................................................................................................................82 Figura 9 – Formações Geológicas da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP)...............................................................88 Figura 10 - Solos da Bacia do Córrego das Ondas Piracicaba (SP)............................................................................................92 Figura 11 – Balanço Hídrico da Região de Piracicaba (SP)........................................................................................................94 Figura 12 – Zonas Urbanas na Bacia do Córrego das Ondas – Macrozoneamento de Piracicaba (SP)......................................96 Figura 13 – carta de Níveis de Restrição do Relevo ao Uso Urbano da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP)............................................................................................................................................................................................101 Figura 14 – carta de Fragilidade do Meio Físico da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP).......................................102 Figura 15 – carta de Materiais Inconsolidados da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP)..........................................103 Figura 16 – carta de Energia do Relevo da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP).....................................................107 Figura 17 – carta de Declividade ou Clinográfica da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP).....................................108 Figura 18 – carta de Dissecação Horizontal da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP)..............................................109 Figura 19 carta de Dissecação Vertical da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP)......................................................110 Figura 20 – Setor da carta de Dissecação Horizontal em áreas de encontro de drenagens (XVI). As cores fortes ilustram as elevadas classes que se comportam como um fator relevante na determinação da fragilidade do meio físico. A legenda encontra-se na figura 18............................................................................................................................................................118 Figura 21 - carta de Cobertura Natural e Uso da Terra da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP) (cenário 1962).....119 Figura 22 - carta de Cobertura Natural e Uso da Terra da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP) (cenário 1978).....120 Figura 23 – carta de Cobertura Natural e Uso da Terra da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP) (cenário 2005)....121 Figura 24 - setores frente ao processo de urbanização da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP)..............................123 Figura 25 - carta Geomorfológica da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP) (cenário 1962).....................................124 Figura 26 - carta Geomorfológica da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP) (cenário 1978).....................................125 Figura 27 - carta Geomorfológica da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP) (cenário 2005).................................... 126 Figura 28 - carta de Derivações Ambientais e Transgressões Legais da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP) (cenário 1978)............................................................................................................................................................................127 Figura 29 - carta de Derivações Ambientais e Transgressões Legais da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP) (cenário 2005)............................................................................................................................................................................128 Figura 30 - Exemplos no setor atual de “Intensa Urbanização” de cenários distintos de períodos “pré-urbanos” (1962), “construção do urbano” (1978) e “desenvolvimento do urbano” (2005). As legendas encontram-se nas figuras 21 a 27...............................................................................................................................................................................................131 Figura 31- Alteração no contexto geomorfológico com destaque a canalização do afluente A1E. As legendas encontram-se nas figuras 25, 26 e 27...............................................................................................................................................................132 Figura 32- Canalização e áreas de APTF. A legenda encontra-se na figura 27........................................................................133 Figura 33- Setor de “Eminente Urbanização” com feições denudativas em áreas de domínio histórico da cana-de-açúcar e recentemente da pastagem. As legendas encontram-se nas figuras 25, 26 e 27....................................................................... 137 Figura 34- Setor de “Entorno” a urbanização com feições denudativas em cenários de tradicional ocupação canavieira e, em menor extensão, de pastagens. A legenda encontra-se nas figuras 25, 26 e 27........................................................................ 139 Figura 35- Setores “Intensamente Urbanizados” com retomadas erosivas em cabeceiras de drenagens evidenciadas nas fotos 36 e 37. Áreas XXIV e XXV mapeadas com nível de restrição do relevo ao uso urbano muito severo. A legenda encontra-se nas figuras 25, 26 e 27...............................................................................................................................................................146 Figura 36- Áreas de Aptf com níveis de restrição muito severo e parâmetros legais em cenários de 1978 e 2005. A legenda encontra-se nas figuras 13, 28 e 29...............................................................................................................................................................................................151 Índice de Quadros: Quadro 1- Classes de energia do relevo da bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP).......................................................35 Quadro 2- Classes de declividade ou clinográfica da bacia do Córrego das Ondas – Piracicaba (SP)...................................... 36 Quadro 3- Classes de Materiais Inconsolidados da bacia do Córrego das Ondas – Piracicaba (SP)......................................... 54 Quadro 4- Classificação da fragilidade dos materiais inconsolidados da bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP)........ 57 Quadro 5- Classificação da fragilidade do relevo segundo índices morfométricos da bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP)..............................................................................................................................................................................................57 Quadro 6- Classificação da fragilidade das formações geológicas da bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP)............. 58 Quadro 7- Diferentes combinações das variáveis definidoras das classes de fragilidade do meio físico.................................. 60 Quadro 8- Níveis de Restrição ao Uso Urbano da bacia do Córrego das Ondas – Piracicaba (SP)........................................... 73 Índice de Gráficos: Gráfico 1- População de Piracicaba (SP), 1972 a 2010...............................................................................................................78 Gráfico 2- População rural, urbana e total de Piracicaba (SP), 1950 a 2010..............................................................................79 Índice de Fotos. Foto 1 - Procedimentos de campo: uso do trado holandês..........................................................................................................44 Foto 2 - Procedimentos de campo: início do processo de retirada de amostra indeformada .....................................................45 Foto 3 - Procedimentos de campo: estrutura que permite a incisão do copo de amostra indeformada...................................... 45 Foto 4 - Procedimentos de campo: copo de amostra todo penetrado no material inconsolidado...............................................46 Foto 5 - Procedimentos de campo: retirada cuidadosa com martelo geológico do corpo de prova............................................46 Foto 6 - Procedimentos de laboratório: parafina e amostras indeformadas................................................................................48 Foto 7 – Procedimentos de laboratório: saturação dos corpos de prova.....................................................................................48 Foto 8 – Preparo do cilindro do permeâmetro para experimentação: procedimento 5...............................................................50 Foto 9 – Preparo do cilindro do permeâmetro para experimentação: procedimento 6...............................................................50 Foto 10 – Preparo para início do experimento............................................................................................................................51 Foto 11 - O experimento: Verificação da carga hidráulica (cm) a cada 60 s..............................................................................51 Foto 12 - O experimento: Ensaio em desenvolvimento com saída de água do permeâmetro.....................................................52 Foto 13 - Vista da baixa e média bacia do Córrego das Ondas. Ao fundo, o centro de Piracicaba; à direita, o vetor de expansão noroeste; e, ao centro, o Córrego das Ondas, envolto pela monocultura canavieira.................................................. 82 Foto 14 - Loteamento residencial (Parque das Águas) sendo construído na baixa bacia............................................................83 Foto 15 - Loteamento residencial “Jardim dos Manacás” em obras no Bairro Vila Sônia, média bacia................................... 83 Foto 16 - Terreno a venda no bairro Vila Sônia..........................................................................................................................84 Foto 17 - Formação Corumbataí de coloração avermelhada na média bacia oeste.....................................................................89 Foto 18 - Formação Corumbataí de coloração acinzentada na média bacia leste.......................................................................89 Foto 19 - Seixo de diabásio derivado do corpo intrusivo presente na alta bacia.........................................................................90 Foto 20 - Facie acinzentada da Formação Corumbataí que dá origem a materiais inconsolidados homogêneos pouco espessos.....................................................................................................................................................................................105 Foto 21 - Material inconsolidado heterogêneo espesso derivado da facie avermelhada da Formação Corumbataí. Momento de verificação da mudança de coloração com a retirada de material argiloso com o uso do trado...............................................105 Foto 22 - Vertente da margem direita do Córrego das Ondas (baixa bacia), com declives e altitudes relativas superiores a vertente da margem esquerda (foto 23). Rodovia SP-304 sentido São Pedro.......................................................................... 112 Foto 23 - Vertente da margem esquerda do Córrego das Ondas (baixa bacia), com declives e altitudes relativas inferiores a vertente da margem direita (foto 22). Rodovia SP-304. Ao fundo, viaduto da SP-308........................................................... 112 Foto 24 - Extremo norte da bacia (alta bacia) mapeada com fragilidade do meio físico fraca (I): área com materiais inconsolidados da Formação Serra Geral e energia do relevo muito fraca e fraca, com restritos setores mediamente forte.. 114 Foto 25 - No primeiro plano (setas), área posicionada na média bacia leste exemplificando a classe de fragilidade média (IV), com material inconsolidado homogêneo espesso derivado da facie avermelhada da Formação Corumbataí e energia do relevo média a forte..............................................................................................................................................................................114 Foto 26 - Material Inconsolidado homogêneo pouco espesso derivado da facie avermelhada da Formação Corumbataí, posicionado na alta vertente da média bacia oeste, onde se registra energia do relevo média a forte. Pertencente à área X, mapeada como fragilidade do meio físico forte....................................................................................................................... 116 Foto 27 – Material Inconsolidado homogêneo pouco espesso derivado da facie acinzentada da Formação Corumbataí, posicionado na média bacia leste, onde se registra energia do relevo fraca a média. Pertencente à área XII, mapeada como fragilidade do meio físico forte.................................................................................................................................................116 Foto 28 – Áreas de acumulação de planícies e terraços fluviais (APTF) mapeadas como fragilidade do meio físico muito forte (XVI).........................................................................................................................................................................................118 Foto 29 – Canalização e áreas de APTF....................................................................................................................................133 Foto 30 – Canalização e áreas de APTF....................................................................................................................................133 Foto 31 – Canalização e áreas de APTF....................................................................................................................................133 Foto 32 –. Canalização e áreas de APTF...................................................................................................................................133 Foto 33 – Canalização e áreas de APTF....................................................................................................................................133 Foto 34: Danificação em obras de canalização do curso principal do córrego das Ondas (baixa bacia) após evento chuvoso (verão de 2012)..........................................................................................................................................................................134 Foto 35 – Residencial Parque das Águas em setor de “Eminente Urbanização” da baixa bacia oeste. Área com nível de restrição do relevo ao uso urbano moderado (VI).....................................................................................................................144 Foto 36 – Obra de engenharia urbana construída em setor de “Eminente Urbanização” da média bacia leste. Área com nível de restrição do relevo ao uso urbano severo (XVIII)................................................................................................................145 Foto 37 – Retomada erosiva, figura 35.....................................................................................................................................146 Foto 38 – Retomada erosiva, figura 35.....................................................................................................................................146 Foto 39 – Setor de “Intensa Urbanização” da média bacia oeste. Urbanização sobreposta à drenagem canalizada em área mapeada com nível de restrição do relevo ao uso urbano muito severo (XXIII)..................................................................... 148 Foto 40 – Setor de “Entorno” a urbanização da baixa bacia leste. Deposição de materiais inconsolidados derivados da facie acinzentada da Formação Corumbataí retirada de obra de construção de via e duplicação da SP–308 (foto 35). Área mapeada com nível de restrição do relevo ao uso urbano muito severo (XXVI).....................................................................................149 Foto 41 – Setor de “Entorno” à urbanização da alta bacia com mineração de diabásio. Área mapeada com nível de restrição do relevo ao uso urbano muito severo (XXII)...........................................................................................................................150 Foto 42 – Setor de “Entorno” à urbanização da alta bacia com pressão canavieira em nascentes (seta), as quais deveriam apresentar faixa ao entorno de vegetação. Área mapeada com nível de restrição do relevo ao uso urbano legal (XXVIII)....152 Foto 43 – Setor “Intensamente Urbanizado” na média bacia oeste com pressão exercida pela urbanização em nascente (seta). Área mapeada com nível de restrição do relevo ao uso urbano legal (XXVIII)...................................................................... 152 Foto 44 - Setor de “Eminente urbanização” na média bacia oeste com arruamento em área canavieira transversal ao canal de drenagem (seta). O arruamento comporta-se como um canal pluvial para o escoamento de materiais inconsolidados liberados nas vertentes. Área mapeada com nível de restrição do relevo ao uso urbano moderado (X) e severo (XIX)........................ 154 Foto 45 - Setor de “Entorno” na média bacia oeste com arruamento transversal ao canal de drenagem em área atualmente com pastagem (anteriormente com cana-de-açúcar). Erosão instalada na média vertente em área mapeada com nível de restrição do relevo ao uso urbano severo (XIV)........................................................................................................................154 Foto 46- Setor de “Intensa Urbanização” na média bacia. Assoreamento do canal de drenagem verificado em período de estiagem. À frente, obra de canalização (seta)..........................................................................................................................154 SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................15 1.1 Objetivos e hipóteses.................................................................................................19 2. OS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS, A PROPOSTA METODOLÓGICA E AS TÉCNICAS DE PESQUISA.........................................22 2.1.Concepção teórica da relação homem-natureza: o método da pesquisa................... .24 2.2. A proposta metodológica: níveis de restrição do relevo ao uso urbano.....................29 2.3. As técnicas cartográficas............................................................................................33 3. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO.....................................................75 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS: A PROPOSTA METODOLÓGICA APLICADA..................................................................................................................99 4.1. Os níveis de restrição do relevo ao uso urbano da bacia do Córrego das Ondas....100 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E AS PERSPECTIVAS FUTURAS..................... 153 6. REFERÊNCIAS.......................................................................................................161 7. ANEXOS....................................................................................................................171 15 1 INTRODUÇÃO Nenhum homem de formação científica afirmaria que o conhecimento científico atual seja rigorosamente verdadeiro; ele apenas afirmará que se trata de um passo no caminho que leva à verdade. (Bertrand Russel 1969, p. 55). Levantar e investigar temas dentro de um contexto científico pressupõe a necessidade de um posicionamento frente à ciência, na qual desenvolverá o trabalho. Tal posicionamento elucida (estimula) a identificação de problemas pesquisáveis, os quais necessitam de um método (visão de mundo) que dê suporte à metodologia (ao caminho a ser percorrido na pesquisa) e que oriente a seleção de procedimentos específicos de investigação (técnicas). Além disso, a organização de uma pesquisa científica também está associada às experiências vivenciadas na trajetória acadêmica dos pesquisadores, que estão em permanente processo de aprendizagem e evolução, conforme explicita Bertrand Russel (1969) na frase introdutória. Registram-se essas considerações com o intuito de apresentar a posição frente à ciência geográfica, que permitiu a definição do tema e do problema a ser pesquisado. O trabalho se enquadra em um Programa de Pós-graduação em Geografia (UNESP Campus Rio Claro), ciência marcada em sua gênese moderna por explorações científicas naturalistas no século XIX, tendo como expoente Alexander Von Humboldt. Desenvolveu-se no plano da investigação da relação natureza-homem/homem-natureza diante das manifestações espaciais e temporais. Tal fato promoveu o posicionamento sobre suas bases teóricas, as quais não são temas específicos de investigação desta pesquisa, no entanto, subsidiaram a escolha do método e construção da metodologia de investigação. Entende-se a Geografia a partir de suas bases teóricas clássicas. Ao tratar principalmente sobre a Geografia Física, Sanjaume (2011) retomou a “definição clássica” de que a ciência geográfica “trata da Terra como morada da humanidade, do meio físico e das interações entre este e a sociedade e da organização espacial que isso comporta” (SANJAUME, 2011, p. 79). Corrobora-se também com o posicionamento de Mendonça (2011), quando o autor, ao tratar sobre as concepções atribuídas ao espaço geográfico, argumenta que em todas essas fica evidente a dimensão material da superfície da Terra. Registra que: Não sendo uniforme nem homogênea em função de sua dinamicidade em distintas temporalidades, a superfície do planeta sempre suscitou questionamentos aos 16 homens e sua sociedade, fundamento principal da constituição do pensamento e do conhecimento geográfico (MENDONÇA, 2011, p.45, grifo nosso). A característica de não homogeneidade da superfície terrestre e o fato de ser esculpida em distintas temporalidades a faz extremamente dinâmica, aspecto este que estimula a busca de seu conhecimento como fator condicionante para a ocupação e a mobilidade humana. Tais características levantadas sobre a superfície terrestre são manifestadas nas formas de relevo, as quais derivam de processos exógenos e endógenos, ou seja, interiores e exteriores a essa superfície terrestre. Neste sentido, entende-se que “o relevo da superfície terrestre é o piso, o chão, onde a humanidade constrói e desenvolve suas atividades, produz, organiza e reorganiza seus espaços territoriais” (ROSS, 2006, p.9). Neste contexto, surge o tema da pesquisa, o qual está associado às concepções sobre o entendimento da Geografia e sua contribuição como ciência. Assim, o tema de pesquisa associa-se à relação homem-natureza manifestada no processo de ocupação da superfície terrestre, em especial a ocupação das formas de relevo pela urbanização. Fato marcante no território brasileiro, onde atualmente 84% da população é urbana (IBGE, 2010), as cidades foram ocupando as formas de relevo sem planejamento, principalmente a partir do século XX, quando o país passou por notável processo de industrialização, propiciando o êxodo rural e consequente inchaço concentrado dos espaços urbanos. Braga e Carvalho (2004, p. 5 e 6) argumentam que o Brasil: [...] até a metade do século passado, era um país eminentemente agrário. A cidade de São Paulo, por exemplo, em meados do século XIX, não passava de uma pequena cidade provinciana, sendo suplantada por cidades como Recife e Belém [...]. Com o processo de industrialização, que se inicia efetivamente em meados do século XX, concentrado no Sudeste, a urbanização se intensifica e, já na década de 1960, a população passa a ser majoritariamente urbana e São Paulo transforma-se na a maior metrópole brasileira (grifo nosso). O fenômeno urbano levou a ocupação de áreas indevidas, considerando os aspectos do meio físico e os aspectos legais, causando problemas ambientais e sociais, os quais são temas marcadamente contemporâneos. Para Ab`Sáber (2003, p. 25), ao relacionar urbanização e industrialização, menciona que: A urbanização explosiva de algumas áreas e a aceleração do processo industrial, sob níveis altamente polarizadores, acrescentaram e empilharam problemas para áreas metropolitanas e determinadas faixas industriais preferenciais. A concentração irrefreável da urbanização e industrialização em pequenos espaços de conjuntura geoeconômica favorável redundou em problemas novos, num tremendo círculo vicioso (grifo nosso). 17 Tais problemas provocados por este modelo de urbanização desenvolvimentista e não planejado, sobretudo relacionado com a ocupação de áreas frágeis, possibilitaram o levantamento dos seguintes questionamentos: quais são as áreas indicadas para a ocupação urbana? Mais do que isso, como se pode identificar as áreas com níveis de restrição do relevo à ocupação urbana? Nestes termos, a pesquisa teve como principal interesse o desenvolvimento de uma proposta metodológica que possibilite a determinação de níveis de fragilidade do relevo à ocupação urbana. Justifica-se este interesse, devido ao papel atribuído aos Planos Diretores Municipais, que tem como uma de suas funções o ordenamento do crescimento das cidades. Assim, esta prática científica pode contribuir com o planejamento da ocupação da superfície terrestre pela urbanização, subsidiando Planos Diretores na construção de seus zoneamentos urbanos, por meio da identificação das áreas mais frágeis, principalmente no contexto das formas de relevo. Outro fato que levou à definição do tema de pesquisa refere-se a um problema identificado em pesquisa pretérita. Tratam-se das reflexões oriundas da dissertação de mestrado intitulada como “Diagnóstico Ambiental do Setor Noroeste de Piracicaba: uma abordagem geográfica” (SILVEIRA, 2009), cujo objetivo esteve atrelado ao fornecimento de um diagnóstico ambiental detalhado, de abordagem geográfica integrada, que viesse a subsidiar ações de planejamento territorial do eixo de expansão urbana noroeste de Piracicaba (SP), a partir da análise da fragilidade ambiental, embasado no conceito de ambientes ecodinâmicos ou morfodinâmicos de Tricart (1977), adaptados por Ross (1990, 1994 e 2001). Naquela oportunidade, foi também elaborado um documento cartográfico final, nomeado por “carta de Restrições ao Uso Urbano com Base em Parâmetros Legais e de Fragilidade Potencial”, resultado da compilação das informações anteriormente adquiridas por meio dos produtos cartográficos elaborados com base na proposta de Ross (1990, 1994 e 2001). A organização deste documento cartográfico final promoveu reflexões relacionadas com suas limitações, verificadas no processo de análise do produto final. Fato é que a elaboração deste documento cartográfico motivou a busca de seu aprimoramento. Mais que isso, foram criados, por meio das limitações outrora observadas, novos desafios para uma pesquisa futura. Refletindo inicialmente neste processo de aprimoramento, identificou-se a necessidade da construção de uma proposta metodológica que viesse a determinar os níveis de restrições do relevo ao uso urbano, a partir da análise conjunta de 18 parâmetros físicos e de um histórico de uso e ocupação da terra, com a leitura das interferências humanas em diferentes cenários. Nestes termos, a área selecionada para aplicação da proposta metodológica corresponde à bacia do Córrego das Ondas, instalada no município de Piracicaba (SP), mais especificamente em área de expansão urbana, posicionada a noroeste do sítio urbano de Piracicaba (Figura 1). Figura 1: Localização da Área de Estudo. Fonte: PÓLIS, 2003. Organização: Silveira (2009). Justifica-se a adoção da bacia do Córrego das Ondas como unidade de estudo diante dos apontamentos do Plano Diretor de 1991(PIRACICABA, 1991). Manifesta o documento que a partir da década de 1960, a cidade passou a se expandir de maneira fragmentada, com a implementação de loteamentos públicos e privados distantes do eixo central. Tal fato promoveu uma ocupação descontínua da malha urbana, expandindo o perímetro urbano e surgindo os chamados vazios urbanos (PIRACICABA, 1991). Eixos de expansão da malha urbana foram detectados, sendo que o Plano Diretor de 1991 já acusava o setor noroeste e sudeste como vetores de expansão, ocorrendo o mesmo em seu Diagnóstico de Revisão em 2003 (PIRACICABA, 1991 e PÓLIS, 2003). 19 Também vale o registro de que o Diagnóstico de Revisão (PÓLIS, 2003), identificou áreas com fragilidade ambiental no eixo de expansão urbana noroeste por meio do Macrozoneamento Urbano, o qual fora consolidado pela Lei Complementar Municipal 186/2006 (PIRACICABA, 2006). Grande parte da bacia do Córrego das Ondas se insere na nomeada Zona de Controle de Ocupação por Fragilidade Ambiental (ZOCFA). Além disso, na pesquisa outrora mencionada (SILVEIRA, 2009), a qual apresentara um diagnóstico ambiental do setor noroeste do sítio urbano de Piracicaba por meio da proposta metodológica de Ross (1990, 1994 e 2001), foi possível detectar que: [...] a bacia do córrego das Ondas, na qual as formas predominantes do relevo são convexas, as variáveis relevo, solos e cobertura vegetal e uso da terra tiveram significativa participação na sua classificação como fragilidade ambiental “forte”, com exceção do fator declividade, que somente em determinados trechos apresentou valores medianos. Em sua alta e média bacia, as formas de relevo dissecadas com solos de potencial a fragilidade erosiva alta, estão recobertos por pastagem e cana-de-açúcar. Já para a baixa bacia do córrego das Ondas, as formas de relevo altamente dissecadas, compondo solos de alta fragilidade erosiva, estão sobrepostos pela urbanização do bairro Vila Sônia sem infraestrutura adequada. Pode-se observar que o bairro mencionado ocupa toda a vertente convexizada que drena para o córrego das Ondas, sendo que as águas pluviais, quando registrados altos índices pluviométricos típicos de verão, são conduzidas pelas vias asfaltadas que se comportam como canais de escoamento, interferindo no processo natural de infiltração e redução da energia da água. Portanto, aumenta-se bruscamente a vazão do canal fluvial, que encontra suas margens desprovidas de matas ciliares com solos expostos de alta fragilidade, promovendo-se assim os processos erosivos, conforme registrado na Carta Geomorfológica pelos sulcos erosivos (SILVEIRA 2009, p.137- 138). Dessa forma, as condições identificadas no diagnóstico ambiental executado, bem como a leitura dos Planos Diretores frente a identificação do vetor noroeste como eixo do processo de expansão urbana de Piracicaba em zona de fragilidade ambiental, levaram à seleção da bacia do Córrego das Ondas como unidade espacial a ser analisada. Justifica-se, portanto, um estudo em escala de detalhe. Por fim, nestas palavras introdutórias do trabalho, também é oportuno o esclarecimento de dois aspectos importantes na condução da pesquisa. O primeiro, diz respeito a definição da bacia hidrográfica como unidade de análise. Entende-se a bacia hidrográfica como um sistema (CHRISTOFOLETTI, 1979), perspectiva esta que subsidia sua análise frente aos aspectos físico-naturais (hidrogeomorfológicos), bem como em seu processo de ocupação humana (relação homem-natureza). Compreende-se a bacia 20 hidrográfica não somente como uma unidade de gerenciamento dos recursos hídricos, mas também como uma unidade gerencial de planejamento e ordenamento territorial-urbano. O segundo aspecto relevante se relaciona a proposta metodológica propriamente dita. A mesma é entendida como um modelo subsidiado por metodologias já existentes, que se expressa por meio de documentos cartográficos e selecionou variáveis a serem consideradas na definição dos níveis de restrição do relevo ao uso urbano. As variáveis consideradas foram: dados das formações geológicas; materiais inconsolidados (espessura, granulometria, classe de textura, cor e permeabilidade); energia do relevo (declividade, dissecação horizontal e dissecação vertical); uso e ocupação da terra (3 diferentes cenários); geomorfologia (morfografia e morfogênese, em 3 diferentes cenários); e aspectos legais (2 cenários de derivações ambientais e transgressões legais). Diante do número expressivo de variáveis para a definição dos níveis de restrição, destaca-se que não foi selecionada a variável “tipologia de uso urbano”, ou seja, os aspectos relacionados aos diferentes modelos de urbanização. Dessa forma, a proposta metodológica concentrou-se na definição dos níveis restritivos do relevo ao uso urbano a partir da integração de variáveis do meio físico, sucedida da análise das interferências da ação antropogênica em uma perspectiva histórico evolutiva. Tais considerações foram de suma importância na definição dos objetivos apresentados na sequência. 1.1 Objetivos e hipótese O objetivo principal da pesquisa é construir uma proposta metodológica para a identificação dos níveis de restrição do relevo ao uso urbano. Tal objetivo promoveu a sequência dos seguintes objetivos específicos: - Análise da fragilidade do meio natural por meio da carta de Fragilidade do Meio Físico e produtos cartográficos intermediários; - Análise histórica das interferências promovidas, bem como das consequências derivadas, das ações antropogênicas no meio físico, por meio das cartas Geomorfológicas, cartas de Cobertura Vegetal e Uso da Terra e Cartas de Derivações Ambientais e Transgressões Legais; 21 - Definição dos níveis de restrição do relevo ao uso urbano (a serem expressos na Carta de Níveis de Restrição do Relevo ao Uso Urbano), com base na análise histórico evolutiva de uso e ocupação da terra, ou seja, a definição dos níveis de restrição por meio da análise da fragilidade inerente ao meio físico sob sucessivas interferências do sistema antrópico. O cumprimento destes objetivos visa comprovar ou refutar a seguinte hipótese levantada: A construção de uma proposição metodológica para identificação de níveis de restrição do relevo ao uso urbano (como projeção futura) necessita da análise da fragilidade inerente ao sistema natural sob sucessivas interferências do sistema antrópico (histórico evolutivo de uso e ocupação). Feitas as considerações iniciais sobre o tema de pesquisa, levantamento do problema, justificativas, definição da área de estudo, objetivos e hipóteses, a sequência deste trabalho está organizada da seguinte forma: o Capítulo 2 (p. 22) dedica-se aos pressupostos teórico- metodológicos que subsidiam a proposta metodológica (2.1, p. 24), a apresentação da proposta metodológica (2.2, p. 29) e das técnicas associadas (2.3, p. 37); o Capítulo 3 apresenta a área selecionada para a aplicação da proposta metodológica (p. 75); o Capítulo 4 é dedicado aos resultados encontrados na aplicação da proposta metodológica (p. 99); por fim, o Capítulo 5 apresenta as considerações finais da pesquisa (p. 155). 22 2 OS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS, A PROPOSTA METODOLÓGICA E AS TÉCNICAS DE PESQUISA O próprio do estudo geográfico é, pois, constituído por conjuntos complexos, de “combinações geográficas”, para retomar a fórmula do Professor Cholley [...]. É necessário ver como e por que existe determinada combinação geográfica num ponto preciso do globo [...]. Ela se transforma sem cessar, pois tudo o que vive é dinâmico; é preciso ver também como esse complexo geográfico evolui e por que causas (MONBEIG, 1952, citado por SILVA, 2002). No ambiente acadêmico, em diferentes áreas do conhecimento científico, várias concepções de método e metodologia são levantadas. Por se tratar de uma pesquisa que envolve uma concepção teórica e a aplicabilidade de uma proposta de investigação, é necessário conceituar as terminologias neste momento atribuídas, sobretudo associadas ao entendimento de “método” e “metodologia”, sem qualquer pretensão de tratá-las como foco primordial de investigação. Marconi e Lakatos (2000), ao discutirem a concepção de “método”, argumentam a necessidade de diferenciar “método” de “métodos”. Apontam os autores a distinção entre o “método de abordagem” e o “método de procedimento”. O primeiro envolve uma abordagem mais ampla, com nível de abstração mais elevada dos fenômenos da natureza e da sociedade, ao passo que o segundo indica etapas mais concretas da investigação (MARCONI e LAKATOS, 2000). Assim, a pesquisa trata o “método de abordagem” apontado por Marconi e Lakatos (2000) como método. Trata-o na perspectiva do referencial teórico-metodológico da pesquisa, ou propriamente como a “visão de mundo”. Esta norteia e dá suporte ao “método de procedimento”, tratado por esta pesquisa como metodologia, ou seja, como argumenta Gil (2008), a parte do trabalho que descreve os procedimentos a serem seguidos na realização da pesquisa. Nesta, se inserem as técnicas de pesquisa. Abreu (2011, p. 8), refletindo sobre o papel da prática na pesquisa (práxis) entre o objeto conceitual e teórico (a res cogitans) e o objeto material e empírico (a res extensa), argumenta: As técnicas ou procedimentos farão a mediação entre a teoria, o pesquisador e o objeto da pesquisa, e essa mediação será pautada pela compreensão da linguagem que o indivíduo mobiliza, a partir do conteúdo teórico que lhe serve de referência para identificar e analisar o que ele julga ser o objeto da Geografia. A composição, a análise e a apreensão do objeto empírico da investigação serão referenciadas, portanto, pelos conceitos teóricos que o geógrafo, progressivamente, construiu em sua visão de ciência, em seu processo de formação cultural, científica e política. 23 Nesse sentido, a res extensa será abordada por meio de um recorte arbitrário, fruto da res cogitans do observador (grifo nosso). Venturi (2011) registra que a teoria e o método são processos desenvolvidos no plano do pensar, ao passo que a técnica se desenvolve no plano do fazer. Para o pesquisador, o pensar e o fazer caminham juntos, considerando que teorias, métodos, técnicas e instrumentos constituem diferentes aspectos de um mesmo processo científico. Nesta perspectiva: Caso o fazer promovido pelas técnicas tenha um fim em si, ou seja, esteja desvinculado de um processo de pesquisa científica, caracteriza-se por um trabalho técnico. Por outro lado, se este fazer vincula-se a um processo de pesquisa conduzido por um método, evidencia-se um trabalho científico (VENTURI, 2011, p. 16, grifo nosso). Para Antonio Filho e Dezan (2009), na Geografia, as metodologias dos trabalhos de pesquisa estão associadas às diferentes correntes de pensamento geográfico. Foram destacadas como correntes de pensamento mais frequentes na ciência geográfica: o empirismo, o positivismo, o estruturalismo, o sistemismo, o psicologismo ou fenomenologia e a dialética. O método desta pesquisa vincula-se à corrente de pensamento sistêmico, embasada na teoria geral dos sistemas, ao passo que a metodologia é tratada como o grande desafio do presente trabalho, quando, com base em metodologias já desenvolvidas e consagradas, sobretudo na literatura científica geográfica e geomorfológica de abordagem sistêmica, procura desenvolver uma proposta de investigação para ambientes urbanizados. A pedra de toque da pesquisa refere-se à investigação da relação homem-natureza, manifestada no processo de urbanização, a partir de uma proposição metodológica de arcabouço teórico sistêmico (método). Tal metodologia, suportada pelo método sistêmico, apresenta uma relação de técnicas. Para Venturi (2011), o uso da técnica no processo de pesquisa divide-se em três momentos ou espaços de trabalho: o gabinete, o campo e o laboratório. Na relação de técnicas associadas à proposição metodológica, os três momentos ou espaços de trabalho citados fazem parte da pesquisa. O trabalho de gabinete exigiu técnicas de investigação bibliográfica e procedimentos cartográficos; o trabalho de campo sistematizado exigiu técnicas de observação e coletas de materiais; e o trabalho de laboratório foi desenvolvido por meio de normas técnicas. 24 Assim, partindo do pressuposto de que teoria e prática (o pensar e o fazer) são procedimentos associados, na sequência textual são apresentados: o arcabouço teórico da pesquisa (o método, 2.1, p. 24), as etapas concretas da investigação (a proposta metodológica, 2.2, p. 29) e as técnicas de pesquisa (2.3, p. 33). 2.1 Concepção teórica da relação homem-natureza: o método da pesquisa A concepção sistêmica da relação homem-natureza, método da pesquisa, pressupõe a tentativa da compreensão das inter-relações entre elementos do quadro natural (sistema natural) e do antrópico (sistema antrópico), que são dotadas de características organizacionais (organização espacial). Quanto à interferência antrópica nos sistemas naturais, Ross (2006) argumenta que a ação humana modifica e intensifica as trocas energéticas, no entanto, não criam nem mudam as leis que regem a funcionalidade dos sistemas naturais. Na mesma temática, Perez Filho e Quaresma (2008, p. 4) argumentam que: Apesar do desenvolvimento tecnológico desenvolvido pelo homem, tornando-o capaz de alterar e controlar parte dos elementos e fenômenos pertencente à natureza, esta, uma vez que constitui um sistema complexo, está distante de ser plenamente conhecida, quanto menos controlada. Assim, apesar da existência do tempo da ação humana (escalas do tempo histórico do homem e presente), há o tempo natural (escala de tempo da natureza), que coexistem no processo das organizações espaciais – formas e dinâmicas existentes na superfície terrestre. O sistema antrópico é, portanto, capaz de influenciar parte dos sistemas físicos/naturais impondo-lhes ritmos diferentes e acelerando processos com consequente alteração de suas escalas de tempo de ocorrência. Diante da concepção sistêmica da relação homem-natureza, parte-se do pressuposto que o sistema natural, que apresenta leis próprias de temporalidade geológica, vem sofrendo permanentes interferências promovidas pelo sistema antrópico, o qual apresenta temporalidade histórica (tempo do homem), por muitas vezes dinamizando e acelerando os processos intrínsecos ao quadro natural. As relações existentes entre estes sistemas (natural e antrópico) derivam em padrões de organizações espaciais (Figura 2). 25 Figura 2: Relação entre sistemas (natural e antrópico), que deriva na organização espacial. Organização: Silveira (2009). Parte-se do pressuposto de que o objeto de estudo da Geografia são as organizações espaciais (CHRISTOFOLETTI, 1999). Perez Filho, Quaresma e Rodrigues (2008) definem as organizações espaciais na Geografia como sistemas ambientais, caracterizadas como entidades organizadas na superfície terrestre, constituídas pelos subsistemas físico/natural e antrópico, bem como por suas interações. Para Christofoletti (1999), os sistemas espaciais (organizações espaciais) de mais alta complexidade são constituídos pelo englobamento estrutural, funcional e dinâmico dos elementos físicos, biogeográficos, sociais e econômicos. Na análise destes sistemas espaciais, sob a perspectiva sistêmica, dois componentes básicos entram em sua estruturação e funcionamento, representados pelas características do sistema ambiental físico (geossistema/sistema natural) e pelas do sistema sócio-econômico (sistema antrópico) (CHRISTOFOLETTI, 1999). Nessa perspectiva, a Geomorfologia, como campo do conhecimento científico tradicionalmente associado à Geografia, dedicada ao estudo das formas de relevo, tem fundamental contribuição para o estudo das organizações espaciais, principalmente para a análise dos aspectos vinculados ao meio físico (geossistema), em especial o relevo, ambiente de realização das atividades antrópicas, onde se manifesta o processo de urbanização. Ao resgatarem os estudos dos geossistemas e a inserção da ação humana no quadro natural, Bertrand e Bertrand (2009, p. 309) consideraram que: 26 Ao longo dos anos 1960-1980, geógrafos soviéticos, especialmente N. Beroutchachvili, acompanharam no local, graças a um sistema carregado de medidas físicas, o comportamento plurianual de geossistemas caucasianos (estação experimental de Martkopi, Geórgia). Tentativa excepcional e dificilmente renovável. Entretanto, seu alcance heurístico é considerável com a condição de lhe acrescentar dois complementos: a consideração direta da antropização do geossistema e a inserção de cada estado e sequência de estado em uma perspectiva histórica ampla (grifo nosso). Em outra passagem, quanto ao esboço de uma análise espaço-temporal, ainda acrescentam a necessidade de: [...] situar cada unidade geossistêmica, com suas características espaciais (formas, volumes, localização, extensão, etc.) em uma dupla perspectiva dinâmica (sucessão de estados) e evolutiva (histórica) (BERTRAND e BERTRAND 2009, p. 310, grifo nosso). Destacam-se nas considerações de Bertrand e Bertrand (2009), a concepção da “antropização do geossistema”, atribuídas como as interferências promovidas por um sistema antrópico no sistema natural (ou seja, a inserção do homem na temática ambiental); bem como, a concepção de “estado”, correspondendo, nesta interpretação, ao transpor o “estado do geossistema Bertraniano”, ao conceito de estado da “organização espacial”, derivada da relação sistêmica entre homem e natureza. Além disso, acrescenta-se que a perspectiva de “estado” e a “sequência de estado” (do geossistema Bertraniano) possibilitam a concepção da existência de um “estado da organização espacial”, e este, como integrante de uma “sequência de estados das organizações espaciais”. Surge, portanto a reflexão de uma análise das interferências antrópicas em uma perspectiva de sucessão de estados em diferentes momentos históricos. O caráter dinâmico das organizações espaciais, constituindo-se em um híbrido de formas e processos, foi levantado por Perez Filho, Quaresma e Rodrigues (2008). Entendem os autores que os sistemas antrópicos usufruem dos potenciais dos geossistemas, promovendo o rompimento do equilíbrio dinâmico, alterando sua expressão espacial temporal, com consequente criação de novas organizações espaciais. Esta concepção conceitual inicial, de “sequência de estados” vai ao encontro das concepções de Haff (2001), Cooke (1976), Nir (1983), Ab`Sáber (1969) e Ross (1990, 1994 e 2001). Haff (2001) enfatiza a necessidade do entendimento das forças antrópicas, no tratamento de uma Neogeomorphology, argumentando que: [...] decidimos dedicar uma ampla fração do tempo e esforço intelectual com o compromisso de entender as Forças Antrópicas na tentativa de determinar seus princípios, atentando para seus mecanismos e efeitos, e na tentativa de antecipar/prever qual sua implicação futura (HAFF 2001, p. 3, grifo nosso). 27 Assim, diante das interferências promovidas pelo homem no sistema natural em uma pequena escala de tempo, registra o autor a necessidade de uma previsão geomorfológica (geomorphological prediction), a partir do entendimento dos mecanismos e efeitos promovidos pelas forças antrópicas, para posterior tentativa de antecipar suas implicações (HAFF, 2001). Na perspectiva da contribuição da geomorfologia para a interpretação das ações antrópicas, Cooke (1976) argumenta que os trabalhos vinculados à geomorfologia urbana podem contribuir de duas maneiras para a gestão e desenvolvimento dos espaços urbanizados: em primeiro lugar, podem ajudar na avaliação dos recursos e adequação das terras para o uso urbano; bem como podem monitorar os sistemas geomorfológicos (processo-resposta) e suas mudanças durante e após o desenvolvimento urbano, a fim de estabelecer um corpo teórico e empírico para a formulação de estratégias de gestão e de previsão de mudanças que possam surgir com o crescimento urbano (COOKE, 1976). Considerando os efeitos dos impactos ambientais derivados do processo de urbanização e dedicando-se à introdução de uma geomorfologia antropogênica, Nir (1983), com base e citando Savini and Kammerer (1961), Wolman (1967), McPherson (1969), propõe três etapas, ou melhor, três períodos, a serem discutidos e analisados, sendo estes: (1) a transição entre o pré-urbano e o primeiro estágio urbano, ou o período sub- urbano; (2) a transição entre o primeiro estágio urbano e o estágio médio urbano, ou o período de construção urbana; (3) a transição entre o estágio médio urbano e o estágio tardio urbano, ou o período de desenvolvimento urbano (NIR 1983, p.117, grifo nosso). Enfatiza o autor a análise do processo de urbanização por meio da interpretação sucessiva de cenários de uso e ocupação, atribuídos aos períodos “sub-urbano”, de “construção do urbano” e de “desenvolvimento do urbano”. Tais períodos caracterizam-se por apresentarem uma organização espacial particular, sendo analisados os sucessivos impactos ambientais derivados do processo de urbanização. No Brasil, Ab`Sáber (1969), a partir do artigo Um Conceito de Geomorfologia a Serviço das Pesquisas sobre o Quaternário, trouxe a temática das interferências antrópicas no meio físico, por meio da “fisiologia da paisagem”. Difundiu o conceito de geomorfologia tripartite, tratando-a como uma simbiose conceitual, registrando os três níveis de tratamento que considera fundamental nas pesquisas geomorfológicas: a compartimentação topográfica regional, a estrutura superficial da paisagem e a fisiologia da paisagem. Neste terceiro nível 28 da abordagem, procura entender as interferências promovidas pelo homem no meio natural e mais especificamente nas formas de relevo. O autor argumenta que: Evidentemente, variações sutis de fisiologia podem ser determinadas por ações antrópicas predatórias, as quais na maior parte dos casos, são irreversíveis ao “metabolismo” primário do meio natural. Na verdade, a intervenção humana nos solos responde por complexas e sutis variações na fisiologia de uma determinada paisagem, imitando até certo ponto os acontecimentos de maior extensividade, relacionados às variações climáticas quaternárias (AB`SÁBER, 1969, p.2, grifo nosso). O autor, em seu terceiro nível de abordagem, propõe a investigação da funcionalidade (fisiologia) da paisagem diante das condições morfoclimáticas e pedogenéticas, como também a partir das interferências humanas. Manifesta as ações antrópicas em um “metabolismo primário natural”. Suas preocupações com o ambiente urbano, desde sua tese de doutoramento, em Geomorfologia do Sítio Urbano de São Paulo (1957), trouxeram, além do “metabolismo primário natural”, a concepção de “metabolismo urbano”. Argumenta o autor: Falando-se de metabolismo urbano, cada caso é um caso. A magnitude dos problemas depende das condições do sítio urbano, da hidrologia e da fisiologia da paisagem. Mais do que isso: depende da estrutura, do volume e da funcionalidade do organismo urbano. Pressupõe inquirições holísticas e quantitativas (AB`SÄBER, 2003, p. 72, grifo nosso). Na mesma temática da análise das interferências antrópicas e suas implicações, Ross (1990, 1994 e 2001), utilizando os conceitos de ambientes estáveis, que apresentam equilíbrio dinâmico e de ambientes instáveis, quando em desequilíbrio, propôs critérios de definição para as unidades ecodinâmicas estáveis e unidades ecodinâmicas instáveis, embasado em Tricart (1977). Hierarquizou as unidades ecodinâmicas instáveis ou de instabilidade emergente (fragilidade ambiental) em diversas categorias, desde instabilidade “muito fraca” a “muito forte”, conforme o nível de interferência antrópica. O mesmo critério foi aplicado às unidades ecodinâmicas estáveis ou de instabilidade potencial (fragilidade potencial natural), classificando-as de “muito fraca” a “muito forte”, de acordo com suas características naturais ou da possível ocupação antrópica (ROSS, 1994). A partir desta concepção, Ross (1990, 1994 2001) propôs um procedimento técnico cartográfico de definição hierárquica das unidades de fragilidade natural e de fragilidade ambiental, expressas respectivamente nas cartas de Fragilidade Potencial e de Fragilidade Emergente. 29 Diante das considerações levantadas na bibliografia, principalmente aquelas vinculadas à Geografia e a Geomorfologia, deve-se destacar as que tiveram influência significativa na proposta metodológica desenvolvida nessa tese: - a concepção sistêmica da relação homem-natureza. A relação entre o sistema natural e o sistema antrópico que deriva em padrões de organização espacial (MORIN, 1977; CHRISTOFOLETTI, 1999; PEREZ FILHO e QUARESMA, 2008); - a antropização do geossistema e a inserção de estados e sequência de estados do geossistema em uma perspectiva histórica (BERTRAND e BERTRAND 2009); - a concepção de um metabolismo primário natural, com leis e dinâmicas próprias. As interferências antrópicas, via urbanização, criam um ambiente peculiar complexo e extremamente dinâmico, tratado como o metabolismo urbano (AB`SÁBER, 1969 e 2003); - a concepção da análise dos sucessivos impactos ambientais promovidos pela urbanização (períodos “pré-urbano”, de “construção” do urbano e de “desenvolvimento” do urbano) (NIR, 1983); - a concepção do entendimento das interferências (mecanismos e efeitos) promovidas pelas forças antrópicas, ou pelo sistema antrópico no sistema natural, permitindo a tentativa e a possibilidade de compor um cenário futuro. Ou seja, a tentativa de compor os níveis de restrição do relevo ao uso urbano por meio da análise da fragilidade do meio físico sob sucessivas interferências humanas (dinâmica de uso e ocupação) (COOKE, 1976 e HAFF, 2001); - a concepção e o procedimento técnico cartográfico de definição hierárquica das unidades de fragilidade natural e de fragilidade ambiental (TRICART, 1977 e ROSS, 1990, 1994 e 2001). 2.2 Proposta metodológica: níveis de restrição do relevo ao uso urbano Diante das concepções teóricas, metodológicas e técnicas anteriormente mencionadas, surge a proposta metodológica da pesquisa com procedimentos realizados em duas etapas: 30 Primeira etapa: consiste na organização da carta de Fragilidade do Meio Físico por meio de adaptações da proposta de Ross (1990, 1994 e 2001), com a manutenção da definição hierárquica das unidades de fragilidade. Para isso, foi necessária a organização dos seguintes documentos intermediários: - a carta de Declividade ou Clinográfica (DE BIASI, 1970 e 1992): que representa quantitativamente, em classes de porcentagem, a inclinação das vertentes. Este é um dos condicionantes fundamentais nos processos morfológicos atuantes nas vertentes, como também no uso e ocupação humana, seja esta agrícola e/ou urbana; - a carta de Dissecação Horizontal (SPIRIDONOV, 1981): que representa quantitativamente a distância que separa os talvegues das linhas de cumeada. Possibilita a avaliação da dissecação realizada pela drenagem da área de estudo, indicando setores de ocorrência de interflúvios mais estreitos, o que denotam maior suscetibilidade aos processos fluviais; - a carta de Dissecação Vertical (SPIRIDONOV, 1981): que representa quantitativamente a altitude relativa entre a linha de cumeada e o talvegue, possibilitando a análise do grau de entalhamento realizado pelos cursos fluviais, assim como da potencialidade para o desenvolvimento de processos gravitacionais; - a carta de Energia do Relevo (MENDES, 1993): que integra as informações morfométricas encontradas nas Cartas de Declividade ou Clinográfica, Dissecação Horizontal e Dissecação Vertical, permitindo classificar qualitativamente a potencialidade do relevo para a ocorrência de processos geomorfológicos; - a carta de Materiais Inconsolidados (adaptações das propostas de ZUQUETTE et al. ,1994 e PEJON e ZUQUETTE,1997): que representa a variedade e características de tipos de materiais inconsolidados que ocorrem do topo da rocha sã até a superfície. Segunda etapa: consiste na organização da carta de Níveis de Restrição do Relevo ao Uso Urbano. Para sua elaboração, junto à carta de Fragilidade do Meio Físico já organizada na “etapa 1”, foram necessários os seguintes documentos cartográficos intermediários: 31 - cartas de Cobertura Vegetal e Uso da Terra (cenários 1962, 1978 e 2005): que representem os tipos de uso e ocupação da terra, bem como os tipos de cobertura vegetal, promovendo a leitura em diferentes cenários; - cartas Geomorfológicas (TRICART, 1965, cenários 1962, 1978 e 2005): que representem a morfologia e a morfografia, possibilitando a interpretação dos processos inerentes ao relevo, sob interferência antrópica, em diferentes cenários; - cartas de Derivações Ambientais e Transgressões Legais (MOROZ, CANIL e ROSS, 1994, cenários de 1978 e 2005): que representem os tipos de intervenções feitas pelo homem no sistema natural, registrando os impactos ambientais, além das transgressões à legislação ambiental vigente. A aplicação da proposta metodológica sugerida promove a determinação em um primeiro momento da fragilidade do meio físico, ou seja, a busca pelo entendimento da fragilidade do meio natural. Em um segundo momento, torna possível a avaliação da dinâmica de uso e ocupação da terra associada aos principais impactos decorrentes dessa dinâmica. Estes diferentes cenários de uso e ocupação e de derivações resultantes tornam-se o recurso fundamental para a determinação dos níveis de restrição do relevo ao uso urbano. Assim, a proposta metodológica para identificação de níveis de restrição do relevo ao uso urbano associa-se à análise da fragilidade do meio físico sob sucessivas interferências do sistema antrópico (histórico evolutivo de uso e ocupação), conforme ilustra a Figura 3, com suas etapas e procedimentos. Para o desenvolvimento da proposta metodológica, foi necessária a definição de técnicas e procedimentos de pesquisa associados a momentos e espaços de trabalho de gabinete, campo e laboratório. Na sequência, são descritas as técnicas de gabinete (investigação bibliográfica e procedimentos cartográficos), de trabalho de campo (observação e coletas de materiais) e de laboratório (normas técnicas). 32 Fi gu ra 3 : E ta pa s d a pr op os ta m et od ol óg ic a. O rg an iz aç ão : S ilv ei ra (2 01 3) . 33 2.3 Técnicas cartográficas 2.3.1 Base cartográfica A Base Cartográfica foi elaborada a partir da vetorização no software AutoCAD Map (2004), das Cartas Topográficas, na escala 1:10.000, do Plano Cartográfico do Estado de São Paulo (1979). Foram utilizadas as Folhas Córrego das Ondas (070/088), Santa Terezinha do Piracicaba (071/088) e Piracicaba V (071/089), disponibilizadas pelo Serviço de Água e Esgoto de Piracicaba (SEMAE). Primeiramente, tais Cartas foram escaneadas, sendo transferidas para o software AutoCAD Map (2004) para posterior vetorização das curvas de nível, pontos cotados, estradas de rodagem e drenagem. 2.3.2 Cartas morfométricas O trabalho propõe a análise da variável morfométrica a partir da elaboração da carta de Energia do Relevo com base em Mendes (1993). Trata-se de uma carta de integração, obtida por meio da associação das informações das cartas de Declividade ou Clinográfica (DE BIASI, 1970 e 1992), Dissecação Horizontal (SPIRIDONOV, 1981) e Dissecação Vertical (SPIRIDONOV, 1981). O procedimento técnico de Mendes (1993) consiste na compilação dos dados quantitativos da geometria do relevo fornecidos pelas cartas morfométricas. Dessa forma, as classes de energia do relevo configuram-se como índices identificados por termos qualitativos, variando de muito forte a muito fraco (MENDES, 1993). As classes devem ser formuladas a partir das características da área de estudo e do interesse particular do usuário (CUNHA, 2001). Mathias e Carvalho (2008) propuseram a elaboração da carta de Energia do Relevo desenvolvida por Mendes (1993) em meio digital, com o uso do software AutoCAD Map 2004. Nesta proposta, a compilação das informações morfométricas é executada de forma semi-automática, com a sobreposição em layers, onde posteriormente são digitalizados os polígonos das classes de energia do relevo, a partir da ferramenta polyline (MATHIAS e CARVALHO, 2008). Para este trabalho, a carta de Energia do Relevo foi elaborada a partir das recomendações técnicas de Mendes (1993) e de procedimentos operacionais propostos por Mathias e Carvalho (2008). A sequência prioritária das informações morfométricas mapeadas e os valores correspondentes a cada classe seguiram os parâmetros adquiridos 34 respectivamente na carta de Declividade ou Clinográfica, seguida da carta de Dissecação Horizontal e, por último, da carta de Dissecação Vertical. Dessa maneira, cada classe foi definida por uma sequência de informações de acordo com os parâmetros definidos para a área de estudo, estando sintetizadas no Quadro 1. A elaboração da carta de Declividade ou Clinográfica seguiu a proposta de De Biasi (1970 e 1992), sendo realizada de modo analógico sobre a Base Cartográfica. Tomou-se este procedimento pela riqueza do nível de detalhe. De acordo com Zacharias (2001), por meio de um sistema de informação geográfica (SIG), alguns dados poderiam ser generalizados, sendo a técnica convencional mais indicada qualitativamente, embora demande maior tempo e dedicação. Assim, a primeira etapa de elaboração corresponde à obtenção dos valores de maior e menor espaçamento entre as curvas de nível que, utilizados na fórmula a seguir, permitem a identificação dos valores limites da declividade da área de estudo (DE BIASI, 1970). Dc = DN / DH x 100 Na qual: Dc = declividade em porcentagem; DN = equidistância das curvas de nível; e DH = distância horizontal. Feita a etapa inicial, definem-se as classes de declividade que devem obedecer aos limites máximos e mínimos de declive da área, assim como princípios que atendam os objetivos da pesquisa. Definidas as classes, constrói-se um ábaco com os valores correspondentes a cada classe preestabelecida (DE BIASI, 1992). As classes de declividade seguiram a proposta de Ross (1994 e 2001), com a composição de sete classes, com valores estabelecidos com base em estudos sobre a capacidade de uso/aptidão agrícola, associados àqueles conhecidos como valores limites críticos da geotecnia. Foi realizada apenas uma adaptação, com relação aos valores limites entre as duas últimas classes, modificando o valor de 50%, sugerido por Ross (1994), para 45%, acima do qual “não é permitida a derrubada de florestas [...] sendo nelas toleradas a extração de toros quando em regime de utilização racional, que vise a rendimentos permanentes”, segundo o Código Florestal – Lei n. 4771 de 15/09/1965 (BRASIL, 1965). 35 CLASSE DE ENERGIA DO RELEVO Cores na carta Declividade (%) Dissecação Horizontal (m) Dissecação Vertical (m) Muito Forte (cinza) 30 < 10 10 320 320 < 5 5 30 30 < 3 3 30 < 10 < 5 5 30 30 < 3 3 30 10 320 320 30 Forte (marrom) 20 30 10 320 320 < 5 5 30 <3 3 20 10 20 < 5 5 30 <3 3 20 20 320 320 25 30 Medianamente Forte (vermelho) 12 20 20 320 320 < 5 5 25 < 3 3 12 20 40 < 5 5 25 < 3 3 12 40 320 320 20 25 Média (laranja) 6 12 40 320 320 < 5 5 20 < 3 3 6 40 80 <5 5 20 < 3 3 6 80 320 320 15 20 Fraca (amarelo) 3 6 80 320 320 < 5 10 15 < 3 80 160 < 5 10 15 < 3 160 10 15 Muito fraca (verde) < 3 160 < 10 Quadro 1: Classes de energia do relevo da bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP). Organização: Silveira (2010). 36 O Quadro 2 apresenta as classes, as cores definidas e os valores limites do ábaco, que correspondem à distância entre as curvas de nível, assim como os parâmetros considerados para a carta de Declividade ou Clinográfica da bacia do Córrego das Ondas. CLASSES DE DECLIVE Cores na carta VALORES DO ÁBACO PARÂMETROS Verde-claro < 3 % Limite 3 % = 1,6 cm < 3% áreas suscetíveis à inundação Amarelo-claro 3├ 6 % Limite 6 % = 0, 66 cm A partir de 6%, é possível a urbanização sem restrições quanto à possibilidade de inundações Amarelo-escuro 6├12 % Limite 12 % = 0,41 cm Possibilidade de urbanização e mecanização agrícola Laranja 12├ 20 % Limite 20 % = 0,25 cm Acima de 12%, há restrição a utilização de mecanização agrícola Vermelho 20├ 30 % Limite 30 % = 0,16 cm Até 30%, permite-se a urbanização Marrom 30├ 45 % Limite 45% = 0,1 cm Acima de 30%, área com restrições a urbanização Preto ≥ 45 % Acima de 45%, área restrita ao corte de vegetação Quadro 2: Classes de declividade ou clinográfica da bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP). Organização: Silveira (2010). Para as áreas inseridas em topos de morros, espaço isolado entre uma única curva de nível e nos limites das bacias, utilizou-se um ábaco suplementar, segundo adaptações de Sanchez (1993), que sugere que tenha a metade dos valores do ábaco principal. Posteriormente, a sua elaboração manual, a carta de Declividade ou Clinográfica foi escaneada e transferida para o software AutoCAD Map (2004), no qual se realizou sua edição e vetorização das classes de declividade. A carta de Dissecação Horizontal do relevo segue os princípios técnicos de Spiridonov (1981). Zacharias (2001) propôs o desenvolvimento deste documento cartográfico por meio de uma técnica semi-automática no software Auto CAD Map (2004), a qual esta pesquisa adotou como procedimento. 37 Conforme Zacharias (2001), a técnica de mapeamento semi-automática conta com três etapas principais: Etapa 1: Criação de Topologias: com a base cartográfica digital no ambiente AutoCAD Map e feita a delimitação das sub-bacias hidrográficas, criam-se topologias individuais para as entidades, rede de drenagem, divisor de água e limite de bacia. A partir da associação das topologias drenagem e divisor de água, cria-se também uma topologia agrupada, nomeada por DIVIDREN. Etapa 2: Delimitação da Zona Buffer: consiste na criação de uma faixa ao redor de uma topologia. Foram desenhadas zonas buffer ao redor da topologia agrupada (DIVIDREN), cujas larguras ficaram representadas por vértices que possibilitam indicar as distâncias entre o talvegue e as linhas de cumeadas. Para definir a variação das classes de dissecação horizontal, foi necessário obter o valor de maior e menor distância entre a linha de cumeada e o talvegue das sub-bacias. Tais valores foram identificados a partir de medidas lineares, elaboradas sobre a base cartográfica, entre as linhas de cumeada e os talvegues. Spiridonov (1981) recomenda que o valor de cada classe seja correspondente ao dobro do limite da classe anterior, a partir do mínimo mapeável que, para a escala deste trabalho, correspondeu a 1 mm na Base Cartográfica, representando 10 m no terreno até o valor máximo identificado, no caso, 360 m. Assim, foram estabelecidas as seguintes classes: < 10 m; 10 20 m; 20 40 m; 40 80 m; 80 160 m; 160 320 m; 320 m. Etapa 3: Criação de Polígonos: delimitação e criação de polígonos referentes às áreas das classes predeterminadas. Feita a delimitação, promove-se o preenchimento do polígono com base em cores representativas da rosa cromática. Para a carta de Dissecação Vertical, utilizou-se também da orientação técnica de Spiridonov (1981) com as adaptações de Zacharias (2001), a qual propõe a elaboração do documento cartográfico a partir de procedimento semi-automático no AutoCAD Map, cujas recomendações se dividem em duas etapas: 38 Etapa 1: Criação de Topologias: armazenamento da base cartográfica no ambiente AutoCAD Map com delimitação das sub-bacias hidrográficas e criação de topologias para as entidades: drenagem, divisores de água, limite de bacia e altimetria. Etapa 2: Delimitação das classes de Dissecação Vertical: com as topologias criadas ativas, identificam-se os pontos de intersecção dos rios com as curvas de nível. Na sequência, a partir de uma reta perpendicular ao divisor de água, unem-se os pontos de intersecção das curvas de nível com o rio às linhas de cumeada, procurando traçar a menor distância entre o talvegue e essa linha. Criam-se polígonos dentro de cada sub-bacia, classificando os setores de acordo com Spiridonov (1981), os quais serão preenchidos com base em cores representativas da rosa cromática. Assim, as classes de dissecação vertical foram estabelecidas de acordo com a equidistância entre as curvas de nível, que retrata o desnível altimétrico entre estas, sendo neste trabalho de 5 m. Logo, as classes estabelecidas foram: < 5 m; 5 10 m; 10 15 m; 15 20 m; 20 25 m; 25 30 m 30. 2.3.3 Dados geológicos e pedológicos Para o levantamento dos dados geológicos, foram consultados os seguintes materiais cartográficos: IGG (1966), escala 1:100.000; IPT (1981a), escala 1:500.000; Sepe (1990), escala 1:50.000, Souza (2002), escala 1:100.000, e principalmente IPT (1980), na escala 1:25.000. O documento cartográfico do IPT (1980) serviu como referência para a representação dos dados geológicos, sobretudo devido a sua escala. Os outros documentos tiveram contribuição na descrição das formações geológicas registradas na área de estudo, bem como para a análise da compatibilidade dos dados encontrados. Constatou-se que, embora existam diferenças escalares entre os trabalhos consultados, houve semelhança das formações geológicas mapeadas. Feita a etapa de aquisição de fontes de informações geológicas, foi realizada a etapa de pesquisa de campo para a aferição das diferentes litologias aflorantes. Nesta etapa de identificação foram observadas diferentes fácies da Formação Corumbataí (avermelhada e acinzentada), as quais não foram diferenciadas nos mapeamentos citados. Tal reconhecimento fora concomitante a aquisição de dados para a organização da Carta de Materiais Inconsolidados (p. 39), momento em que se percorreu a bacia de estudo, 39 identificando a profundidade do material (mediante uso do trado holandês), diferentes colorações e textura, coletando amostras deformadas e indeformadas. Promoveu-se na sequência a transferência dos dados encontrados para a Base Cartográfica, escala de 1:10.000, no software AutoCAD Map (2004), com base no documento elaborado pelo IPT (1980) e nos registros de campo (para o limite das diferentes fácies da Formação Corumbataí), com auxílio do detalhe das curvas de nível e das fotografias aéreas. Já para o levantamento dos dados pedológicos, utilizou-se como documento cartográfico o mapeamento realizado pelo IAC (1989), Folha Piracicaba, escala 1:100.000, bem como seu Boletim Explicativo (OLIVEIRA, 1999). Como documento bibliográfico, foi utilizado o trabalho de Sparovek e Lepsch (1998), intitulado Diagnóstico de Uso e Aptidão das Terras Agrícolas de Piracicaba. Este trabalho apresentou de forma descritiva, com base no IAC (1989), os tipos de solos em cada sub-bacia do Município. Transferiram-se os dados encontrados para a Base Cartográfica no software AutoCAD Map (2004), com base no material do IAC (1989), compondo uma Figura ilustrativa. Por fim, as informações coletadas foram atualizadas com a classificação proposta pela EMBRAPA (1999). Destaca-se que este mapeamento fora realizado a título de verificação dos principais tipos de solos, procurando contribuir com a caracterização da área de estudo. Para a definição da fragilidade do meio físico, a variável “solo” foi adquirida por meio da carta de Materiais Inconsolidados, em escala de detalhe, a qual apresenta descrição de seus procedimentos de organização na sequência do texto. 2.3.4 Carta de materiais inconsolidados A Carta de Materiais Inconsolidados foi organizada utilizando alguns princípios da cartografia geotécnica de Zuquette et al. (1994) e Pejon e Zuquette (1997), ambos apresentados no trabalho de Zuquette e Gandolfi (2004). Os materiais inconsolidados são entendidos como materiais geológicos, residuais e retrabalhados, que ocorrem desde o topo da rocha sã até a superfície (ZUQUETTE e GANDOLFI, 2004). Quanto à relevância de seu estudo, argumentam os autores que: A importância dos materiais inconsolidados reside no uso do solo e as alterações que este uso propicia. A variedade dos tipos de materiais inconsolidados e sua distribuição espacial influenciam a eficiência dos usos e ocupações, e a intensidade dos impactos ambientais resultantes (ZUQUETTE e GANDOLFI, p. 102 e 104, 2004). 40 O documento cartográfico de Materiais Inconsolidados de Zuquette et al. (1994) levou em consideração sobretudo os aspectos texturais e genéticos, litológicos e de espessura para definição das unidades de materiais inconsolidados. Já o trabalho de Pejon e Zuquette (1997), por se tratar de uma carta de Potencial ao Escoamento Superficial, atribuiu como variáveis de análise a declividade, a litologia, a textura e gênese dos materiais inconsolidados, a espessura dos materiais inconsolidados, a permeabilidade, a frequência de drenagem e feições favoráveis ao armazenamento superficial. Assim, a carta de Materiais Inconsolidados da bacia do Córrego das Ondas foi elaborada por meio de adaptações dos trabalhos anteriores citados, considerando os seguintes aspectos: - a carta elaborada servirá como um dos documentos-chave para organização da carta síntese de Fragilidade do Meio Físico; - além disso, o documento deverá considerar as características da área estudada, as quais se relacionam com uma área de expansão urbana; - por fim, o documento organizado deve estar associado à proposta do trabalho, que consiste na construção de uma proposta metodológica que possibilite a identificação de níveis de restrição do relevo ao uso urbano. Refletindo esses interesses da pesquisa, foram definidas as seguintes variáveis para composição e definição das classes de materiais inconsolidados da bacia do Córrego das Ondas: - litologia: o levantamento dos diferentes tipos e das principais características do material rochoso contribui para a leitura da origem e das características dos materiais inconsolidados. Além disso, determinadas obras na construção do espaço urbano exigem fundações que atingem a rocha sã; - espessura dos materiais inconsolidados: averiguar a profundidade dos materiais inconsolidados possibilita o diagnóstico do grau de evolução intempérica e pedogenética do perfil. Também contribui como dado importante para a construção do espaço urbano, sobretudo com obras que exigem fundações; - cor e textura dos materiais inconsolidados: permite a verificação da variação das características dos materiais inconsolidados ao longo do perfil. Assim, por meio da observação em campo no processo de retirada do material com o trado, dando atenção às 41 mudanças de coloração e textura, é possível coletar diferentes amostras (superfície e subsuperfície) que são encaminhadas ao laboratório para procedimentos de análise granulométrica e classe de textura. A identificação das diferentes características dos materiais inconsolidados ao longo do perfil auxilia o apontamento das áreas com materiais mais frágeis e mais resistentes aos processos erosivos, contribuindo para o planejamento da urbanização; - permeabilidade de superfície: dado importante para a identificação dos materiais inconsolidados permeáveis e pouco permeáveis, qualidade as quais interferem diretamente na infiltração e no escoamento das águas pluviais. Apontar as áreas de maior e menor permeabilidade também contribui na avaliação dos materiais mais resistentes e mais suscetíveis aos processos erosivos. Por meio de atividades vinculadas ao gabinete, trabalho de campo e laboratório, podem ser descritas 12 etapas para conclusão do mapeamento executado: Etapa 1: Impressão da Base Cartográfica e fotos aéreas para uso nos trabalhos de campo para orientação, localização e descrição dos pontos de observação e coleta de materiais. Etapa 2: Reconhecimento prévio da área de estudo. Verificação em campo das vias e trilhas de acesso para definição dos pontos de coleta de amostras deformadas e indeformadas. Etapa 3: Definição dos pontos de coleta de amostras. Os pontos foram definidos a partir das áreas interfluviais, entre as principais drenagens afluentes do curso principal da bacia estudada. Procurou-se adquirir amostras representativas que contemplassem áreas de topo, média vertente e baixa vertente. Etapa 4: Organização da ficha de campo (Figura 4), para registros dos materiais coletados e dados de localização e observação em campo. 42 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Data: ___/____/____ FICHA DE CAMPO Nº_____ Localização Perfil_____nº______ Setor:______________ Coordenadas:___________________ Toponímia:___________________Uso da terra:________________________________ Coleta de amostras Deformada superfície:________ Indeformada:__________ Deformada subsuperfície:________ Material inconsolidado Cor (Carta Munsell): Amostra 1:________________ Amostra 2:________________ Amostra 3:________________ Espessura:_______________________ Croqui: Observações: Figura 4: Ficha de campo. Organização: Silveira (2012). 43 Etapa 5: Organização dos materiais de campo, dentre os quais podem ser citados: - Carta Munsell (2009), para identificação em campo da coloração das amostras coletadas; - Martelo geológico, pá de jardim, metro de madeira, marreta e espátula para coleta e tratamento em campo dos materiais inconsolidados; - Sacolas plásticas para amostras deformadas, papel filme PVC para amostras indeformadas, estaca de madeira para limpeza de trado e etiquetas para registro e controle da numeração das amostras; - Trado holandês para coleta de amostras e para mensuração da profundidade do perfil de materiais inconsolidados; - Enxada, pá corte reta e cavadeira para suporte na retirada e remoção de materiais inconsolidados; - Copos de metal para retirada de amostras indeformadas de superfície e estrutura de metal para penetração dos copos na superfície dos materiais inconsolidados. Etapa 6: Trabalho de campo. Foram adotados os seguintes procedimentos em campo: - Uso do trado holandês para coleta das amostras deformadas (depositadas em sacolas plásticas etiquetadas) e retirada de material inconsolidado até atingir a rocha sã para posterior medição da espessura do perfil (Foto 1). Foram coletadas 60 amostras de superfície e subsuperfície em 36 pontos distribuídos pela bacia de estudo. As amostras de subsuperfície foram coletadas imediatamente após ter sido constatada uma mudança de coloração e textura no material retirado com o trado. Para verificação destas mudanças, além da observação em campo, se fez uso da carta Munsell (2009); 44 Foto 1: Procedimentos de campo: uso do trado holandês. Autor: Silveira (2013). - Uso da carta Munsell (2009) para verificação das cores dos diferentes materiais coletados; - Uso do metro de madeira para medir a espessura do perfil de materiais inconsolidados; - Uso dos copos para coleta de amostras indeformadas de superfície (Fotos 2 e 3). Posteriormente, a incisão completa do copo na superfície do material inconsolidado (Foto 4), retira-se o mesmo com uso do martelo geológico, espátula e pá de jardim, para que a amostra seja ao máximo preservada (Foto 5). Na sequência, com papel filme PVC, o corpo de amostra é envolvido. Foram coletadas 21 amostras; - Preenchimento da ficha de campo com os dados coletados e observações adicionais. 45 Foto 2: Procedimentos de campo: início do processo de retirada de amostra indeformada. Autor: Silveira (2013). Foto 3: Procedimentos de campo: estrutura que permite a incisão do copo de amostra indeformada. Autor: Silveira (2013). 46 Foto 4: Procedimentos de campo: copo de amostra todo penetrado no material inconsolidado. Autor: Silveira (2013). Foto 5: Procedimentos de campo: retirada cuidadosa com martelo geológico do corpo de prova. Autor: Silveira (2013). 47 Etapa 7: Tratamento dos dados e materiais coletados em campo. Foram adotados os seguintes procedimentos: - Amostras deformadas de superfície e subsuperfície: foram encaminhadas ao Laboratório de Física de Solos do Departamento de Ciências do Solo da ESALQ USP, para procedimentos experimentais de análise granulométrica e classe de textura, a partir da análise SF1 (areia total, silte e argila com dispersante). Os resultados obtidos podem ser encontrados nos Quadros do Anexo 1 (p. 172 a 175); - Amostras indeformadas de superfície: foram encaminhadas para o Laboratório para Análise de Formações Superficiais (LAFS) do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento, Deplan – IGCE – UNESP Campus de Rio Claro, para procedimentos experimentais de cálculo de coeficientes de permeabilidade (cm/s, fator K), por meio do Permeâmetro de Carga Variável, fazendo uso do método B da NBR 14545. Os resultados podem ser encontrados nos Quadros do Anexo 2 (p. 176 a 183); Etapa 8: Tratamento das amostras indeformadas: procedimentos experimentais (ensaios de permeabilidade). - O primeiro procedimento para execução dos experimentos foi a organização de uma ficha de laboratório para controle do ensaio experimental. Nesta, foram registrados os volumes da carga hidráulica (cm) verificadas na bureta em diferentes instantes (s), bem como informações de ocorrências ao longo do experimento; - Tratamento inicial do corpo de prova (amostra indeformada): neste momento, as amostras foram submetidas à inserção de parafina em suas bordas, com o intuito de evitar o escoamento preferencial (Foto 6). Na sequência, as amostras foram colocadas em baldes para saturação do corpo de prova (Foto 7). Todas as amostras foram submetidas a este procedimento no período de 24h; 48 Foto 6: Procedimentos de laboratório: parafina e amostras indeformadas. Autor: Silveira (2013). Foto 7: Procedimentos de laboratório: saturação dos corpos de prova. Autor: Silveira (2013). 49 - Organização do Permeâmetro: preparo do cilindro do permeâmetro para experimentação. Tomou-se a seguinte sequência de procedimentos: Procedimento 1: o cilindro recebe a pastilha permeável de fundo; Procedimento 2: sobre a pastilha, coloca-se o bidim (manta de drenagem em formato circular) para evitar o entupimento da saída do permeâmetro; Procedimento 3: sobre o bidim, coloca-se 2 cm de areia grossa; Procedimento 4: insere-se uma borracha circular para separar a areia grossa da argila bentônica (argila plástica bentonita); Procedimento 5: insere-se o corpo de prova saturado no cilindro do permeâmetro (Foto 8); Procedimento 6: coloca-se a bentonita entre as bordas do cilindro e o corpo de prova para propiciar que água inserida no cilindro no momento do experimento seja orientada somente para o corpo de prova (Foto 9); Procedimento 7: nova borracha circular inserida no contato corpo de prova/bentonita; Procedimento 8: finaliza-se o preenchimento do cilindro com areia grossa; Procedimento 9: fecha-se o cilindro com sua parte (tampa) superior; - Preparo para início do Experimento: o cilindro já preenchido é conectado a uma mangueira, a qual está interligada a uma bureta graduada. Na saída do cilindro, é necessário o uso de um balde para descarga da água infiltrada no corpo de prova (Foto 10); - O Experimento: com a ficha de experimento, cronômetro e balde com água destilada para reposição na bureta graduada preparados, o experimento é iniciado. Para cada corpo de prova, se promove o ensaio registrando a cada 60 s o valor da carga hidráulica encontrado na bureta graduada (cm) (Foto 11). O tempo de experimento segue até que se obtenham pelo menos quatro determinações da variação da carga hidráulica, relativamente próximas, as quais não apresentem tendências evidentes tanto de crescimento quanto de diminuição (método B NBR 14545). Sempre que necessário, a bureta graduada deve ser novamente preenchida com água destilada. Foram realizados 21 ensaios para 21 corpos de prova, os quais variaram em tempo de experimento entre 15 min a 1 h e 15 min (Foto 12). 50 Foto 8: Preparo do cilindro do permeâmetro para experimentação: Procedimento 5. Autor: Silveira (2013). Foto 9: Preparo do cilindro do permeâmetro para experimentação: Procedimento 6. Autor: Silveira (2013). 51 Foto 10: Preparo para início do experimento. Autor: Silveira (2013). Foto 11: O experimento: Verificação da carga hidráulica (cm) a cada 60 s. Autor: Silveira (2013). 52 Foto 12: O experimento: Ensaio em desenvolvimento com saída de água do permeâmetro. Autor: Silveira (2013). - Cálculo do fator K (coeficiente de permeabilidade): com a aquisição de pelo menos quatro determinações da variação da carga hidráulica relativamente próximas, t