UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara STHEFANIE KALIL KAIRALLAH CURSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA NO SERVIÇO DE PROFESSORES DE INGLÊS DA REDE PÚBLICA: o modelo Cross-Design ARARAQUARA – S.P. 2024 STHEFANIE KALIL KAIRALLAH CURSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA NO SERVIÇO DE PROFESSORES DE INGLÊS DA REDE PÚBLICA: o modelo Cross-Design Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara (FCLAr), para obtenção do título de Grau acadêmico de Doutora em Linguística e Língua Portuguesa. Área de Concentração: Linguística e Língua Portuguesa Linha de pesquisa: Ensino/Aprendizagem de Língua Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cibele Cecílio de Faria Rozenfeld ARARAQUARA – S.P. 2024 K13c Kairallah, Sthefanie Kalil Curso de Formação Continuada no Serviço de professores de inglês da rede pública : o modelo Cross-Design / Sthefanie Kalil Kairallah. -- Araraquara, 2024 278 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientadora: Cibele Cecílio de Faria Rozenfeld 1. Formação Continuada no Serviço. 2. Língua Inglesa. 3. Competências Digitais. 4. Professores da rede pública. 5. Ensino Remoto Emergencial. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). IMPACTO POTENCIAL DESTA PESQUISA Ressaltamos que as discussões e reflexões engendradas nesta tese foram realizadas com base no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ONU, 2015), que se refere à Educação de Qualidade. Desse modo, analisamos a elaboração, execução e avaliação de um curso on-line, aplicado em uma das 91 Diretorias de Ensino Regionais do estado de São Paulo, com foco na Formação Continuada no Serviço de professores de inglês da rede pública estadual de ensino para o desenvolvimento de Competências Digitais e o ensino/aprendizagem de Língua Inglesa. Diante disso, partimos da investigação dos programas formativos vigentes, ofertados pela Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação “Paulo Renato Costa Souza” (EFAPE), da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, na época da pandemia da COVID-19, para a criação de um modelo de curso on-line denominado de Cross-Design. Além dessa conjuntura que nos revela os potenciais impactos sociais e educacionais desta pesquisa, pontuamos que este trabalho foi realizado por uma formadora-pesquisadora, a qual atua, diretamente, em ambos os contextos, a saber: como formadora de professores na Diretoria de Ensino Regional nas áreas de Tecnologia Educacional e Língua Inglesa, bem como pesquisadora, impactando a geração e análise de dados diante dos objetivos propostos. Assim, diante do caráter inovador e do momento singular em que este estudo foi feito, salientamos que as questões abordadas ao longo de seu desenvolvimento têm a possibilidade de serem irradiadas para os espaços locais, regionais e nacionais, tendo em vista que os pressupostos teóricos contemplam legislações de diferentes esferas governamentais e teorias científicas dos âmbitos tecnológico e linguístico. POTENTIAL IMPACT OF THIS RESEARCH We emphasize that the discussions and reflections engendered in this thesis were carried out based on Sustainable Development Goal 4 (UN, 2015), which refers to Quality Education. Accordingly, we analyzed the elaboration, execution, and evaluation of an online course, applied in one of the 91 Regional Education Boards in the state of São Paulo, with a focus on Continuing In-service Education of English teachers in the state public education network for the development of Digital Competencies and the teaching/learning of the English Language. Considering this, we started by investigating the current training programs offered by the Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo “Paulo Renato Costa Souza” (EFAPE), of the Secretary of Education of the State of São Paulo, at the time of the COVID-19 pandemic, for the creation of an online course model called Cross- Design. In addition to this situation that reveals the potential social and educational impacts of this research, we point out that this work was carried out by a trainer-researcher who works directly in both contexts, namely: as a teacher trainer in the Regional Education Board in the areas of Educational Technology and English Language, as well as a researcher, impacting the generation and analysis of data considering the proposed objectives. Thus, given the innovative nature and the unique moment in which this study was carried out, we emphasize that the issues addressed throughout its development have the possibility of being radiated to local, regional, and national spaces, considering that the theoretical assumptions contemplate legislation from different governmental spheres and scientific theories from the technological and linguistic spheres. STHEFANIE KALIL KAIRALLAH CURSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA NO SERVIÇO DE PROFESSORES DE INGLÊS DA REDE PÚBLICA: o modelo Cross-Design Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara (FCLAr), para obtenção do título de Grau acadêmico de Doutora em Linguística e Língua Portuguesa. Área de Concentração: Linguística e Língua Portuguesa Linha de pesquisa: Ensino/Aprendizagem de Língua Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cibele Cecílio de Faria Rozenfeld Data da defesa: 24/05/2024 Banca Examinadora: ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Cibele Cecílio de Faria Rozenfeld UNESP – Universidade Estadual Paulista – Campus de Araraquara ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Glalcy Fequetia Dalcim IFSP – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus de Avaré ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Maximina Maria Freire PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Mônica Ferreira Mayrink O'Kuinghttons USP – Universidade de São Paulo ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Vivian Nádia Ribeiro de Moraes-Caruzzo UNESP – Universidade Estadual Paulista – Campus de Araraquara À Sandra Regina Panazio (in memoriam), carinhosamente chamada de Nana por mim. Minha eterna cúmplice, “irmãe” e amiga, que me ensinou o quanto viver é realmente uma missão paradoxal. Por um lado, é uma aventura árdua, assim como a história de suas lutas como filha, mulher e mãe. Ao mesmo tempo, trata-se de uma tarefa muito simples, isto é, basta fazer o bem, agir baseada na fé, sonhar com os pés no chão, olhar sempre para frente e amar incondicionalmente as pessoas, de tal modo que esse sentimento se materialize e se transforme em ações aos próximos, aproximando-nos do amor ágape de Deus. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus, minha fortaleza, que me guiou e me confirmou todas as vezes que eu me questionei sobre estar no lugar certo, fazendo a coisa certa. Obrigada, meu amado Senhor, por me direcionar e me capacitar! Eis-me aqui. À minha querida orientadora e mãe acadêmica, Prof.ª Dr.ª Cibele, por quem tenho uma imensa admiração e a quem já considero uma estimada amiga. Sou grata por me ajudar a construir uma identidade como pesquisadora e a compreender o fazer científico. Por meio de seu apoio e de sua postura exemplar e acessível, aprendi o que é fazer pesquisa com dedicação, inovação e comprometimento com a Educação, com leveza e confiança mútua. À Prof.ª Dr.ª Maria Glalcy, querida amiga e exemplo de profissional para mim desde a graduação, por me guiar na jornada da pós-graduação e realizar apontamentos cruciais na etapa de defesa desta tese. Agradeço-a por ser inspiração e luz em meus caminhos. À Prof.ª Dr.ª Maximina, meus eternos agradecimentos por contribuir demasiadamente com a leitura crítica deste estudo no SELin, nas etapas de qualificação e defesa, com direcionamentos imprescindíveis para o aprimoramento da escrita do trabalho, os quais me fizeram refletir e me ajudaram a tomar novos rumos na pesquisa. À Prof.ª Dr.ª Mônica, por ter me despertado a curiosidade pela investigação da relação entre o ensino de línguas e as tecnologias, em especial, nos encontros engendrados na Jornada sobre Ensino e Aprendizagem de Línguas em Ambientes Virtuais (JEALAV), realizados na FFLCH/USP, bem como pelas valiosas contribuições na defesa desta tese. À Prof.ª Dr.ª Sandra, pela rica participação na etapa de qualificação e pelos importantes ensinamentos, em especial, os construídos ao longo da disciplina de Metodologia de Pesquisa em Linguística Aplicada. À Prof.ª Dr.ª Vivian, um presente que ganhei no Doutorado, com quem pude dividir, construir e aprender tanto nas discussões realizadas em nosso Grupo de Pesquisa. Agradeço-a por estar sempre presente em minha vida e pela sua participação atenciosa e carinhosa na defesa deste trabalho. Aos demais colegas do Grupo de Pesquisa, Linguagem, Educação e Virtualidade (LEV), agradeço-os pelas contribuições riquíssimas e pela longa estrada que percorremos juntos, em especial, Gabriela, Felipe, Lívia, Marina, Mayara e Sara, pelos momentos de partilha de conhecimentos, apresentações nos eventos acadêmicos e construção de uma grande amizade. Ao meu amado esposo, Marcos, por todo o apoio dado a mim ao longo da trajetória acadêmica, com muito carinho e compreensão, sobretudo, sem nunca desacreditar do meu potencial, reabastecendo as minhas forças sempre que elas estavam prestes a se esgotar. Por, também, escrevermos o livro da vida com amor e lealdade há 17 anos e, juntos, realizarmos os nossos sonhos. E, claro, à nossa filhinha de quatro patas, Chloe, pelo amor incondicional e fiel companhia nos feriados, finais de semana e madrugadas afora, enquanto eu escrevia esta tese. Ao meu bem mais precioso, meu maior alicerce, meus pais, Kalil e Maria Eliana, os quais me acompanharam e me confortaram ao longo desse percurso tão árduo, sempre na retaguarda, dispostos a me acolherem e a me ouvirem, emanando boas energias e amor. Em especial, por me deixarem a maior herança que poderiam: o caminho da fé e da perseverança. Às minhas queridas irmãs: Vanessa e Aline, por me inspirarem tanto e serem exemplos de mulheres determinadas, das quais meu coração se enche de orgulho de ser conectado. E aos meus cunhados, Eric e Fernando, irmãozinhos que a vida me deu, por se colocarem sempre à disposição. Obrigada por entenderem, amorosamente, as minhas ausências nos momentos em família, já que tiveram que “me emprestar” para a pesquisa. À minha amada “irmãe”, Sandra (in memoriam), vítima da COVID-19, por todo amor, carinho e cuidado que me deu na infância e ao longo da vida e, principalmente, por ser uma referência de ser humano, caráter e personalidade no meu desenvolvimento. E aos seus filhos, meus queridos sobrinhos mais velhos, que cresceram comigo: Léo e Gabriel, dos quais eu me orgulho muito. Presenciar a capacidade de resiliência dos dois me tornou ainda mais forte. Ao Gustavo, meu sobrinho-filho, por ter me ensinado tanto desde pequeno e ser um menino tão carinhoso, maduro, empático e inteligente. Sou grata pela sua amável companhia e palavras sempre tão sábias e surpreendentes. Ao meu querido sobrinho, Rafa. Seus avanços diários, amor incondicional e afeto desmedido me motivam a acreditar que realmente estou no caminho certo na área da Educação. Sua existência reafirma um compromisso de resistência que sempre carregarei comigo, meu sublime anjo azul: lutar pelo acesso e manutenção dos direitos assegurados pelas políticas públicas educacionais inclusivas, já que numa sociedade capacitista é necessário ser anticapacitista. Por isso, sempre que eu puder, serei a sua voz. À minha amada sobrinha Nicole, minha princesinha, que tem, praticamente, a mesma idade que este trabalho por nascerem juntos. Obrigada por reavivar a criança que existe dentro de mim, proporcionando-me tantos sorrisos com seu olhar curioso, suas peripécias e as nossas brincadeirinhas que amamos fazer. À família do Marcos, que também é a minha, em especial, aos meus sogros, Marco e Rosângela, os quais são meus segundos pais, bem como à irmã postiça, Mariana, e aos seus familiares. Agradeço-os por compreenderem as minhas faltas nos almoços de domingo e sempre me acolherem com amor e carinho nesse período de dedicação à pós-graduação. À minha avó paterna Mildes, a quem tanto amo, e aos meus avós, paternos e maternos, Fares, Orlando e Maria Inês, bem como aos meus avós agregados, João, Hercília, Aniceto e Benedita, os quais hoje vivem em meu coração. Meus agradecimentos por terem me deixado um legado de vida marcado pelo amor, honestidade, fé e coragem. Às minhas queridas primas-irmãs, Karina, Carol e Camila, e as de coração, Juliana e Ana, por suavizarem, tantas vezes, a minha árdua caminhada até aqui, tornando os nossos encontros em momentos felizes e significativos, de partilha e amizade. Às queridas Elaine e Maressa, por serem bússolas em tantos momentos da minha jornada pessoal, profissional e acadêmica, além de amigas para todas as horas – dos cafés com aulas de espanhol às conversas mais profundas e genuínas. Aos demais amigos e familiares que estão sempre por perto, agradeço-os por me encorajarem e estarem ao meu lado durante a longa trajetória na pós-graduação, mesmo com tantos desencontros ocasionados pelo correr da vida. Aos profissionais da Diretoria de Ensino, em especial, ao Adriano, Daniela, Josinete, Juliano, Lucimeire e Lucimara, os quais tiveram participações significativas em meu percurso profissional e acadêmico, além de estarem sempre dispostos a me emprestarem um ombro amigo com palavras e gestos generosos, de acolhimento e motivação. Aos profissionais do Centro Universitário Sudoeste Paulista (UniFSP) que estiveram presentes nos momentos em que eu me formava uma doutora, especialmente, Brenda, Jordana e Marina, pela amizade e carinho construídos, e aos meus queridos alunos, por me ajudarem a resgatar, constantemente, os meus propósitos na Educação. A todos os profissionais que compõem a área educacional, os quais, mesmo em face da pandemia, encontraram forças descomunais para continuar pesquisando e promovendo situações de ensino-aprendizagem. Juntos fomos, somos e sempre seremos mais fortes! Por fim, à UNESP/FCLAr, campo de batalha, resistência e luta em combate à guerra contra o conhecimento e à produção científica enfrentada nos últimos anos em nosso país. Agradeço a todos os estudantes, funcionários e docentes por dividirem comigo a oportunidade única de vivenciar o impacto do poder de transformação social que uma universidade pública tem, isto é, de ocasionar incontáveis maneiras de afetar as formas de vida das pessoas, as quais, consequentemente, intervêm na sociedade em que vivemos, possibilitando torná-la mais justa, ética, inclusiva e democrática. Com orgulho, amor e gratidão, muito obrigada por me transformar numa “unespiana”, UNESP/FCLAr! Umas dúvidas, umas inquietações, uma certeza de que as coisas estão sempre se fazendo e se refazendo e, em lugar de inseguro, me sentia firme na compreensão que, em mim, crescia de que a gente não é, de que a gente está sendo (Freire, 1995, p. 79). RESUMO Com a disseminação da pandemia ocasionada pela COVID-19, doença causada pelo vírus SARS-CoV-2, instituições de diferentes esferas recorreram a caminhos alternativos na busca de viabilizar serviços essenciais. Na educação, a coalizão global (Unesco, 2020) descortinou a imprescindibilidade de se repensar a formação dos professores no Ensino Remoto Emergencial (ERE), em especial no âmbito deste trabalho, os de inglês. Desse modo, partindo da análise do contexto da Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação “Paulo Renato Costa Souza” (EFAPE), da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, e de estudos do campo de formação de professores de línguas estrangeiras e uso de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) (Leffa, 2016; Rozenfeld; Viana, 2019; Freire, 2021; Mayrink, 2021, entre outros), a presente pesquisa tem como objetivo elaborar, implementar e avaliar um modelo de curso on-line para Formação Continuada no Serviço de professores de inglês da rede pública de ensino estadual paulista, o qual denominamos de Cross-Design, baseando-se na literatura da área e resoluções vigentes, como a Base Nacional Comum para a Formação Continuada (Brasil, 2020). Para tanto, partimos de métodos, abordagens e visões de design de cursos no campo educacional (Freire, 2013; Kenski, 2019; Filatro, 2020), com foco no desenvolvimento de Competências Digitais (Lucas; Moreira, 2018; Unesco, 2018; CIEB, 2019). Assim, o lócus discursivo desta pesquisa, de base qualitativa, é a área da Linguística Aplicada, tendo como procedimentos metodológicos a pesquisa-ação (Thiollent, 2009; Burns, 2010), em uma perspectiva participativa (Kemmis; McTaggart, 2005), desenvolvida por meio dos instrumentos: questionários semiestruturados, entrevistas semiestruturadas, diário de campo e gravação em áudio e vídeo, com a técnica de grupo focal. A partir de nossas análises, elencamos diferentes elementos que impactaram na escolha das estratégias e recursos que compõem a proposição teórica elaborada pela formadora-pesquisadora, no contexto de uma Formação Continuada no Serviço. Os resultados obtidos na primeira macroetapa, denominada Pré-Design, revelam as características do perfil do público-alvo, demonstrando seu interesse de adesão ao curso. Também mapeamos os professores de inglês quanto à formação inicial, tempo de serviço, categoria de trabalho, expectativas e necessidades de apoio formativo, bem como suas percepções sobre o domínio das Competências Digitais. Após isso, consolidamos a primeira versão piloto do modelo Cross-Design e identificamos que as macroetapas Crossaction e Crossover nos permitem desvelar possíveis lacunas e potencialidades para alicerçar a elaboração de cursos em uma perspectiva ampliada, sobretudo, por meio de experiências formativas, colaborativas, críticas e reflexivas, com vistas às particularidades do contexto, do público-alvo e dos resultados analisados. Palavras-chave: Formação Continuada no Serviço; Língua Inglesa; Competências Digitais; Professores da rede pública; Ensino Remoto Emergencial. ABSTRACT With the spread of the COVID-19 pandemic (caused by the virus SARS-CoV-2), institutions from different spheres resorted to alternative paths in their search to make essential services viable. In education, the global coalition (Unesco, 2020) revealed the essential need to rethink the training of teachers in Emergency Remote Teaching (ERT), especially English teachers, in the scope of this work. Thus, based on the analysis of the context of the Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo “Paulo Renato Costa Souza” (EFAPE), of the Secretary of Education of the State of São Paulo and studies in the field of education foreign language teachers and use of Digital Information and Communication Technologies (DICT) (Leffa, 2016; Rozenfeld; Viana, 2019; Freire, 2021; Mayrink, 2021, among others), the present research aims to develop, implement and evaluate an online course model for Continuing In-Service Education for English teachers in the public school system, which we call Cross-Design, based on the literature in the area and current resolutions, such as Common National Base for Continuing Education (Brazil, 2020). To this end, we start with methods, approaches, and course design views in the educational field (Freire, 2013; Kenski, 2019; Filatro, 2020), with a focus on the development of Digital Competencies (Lucas; Moreira, 2018; Unesco, 2018; CIEB, 2019). Thus, the discursive locus of this qualitative-based research is the area of Applied Linguistics, with action research as methodological procedures (Thiollent, 2009; Burns, 2010), from a participatory perspective (Kemmis; McTaggart, 2005), developed through instruments: semi-structured questionnaires, semi-structured interviews, field diary, and recording in audio and video using the focus group technique. From our analyses, we listed different elements that impacted the choice of strategies and resources that make up the theoretical proposition prepared by the researcher-trainer in the context of Continuing In- Service Education. The results obtained in the first macro-stage, called Pre-Design, reveal the characteristics of the profile of the target audience, demonstrating their interest in joining the course. We also mapped English teachers in terms of their initial training, length of service, job category, expectations, and needs for training support, as well as their perceptions about mastering Digital Competencies. Thereafter, we consolidated the first simplified version of the Cross-Design model and identified that the Crossaction and Crossover macro-steps allow us to reveal possible gaps and potentialities to support the development of courses from a broader perspective, above all, through formative, collaborative, critical and reflective, with a view to the particularities of the context, the target audience and the results analyzed. Keywords: Continuing In-Service Education; English Language; Digital Competencies; Public school teachers; Emergency Remote Teaching. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Contextos de atuação e base teórica de pesquisa da formadora-pesquisadora ........ 31 Figura 2 – Competências dos estudantes e profissionais .......................................................... 58 Figura 3 – O looping formativo-reflexivo na formação docente .............................................. 79 Figura 4 – Síntese das áreas do DigCompEdu ......................................................................... 94 Figura 5 – Competências e suas ligações ................................................................................. 95 Figura 6 – Desenvolvimento progressivo de competências do DigCompEdu ......................... 97 Figura 7 – A estrutura do TPACK ............................................................................................ 98 Figura 8 – A estrutura do CPEP ............................................................................................... 98 Figura 9 – Evolução da função dos formadores da SEDUC-SP ............................................. 115 Figura 10 – Print das Plataformas Educacionais .................................................................... 118 Figura 11 – Print do site da EFAPE com a palavra-chave “inglês” ....................................... 122 Figura 12 – Print das informações do programa “Inglês para Todos” ................................... 123 Figura 13 – Print da estrutura do site oficial do programa “Prontos pro Mundo” ................. 124 Figura 14 – Print da estrutura do AVA da “Plataforma SPeak” ............................................ 125 Figura 15 – Print do Repositório do CMSP – ATPC disponíveis .......................................... 126 Figura 16 – Print da reorganização da interface do Repositório do CMSP ........................... 129 Figura 17 – Print da pauta formativa de Língua Inglesa – Multiplica SP #Professores ........ 130 Figura 18 – Print do design da pauta formativa ..................................................................... 131 Figura 19 – Construtos, significados e interconexões do DEC .............................................. 141 Figura 20 – Framework da parceria ....................................................................................... 147 Figura 21 – Metodologia PDAF ............................................................................................. 149 Figura 22 – Contextos que contribuíram para a emergência do Cross-Design ...................... 154 Figura 23 – Macroetapas do modelo Cross-Design e suas ações ........................................... 158 Figura 24 – Etapas para se realizar uma pesquisa-ação participativa ..................................... 164 Figura 25 – Passos e ciclos de uma pesquisa-ação ................................................................. 176 Figura 26 – Etapas do modelo Cross-Design na pesquisa-ação ............................................. 179 Figura 27 – Ações realizadas pela EFAPE para as ATPC em 2021 ....................................... 193 Figura 28 – Print 1 – mapeamento do perfil docente: tempo de experiência ......................... 201 Figura 29 – Print 2 – mapeamento do perfil docente: categoria de trabalho ......................... 202 Figura 30 – Print 3 – mapeamento do perfil docente: habilitação para lecionar outras disciplinas ............................................................................................................................... 203 Figura 31 – Print 4 – mapeamento da percepção sobre o domínio das Competências Digitais no Q1 ........................................................................................................................................... 204 Figura 32 – Print 5 – mapeamento da percepção sobre o domínio das Competências Digitais no Q2 ........................................................................................................................................... 205 Figura 33 – Macroetapa Cross-Design: modelo piloto .......................................................... 208 Figura 34 – Print do Material Didático: objetivos do curso ................................................... 210 Figura 35 – Print do Material Didático: estrutura do curso ................................................... 211 Figura 36 – Print do REPLI – Repositório para ensino de Língua Inglesa no Padlet ............ 213 Figura 37 – Print do Material Didático do curso .................................................................... 213 Figura 38 – Print do AVA do curso no Google Classroom ................................................... 214 Figura 39 – Print do primeiro encontro do curso – plataforma Flipgrid ................................ 215 Figura 40 – Escala de reflexão e Competências Digitais ....................................................... 228 Figura 41 – Print do Google Meet – interação com os participantes do curso ...................... 232 Figura 42 – Print – trabalho final do curso no Google Classroom ......................................... 232 Figura 43 – Modelo Cross-Design ampliado ......................................................................... 246 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Avaliação do 1º encontro: Flipgrid ...................................................................... 236 Gráfico 2 – Avaliação do 2º encontro: Lyrics Training ......................................................... 236 Gráfico 3 – Avaliação do 3º encontro: Quizlet ....................................................................... 237 Gráfico 4 – Avaliação do 4º encontro: Realidade Virtual ...................................................... 237 Gráfico 5 – Avaliação do 5º encontro: Canva ........................................................................ 238 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Dimensões do trabalho do professor ..................................................................... 44 Quadro 2 – Documentos referenciados na proposta enviada ao CNE, na BNC-F e na BNC-FC .................................................................................................................................... 50 Quadro 3 – Competências profissionais da BNC-FC ............................................................... 51 Quadro 4 – Dimensões do desenvolvimento de Competências Profissionais .......................... 52 Quadro 5 – Características da BNC-FC ................................................................................... 53 Quadro 6 – Publicações com o termo FC em Serviço nos últimos cinco anos ........................ 64 Quadro 7 – Motivos que desencadeiam interesse na realização de cursos de FC em Serviço . 68 Quadro 8 – Pontos de convergência entre a Resolução da BNC-FC e a literatura internacional ............................................................................................................................. 75 Quadro 9 – Tipos de reflexão ................................................................................................... 81 Quadro 10 – Situação das escolas no Brasil durante a pandemia da COVID-19 ..................... 89 Quadro 11 – Entrelaçamento dos descritores de Competências Digitais ................................. 96 Quadro 12 – Resoluções SE sobre formação docente (publicadas nos últimos 20 anos) (continua) ................................................................................................................................ 103 Quadro 12 – Resoluções SE sobre formação docente (publicadas nos últimos 20 anos) (continuação) .......................................................................................................................... 104 Quadro 13 – PEC plataforma e suas novas frentes de atuação ............................................... 116 Quadro 14 – O papel do formador .......................................................................................... 133 Quadro 15 – Etapas do Design Thinking ................................................................................ 143 Quadro 16 – Aplicação do Design Thinking em contextos educacionais ............................... 144 Quadro 17 – Detalhamento das ações de elaboração do curso ............................................... 159 Quadro 18 – Primeiros rascunhos do programa de curso ....................................................... 160 Quadro 19 – Estratégias metodológicas da pesquisa-ação ..................................................... 163 Quadro 20 – Descrição dos instrumentos de coleta de dados ................................................. 170 Quadro 21 – Relação entre os instrumentos e as etapas de análise ........................................ 171 Quadro 22 – Ciclo 1 da pesquisa-ação ................................................................................... 177 Quadro 23 – Ciclo 2 da pesquisa-ação ................................................................................... 178 Quadro 24 – Estrutura do curso: conteúdos, metodologias e recursos digitais (continua) ..... 182 Quadro 25 – Sistematização das ações formativas da EFAPE/SEDUC-SP destinadas aos professores de Língua Inglesa nos últimos dez anos .............................................................. 191 Quadro 26 – Dados contendo sugestões para o curso e sua correlação com a linha de progressão das Competências Digitais ...................................................................................................... 195 Quadro 27 – Preparação de aulas ........................................................................................... 229 Quadro 28 – Materiais didáticos ............................................................................................. 230 Quadro 29 – Utilização de TDIC ............................................................................................ 231 Quadro 30 – Autoavaliação dos professores-cursistas – potencialidades .............................. 239 Quadro 31 – Autoavaliação dos professores-cursistas – fragilidades .................................... 240 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ATP Assistente Técnico-Pedagógico ATPC Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem BNC-F Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica BNC-FC Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica BNCC Base Nacional Comum Curricular CEC Coordenador(a) de Equipe Curricular CEFR Common European Framework of Reference for Languages CIEB Centro de Inovação de Educação Básica CMSP Centro de Mídias de São Paulo CNE Conselho Nacional de Educação CONAE Conferência Nacional de Educação CP Conselho Pleno DC Diário de Campo DCN Diretrizes Curriculares Nacionais DEC Design Educacional Complexo DER Diretoria de Ensino Regional DI Design Instrucional DIC Design Instrucional Contextualizado DT Design Thinking EC Entrevista com os Cursistas EFAP Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores “Paulo Renato Costa Souza” EFAPE Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação “Paulo Renato Costa Souza” EA Etapa EP Entrevista com o PEC colaborador FC Formação Continuada GF Grupo Focal IA Inteligência Artificial ICT CFT Competency Framework for Teachers LA Linguística Aplicada LDB Lei de Diretrizes e Bases LEM Língua Estrangeira Moderna MEC Ministério da Cultura e da Educação NEM Novo Ensino Médio ODS Objetivo de Desenvolvimento Sustentável ONU Organização das Nações Unidas PCNP Professor(a) Coordenador(a) de Núcleo Pedagógico PCOP Professor(a) Coordenador(a) de Oficina Pedagógica PDAF Planejamento, dinâmicas de ensino-aprendizagem, avaliação da aprendizagem e feedback PEC Professor(a) Especialista em Currículo PNE Plano Nacional da Educação Q1 Questionário 1 Q2 Questionário 2 Q3 Questionário 3 SE Secretaria da Educação SEDUC-SP Secretaria da Educação do Estado de São Paulo TDIC Tecnologia Digital da Informação e Comunicação TIC Tecnologia da Informação e Comunicação UNESCO United Nations Educational Scientific and Cultural Organization SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 21 1.1 Inquietações da formadora-pesquisadora no percurso formativo .......................... 23 1.2 Justificativa e relevância do estudo ....................................................................... 27 1.3 Objetivos e questões de pesquisa ........................................................................... 32 1.4 Organização da tese ............................................................................................... 33 2 DISCUSSÕES E PROPOSIÇÕES TEÓRICAS ............................................... 34 2.1 Novas políticas públicas e seus impactos na formação docente: cenários pré e pós- pandêmico .............................................................................................................. 35 2.1.1 Base Nacional Comum Curricular: relações com o ensino de inglês .................... 38 2.1.2 Base Nacional Comum para a Formação Continuada: área de Linguagens .......... 48 2.2 Reflexões contemporâneas sobre a formação continuada de professores ............. 59 2.2.1 Problematizando e refletindo sobre o conceito de Formação Continuada em Serviço ................................................................................................................... 60 2.2.2 Formação Continuada no Serviço: impactos no papel docente ............................. 70 2.2.3 Formação continuada de professores de línguas estrangeiras em uma perspectiva crítico-reflexiva ...................................................................................................... 77 2.2.4 Formação na era da Cultura Digital: os documentos da Unesco, do CIEB e o Quadro Europeu de Competência Digital para Educadores: DigCompEdu ....................... 87 2.3 Formação docente no contexto da SEDUC-SP ................................................... 100 2.3.1 Documentos legais acerca da formação docente continuada na SEDUC-SP ...... 102 2.4 Elementos que alicerçam a elaboração de cursos e formações ............................ 132 2.4.1 Visões de design no campo educacional: Design Instrucional, Design Instrucional Contextualizado, Design Educacional Complexo e Design Thinking ................. 135 2.4.2 A abordagem de Coaching Instrucional e o Método PDAF ................................ 145 2.5 O modelo Cross-Design ...................................................................................... 150 3 PERCURSO METODOLÓGICO .................................................................... 162 3.1 Natureza e tipo de pesquisa ................................................................................. 162 3.2 Caracterização do contexto de pesquisa e dos participantes ............................... 165 3.3 Coleta e análise de dados: instrumentos .............................................................. 168 3.3.1 Questionários semiestruturados ........................................................................... 172 3.3.2 Entrevistas semiestruturadas ................................................................................ 173 3.3.3 Diário de Campo .................................................................................................. 174 3.3.4 Gravação da aula em áudio e vídeo: a sessão de Grupo Focal ............................ 175 3.4 Coleta e análise de dados: procedimentos ........................................................... 176 4 REFLEXÕES E DISCUSSÕES SOBRE OS DADOS .................................... 186 4.1 Reflexões iniciais sobre a emergência do modelo Cross-Design ........................ 187 4.1.1 Pré-design: identificação de lacunas e contribuições precedentes à construção do Cross-Design ....................................................................................................... 190 4.1.2 Pré-design: perfil dos participantes e dos contextos circundantes ....................... 199 4.2 Cross-Design: construção dos fundamentos do modelo piloto ........................... 206 4.3 Crossaction: reflexões para, durante e sobre a formação .................................... 212 4.4 Crossover: a avaliação do modelo piloto do curso e a emergência do Cross-Design ampliado .............................................................................................................. 233 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 249 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 259 REFERÊNCIAS LEGAIS ................................................................................ 270 APÊNDICE A – Questionário 1 ....................................................................... 272 APÊNDICE B – Questionário 2 ....................................................................... 273 APÊNDICE C – Questionário 3 ....................................................................... 274 APÊNDICE D – Diário de Campo ................................................................... 275 APÊNDICE E – Entrevista com o PEC colaborador ..................................... 276 APÊNDICE F – Entrevista com os participantes (professores-cursistas) .... 277 APÊNDICE G – Sessão de Grupo Focal ......................................................... 278 21 1 INTRODUÇÃO Com a disseminação da pandemia da COVID-19, doença causada pelo vírus SARS- CoV-2, nos anos de 2020 e 2021, houve uma busca exponencial por alternativas de ensino, a fim de oportunizar a continuidade dos processos educativos nas escolas. Em decorrência disso, a conjuntura que se instaurou no contexto escolar pós-pandêmico modificou o modus operandi de diferentes profissionais e esferas educacionais, devido à necessidade de adaptação e flexibilização de serviços nos âmbitos sociocultural e político-econômico. Considerando que a Educação é um direito humano e universal, vivenciamos, também, várias iniciativas governamentais criadas para lidar com as limitações impostas, partindo das premissas exigidas pela Coalizão Global da Educação1, lançada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (doravante Unesco) em março de 2020, a qual se baseou na obrigação de os países realizarem esforços intersetoriais e criarem condições necessárias para viabilizar e facilitar a aprendizagem. De acordo com tal iniciativa, foi necessário garantir a proteção do direito à educação durante o contexto pandêmico e proporcionar, emergencialmente, serviços essenciais em escala mundial, sobretudo, aqueles ofertados pelos setores educacionais, em torno de três eixos: conectividade, professores e gênero, representando a materialização dos deveres dos Estados – cumprir, respeitar e proteger, diante dessa ruptura sem precedentes. Essa seara também impactou significativamente em alterações nos modelos educacionais tradicionais, bem como no percurso formativo docente, pois a emergência de novas alternativas metodológicas ocasionou, necessariamente, um movimento de desconstrução de paradigmas preexistentes no estigma da relação professor-tecnologia, concebida como dicotômica durante as últimas décadas. Diante disso, o distanciamento secular entre o fazer docente e a adequação às novas formas de ensinar por intermédio de aparelhamento tecnológico foi descortinado e provocou a oferta massificada de formações on-line ao longo da pandemia, em especial, a partir da tomada de consciência coletiva sobre a carência do desenvolvimento de Competências Digitais nas 1 Coalizão Global da Educação (Unesco, 2020). Disponível em: https://pt.unesco.org/news/covid-19-como- coalizao-global-educacao-da-unesco-esta-lidando-com-maior-interrupcao-da. Acesso em: 20 fev. 2022. https://pt.unesco.org/news/covid-19-como-coalizao-global-educacao-da-unesco-esta-lidando-com-maior-interrupcao-da https://pt.unesco.org/news/covid-19-como-coalizao-global-educacao-da-unesco-esta-lidando-com-maior-interrupcao-da 22 grades curriculares das licenciaturas plenas e programas de Formação Continuada (doravante FC) em Serviço2 espalhados pelo país, em especial, no Estado de São Paulo. Contudo, ressaltamos que a resistência para aderir ao uso de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (doravante TDIC) nos contextos educacionais é oriunda de fatores humanos e técnicos, os quais vão além da responsabilização pela não utilização, da visão e aceitação dos professores (Kairallah, 2020), como: a ausência de investimento e políticas públicas efetivas, o despreparo profissional, a falta de infraestrutura escolar, o inexpressivo número de equipamentos tecnológicos e recursos educacionais digitais e/ou a não apropriação do uso de metodologias diversificadas de ensino. Como implicação desse cenário, este estudo emerge do dilúvio de (in)formações vivenciado ao longo desse período sui generis, “reforçado pela legitimada área de Linguística Aplicada (doravante LA), rumo ao reconhecimento efetivo do direito da LA em se constituir numa área própria, se não independente de outras áreas […]”, considerando que a singularidade é uma de suas partes constitutivas. Dessa alteridade reconhece-se a sua própria identidade, uma vez que é “marcada por particularidades associadas a outras particularidades de diferentes áreas do conhecimento” (Jordão, 2016, p. 12). Tendo em vista essas convergências, optamos pela pesquisa-ação (Thiollent, 2009; Burns, 2010) participativa (Kemmis; McTaggart, 2005) e de natureza qualitativa (Yin, 2016) como método de investigação. Partimos dos documentos que prescrevem as diretrizes nacionais para o trabalho docente no processo de ensino/aprendizagem, como a Base Nacional Comum Curricular (doravante BNCC) (Brasil, 2017), e determinam, legalmente, como o desenvolvimento profissional dos professores deve ocorrer, tal qual a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (doravante BNC-FC) (Brasil, 2020). Ademais, discutimos os impactos de ambos na formação docente em uma perspectiva de Formação Continuada em Serviço por meio de estudos realizados na grande área da Educação (Lourenço, 2014; Rodriguez; Silva, 2015; Cardoso, 2018; Gomes, 2020), bem como no campo da LA (Bastos, 2023; Barros, 2022; Bach; Matias, 2021; Ribeiro, 2021; Martins, 2019; Sampaio, 2018; Batista; Pesce, 2018). Propomo-nos, também, a partir da literatura das grandes áreas da Linguística e da Educação, a elaborar, implementar e avaliar um modelo de curso para professores de inglês da 2 O termo Formação Continuada em Serviço será discutido mais amiúde na Subseção 2.2.1. Vale ressaltar que o conceito é concebido de várias formas na literatura, por diferentes autores. Neste trabalho, adotaremos a concepção de que após a formação inicial docente, é possível haver uma formação que, além de um caráter contínuo, atenda às exigências presentes nos sistemas educacionais e contextos de atuação desses professores em serviço, os quais estão vinculados, mais precisamente, à SEDUC-SP. 23 rede pública estadual de ensino, o qual denominamos de Cross-Design e consideramos como um produto de uma formação continuada neste trabalho, baseando-nos nos princípios da teoria do Design Educacional Complexo (Freire, 2013), do Design Instrucional à luz de Kenski (2019), do Design Instrucional Contextualizado (Filatro, 2020), Design Thinking de acordo com Filatro e Cavalcanti (2018), do método PDAF3 (Gianesi; Massi; Mallet, 2020), da abordagem de Coaching Instrucional (Cunha, 2016) e com foco no desenvolvimento de Competências Digitais (Lucas; Moreira, 2018; Unesco, 2018; CIEB, 2019). Para tanto, analisamos a estrutura dos modelos vigentes dos cursos e dos programas de desenvolvimento profissional já ofertados pela Escola de Formação dos Profissionais da Educação “Paulo Renato Costa Souza” (doravante EFAPE), da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (doravante SEDUC-SP), a fim de averiguar as formações oferecidas, para, então, elaborar outros percursos formativos, baseando-nos nas necessidades advindas especificamente do contexto de atuação do professorado, sobretudo, no Ensino Remoto Emergencial (doravante ERE) (Hodges et al., 2020) e, posteriormente, na transição ocorrida para o Ensino Híbrido (Horn; Staker, 2015). Diante das questões ressaltadas, na subseção a seguir, descreveremos o percurso formativo – inicial, continuado e no serviço4 – da formadora-pesquisadora, evidenciando os motivos pelos quais a pesquisa realizada no mestrado e sua atuação profissional despertaram novas inquietações geradoras deste trabalho de doutorado. 1.1 Inquietações da formadora-pesquisadora no percurso formativo Como professora de Língua Portuguesa e Língua Inglesa, o estudo de línguas sempre esteve presente em meu percurso formativo, desde a famigerada trajetória nas escolas de idiomas como estudante, o dia a dia nas salas de aulas de escolas públicas e privadas como professora, o desafiador cargo de gestão como formadora de professores, até o momento, concomitantemente com a elaboração da tese de Doutorado, como pesquisadora na linha de ensino/aprendizagem de língua. 3 Segundo os autores, a sigla PDAF, sobre a qual discutiremos na Subseção 2.4.2, sumariza as seguintes etapas de um curso: planejamento, dinâmicas de ensino-aprendizagem, avaliação e feedback. 4 Os três momentos descritos como parte do percurso formativo da formadora-pesquisadora, isto é, inicial, continuado e no serviço, remetem às etapas de graduação, pós-graduação e da realização de cursos específicos para atuação no contexto profissional da Secretaria Estadual da Educação, ofertados para atender às demandas e a performance requeridas pelo órgão, além de subsidiar o fazer docente dos profissionais de acordo com a implementação das políticas públicas educacionais. 24 Desse modo, apoiando-me no que o sociólogo, filósofo e pesquisador da Ciência da informação e da comunicação, Pierre Lévy (1999), postulou na virada do milênio, algumas questões emergiram da práxis: será que assim como vivemos um dilúvio informacional em rede na reconstrução dos relacionamentos interpessoais na cibercultura, estaríamos vivenciando agora – nos cenários pandêmico e pós-pandêmico – um dilúvio (in)formacional na formação continuada de professores? Isto é, até que ponto a existência substancial de formações provenientes da lei da oferta e demanda são, de fato, de qualidade e efetivas na prática ou não passam de proposições legalmente protocolares? De causas a efeitos, tais questionamentos surgiram em decorrência da realização e dos dados obtidos no mestrado, no qual pude constatar que os professores de inglês já consideravam o uso das TDIC algo muito importante e com capacidade de potencializar o ensino e a aprendizagem da Língua Estrangeira Moderna (doravante LEM) – Inglês. Muitos não utilizavam aparelhamento tecnológico, quiçá softwares educacionais, não apenas por falta de conhecimento ou Competências Digitais, mas por fatores mais complexos, envolvendo elementos humanos e técnicos, embora alguns dos participantes os tenham atribuído à insegurança pessoal e dificuldades de uso, decorrente de lacunas formativas nos espaços acadêmicos (Kairallah, 2020). Ademais, também foi possível constatar que, apesar de haver inúmeras ofertas de formações continuadas por parte de instituições públicas como a SEDUC-SP, a qual disponibiliza cursos on-line pela EFAPE, a adesão aos cursos ou a implementação das teorias aprendidas e contidas no planejamento de aulas dos professores de inglês, isto é, os participantes desta pesquisa, nem sempre eram bem-sucedidas, pois embora os percursos formativos fossem muito bem-preparados, na maioria das vezes, não apresentavam coerência entre os conteúdos que se ensinava e o que se esperava que o profissional fizesse em sala de aula, desconsiderando a homologia de processos5 (Schön, 2007). No ambiente escolar, por exemplo, é preponderante frisar que o corpo gestor tem muita influência sobre a tomada de decisões dos professores, uma vez que ao fazer escolhas e planejar as ações pedagógicas formativas dos docentes, acaba direcionando quais caminhos eles 5 Schön (2007) assevera que o docente terá experiências diferentes como aluno e como profissional, não apenas no curso de formação, mas durante todo o seu percurso formativo. Assim, a homologia de processos é crucial, pois se trata de um princípio para a formação, cuja aplicação não é direta, mas ocorre por meio de estratégias análogas as que utilizará na sala de aula. Tais experiências serão, portanto, homólogas, imprescindíveis e constitutivas do papel que exercerá futuramente como profissional. As contribuições do autor serão apresentadas mais amiúde na Seção 2.1. 25 devem tomar para ensinar, aprender, dialogar, conviver e resolver problemas e conflitos na escola. Contudo, ao adotarem outra perspectiva, […] os gestores espelham os princípios e metodologias do modelo pedagógico por meio da homologia de processos, ou seja, o saber aprendido é ensinado, atuando com os professores do mesmo modo que esperam que estes atuem com os estudantes (Leite; Mônaco; Santos, 2018, p. 40). Inferimos que, caso não haja a homologia de processos, esse hiato poderá se expandir devido aos conteúdos imbuídos nos desenhos dos cursos, bem como à ausência de experiências modelizadas e reflexivas nessas formações, as quais dificultam a replicabilidade, na prática com os estudantes, uma vez que os docentes não vivem o papel do aluno para ressignificar o papel do professor. Dessa maneira, é mister salientar que, mais recentemente, as minhas experiências no caminho da pós-graduação culminaram numa inquietação comum à área de LA, devido ao seu viés contemporâneo (Moita Lopes, 2006) e transgressivo (Pennycook, 2006). Assim, formar formadores e professores suscitou reflexões sobre a efetividade das formações ofertadas copiosamente por órgãos públicos, de modo on-line, o que acabou gerando algumas hipóteses investigativas para a pesquisa. À luz de Pennycook (2006, p. 82), isso ocorre na LA, pois a teoria de caráter transgressivo “assinala a intenção de transgredir, política e teoricamente, os limites do pensamento e da ação tradicionais, não somente entrando em território proibido, mas tentando pensar o que não deveria ser pensado, fazer o que não deveria ser feito”. Consequentemente, tais questões transcendem as barreiras do campo tradicional e as áreas de conhecimento estipuladas categoricamente, uma vez que acabam integrando discussões inter, multi e transdisciplinares, advindas do campo das Ciências Sociais. Nas palavras de Moita Lopes (2006, p. 44), “para quem faz pesquisa aplicada, produzir conhecimento que seja responsivo à vida social é um dos desafios principais”. Além disso, o objeto de estudo da LA não pode se isentar das discussões das humanidades, posto que: […] parece ainda mais pertinente quando muitas das questões mais interessantes sobre a linguagem são levantadas por pesquisadores fora do campo de estudos específicos da linguagem. Se quisermos saber sobre linguagem e vida social nos dias de hoje, é preciso sair do campo da linguagem propriamente dito: ler sociologia, geografia, história, antropologia, psicologia cultural e social etc. (Moita Lopes, 2006, p. 96). Diante do que os autores postulam, é pertinente afirmar que realizar pesquisas na área de LA, em especial, na linha de ensino/aprendizagem de língua, revelará as divergências observadas entre a teoria e a prática, suscitando questões de cunho político-educacional 26 vivenciadas por mim no papel de formadora-pesquisadora. Particularmente, interessa-nos as que tangem à formação continuada de professores de inglês, porquanto se destacam no contexto de atuação profissional, considerando questões em aberto, remanescentes do estudo realizado anteriormente na dissertação de mestrado. Vale ressaltar que as inquietações e reflexões realizadas também têm como fundamentação as experiências profissionais vivenciadas ao longo de seis anos, justificando a adoção do termo formadora-pesquisadora, pois, na função de Professora Especialista em Currículo (doravante PEC), antes denominada de Professora Coordenadora de Núcleo Pedagógico (PCNP), em uma Diretoria de Ensino Regional, pude sentir os impactos da implementação das políticas públicas de formação, oriundas dos últimos três Governadores e Secretários da Educação, os quais possuíam diferentes perfis de gestão na liderança da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Assim, evidencia-se que transitar entre diversas áreas do conhecimento como PEC, estudar as políticas públicas já implementadas, ponderar sobre os caminhos de formação e formar professores em serviço têm culminado nos principais motivos que dão suporte empírico ao fazer científico nesta tese. No entanto, sem transparecer uma postura surpreendida, assim como se configura a área de LA, a previsibilidade das ações e a fragmentação dos saberes não são movimentos esperados pelo público pesquisador. Com relação ao contexto, de acordo com Jordão (2016), é possível compreender a construção do campo da LA reconhecendo sua alteridade, isto é, com a compreensão do que é singular e semelhante. Segundo a autora, “[…] o contato com outras áreas é uma oportunidade de reconhecer-se nelas”, o que não anula a própria identidade, pelo contrário, “significa performar a identidade cotidianamente na LA” (Jordão, 2016, p. 13). Desse modo, partindo da análise dos modelos de formação existentes na SEDUC- SP, esta pesquisa tem como princípio a necessidade de ser reconhecida como fruto de um contexto específico e de um momento singular de investigação: a pandemia da COVID-19. Destacamos, ainda, que performamos sua identidade cotidianamente, pois seus desdobramentos não se limitam a esse cenário, uma vez que seu nascimento tem origem anterior a tal acontecimento, exigindo sua remodelação para atender ao contexto, bem como sua realização não se finda durante a pandemia, mas a posteriori. Não obstante, evocamos que as “inovações nas práticas educativas são fundamentais devido à transformação contínua da sociedade” (Kairallah, 2018, p. 5), acarretando, por conseguinte, a exigência de aprimoramento profissional após a formação inicial dos docentes que atuaram nesta conjuntura. Por isso, consideramos coerente a criação de um design de formação para performar no contexto específico deste estudo, posto que “novos 27 tempos exigem novas formas de teorizar” (Moita Lopes, 2006), com foco na especificidade do público-alvo e nas demandas do sistema educacional de ensino, mais precisamente, para os professores de inglês dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, da rede pública do Estado de São Paulo. Portanto, assim como Clarice Lispector (1964) em sua obra “Paixão segundo G. H.”, reforçamos sua nota a possíveis leitores, recomendando que essa tese seja lida por pessoas de almas formadas [e em contínua formação], isto é, para aquelas que ainda vão descobrir “que a aproximação, do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente – atravessando inclusive o oposto daquilo que se vai aproximar” (Lispector, 1964, p. 7). Tendo em vista o percurso explicitado e as motivações que acarretaram esta investigação, expomos, a seguir, a justificativa e a relevância deste estudo. 1.2 Justificativa e relevância do estudo A disseminação da pandemia do coronavírus nos levou a descortinar e a reconhecer uma série de fragilidades existentes em várias esferas organizacionais em nosso país, incluindo, o setor da Educação, por meio de questões sociais, políticas, culturais e econômicas. Desse modo, a responsabilidade de agirmos emergencialmente tornou-se evidente, assim como pontua Freire (1996, p. 54), “como presença consciente no mundo” não podemos escapar da nossa responsabilidade ética ao nos movermos no mundo. Com o advento da digitalização da sociedade nos contextos pré-pandêmico, pandêmico e pós-pandêmico, de acordo com a Coalizão Global da Educação (Unesco, 2020), houve a emergência da necessidade de reinventar a educação urgentemente, a fim de ajudar no enfrentamento de desafios comuns, vivenciados pelos corpos gestor, docente e discente. Somando-se a isso, destacamos as transformações ocorridas nos papéis dos professores, principalmente, por conta da mobilização hercúlea e secular pela renovação das metodologias de ensino, em busca de agregar novos recursos e estratégias educacionais às tradicionais aulas presenciais, por meio de incontáveis meios e tentativas de formação docente, tais como cursos on-line, lives, palestras, fóruns, entre outros, colocando em xeque essa necessidade. Nesse sentido, esse trabalho se justifica, sobretudo, devido às lacunas presentes no contexto político- educacional supracitado, em especial, no que tange aos desenhos dos cursos de FC em Serviço para professores de inglês da rede pública paulista. Partimos do pressuposto de que a Educação é um direito de todos por ser um bem público, insubstituível e inegociável, protegido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação 28 (doravante LDB), n.º 9.394 (Brasil, 1996), pelas metas contidas Plano Nacional da Educação (PNE), em vigência no decênio 2024–2034 (Conae, 2024), e pelos pareceres e resoluções dos Conselhos Estaduais, direitos assegurados na Constituição Federal do Brasil de 1988. Ressaltamos que tais documentos legais impactaram no desenvolvimento de ações executadas pelo Ministério da Cultura e da Educação (MEC) e pelas Secretarias Estaduais de Educação do Brasil, as quais foram constantemente discutidas pela comunidade acadêmica ao longo da pandemia, pois a reconfiguração e viabilização do processo ensino/aprendizagem, ainda que emergencial, dependeu majoritariamente da elaboração e fortalecimento das políticas públicas. Com isso, essas iniciativas objetivaram redesenhar a função da escola e subsidiar seus atores sociais, amparando-os com aparelhos tecnológicos, recursos digitais e adequação de infraestrutura, bem como possibilitaram a realização de formações continuadas remotamente. Para atender à rede pública de educação básica paulista, por exemplo, houve a fundação do Centro de Mídias do Estado de São Paulo (doravante CMSP), que viabilizou, gratuitamente, o acesso às aulas via internet e canais abertos de televisão, tais como a TV Cultura Educação e a TV Univesp. Além disso, houve a criação do Programa Computador do Professor, que custeou equipamentos computacionais com valores de até dois mil reais por docente, e a distribuição de chips com dados de internet para navegação em aplicativos educacionais, disponíveis para educadores e educandos durante e após a pandemia. Apesar dos esforços instituídos no âmbito educacional para minimizar tais desafios, para uma grande parte dos professores e estudantes houve maior dificuldade de atuação no modelo de ERE adotado em todo o país, especialmente, por conta da ausência de acesso à internet e à falta de dispositivos tecnológicos, como celular, tablet, notebook e/ou computador. Ademais, Hodges et al. (2020) contrastam as diferenças entre a educação remota e as experiências que são projetadas para acontecerem on-line desde o princípio, sendo o ERE: […] uma mudança temporária de design instrucional para um modelo alternativo, devido às crises circunstanciais. Ele envolve o uso de soluções de ensino totalmente remotas para instrução ou educação que, de outra forma, seriam entregues presencialmente, como em cursos combinados ou híbridos (Hodges et al., 2020, n. p., tradução nossa6). Os desafios não foram menores na transição para o Ensino Híbrido, uma vez que novos esforços formativos e questões infraestruturais impactaram na qualidade desse processo. 6 Traduzido do original: […] a temporary shift of instructional delivery to an alternate delivery mode due to crisis circumstances. It involves the use of fully remote teaching solutions for instruction or education that would otherwise be delivered face-to-face or as blended or hybrid courses (Hodges et al., 2020, n. p.). 29 Horn e Staker (2015, p. 34) o definem como um “programa formal” em que os alunos aprendem parte do conteúdo de modo on-line, com mais autonomia sobre o seu ritmo de aprendizagem. Contudo, tais problemáticas têm raízes mais profundas. Os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)7, evidenciaram que, no Brasil, cerca de 4,1 milhões de alunos oriundos de escolas da rede pública de ensino não tinham acesso à internet, em 2019, escancarando as desigualdades econômicas que existiam antes mesmo da pandemia, a qual tornou esses números ainda maiores, indo na contramão do que Tori (2010) assevera, isto é, a importância de quebrar barreiras para reduzir as distâncias por meio de tecnologias interativas, especialmente, as ocasionadas nesse tempo de exceção. Destarte, a fim de correlacionar teoria e empiria, consideramos relevante dar destaque ao contexto de trabalho da formadora-pesquisadora, sendo o Núcleo Pedagógico de uma Diretoria de Ensino Regional (doravante DER), o qual fundamenta as experiências vividas no órgão da SEDUC-SP, bem como na EFAPE, e fomentou o aparecimento de algumas inquietações para a realização da tese. Em decorrência do viés profissional da formadora-pesquisadora, compartilhamos das proposições de Rozenfeld e Viana (2019, p. 12), sobre as quais defendem que “os aspectos institucionais e didático-metodológicos envolvem, na contemporaneidade, uma reflexão mais cuidadosa sobre a modalidade de ensino e as mídias a serem utilizadas” por parte dos professores. Assim, julgamos necessário discutir e refletir sobre as maneiras de viabilizar, em larga escala, cursos on-line e formações continuadas remotas, em especial, aos professores de inglês do Ensino Fundamental – Anos Finais e do Ensino Médio, bem como a respeito de suas contribuições para o desenvolvimento de Competências Digitais. No tocante a isso, a fim de subsidiar os docentes por meio de capacitações que os possibilitem vivenciar experiências semelhantes às que se esperam que aconteçam em sala, destacamos a importância de conceituarmos, epistemologicamente, o termo FC em Serviço. No entanto, embora alguns autores provoquem a dicotomização dos termos “continuada” e “em serviço”, como, por exemplo, o artigo publicado por Casadei Salles (2004), já citado 39 vezes em outras pesquisas segundo o Google Scholar, buscamos nos alinhar a uma perspectiva que desmistifica os conceitos como caminhos binários, na diligência de evitar o fortalecimento da ideia de uma supremacia da prática sobre a teoria e/ou vice-versa. 7 Agência de Notícias do IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012- agencia-de-noticias/noticias/30522-internet-chega-a-88-1-dos-estudantes-mas-4-1-milhoes-da-rede-publica- nao-tinham-acesso-em-2019. Acesso em: 3 mar. 2024 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/30522-internet-chega-a-88-1-dos-estudantes-mas-4-1-milhoes-da-rede-publica-nao-tinham-acesso-em-2019 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/30522-internet-chega-a-88-1-dos-estudantes-mas-4-1-milhoes-da-rede-publica-nao-tinham-acesso-em-2019 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/30522-internet-chega-a-88-1-dos-estudantes-mas-4-1-milhoes-da-rede-publica-nao-tinham-acesso-em-2019 30 Nessa direção, partimos do pressuposto de que o percurso formativo de professores de inglês, no âmbito da SEDUC-SP, pode ser denominado como um processo de FC em Serviço, a ser discutido mais amiúde na Subseção 2.2.1 desta pesquisa, já que identificamos algumas limitações de compreensão conceitual e teórica sobre o seu entendimento. Adiantamos que a escolha para designar tal conceito de formação tem, por finalidade, subsidiar e atender às exigências de atuação docente em um sistema educacional específico, o que coaduna com nossa proposta de construção de design de curso, já que se trata de uma ação endereçada ao momento pandêmico, de maneira responsiva ao contexto da rede pública de ensino estadual paulista. Destacamos, também, que nas bases de repositórios e periódicos como, por exemplo, o Portal CAPES8, SciELO9 e o Google Acadêmico10, não há um número expressivo de trabalhos na área de LA que relacionam e abordam os assuntos de “design de cursos e/ou formações”, “Formação Continuada em Serviço”, “Tecnologias Digitais da Comunicação e Informação (TDIC)” e “professores de inglês” como palavras-chave dos mesmos estudos. Contudo, o que mais se aproxima do objeto de pesquisa deste trabalho é a tese de Cunha (2014), na qual o autor investiga a abordagem de Coaching Instrucional no ensino de Língua Inglesa e a caracteriza como uma proposta de FC em Serviço, mas sob uma perspectiva fundamentada nas teorias a respeito do papel de coach na Educação, à guisa de explicação e/ou definições. Por outro lado, quando se trata da palavra-chave “Formação Continuada em Serviço”, nas grandes áreas de Educação, como Políticas Públicas, Gestão Educacional e Formação de Professores, é possível encontrar inúmeros documentos legais, artigos, dissertações, teses e livros publicados nos últimos 30 anos que apresentam e/ou exploram o termo – ora com uma acepção muito próxima da qual propomos neste trabalho, ora sem definir um significado para o conceito, tratando-o, por vezes, como sinônimo de “Formação Continuada” e “Formação em Serviço”, descortinando desacordos e lacunas na postulação conceitual do termo observado, pelos menos, nas últimas três décadas. Quanto ao campo da LA, consideramos relevante explorar trabalhos de diferentes gêneros acadêmicos, priorizando aqueles publicados entre 2018 e 2023 (Bastos, 2023; Barros, 2022; Bach; Matias, 2021; Unesco, 2021; Andrade; Kersch, 2021; Ribeiro, 2021; Bazarim; Reinaldo, 2020; Costa, 2019; Martins, 2019; Sampaio, 2018; Batista; Pesce, 2018). Partindo do pensamento freiriano, de que “ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, 8 Portal CAPES. Disponível em: http://www.periodicos.capes.gov.br/. Acesso em: 05 jan. 2023. 9 SciELO. Disponível em: https://www.scielo.br/. Acesso em: 05 jan. 2023. 10 Google Acadêmico. Disponível em: https://scholar.google.com.br/?hl=pt. Acesso em: 05 jan. 2023. http://www.periodicos.capes.gov.br/ https://www.scielo.br/ https://scholar.google.com.br/?hl=pt 31 permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática” (Freire, 1991, p. 58, grifos nossos), destacamos a importância de se compreender mais claramente a atribuição do conceito de FC em Serviço, em especial, ao que propomos nos espaços de formação da rede pública estadual paulista, delineando-o com base na literatura e resoluções vigentes como uma contribuição de nossa investigação. Assim, com o intuito de sistematizar os eixos que influenciaram este estudo, organizamos na Figura 1 as duas vias de acesso aos contextos de formação da formadora- pesquisadora: a base teórica da pesquisa e o meio de atuação. Ao visualizarmos os entrelaçamentos profissionais e acadêmicos, ficam evidentes os seguintes fenômenos: a) a emergência de novas políticas públicas educacionais no Brasil, em especial, as que afetam a educação básica do Estado de São Paulo, criadas em diferentes momentos – pré, durante e pós- pandêmicos – para atender à FC em Serviço; b) a base teórica que fundamenta este trabalho, dando sustentação às reflexões engendradas nesta tese, bem como à criação de um novo modelo de curso; e c) o lócus investigativo, por meio do qual todas as discussões e resultados se fundamentam, desde as investigações até os impactos elucidados pela pesquisa. Figura 1 – Contextos de atuação e base teórica de pesquisa da formadora-pesquisadora Fonte: Elaborada pela autora. 32 Vale salientar que o contexto de atuação e a base teórica da pesquisa compõem o “DNA” do modelo de curso de FC em Serviço que propomos e denominamos de Cross-Design, pois se encontram e dialogam entre si por meio do entrelaçamento de todos os contextos apresentados, os quais se imbricam e convergem na emergência deste trabalho. Ademais, esse amálgama dos espaços percorridos pela formadora-pesquisadora se configura como o lócus discursivo desta pesquisa, o qual é a LA. Assim sendo, ao reconhecermos a relevância desse contexto de atuação da PEC, para a proposição de uma formação docente, refletimos sobre algumas perguntas, como: “o que, para quem, de que forma, onde e por que” esse processo acontece, especialmente, nos moldes de uma Formação Continuada em Serviço, influenciando, fortemente, a compreensão da utilidade e a tomada de decisão de os professores aderirem ou não aos programas de desenvolvimento profissional. Moita Lopes (2006) sustenta que as reflexões a respeito da noção de ética refletem os “bons ventos” da LA contemporânea e esta pesquisa se apoia no caráter reflexivo e contestatório de que trata o autor, contribuindo para uma realização responsável de estudos que não prejudiquem o contexto do fazer científico e protejam os participantes. Assim, ressaltamos que os procedimentos desta pesquisa foram aprovados pelo Comitê de Ética da UNESP/FCLAr, que analisou o projeto de número 39299220.3.0000.5400, o qual foi aprovado por esse comitê pelo parecer final de número 4.517.702, validando as propostas e os instrumentos de investigação elaborados. Após expor as diferentes dimensões de nossas justificativas, na próxima subseção, apresentamos os objetivos e as questões de pesquisa que direcionam a investigação. 1.3 Objetivos e questões de pesquisa Partindo de um contexto de formação e atuação docente permeado de especificidades, a presente pesquisa tem como objetivo geral: elaborar, implementar e avaliar um modelo de curso on-line para FC no Serviço de professores de inglês da rede pública de ensino estadual paulista, denominado de Cross-Design, baseando-se na literatura da área e resoluções vigentes. Como objetivos específicos, buscamos: a) traçar um panorama das ofertas dos programas de formação docente dos órgãos públicos, em especial, nas propostas de cursos on-line ofertados pela SEDUC-SP; b) criar um modelo de curso integrado às Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo (doravante ATPC); e c) analisar as etapas de um curso on-line de FC em Serviço para professores de inglês atuantes na rede pública estadual. 33 Para atingir os objetivos, norteamos o estudo pelas seguintes questões de pesquisa: a) Que elementos podem alicerçar um curso de Formação Continuada no Serviço de professores de inglês, visando ao desenvolvimento de Competências Digitais? b) Quais as percepções dos participantes sobre a oferta de um curso on-line, fundamentado no modelo Cross-Design? Para responder a essas questões, um modelo de curso on-line foi criado para a FC em Serviço de professores de inglês da rede pública, assim como as percepções dos participantes foram reunidas. Para tanto, pautamo-nos em leituras das áreas de Formação Docente, Políticas Públicas Educacionais, Cultura Digital, Competências Digitais e Design de Cursos. A seguir, apresentamos como este trabalho está organizado. 1.4 Organização da tese Para sistematizar as seções deste trabalho, estruturamos a pesquisa em cinco seções, a saber: 1 Introdução; 2 Discussões e Proposições Teóricas; 3 Percurso Metodológico; 4 Reflexões e Discussões sobre os Dados; e 5 Considerações Finais. Em primeiro lugar, realizamos a apresentação da pesquisa na Seção 1, ou seja, na Introdução. Expomos as inquietações da formadora-pesquisadora no percurso formativo, discutimos as dimensões de nossas justificativas e a relevância do estudo, percorremos pelos objetivos e as questões de pesquisa e, por fim, explicamos a organização da tese. A seguir, na Seção 2, organizamos a reflexões e discussões teóricas em cinco subseções: 2.1 Novas políticas públicas e formação docente: cenários pré e pós-pandêmico; 2.2 Reflexões contemporâneas sobre a formação continuada de professores; 2.3 Formação continuada de professores no contexto da SEDUC-SP; 2.4 Elementos que alicerçam a elaboração de cursos presentes na literatura da área; 2.5 O modelo Cross-Design. Na Seção 3, explicitamos o percurso metodológico, dividido em natureza e tipo de pesquisa; caracterização do contexto de pesquisa e dos participantes; coleta e análise de dados: instrumentos; e coleta e análise de dados: procedimentos. Depois, encerramos o trabalho na Seção 4, explorando as reflexões e discussões acerca dos resultados obtidos, voltadas às questões elaboradas para direcionar a tese. Por fim, finalizamos com as considerações finais, evidenciando as lacunas e possíveis encaminhamentos a partir desta pesquisa. 34 2 DISCUSSÕES E PROPOSIÇÕES TEÓRICAS Em consonância com os princípios que concebem as políticas públicas como fatores imprescindíveis para fomentar melhorias na Educação, discutimos algumas concepções que embasam os desenhos e diretrizes da formação docente como um processo contínuo em cinco eixos teóricos. Isso posto, reconhecemos que as iniciativas formativas devem favorecer o fazer docente cotidiano, na busca de vencer os desafios inerentes à prática profissional, como, por exemplo, a urgência atribuída ao uso compulsório das TDIC para viabilizar o processo ensino/aprendizagem, uma vez que adentramos em um cenário desconhecido, ainda mais exigente com a eclosão da pandemia. Desse modo, no primeiro eixo teórico, tratamos das novas políticas públicas relacionadas à formação docente nos cenários pré e pós-pandêmico, das premissas contidas na BNCC (Brasil, 2017), em especial, sobre suas relações com o ensino de inglês e do que dispõe a BNC-FC (Brasil, 2020), com foco na área de Linguagens. Já no segundo, discorremos sobre os desdobramentos das políticas públicas na formação docente. Problematizamos, também, o conceito de Formação Continuada em Serviço na grande área da Educação (Lourenço, 2014; Rodriguez; Silva, 2015; Cardoso, 2018; Gomes, 2020), bem como no campo da LA (Bastos, 2023; Barros, 2022; Bach; Matias, 2021; Ribeiro, 2021; Martins, 2019; Sampaio, 2018; Batista; Pesce, 2018) e discutimos os seus impactos no papel do professorado. Em seguida, abordamos algumas reflexões sobre a formação de professores de línguas estrangeiras em uma perspectiva crítico-reflexiva, atrelando-as ao desenvolvimento de Competências Digitais, conforme os documentos da Unesco (2018), do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (doravante CIEB) (2019) e o Quadro Europeu de Competência Digital para Educadores: DigCompEdu (Lucas; Moreira, 2018). No terceiro, tratamos da Formação continuada de professores da SEDUC-SP por meio do escrutínio dos documentos legais a respeito do papel dos formadores nesse contexto e da análise dos Programas de Formação Continuada no Serviço desenvolvidos nos últimos dez anos pela EFAPE, bem como pelas parcerias público-privadas no âmbito da Língua Inglesa. No quarto eixo teórico, exploramos teorias que julgamos basilares na literatura da área de desenvolvimento profissional docente para a elaboração de cursos e formações, destacando as visões de design de cursos e formações, tais como Design Instrucional à luz de Kenski (2019), Design Instrucional Contextualizado (Filatro, 2020), Design Educacional Complexo (Freire, 2013) e Design Thinking (Cavalcanti; Filatro, 2018), bem como a abordagem de Coaching Instrucional (Cunha, 2016) e o Método PDAF (Gianesi; Massi; Mallet, 2020). 35 Por fim, no quinto e último eixo, apresentamos um modelo que propomos nesta tese de doutoramento, denominado de Cross-Design, baseando-nos nas políticas educacionais que regem a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, nas visões de design e nos princípios de uma Formação Continuada em Serviço. 2.1 Novas políticas públicas e seus impactos na formação docente: cenários pré e pós- pandêmico Para dar início às nossas discussões teóricas, partimos de um eixo elementar para a proposição de formações destinadas aos professores, isto é, a conjuntura das políticas educacionais, considerando que o cenário da Educação é permeado por políticas públicas elaboradas em escalas nacionais, estaduais e municipais, que direcionam e prescrevem as diretrizes para a execução do trabalho docente em todos os seus vieses. Traçando uma linha histórica, na Constituição Federal de 1988, mais precisamente, no artigo 22 do Capítulo II – Da União, identificamos a menção sobre a obrigatoriedade de a União legislar acerca das diretrizes e bases da educação nacional. Consecutivamente, por volta da década de 1990, autores pregressos do campo de formação docente, como Schön e Nóvoa, destacaram a importância da necessidade do contínuo aperfeiçoamento docente, sobretudo, com foco na emancipação do professor como um profissional que se aprimora, se reconhece e se responsabiliza pelo processo de ensino e aprendizagem. Consequentemente, na visão dos autores, formar professores que reflitam sobre a sua própria prática se constitui como instrumento de melhoria da ação pedagógica e do desenvolvimento do profissionalismo, acarretando a legitimação do perfil profissional do educador, ao contrário do apelo à figura vocacional de um missionário (Schön; 1987; Nóvoa, 1992). Embora o movimento reformista na formação docente tenha tido sua origem no final dos anos 80, nos Estados Unidos e no Canadá, no Brasil, a temática de formação continuada de professores foi respaldada pela Lei de n.º 9394/1996, isto é, pela LDB, mais detalhadamente no artigo 63, enquanto o “aperfeiçoamento profissional continuado” foi citado no artigo 67. Com a lei, houve a necessidade de as posteriores iniciativas atenderem às necessidades de sua implementação, por meio de investimentos e modificações administrativo- pedagógicas em esfera nacional. Quase 30 anos depois, é salutar destacar que muitas das iniciativas, as quais incidiram no âmbito estadual, preponderantemente, de formas temporárias e condicionadas ao tipo de governo, nem sempre atenderam ao caráter democrático, crítico e reflexivo corroborados 36 por leis e postulados por muitos autores que advogam a respeito de métodos de ensino e de programas de formação docente. Para exemplificar isso, partimos do desenho arquitetado pela SEDUC-SP para a Formação Continuada em Serviço, destinado aos docentes da rede pública estadual de ensino nos tempos de pandemia, em especial, no segundo semestre do ano de 2020, no qual o desenvolvimento desta pesquisa se iniciou em campo. Considerando a emergência desse momento sui generis, analisamos, qualitativa e quantitativamente, que a oferta dessas formações on-line, muitas das vezes, assíncronas e/ou inacessíveis a uma parcela do professorado, acabavam por tolher a possibilidade de os docentes interagirem entre si, impossibilitando a criação de um movimento educacional sem distância (Tori, 2010), sob a ameaça de vivermos um dilúvio informacional (Lévy, 1999) e “formacional”, devido à amplitude dos temas e ao excesso de ofertas das formações. Apoiando-nos nas noções que Schön (1987; 1992) denomina como “componentes da reflexão sobre a prática” (conhecimento na ação; a reflexão na ação; a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação), percebemos, diante da urgência e a partir da ausência de desenhos formativos que propiciem momentos de interação e reflexão, que os programas de formação aplicados na época foram implementados, majoritariamente, por meio de canais de comunicação unilaterais. Tal acontecimento ocasionou ofertas de formação docente predominantemente protocolares e (in)formativas, conforme as possibilidades do ERE. Percebemos, também, que o próprio termo “profissional reflexivo”, cunhado por Schön (1987), é propagado de modo generalizado em muitos programas de formação, uma vez que não se consolida no desenvolvimento de competências e habilidades e do aperfeiçoamento profissional. Por exemplo, diante de sua aparição em modelos de curso que não propiciam momentos de reflexão aos profissionais, mas visam ao atendimento dos programas e políticas públicas de imediato, tal propagação equivocada se agrava ainda mais com a emergência das reformas educacionais, pois essas não esgotam o potencial político-epistemológico inerente ao termo “reflexivo”, quiçá permitem sua existência, na prática, pelo contrário, utilizam-no para fundamentar processos de formação que nem sempre oportunizam a interação, questionamentos, avaliação e autoavaliação por parte dos envolvidos. Historicamente, em decorrência das investigações científicas, da evolução exponencial das formas de produção de conhecimento e das alterações das organizações sociais, os saberes passaram a assumir, mais rapidamente, um caráter de caducidade, por modificarem processos ou serem modificados significativamente. Na área da Educação, tais impactos demonstram que a prática docente também exige a renovação daquilo que os professores um 37 dia aprenderam, em algum momento, ou em função de uma situação inesperada, como a própria pandemia, por exemplo, tornando a utilidade da oferta das experiências formativas algo relativo. Daí a importância de o docente ter condições para assumir uma postura reflexiva continuamente, a fim de construir e atualizar sua base de conhecimentos (Shulman, 1987; Mishra; Koehler, 2006). Outrossim, além da ampla reverberação do conceito desde a década de 1990 e da sua significativa prevalência em tempos de implementação de diferentes componentes curriculares como Eletivas, Projeto de Vida, Tecnologia e Inovação e os diversos Itinerários Formativos do Novo Ensino Médio11 (doravante NEM) no Currículo educacional do Estado de São Paulo, percebemos haver uma incompreensão da essência do termo “reflexivo”. Por um lado, há, expressamente, o objetivo de ofertar formações em larga escala, apresentando como finalidade aos professores e estudantes o desenvolvimento de uma postura protagonista, crítica e reflexiva. Por outro, observamos uma dissonância, já que há um desequilíbrio e incompatibilidade entre a carga horária de estudo disponibilizada para o desenvolvimento do profissional e as exigências a ele atribuídas. Assim, percebemos haver o risco de os atuais modelos administrativos da carga horária de trabalho docente aligeirarem os processos de formação e não oferecerem condições reais de desenvolvimento aos professores (Pimenta, 2002), pois, devido à falta de tempo, os objetivos de aperfeiçoamento pautados na construção de uma postura reflexiva se tornam inatingíveis, levando o professorado a vivenciar percursos formativos de maneira automatizada e pró-forma. Como argumentam Freire e Sá (2020), vivemos em um cenário de crise planetária na educação, uma vez que esse se encontra embasado em um paradigma que não atende mais às exigências prioritárias do momento que vivenciamos, mas apenas a um conjunto de normas e princípios pré-estipulados, evidenciando a “[…] a urgência de reformas, em vários âmbitos e de diversas naturezas, que busquem uma ordem inédita, uma organização original para um sistema em vias de desintegração” (Freire; Sá, 2020, p. 89). Sob esse prisma, com a difusão das novas diretrizes educacionais no quadro pós- pandêmico, a formação contínua se tornou uma vertente de discussão imprescindível nos 11 Segundo site oficial da SEDUC-SP, em resposta à demanda de estudantes e professores, o NEM sofreu uma nova reforma. Houve uma ampliação em 60% do tempo destinado à aprendizagem de língua portuguesa e em 70% de matemática do Ensino Médio em 2024, além de incluir aulas de geografia, história e física na 3ª série do Ensino Médio e reduzir de 12 para três itinerários formativos. Disponível em: https://www.educacao.sp.gov.br/estudantes-ensino-medio-de-sp-terao-70-de-aumento-no-tempo-destinado- aprendizagem-de-matematica-e-60-de-lingua-portuguesa-em-2024. Acesso em: 20 abr. 2024. https://www.educacao.sp.gov.br/estudantes-ensino-medio-de-sp-terao-70-de-aumento-no-tempo-destinado-aprendizagem-de-matematica-e-60-de-lingua-portuguesa-em-2024 https://www.educacao.sp.gov.br/estudantes-ensino-medio-de-sp-terao-70-de-aumento-no-tempo-destinado-aprendizagem-de-matematica-e-60-de-lingua-portuguesa-em-2024 38 documentos normativos, nos quais os papéis dos educadores são determinados sistematicamente. Ademais, o contexto instalado após a pandemia provocou uma desestabilização no fazer docente ao ser inundado pelas TDIC, visto que desenvolver as Competências Digitais não é mais uma atitude elegível, mas compulsória em sala de aula. No entanto, observamos que a promoção de ações formativas em uma conjuntura permeada de políticas públicas que impulsionam a realização de formações continuadas, na prática, pode ser empregada de formas protocolares, inflexíveis e demandar um tempo que, apesar de existir legalmente, nem sempre é assegurado aos professores para estudarem. Mais especificamente, nas escolas da rede pública paulista, as ATPC são espaços conquistados pela própria rede de professores, cujos tempos coletivos podem ser utilizados para se promover Formações Continuadas em/no Serviço, para o serviço e sobre o serviço. Contudo, o fato de elas existirem não assegura que parte da carga horária dos professores será destinada a momentos de trabalho colaborativo, promovendo a discussão, reflexão e exposição sobre suas dificuldades e necessidades de apoio, tampouco propicia que haja experiências semelhantes às que se espera que aconteça em sala aos professores, para formá-los com base na homologia de processos, configurando-se como um assunto profícuo para a investigação. Diante disso, para embasar as reflexões feitas nesta seção, exploramos, inicialmente, a BNCC (Brasil, 2017), documento normativo homologado em 2017, para as etapas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental e, em 2018, para a etapa do Ensino Médio. No que tange à formação de professores, mais recentemente, também abordamos a Resolução CNE/CP n.º 1, de 17 de outubro de 2020, que trata da BNC-FC (Brasil, 2020), a qual explicita que o desenvolvimento de competências dos docentes deve ocorrer para além do que a BNCC (Brasil, 2017) dispõe acerca do processo de aprendizagem do alunado, pois se constitui como fundamento para atuação na Educação Básica. A seguir, a BNCC e a BNC-FC serão analisadas mais amiúde, especialmente, no tocante aos impactos ocasionados na formação docente. Em seguida, discutiremos sobre a relação entre os desdobramentos dessas novas políticas públicas e a Formação Continuada em Serviço de professores de inglês. 2.1.1 Base Nacional Comum Curricular: relações com o ensino de inglês Minha voz é o fruto de dois países num encontro por que eu teria vergonha se o inglês 39 e minha língua-mãe fizeram amor minha voz tem as palavras do pai e o sotaque da mãe o que tem de errado se a minha boca leva dois mundos. - sotaque (Kaur, 2018) A primeira versão da BNCC, direcionada às etapas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, foi homologada em 2017, e a etapa do Ensino Médio, em 2018. Assim, é importante ressaltar que sua construção foi justificada devido à presença da conjectura de criação de tais diretrizes, prevista na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases de 1996 e no Plano Nacional de Educação de 2014, como documento normativo na esfera nacional, preparada por especialistas de cada área do conhecimento e de profissionais de diversos setores. Segundo o exposto no documento, a sua promulgação se deu visando a amenizar os contrastes presentes nas políticas educacionais entre os entes federativos do país, além de evidenciar a busca pela promoção de uma Educação Integral. Vale ressaltar que as diretrizes da BNCC são pautadas em um conjunto de aprendizagens essenciais, objetivando priorizar o desenvolvimento da pessoa em todas as suas dimensões, a saber: humana, cognitiva e emocional, com base nas habilidades cognitivas e competências socioemocionais. No que tange às questões de ordem pedagógica, as quais definem o papel dos professores no processo de ensino/aprendizagem, […] a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem ‘saber’ (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem ‘saber fazer’ (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens (Brasil, 2017, p. 13). Consoante a isso, Fidalgo, Sprenger e Ramos (2021, p. 248) discutem que, embora a BNCC preconize principalmente “a função social e política do inglês no mundo” (Brasil, 2017, p. 237), atribuindo, assim, a classificação de língua franca ao inglês, já no que diz respeito à visão de aprendizagem e ao seu entendimento pedagógico, esses não são contemplados no documento de forma explicita, “[…] o que poderia implicar mais um aspecto dificultador para aqueles que não estão familiarizados com diferentes visões de aprendizagem, exigindo, portanto, mais formação contínua de professores” (Fidalgo; Sprenger; Ramos, 2021, p. 248). 40 Nesse sentido, destacamos que as diretrizes impostas pelo documento não possuem um caráter formativo, mas prescritivo, o que é próprio da natureza de um documento de cunho legal. Por exemplo, é possível observar na parte destinada à descrição da estrutura da disciplina de Língua Inglesa que “[…] o tratamento do inglês como língua franca o desvincula da noção de pertencimento a um determinado território, […] legitimando os usos da língua inglesa em seus contextos locais” (Brasil, 2017, p. 241). Contudo, apesar de o documento explicitar que o inglês não se trata de um idioma do “estrangeiro”, cujas origens são de países hegemônicos com modelos de falantes predeterminados a serem seguidos, e demarcar uma ampliação das possibilidades para o favorecimento de “uma educação linguística voltada para a interculturalidade, isto é, para o reconhecimento das (e o respeito às) diferenças, e para a compreensão de como elas são produzidas nas diversas práticas sociais de linguagem”, é necessário ponderar se as políticas públicas com relação à formação docente, elaboradas após a promulgação da BNCC, estão sendo implementadas a fim de favorecer, realmente, uma postura cuja finalidade seja “a reflexão crítica sobre diferentes modos de ver e de analisar o mundo, o(s) outro(s) e a si mesmo” (Brasil, 2017, p. 242), por meio da consonância entre formações pré-serviço e em serviço. Se por um lado o documento pode manifestar um caráter cerceador, outro revés é a ausência de precisão quanto aos encaminhamentos pedagógicos na BNCC. As autoras salientam que os direcionamentos pedagógicos são pautados objetivamente no desenvolvimento de competências, contudo, são apresentados superficialmente “[…] permitindo, dessa maneira, interpretações diversas sobre o que fazer e como fazer pedagogicamente, trazendo ainda outro desafio para a implantação e implementação da BNCC de Língua Inglesa” (Fidalgo; Sprenger; Ramos, 2021, p. 250). Ademais, elas apontam como outros desafios a concepção de tantos conceitos para a implementação da BNCC, tais como “a perspectiva sociointeracional da linguagem, o tratamento do idioma inglês como língua franca, imbricado com interculturalidade, a questão dos multiletramentos e a visão de aprendizagem a ser adotada”, pois, apesar de serem os principais pilares na disciplina de Língua Inglesa, “construir e implementar um currículo, levando em conta tais pilares” exige o conhecimento básico dos conceitos para possibilitar a sua operacionalização ou a mobilização de formações que atendam aos pré-requisitos necessários. Em outras palavras, 41 […] para aqueles que não têm conhecimento prévio a esse respeito, ou que têm conhecimento prévio limitado, apenas a leitura do documento não é suficiente, visto que esse trata do assunto de forma breve, como se esses tópicos fossem objeto de conhecimento amplamente compartilhado. Ressaltamos, dessa forma, a necessidade de um tratamento cuidadoso desses pontos na formação inicial e contínua de professores (Fidalgo; Sprenger; Ramos, 2021, p. 250). Ao destacarem, também, que a BNCC rompe com a hegemonia cultural presente no ensino de Língua Inglesa, Fidalgo, Sprenger e Ramos (2021) chamam atenção para outro ponto importante: a desconstrução da perpetuação do ensino de línguas tradicionalmente focado nas heranças culturais dos americanos e ingleses, o qual agora tem como subsídio um idioma utilizado globalmente e que, naturalmente, será composto pelas marcas identitárias de seus usuários. Dessa forma, a BNCC demostra ter incorporado a interculturalidade como elemento crucial para a aprendizagem, favorecendo o uso de “práticas sociais de linguagens diferentes, além de fomentar uma educação linguística que conduza a reflexão crítica a respeito de modos diferentes de ser, agir e viver”. Ou seja, numa visão mais otimista, o documento pode contribuir para a reflexão sobre a adoção de práticas decoloniais, porém, para que isso ocorra de fato, é necessário aprofundar os fundamentos pedagógicos não tão claramente delineados na BNCC, além de contar com a formação do capital humano, isto é, atores interculturalmente competentes e engajados na criação e implantação de políticas de igualdade e de identidade, dispostos a decolonizarem as tradições cristalizadas no ensino de línguas estrangeiras de forma democrática, ao proporem “alternativas ao caráter monocultural e ocidentalizante dominante” sobre o qual a nossa sociedade foi construída. É preciso, assim, desconstruir “aspectos da dinâmica escolar naturalizados que nos impedem de reconhecer positivamente as diferenças culturais e, ao mesmo tempo, promover processos que potencializem esta perspectiva”, para caminharmos rumo à educação intercultural (Candau, 2016, p. 10-11). Nesse mesmo sentido, já no início dos anos 2000, Moita Lopes (2003, p. 31) reconheceu que “não se pode transformar o que não se entende” por isso, “é crucial que todo professor – na verdade, todo cidadão – entenda o mundo em que vive”. Essa concepção é contemporânea e coerente com o que Megale e Magalhães (2021) pontuam a respeito do entendimento que os professores deveriam conseguir obter com as diretrizes criadas pela BNCC para o componente de Língua Inglesa, ou seja, para além do que cada docente apresenta como percepção sobre o processo ensino/aprendizagem de inglês, os dados apresentados na BNCC: 42 […] atestam a ausência de uma discussão mais ampla e sistêmica para a construção de uma compreensão coletiva sobre esse componente curricular. Sem a construção de significados compartilhados sobre o ensino-aprendizagem de inglês, planejar ações direcionadas a um objetivo comum torna-se praticamente inviável (Megale e Magalhães, 2021, p. 57). Outra questão discutida pelas autoras que nos chama a atenção é o Letramento Crítico. Elas enfatizam que, ao compreender a relevância do Letramento Crítico na Educação Linguística, é possível compreender as atribuições que o docente de Língua Inglesa tem como incumbência, por exemplo, “a tarefa de educar para a cidadania” além de ensinar uma língua estrangeira, considerando “os aspectos (geo)políticos, culturais e sociais que perpassam a existência e a expansão dessa língua”, utilizando-os de forma consciente e intencional, “encorajando os estudantes a uma reflexão sobre suas identidades e seus posicionamentos”(Megale; Magalhães, 2021, p. 40). Nas palavras de Monte Mór (2015, p. 42), “o Letramento Crítico parte da premissa de que a linguagem tem natureza