Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Artes PALAVRA E IMAGEM: POSSÍVEIS DIÁLOGOS NO UNIVERSO DO LIVRO DE ARTISTA PRISCILLA BARRANQUEIROS RAMOS NANNINI São Paulo 2016 PRISCILLA BARRANQUEIROS RAMOS NANNINI PALAVRA E IMAGEM: POSSÍVEIS DIÁLOGOS NO UNIVERSO DO LIVRO DE ARTISTA Tese apresentada para o Programa de Pós Graduação em Artes como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Artes junto ao Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo. Área de concentração: Artes Visuais Linha de Pesquisa: Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais da Arte Orientador: Prof. Dr. Omar Khouri São Paulo 2016 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP N184p Nannini, Priscilla Barranqueiros Ramos, 1972- Palavra e imagem: possíveis diálogos no universo do livro de artista / Priscilla Barranqueiros Ramos Nannini. - São Paulo, 2016. 250 f. : il. color. Orientador: Prof. Dr. Omar Khouri. Tese (Doutorado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes. 1. Poesia visual. 2. Livros de artistas. 3. Imagem. 4. Artes gráficas. I. Khouri, Omar. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 869.9105 PRISCILLA BARRANQUEIROS RAMOS NANNINI PALAVRA E IMAGEM: POSSÍVEIS DIÁLOGOS NO UNIVERSO DO LIVRO DE ARTISTA Tese de doutorado aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Artes no Curso de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista – Unesp, com a área de conhecimento Artes Visuais, pela seguinte banca examinadora: ________________________________________________________ Prof. Dr. Omar Khouri Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista/SP – Orientador ________________________________________________________ Prof. Dr. José Spaniol Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista/SP ________________________________________________________ Profa. Dra. Rita Luciana Berti Bredariolli Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista/SP ________________________________________________________ Profa. Dra. Maria dos Prazeres Santos Mendes Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas / Universidade de São Paulo ________________________________________________________ Prof. Dr. Júlio César Mendonça Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura de São Bernardo do Campo Aos amores da minha vida, Marcelo e Marina. AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que me incentivaram e colaboraram para a realização desta pesquisa, pela paciência, escuta e trocas em um momento tão importante da minha vida. Professor Dr. José Spaniol Professora Dra Maria dos Prazeres Mendes Professor Dr. Júlio Mendonça Professor Dr. Mário Fernando Bolognesi Aos alunos que compartilharam suas criações À minha família, amigos, colegas e professores Fabíola, Marcinha, Daniele e Juliana pela escuta À minha mãe Agradecimentos especiais ao Professor Dr. Omar Khouri, meu orientador, pela firmeza, paciência e dedicação, possibilitando o meu crescimento como pesquisadora. Que é um livro, se não o abrirmos? É, simplesmente, um cubo de papel e couro, com folhas. Mas, se o lemos, acontece uma coisa rara: creio que ele muda a cada instante. Jorge Luis Borges E de que serve um livro sem figuras nem diálogos? Lewis Carroll 8 RESUMO O objetivo desta pesquisa é encontrar os possíveis diálogos entre palavra e imagem, dentro da Poesia Visual, Artes e Design. A proposta é realizar entrelaçamentos entre a palavra e imagem nessas linguagens, buscando encontros e desencontros, usando como fio condutor dessas reflexões a produção de Livros de Artista feitos por Mira Schendel, Lygia Pape, Edith Derdyk e do poeta visual Ronaldo Azeredo, que trabalharam a relação verbal e visual explorando diferentes possibilidades de representação, gerando obras representativas com grande valor artístico, estético e cultural. A ideia é traçar o caminhar dessas linguagens desde seus primórdios até os dias de hoje, relatando seus diálogos e retomando as origens dessas relações, pesquisando onde palavra e imagem iniciam seus encontros, quais suportes usados e sua exploração, quais as influências dos movimentos artísticos e como isso refletiu nas representações artísticas. A contemporaneidade é marcada por uma grande proliferação de imagens nas mídias e no cotidiano, mas como é feita esta leitura? Acredita-se na importância do olhar crítico em relação à visualidade, por isso a relevância deste estudo, que pensa sobre a imagem e sua relação com o verbal, levantando questões tão contemporâneas como a grande quantidade de imagens que recebemos no dia-a-dia, constatando que é preciso um olhar apurado sobre elas. O que se consegue elaborar em termos de conhecimentos nessas relações? Após a leitura dos autores, análise dos Livros de Artista, conversas e entrevistas com a artista Edith Derdyk, buscou-se um entendimento sobre os diálogos entre a palavra e a imagem, suas relações, encontros e desencontros. Esta pesquisa finaliza com um relato de experiência realizado com alunos do ensino médio na construção do livro de artista. PALAVRAS CHAVE: arte, palavra, imagem, poesia visual, livro de artista ÁREA DA CAPES: 80301029 / 80302009 9 ABSTRACT The goal of this research is to find possible dialogues between word and image within visual poetry, art and design. The proposal is to interweave word and image within these languages, seeking agreements and disagreements, using as a thread for these reflections the production of artistsʼ books made by Mira Schendel, Lygia Pape, Edith Derdyk and by visual poet Ronaldo Azeredo, who investigated verbal and visual relationship through different possibilities of representation, creating representative works with great artistic, aesthetic and cultural value. The idea is to outline the evolutions of these languages from their beginnings to the present day, narrating their dialogue and looking back on the origins of these relationships, researching where word and image started to merge, what media were used and how they were used. This paper also reflects on the influence of the avant-garde and how these movements are expressed in the artistsʼ books. The contemporary world is marked by a proliferation of images in the media and in everyday life, but how is this reading done? The critical eye toward the visual is seen today as highly important. This accounts for the relevance of this study, which proposes to think about the image and its relationship with the word, raise contemporary issues such as the large amount of images we receive from day to day and corroborate the idea that you must have a sharp eye on them. What knowledge can we draw from these relationships? After reading authors, analyzing artistsʼ books, interviewing the artist Edith Derdyk, we looked for an understanding of the dialogue between word and image, their relations, agreements and disagreements. This research concludes with an annexe that describes the experience undertaken with high school students during the creation of artistsʼ books. KEY WORDS: art, word, image, visual poetry, artist book 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Lewis Carroll, The mouse’s tale, 1865. 40 Fonte: http://www.giadacoppi.com/teaching-calligrams.html Figura 2: Blake, Songs of Innocence and of Experience, 1789. 41 Fonte: http://www.oxonianreview.org/wp/more-than-a-world-of-imagination-and-vision/ Figura 3: Morris, Obras de Geoffrey Chaucer, 1896-98. 42 Fonte: Livro, uma história viva, 2011, p. 190. Figura 4: Mallarmé, Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, 1897. 43 Fonte: http://37signals.com/svn/posts/576-stphane-mallarm-a-painters-poet Figura 5: Leonardo Da Vinci, caderno, 1510. 44 Fonte: http://qga.com.br/arte-cultura/2014/04/o-caderno-de-anotacoes-de-leonardo-da-vinci Figura 6: Max Jacob e Pablo Picasso, Saint Matorel, 1911. 45 Fonte: http://books.simsreed.com/artists_illustrated_books/dada_surrealism.php?category =dada&stk=40544 Figura 7: Goya, Os Caprichos, 1799. 45 Fonte: http://books.simsreed.com/catalogues.php?catalog=list06a&stk=43496&catNo=14 Figura 8: Gauguin, Noa Noa, 1894. 46 Fonte: http://arthistorynewsreport.blogspot.com.br/2013/08/gauguin-in-new-york-collections -lure-of.html Figura 9: Matisse, Jazz, 1947. 46 Fonte: http://yourartshop-noldenh.com/henri-matisse-malerei-als-sinnliches-vergnugen/ Figura 10: Marinetti, Zang Tumb Tumb, 1914. 48 Fonte: http://zangtumbtumb.com/ Figura 11: Soffici, BIF & ZF + 18, 1915. 48 Fonte: http://www.barbadillo.it/37189-cultura-ardengo-soffici-poesia-mediterranea-fra -futurismo-e-classicismo/ Figura 12: Picasso, Copo e garrafa de Suze, 1912. 49 Fonte: http://www.germinaliteratura.com.br/2010/artes_jose_aloise_bahia_distorcao_jun10.htm Figura 13: Fortunato Depero, Depero futurista, 1927. 50 Fonte: http://www.colophon.com/gallery/futurism/1.html Figura 14: D’Albisola, Palavras em liberdade futurista, 1932. 50 Fonte: http://www.stedelijkmuseum.nl/en/artwork/8312-parole-in-liberta-futuriste-olfattive -tattile-termiche/ Figura 15: D’Albisola, L´Anguria Lirica, 1932. 51 Fonte: www.tulliodalbisola.it/tullio_futurista/ Figura 16: Munari, Libro illeggibile MN1, design concebido em 1949 e impresso em 1984. 51 Fonte: http://www.design-is-fine.org/post/76418633863/bruno-munari-illegible-book-four -inches-square Figura 17: El Lissitzky, História suprematista de dois quadrados, 1922. 53 Fonte: http://gramatologia.blogspot.com/2008/03/el-lissitsky.html Figura 18: El Lissitzky, Para a voz, 1923. 53 Fonte: Livro, uma história viva, 2011, p. 192. 11 Figura 19: Die Scheuche, 1925. 55 Fonte: http://beinecke.library.yale.edu/exhibitions/power-pictures/pictures-and-words -illustrated-stories Figura 20: Hausmann, poema optofonético, 1918. 56 Fonte: http://www.merzmail.net/fonetica. Figura 21: Apollinaire, Poemas da Paz e da Guerra, 1913-1916. 57 Fonte: http://chikasdepixel.wordpress.com/2008/10/04/caligramas/ Figura 22: Schwitters, A catedral, 1920. 58 Fonte: http://www.moma.org/ Figura 23: Bayer, fonte Universal. 60 Fonte: http://www.tipografos.net/bauhaus/alfabetos-elementares.html Figura 24: Moholy-Nagy, capa do livro Staatliches Bauhaus in Weimar. 60 Fonte: http://monoskop.org/Bauhaus Figura 25: Max Ernst, Uma semana de bondade, 1934. 62 Fonte: http://www.nga.gov/content/ngaweb/ Collection/photographs/frederick-sommer/ found-objects-and-late-collages.html Figura 26: Breton, poema-objeto, 1937. 63 Fonte: http://www.archivosurrealista.com.ar/Objetos7b.html Figura 27: Duchamp, boîte-en-valise The green box, 1934. 64 Fonte: http://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/2002.42a-vvvv/ Figura 28: Bibliothèque de Cobra. 65 Fonte: http://antiques.gift/artistes-libres-premiere-serie-du-bibliotheque-de-cobra_1409978.html Figura 29: Isidore Isou, Réseau centré M67, 1961. 65 Fonte: exposição do Museé National d'art Moderne, Centro Georges Pompidou, 2015 (foto da autora). Figura 30: Caixa Fluxus (Flux Year Box), 1970. 66 Fonte: exposição do Museé National d'art Moderne, Centro Georges Pompidou, 2015 (foto da autora). Figura 31: Ruscha, Twentysix gasoline stations, 1962. 67 Fonte: http://eddierussia.tumblr.com/post/129520751923/ed-ruscha-twentysix-gasoline-stations-1963 Figura 32: Feuilles de Route, 1924. 70 Fonte: exposição do Museé National d'art Moderne, Centro Georges Pompidou, 2015 (foto da autora). Figura 33: Livro Pau-Brasil, 1925. 71 Fonte: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/ Figura 34: Prosa do transiberiano, 1913. 72 Fonte: http://mademoisellebagatelles.com/la-prose-du-transsiberien/ Figura 35: João Cabral, Pregão Turístico no Recife, 1955. 73 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada /2014/09/1515163-livro-mapeia-trajetoria -da-editora-artesanal-o-grafico-amador.shtml Figura 36: Aniki Bobó, 1958. 74 Fonte: A Herança do Olhar, 2003, p. 104. Figura 37: Magalhães, Improvisação gráfica, 1958. 74 Fonte: https://aloisiomagalhaesbr.wordpress.com/historia-editorial/improvisacao-grafica/ 12 Figura 38: Max Bill, Unidade Tripartida, 1951. 75 Fonte: http://www.brasilartesenciclopedias.com.br/internacional/bienal02.html Figura 39: Geraldo de Barros, Movimento contra movimento, 1952. 77 Fonte: livro Grupo Ruptura, 2002, p. 24. Figura 40: Sacilotto, Vibrações verticais, 1952. 77 Fonte: livro Grupo Ruptura, 2002, p. 47. Figura 41: Dias Pino, A Ave, 1956. 80 Fonte: http://www.enciclopediavisual.com/ Figura 42: Dias Pino, Solida, 1956. 81 Fonte: http://www.enciclopediavisual.com/ Figura 43: Objetos, 1969. 82 Fonte: exposição Julio Plaza, MAC-USP, 2013 (foto da autora). Figura 44: Poemóbiles, 1974. 82 Fonte: exposição Julio Plaza, MAC-USP, 2013 (foto da autora). Figura 45: Caixa preta, 1975. 84 Fonte: exposição Julio Plaza, MAC-USP, 2013 (foto da autora). Figura 46: Reduchamp, 1976. 84 Fonte: exposição Tendências do Livro de Artista no Brasil: 30 anos depois, 2016 (foto da autora). Figura 47: Gullar, O formigueiro, 1956. 86 Fonte: www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/ferreira_gullar2_formigueiiro.html Figura 48: Pignatari, LIFE, 1957. 87 Fonte: www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/decio_pignatari_2.html Figura 49: Clark, Livro-obra, 1964. 93 Fonte: exposição Aberto Fechado/Pinacoteca, 2012 (foto da autora). Figura 50: Collares, Gibis, 1970-72. 94 Fonte: http://cadernosafetivos.blogspot.com/ Figura 51: Bruscky, Livroobjetojogo, 1993. 94 Fonte: Galeria Nara Roesler (foto da autora) Figura 52: Waltercio Caldas, Momento de fronteira, 1999. 95 Fonte: http://www.walterciocaldas.com.br/ Figura 53: Barrio, Livro de carne, 1977. 96 Fonte: http://cadernosafetivos.blogspot.com.br/ 2008/12/artur-barrio-e-suas-pginas-de-carne.html Figura 54: Amelia Toledo, Rosa Contemporânea, 1965. 97 Fonte: http://www.pinacoteca.org.br/ Figura 55: Schendel, Cadernos, s/d. 97 Fonte: http://gramatologia.blogspot.com.br/2008/09/mira-schendel.html Figura 56: Geiger, Novo atlas I, 1977. 98 Fonte: http://intervencao-urbana.blogspot.com.br/2010_08_01_archive.html Figura 57: Silveira, Wild book, 1997. 98 Fonte: http://adriartessempre.blogspot.com.br/2014/02/a-arte-de-regina-silveira.html 13 Figura 58: Alexandre Vilas Boas, Livro de tempo, verdades provisórias, 2014. 99 Fonte: exposição Livraria de artistas, 2014 (foto da autora). Figura 59: Beatriz Milhazes, Meu Bem, 2008. 100 Fonte: exposição A tara por livros ou a tara de papel, 2014 (foto da autora). Figura 60: Nuno Ramos, Caldas Aulete – para Nelson 3 (2006). 100 Fonte: exposição A tara por livros ou a tara de papel, 2014 (foto da autora). Figura 61: Luise Weiss, Cadernos, s/d. 101 Fonte: http://casacontemporanea370.blogspot.com.br/2014/04/livro-de-artista-pesquisa-producao-e.html. Figura 62: Rosa Esteves, A casa da minha tia, 2013-14. 101 Fonte: exposição Livro de artista: produção, pesquisa e reflexão, 2014 (foto da autora). Figura 63: Marilá Dardot, Cumulus, 2008. 102 Fonte: exposição Aberto e Fechado: caixa e livro na arte brasileira, 2012 (foto da autora). Figura 64: Fábio Morais. Romance para ser lido sob a chuva, 2008/2011. Livro cortado. 102 Fonte: http://www.museusegall.org.br/mlsItem.asp?sSume=20&sItem=380 Figura 65: Lucia Mindlin Loeb, sem título, 2000. Folhas de madeira e encadernação manual. 102 Fonte: exposição Aberto e Fechado: caixa e livro na arte brasileira, 2012 (foto da autora). Figura 66: Marilá Dardot, O livro de areia, 1998. 103 Fonte: exposição realizada na SP Arte, 2013 (foto da autora). Figura 67: Hilal Sami Hilal, Cobre e corrosão, 2004. 104 Fonte: http://www.azf.com.br/mdoc/fake/f_7.html Figura 68: Hilal Sami Hilal. Livro Prego (corrosões sobre o cobre), 2012. 104 Fonte: http://www.galeriaclima.com.br/portu/comercio.asp?flg_Lingua=1&cod_Artist a=93&cod_Serie=49 Figura 69: Marilá Dardot. Instalação Avant et après la lettre, França, 2011. 107-8 Fonte: http://www.mariladardot.com Figura 70: Hilal Sami Hilal. Sherazade, 2014. 108 Fonte: http://www20.caixa.gov.br/Paginas/Fotos/Galeria.aspx?photID=989 Figura 71: Schendel, s/ título (série Bombas), 1965. Nanquim sobre papel. 121 Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2450/mira-schendel Figura 72: Schendel, O retorno de Achilles I, 1964. Óleo sobre tela. 122 Fonte: catálogo da exposição Mira Schendel, pintora, 2009, p. 51. Figura 73: Schendel, s/ título (Monotipias), 1965. Óleo sobre papel arroz. 124 Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2450/mira-schendel Figura 74: Schendel, Datiloscritos, 1973/1974. Técnica mista sobre cartão. 125 Fonte: http://studionobrega.com/Collection Figura 75: Schendel, s/ título, série Toquinhos, 1972. 126 Fonte: catálogo da exposição Mira Schendel, avesso do avesso, 2011, p. 20. Figura 76: Schendel, s/ título, série Objetos gráficos, 1969. 128 Fonte: Livro Leon Ferrari e Mira Schendel: o alfabeto enfurecido, 2010, p. 120. Figura 77: Schendel, s/ título, série Objetos gráficos, 1972. 128 Fonte: Livro Leon Ferrari e Mira Schendel: o alfabeto enfurecido, 2010, p. 133. 14 Figura 78: Schendel, s/ título, série Cadernos, anos 1971. Letraset sobre papel vegetal. 130 Fonte: exposição Aberto fechado, caixa e livro na arte brasileira. Pinacoteca SP, 2012. Figura 79: Schendel, s/ título, série Cadernos, anos 1970. 131 Fonte: http://www.theupcoming.co.uk/2013/09/25/mira-schendel-at-tate-modern -exhibition-review/mira-schendel_20/ Figura 80: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Papel recortado. 131 Fonte: exposição Aberto fechado, caixa e livro na arte brasileira. Pinacoteca SP, 2012. Figura 81: Schendel, s/ título, série Cadernos, anos 1971. Letraset sobre papel vegetal. 132 Fonte: exposição Mira Schendel. Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2014. Figura 82: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. 132 Fonte: http://www.artnet.de/k%C3%BCnstler/mira-schendel/auktionsresultate Figura 83: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1970. Letraset e técnica mista sobre papel. 133 Fonte: http://www.frieze.com/issue/review/mira-schendel/ Figura 84: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. 133 Fonte: http://www.bolsadearte.com/public/2011/realizados/maio_2010_design/138.htm Figura 85: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Letraset sobre papel. 134 Fonte: http://www.artnet.de/kunstler/mira-schendel/auktionsresultate Figura 86: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1970. Letraset sobre papel. 135 Fonte: http://www.minusspace.com/2009/06/mira-schendel-stephen-friedman-gallery -london-united-kingdom/ Figura 87: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Letraset e grafite sobre papel. 135 Fonte: exposição Mira Schendel. Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2014. Figura 88: Amor, poema de Oswald de Andrade, 1927. 139 Fonte: livro Poesia Concreta: o projeto verbivocovisual, 2008, p. 17. Figura 89: Azeredo, mínimo múltiplo comum: a (cartaz), 1956. 142 Fonte: http://www.aguavaga.com/ronaldoazeredo/obras Figura 90: capas das revistas Noigandres 3; Noigandres 4 e Antologia Noigandres 5. 143 Fonte: livro Poesia Concreta: o projeto verbivocovisual, 2008, p. 24, 30 e 36. Figura 91: Fiaminghi, Círculos concêntricos e alternado, 1956. Esmalte sobre eucatex. 143 Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8784/hermelindo-fiaminghi Figura 92: Azeredo, poema ruasol, 1957. 145 Fonte: livro Grupo Noigandres, 2002, p. 63. Figura 93: Azeredo, poema velocidade, 1957. 145 Fonte: livro Poesia Concreta: o projeto verbivocovisual, 2008, p. 241. Figura 94: Volpi, Composição Concreta, Ampulheta, 1960. 146 Fonte: http://entretenimento.uol.com.br/album/volpi_musicacor_album.jhtm Figura 95: Azeredo, o sonho e o escravo, 1966. 147 Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora). Figura 96: Azeredo, poema labor torpor, 1964. 148 Fonte: livro Teoria da Poesia Concreta, 2006, p. 231. 15 Figura 97: Augusto de Campos, olho por olho, 1964. 149 Fonte: livro Poesia Concreta: o projeto verbivocovisual, 2008, p. 54. Figura 98: Azeredo, Mulher de pérolas, 1971. 150 Fonte: http://www.erratica.com.br/opus/71/roland.html Figura 99: Azeredo, livro s/ título, referido como poema da célula, 1972. 151 Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora). Figura 100: Azeredo, Automação x paisagem, 1973. 151 Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora). Figura 101: Azeredo, prancha de pensamento impresso, 1974. 152 Fonte: http://www.erratica.com.br/opus/71/roland.html Figura 102: Azeredo, Panagens, 1975. 152 Fonte: foto da exposição Ronaldo Azeredo, na Casa das Rosas, 2013. Figura 103: Azeredo, Labirintexto, 1976. Poema-cartaz. 153 Fonte: www.poesiaconcreta.com/poema/labirintexto.html Figura 104: Azeredo, Armar, 1977. 154 Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora). Figura 105: Azeredo, Céu mar, 1978. 155 Fonte: www.poesiaconcreta.com/poema/ceumar.html Figura 106: Duchamp, Étant donnés, 1946-66. 156 Fonte: http://www.toutfait.com/issues/issue_3/Articles/Hoy/etantdon_en.html Figura 107: Azeredo, casa de boneca, 1980. 156 Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora). Figura 108: Azeredo, Enquanto durou, 1984. 157 Fonte: http://www.erratica.com.br/opus/71/roland.html Figura 109: Azeredo, 1991. Texto explicativo que acompanha a obra noitenoitenoite. 158 Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora). Figura 110: Azeredo, noitenoitenoite, 1991. Obra em alumínio anodizado. 159 Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora). Figura 111: Azeredo, lá bis os dois, 2002. 161 Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora). Figura 112: Azeredo, lá bis os dois, 2002. 162 Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora). Figura 113: Jogos Vectorais: Pintura em vermelho e preto, 1954-1956. 168 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 114: Jogos Matemáticos: Relevo em vermelho e azul, 1955-1956. 169 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 115: Série Tecelares, 1956. 169 Fonte: livro Lygia Pape: Espaço imantado, 2012, p. 127. Figura 116: Série Tecelares, 1957. 170 Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa950/lygia-pape 16 Figura 117: Lygia Clark, Plano em superfícies moduladas nº 2, 1956. 172 Fonte: http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo3/frente/clark/obra.html Figura 118: Lygia Clark, série Bichos, 1959. 172 Fonte: http://portfolioinfoco.blogspot.com.br/ Figura 119: Hélio Oiticica: relevos Espaciais, 1959. 173 Fonte: https://www.mercadoarte.com.br Figura 120: Ballet Neoconcreto I, 1958. 173 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 121: Poema luz Em vão, 1956-1957. 176 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 122: Poema luz Sono, 1956-1957. 176 Fonte: Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 195. Figura 123: Poema objeto Em vão, 1957. 177 Fonte: Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 197. Figura 124: Poema objeto, 1957. Papel cartão e texto. 178 Fonte: Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 201. Figura 125: Livro poema, 1960. Papel cartão/texto. 179 Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 203. Figura 126: Livro poema, 1960. Papel cartão/texto. 179 Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 202. Figura 127: Caixa das Baratas, 1967. 180 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 128: Caixa das Formigas, 1967. 181 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 129: Poema visual: Caixa Brasil, 1968. 182 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 130: Poema visual, 1997. 182 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 131: Páginas do Livro da criação. 1959-1960. 184 Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ Figura 132: Livro da criação: Fogo. 1959-1960. Guache sobre cartão. 186 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 133: Livro da criação: As águas foram baixando e O homem começou a marcar o tempo. 187 Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 225. Figura 134: Grego, 1959-1960. 188 Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 232. Figura 135: Gótico, 1959-1960. 188 Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 234. Figura 136: Oásis, 1959-1960. 188 Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 230. 17 Figura 137: Lance livre de concreto, 1959-1960. 189 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 138: Livro do tempo, 1961. Têmpera sobre madeira. 189 Fonte: http://www.criticismism.com/ Figura 139: Livro da luz, 1963-1976. Têmpera sobre madeira. 190 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 140: Livro dos caminhos, 1963-1976. Madeira, têmpera e óleo. 190 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 141: Livro das Nuvens, 1983. 191 Fonte: http://www.lygiapape.org.br Figura 142: Instalação Livros: Esferas, Sempre, Luz e Silencioso, 2001. 191 Fonte: http://www.lygiapape.org.br/ Figura 143: Caderno de desenho, 1981. 198 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 144: Ibiscos e rabiscos, Edições Terra à vista, 1982. 198 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 145: Linha de costura, Editora Iluminuras, 1997. 199 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 146: Vão, Edições A, 1999. Impressão digital. Tiragem: 100 exemplares. 200 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 147: O que fica do que escapa, Edições A, 2001. 201 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 148: Rasuras, Edições A, 2002. Impressão digital - Takano. Bolsa Vitae. Tiragem única. 202 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 149: Fiação, Edições A, 2004. 203 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 150: Fresta, Edições A, 2004. 204 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 151: Livro Cego, 2007. 205 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 152: Trilhos, Edições A, 2007. Tiragem única. 205-6 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 153: Desenhos, Edições A, 2007. Impressão Gráfica Águia - offset. 206 Fonte: fotos tiradas pela pesquisadora. Figura 154: Se o mar inteiro sob o leito de um rio, 2008. 207 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 155: Em deslize, Edições A, 2010. 208 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 156: Quadrante, Edições A., 2011. 209 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista 18 Figura 157: Avesso, Edições Tijuana, 2012. 210 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 158: Atilho. Edições A, 2013. 211 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista. Foto: Katia Kuwabara. Figura 159: Metragem, Edições A, 2013. 211 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista. Foto: Ruth Alvarez. Figura 160: Cifrado, Edições A, 2014. Impressão offset - gráfica Águia. 212 Fonte: fotos tiradas pela pesquisadora. Figura 161: Binário, Edições Tijuana, 2014. 213 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 162: exposição Ângulos, 2004. Galeria Marília Razuk, São Paulo. 215 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 163: exposição Onda Seca, 2007. Pinacoteca do Estado de São Paulo. 216 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 164: exposição Dia Um, 2010. Galeria Virgílio. 216 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 165: Metragem, 2011. Sesc Bom Retiro, exposição Lições da linha. 217 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 166: exposição Tabuleiro: 2 ou + Pretextos Poéticos, 2014. 218 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 167: exposição Tabuleiro: 2 ou + Pretextos Poéticos, 2014. 218 Fonte: http://www.oficinasculturais.org.br Figura 168: Cópia: Dia um, Edições A., 2010. Tiragem: 50 exemplares. 220 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 169: Notações Coreográficas, 2012. 221 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 170: Tábula, 2012. 222 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 171: Arcada, 2013. 223 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 172: Tábula, 2013. 224 Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/ Figura 173: Tábula, 2015. Livro contemplado pelo Edital Proac em parceria com Edições Ikrek. 225 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista Figura 174: Tábula, 2015. 226 Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista 19 SUMÁRIO RESUMO 8 ABSTRACT 9 INTRODUÇÃO 20 CAPÍTULO 1: Caminhar do Livro de artista 30 1.1 Desvelando esta arte 31 1.2 Vanguardas artísticas 39 1.3 Manifestações no Brasil 69 1.4 Experimentações 90 CAPÍTULO 2: Conversas iniciais, quando a palavra vira imagem 109 2.1 Sobre palavras e imagens 110 2.2 Mira Schendel e o universo das palavras 117 2.3 Cadernos: narrativas visuais 130 CAPÍTULO 3: A imagem da palavra 137 3.1 Poeta inventor: Ronaldo Azeredo 138 3.2 Experimentações visuais 150 3.3 Lá bis os dois 161 CAPÍTULO 4: Caixas de poesias de Lygia Pape 165 4.1 Abrindo as caixas 166 4.2 Palavra e imagem 175 4.3 Poemas visuais 180 4.4 Livros 183 CAPÍTULO 5: Amarrando linhas com Edith Derdyk 193 5.1 Desfolhando a artista 195 5.2 Livros experimentais 198 5.3 Costurando o espaço 214 5.4 Tábula: alinhavando escrituras 219 CONSIDERAÇÕES FINAIS 227 BIBLIOGRAFIA 233 ANEXO Brincando com o livro de artista 239 20 INTRODUÇÃO 21 Cada palavra potencialmente é uma imagem e cada imagem potencialmente é uma palavra [...] Toda imagem sobrevive na palavra de outro que fala dessa imagem e toda a palavra sobrevive na imagem que essa palavra potencialmente constrói. Luiz Pérez-Oramas 1 O processo é lento, gradual A narrativa começa a nascer As palavras nem sempre fluem Dúvidas e caminhos a seguir Corte, recorte Palavras, letras, livros Imagens se misturam às palavras Livro... de artista? Cores e formas entrelaçadas A linha quer nascer, a forma quer crescer Busco nas nuvens de Pape um significado às minhas dúvidas As caixas de Duchamp me fascinam Abre, fecha, abre Beleza, forma, arte Escritas e pensamentos Letras, imagens Palavras que não saem Cadê minhas imagens? Mira Schendel me inspira em suas constelações E pensar que tudo começou com Azeredo... A relação palavra e imagem sempre foi presença marcante em minha vida, seja profissionalmente ou artisticamente. No mestrado pesquisei esse tema dentro do recorte da literatura infantil, explorando os diálogos entre a ilustração e o texto. Trabalhei a leitura de ilustração e sua relação com o verbal, que se encontra nos títulos, nas expressões, na narrativa 1 PÉREZ-ORAMAS, Luis. Falar imagens. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8alRYmRm0M8. Acesso em: 15 out. 2011. 22 da história. A vontade de continuar estudando esse assunto me levou a uma nova pesquisa, com mais abrangência, abrindo novas janelas de conhecimento. Desvelar pontos de encontro entre palavra e imagem dentro das Artes, Poesia e Design é o objetivo desta pesquisa. Onde palavra e imagem iniciam seus encontros? Pretendo retomar as origens dessas relações, sendo o Livro de Artista uma das vertentes desse estudo, um fio condutor dessas reflexões. Quais suportes usados e sua exploração, quais as influências dos movimentos artísticos e como isso refletiu nas representações artísticas são alguns dos meus questionamentos iniciais. Artes, Poesia e Design se intercambiam principalmente dentro das explosões de experimentações dos movimentos que surgiram no início do século XX. Na verdade, as fronteiras entre essas linguagens foram sendo diluídas com o tempo. Marshall Berman (1986: 26) afirma que artistas, escritores, compositores, dançarinos, cineastas deveriam “romper os limites de suas especializações e trabalhar juntos em produções e performances interdisciplinares, que poderiam criar formas de arte mais ricas e polivalentes”. Para Bauman (2001: 7), a fluidez sofre uma constante mudança da forma quando submetida a uma determinada tensão. Fronteiras líquidas, que não mantêm sua forma com facilidade, não fixam o espaço e nem prendem o tempo. “Fluem, escorrem, esvaem-se, respingam, transbordam, vazam, inundam, borrifam, pingam” (Bauman, 2001: 8); não são facilmente contidas, contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho. Essa é a metáfora que escolhi para representar essa mistura de fronteiras, onde uma linguagem interfere na outra, usando os códigos uma da outra o tempo todo, ocorrendo assim a flexibilização, fluidez crescente, derretimento, rompimento de limites. A poesia, além das palavras, usa códigos visuais em suas representações, assim como a arte. O design usa e formata a escrita e a imagem, dispondo do verbal e visual no espaço gráfico, retirando recursos das mídias e das artes. Por fim, as artes retiram recursos da escrita, como palavras e letras, em que temos a artista Mira Schendel como exemplo dessa forma de expressão. A revolução industrial permitiu que essas linguagens se aproximassem, havendo uma transgressão dos meios. 23 Hoje somos submetidos diariamente a grande quantidade de imagens vindas das mídias, como televisão, videogame, meios eletrônicos, revistas, livros, cartazes; logo, a capacidade de ler imagens é indispensável para a formação de pessoas atuantes. Discutir o verbal e o visual nos permite a construção de um olhar mais sensível para a nossa realidade, gerando pessoas críticas e participativas de todo o universo icônico que nos cerca. Ou seja, melhores leitores e apreciadores das artes visuais e da visualidade em nosso entorno. Ler imagem é diferente de enxergar, é um processo de análise e reflexão, uma das faculdades do pensar. Dondis (1997: 227) discute essa questão em Sintaxe da linguagem visual e elabora a ideia de alfabetismo visual: Alfabetismo visual implica compreensão e meios de ver e compartilhar o significado a um certo nível de universalidade. Uma pessoa letrada pode ser definida como aquela capaz de ler e escrever, mas essa definição pode ampliar-se, passando a indicar uma pessoa instruída. No caso do alfabetismo visual também se pode fazer a mesma ampliação de significado. Além de oferecer um corpo de informações e experiências compartilhadas, o alfabetismo visual traz em si a promessa de uma compreensão culta dessas informações e experiências. Quando nos damos conta dos inúmeros conceitos necessários para a conquista do alfabetismo visual, a complexidade da tarefa se torna muito evidente. Alfabetismo significa participação e, transforma todos que o alcançam, em observadores menos passivos. Alfabetismo visual quer dizer inteligência visual e, maior inteligência visual nos leva a uma melhor compreensão de todos os significados assumidos pelas formas visuais; aumentando a inteligência humana e ampliando o espírito criativo. Acredito na importância do olhar crítico em relação à visualidade, por isso a relevância desse estudo. Devemos pensar sobre a imagem e sua relação com o verbal, levantando questões tão contemporâneas como a grande quantidade de imagens que recebemos no dia-a-dia e a constatação que precisamos ter um olhar apurado sobre elas, por isso a necessidade de ver o mundo com um novo olhar. Ao fazer o entrelaçamento entre Artes, Poesia e Design, discuto a questão da visualidade hoje. A paixão pelo livro me guiou na escolha desse tema. O primeiro contato começa com o olhar, que pouco a pouco desvenda cada detalhe desse objeto: capa, cores, disposição do título, imagens escolhidas. Também me atrai os recursos de impressão, texturas e suas infinitas possibilidades de combinações. Depois vem o formato, fontes eleitas, papel, projeto gráfico. 24 Uma nova descoberta e surpresa ao folhear o material, o toque para, finalmente absorver as informações e propostas. O livro, para mim, é um objeto de desejo. A presença da palavra e da imagem, seja no livro, na arte ou na poesia, reflete muito das minhas escolhas de vida: amor pela arte e pelo design. O diálogo entre essas linguagens leva-me a repensar seus desdobramentos no decorrer da história da arte até os dias de hoje. Admirar o design trabalhado em cada obra me fascina. Devido a essa paixão e curiosidade, surgiu a vontade desta pesquisa. Pretendo explorar os seguintes entrelaçamentos: a palavra nas artes plásticas, como os artistas usaram esses recursos, a imagem na literatura, o design gráfico como arte, a literatura e o design gráfico, a poesia visual e o concretismo, e finalmente, o Livro de Artista. Qual é o diálogo entre palavra e imagem que poderei encontrar no Livro de Artista? Como ocorre? As barreiras entre as linguagens (arte, poesia e design) são de fato líquidas? Dentro desse diálogo, como cada artista ou poeta trabalhou essa relação? Quais semelhanças ou diferenças foram encontradas em suas produções de Livros de Artista? A relação verbal e visual existe há muito tempo. A imagem é uma das expressões mais antigas do homem, e seria interessante pensar nas pinturas rupestres como narrativas visuais onde os homens transmitiam mensagens. Desenhando, eles se comunicavam, construíam uma narrativa do seu cotidiano, expressando seus medos e desejos. Com o uso de tábuas de argila, papiros, pergaminhos, o homem traça sinais variados. Desde os primórdios da escrita (que hoje conhecemos) palavra e imagem interagem. No Egito, temos os Livros dos Mortos, que eram ilustrados com cenas muito vivas, acompanhando o texto com singular eficácia. Na Idade Média, no início do século XIV, a iconografia bíblica foi reunida em forma de livro, os manuscritos; e o diálogo entre o verbal e o visual começa a se fazer presente com as iluminuras. Artistas e gravadores passam a representar imagens em pergaminho e papel. A linguagem escrita era privilégio de uma casta monárquica e religiosa, para a grande massa só existia a linguagem oral. Livros de imagens tornaram-se populares e ficaram conhecidos como “Bibliae pauperum, ou Bíblia dos pobres” (Manguel, 1997: 123), eram grandes livros de figuras e ficavam abertas sobre um suporte para expor imagens aos fiéis. A Bíblia foi o primeiro livro impresso, em 1450, graças à invenção da tipografia (método de impressão por tipos móveis) por Johannes Gutenberg em Mainz, na Alemanha (Fischer, 2006: 25 188). Importante ressaltar que os chineses já haviam usado, vários séculos antes, o tipo móvel na impressão. Os livros tinham letra irregular, ausência de paginação ou assinatura, imitando o manuscrito; a partir de 1500, com o aperfeiçoamento da impressão, o livro vai se modificando, possibilitando tiragens e divulgação maiores e mais rápidas. O desenvolvimento da indústria do livro permitiu a expansão da escrita. Durante o século XX, pode-se constatar um forte diálogo entre as artes visuais e a literatura, ocorrendo a diluição dos limites, provocando a aproximação entre essas linguagens. Nas colagens cubistas, artistas se apropriam de fragmentos de textos e palavras em suas obras, os poetas começaram a se conscientizar da visualidade da escrita e do espaço da página. Como exemplo dessa integração entre palavra e imagem, tem-se os Livros de Artista, em que antigas formas de expressão foram retomadas com novos contornos. Obras que rompem as fronteiras atribuídas aos livros de leitura e se assumem como objetos de arte, representando uma nova linguagem, entre o linear e o visual, entre a literatura e as artes. No Livro de Artista, os conhecimentos extrapolaram a leitura textual e foram potencializados com imagens e vice-versa. O design gráfico mostrou-se como campo de ação importante no sentido de abrir caminho para outras interações, não apenas da leitura verbal. Ao estudar os precursores do Livro de Artista, a relação entre Arte, Design e Poesia é bem nítida. Segundo Drucker (2012: 21), o Livro de Artista não surgiu de maneira linear, havendo pontos simultâneos de origem, pode-se localizar seus primórdios nas vanguardas artísticas do início do século XX: quando artistas desses movimentos fizeram diversas experimentações entrelaçando palavra e imagem. No Brasil, as experiências dos poetas e artistas visuais no período Concreto (1950 a 1960), são apontadas como o início de uma preocupação com o verbal e sua relação com a estrutura visual, havendo o uso de signos gráficos na poesia. Em 1952 ocorre a formação do Grupo Noigandres, com Décio Pignatari e Augusto e Haroldo de Campos (São Paulo). Poetas se ligam a outras linguagens como as artes plásticas e a música. Das atividades desse grupo emergiu o movimento Poesia Concreta. Na Poesia Concreta são trabalhados os aspectos formais e sonoros das palavras. Há uma nova sintaxe-visual do texto. Os poetas concretos desenvolveram experiências que se desdobraram em muitas pesquisas relacionadas ao campo das artes gráficas. Desenvolveram seus próprios livros-objeto, como Poemóbiles e Caixa Preta de Augusto de Campos e Julio Plaza. Os 26 poetas concretos estavam mais para “designers de linguagem” do que para escritores (Campos, 1974: 137). Baseando-se nos princípios de relação, justaposição, correlação, escrita ideogrâmica, na Poesia Concreta trabalha-se os elementos gráficos; explorando os fatores gestálticos de proximidade e semelhança visual. Essas experiências foram precedidas por Wlademir Dias Pino e a criação do livro-poema A Ave (1956), cuja poética propunha a simultaneidade do visual e verbal e, obteve importância pela participação dada ao fruidor para a obra se completar. Conforme manipulava suas páginas e camadas de códigos, determinava o ritmo da leitura, possibilitando uma experiência poética cinético-temporal. Durante os anos 1970, dentro do universo do Concretismo, Neoconcretismo e desdobramentos, ocorre uma explosão de Livros de Artista, havendo uma radicalização de experimentações. Artistas se lançaram em múltiplas direções, explorando as mais diferentes possibilidades de expressão. A produção rica, em que texto e imagem interagem de maneiras diversas, provocando a dissolução das fronteiras entre poesia e artes, como no livro-poema Oxigênesis (1977), de Villari Hermann, palavra e imagem estão em contexto único e simultâneo. Poesia visual, arte, tipografia, texto, imagem, design se intercambiam de uma maneira que seus limites vão se esvaindo. As fronteiras de nomeações somem: arte ou poesia, livro-objeto ou arte, design ou poesia? Palavra e imagem se entrelaçam, dialogando. São vários os meus questionamentos, e minha intenção nessa pesquisa é descobrir algumas respostas, fazer novos recortes e, quem sabe, propor novas questões para novas pesquisas. A ideia é situar as descobertas feitas na pesquisa bibliográfica e na análise das obras em um contexto mais profundo. Analisar mais a fundo, buscando resultados implícitos deixando, assim, a pesquisa instigante para novos olhares, e questionamentos, não se encerrando nela, abrindo janelas que ampliem mentes e pensamentos. No capítulo 1, conceituo Livro de Artista partindo da leitura de diversos autores, entre eles Ulises Carrión, Julio Plaza, Paulo Silveira, Johanna Drucker, Riva Castleman, Anne Moeglin- Delcroix, Clive Phillpot, Annateresa Fabris, Márcio Doctors, Maria do Carmo de Freitas Veneroso. Traço a contextualização histórica, explicitando quais os precursores dessa modalidade e as influências que as vanguardas artísticas europeias exerceram nessa arte, usando como suporte as obras de Rafael Cardoso (Uma introdução à história do Design) e 27 Richard Hollis (Design Gráfico: uma história concisa). Finalizo fazendo relações com a Poesia e Arte Concreta no Brasil, assinalando seus desdobramentos e influências nos artistas brasileiros, traçando diálogo entre palavra e imagem, usando o Livro de Artista como fio condutor desse processo. Dentro da Poesia Concreta, autores como Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, forneceram base para meus estudos. O livro Teoria da Poesia Concreta (2006) traz textos e manifestos publicados entre 1950 e 1960, que prepararam e fomentaram o movimento da Poesia Concreta. Entre os artigos, estão as influências que sofreram da Arte Concreta, seus precursores (Mallarmé, Ezra Pound, James Joyce, e. e. Cummings, Apollinaire), referências nacionais (João Cabral de Melo Neto e Oswald de Andrade) e internacionais, além dos procedimentos empregados na construção poética pelos concretistas, sua nova linguagem e visualidade; e os documentos em Arte concreta paulista (2002), de João Bandeira e Lenora de Barros, fonte de referência desse movimento no Brasil e suas influências na Poesia Concreta. Delimitei o tempo histórico da pesquisa trabalhando no início do século XX, época da eclosão dos movimentos artísticos modernistas, em plena revolução industrial, quando houve grande desenvolvimento dos recursos materiais, pesquisas, e que possibilitou o uso desses recursos no design gráfico, artes e poesia visual. Meu recorte no Brasil se dá por volta dos anos 1950, auge da Poesia Concreta, e quando poetas e artistas se unem para grandes experimentações visuais, sonoras e da forma, explorando possibilidades de suporte e materiais. Essas experimentações refletiram na arte e no design. No capítulo 2, Conversas iniciais, quando a palavra vira imagem, começo traçando considerações sobre palavra e imagem baseada na leitura de Lucia Santaella, Winfried Nöth, Lucrécia D’Aléssio Ferrara, Anne-Marie Christin, Donis A. Dondis, Alberto Manguel, entre outros, para definições e conceituações teóricas. Santaella e Nöth (2008: 53) situam a imagem em relação ao texto e seu contexto. Material rico para meu objeto de pesquisa, os autores afirmam que a relação entre a imagem e seu contexto verbal pode ser íntima e variada, destacando que a imagem pode ilustrar um texto verbal ou o texto pode esclarecer a imagem na forma de um comentário. O contexto mais importante da imagem é a linguagem verbal, no entanto outras mídias podem modificar sua mensagem. Santaella e Nöth discorrem sobre a relação verbal e visual, tópico importante dessa pesquisa, citando autores que abordaram o tema de alguma forma, como C. S. Pierce e a semiótica, que apresentou variadas 28 classificações, fornecendo uma gama de ferramentas úteis para poder analisar e penetrar a fundo nos signos. Exploram a relação palavra e imagem, indagando sobre os atributos imagéticos na própria palavra, assim como o que a imagem tem em comum com a palavra. Como corpus inicial da pesquisa, decidi trabalhar com os chamados Cadernos, livros de artista da suíça radicada no Brasil, Mira Schendel, que pesquisou de diversas maneiras a disposição das letras no espaço, explorando a visualidade de seu suporte. Trabalhou sua obra centrada na linguagem como materialidade, e pensou a palavra como algo verbalmente inteligível, transformando-a em imagem visível. Sendo sua produção muito vasta, realizo um recorte em obras diretamente relacionada com o uso das palavras. No capítulo 3, A imagem da palavra, abordo a produção de Ronaldo Azeredo, poeta visual brasileiro aberto a experimentações. Integrante do grupo Noigandres, trabalhou com grande variedade de suportes e técnicas em sua produção poética. Não se prendeu ao signo verbal, estendendo os limites da poesia ao dialogar com a visualidade. A escolha por sua obra se deu principalmente por esse diálogo entre palavra e imagem, forte característica que herdou da Poesia Concreta, e por sua produção relacionada aos livros de artista, como os livros-poema. Seguindo minha linha de pensamento e meus questionamentos, meu caminhar se dá sempre na busca de entrelaçamentos entre palavra e imagem, construindo diálogo entre suas criações, sem deixar de traçar relações entre Artes, Poesia e Design. Para essa conversa selecionei uma de suas obras finais, o Livro de Artista Lá Bis os Dois. Não posso deixar de fora dessa trajetória a obra de Lygia Pape, artista, designer, professora universitária, poeta visual, e participante do movimento de Arte Concreta e Neoconcreta do Brasil. Artista que se destacou no cenário da arte brasileira, seja devido ao grau de experimentação atingido em sua produção ou pela constante mutação de suas obras; suas experiências com os livros de artista, pensando espaço, espectador, poesia, palavra, acabam fortalecendo minhas investigações e as relações entre palavra e imagem que surgem a partir da narrativa visual dessas obras. No capítulo 4, Caixas de Poesia de Lygia Pape, busco a relação entre palavra e imagem em suas produções de livros de artista, importantes obras devido ao tratamento dado a essas criações; as páginas de seus livros se desdobram na tridimensionalidade, ocorrendo leituras sem palavras e narrativas que se constroem a partir de formas, páginas, objetos. 29 Continuo minhas costuras no capítulo 5: Amarrando linhas com Edith Derdyk, onde pesquiso uma artista brasileira que trabalha com o Livro de Artista há muito tempo, pensando e questionando essa mídia de diversas formas, sempre transitando entre os territórios da arte, da palavra, da música e do design; sendo uma artista contemporânea com obras reconhecidas, como os livros de artista que foram selecionados para fazer parte do acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). Derdyk produz, cria, risca, rabisca, rascunha, escreve, tece, textualiza e assim nasce uma nova arte, um novo objeto, um novo livro. Realizei um levantamento de sua produção de livros de artista, fazendo relação com sua poética artística; fiz entrelaçamento entre palavra e imagem, pensando nas fronteiras e os transbordamentos entre as linguagens e, observando o diálogo existente nos livros de artista. Com a obra de Derdyk, busco um fechamento das linguagens, das conversas, dos livros, das produções, finalizando com minhas considerações sobre essa caminhada. Como ocorreu o diálogo entre palavra e imagem frente a diferentes produções feitas por um poeta ou por artistas visuais? As fronteiras que questiono ainda existem? Diálogos que nem sempre significaram concordância, resultando muitas vezes em diferenças entre as linguagens. Fecho esta pesquisa com Brincando com o livro de artista, onde compartilho o relato de experiência sobre a produção de livros de artista feita pelos alunos de 1º ano do ensino médio da Escola Técnica Estadual São Paulo. Descrevo como foi feita a proposição, as temáticas trabalhadas, as materialidades do suporte e relação entre esta produção e os livros de artista estudados. Buscando demonstrar, com a aplicação prática da construção do livro de artista, o entrelaçamento que ocorre entre Poesia, Arte e Design, mais uma vez, explicitando as fronteiras líquidas entre essas linguagens. 30 CAPÍTULO 1: CAMINHAR DO LIVRO DE ARTISTA 31 1.1 Desvelando esta arte O livro de artista contemporâneo […] é entendido como um campo de atuação artística (uma categoria) e, simultaneamente, como o produto desse campo, um resultado específico das artes visuais. Paulo Silveira 2 Apenas recentemente, a partir do ano de 1980, é que o Livro de Artista começou a ser alvo de uma investigação crítica por parte dos pesquisadores no Brasil. Começo citando o artigo escrito por Julio Plaza O livro como forma de arte, publicado em duas partes na revista Arte em São Paulo, em 1982, que trouxe as primeiras contribuições acerca dessa arte. Outros registros encontrados foram os textos teóricos dos catálogos das mostras Tendências do Livro de Artistas no Brasil, São Paulo, 1985, com curadoria de Annateresa Fabris e Cacilda Teixeira da Costa; Livro-Objeto: a Fronteira dos Vazios, São Paulo, 1994, com curadoria de Marcio Doctors; Ex Libris/Home Page, São Paulo, 1996, com curadoria de Giselle Beiguelman e Sérgio Pizoli; Arte Livro Gaúcho: 1950-1983, Porto Alegre, 1983, com curadoria de Vera Chaves. Assim como os textos do catálogo da mostra itinerante na Itália, de 1993, Brasil: sinais de arte, livros e vídeos 1950-1993, embora as experimentações feitas pelos poetas concretos paulistas Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos juntamente com Julio Plaza tenham ocorrido cedo, a partir do movimento construtivo no Brasil dos anos 1950, 1960, estendendo-se por 1970, promovendo um estreito vínculo entre poesia e artes plásticas. Importante destacar a publicação do livro A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista, de 2001, de Paulo Silveira, onde realizou um levantamento das produções de livros de artista a partir de 1990, relacionando com seus predecessores, e fez uma revisão da literatura disponível sobre o assunto, estabelecendo algumas categorias de livro de artista. Os autores trabalhados por Silveira foram Riva Castleman, Johanna Drucker, Anne Moeglin-Delcroix e Clive Phillpot, que possuem trabalhos considerados essenciais para discutir conceitos de livros de artista, além da coletânea de ensaios e artigos Artists’ books: a critical anthology and sourcebook, organizada por Joan Lyons em 1985. 2 Silveira, 2008: 21. 32 Castleman publicou A century of artists books (Um século de livros de artista), 1994, para a exposição do mesmo nome que ocorreu no MOMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), da qual foi curadora-geral, com intenção de mostrar como a presença ou interferência do artista visual conformou os modernos livros de artistas feitos na Europa e nos Estados Unidos, durante um período de cem anos. De acordo com Castleman (apud Silveira, 2008: 36), livros de artista são a “obra do artista cujo imaginário, mais do que estar submetido ao texto, supera- o por traduzi-lo dentro de uma linguagem que tem mais significados do que as palavras sozinhas podem transmitir”. Para a pesquisadora, a totalidade do objeto livro deveria ficar no controle criativo do artista. A obra The century of artistsʼ book (O século dos livros de artistas), 1995, de Johanna Drucker foi resultado de uma profunda pesquisa, onde a autora percebeu a necessidade de um estudo crítico nesse campo, buscando manter vivo o embate conceitual para melhor entendimento dessa mídia. Segundo a autora, o Livro de Artista é uma forma de arte exclusiva do século XX, e embora tenha recebido influências de experiências anteriores, como os livres d’artistes (livro ilustrado ou edições de luxo, finamente produzidos e voltados para um mercado de elite), houve muito poucas ocorrências no século passado. Para Drucker, os livros de artistas operam no espaço conceitual, ou seja, questionam sua forma conceitual ou material do livro como parte do processo criativo, diferentemente do que ocorria com os livres d’artistes. “Livros de artistas são quase sempre autoconscientes sobre a estrutura e significado do livro como forma” (2012: 4). Considerando também os livros de artistas como um espaço construído pelas intersecções de linguagens, ideias, campos de atividade, materiais, técnicas. Anne Moeglin-Delcroix aparece como um dos principais nomes nesse campo de estudos na Europa, sendo Esthétique du livre dʼartiste: 1960-1980, de 1997, uma obra de fôlego que sucedeu as produções anteriores de Castleman e Drucker. Anteriormente, em 1985, havia escrito o catálogo da exposição Livres d’artistes, onde levantou problemas e particularidades das expressões livre d’artiste (livro de artista) e livre illustré (livro ilustrado), tendo respaldo em importantes nomes como Clive Phillpot, Paul-Armand Gette e Hubert Kretschmer, sem deixar de lado a tradição francesa do livro ilustrado. Neste catálogo, a autora buscou uma organização que equilibra o conceito entre a arte e a bibliofilia, mas apenas com obras a partir de 1960, provocando o “rompimento da qualificação entre livre d’artiste da qualificação livre illustré, afirmando a autonomia da obra plástica de vanguarda da obra de colaboração conservadora” (Silveira, 2008: 41). Caracteriza, assim, um campo a ser subdividido pelo 33 papel desempenhado pelo livro na produção do artista, o livro atuará como suporte ou como objeto: livro-objeto, trabalhos escultóricos e não-livro. Em entrevista concedida a Silveira, em 1999, Moeglin-Delcroix afirma: o que me parece essencial ao livro de artista (e por isso tem esse nome) é que o artista exerce total responsabilidade sobre o livro, da concepção à realização e, às vezes, à divulgação. Ele tem o domínio total sobre tudo (mesmo que não o fabrique com suas próprias mãos) justamente porque o livro é uma obra no sentido pleno do termo, ou seja, é concebido de tal maneira que todos os aspectos do livro participam da significação. O livro não é aí um simples continente ou suporte para uma mensagem que seria independente dele, como é o caso dos livros de literatura ou dos livros em geral (2008: 286-287). Clive Phillpot se destaca devido sua experiência na direção da biblioteca do MOMA em Nova York, local onde constituiu a maior coleção mundial de livros de artista. Books, book objects, bookworks, artists’ books foi um importante artigo publicado na revista Artforum, em maio de 1982, onde amplia o conceito que ainda estava se estabelecendo de “livros feitos por artistas” para “feitos ou concebidos por artistas” (apud Silveira, 2008: 46). Phillpot leva em conta a presença eventual de outros profissionais no processo de construção do Livro de Artista e também reconhece a tendência das artes visuais contemporâneas serem categorizadas segundo sua mídia, como vídeo-arte ou body art. Para o autor havia a necessidade de estabelecer o termo Livro de Artista para poder demarcar território que excluísse a antiga tradição da arte do livro e a indústria do livro de arte. Havia o conceito implícito que os livros de artistas eram somente uma linha secundária para artistas, cuja principal atividade era outra, como a pintura ou escultura. Definindo, cita Carrión (apud Silveira, 2008: 46) e seu entendimento de bookworks, livros em que a forma do livro, uma sequência coerente de páginas, determina condições de leitura que são intrínsecas ao trabalho: livro-obra. Silveira afirma que para Phillpot (2008: 47), “o Livro de Artista pode ser apenas um livro convencional, pode ser um livro-objeto, ou pode ser um livro-obra, pertencendo tanto à arte como à bibliofilia”, que podem ser únicos ou múltiplos. Os livros-objetos frequentemente apenas se parecem com livros, podendo ser objetos sólidos que não podem ser abertos, se tornando assim uma escultura. 34 O artigo O livro como forma de arte, escrito por Julio Plaza, foi pioneiro em sua contribuição, colocando à nossa disposição uma série de ferramentas para classificar e começar a entender o livro de artista. Plaza demonstra que o Livro de Artista poderia se apresentar em três tipos de montagem: a sintática, onde a mensagem estética é voltada para si mesma, aparecendo nos livros que tem seu suporte como forma significante, ou seja, onde existe interpenetração entre a informação e o suporte, como no livro-objeto, e a estrutura espaço-temporal do livro é levada em conta, sendo intraduzível para outro sistema ou meio; montagem semântica (colagem) ou montagem por contiguidade, caso dos livros ilustrados; e montagem pragmática ou bricolagem, onde ocorre a mistura de elementos provenientes de outras estruturas estéticas, como nos livros formados por documentos e publicações coletivas. Plaza também construiu um diagrama onde pretendia reunir todas as categorias de livros encontradas em dois grandes grupos: o sintético-ideogrâmico, formado pelo livro ilustrado, o poema-livro e o livro-poema (livro-objeto, livro-obra) e o analítico-discursivo ou livro anartístico, formado pelo livro conceitual, o livro-documento e o livro intermedia. Além do antilivro, classificação fora dos livros de artistas, onde a ideia do livro se esvai e extrapola para outra linguagem. Mesmo reconhecendo a importância deste artigo como um dos primeiros instrumentos de referência publicados no Brasil, Silveira (2008: 59) acredita que o texto gere algumas dúvidas apesar de seu rigor na classificação tipológica, pois Plaza fica indefinido pela escolha da grafia de livro de artista, que poderia ter sido redigido com hífens assim como o fez no catálogo da XVI Bienal de Arte de São Paulo (1981). Silveira também sente falta de apropriações de definições sobre o termo Livro de Artista e afirma que as referências usadas feitas a partir do texto de Carrión, A nova arte de fazer livros, apesar de serem valiosas contribuições ao pensamento de Plaza sobre a natureza sequencial do livro, estão misturadas, dificultando a separação. A leitura de diversos autores contribuiu para que houvesse uma maior compreensão sobre o campo do Livro de Artista e suas conceituações. A ideia foi buscar o entendimento das especificidades dessa linguagem, evidenciando qual o espaço ocupado pelo livro de artista, por ser este um campo de natureza híbrida, com fronteiras fluidas. 35 Para Fabris e Costa, o Livro de Artista constitui uma forma de arte em si, configurando-se como uma “unidade expressiva que veicula uma determinada ideia de arte e que incorpora em seu processo estrutural o elemento fundamental na construção do livro: sua natureza sequencial” (1985: 5). No Livro de Artista é trabalhada a sequência de espaços (as páginas) e o tempo que o leitor usa para manuseá-las, estabelecendo uma relação entre objeto e fruidor. Segundo Carrión (2011: 5), um livro é uma sequência de espaços, de momentos. Um livro é uma sequência de espaço-tempo. O Livro de Artista explora sempre as características estruturais do livro, sendo a soma de todas as páginas percebidas em momentos diferentes. As páginas funcionam como espaços ativos para a construção da obra, fazendo parte do processo poético, uma vez que podem gerar significações próprias. O campo do Livro de Artista tem fronteiras indefinidas. Vivemos um “esgotamento dos termos tradicionais como pintura, escultura ou desenho” (Doctors, 1994: 4), termos que não dão mais conta da complexidade atual do mundo e das expressões plásticas. Durante o século XX, constatou-se diálogo entre as artes visuais e a literatura, colaborando para a diluição dos limites e provocando uma aproximação entre essas linguagens. Poetas se conscientizaram da visualidade da escrita e da página, enquanto os artistas plásticos resgatavam a origem visual das palavras, utilizando elementos textuais nas obras: grafismos, letras de diversos alfabetos, fragmentos de textos, impressos, utilizando a escrita como um elemento gráfico/conceitual (Miranda, 2006: 10). O Livro de Artista pode ser compreendido como obra intermidiática, uma vez que possui natureza híbrida. Está situado na interseção entre diferentes mídias: impressão, palavra, escrita, fotografia, imagem, design. Essa expressão artística convive num espaço no qual não cabem definições fechadas. “O Livro de Artista é múltiplo, possibilitando assim diversas formas de aproximação” (Veneroso, 2012: 83). Quando palavras e imagens dialogam, ocorre a fusão entre códigos, sendo que o elemento visual funde-se conceitual e visualmente com as palavras. Essas relações no Livro de Artista são recorrentes, podendo ocorrer de várias maneiras. 36 Grande número de artistas do livro exploram a iconicidade da letra, a visualidade do texto, além de outras relações nas quais palavras e imagens convivem sem que haja necessariamente uma relação hierárquica entre elas. Não ocorre uma relação de dependência entre texto e imagem (Veneroso, 2012: 83). Os trabalhos passam a ser consequência de uma reconfiguração empreendida pela cena contemporânea: a inserção da palavra também como elemento plástico, levando em conta sua visualidade, impondo-lhe uma ambiguidade entre seu caráter formal e o significado que carrega. Antigas formas de expressão foram retomadas com novos contornos, como novas formas de expressão: é o caso do livro de artista. Obras que consideram a forma como geradora de conteúdo, sendo a forma livro intrínseca à obra. Sua estrutura física é parte integrante do processo poético. Todo livro é um objeto, mas quando rompem as fronteiras atribuídas aos livros de leitura e se assumem como objetos de arte, passam a representar uma nova linguagem, entre o linear e o visual, entre a literatura e as artes, extrapolam o conceito livro, pois a “narrativa literária é substituída por uma narrativa plástica” (Doctors, 1994: 4). O livro existia originalmente como recipiente de um texto, mas pode conter qualquer linguagem, não somente a linguagem literária. Para Carrión, “fazer um livro é perceber sua sequência ideal de espaço-tempo por meio da criação de uma sequência de signos, sejam linguísticos ou não” (2011: 15). A estrutura livro passa a ser capturada pela estrutura plástica e vemos nascer uma nova forma expressiva. Os livros de artista não se prendem a padrões de forma ou funcionalidade, são obras raras, únicas ou com pequenas tiragens. São objetos de percepção visual, verbal, tátil. Os artistas trabalham em função da espacialidade, questionando o material proposto. “O espaço é a música da poesia não cantada” (Carrión, 2011: 25). A introdução do espaço na poesia, ou da poesia no espaço com a poesia concreta e visual, permite um desenvolvimento natural da realidade espacial que a linguagem ganhou desde o momento em que a escrita foi inventada. 37 Silveira (2008: 16) afirma que […] pelos seus insumos materiais e pela sua variedade temática, a categoria livro de artista é uma categoria mestiça, instaurada a posteriori a partir da apropriação de objetos gráficos de leitura. É uma categoria definida por sua mídia e não por sua técnica. Ela abarca desde o livro até o não-livro. A forma e a configuração do livro são usadas para exprimir as ideias do artista, que exploram o potencial do veículo, testando seus limites, podendo manter página, sequência, texto, ilustração, impressão dos livros tradicionais ou se tornar quase escultóricos. Provoca reflexões sobre a história e o papel do livro como fenômeno cultural, aparece com uma nova função: objeto de contemplação. As palavras no Livro de Artista não são portadoras de uma mensagem, nem estão ali para transmitir determinadas imagens mentais com certa intenção, “estão ali para formar, junto com outros signos, uma sequência de espaço-tempo que identificamos com o nome do livro” (Carrión, 2011: 43). Silveira trabalha a questão conceitual do Livro de Artista, pensando em suas contradições e conflitos verificados em suas nomenclaturas. Para ele, um livro com o menor grau de violação de sua ordem, causa estranhamento, sendo a premissa do Livro de Artista contemporâneo. Os artistas ao trabalharem com este suporte realizam um equilíbrio entre o “respeito às conformações tradicionais”, como o códice, e a “ruptura ou transgressão às normas consagradas de apresentação do objeto livro” (2008: 21). A página do livro é matéria expressiva, um local plasmável por sua interação positiva com a palavra e a imagem, e também porque “é rasgada, furada, colada, feita, desfeita ou refeita, por mutilação ou reciclagem” (Silveira, 2008: 23). Para o autor, o Livro de Artista pode mesmo designar tanto a obra, como a categoria artística; a concepção e execução podem ser apenas parcialmente executadas pelo artista, com colaboração interdisciplinar. Não necessariamente precisa ser um livro; basta ele ser o referente, mesmo que remotamente. Os limites envolvem questões do afeto, expressadas através das propostas gráficas, plásticas ou de leitura. 38 Por ser uma conceituação abrangente e abarcando meu objeto de pesquisa, acredito que este termo corresponde às minhas expectativas, e por isso adoto a nomenclatura Livro de Artista durante o decorrer dessa pesquisa, que se refere ao produto gerado através das experimentações conceituais realizadas por artistas, poetas e designers, desde 1960, no Brasil. Objeto poético, suporte para experimentações, onde ocorre o diálogo entre palavra e imagem a partir de registros visuais e literários, sendo formado por elementos de natureza e arranjos variados, entrelaçando linguagens e mídias. 39 1.2 Vanguardas artísticas O começo do século XX foi marcado por transformações sociais, políticas e econômicas, que ocorreram paralelamente ao desenvolvimento filosófico e científico, refletindo a mudança na visão que o homem tinha do mundo como um todo. Nas artes, a tradição do passado foi contestada, por ter sido um período caracterizado por uma grande complexidade e simultaneidade de ideias. As transformações da arte tornam-se um triunfo sobre os preconceitos da tradição. A arte moderna desliga-se da procura do belo e do real, buscando a experiência da vida. Os artistas das vanguardas desejam realizar uma arte que espelhe seu tempo. O questionamento e a rejeição ao passado equivaleram a uma verdadeira revolução, motivando os artistas a novas formas de representação e pesquisas. Chamada Arte Moderna, “tornou-se uma força libertadora explosiva no início do século, contra a opressão de pressupostos cegamente aceitos até então” (Stangos, 2000: 8). O modernismo surge como um movimento que era contra o convencionalismo e o passado, contra regras antigas. Ocorre liberdade de experimentação, destruição da estética tradicional, da representação da realidade, dos resquícios do Renascimento; pois até fins do século XIX, a arte era cópia do real. A sociedade era industrial, dependente da máquina. Revolução industrial, burguesia, capitalismo, desenvolvimento material e moral do homem, fábricas, ferrovias, automóvel, cultura de massa, cinema, TV, publicidade. A sociedade consumidora, indivíduo solitário e mecanizado, grandes cidades, estes são os temas explorados na arte moderna. Na Europa, começa a explosão dos “ismos”: expressionismo, cubismo, futurismo, dadaísmo, construtivismo, surrealismo, surgindo novas linguagens na arte para interpretar a realidade. A nova estética moderna liberta-se da representação figurativa do mundo, passando a fazer uso da fragmentação, deformação, abstração, assimetria; sendo o modernismo marcado pela “crise da representação realista do mundo e do sujeito na arte” (Santos, 2006: 33). 40 1.2.1. Precursores Com os movimentos de vanguarda, início do século XX, podemos localizar as origens do Livro de Artista e também relacionar com formas de representação no design gráfico. Drucker (2012: 21) afirma que o Livro de Artista não surge de maneira linear, havendo pontos simultâneos de origem e que é difícil encontrar um movimento artístico que não tenha vínculo com o livro, além de haver muitos artistas com dedicação primordial ao livro. Porém, antes do advento das vanguardas, já existiam referências de artistas e escritores que realizaram trabalhos em que o verbal e o visual dialogavam, como Lewis Carroll, com o poema The mouse’s tale (1865), que tem o formato de uma cauda (tail) expressando o modo como a narrativa exposta pelo rato teria figurado na mente de Alice, o texto se torna imagem. Figura 1: Lewis Carroll, The mouse’s tale, 1865. Precedentes genuínos para a prática conceitual do Livro de Artista podem ser encontrados na produção de diversos indivíduos, como Gustave Flaubert (novela Bouvard e Pécuchet, 1896), os artistas ingleses William Blake e William Morris, e os poetas Stéphane Mallarmé e 41 Edmund Jabès (O livro das questões, 1963), possuidores de obras que possibilitaram levantar questões filosóficas, poéticas, culturais para entender o livro como um conceito: considerados precursores da representação da palavra e da imagem de forma cuidadosa. As obras produzidas por William Blake no século XVIII, e William Morris, no século XIX, exemplificavam certas características que mais tarde encontrariam expressão variada nos livros de artista; estabeleceram precedentes únicos para fazer uso do livro como uma produção artística. Segundo Drucker, ambos foram artistas com uma “visão desenvolvida do livro como uma forma que poderia funcionar como uma força para a transformação espiritual e social” (2012: 22). Blake defendia a “ideia da não existência de artes (pintura, escultura, poesia), mas da Arte, como pura atividade de espírito que escapa à matéria” (Garcia, 2008: 26), colocando texto e imagem em um mesmo patamar, buscando uma grande interação entre eles. Ele ilustrava, escrevia à mão, diagramava as páginas dos seus livros, como em Songs of Experience (1789), cujas páginas foram reproduzidas pela técnica de gravura em metal e coloridas com aquarela. Os espaços independentes do texto poético e das pinturas existiam em uma relação dialógica. Figura 2: Blake, Songs of Innocence and of Experience, 1789. Sua capacidade de mobilizar o espaço da página, os tons do papel, as cores da tinta e da pintura, demonstra um grande entendimento do poder de comunicação do livro. O artista 42 considera a página como um todo, onde suas divisões devem estar inter-relacionadas, gerando unidade no livro. Para Drucker (2012: 26) a obra de Blake tem muita importância para a construção do livro de artista, uma vez que “serve como a personificação do pensamento independente realizando-se através das formas e estruturas do livro”. William Morris e o movimento Arts and Crafts (Artes e Ofícios) tinham interesse na produção de livros bem compostos, com ênfase no trabalho artesanal e melhoria da qualidade dos objetos industrializados. O Arts and Crafts surgiu na Inglaterra em meados do século XIX, reunindo teóricos e artistas, sendo um movimento que reclamava do excesso de especialização provocada pela Revolução Industrial, buscando revalorizar o trabalho manual, para poder recuperar a dimensão estética dos objetos produzidos industrialmente. Figura 3: Morris, Obras de Geoffrey Chaucer, 1896-98. De acordo com Hollis (2001: 20), as obras produzidas por Morris geralmente continham bordas e ilustrações em xilogravuras e usavam tipos criados a partir de fotografias de letras impressas no século XV. Para Morris, a obra de arte era objeto de contemplação, e os livros deveriam resultar em prazer visual ao serem contemplados como peças de impressão e composição tipográficas. Em função disso participava da escolha do papel, da tinta, do design, do livro como um todo. Havendo preocupação estética em suas produções. 43 O poeta Stéphane Mallarmé trabalhou a visualidade própria do texto, sem depender para isso de imagens externas. Acreditava no valor do som das palavras e como estas evocavam imagens. Em 1897, publicou o poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard (Um lance de dados jamais abolirá o acaso) que quebrou as convenções tipográficas da época. Via as duas páginas abertas do livro como um espaço único, deu a seu verso livre de rima e métrica, o aspecto de uma partitura musical, para quem quisesse ler em voz alta. Usou diferentes tipos para determinar a importância de cada palavra ao ser declamada. O espaço em branco era como se fosse o silêncio. Usou as palavras espalhadas pela página, como degraus. Essa distância permitia acelerar ou desacelerar o movimento. Com o poema Un coup de dés ocorre a explosão gráfico-espacial, que inaugura a semântica do espaço em branco. Pausas e silêncios dão novos significados às palavras. O objetivo do poeta está ligado à sonoridade, não à visualidade das palavras. Para isso cria uma hierarquia, usando diferentes corpos de impressão: “a diferença dos caracteres de impressão entre o motivo preponderante, um secundário e outros adjacentes, dita sua importância à emissão oral...” (Mallarmé apud Campos 2006: 32). Ocorre dessa maneira o uso dinâmico dos recursos tipográficos, possibilitando toda uma gama de inflexões ao pensamento poético, livre de regras e amarras formais. O espaço gráfico permite que haja maior plasticidade nas pausas e intervalos da leitura. Figura 4: Mallarmé, Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, 1897. 44 A partir desse poema, surgem novas maneiras de usar as palavras e o alfabeto na literatura e no design gráfico, tornando-se ícone de um processo de emancipação da linguagem poética, onde se iniciava um afastamento do discurso de ideias. A poesia modernista se nutriu intensamente dos experimentalismos realizados a partir dessa marcante obra. Após as experiências de Blake, iniciou-se um processo de criação de livros associados a várias combinações de técnicas artísticas, onde o artista possuía grande domínio e conhecimento, permitindo que pudesse explorar todo o potencial do livro como elemento criativo. O livro torna-se um meio onde diversos artistas passam a transitar, pensando nele como um veículo para apresentar suas ideias. No entanto, durante o século XVI, foram encontrados cadernos que associavam ilustrações feitas por artistas, com temáticas que iam desde anatomia humana, natureza, arquitetura, que funcionavam como diários de anotações ou documentação, a exemplo, os cadernos de Leonardo da Vinci, que deixou páginas e páginas de pensamentos, rascunhos, desenhos, invenções nas mais diversas áreas. Em seus manuscritos registrou com detalhes suas pesquisas e seu processo criativo (na pintura e anatomia). Figura 5: Leonardo Da Vinci, caderno, 1510. Fabris localiza os primórdios do Livro de Artista na união entre arte e literatura, destacando Blake e sua produção de poemas ilustrados por ele, além das parcerias colaborativas entre artistas e escritores que ocorreram durante o século XIX e XX, como Fausto (1828), de Goethe e Delacroix; Saint Matorel (1911), de Max Jacob e Pablo Picasso, ou La Fin du Monde (1919), de Blaise Cendrars e Léger, entre outros. Essas produções foram feitas em sua 45 maioria “com base em afinidades no processo estrutural da criação, em intercâmbios fecundadores, que fazem da expressão gráfica o equivalente plástico da palavra” (1988: 6). Figura 6: Max Jacob e Pablo Picasso, Saint Matorel, 1911. A autora também cita obras em que o artista realiza texto e imagem, tendência que nos levará à atual concepção de livro de artista. Podemos destacar a série de gravuras Os Caprichos (1799), de Francisco de Goya e os manuscritos Noa Noa (1894), de Paul Gauguin, assim como Jazz (1947), de Henri Matisse, e Cirque (1950), de Fernand Léger, trabalhos com projetos gráficos integrais, onde as imagens dos artistas eram combinadas com seus textos manuscritos. Nessas obras, ilustração e texto foram tratados com cuidado artístico, havendo uma preocupação estética com acabamento e visualidade. Figura 7: Goya, Os Caprichos, 1799. Os Caprichos é um livro formado por oitenta gravuras com uma evidente intenção satírica, com uma narrativa predominantemente visual. O artista utilizou técnicas mistas de água-forte, água-tinta e retoques com ponta seca. A obra pode ser dividida em duas partes: a primeira uma sátira sobre a loucura e a maldade humanas, com referências aos hábitos e costumes da 46 época de Goya, e a segunda parte, a série Sonhos, representando fantasias e bruxarias. As primeiras imagens eram mais realistas, depois foram tornando-se cada vez mais fantásticas. As legendas e títulos são comentários críticos, possuindo sempre um duplo significado. Noa noa são narrativas da experiência de Gauguin no Taiti, onde o artista descrevia a beleza e o colorido dessa região. Escreveu em um caderno, decorou a capa com aquarelas, as páginas internas foram preenchidas com textos de sua autoria. As composições eram simplificadas, sem o uso da perspectiva e feitas com cores intensas. O artista documentou dois anos de sua vivência em uma exótica ilha, retratando a cor e o calor da natureza e das mulheres, costumes, religião, história, através de manuscritos, desenhos e gravuras. Figura 8: Gauguin, Noa Noa, 1894. Figura 9: Matisse, Jazz (obra composta por 38 folhas separadas: entre as folhas escritas estão intercalados imagens inspiradas no circo, dança, teatro e viagens, todos armazenados em uma caixa), 1947. 47 1.2.2. Futurismo (1909) As bases da arte moderna foram lançadas pela vanguarda, que ao mesmo tempo introduziu novas maneira de olhar as palavras e usar o alfabeto para formar imagens. Richard Hollis 3 No Futurismo houve experiências explorando a sonoridade das palavras e o uso da tipografia como elemento visual. Tem como característica ser o único entre os movimentos artísticos modernos que encontrou fundamento primeiramente nas palavras, e após encontrar sua expressão artística. Foi liderado pelo poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, expoente do verso-livre. Publicou o primeiro manifesto futurista em Paris, em 1909, nas páginas do Le Figaro, onde glorificava as inovações tecnológicas do mundo moderno, como a velocidade, automóveis, avião, energia, indústria. Havia a paixão pela máquina, pelo futuro, pelas cidades. Este movimento busca novas normas para o poema, a pintura, a escultura, a música, o teatro, o cinema, o comportamento, a política, em um mundo marcado pela ascensão das máquinas, apontando para o surgimento de um novo homem. Ao desmontar os diques que separam as formas tradicionais de arte, o futurismo italiano acaba por propor também um novo panorama das formas artísticas em que elas se entrecruzam continuamente. Daí a ideia de se fundirem a poesia, a pintura e a música num mesmo objeto artístico (Menezes, 1998: 18). Marinetti publicou, em 1914, o livro (parole in libertà) intitulado de Zang Tumb Tumb, a obra era um tipo de pintura verbal para celebrar a batalha de Trípoli. Poema visual, caótico e ligado à sonoridade. A tipografia foi o artifício explorado para concretizar palavras em liberdade, palavras livres da sintaxe tradicional e revigoradas visualmente. Buscou equivalentes visuais para sons através do uso de diferentes formatos e tamanhos de palavra. Este é um exemplo da literatura futurista, “que prognosticava as muitas maneiras de as palavras virem a ser utilizadas no design gráfico” (Hollis, 2000: 36). 3 Hollis, 2000: 35. 48 Figura 10: Marinetti, Zang Tumb Tumb, 1914. Segundo Marinetti, a sintaxe deveria ser destruída, e os substantivos espalhados ao acaso. Deveriam usar infinitivos, abolir o adjetivo, o advérbio e a pontuação, sendo necessário que o objeto se confundisse com a imagem que ele evocava. Figura 11: Soffici, página e capa do poema BIF & ZF + 18, 1915. As letras que compunham as palavras não eram meros signos alfabéticos, uma vez que pesos e formatos diferentes davam às palavras um caráter expressivo distinto. No poema de Ardengo Soffici, podemos ver pequenos versos se confundindo com a explosão de tipos e elementos gráficos, dando ideia de simultaneidade na comunicação. Para produzir a capa desse poema, reuniu composições comuns, tipos de madeira recortados, letras de pôsteres e fotogravuras prontas, usando-os com uma técnica que viria a ser adotada pelos dadaístas alemães, anos mais tarde. 49 Palavras e letras eram usadas quase como se fossem imagens visuais. Este procedimento usado pelos poetas futuristas foi similar às colagens cubistas feitas por Pablo Picasso e Georges Braque, que recortavam e colavam fragmentos de textos de jornais e revistas, os papiers collés (papéis colados). Dessa forma, quando os signos verbais eram tirados de seu contexto comunicacional, acabavam adquirindo novos significados, iniciando assim as pesquisas com a linguagem verbal nas artes visuais do século XX. Figura 12: Picasso, Copo e garrafa de Suze (papéis colados, guache e carvão), 1912. De acordo com Garcia (2008: 36) assim como a realidade (recortes de papel) se incorporou ao plano da tela na pintura cubista, o processo da colagem na poesia trouxe para o plano da página uma realidade – a palavra em sua forma gráfica – e, consequentemente, um esvaziamento do aspecto representacional. Por volta de 1930 e 1940, fase final do futurismo, houve um afastamento da colagem, sendo priorizado um novo procedimento, a montagem, solução mais intelectual e racional do que a colagem, buscando o equilíbrio da forma visual, com “uso de poucas palavras, combinadas numa forma quase matemática” (Menezes, 1998: 26). O livro-aparafusado ou libro-bullonato Depero futurista (1927), de Fortunato Depero – importante figura do design gráfico –, pertence a essa fase. Seu formato era um pouco maior que o A4, com capa dura e foi composto por oitenta páginas presas por dois grandes parafusos. Esta obra poderia ser modificada devido a sua estrutura e as folhas poderiam ser 50 mudadas de posição conforme a vontade do leitor. O livro era um catálogo de design de publicidade e foram feitos apenas três exemplares desse trabalho. Figura 13: Fortunato Depero, Depero futurista, 1927. Os futuristas incorporaram elementos da publicidade em sua literatura, e depois levaram o futurismo para a publicidade, onde começam a utilizar cores dinâmicas e o estilo mecânico e cristalino. Fascinados pela tecnologia ou pela imagem do modernismo que ela transmitia, esses artistas apropriavam-se de elementos da produção industrial, como os parafusos de Depero Futurista. O livro foi encadernado em folhas de flandres, o mesmo material usado pelo poeta Tullio D’Albisola, numa versão de Parole in Libertà Futuriste, em 1932, obra que explorava o sentido do tato. Foi feito com páginas duplas com cores uniformes em um lado e impressão preto e branco no outro. Formato quadrado, geometria austera e uso de um tipo (fonte) geométrico sem serifa. Figura 14: D’Albisola, Palavras em liberdade futurista, 1932. D’Albisola também lançou, em 1934, o livro L’Anguria Lirica, com design feito pelo milanês Bruno Munari, que ocuparia lugar de destaque no design italiano. Este livro foi totalmente impresso em folhas de metal, ou seja, uma obra com uso da tecnologia moderna. 51 Figura 15: D’Albisola, L´Anguria Lirica, 1932. Munari produziu um dos mais impressionantes trabalhos da fase inicial do design gráfico italiano, a partir de um poema de Marinetti, Il poema del vestito di latte (O poema do terno de leite), onde usou técnicas totalmente modernas: fotografias recortadas impressas em preto, sobrepostas por texto impresso em cores, e tipo Bodoni justificado, para formar uma área quadrada. O artista seguiu realizando estudos sobre a espacialidade do livro em seu formato de códex. Sempre refletindo sobre a estrutura do livro tal como a conhecemos, muitas vezes sem usar palavras ou imagens; questionando códigos de leitura e linguagens e trabalhando com diferentes papéis, com tamanhos e texturas diversas, sempre pensando na experimentação do contato com essa obra, trabalhando os sentidos e percepções. Figura 16: Munari, Libro illeggibile MN1, design concebido em 1949 e impresso em 1984. O Futurismo tem sua importância em romper com o layout simétrico e tradicional da página impressa. “Abriu caminho para inovações tipográficas dos dadaístas na Alemanha, emprestando seu nome para o experimentalismo russo, que surgiu um pouco antes da revolução de 1917” (Hollis, 2000: 41). 52 1.2.3. Construtivismo Russo (1910) Este movimento foi a expressão de uma convicção de que o artista podia contribuir para suprir as necessidades físicas e intelectuais da sociedade como um todo. Seu objetivo era a socialização da arte. No movimento ocorre a união de formas puramente plásticas para um propósito utilitário (cartazes, folders, publicações). A produção artística deveria ser funcional e informativa (Scharf, 2000: 140), pois a arte nova estava a serviço da revolução de 1917 (Revolução Russa) e de produções concretas para o povo. Integração entre as técnicas artesanais e a produção industrial. Fizeram parte desse movimento jovens artistas como Alexander Rodchenko, Natalia Goncharova, Vladmir Tatlin e El Lissitzky. Rejeitavam a ideia de que uma obra de arte era única, queriam demolir a divisão entre arte e trabalho. A produção mecânica de imagens através da fotografia se adequava à sua ideologia e a reprodução industrial por meio de máquinas impressoras, também era coerente com o pensamento comunista de trabalharem todos juntos. A pintura e a escultura são pensadas como construções, e não como representações, guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos, objetivos. Uso de formas geométricas e pureza das formas elementares. Até que Stalin reprimisse o vigor vanguardista, a União Soviética, aos olhos de muita gente do Ocidente, parecia conciliar as necessidades sociais com a estética revolucionária. O design gráfico soviético, além disso, era visto como a expressão de uma sociedade de massa na era da máquina (Hollis, 2000: 50). El Lissitzky (1890-1941) foi um artista típico do Construtivismo por suas diversificadas atividades na área do design. Produziu importantes trabalhos na área de design de livros, onde unia abstração geométrica com funcionalismo. Foi um dos pioneiros da fotomontagem, onde realizava a reunião de diferentes elementos dando vida à fotografia: justaposição ou superposição de elementos, combinação de pontos de vista, cortes e recortes de imagens e exploração de contrastes. Em 1922, foi à Europa como um embaixador cultural da União Soviética, quando publica o livro História suprematista de dois quadrados. A narrativa se desenvolve nas margens das 53 páginas, com legendas explicativas das composições geométricas quadradas, em tipografias dinâmicas. Devido ao tratamento dispensado a esse livro, pode ser considerado exemplo de livro de artista. El Lissitzky aliou abstração geométrica e sequencialidade de imagens, o que lembra um filme cinematográfico, pois o grupo de imagens forma a narrativa, uma vez que não há texto verbal a ser ilustrado. Figura 17: El Lissitzky, História suprematista de dois quadrados, 1922. Em 1923, com o objetivo de divulgar a mensagem revolucionária, desenvolve um livro de coletânea de poemas de Maiakovski, Dlia Golossa (Para a voz). Imaginou um livro que pudesse servir de guia de leitura dos poemas, escolhidos segundo as diversas ocasiões. Figura 18: El Lissitzky, Dlia Golossa (Para a voz), 1923. Este livro foi elaborado de maneira que os poemas pudessem ser localizados facilmente, usando como modelo o índice da caderneta telefônica, onde cada poema é acessado a partir de um ícone com parte do título em legenda. O ícone representa parte da ilustração que introduz cada poema, como uma partitura do modo como aquele poema deveria ser lido. Trechos em 54 vermelho destacavam passagens que precisavam de maior ênfase. As ilustrações foram construídas a partir de materiais usados pela gráfica, como fios – peças de metal ou madeira usadas para imprimir linhas de espessuras variadas. O Construtivismo liga-se diretamente ao movimento de vanguarda russa, e possuía elos com outros movimentos de caráter construtivo na arte, como o Expressionismo, com artistas reunidos com Kandinsky (Der Blaue Reiter); o Suprematismo, fundado por Malevich; e o grupo De Stijl, formado por Mondrian, Theo van Doesburg e os artistas holandeses. Também há pressupostos construtivos que estão presentes no Cubismo, no Dadaísmo e no Futurismo italiano. Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul) Grupo expressionista que surgiu na Alemanha (1911), fundado por Wassily Kandinsky e Franz Marc, buscavam maneiras de se desprender da realidade. Além da libertação das cores, como os expressionistas do grupo A ponte (as cores não precisavam corresponder com a realidade, adquirindo novos significados) e fauvistas (uso de massas de cor em suas diversidades de tons e intensidades), queriam também se libertar das formas. Kandinsky é um dos principais nomes da experiência abstrata. Realizou uma série de estudos envolvendo conceitos unindo arte e espiritualidade, dando origem ao livro Do Espiritual na Arte, de 1910, ano em que pintou sua primeira aquarela abstrata, uma composição não figurativa, livre da representação de imagens reconhecíveis. Continua suas pesquisas buscando correspondência entre cores, sons, estados emocionais. Suprematismo (1913) Kazimir Malevich desejava renovar a arte e a vida. Para pesquisar as estruturas mais profundas da imagem, estudou a obra de Cézanne, Picasso e artistas russos para chegar ao significado primário da forma. Foi simplificando cada vez mais cores e formas de sua obra, usando apenas algumas tonalidades e contornos geométricos, pesquisando a essência da poética da representação que chamou de Suprematismo. O artista busca a não-objetividade em suas pinturas, um mundo livre da representação de objetos reais. A obra seria uma ideia mental e abstrata, e não mais um objeto. 55 Grupo De Stijl (Neoplasticismo) Movimento holandês de vanguarda na arte, arquitetura e design. Piet Mondrian lançou a revista The Stijl (O estilo), em 1917, junto com Theo van Doesburg, pintor, arquiteto e poeta. Seu layout tinha compromisso com o funcionalismo, com designs estritamente geométricos e serviu de base para grande parte do trabalho pioneiro de Schwitters e da Bauhaus. Figura 19: Die Scheuche, 1925. Kurt Schwitters compartilhava o mesmo interesse de van Doesburg em usar a tipografia para criar figuras sonoras. Junto com Käthe Steinitz, em Hanôver, produziram um pequeno livro de conto de fadas criado por Schwitt