UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN BACHARELADO EM ARTES VISUAIS CAMPUS DE BAURU REBECA DESYRE NUAN DO PRADO QUEIROZ TINOCO GIVERNY EM MIM: ESTUDOS POÉTICOS A PARTIR DA OBRA DE CLAUDE MONET Bauru - SP 2021 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN BACHARELADO EM ARTES VISUAIS CAMPUS DE BAURU REBECA DESYRE NUAN DO PRADO QUEIROZ TINOCO GIVERNY EM MIM: ESTUDOS POÉTICOS A PARTIR DA OBRA DE CLAUDE MONET Trabalho apresentado como requisito parcial para conclusão do Bacharelado em Artes Visuais da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Universidade Estadual Paulista”Júlio de Mesquita Filho”. Orientadora: Profª Drª Joedy Luciana Barros Marins Bamonte Bauru - SP 2021 REBECA DESYRE NUAN DO PRADO QUEIROZ TINOCO GIVERNY EM MIM: ESTUDOS POÉTICOS A PARTIR DA OBRA DE CLAUDE MONET Trabalho apresentado como requisito parcial para conclusão do Bacharelado em Artes Visuais da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Universidade Estadual Paulista”Júlio de Mesquita Filho”. Banca Examinadora Profª Drª Joedy Luciana Barros Marins Bamonte Orientadora do trabalho - Presidente da banca Profª Drª Regilene Aparecida Sarzi Ribeiro 1ª Examinadora Profª Drª Tarcila Lima da Costa 2ª Examinadora Nota Final:____________ Bauru, ___ de _____________ de 2021. Dedico este trabalho a minha família, em especial aos meus pais, e a minha orientadora por toda contribuição e amparo. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a minha família, especialmente a meus pais por toda dedicação, pela paciência, por apoiar sempre meus sonhos e auxiliar para que eu tivesse um caminho prazeroso e sem obstáculos. Além disso, inúmeras vezes estiveram ao meu lado, apoiando-me independente das minhas escolhas. Meus sinceros agradecimentos à minha orientadora Joedy Luciana Barros Marins Bamonte, que gentilmente aceitou meu pedido de orientação, dispondo-se a ajudar-me independentemente do momento e contribuindo para minha formação profissional e pessoal. Agradeço com meu coração ao meu namorado, companheiro e amigo Pedro, que me incentivou a terminar este trabalho sempre ao meu lado, apoiando e ajudando de todas as maneiras possíveis. Agradeço ao meu irmão, Ollavo, em quem me espelho desde muito pequena, por suas constantes cobranças e incentivos. A meus amigos, muito obrigada. Por estarem sempre ao meu lado, por me ajudarem e pelos momentos de descontração. Em especial a minha amiga Graziele, que esteve presente em todas as horas do dia mesmo estando longe. A todos os professores que de forma significativa contribuíram para meu desenvolvimento. E é claro, a Deus que me deu todas as possibilidades, saúde e força para enfrentar todas as barreiras. RESUMO A criação artística é um processo individual e repleto de sentidos próprios, assim, esse trabalho propõe-se a analisar a produção artística de Claude Monet em um diálogo direto com suas influências sobre minha produção artística na série que denominei “Giverny em mim”. Assim, busca-se responder à seguinte pergunta: Como minhas criações carregam em si as referências artísticas que possuo? Para isso, definiu-se como objetivo geral compreender como os processos artísticos ocorrem diante da experiência artística. Os objetivos específicos consistem em analisar a prática artística de Monet, principalmente a partir do local em que foi a principal referência para suas obras: Giverny; descrever como a experiência de visitação em sua obra “Ninféias Azuis” influenciou minha prática; e compreender como ocorreu o processo criativo dos trabalhos que são descritos na presente pesquisa. Assim produzi minha série de trabalhos, baseando-me no estudo da vida e obra de Monet e relacionando com minhas experiências de vida e pessoais, criando um paralelo entre a Giverny e a cidade onde cresci, Guarantã. Trata-se de uma pesquisa poética, experimental e autoetnográfica. Palavras-chave: Claude Monet; impressionismo; paisagem; processo criativo; artes visuais. ABSTRACT Artistic creation is an individual process and full of its own meanings, so this work set out to analyze Claude Monet's artistic production in a direct dialogue with his influences on my artistic production in the Giverny in me. Thus, he sought to answer the following question: How do my works of art carry the artistic references that I possess? For that, he defined as a general objective to understand how artistic processes take place in the face of artistic experience, and as specific objectives: to analyze Monet's artistic practice, mainly from Giverny, to describe how the experience of visitation in his work Ninféias Azuis influenced my practice and understand how my creative process in Giverny took place in me. So I produced my series of works, based on the study of Monet's life and work and relating it to my life and personal experiences, creating a parallel between Giverny and the city where I grew up, Guarantã. It is a post-structuralist research in art, which intends to observe the creative process and autoethnography. Keywords: Claude Monet. Impressionism. Landscape. Water Lilies. Art. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Claude Monet, “Camille” ou “Dama com vestido verde”, 1866, Óleo sobre tela, 231cm x 151cm. Figura 2: Claude Monet, “Mulheres no Jardim”, 1866-1867, Óleo sobre tela, 255cm x 205cm. Figura 3: Claude Monet, “Impressão Sol Nascente”, 1873, Óleo sobre tela, 48cm x63cm. Figura 4: Claude Monet, “Flor de Iris no Jardim de Monet”, 1900, Óleo sobre tela, 81,6cm x92,6cm. Figura 5: Claude Monet, “Bridge over Water-Lily Pond”, 1899, Óleo sobre tela, 92,7cm x 73,7cm. Figura 6: Claude Monet, “Main Path through the Garden at Giverny”, 1902, Óleo sobre tela, 89,5cm x 92,3cm. Figura 7: Lagoa em Giverny. Figura 8: Mapa de Giverny. Figura 9: Claude Monet, Water-Lilies, 1916, Óleo sobre tela, 200,5cm x 201cm. Figura 10: Claude Monet, Water-Lily Pond, Evening, 1916-1922, Óleo sobre tela, 200cm x 600cm. Figura 11: Claude Monet, The Water-Lily Pond, 1919, Óleo sobre tela, 100cm x 200cm. Figura 12: Claude Monet, Water-Lily Pond, Morning with Willows, 1916-1926, Óleo sobre tela, 200cm x 425cm. Figura 13: Claude Monet, Ninféias Azuis, 1916-26, Óleo sobre tela, Museu Orangerie, Paris. Figura 14: Plantação de amendoim na fazenda Santa Maria, Guarantã. Figura 15: Rebeca e seu irmão em bebedouro pecuário na fazenda Santa Maria, em 1997. Figura 16: Lagoa na fazenda Santa Vitória, Guarantã. Figura 17: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 18: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 19: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 20: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021. Figura 21: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021. Figura 22: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 23: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 24: Sem Título, Rebeca Tinoco, desenho, grafite sobre papel, 21cm x29,7cm, 2016. Figura 25: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2016. Figura 26: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 27: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 28: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 29: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 30: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021. Figura 31: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 32: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021. Figura 33: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021. Figura 34: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021. Figura 35: Reflexo nos olhos da égua Cordélia. Figura 36: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 37: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Figura 38: Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre tela, 21cm x29,7cm, 2016. SUMÁRIO 1. Introdução ................................................................................................................. 12 2. Claude Monet ............................................................................................................ 13 2.1 Biografia .................................................................................................... 13 2.2 Giverny e sua Amplitude Artística ............................................................. 20 2.3 Ninféias Azuis ........................................................................................... 26 2.4 Experiência da Visitação às Ninféias Azuis .............................................. 29 3. Minha prática artística ............................................................................................. 32 4. Considerações Finais .............................................................................................. 50 5. Referências ............................................................................................................... 51 12 1 INTRODUÇÃO Entender como a prática artística ocorre é uma tarefa complexa, principalmente por que ela ocorre de forma única a cada indivíduo. Assim, esse trabalho pretende discorrer sobre minha própria prática, buscando analisar as referências artísticas que mais influenciaram nesse processo. Conheci as obras de Claude Monet em 2011, nas Tulherias do Museu Orangerie, em Paris. Tinha 18 anos e era completamente leiga em artes, porém lembro-me até hoje a sensação que tive ao entrar no salão oval onde estão as “Ninféias”. Ao adentrar o espaço tive primeiramente uma sensação de paz. Cercada pelos painéis senti como se estivesse ali mesmo às margens da lagoa de Monet, em Giverny. Entrei no curso de Artes Visuais, na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP), e comecei a desenvolver-me artisticamente, experimentando e brincando com as tintas e, desde então, observei que meu interesse pela criação artística estava muito próximo do que admirava em Monet. Assim, desenvolvi uma série de obras, principalmente em aquarela, denominadas “Giverny em mim”. A partir dessas questões, apresento o objetivo geral desse trabalho que consiste em compreender como os processos artísticos ocorrem diante da experiência artística. De maneira mais específica, interessa-me analisar a prática artística de Monet, principalmente a partir de Giverny, descrever como a experiência de visitação ao local influenciou minha prática e contribuiu também para elaborar o conjunto de trabalhos que denominei “Giverny em mim”. Por ser uma pesquisa em arte, optei por utilizar a metodologia pós-moderna (FORTIN e GOSSELIN, 2014), que entende a realidade a partir da linguagem. Ela é, portanto, subjetiva, isto é, a arte é uma linguagem que permite a pluralidade do entendimento e expressão da realidade. Desse modo, a descrição das obras de Monet contida no texto serve justamente para contextualizar a narrativa autoetnográfica – que procura descrever e analisar sistemicamente as experiências pessoais para assim compreendermos as experiências culturais, usando minhas experiências e sentimentos para a compreensão deste trabalho. 13 Para tanto, a pesquisa foi elaborada da seguinte forma: em um primeiro capítulo, trago um panorama histórico sobre Claude Monet, suas produções e referências, a fim de contextualizar os processos criativos do artista. A seguir, descrevo a visitação em Giverny e como a vivência gerada naquele espaço transformou minha relação com a arte permanentemente. E, por último, há uma descrição sobre meu processo criativo ao desenvolver a série Giverny em mim. 2. Claude Monet Claude Monet foi um dos mais célebres pintores impressionistas do séc. XIX e XX, movimento que ele liderou. Portanto, este capítulo versará sobre sua biografia, que se vê necessária para compreender o desenvolvimento dos processos artísticos do artista, bem como uma análise das obras e um relato de experiência da interação com as obras do artista. 2.1 BIOGRAFIA Claude-Oscar Monet nasceu em Paris, em 14 de novembro 1840, filho primogênito de Adolphe e Louise-Justine Monet, comerciantes em um negócio próspero de transportes marítimos. Quando completou cinco anos de idade, mudou-se para Le Havre, uma cidade portuária na região da Normandia. Vivendo sempre próximo à água, grande fonte de inspiração de suas obras. Logo na infância demonstrava interesse pela arte, preenchendo seus livros com esboços. Nas praias acerca da região onde residiu encontrou seu primeiro professor, o pintor Eugène Boudin, que o levou para pintar ao ar livre e o ensinou as primeiras técnicas paisagísticas. Segundo o autor Antonio González Prieto (2007), Monet afirmou: “A Boudin devo o fato de ter me tornado pintor”. Quando jovem, fez-se conhecido como ilustrador e caricaturista, desenhando moradores da cidade. Sua mãe apoiava sua carreira artística, o que não ocorria com o pai, que preferia que o filho seguisse com os negócios da família. Tinha também o incentivo de sua tia Sofia, uma pintora amadora. Contrariando o pai, decidiu tornar-se pintor profissional. Monet voltou a viver em Paris para estudar aos 18 anos, mas teria o apoio de 14 seu pai com a condição de que ingressasse seus estudos na Escola de Belas-Artes de Paris, porém não concordava com a postura mais acadêmica que a escola seguia optando por ingressar na Academia Suíça que possuía uma linha mais livre. Tal atitude lhe custou a mesada que recebia que de seu pai. No ano de 1861, Monet alistou-se e partiu para a Argélia para cumprir o serviço militar. Com a ajuda de sua tia e por ter contraído febre tifóide retornou à França, convalescendo na casa dos pais. Monet relatou que as impressões de luz e cor que vivenciou nesse momento foi o germe da sua produção futura, mas que só assimilou anos depois (PRIETO, 2007). Em Le Havre Monet conheceu o paisagista holandês Johann Barthold Jong- kind, que se tornou seu mais novo mestre e importante influência. Ele diria em 1900 que devia a Jong-king a educação definitiva do olho (MARTINS, 2016). Voltando a Paris em 1862 estudou com Charles Gleyre e por meio de Gleyre Monet conheceu diversos artistas, entre eles Auguste Renoir, Alfred Sisley e Frederic Bazille: os precursores do impressionismo. Os artistas tornaram-se amigos e costumavam sair para pintar ao ar livre fazendo estudos em bosques e campos próximos. Monet foi aceito no Salão de Paris de 1865 e apresentou a obra “A foz do Sena em Honfleur”, com o qual ganha reconhecimento, entretanto mesmo diantedos elogios da crítica, ainda passava por dificuldades financeiras (MARTINS, 2016). No segundo Salão, em 1866, apresentou “Camille” ou “Dama com vestido verde” (1866) (Figura 1) com o qual triunfou, deixando de ser ignorado pela crítica. A modelo, Camille Doncieux, tornou-se sua musa – e futuramente tornar-se-ia sua esposa, posando para incontáveis pinturas por toda a sua vida. 15 Figura 1 - Claude Monet, Camille ou Dama com vestido verde, 1866, Óleo sobre tela, 231cm x 151cm. Fonte: https://www.claude-monet.com/woman-in-a-green-dress.jsp Após o salão de 1866, Monet passou o verão perto de Ville-d’Avray, quando produziu a obra Mulheres no jardim (1866-1867) (Figura 2). Logo depois, retornou a Honfleur e durante o inverno de 1866-1867 criou as primeiras paisagens nevadas com versões diferentes de A estrada da granja Saint-Siméon (PRIETO, 2007). No Salão de Paris de 1867, teve suas obras recusadas pela inflexibilidade dos jurados em aceitar técnicas novas. Então, dedicou-se às paisagens de Paris, temas que deveriam auxiliar na venda da Exposição Universal daquele ano. 16 Figura 2 – Claude Monet, Mulheres no jardim, 1866 -1867, óleo sobre tela, 255cm x 205 cm Fonte: https://www.claude-monet.com/women-in-the-garden.jsp Seu primeiro filho Jean, nasceu em 8 de agosto de 1867, época que passava grandes dificuldades financeiras junto à Camille. Monet resistia em mudar seu estilo de pintar, encontrando grandes dificuldades para comercializar seus quadros. Seu pai não se dispunha a ajudá-lo, o que o levou a tentar suicídio em 1968 por afogamento no rio Sena. Após esse período, um de seus quadros foi adquirido em uma exposição por Louis-Joachim Gaudibert, melhorando assim a vida financeira de Monet e Camille. Gaudibert acabou por encomendar uma série de quadros a Monet. Agora ele tinha dinheiro suficiente para cuidar de sua família e continuar seu trabalho. Após instalar-se com Jean e Camille em Étretat conseguiu se estruturar para compor diversas obras com representações mais abstratas da natureza, como por exemplo Mar agitado em Étretat (1869-1869). Ao afastar-se de Paris, Monet afirmou: “Ainda que sejamos bons, ficamos preocupados demais com o que se vê e ouve em Paris; 17 em compensação acredito que o que farei aqui tem o mérito de não se parecer com o de ninguém”. (PRIETO apud MONET, 2007). Sem conseguir a aprovação para o Salão de Paris de 1869, Monet optou por expor diversos quadros na galeria do marchand Latouche, em seguida partindo para Saint-Michel. Próximo de Saint-Michel encontrou Sisley, Pisarro e Renoir, levando uma vida frugal. No Salão de Paris de 1870 voltou a ter suas obras recusadas, recorrendo outra vez a Daubigny diante da reprovação. Monet e Camille casaram-se em junho de 1870, mas com a eclosão da Guerra Franco Prussiana (1870-1871) o casal fugiu com seu filho para Londres, na Inglaterra. Lá o pintor encontrou mais uma vez Pisarro e Daubigny, que o apresentou a Paul Durand-Ruel, que apoiava os impressionistas e adquiriu obras do grupo, também o primeiro negociante de arte de Monet. O encontro entre Monet e Durand-Ruel foi essencial para que suas obras participassem da Exposição Internacional que se passaria em Londres durante a primavera de 1871, também foram expostas obras de Monet na galeria de arte londrina de Durand-Ruel, que era muito influente. As fases de sua carreira passaram a levar o nome das cidades em que vivia, sempre à margem da água (PRIETO, 2007). De volta à França no outono de 1871, mudou-se com sua família para Argenteuil, à oeste de Paris, alugaram uma nova casa à beira do rio Sena com a herança deixada por seu pai, onde permaneceu até 1878. A prosperidade começa a se aproximar de Monet nesta fase. Nunca perdendo o contato com seus velhos amigos, reuniam-se sob qualquer pretexto: Sisley, Bazille e Renoir, que também começaram a vender e lucrar mais com seus trabalhos. Sua bela esposa Camille costumava servir de modelo para os artistas. Ao fundo do jardim de sua casa em Argenteuil passava o rio Sena, Monet então construiu um barco-ateliê que o permitia ter as mais incríveis visões de um de seus temas preferidos: as pontes ferroviárias. Segundo Prieto (2007): Em 1873, junto com Renoir, Pisarro, Degas e Sisley, participou ativamente da criação de uma sociedade coletiva que agruparia a nova escola. Farto dos dogmas do Salão, o grupo de Batignolles desejava organizar a própria manifestação artística. Atingiu o objetivo em janeiro de 1874, com o nascimento da sociedade cooperativa anônima de pintores, escultores e gravadores que reunia 30 participantes. 18 A primeira abertura ao público da primeira exposição da associação aconteceu em 15 de abril, com obras de Boudin, Bracquemond, Cézanne, Degas, Guillaumin, Lépine, Berthe Morisot, Pisarro, Renoir, Sisley. Monet enviou a obra Impressão, sol nascente (1872) (Figura 3). O quadro deu origem ao nome usado para definir o movimento impressionista. Segundo o autor Antonio Gonzalez Prieto (2007), Monet afirmou: “Enviei uma coisa que havia feito em Le Havre, o sol entre o nevoeiro e alguns mastros de barcos. Pediram-me um título para o catálogo, ao que sugeri: impressão”. Assim a nova escola definiu seu nome. O crítico francês Louis Leroy, que esteve presente, usou o termo “impressionista” de forma pejorativa, ao observar a pintura e o título “impressão”, pretendendo com isso ridicularizar a pintura de Monet – pelo fato que as pinturas não terminavam com linhas perfeitas. Figura 3 - Claude Monet, Impressão Sol Nascente, 1873, Óleo sobre tela, 48cm x 63cm. Fonte: https://arteeartistas.com.br/impressionismo/ A exposição impressionista foi um divisor de águas no desenvolvimento da arte moderna, permitindo que artistas de pensamento livre se afastassem do mundo da arte conservadora que dominava o Salão de Paris. A exposição atraiu um público que estava interessado, embora ainda demorasse para o movimento artístico se 19 fortalecer. Perseguido por seus credores, Monet mostrava suas obras com frequência aos marchands e apreciadores. Seu talento e as cores utilizadas por ele despertavam o interesse de novos fregueses, principalmente de Ernest Hoschedé, um negociante de telas apaixonado pela arte, casado com a filha de um próspero fundidor belga. Adquiriu em 1874 Impressão sol nascente. Diante da encomenda de quatro painéis para o castelo de Rottenbourg, em Montgeron no ano de 1876, Monet instalou-se com a família Hoschedé, fazendo também retratos da família que o hospedava e diversas paisagens, entre elas O lago de Montgeron (1876), que antecede a série Ninféias. Monet iniciou uma relação sentimental amorosa com Alice, esposa de Hoschedé, quando Camille estava em Argenteuil. Na terceira exposição impressionista em 1877, Monet apresentou um retrato de Camille com um ramo de violetas. O cansaço e tristeza na modelo er a evidente. Em sua casa em Argenteuil acumulavam-se dívidas, decidindo voltar a viver em Paris. Lá nasceu seu segundo filho, Michel. Camille faleceu de tuberculose em setembro de 1879, afundando Monet em uma grande depressão. O pintor não compareceu à quarta exposição impressionista. Com a ausência de Camille, amenizou sua dor na presença de Alice Hoschedé, casando-se em 1892, após a morte de seu marido. 20 2.2 GIVERNY E SUA AMPLITUDE ARTÍSTICA Figura 4 – Claude Monet, Flor de Iris no Jardim de Monet, 1900, Óleo sobre tela, 81,6cm x 92,6cm Fonte: https://fineartamerica.com/featured/irises-in-monets-garden-at-giverny-claude- monet.html Em 1883, Claude Monet mudou-se para Giverny com sua família – seus filhos e os de Alice. Lá encontrou seu paraíso, uma propriedade com mais de dez mil metros, na confluência dos rios Epte e Sena, a pouco mais de sessenta quilômetros de Paris e com um grande jardim onde construiu um lago, seu jardim aquático. Assim preparou seu precioso cenário que seria inspiração para diversas séries de pinturas. 21 Figura 5 – Claude Monet, Bridge over Water-Lily Pond, 1899, Óleo sobre tela, 92,7cm x 73,7cm Fonte: https://www.claude-monet.com/the-water-lily-pond.jsp Suas vendas regulares fizeram com que sua vida financeira melhorasse, tornando possível a compra da propriedade, que cresceu ao decorrer dos anos com a compra de terras ao redor. Monet caminhava pelo campo observando a natureza, pintando árvores e montes de feno. Em suas caminhadas até as localidades vizinhas para pintar, os vizinhos – para tirar vantagem da situação - começaram a cobrar do artista ou até mesmo destruíam os montes de feno para que não fossem pintados. Quando Monet estava planejando criar seu lago de plantas exóticas, seus vizinhos chegaram a alegar que a vegetação poderia danificar as roupas que eram lavadas na água do rio. A despeito de todas as dificuldades, Monet e Alice conseguiram transformar seu pomar de macieiras em um lindo jardim que fez história. Com os temas a serem registrados em mente, ele escolhia cada uma das plantas por aparência e posição na natureza. Segundo o autor Christoph Heinrich, Monet tinha um gosto inconfundível pelo inusitado e exótico em seu jardim em Giverny (2019). Muitas das plantas do jardim, algumas importadas de outros países, eram cultivadas há pouco 22 tempo na França. Monet tornou-se parte do jardim e o jardim, dele. Emias de sol, eram como a vida para o artista, enquanto nossos dias de chuva erammotivo para deitar-se triste e deprimido. Como o autor Christoph Heinrich afirmou em sua biografia, em 2019, o principal objetivo de Monet não era identificar cada espécie e variedade de flores em suas pinturas. Ele nunca foi meticuloso nos detalhes botânicos. Entre rosas, papoulas e mais tarde, ninfeias, são todas não identificáveis em suas representações. “Para Monet, flores eram portadoras da luz e um banquete para os olhos” (HEINRICH, 2019). A casa em Giverny era grande e espaçosa para toda a família, porém de estilo simples comparada às casas construídas na época. Em pouco tempo, foi coberta por hera e rosas trepadeiras. Figura 6 – Claude Monet, Main Path through the Garden at Giverny, 1902, Óleo sobre tela, 89,5cm x 92,3cm Fonte: https://www.kunst-fuer-alle.de/english/fine-art/artist/image/claude- monet/151/1/567687/a-pathway-in-monet%27s-garden-giverny-1902/index.htm 23 Políticos e diplomatas visitavam Giverny, também colecionadores americanos e aristocratas japoneses e, claro, seus amigos de longa data: Renoir, Pissarro, e sobretudo Georges Clemenceau - que serviu como primeiro-ministro da França de 1906 a 1909 e novamente de 1917 a 1920. Apesar de suas amizades políticas influentes, Monet mantinha distância de honras conferidas pelo Estado, recusando a Cruz da Legião de Honra em 1888 e a entrar para o Instituto da França em 1920. Logo atrás de seus amigos e colecionadores vieram os admiradores de Monet. Uma colônia de artistas americanos, conhecidos como “Givernistas” foi estabelecida. Monet fez por opção nunca ensinar. Ele se contentava em incentivar os jovens artistas a usarem seus olhos e a estudarem a natureza. Também logo sentiu que a fama estava exigindo muito dele, adquirindo assim uma reputação de ser extremamente temperamental. Figura 7 - Lagoa em Giverny. Fonte: https://www.french-gardens.com/gardens/monetsgarden.php Monet se levantava cedo, costumava sentar-se debaixo de seu grande guarda-sol branco com inúmeros painis ao seu redor, começados em diferentes 24 períodos do dia variando conforme o tempo e a luz, conforme afirmou Christoph Heinrich (2019): “Silencioso e quase sempre mau humorado, concentrando-se em seu trabalho, Monet sentava-se com seus painéis, períodos de grande produtividade alternando com tempos de profunda depressão”. Diferente das outras propriedades em que Monet viveu, Giverny não estava localizada às margens do rio Sena, sendo banhada por outro pequeno rio, o Epte e por diversos outros córregos. Assim, a água que tanto encantava Monet estava sempre a sua volta. Figura 8 - Mapa de Giverny. Fonte: https://br.pinterest.com/pin/23151385555323677/ No início da década de 1890 Monet adquiriu uma área abaixo de sua casa, com sete mil e quinhentos metros quadrados, a qual era separada de sua propriedade pela linha ferroviária. Ele converteu essa região em um jardim aquático com a ajuda de um curso d’água que por ali passava. Posteriormente, contratou um 25 jardineiro somente para cuidar deste jardim e de suas ninféias que ali cresciam, ele tinha mais cinco jardineiros para cuidar do resto da propriedade. O jardim aquático e sua lagoa vieram a proporcionar o tema de suas obras durante os trinta anos seguidos. De grandes composições de paisagens, Monet passou a pintar seções da superfície da água: “O céu era somente um reflexo agora, e não mais aparecia no topo das obras de Monet. Suas imagens da água eram como paisagens tiradas dos horizontes” (HEINRICH, 2019). As obras de Monet eram como paisagens refletidas na água. Figura 9 – Claude Monet, Water-Lilies, 1916, Óleo sobre tela, 200,5cm x 201cm. Fonte: https://www.allposters.com/-sp/Water-Lilies-1916-Posters_i8867203_.htm Apesar de trabalhar ao ar livre a maior parte do tempo, a maioria das pinturas de Monet eram finalizadas em seu atelier. Nem mesmo os trabalhos que representam a lagoa e o jardim aquático foram pintados exclusivamente ao ar livre. A diferença entre essas produzidas anteriormente está na facilidade em que podia captara a luminosidade sobre a paisagem no momento e horário que quisesse, indo até a lagoa sempre que desejasse, concedendo novas interpretações a sua obra. 26 2.3 NINFÉIAS AZUIS Em suas pinturas das ninféias azuis Monet foi mais longe do que nunca em suas criações, substituindo as representações mais figurativas por uma proximidade cada vez maior às abstrações. Com a cor, imprime milhares de nuances, usando primeiras camadas extremamente finas, quase transparentes, que mesmo assim se destacam sob as camadas mais grossas. As pinceladas de Monet viviam em constante mudança, seus traços mais vibrantes e curtos no início da série foram substituídos por um estilo mais fluido. Como se suas pinceladas adquirissem a fluidez de uma alga em seu lago (HEINRICH, 2019). Figura 10 – Claude Monet, Water-Lily Pond, Evening, 1916-1922, Óleo sobre tela, 200cm x 600cm. Fonte: https://pixels.com/featured/1-the-water-lily-pond-in-the-evening-1916-1922-claude- monet.html A imersão em seus intermináveis painéis não era vista somente na frente do espectador, como as Ninféias azuis estão em toda a volta de quem as visita, a sensação é de imersão completa. Monet considerava o uso de diversos painéis em grande escala para criar um ambiente espaçoso desde os anos finais do século XIX, pensando primeiramente em usá-los para decorar uma sala de jantar. Mais tarde, após a morte de sua esposa Alice e seu filho Jean, Monet estava abatido, então seu amigo e primeiro-ministro francês Georges Clemenceau sugeriu que ele pintasse uma série de ninféias para a nação francesa, disponibilizando um estúdio que fora construído especificamente para acomodar a série. Construir o estúdio em naquela época não era uma tarefa fácil, afinal a França estava em plena Primeira 27 Guerra Mundial, porém, graças a seus contatos e amigos influentes Monet conseguiu obter os meios para que fosse possível. Figura 11 – Claude Monet, The Water-Lily Pond, 1919, Óleo sobre tela, 100cm x 200cm. Fonte: https://jornal.usp.br/cultura/giverny-e-obra-de-arte-a-ceu-aberto/ Descrever a série como decorativa parece desfavorável, como parecia na época. Mas, o adjetivo era usado para apontar o trabalho de Monet há tempos, para um tipo de arte que não poderia ser classificada como narrativa, histórica ou topográfica. Suas Ninféias Azuis foram a mais ousada expressão de sua arte decorativa. Puras representações de cor e luz que também não podem ser interpretadas simbolicamente, mesmo constantemente convidando o espectador a esta interpretação. A interpretação da obra como abstrata também não é possível, pois os painéis representam uma realidade existente, como afirmou Christoph Heinrich (2019). 28 Figura 12 – Claude Monet, Water-Lily Pond, Morning with Willows, 1916-1926, Óleo sobre tela, 200cm x 425cm. Fonte: https://www.musee-orangerie.fr/en/artwork/water-lilies-morning-willows A intenção de Monet era apresentar os painéis de uma maneira a criar a ilusão de infinito para quem adentrasse o salão, um espaço para relaxar. Para que concordasse em ceder as obras à nação francesa, Monet impôs a condição de que sua obra fosse exposta em um local construído sob suas especificações e exigências. Uma locação adequada nas áreas do Hotel Bîron foi escolhida. Um arquiteto fez o projeto do salão circular que foi rejeitado pelo departamento de prédios públicos, alegando que seria uma honra muito grande ao pintor. Monet ameaçou retirar sua oferta e muitos compradores em potencial vieram do Japão e Estados Unidos, com a intenção de adquirir as obras para museus de seus próprios países. Porém, foi unicamente por intermédio de Clemenceau que Monet finalmente concordou em expor Ninféias Azuis no museu Orangerie do Louvre. Os anos finais da vida de Monet foram férteis, mesmo com a idade já avançada ele continuou sendo exigente consigo mesmo como nunca. O medo de produzir um trabalho medíocre o levou a destruir e queimar diversas obras. Existem grandes evidências de que a visão de Monet passou a se deteriorar a partir do ano de 1908, e devido a uma visita a um oftalmologista o pintor recebeu o diagnóstico de catarata. Depois de muito hesitar ele passou por duas cirurgias, que restauraram sua visão. A longa vida de Monet como artista encerrou-se com enérgicas figuras que mostraram uma vitalidade persistente no pintor. Monet ajudou a quebrar as rédeas que a academia tinha sobre a arte durante sua juventude. Faleceu no dia cinco de dezembro de 1926, com 86 anos. 29 2.4 EXPERIÊNCIA DA VISITAÇÃO ÀS NINFÉIAS AZUIS Visitei a série Ninféias Azuis em 2011, no museu Orangerie situado nas Tulherias, em Paris. Na época tinha 18 anos e era completamente leiga em artes, porém me lembro até hoje a sensação que tive ao entrar no salão oval onde estão os painéis. Ao adentrar o salão, primeiramente, obtive uma sensação de paz, cercada pelas pinturas. Senti como se estivesse ali mesmo às margens da lagoa de Monet em Giverny. As cores frias me trouxeram a sensação de que a temperatura do ambiente estava mais baixa. Nunca tinha visto pinceladas como aquelas, que de perto não faziam muito sentido, mas ao me afastar alguns passos elas juntas formavam as imagens do jardim. Me lembrei das aulas de pintura que havia tomado quando criança, nas quais a professora ensinou-me a pintar de um modo técnico, em que cumpria etapa por etapa religiosamente até finalizar minha obra. Monet não era assim. Figura 13 – Claude Monet, Ninféias Azuis, 1916-26, Óleo sobre tela, Museu Orangerie, Paris. Fonte: https://arteeartistas.com.br/nenufares-de-claude-monet/ Monet representa muito bem como a luz do sol incide sobre a natureza, é possível enxergar em suas pinceladas, ora delicadas, a variação nas tonalidades e 30 mostra com sutileza os raios do sol incidindo sobre a paisagem. É incrível, pois não se pode dizer ao certo ao observar as obras qual a hora do dia representada, sabe- se que não é o momento do pico do sol, como ao meio-dia, mas não consegui dizer se era a representação da manhã ou do final de uma tarde, descobri somente depois ao observar com atenção as variações de cores e os títulos das obras. Percebi que as pinceladas que estavam a minha frente eram livres e naturais, ele pintava de uma forma intuitiva e pessoal, sem contornos, sem uma receita a ser seguida. É como se suas obras representassem as imagens que são formadas em nosso cérebro ao olhar uma paisagem real, em que a mente foca no conjunto para que se traduza as imagens formadas por luz e cores. Os painéis são longos e retangulares, um filete da lagoa em Giverny. Eu estava dentro da obra. Não há representação do céu, mas é possível enxergar seu reflexo na água com o jogo de luzes feito pelo artista. Ao estudar Monet hoje vejo sua personalidade impressa nos painéis. Um sujeito introvertido com episódios depressivos, um turbilhão de sentimentos. A água aparenta movimento, instabilidade, assim como as emoções. Ao mesmo tempo, a obra transmite calma e melancolia. Identifico-me muito com esses sentimentos, atrás da tristeza existe uma pessoa sensível e sentimental que encontrou na arte uma forma de externar suas emoções, assim como faço ao produzir minhas obras, no encontro de angústias, felicidade, frustrações e conquistas, coloco-me em um pedaço de papel. Mesmo não tendo qualquer conhecimento prévio sobre o assunto, em 2011 pude sentir o que Monet queria transmitir ao espectador e hoje consigo entender mais detalhadamente e identificar-me com os sentimentos despertos naquele dia, bem como identificar as técnicas desenvolvidas pelo artista. Quando estava no salão oval veio-me uma grande onda de emoções, podendo descrevê-la inclusive como uma experiência espiritual. Como se pudesse sentir o que o artista sentia, parecia flutuar no meio da lagoa, cercada por água e ninféias. O som da natureza cercava-me juntamente com sentimentos bons - como calma e felicidade – sentimentos não tão bons também chegaram a mim, como ansiedade e angústia vistas nas pinceladas mais agressivas. A natureza não é perfeita, não tem contornos perfeitos e as pinceladas impressionistas de Monet representam exatamente isso, de uma forma complexa como a natureza. Parecendo estar sozinha no salão, os painéis me chamaram tanta atenção 31 que fiquei ali, presa por alguns minutos que pareceram horas a observar. Nunca tinha visto nada igual, a sensação que me passou era da amplitude da Capela Sistina dentro do âmbito impressionista. Era arte em sua mais pura forma ao meu redor. Foi ali que me encantei pelo mundo das artes e decidi que seria meu futuro, que gostaria de obter mais experiências como aquela e estudando descobriria uma gama de artistas infinitos com trabalhos tão estupendos como os de Monet. Assim cheguei à conclusão de que faria um curso superior relacionado a artes. 32 3 MINHA PRÁTICA ARTÍSTICA Durante meu processo de criação e ao estudar a arte e vida de Claude Monet identifiquei-me com seu processo. Nossas vidas, apesar de muito distintas, têm suas semelhanças. Cresci em uma pequena cidade no interior paulista, chamada Guarantã, localizada a 405 km da capital paulista. Guarantã é muito pequena e rural, sempre convivi com animais de todas as espécies, é algo muito natural para mim. Minha família possui uma propriedade na cidade onde criamos galinhas para a produção de ovos, fazendo do meio rural um ambiente muito confortante e familiar em minha vida. Guarantã é minha Giverny. Figura 14 - Plantação de amendoim na fazenda Santa Maria, Guarantã. Fonte: Arquivo Pessoal 33 Figura 15 – Rebeca e seu irmão em bebedouro pecuário na fazenda Santa Maria em 1997. Fonte: Arquivo Pessoal Cresci com liberdade, minha infância foi algo bem livre rural, em meio aos animais e plantas, sempre livre para me sujar e brincar entre tudo. Existe uma lagoa em nossa fazenda em que me despertou o interesse para começar a pesquisar sobre os trabalhos de Monet, que me fez lembrar muito sobre seu jardim aquático, trazendo grande inspiração para começar meus trabalhos. Ela fica no meio da fazenda, em uma parte denominada Santa Vitória. Tirei uma foto e me lembrei do que o autor José Américo Motta Pessanha diz no prefácio do livro “O Direito de Sonhar” de Gaston Bachelard. Motta Pessanha diz que seguindo os devaneios- reflexões de Bachelard, liberando nossas próprias reflexões e nossos próprios devaneios, percebemos porque uma ninféia pintada por Monet é “um instante no mundo” (BACHELARD, 1994, p. 01). Senti que naquele momento eu estava à beira da lagoa na fazenda Santa Vitória em Guarantã, fotografando meu instante, em minha realidade, em meu mundo. 34 Figura 16 – Lagoa na fazenda Santa Vitória, Guarantã. Fonte: Arquivo Pessoal Na criação de minhas obras, procurei mostrar os animais que mais convivi durante toda a minha vida, principalmente as aves e os cavalos. Como Monet, procurei mostrar os detalhes que mais me chamaram a atenção, a vegetação era minha lagoa, e os animais, minhas ninféias. Produzi minhas obras em sua maioria em aquarela, identifico-me com o material por sua instabilidade em contato com a água, fazendo do resultado sempre uma agradável surpresa. Para começar a produzir comecei fotografando, saí com minha câmera para obter as imagens que gostaria de reproduzir depois. Fotografei os mais diversos animais em minha jornada, sem objetivo específico. Guiada por meus instintos, apenas fiz os registros e observei a natureza ao meu redor. Os animais com os quais mais convivi e que sempre estiveram presentes em minha vida foram aparecendo naturalmente e capturados por minha câmera. Registrei desde um pequeno pardal sob minha janela até um belo tucano e um majestoso gavião carcará em nossa propriedade rural. De outras maneiras, mas não menos importantes, chamaram-me atenção as 35 galinhas da granja. Presentes em minha vida desde o berço, eu precisei registrar as inquietas aves. Vendo-as aos milhares, adentrei o galinheiro onde vivem e comecei observá-las, desde a linda crista, o pequeno bico até os pequenos e amarelos pés. Um ambiente tão comum para mim, no qual o forte cheiro de esterco e o cacarejo do bando é de certa maneira confortante. Estava em casa. Figura 17 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 18 – Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. 36 Ao estar junto dos animais percebi que meu foco ao fotografar eram sempre as cabeças, a crista, os olhos. A representação do corpo todo começou a tornar-se desinteressante para mim. Logo após fotografar as galinhas fui à procura dos galos. Os que estão na fazenda vivem soltos, galos caipiras. Tarefa difícil é a de fotografar os ariscos galos, mas eles logo se entregaram com o alto carcarejo que podia ser escutado de longe. Chamou a minha atenção sua postura e sua grande crista. Como disse, ariscos, não consegui chegar muito perto, porém perto o suficiente para poder capturar e sentir a essência desses pequenos líderes, sempre guiando o bando e literalmente colocando ordem no galinheiro. Figura 19 – Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 20 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021 37 Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 21 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. 38 Passei a vagar pela propriedade com esperanças de que o destino me traria os próximos animais a serem registrados. Foi quando encontrei o belo gavião carcará, pousado em uma cerca perto dos bois. Lindo, imponente, estava tranquilo a repousar. Reparei em seu belo bico e suas penas de diversos tons. Ele me encontrou e não pude perder a rara oportunidade de fotografá-lo. Ao seu lado descansava um touro, que fotografei também. Surpreendeu-me a situação de dois belos animais estarem um bem perto do outro, ambos conhecidos pelo forte temperamento e que quase sempre são vistos de longe e eu os encontrei em seu habitat exalando tranquilidade numa tarde quente. Figura 22 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021. Fonte: Arquivo Pessoal. 39 Figura 23 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. Satisfeita rumei ao pasto onde ficam os cavalos. Minha história com os cavalos é longa e são, de longe, meus preferidos. Fui colocada na garupa de um cavalo muito nova e desde muito criança eles me encantam. Acordava muito cedo para poder tocar os bois junto ao peão que trabalhava conosco e frequentava desfiles a cavalo na cidade vizinha. Quando cresci passei a praticar hipismo, o que aumentou ainda mais minha afinidade com esses animais. No hipismo cria-se um vínculo muito forte com o cavalo ao praticar o esporte, ele é seu parceiro na pista, tornamo-nos um conjunto. Na hora em que fui ao pasto fotografá-los fiquei muito contente e à vontade. E eles vieram até mim, meu cavalo que saltava comigo estava lá, não o via há tempos e ele lembrava-se de mim, ficando bem perto. Pude acariciá- lo e fotografá-lo livremente. Seus companheiros de pasto logo chegaram para ver o que acontecia, animais curiosos e muito inteligentes viram que se um do bando reconheceu-me eles poderiam aproximar-se sem receios. O resultado me recompensou muito. 40 Figura 24 - Sem Título, Rebeca Tinoco, desenho, grafite sobre papel, 21cm x29,7cm, 2016 Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 25 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2016 Fonte: Arquivo Pessoal. 41 Figura 26 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 27 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. 42 Figura 28 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. Voltando para casa vi um tucano. Não consegui registrá-lo, mas o pintei durante minha produção. Nos dias que se seguiram fotografei no quintal de minha casa os pássaros que apareciam, principalmente os beija-flores e pardais. 43 Figura 29 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 30 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. 44 Figura 31 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 32 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. 45 Figura 33 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 34 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 21cm x29,7cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. Para começar minha produção selecionei as fotos que usaria como referência, preparei meu ambiente, separei as tintas e os papéis e comecei. No início pintei os animais inteiros, o corpo todo, mas os detalhes passaram a me chamar a atenção. 46 Lembrei-me de Monet, com quem ainda tenho muito o que aprender, mas com quem constitui uma referência. No começo de sua carreira pintava as paisagens completas, depois passou a pintar os detalhes de sua lagoa em Giverny, nos painéis retangulares com suas Ninféias Azuis ou na luz do sol que foi representada somente como um reflexo na água. Encontrei minha lagoa nos olhos dos animais. Um olhar diz muito, tem uma profundidade imensa. Passei então a pintar somente a cabeça dos animais, encontrando nos olhos o detalhe que procurava: os recortes do campo, o meu grande jardim. Representei a luz que incidia nos olhos com um pequeno detalhe em tinta. Brinquei com as tintas e as cores, nem sempre representando os animais com suas cores reais. Deixei minha criatividade fluir como a água em aquarela, a água em minha lagoa. Passava por momentos de grande inspiração em que minhas aquarelas fluíam, também passei por grandes bloqueios criativos em que mesmo tendo fotos como referência não conseguia me inspirar. Foi quando encontrei minha inspiração nos olhares. Pintar um olhar flui naturalmente em meu processo criativo, sempre começo pelos olhos para depois desenvolver o resto, que não flui tão naturalmente. Lembrei-me que ao encarar um cavalo de perto, você pode se ver refletido em seu olhar, é uma sensação de profunda conexão com o animal. Figura 35 – Reflexo nos olhos da égua Cordélia. Fonte: Arquivo Pessoal 47 O que estava impresso no olhar de cada animal foi o que me tocou e decidi imprimir em minhas pinturas e neste trabalho, o que me emocionou de alguma maneira ao produzir. Um animal, apesar de não ser inteligente como um ser humano, são seres extremamente sensíveis e emocionais com os quais tive a oportunidade de conviver de perto desde muito nova. Através do olhar consigo captar as emoções que tal ser transmite e deslumbram-me. Figura 36 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. 48 Figura 37 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre papel, 29,7cm x42cm, 2021 Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 38 - Sem Título, Rebeca Tinoco, pintura, aquarela sobre tela, 21cm x29,7cm, 2016 Fonte: Arquivo Pessoal 49 Ao focar no olhar de cada ser que pintei me veio com sentimento de completude, encontrei meu lugar, meu norte, onde devo focar minha energia de produção artística. Encontrar minha “Giverny em mim” é um sentimento indescritível e muito gratificante para meu crescimento pessoal. 50 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensar e escrever sobre minha prática artística de uma forma mais acadêmica e esquematizada foi um desafio, pois sempre foi algo que fluía naturalmente. Ao longo do desenvolvimento desse trabalho de conclusão de curso aprendi, não a racionalizar, mas a compreender os processos que ocorrem em mim a partir de tantas emoções. Quando escolhi o pintor Claude Monet como referência para meu trabalho, não imaginava que seu processo de criação teria tanta influência sobre mim e minha prática artística. Estudar a vida de Monet e como seu processo criativo ocorreu foi muito importante em minha produção, encontrei-me. Descobrir como sua vida foi gradualmente mudando a produção de sua arte, por exemplo como quando Monet teve problemas em sua visão, ou suas constantes mudanças e até se estabelecer em Giverny e encontrar-se em seu jardim. Vejo que minha caminhada está apenas no início. Aprendi a respeitar como produzo, porque produzo, o que me agrada ao produzir. Ao olhar para trás e ver a versão de mim antes de escrever este trabalho de conclusão de curso, sinto-me uma pessoa diferente, como se a graduação fosse uma obra e ao escrever este trabalho de conclusão de curso foi quando me reconheci como artista, as últimas pinceladas. Durante a escrita do trabalho e minha produção artística, lembrei-me de diversas matérias que estudei durante a graduação, que formaram o alicerce para que tudo se unisse e eu pudesse produzir. A graduação proporcionou-me a base para reconhecer e descobrir a artista que em mim habita, tive a oportunidade de explorar e conhecer diversas poéticas, a universidade foi um espaço que me permitiu inúmeras experimentações. 51 REFERÊNCIAS BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. 4 edição. Editora Bertran, Rio de Janeiro, 1994. EDGAR, Degas. O fascínio pelo movimento. Jornal Brasileiro de Patolologia e Medicina Laboratorial. Vol. 46, n.5. Rio de Janeiro, out. 2010. Disponível em: Acesso em 09 de abril de 2020. 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