Dissertação  de Mestrado  apresentada  ao  Programa  de  Pós‐Graduação em Design da Faculdade de Arquitetura,  Artes  e Comunicação da Universidade  Estadual  Paulista  “Júlio  de  Mesquita  Filho”  –  Campus  de  Bauru,  como   requisito para a obtenção do título de Mestre em Design.  Trabalho desenvolvido com apoio da CAPES.  Orientadora: Profª. Drª. Paula da Cruz Landim                                                                                            Pizarro, Carolina Vaitiekunas. O designer e a prática profissional na indústria automobilística no Brasil / Carolina Vaitiekunas Pizarro, 2014. 305 f. Orientadora: Paula da Cruz Landim Dissertação (Mestrado)– Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2014. 1. Designer. 2. Design de Produto 3. Automobilístico. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título.                                                                                           À minha família.  Agradecimentos    À Deus por me acompanhar, proteger e auxiliar em todos os momentos.    À minha orientadora Paula da Cruz Landim pela amizade, disposição e confiança refletidos  em atendimentos enriquecedores, sempre acompanhados de ótimas conversas e animadas  risadas.    Aos professores Prof. Dr.  José Carlos Plácido da  Silva, Profa. Dra. Maristela Mitsuko Ono,  Prof. Dr. Osmar Vicente Rodrigues e Profa. Dra. Lucy Carlinda da Rocha de Niemeyer pela  gentileza em aceitar colaborar na construção da presente pesquisa.     Aos professores do departamento de Design e da Pós‐graduação em Design da Unesp de  Bauru,  em  especial  aos  professores  Plácido,  Osmar,  Paschoarelli  e Marizilda  pelo  auxílio  durante a caminhada.    Aos meus pais Oscar e Magda, à minha irmã Mariana e ao cunhado Gustavo pelo incentivo e  apoio constantes na busca pelos meus objetivos profissionais, dedicação esta que por vezes  exige muito além de suas possibilidades e que mesmo assim é realizada de maneira corajosa.    A  todos  os  amigos  da  Pós‐graduação  em Design  pelo  carinho,  amizade,  parceria  e  pelos  diversos momentos felizes que acrescentaram cor aos meus dias.    Aos designers que colaboraram com a presente pesquisa, por sua disposição ao compartilhar  seus conhecimentos e percepções constituindo a base dessa investigação, e em especial aos  designers Anísio Campos, Ari Rocha e Fernando Morita pelas contribuições sobre a realidade  de se fazer design automotivo no Brasil no passado e na atualidade.    Ao designer e também professor de técnicas aplicadas ao design automotivo Nelson Lopes  que  tão  gentilmente  cedeu  sketches  de  sua  autoria  para  o  desenvolvimento  do  projeto  gráfico desta dissertação.    A  todos  os  profissionais  da  Seção  de  Pós‐Graduação  da  FAAC  pelo  comprometimento  e  dedicação à missão de manter – entre outras tantas atribuições – a vida acadêmica de nós  alunos em ordem.    À  Gislaine  e  à  Rosana  do  Departamento  de  Design  pela  simpatia  e  pró‐atividade  a mim  dedicados desde que cursei a Graduação nesta  instituição e que da mesma maneira foram  constantes nos caminhos da Pós‐Graduação.    E finalmente à CAPES por permitir a minha dedicação integral à pesquisa.                                                                                      O designer, inicialmente, precisa aceitar a realidade,   o que não significa conformar‐se com ela.   (BONSIEPE, 2011, p.201)  PIZARRO,  C.  V. O  DESIGNER  E  A  PRÁTICA  PROFISSIONAL  NA  INDÚSTRIA  AUTOMOBILÍSTICA  NO  BRASIL.  2014.  309f.  Dissertação  (Mestrado  em  Design).  Faculdade  de  Arquitetura,  Artes  e  Comunicação, UNESP, Bauru, 2014.    RESUMO  Entre  os  objetos  de  uso  produzidos  em  escala  industrial,  o  automóvel  figura  como  um  emblemático e  complexo produto  resultante de anos de pesquisas, as quais  contribuíram  para  o  aprimoramento  de  seus  diversos  componentes  e  pautaram  sua  evolução.  Notadamente  após  a  Revolução  Industrial,  os  avanços  obtidos  em  termos  de  prática  de  projeto,  velocidade  de  produção  e  concorrência  crescente  de  mercado,  delinearam  a  formação  da  atividade  do  desenhista  industrial  ou  designer,  o  qual,  ao  longo  do  tempo,  tornou‐se  responsável  também  pelo  projeto  de  veículos.  Na  indústria  automotiva  da  atualidade,  é  incumbência  dos  designers  projetar  e  acompanhar  o  desenvolvimento  de  automóveis, levando em consideração tanto aspectos objetivos como segurança, conforto e  desempenho,  quanto  subjetivos  –  potencial  para  evocar  emoções  e  identificação  com  o  usuário  –  na  produção  do  produto.  A  presente  pesquisa  se  propôs  a  investigar  como  os  designers de empresas do setor automobilístico no Brasil percebem os processos envolvidos  em sua rotina profissional, levantando aspectos da prática que influenciam no desempenho  desses profissionais e no processo de design de automóveis. Também objetivou contribuir  para  a  produção  e  divulgação  dos  conhecimentos  científicos  nesta  área  do  design  que  é  ainda  pouco  investigada.  Para  tanto,  recorreu‐se  à  investigação  de  enfoque  qualitativo/quantitativo  realizando  em  um  primeiro  momento  entrevistas  abertas  com  especialistas,  a  partir  das  quais  se  obtiveram  os  parâmetros  necessários  à  elaboração  de  questionários  fechados posteriormente  aplicados  a uma  amostra do universo pesquisado,  visando à obtenção de dados mais precisos em relação ao tema pesquisado. Os resultados  elucidaram variados aspectos referentes à prática profissional e a análise destes permitiu a  realização  de  inferências  sobre  a  atividade  do  designer  de  automóveis  brasileiro,  construindo um panorama atual da profissão a partir do olhar dos próprios profissionais. Por  fim,  os  resultados  da  investigação  foram  tomados  como  base  para  a  elaboração  de  propostas  voltadas  às  Universidades  e  indústrias  –  polos  de  formação  e  de  prática  profissional – com o objetivo de contribuir também para a melhoria da prática profissional  em design automotivo.    Palavras‐chave: Design; Automóvel; Designer; Indústria automobilística                          PIZARRO, C.V.  THE DESIGNER AND PROFESSIONAL PRACTICE AT  THE AUTOMOBILE  INDUSTRY  IN  BRAZIL. 2014. 309f. Dissertation (Master in Design). Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação,  UNESP, Bauru, 2014.    ABSTRACT  Among the objects produced on an industrial scale, the car is an emblematic and a complex  product  that  is  result  of  years  of  research, which  contributed  to  the  improvement  of  its  various components and guided  its evolution along the time. Especially after the  Industrial  Revolution,  the  progress made  in  terms  of  project  practice,  speed  of  production  and  the  increasing market competition, outlined the formation of the industrial designer, which over  time also became responsible for vehicles projects. In the automotive industry of nowadays,  is  incumbent on designers  to design and monitor  the development of vehicles  taking  into  account  both  the  objective  aspects  such  as  safety,  comfort  and  performance,  like  the  subjective  ones  ‐  potential  to  evoke  emotions  and  identification  with  the  user  ‐  at  the  product  production.  The  present  research  aimed  to  investigate  how  the  designers  of  companies  in the automotive sector  in Brazil perceive the processes  involved  in their work  routine,  raising  aspects  of  the  practice  which  influence  the  performance  of  these  professionals and  the process of car design.  It  sought at  the  same  time, contribute  to  the  production and dissemination of scientific knowledge in this area of design research which is  still timidly studied in Brazil. To this end, we resorted to the qualitative/quantitative research  approach,  initially  applying  open  interviews with  experts,  from which were  obtained  the  necessary parameters to the elaboration of the closed questionnaires subsequently applied  to a sample group studied in order to obtain more accurate data to the research topic. The  results elucidate various aspects related to professional practice and  its analysis allowed to  make  inferences about the activity of the brazilian automobile designer, building a current  overview  of  the  profession  from  the  look  of  the  professionals  themselves.  Finally,  the  research results were used as a basis for the elaboration of proposals aimed at Universities  and  industries ‐ poles training and professional practice ‐ with the  intent to also contribute  to and improve professional practice in automotive design.    Keywords: Design; Automobile; Designer; Automobile industry                                LISTA DE FIGURAS  Figura 1 – Primeira fábrica montadora da Ford no Brasil p.46  Figura 2 – Inauguração dos escritórios e fábrica da General Motors no Brasil em 1925 p.46  Figura 3 – Primeira instalação de fábrica da Volkswagen do Brasil p.48  Figura 4 – Linha de montagem da Romi‐Isetta p.50  Figura 5 – Perua DKW Vemag p.51  Figura 6 – Pickup Ford F100 p.51  Figura 7 – Toyota Bandeirante p.52  Figura 8 – Modelo do projeto Itapuan p.54  Figura 9 – Democrata p.55  Figura 10 – O projeto Aruanda p.57  Figura 11 – Brasinca 4200 GT p.60  Figura 12 – Um dos primeiros protótipos do Gurgel p.60  Figura 13 – Malzoni GT fabricado pela DKW‐Vemag p.61  Figura 14 – Sketches e projeto Arpoador p.62  Figura 15 – Carcará p.62  Figura 16 – Carcará finalizado p.63  Figura 17 – Protótipo Puma derivado do GT Malzoni p.63  Figura 18 – Puma GT ou DKW p.64  Figura 19 – Puma GTE p.64  Figura 20 – Os três Puma GT‐4R p.65  Figura 21 – Protótipo FEI X‐1 p.65  Figura 22 – Ford Galaxie 500 p.66  Figura 23 – Ford Corcel p.67  Figura 24 – Opala p.67  Figura 25 – Lorena GT; Buggy Lorena e Jipe Gaiato p.68  Figura 26 – Propaganda do Buggy Glaspac na revista Quatro Rodas p.69  Figura 27 – Volkswagen Fusca 1500 p.69  Figura 28 – Karmann Ghia TC p.70  Figura 29 – Buggy Tropi Kadron p.71  Figura 30 – Volkswagen SP2 p.72  Figura 31 – Volkswagen Brasília p.73  Figura 32 – MP Lafer de 1977 p.74  Figura 33 – Avallone TF; Alfa 1931; Super 90 e Fera XK p.75  Figura 34 – Gurgel Xavante p.75  Figura 35 – Jipe JEG p.76  Figura 36 – Miura 1977 p.76  Figura 37 – Bianco p.77  Figura 38 – SM 4.1 p.77  Figura 39 – Gurgel Itaipu e Mini‐Puma p.78  Figura 40 – Volkswagen Passat p.80  Figura 41 – Fiat 147 p.82  Figura 42 – Chevette Envemo Targa p.83  Figura 43 – Passat Malzoni p.84  Figura 44 – Peruas Passat de duas e quatro portas p.84  Figura 45 – Corcel II conversível p.85  Figura 46 – Propaganda do Formigão veiculada na revista Quatro Rodas p.85  Figura 47 – Volkswagen Gol p.86  Figura 48 – Diseta p.87  Figura 49 – Laser p.87  Figura 50 – Farus p.88  Figura 51 – Gol Cabriolet p.88  Figura 52 – Corcel Hatchback p.89  Figura 53 – Country e Blazer p.89  Figura 54 – Cobra Glaspac p.90  Figura 55 – Sketch do Mini Dacon e imagem de entrada do teste Quatro Rodas p.90  Figura 56 – Miura Spyder p.91  Figura 57 – Gurgel Xef p.91  Figura 58 – Escort XR‐3 p.92  Figura 59 – Fiat Uno p.92  Figura 60 – Furglaine e Poá Caravelle p.93  Figura 61 – Uno Cabriolet Sultan p.93  Figura 62 – Hofstetter p.94  Figura 63 – Ibiza p.95  Figura 64 – Topazzio p.95  Figura 65 – Gurgel BR 800 p.96  Figura 66 – Nick p.97  Figura 67 – Chevrolet Kadett p.97  Figura 68 – Propaganda de Envemo e anúncio em página dupla da Sidcar p.98  Figura 69 – GM Bonanza p.98  Figura 70 – Ferrari F‐40 p.99  Figura 71 – Futura p.100  Figura 72 – Alfa 164 p.101  Figura 73 – BMW Verona p.101  Figura 74 – Honda Accord p.102  Figura 75 – Gurgel Supermini p.102  Figura 76 – Chevrolet Vectra p.103  Figura 77 – Chevrolet Corsa p.103  Figura 78 – Gol geração II p.104  Figura 79 – Fachada da fábrica da Honda automóveis p.106  Figura 80 – Toyota Corolla p.106  Figura 81 – Troller T4 p.107  Figura 82 – Planta fabril PSA Peugeot Citroën p.108  Figura 83 – Nissan Frontier p.108  Figura 84 – Citroën C3 p.109  Figura 85 – Volkswagen Fox p.110  Figura 86 – Óbvio! 828‐2 p.111  Figura 87 – Protótipo 012 da Óbvio! p.111  Figura 88 – Lobini p.113  Figura 89 – LSPS p.114  Figura 90 – Gol geração V p.115  Figura 91 – Peugeot 207 p.116  Figura 92 – Doni Rosset p.116  Figura 93 – Projeto Sabiá 6 p.117  Figura 94 – Novo Uno p.118  Figura 95 – Hyundai HB20 p.120  Figura 96 – Novo Ecosport 2013 p.122  Figura 97 – Novo Fusca p.122  Figura 98 – Volkswagen up! p.123  Figura 99 – Kinetic Design p.131  Figura 100 – Fluidic Sculpture p.132  Figura 101 – Bentley Continental GT p.136  Figura 102 – Sketch do modelo Volkswagen up! p.136  Figura 103 – Sketch do sedã Volkswagen Jetta p.137    LISTA DE DIAGRAMAS, GRÁFICOS E QUADROS  Diagrama 1 – Cadeia Produtiva da indústria automotiva p.125  Diagrama 2 – Processo de Design p.134  Diagrama 3 – Passos da análise de conteúdo das entrevistas p.149  Diagrama 4 – Síntese dos aspectos percebidos pelos designers acerca de sua prática profissional p.207  Diagrama 5 – Relações possíveis de serem estabelecidas entre Universidade e Indústria visando à melhoria da  prática do designer automotivo e o reconhecimento da profissão p.231  Gráfico 1 – Formação dos profissionais entrevistados p.153  Gráfico 2 – Há quanto tempo trabalha com design automotivo p.154  Gráfico 3 – Formação dos profissionais participantes p.209  Gráfico 4 – Há quanto tempo que trabalha com design automotivo p.210  Gráfico 5 – Conhecimento/reconhecimento do design pelos demais profissionais/departamentos p.211  Gráfico 6 – Aumento de oportunidades para os designers na área automotiva p.212  Gráfico 7 – Autonomia para a criação e desenvolvimento de projetos p.213  Gráfico 8 – Tendência de desenvolvimento de projetos globais p.213  Gráfico 9 – Aspectos negativos presentes na prática profissional p.215  Gráfico 10 – Melhorias na prática profissional p.216  Gráfico 11 – A curto e médio prazos o mercado e a produção brasileiros não sofrerão muitas modificações  p.217  Gráfico 12 – O designer terá papel fundamental para a melhoria e o desenvolvimento do produto carro, da  mobilidade em geral e da sociedade p.218  Gráfico 13 – Atuação do profissional dependerá de políticas públicas eficientes, empresas responsáveis e  sociedade consciente p.218  Gráfico 14 – Se tornará necessária a criação de centros de pesquisa em design avançado nos quais a  participação do designer será essencial p.219  Quadro 1 – Categorias de Análise e seus respectivos temas p.155  Quadro 2 – índices e indicadores originados do Tema 1A p.155  Quadro 3 – índices e indicadores originados do Tema 1B p.158  Quadro 4 – índices e indicadores originados do Tema 2A p.162  Quadro 5 – índices e indicadores originados do Tema 2B p.169  Quadro 6 – índices e indicadores originados do Tema 3A p.174  Quadro 7 – índices e indicadores originados do Tema 3B p.179  Quadro 8 – índices e indicadores originados do Tema 3C p.188  Quadro 9 – índices e indicadores originados do Tema 4A p.197  GLOSSÁRIO  Briefing  –  Termo  em  inglês  que  no  âmbito  do  design  automotivo  é  utilizado  para  fazer  referência à elaboração por parte dos designers, das instruções e diretrizes  necessárias para  o  encaminhamento  do  projeto  junto  aos  parceiros  e  fornecedores  direcionando  seu  desenvolvimento.    Clay  –  Termo  em  inglês  que  denomina  uma  argila  plástica.  Trata‐se  de  um material  de  modelagem macio e maleável, composto de partículas de PVC (Polyvinyl Chloride). Quando  em ponto de argila pode ser moldado e esculpido, aceitando diversas ações de modelagem.  Uma vez  finalizado o  trabalho, a argila é aquecida em baixa  temperatura e por um  tempo  programando,  processo  responsável  por  fundir  as  partículas  de  PVC  componentes,  resultando em um plástico duro, resistente e durável.    Color&Trim  –  Área  do  design  automotivo  responsável  pelo  desenvolvimento  de  cores  e  acabamentos internos e externos dos veículos.    Comerciais  leves – Veículos vendidos no Brasil que possuem PBT, Peso Bruto Total, de até  3,5 toneladas, incluem‐se pickups pequenas derivadas dos carros de passeio, vans, furgões e  utilitários esportivos.    Concepts – Termo  inglês utilizado no âmbito do design automotivo para fazer referência à:  ideias  inovadoras ou conceito de projeto; um setor/time de profissionais que  trabalha em  novas ideias ou conceitos inovadores para futuros veículos; carros conceito.    Crash  test  –  Termo  em  inglês  que  designa  os  testes  de  impacto  contra  barreiras  indeformáveis  (blocos  de  concreto  ou  ferro)  ou  deformáveis  (bloco  deformável metálico)  realizados por empresas especializadas para avaliar a segurança automotiva, verificando se  os veículos testados cumprem as normas de segurança de proteção à colisão em situações  de acidente de trânsito.     Crossover  –  Veículo  com  características  combinadas  de  veículos  compactos  e  utilitários  esportivos.    Facelift – Mudança  incremental das  linhas do veículo essencialmente estética sem  implicar  em uma modificação radical do design do produto.    Feasible  –  Termo  inglês  utilizado  no  âmbito  do  design  automotivo  referente  à  criações  factíveis, possíveis de serem fabricadas em termos de viabilidade técnica.    Features – Componentes.    Flex‐fuel  –  Tecnologia  de  motorização  que  permite  ao  automóvel  funcionar  com  dois  combustíveis: álcool ou gasolina e qualquer mistura de ambos.    Fluidic  Sculpture  –  Tendência  de  estilo  adotada  mundialmente  pela  Hyundai,  a  qual  incorpora nos projetos dos veículos a execução de formas fluidas e dinâmicas.    Grã  Turismo, Gran  Turismo ou GT  –  Termo de origem  italiana, utilizado para  referenciar   veículos  esportivos  de  luxo  e  alto  desempenho,  capazes  de  realizar  viagens  de  longa  distância em alta velocidade com conforto e elegância.    Hatch – Carro compacto para até cinco ocupantes com porta‐malas integrado ao habitáculo  dos passageiros, pode ter de duas à quatro portas mais a tampa traseira.    Hatch  médio  –  Maiores  que  os  compactos  de  entrada  apresentam  motorização  mais  potente  (acima  de  1.0)  e  mantém  espaço  para  até  cinco  ocupantes  com  porta‐malas  integrado ao habitáculo dos passageiros, pode  ter de duas à quatro portas mais a  tampa  traseira.    Input – Termo em inglês traduzido como “entrada”, e que no âmbito do design automotivo é  utilizado  para  fazer  referência  à  informações  que  dão  início  às  atividades  projetuais;  o  começo dos trabalhos.    Intent – Intenção; objetivo.    Jewel inserts – Termo em inglês utilizado no âmbito do design automotivo para referenciar  peças  trabalhadas  visualmente  a  fim  de  simular  acabamentos  superiores  (cromados,  aço  escovado, fibra de carbono entre outros).    Kinetic  Design  –  Tendência  de  estilo  adotada  mundialmente  pela  Ford,  pautada  no  dinamismo das formas aplicadas ao interior e exterior dos veículos da marca, representando  a “energia em movimento”.    Know how – Termo em  inglês que designa o conhecimento; o saber fazer em determinada  área.    Mindset – Modelo mental.    Mini  –  Carro  compacto  para  dois  ou  quatro  ocupantes  e  duas  portas,  com  carroceria  monovolume.    Minivan – Carro familiar com carroceria mono volume para até seis ocupantes com duas ou  quatro portas e tampa traseira (inteiriça ou bipartida).    Monobloco – Veículos cujo chassi, motor e carroceria  integram uma peça única, como por  exemplo, os ônibus os quais eram anteriormente montados sobre chassis de caminhões.    Multivan – Carro familiar para quatro ou cinco ocupantes, com três ou quatro portas (com a  opção  de  portas  deslizantes)  e  uma  porta  traseira  (inteiriça  ou  bipartida).  Veiculo  multiespaço com carroceria dois volumes.    Package – Área do design automotivo responsável pelo aspecto dimensional do veículo Atua  considerando os espaços e posicionando os componentes do carro, ajustando e definindo o  tamanho ideal do mesmo a partir de estudos ergonômicos e de viabilidade técnica.  Pickup – Veículo  leve derivado do sedan ou perua da mesma família, o qual serve de base  para furgões. Além da opção cabine simples ou dupla, apresenta caçamba.    Premium – Termo  inglês utilizado no âmbito do design automotivo para  fazer referência à  modelos sofisticados de automóveis.    Rendering – Expressão empregada na ilustração 2D (duas dimensões), manual ou digital e na  ilustração e animação 3D (três dimensões exclusivamente digitais). Quando empregado por  artistas 2D o termo  rendering refere‐se à técnica de  ilustração que permite a obtenção de  imagens com grande apelo visual e de  forma  rápida, muito empregada na área do Design  para  ilustrar  ideias  de  novos  produtos.  Na  área  da computação  gráfica 3D o rendering  compreende gerar uma imagem 2D a partir do modelo 3D previamente construído.    Shape  –  Área  do  design  automotivo  responsável  pelo  estudo  e  projeto  da  forma  do  automóvel.    Sketches – Desenhos  realizados à mão  livre ou  com a ajuda de  recursos digitais, os quais  representam as ideias ou diretrizes de um projeto, materializando visualmente um conceito.    Sedan  –  Carro  de  passeio  para  quatro  ou  cinco  ocupantes  com  três  volumes  separados  (capô, cabine e porta‐malas).    Suppliers – Fornecedores.    Timing – O prazo que se tem para o desenvolvimento do veículo.    Trendy – Termo em inglês que designa algo que é tendência; que está na moda.    Van  –  Carro  familiar  para  até  oito  ocupantes,  com  três  ou  quatro  portas  (com  opção  de  portas deslizantes), tampa traseira (inteiriça ou bipartida) e carroceria monovlume.                                  LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS  ABS – Acrônimo para a expressão alemã Antiblockier‐Bremssystem. Trata‐se de um sistema  de freios anti‐travamento de rodas, o qual em caso de frenagem abrupta evita a derrapagem  do carro, a falta de aderência dos pneus à pista e consequente descontrole do veículo.  ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores   CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior  CBT – Companhia Brasileira de Tratores  CESP – Companhia Energética de São Paulo  CIPED – Congresso Internacional de Pesquisa em Design  CKD  –  Sigla  adotada mundialmente  pela  indústria  automotiva  para  designar  o  termo  em  língua inglesa Completely Knocked Down – em tradução livre completamente desmontado –  a qual  se  refere ao  fornecimento de  veículos, agregados e peças desmontados e que  são  montados e finalizados no país onde será vendido.  CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito  CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito  DKW – Dampf Kraft Wagen  DNA  –  Termo  emprestado  da  área  das  Ciências  Biológicas  e  que  na  área  do  Design  Automotivo refere‐se à identidade da marca representada no design de seus produtos  ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial  FEI – Faculdade de Engenharia Industrial  FNM – Fábrica Nacional de Motores  GEIA – Grupo Executivo da Indústria Automobilística  GM – General Motors  IBAP – Indústria Brasileira de Automóveis Presidente  IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada   P&D Design – Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design  P&L – Panhard e Levassor  PIB – Produto Interno Bruto  SPECS – Sigla adotada em referente às especificações técnicas  SR – Souza Ramos concessionária Ford  SUV  –  Sigla  adotada mundialmente  pela  indústria  automotiva  para  designar  o  termo  em  língua  inglesa  Sport  Utility  Vehicle  –  em  tradução  livre  Veículo  Utilitário  Esportivo  –  desenvolvido para quatro ou cinco ocupantes com duas ou quatro portas.  UNESP – Universidade Estadual Paulista              SUMÁRIO    1 INTRODUÇÃO  ................................................................................................................ 20    2 OBJETIVOS  ..................................................................................................................... 25    3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA  ............................................................................................... 27  3.1 A indústria automobilística no Brasil: contextualização do setor ...................................... 28  3.2 A fabricação de automóveis e a atuação dos designers: aspectos históricos ...................  32  3.3 O design e os designers automotivos no Brasil: do início à atualidade ............................  40    4 MATERIAIS E MÉTODOS  ............................................................................................... 142  4.1 Aspectos Éticos ................................................................................................................. 143  4.2 Materiais ........................................................................................................................... 144  4.3 Procedimentos de coleta .................................................................................................. 146  4.4 Análise de dados ............................................................................................................... 147    5 RESULTADOS E DISCUSSÕES  ......................................................................................... 151  5.1 Resultados da primeira fase da pesquisa ................................................................... 152  5.1.1 Perfil da Amostra ........................................................................................................... 153  5.1.2 Análise de conteúdo dos dados obtidos ....................................................................... 154  5.1.2.1 Categoria 1: O profissional designer automotivo no Brasil........................................155  5.1.2.2 Categoria 2: O designer automotivo e a interdisciplinaridade  ................................. 162  5.1.2.3 Categoria 3: Autonomia, desafios e melhorias na prática profissional do designer de  automóveis brasileiro  ............................................................................................................ 174  5.1.2.4 Categoria 4:  O futuro da profissão no Brasil ............................................................. 197  5.2 Resultados da segunda fase da pesquisa  ................................................................... 208  5.2.1 Perfil da Amostra ........................................................................................................... 208  5.2.2 Análise dos dados obtidos ............................................................................................  210     CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................  222    7 REFERÊNCIAS UTILIZADAS E CONSULTADAS  ................................................................  234  8 APÊNDICES ..................................................................................................................  244                                                                                        20      1 INTRODUÇÃO    As  primeiras  intervenções  do  Homem  na  natureza  objetivando  a modificação  do  entorno para atender às  suas necessidades, permitiram que a ação criativa Humana  fosse  responsável  pela  produção  dos  mais  variados  artefatos.  Ao  longo  do  tempo,  o  aprimoramento  das  técnicas  e  o  desenvolvimento  de  novas  e  diferentes  ferramentas,  materiais e processos permitiram que a produção destes objetos evoluísse de maneira cada  vez mais veloz, resultando no aprimoramento dos diferentes produtos.  Notadamente após a Revolução Industrial, os avanços obtidos em termos de prática  de  projeto,  velocidade  de  produção  e  concorrência  crescente  de mercado,  delinearam  a  formação  da  atividade  do  desenhista  industrial  –  ou  designer  –  como  profissional  encarregado da  criação e desenvolvimento de projetos, que de maneira  interdisciplinar é  responsável  por  conjugar  em  sua  prática  diária,  entre  outros  fatores,  o  aprimoramento  constante de projetos, a otimização dos processos produtivos, o desenvolvimento de novos  materiais  e  o  uso  de  recursos  naturais.  Tais  fatores  permeiam  a  atividade,  a  qual  busca  equilibrar os interesses de empresas e mercado com as necessidades e desejos dos usuários  na produção dos artefatos.  Entre os objetos de uso produzidos em escala industrial, o automóvel figura como um  emblemático  e  complexo  produto  resultante  de  anos  de  pesquisas  as  quais  contribuíram  para  o  aprimoramento  de  seus  diversos  componentes  e  pautaram  sua  evolução.  Com  o  passar  dos  anos,  um  produto  inicialmente  caro  e  com  público  consumidor  restrito  popularizou‐se – principalmente após a difusão da produção em linha de montagem – sendo  atualmente um dos objetos mais utilizados no cotidiano dos indivíduos, o qual incorpora, se  adapta e reflete as mudanças de gostos, hábitos e necessidades sociais no espaço de tempo  em que se encontra inserido.   Também  a  indústria  automotiva  tornou‐se  produtora  de  tecnologias  as  quais  contribuem  diretamente  para  o  desenvolvimento  industrial  como  um  todo,  produzindo  inovações  e  processos  incorporados  inclusive  por  outras  áreas  –  tais  como  o  motor  à  combustão e a produção em linha de montagem – bem como ao mesmo tempo foi – e ainda  é –  influenciada por novos avanços oriundos das mais diversas áreas tais como o emprego  crescente  das  tecnologias  digitais  no  formato  de  computadores  de  bordo  e  centrais  de  interatividade, cada vez mais presentes nos projetos contemporâneos.  21      Na  produção  deste  objeto  de  uso,  a  atuação do  designer  se  faz  essencial.  Em  um  cenário  de  concorrência  acirrada,  no  qual  as  tecnologias  são  empregadas  de  maneira  equivalente pelas diferentes marcas, o design do produto é um dos  importantes fatores os  quais influenciam no sucesso do projeto junto ao público, sendo por vezes determinante na  escolha  por  parte  do  usuário  quando  do  momento  da  compra  (ROBERTI; MATSUBARA,  2012).   No  Brasil,  a  área  de  design  automotivo  vem  crescendo  nos  últimos  anos  principalmente  devido  à  implantação  de  estúdios  de  design  anexos  às  plantas  fabris  de  empresas  multinacionais  instaladas  em  território  nacional.  Trata‐se  de  um  reflexo  da  expansão da atividade de design nas matrizes, as quais vêm reconhecendo a importância da  mesma e expandindo‐a às  subsidiárias. Muitos projetos de  sucesso  foram – e ainda  são –  desenvolvidos com importantes contribuições de profissionais brasileiros, os quais têm sido  solicitados  mais  recentemente  a  trabalhar  dentro  da  tendência  atual  da  produção  de  projetos globais adotada pelas empresas.  No  âmbito da  formação profissional,  a partir da década de 1960, no Brasil,  com  a  criação dos  cursos de Desenho  Industrial oferecidos por  instituições de ensino  superior –  sendo  o  primeiro  deles  criado  em  1963  com  a  fundação  da  Escola  Superior  de Desenho  Industrial – ESDI – na cidade do Rio de Janeiro – a área de design de automóveis passou a  figurar  como  mais  um  campo  de  atuação  para  os  estudantes  egressos.  Também  o  desenvolvimento e a expansão das indústrias instaladas no país favoreceram a ampliação do  campo  de  trabalho  para  que  os  profissionais  interessados  se  especializassem  na  área.  Atualmente, algumas instituições mantêm cursos de design de transportes ou design para a  mobilidade, os quais  são oferecidos nas modalidades de pós‐graduação, especialização ou  extensão, promovendo a profissão e capacitando os estudantes de design para a atuação no  setor.  É  incumbência dos designers projetar e acompanhar o desenvolvimento de veículos  que  sejam  esteticamente  atraentes,  ergonomicamente  adequados,  levando  em  consideração tanto aspectos objetivos como segurança e desempenho, quanto subjetivos –  potencial para evocar emoções e identificação com o estilo de vida do usuário – na produção  do produto. A prática empreendida pelos designers dentro dos estúdios das montadoras é  atualmente  caracterizada  como  uma  atividade  interdisciplinar,  inserida  em  um  cenário  problemático em termos de mobilidade, no qual o número de veículos presentes nas ruas é  22      tomado  como  um  dos  fatores  causadores  do  trânsito,  por  vezes  caótico,  verificado  principalmente  em  grandes  cidades.  Soma‐se  a  estes  pontos  a  demanda  crescente  em  inovação por parte das empresas em  relação aos designers, como  reflexo da concorrência  acirrada.  Nesse  cenário,  a  importância  do  design  para  a  produção  de  automóveis  seja  inegável,  a  prática  dos  designers  neste  meio  apresenta  importantes  desafios  a  serem  vencidos.  Embora o setor automotivo seja um dos mais visados pelos designers brasileiros os  quais buscam uma oportunidade na área, no que concerne à área de design de automóveis e  à pesquisa relativa a este campo de atuação no Brasil – principalmente sobre a atuação dos  designers neste meio – observa‐se ainda uma modesta produção de bibliografias, quando  comparadas às demais áreas de pesquisa em design. Salvo algumas exceções (LAMM; HOLLS,  1996; SPARKE, 2002; LARICA, 2003; ONO, 2004; VIEIRA, 2010; KINDERSLEY, 2012), a maioria  da produção envolvendo o carro como objeto de estudo configura‐se como uma  literatura  de  lazer, voltada ao público admirador de automóveis, sendo escassas as publicações mais  aprofundadas, de teor crítico ou analítico voltadas ao assunto.  No que se refere à produção científica de autoria brasileira verificada, as quais têm  por objeto de estudo o  setor automotivo, boa parte  refere‐se a estudos de engenharia e  processos  de  produção,  sendo  voltadas  principalmente  às  discussões  na  área  da  gestão  (VIEIRA; GARCIA, 2004), estratégias de competitividade  (DIAS, 2001; DIAS; SALERNO, 2003;  CARVALHO, 2005; SCAVARDA; BARBOSA; HAMACHER, 2005), processos dentro da  indústria  com  ênfase  em  engenharia  (CARDOSO;  KISTMANN,  2009),  identidade  e  marketing  (OLIVEIRA, 2006), sendo ocasionalmente investigados aspectos históricos (CAMARGO, 2006)  ou culturais nos projetos em design (ONO, 2004).   Também  as  publicações  de  autoria  brasileira  ou  realizadas  em  parceria  com  instituições estrangeiras, referentes ao setor automobilístico encontradas nos 41 volumes do  International Journal of Automotive Technology and Management – os quais compilam um  total  de  278  estudos  publicados  entre  os  anos  de  2001  e  2012  –  perfazem  um  total  de  apenas 9 artigos, dos quais nenhum versa sobre o campo do design de automóveis, sendo  em  sua  maioria  referentes  à  gestão  da  produção  (BALCET;  CONSONI,  2007;  MIYAKE;  NAKANO, 2007; PROFF, 2011;  IBUSUKI; KOBAYASHI; KAMINSKI, 2012), gestão da produção  de autopeças (RACHID, 2001; TOLEDO; FERRARI; ALLIPRANDINI; MARTINS; MARTINS; SILVA,  2004),  aspectos  históricos  (ZIBOVICIUS;  MARX;  SALERNO,  2002)  estratégias  de  23      competitividade (ZILBER; VASCONCELLOS, 2005), e engenharia (AMATUCCI; SPERS, 2010). No  tocante à produção científica específica da área do design, envolvendo o setor automotivo, a  mesma  também  se mostra  tímida.  Em  estudo bibliométrico  realizado  (PIZARRO;  LANDIM,  2012),  foram analisadas as produções científicas publicadas nas três edições mais recentes  de dois importantes congressos da área do Design, o P&D Design – Congresso Brasileiro de  Pesquisa em Design – e o CIPED – Congresso Internacional de Pesquisa em Design. Somadas  as produções das seis edições – três de cada evento – verificou‐se que, de um total de 2.526  trabalhos, apenas 21 abordavam de alguma maneira o automóvel como o objeto de estudo.  Tal resultado reflete a baixa produção sobre o tema no Brasil e no mundo – uma vez que a  análise realizada compreendeu um evento nacional e um internacional – índice preocupante  em se  tratando de um  setor no qual o design  tem grande peso no sucesso do produto. A  baixa  produção  reflete  a  pouca  atenção  que  tem  sido  dispensada  pela  comunidade  acadêmica a um  campo de atuação para o design, no qual a pesquisa desempenhará um  papel  importante nos próximos anos, principalmente no que  tange aos problemas que  se  esboçam na atualidade, em termos de mobilidade.   A  presente  pesquisa  propõe‐se  a  investigar  como  se  dá  a  prática  profissional  dos  designers  dentro  dos  processos  de  design  nas  montadoras,  quais  os  aspectos  que  a  caracterizam, os obstáculos a serem equacionados, os pontos positivos a serem reforçados e  aprimorados, bem como o que se pode esperar para o futuro da profissão. A fim de obter  respostas  fiéis  à  realidade  vivida  por  esses  profissionais,  recorreu‐se  à  investigação  da  percepção  de  profissionais  inseridos  no  mercado  e  atuantes  na  área  de  design  de  automóveis. Percepção  compreendida nesta pesquisa de  acordo  com Coelho  (2008, p.44)  como “[...] processo ou ato de perceber, ou ao efeito ou produto dessa mesma  faculdade  [...]  o  fato  de  perceber  através  dos  sentidos  e  emoção,  ou  a  representação  consciente  a  partir de sensações. É usado para o fato de tomar conhecimento de objetos em geral, ou ter  a consciência de algo.” Podendo a percepção ser vista, ainda de acordo com o autor, como  “[...]  o  reconhecimento  intuitivo  de  uma  qualidade moral  ou  estética  [...]  diz  respeito  à  cognição ou ao julgamento imediato ou intuitivo” (COELHO, 2008, p.44).   A motivação para a pesquisa  teve origem a partir das experiências profissionais da  pesquisadora nos departamentos de design de duas montadoras de veículos – Volkswagen  do Brasil e CAIO Induscar. Durante o período de atuação nas empresas, além do aprendizado  e vivência da prática profissional, foram detectados  importantes aspectos que permeiam a  24      prática profissional, os quais resultavam em fortes influências no desempenho profissional e  de  projeto  dos  designers.  Com  a  intenção  de  investigar  e  registrar  tais  aspectos,  a  possibilidade de transformar os problemas vivenciados – ou observados – na prática em um  problema  de  pesquisa  apresentou‐se  como  um  caminho  natural  e  desafiador,  dado  a  escassez de bibliografias correlatas ao tema e às dificuldades presentes quando se pretende  trabalhar  junto  a  empresas  nas  quais  o  sigilo  configura‐se  como  parte  importante  do  trabalho.  Uma  vez  aprovada  em  processo  seletivo  pelo  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Design  da UNESP  campus  de Bauru,  a  presente  pesquisa  financiada  pela CAPES  pôde  ser  desenvolvida.  A estrutura da dissertação  resultante da  investigação  corresponde a  seis  capítulos,  sendo  o  primeiro  dedicado  à  introdução  do  tema  e  o  segundo  ao  esclarecimento  dos  objetivos da pesquisa.   O  capítulo  três  compreende  a  revisão  bibliográfica  acerca  do  tema  pesquisado  estabelecendo relações a partir de dados históricos referentes às  indústrias de automóveis  instaladas  no  Brasil,  abordando  os  fatos  históricos,  as  iniciativas  de  desenvolvimento  brasileiras paralelas à produção das multinacionais, o surgimento e a atuação dos designers  neste meio, bem como apresenta dados provenientes de pesquisas recentes sobre o setor.   O  capítulo  quatro  elucida  os materiais  e métodos  empregados  no  decorrer  desta  pesquisa em suas duas fases, atendendo aos aspectos éticos, relatando os procedimentos de  coleta e o método de análise de dados.   Em seguida, o capítulo cinco apresenta a análise completa e as discussões dos dados  coletados  nas  duas  fases  da  pesquisa. As  considerações  finais  foram  tecidas  realizando  o  fechamento da pesquisa a partir da retomada das reflexões apresentadas, integrando‐as ao  cenário  obtido  a  partir  da  análise  dos  dados  e  apresentando  sugestões  consideradas  pertinentes às Universidades e indústrias de automóveis, visando contribuir para a melhoria  da prática profissional.                  25        26      2 OBJETIVOS    O Design desempenha  importante papel no desenvolvimento do objeto automóvel,  sendo  o  campo  do  design  automotivo  um  dos  mais  competitivos  do  mercado  para  os  designers em formação e um dos mais promissores para os designers em atividade.  O presente estudo teve como objetivo geral levantar e analisar como os designers de  empresas do setor automobilístico no Brasil percebem os aspectos que envolvem sua prática  profissional  no  desenvolvimento  de  automóveis  na  atualidade  e  que  perspectivas  profissionais futuras anteveem para a área de design automotivo.   Como objetivos específicos, o estudo  intencionou a partir de uma contextualização  do  setor  automotivo,  analisar  como  se  deu  o  surgimento  do  profissional  designer  de  automóveis;  conhecer,  compilar  e  registrar  os  principais  modelos  de  veículos  comercializados  no  Brasil  e  desenvolvidos  no  país  a  partir  de  iniciativas  e  de  projetos  brasileiros;    levantar  e  analisar  a  partir  do  contato  com  designers  automotivos  atuantes  como  os  vários  aspectos  da  prática  profissional  influenciam  no  desempenho  dos  profissionais e no processo de design de automóveis.   Pretendeu‐se que ao fim da pesquisa, fossem obtidos  indicadores sobre a atividade  profissional, os quais favorecessem a elaboração de recomendações que contribuam para a  melhoria da formação profissional contínua e da prática dos designers na área automotiva.  Por fim, pretendeu‐se colaborar para a produção e divulgação dos conhecimentos nesta área  do design ainda timidamente abordada.                        27        28      3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA    3.1 A indústria automobilística no Brasil: contextualização do setor    Desde os mais remotos tempos, o ser humano modifica o ambiente em favor de suas  necessidades.  Muito  além  de  apenas  buscar  garantir  sua  sobrevivência,  a  história  da  Humanidade foi ‐ e é ‐ permeada pelo ímpeto humano de vencer limites, transpor barreiras,  conviver  em  sociedade  e buscar o bem‐estar. Neste  cenário,  criou‐se  e  se desenvolveu  a  cultura material humana, metamorfoseando‐se através dos tempos, hábitos e necessidades  do Homem e tornando‐se ao mesmo tempo objeto de estudo e de ação do design.   Para Vieira  (2008, p.15), o Homem, por natureza, é  impelido por uma  força motriz  que o faz mover‐se adiante, rumo ao desenvolvimento, à evolução, às técnicas e tecnologias  para  vencer  o  tempo  e  o  espaço  e,  para  tal,  “Ao  longo  de  sua  história  cria  ferramentas,  substâncias,  engenhocas,  máquinas,  veículos,  dispositivos,  computadores  técnicas  e  tecnologias que fazem esse movimento – cada vez mais veloz, cada vez mais velozmente”.  Na  esteira  de  tais  criações,  muitas  foram  as  soluções  encontradas  para  as  mais  diferentes necessidades, as quais culminaram na  invenção dos mais diversos objetos. Entre  tais objetos, a roda  influenciou de maneira  importante o curso dos acontecimentos, sendo  sua invenção tão significativa para a evolução humana, quanto a descoberta do fogo (VIEIRA,  2008, p.19). Seu uso, aplicado  inicialmente no transporte de cargas pesadas, com o passar  dos anos  foi ampliado, tornando‐a peça componente principal para a montagem de meios  de transporte humanos e de carga. As diversas invenções posteriores à roda favoreceram a  composição do ambiente e a produção das ferramentas ideais para a criação de um dos mais  emblemáticos objetos criados pelo homem: o automóvel.   Os  avanços  em  termos  de  maquinário  e  velocidade  de  produção  verificados  principalmente no período conhecido como Revolução  Industrial resultaram em sucessivas  transformações  no  processo  produtivo,  culminando  na  incorporação  do  projeto  e  do  profissional projetista nas produções em série, no aprimoramento de métodos de produção  e  fabricação,  na  criação  de  inovadoras  técnicas  construtivas  e  também  na  pesquisa  e  desenvolvimento  de  novos materiais.  O  carro,  um  objeto  tão  popular  na  atualidade,  é,  portanto a síntese de todo o arcabouço histórico, tecnológico e material que o precedeu e  permitiu a sua materialização. O transporte, de acordo com Larica (2003, p.13), corresponde  29      à necessidade de  locomover‐se de um ponto a outro, por meios mecânicos, com a máxima  conveniência  e  segurança  e  o  mínimo  desconforto,  por  meio  de  uma  atividade  que  proporcione  satisfação  e  divertimento.  Ainda  para  o  autor,  os meios  de  transporte  não  apenas servem para o transporte de mercadorias ou  locomoção humana, mas também são  agentes que moldam o curso de nossas vidas, e completa:    Algumas vezes a função é mais importante do que o prazer. Outras vezes o prazer é  essencial.  Mas,  seja  qual  for  o  percurso,  ambos  os  atributos  função  e  prazer  coexistem lado a lado, cada um com sua própria intensidade. Tanto a função como  o  prazer  dizem  respeito  ao  campo  de  trabalho  do  designer  industrial.  (LARICA,  2003, p.13).      Assim, o design de automóveis se propõe a desenvolver projetos  levando em conta  tanto  os  aspectos  prático‐funcionais  do  objeto  como  ergonomia,  segurança,  conforto  e  desempenho,  quanto  os  aspectos  subjetivos  e  simbólicos  do  mesmo,  os  quais  sejam  a  identificação emocional, adequação ao gosto do  consumidor e materialização dos desejos  dos  mesmos.  Desde  sua  popularização  o  automóvel  progressivamente  foi  se  tornando  indispensável para o cotidiano de grande parte dos  indivíduos  também no Brasil, os quais  fazem do produto uma  extensão de  si, por meio do qual  expressam  seu  estilo  de  vida  e  dentro do qual passam muitas horas do seu dia na ida ao trabalho, viagens e demais afazeres  que  impliquem a mobilidade em variadas distâncias. Sua  importância também é destacada  por Ono (2004).    O  automóvel  tem  afetado  profundamente  não  somente  o  desenvolvimento  econômico e as transformações dos meios produtivos, mas também os modos de  vida da sociedade, o meio ambiente e a configuração da arquitetura e dos espaços  urbanos.  Trata‐se  de  um  elemento  emblemático,  que  tem  influenciado  direta  e  indiretamente as atividades, as relações e os referenciais culturais dos indivíduos e  grupos sociais. (ONO, 2004, p.142).    Na atualidade, um dos setores no qual o design é reconhecidamente importante para  a inovação, competitividade e presença no mercado é o automotivo. No cenário atual, a área  é caracterizada pela forte concorrência entre as marcas, sendo parte do cotidiano de projeto  de tais empresas a necessidade de surpreender o usuário em um setor no qual as diferentes  marcas  absorvem  quase  que  instantaneamente  as  novas  tecnologias.  Neste  sentido,  a  criação, o desenvolvimento e a produção de novos produtos tornam‐se o grande diferencial  30      entre  as mesmas.  Assim,  é  incumbência  dos  designers manterem‐se  atentos  aos  vários  aspectos culturais e sociais da comunidade na qual estão inseridos e às diferentes e, muitas  vezes sutis mudanças nos comportamentos, preferências e hábitos dos consumidores, a fim  de  desenvolver  projetos  inovadores  e  cada  vez mais  adequados  ao  estilo  de  vida  e  às  aspirações do público.   As  empresas multinacionais  e  de  iniciativa  nacional  –  tais  como  a Gurgel,  Puma  e  Troller –  instaladas no país ajudaram a construir – e manter – um dos mais  importantes e  lucrativos  setores  industriais  brasileiros,  capacitando  profissionalmente  um  grande  contingente de mão‐de‐obra, gerado empregos, design e inovação. Atualmente, as empresas  do setor investem no potencial de crescimento do mercado nacional e buscam, por meio do  design,  produzir  de  acordo  com  os  anseios  do  público  brasileiro,  o  que  não  significa  sobremaneira  isentar‐se do desenvolvimento de design e  inovação com potencial global. O  uso  de  plataformas  globais  tem  se  tornado  uma  constante  no  setor  automotivo,  nesse  sistema, há um  compartilhamento das estruturas de base do veículo, as quais podem  ser  compostas pelo chassi – estrutura metálica na qual são montados o conjunto mecânico e a  carroceria  –  ou  o  monobloco  –  estrutura  composta  pelo  chassi  soldado  diretamente  à  carroceria – permitindo que uma mesma plataforma dê origem a diferentes modelos.   De acordo com Dias e Salerno (2003), as vantagens relacionadas à produção de um  produto global abrangem fatores como a demanda, na qual se busca uma padronização de  gostos e usos entre as populações; a oferta; a busca por economias de escala uma vez que  os desenvolvimentos de produtos e processos são realizados uma única vez para um volume  de produção “global”, e a  redução do  tempo de desenvolvimento. Tais vantagens passam  principalmente pela concentração das atividades de desenvolvimento de produtos em um só  local:  a  matriz.  Todavia,  afirmam  os  autores,  verifica‐se  uma  tendência  diferente,  de  descentralização da produção de produtos globais.    O  conceito  de  produto  “global”,  em  realidade,  modificou‐se,  pois  em  muitos  setores o pressuposto relativo à padronização da demanda não se verificou; dessa  forma, ainda que um produto possa ser concebido com vistas a vários mercados ao  mesmo tempo, ele deve ser minimamente adaptado aos gostos e usos locais. Além  disso,  ao  concentrar  as  atividades  de  desenvolvimento  em  uma  unidade,  a  corporação pode perder oportunidades de acesso a tecnologias desenvolvidas fora  desse  centro,  em  suas  subsidiárias  ou  em  instituições  externas  às  filiais,  mas  próximas a elas (tais como universidades e centros de pesquisa). Haveria, portanto,  não  uma  centralização  de  atividades  de  desenvolvimento,  mas  sim  uma  31      descentralização dessas atividades buscando proximidade dos mercados‐alvo e das  tecnologias desenvolvidas localmente. (DIAS; SALERNO, 2003, p.1 e 2).     Embora  importantes decisões e diretrizes projetuais  sejam  tomadas no âmbito das  matrizes  das  empresas,  é  cada  vez  maior  o  reconhecimento  de  que  fatores  como  as  necessidades  locais,  a  diversidade  dos  diferentes  mercados  nos  quais  tais  companhias  atuam, e principalmente no caso do Brasil, o peso que a filial brasileira tem para os negócios  da marca, desenham cenários mais complexos no que tange à produção de projetos  locais  e/ou globais.   Enquanto a centralização apresenta  suas vantagens, a descentralização de projetos  mostra‐se mais adequada na busca pela redução do tempo de desenvolvimento quando os  produtos destinados aos mercados das subsidiárias sofrem muitas adaptações. Este é o caso  do mercado  brasileiro,  o  qual,  além  de  aquecido mercado  interno  atualmente  apresenta  grande influência também na região da América Latina. Desta maneira, têm sido crescentes  as  solicitações  de  participação  de  designers  e  estúdios  de  subsidiárias  brasileiras  no  desenvolvimento de projetos globais, até mesmo  liderando esses projetos,  sendo os mais  recentes exemplos o desenvolvimento dos novos modelos Ford Ecosport, lançado em 2012,  e Ford Ka Concept, um novo conceito design para o Ford Ka a ser comercializado em escala  global e apresentado em 2013, mas ainda sem previsão de lançamento (MAGALHÃES, 2013).  O projeto e produção de ambos os modelos foi  liderado pela equipe dos estúdios satélites  da marca instalados no Brasil nas cidades de Gravataí (BA) e São Bernardo do Campo (SP).  Em  anuário  publicado  no mês  de  Junho  de  2013  com  dados  referentes  a  2012,  a  ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores,  fundada em 15  de  maio  de  1956,  e  que  reúne  as  empresas  fabricantes  de  autoveículos  (automóveis,  comerciais leves, caminhões, ônibus) e máquinas agrícolas automotrizes (tratores de rodas e  de  esteiras,  colheitadeiras  e  retroescavadeiras)  com  instalações  industriais  no  Brasil  –  compilou e divulgou  importantes estatísticas  sobre as  indústrias de automóveis  instaladas  no país, bem como seu desempenho em relação às pares internacionais.   No  escopo  da  presente  pesquisa,  considerou‐se  apenas  os  dados  referentes  aos  autoveículos,  especificamente  os  automóveis  e  comerciais  leves.  De  acordo  com  a  publicação,  o  Brasil  figura  como  o  sétimo  maior  produtor  de  veículos  do  mundo,  apresentando 3.387 unidades fabricadas somente no ano de 2012, recebendo investimentos  crescentes  por  parte  das matrizes  das  empresas  já  instaladas  e  de  novas  empresas  que  32      buscam  entrar  no mercado  nacional.  Também  a  indústria de  autoveículos  respondeu  por  cerca de 18,7% do PIB Industrial do país no ano de 2012, faturando cerca de 90 bilhões de  dólares no mesmo ano  (ANFAVEA, 2013). A análise dos dados apresentados pelo  relatório  revelou a importância do setor para a economia e sociedade brasileiras, sendo significativas  as contribuições da indústria automotiva para o desenvolvimento do país, gerando volumes  de exportação, além de desenvolver  tecnologia e  conhecimento,  capacitando  cidadãos na  área industrial, criando significativa quantidade de postos de trabalho diretos e indiretos.   No sentido de aprimorar constantemente a produção do setor e garantir a ampliação  de pesquisas para o projeto do produto automobilístico, o governo brasileiro lançou, no mês  de  Setembro  de  2012,  o  programa  Inovar‐Auto  ou  Programa  de  Incentivo  à  Inovação  Tecnológica  e  Adensamento  da  Cadeia  Produtiva  de  Veículos  Automotores,  que  tem  por  objetivo estimular o investimento e a competitividade da indústria automotiva no Brasil por  meio do  investimento em pesquisa e desenvolvimento para a  fabricação de veículos mais  econômicos e seguros. O Programa Inovar‐Auto faz parte da política industrial, tecnológica e  de  comércio  exterior  chamado  “Plano Brasil Maior”,  e  concede  benefícios  em  relação  ao  Imposto  sobre  Produtos  Industrializados  (IPI)  para  as  empresas  que  estimularem  e  investirem na  inovação  e  em  pesquisa  e  desenvolvimento  dentro  do  país  (BRASIL,  2012).  Espera‐se que até 2015 o Programa  levantará mais de R$ 50 bilhões em  investimentos no  setor, panorama esse que pode favorecer o design e a pesquisa em design brasileiros, uma  vez  que  se  abre  a  possibilidade  de  que  parte  desses  investimentos  sejam  aplicados  não  somente em tecnologias e maquinários, mas também no desenvolvimento e aprimoramento  de projetos de design.    3.2 A fabricação de automóveis e a atuação dos designers: aspectos históricos    A  invenção  e  o  desenvolvimento  do  automóvel  se  inter‐relacionam  com  a  própria  evolução dos meios de produção e da sociedade. Não há, portanto, uma data exata, a qual  possa ser tomada como marco inicial da produção deste objeto.  A exemplo de tantos outros  artefatos frutos da criação humana, o surgimento do automóvel deu‐se a partir de uma série  de revoluções técnicas empreendidas no decorrer dos anos, resultantes, em sua maioria, de  invenções aliadas a uma  série de procedimentos empíricos os quais  resultaram em novas  descobertas. Desde a invenção da roda, atribuída historicamente aos povos que habitavam a  33      Mesopotâmia  (VIEIRA, 2008 p.19‐20), passando pelo desenvolvimento da metalurgia e do  asfalto, datados de milhares de anos antes de Cristo, muitas foram as mudanças, incluindo a  abertura das primeiras estradas, feito atribuído aos romanos e datado de cerca de 312 a.C  (VIEIRA,  2008  p.30). Mais  à  frente  no  tempo,  durante  a  Idade Média,  inúmeros  avanços  foram conquistados em termos de mobilidade de cargas, para as quais os primeiros veículos  sobre rodas foram empregados. Surgiram neste período também as primeiras contribuições  inventivas visando à mobilidade humana. Notadamente entre o fim da Idade Média e início  da  Idade Moderna  –  dentro  do  movimento  cultural  da  Renascença  –  cabe  destacar  as  contribuições  de  Leonardo  da  Vinci  e  seus  estudos  de  engenharia,  os  quais  se  tornaram  referências para projetos  futuros de mobilidade, aeronáutica, engenharia mecânica, entre  outros campos do conhecimento.   No  período  da  Idade Moderna  –  com  início  em meados  do  século  XV  até  fins  do  século XVIII – muitos foram os contributos para os experimentos em termos de mobilidade.  Disseminou‐se o uso das carruagens e amplos foram os episódios de descobertas, os quais  culminaram  com  o  aprimoramento  de  invenções  mecânicas  e  com  o  surgimento  dos  motores à vapor. A partir destes, deu‐se o  início de um período de velozes transformações  técnicas conhecido como Revolução Industrial. Tal revolução acompanhou e contribuiu para  as mudanças, as quais, entre fins do século XVII e início do século XIX, marcaram o início da  Idade Contemporânea, a qual perdura até os dias atuais.   Durante  a  Revolução  Industrial  ergueram‐se  fábricas,  e  surgiram  ao  seu  redor  as  primeiras  aglomerações  urbanas,  originando  assim  as  grandes  cidades.  O  período  foi  marcado  por  invenções  significativas  para  o  avanço  da mobilidade  e,  no  futuro,  para  a  criação  do  automóvel.  Ao  longo  deste  período,  como  ressalta  Vieira  (2008,  p.96‐130),  tiveram  papel  significativo  o  surgimento  dos  trens  e  alguns  veículos  à  vapor;  a  criação  e  construção das ferrovias; os primeiros motores à combustão interna e externa; a descoberta  de  potencialidades  industriais  da  borracha  e  seu  processo  de  vulcanização,–  patente  nº  3.633 de Charles Goodyear em 1844 –, dando origem aos pneus; os diversos estudos e testes  com  combustíveis;  a  fabricação  do  aço;  o  revestimento  asfáltico  criado  por  Edward  J.  de  Smedt, datado de 1870 e aprimorado pelo inventor em 1872, e o motor à gasolina.   Tais  invenções  –  entre  muitas  mais  –  foram  imperativas  para  o  surgimento  dos  primeiros automóveis e das primeiras indústrias fabricantes de veículos – a partir de meados  do século XIX em diante – constituindo, assim, um dos mais importantes setores industriais  34      do mundo  na  atualidade.  Neste  cenário,  a  origem  do  profissional  hoje  conhecido  como  designer de automóveis remonta à origem do profissional desenhista  industrial empregado  pela indústria, o qual começou a surgir a partir do período da Revolução Industrial, no qual a  inserção da mecanização nos meios de produção foi acompanhada por uma radical divisão  do trabalho, uma vez que para os artefatos produzidos industrialmente, a forma de trabalho  típica do artesanato na qual projeto e produção eram executados pelo mesmo trabalhador  ficou cada vez mais obsoleta. Tal mudança organizacional ocorreu no  século XVIII  (FORTY,  2007, p.43), na qual um dos aspectos que marcaram a transição da fabricação oficinal para a  industrial  foi  o  uso  de  projetos  ou modelos  de  base  para  a  produção  seriada.  Foi  neste  contexto que se constituiu a profissão de desenhista  industrial ou designer, como  ressalta  Schneider:    A criação dos objetos (trabalho mental) e a sua produção (trabalho das máquinas)  tornaram‐se atividades distintas. Aqui, na divisão  industrial do  trabalho,  surgiu a  moderna atividade de projeto de produtos, surgiu o design industrial. Já não eram  os artesãos que produziam a maioria dos objetos e lhes davam forma. (SCHNEIDER,  2010, p.16).       O autor ainda destaca que, como resultado desta mudança, os empresários donos de  manufaturas  ou  fábricas  “[...]  encarregavam  os  então  denominados  “projetistas”  ou  “fazedores  de  amostras”  (também  chamados  de  “desenhistas”  ou  “modeladores”)  de  desenvolverem  os  produtos  que  depois  seriam  produzidos  pelas máquinas”.  A  formação  destes  profissionais  ocorria  em  parte  nas  escolas  de  desenho  ou  de  arte,  ou  os mesmos  obtinham  seus  juízos  de  gosto  no  entorno  das  academias de  arte. Aproximadamente  em  1800, o trabalho de projetista tornou‐se então uma profissão independente e, por volta de  1850,  o  termo  “designer”  já  era  utilizado  para  fazer  referência  a  este  profissional.  Como  Cardoso (2012) destaca:    Entre 1850 e 1930 aproximadamente três gerações de novos profissionais – alguns  já  apelidados  de  “designers”  –  dedicaram  seus  esforços  à  imensa  tarefa  de  conformar  a  estrutura  e  a  aparência  dos  artefatos  de modo  que  ficassem mais  atraentes e eficientes. Sua meta era nada menos que  reconfigurar o mundo com  conforto e bem estar para todos. (CARDOSO, 2012, p.16).    35      Para  os  fabricantes  industriais,  empregar  um  designer,  além  de  garantir  a  padronização de projetos, ainda resultava em aprimoramento no processo produtivo, maior  controle  sobre as etapas de  trabalho e economia em  termos de  remuneração de mão de  obra  especializada.  Para  Cardoso  (2008,  p.  33)  “Separando  os  processos  de  concepção  e  execução,  e  desdobrando  esta  última  em  uma multidão  de  pequenas  etapas  de  alcance  extremamente  restrito,  eliminava‐se  a  necessidade  de  empregar  trabalhadores  com  alto  grau  de  capacitação  técnica”.  Tornava‐se  suficiente,  portanto,  a  contratação  de  um  bom  designer para desenvolver o projeto, um gerente para  supervisionar a produção e muitos  trabalhadores sem qualificação para executar as etapas em sua maioria mecanizadas.  À medida que a mecanização da produção se estabelecia, a categoria  incipiente dos  designers  foi se constituindo como profissional, e o valor monetário do projeto se tornava  mais  explícito.  Em  pouco  tempo,  os  empresários  da  indústria  perceberam  que  o  custo  envolvido  na  criação  de  um  padrão  ou  o modelo  de  base  –  ou mesmo  a  compra  de  tal  padrão/modelo de um designer independente – era único e sua possibilidade de reprodução  ilimitada, o que  também garantia às empresas grande  lucratividade. Cabe destacar que o  nível de mecanização da produção era bastante  variado de uma empresa para outra. Em  algumas,  determinados  processos  ainda  eram  executados  à  mão  –  sendo  as  primeiras  montadoras de automóveis um exemplo destas.   Com  o  tempo,  a  dinâmica  industrial  foi  beneficiada  por  políticas  e  investimentos  governamentais em diversos países, por eventos como as grandes exposições internacionais,  pelo  surgimento  de  indústrias  concorrentes  para  os  mais  diversos  setores,  além  das  inúmeras  inovações em termos de máquinas e componentes que se sucediam a cada nova  descoberta  de materiais  e  aprimoramento  de  processos.  Assim,  a  expansão  da  produção  industrial  ocorreu  de  maneira  importante  e,  nas  primeiras  décadas  do  século  XX,  uma  variada gama de produtos era produzida em série a partir de projetos pré‐concebidos.   A partir destes desenvolvimentos, uma das áreas de grande impacto tanto em termos  da  produção  de  inovação  e  projeto,  quanto  pelo  significativo  papel  desempenhado  na  História  da  indústria  mundial  como  um  todo,  merece  lugar  de  destaque  a  indústria  automotiva.  A  fabricação  de  automóveis  resultou  da  junção  de  diferentes  descobertas  tecnológicas e de materiais, síntese do esforço de empresários e inventores, os quais muitas  vezes de maneira empírica  foram  responsáveis por  avanços que deram origem  a um dos  objetos  de  uso  que  modificaram  em  grande  medida  a  cultura  e  a  sociedade.  O  36      desenvolvimento do carro ocorreu inicialmente de maneira lenta. Produzido como objeto de  luxo e por meio de técnicas artesanais, o carro era montado e vendido em poucas unidades.  No  início, muitos modelos eram produzidos em fábricas de máquinas e ferramentas, como  por exemplo, a empresa francesa Panhard e Levassor ou P&L, que, em 1894, era a principal  companhia  automobilística  do mundo  (WOMACK  et  al  2004,  p.  9)  e  adotava  o  Système  Panhard de montagem, o qual era composto pela configuração: motor alocado na  frente,  tracionando as rodas traseiras com os passageiros sentados em fila atrás dele.   Eentre  as muitas  invenções  e modelos  produzidos  e  testados,  a maior  parte  do  desenvolvimento  inicial  dos  automóveis  se  deu  na  Europa  Ocidental,  sendo  a  P&L  um  exemplo de tal pioneirismo. Entretanto,  foi nos Estados Unidos que o veículo de produção  em massa e baixo custo  foi popularizado,  inicialmente em 1901 pela Oldsmobile, por meio  da produção de um veículo compacto semelhante a uma carruagem, e posteriormente em  1908, com o Modelo T da Ford. Entre o final do século XIX e início do século XX, muitas das  marcas atualmente conhecidas já haviam sido lançadas e contavam com inúmeras patentes  como  fabricantes  de  peças, motores  e mesmo  automóveis,  entre  elas  a  Peugeot,  Rolls‐ Royce, Bugatti, Renault, Fiat, Ford e Mercedes (VIEIRA, 2010 p. 176‐334).  Os  primeiros  projetos  de  veículos  não  envolviam  um  profissional  desenhista  industrial dedicado ao design do  carro. Em geral estavam envolvidos no projeto, além de  engenheiros  e  do  empresário  fabricante,  os  próprios  trabalhadores  das  empresas  montadoras – ou prestadores de serviço de oficinas autônomas – com amplo conhecimento  técnico  formado  a  partir  da  prática  adquirida  no  dia‐a‐dia  da  fabricação  de  peças  e  componentes  para  o  carro.  Tais  trabalhadores  conheciam  em  detalhes  os  princípios  de  mecânica  e  os materiais  com  que  trabalhavam.  Nos  salões  de  empresas montadoras  os  veículos  eram  produzidos  de  maneira  personalizada  objetivando  atender  ao  gosto  dos  clientes. Sob a supervisão dos engenheiros, os montadores encaixavam as peças fornecidas  de  maneira  artesanal,  ajustando  suas  medidas,  buscando  assim  alinhar  cada  peça  na  composição  do  veículo  como  um  todo.  De  acordo  com Womack  et  al  (2004,  p.  12),  a  produção artesanal de veículos apresentava como características:   Força de trabalho altamente qualificada em projeto, operação de máquinas,  ajuste e acabamentos, na qual muitos  trabalhadores progrediam através de  um aprendizado abrangendo todo o conjunto de habilidades artesanais – por  vezes tornando‐se prestadores de serviços para as montadoras;   37       Organização  da  produção  descentralizada  –  embora  concentrada  em  uma  mesma  cidade  –  na  qual  a maioria  das  peças  e  grande  parte  do  próprio  projeto  do  automóvel  vinha  de  pequenas  oficinas  autônomas,  sendo  o  sistema  de  compras  e  montagem  coordenado  por  um  proprietário/empresário  responsável  pelo  contato  direto  com  todos  os  envolvidos no projeto como consumidores, empregados e fornecedores;    Emprego  de  máquinas  de  uso  geral  –  perfuração,  corte  entre  outras  operações em metal e madeira – nas várias fases de montagem;   Baixo volume de produção de mil ou menos unidades de automóveis por ano,  sendo 50 ou menos derivados do mesmo projeto, e mesmo entre estes 50  não se produziam sequer dois idênticos, uma vez que a técnica artesanal por  si produzia  variações. Obviamente  como  todo  setor produtivo,  as primeiras  montadoras  tiveram  de  enfrentar  crescente  concorrência  de  empresas  as  quais  produziam  veículos  de  maneira  semelhante:  ”Por  volta  de  1905  centenas  de  companhias  na  Europa Ocidental  e América do  norte  estavam  produzindo automóveis em pequenos volumes e usando técnicas artesanais”  (WOMACK et al 2004, p. 12).  Os anos que seguiram verificaram a maturidade crescente da produção  industrial, a  produção de novos maquinários e otimização de processos produtivos para a fabricação de  produtos em geral e  também do automóvel. A produção artesanal de veículos, entretanto  não deixou de existir. Embora empresas como a P&L não tenham sobrevivido ao salto para a  produção  em massa  verificado  posteriormente  –  especialmente  após  a  Primeira  Guerra  Mundial  –  seu método  artesanal  de  produção  inspirou  o  desenvolvimento  de  empresas  dedicadas  a este  tipo de produção e que perduram  até os dias  atuais.  Embora  adotando  novas  tecnologias,  tais marcas  conservam  a  técnica  artesanal  em  significativas  partes  do  projeto,  trabalhando  e  montando  componentes  dos  carros  a  partir  de  projetos  personalizados pelo cliente e de venda exclusiva – alguns exemplos destas empresas são as  marcas Aston Martin e Bentley.  A partir do crescimento do número de empresas que se dedicavam à montagem de  veículos, a produção artesanal começou a revelar suas desvantagens. Os custos de produção  eram elevados; o público consumidor era restrito – apenas os muito ricos tinham condições  de  arcar  com  o  valor  do  produto;  cada  carro  produzido  assemelhava‐se  muito  a  um  38      protótipo,  o  que  oferecia  riscos  reais  aos  ocupantes;  a  falta  de  testes  sistemáticos  dos  veículos produzidos não garantia a qualidade e durabilidade do produto.   Além  destes  fatores,  cresceram  também  em  número  e  velocidade  as  descobertas  tecnológicas envolvendo projetos de produtos em geral, e  também os de automóvel.  Isto  não  significou,  contudo,  que  as  pequenas  oficinas  e  os  próprios  artesãos  conseguissem  produzir  tecnologias  no  mesmo  ritmo,  uma  vez  que  seus  recursos  não  permitiam  que   perseguissem  inovações tecnológicas fundamentais, as quais seriam fruto de  investimentos  em pesquisas  sistemáticas  e não  apenas de  tentativas  isoladas  – um  sistema que  apenas  grandes  companhias  teriam  condições  de  executar.  Assim,  tais  limitações  esboçaram  um  cenário  favorável  ao  surgimento  de  uma  nova  concepção  de  produção,  a  qual  viria  a  acontecer  com  a  contribuição  do  americano  Henry  Ford,  empresário  responsável  pela  introdução da linha de montagem na produção do automóvel, formando as bases do sistema  de produção em massa.   Em  verdade,  foi  após  a  disseminação  das  técnicas  de  produção  em massa  e  do  consequente aumento do consumo, que a forte concorrência entre as empresas – incluídas  as fabricantes de automóveis – forçou melhorias na produção e no projeto, trazendo como  consequência  a  especialização  dos  profissionais  envolvidos,  favorecendo  a  formação  do  profissional designer, como Schneider (2010, p. 94) complementa “Com a crescente pressão  da  concorrência,  por  exemplo,  no  setor  automobilístico,  o  design  tornou‐se  um  fator  importante para a diferenciação dos concorrentes no mercado”. Ao mesmo  tempo, novas  descobertas também permitiram um maior desenvolvimento do até então tímido papel do  design  na  fabricação  de  automóveis  –  originalmente  mais  orientado  pelos  aspectos  de  engenharia.  Um  exemplo  destas  inovações  que  foram  absorvidas  pelas  empresas  foi  a  adoção  em  produção  da  tinta  laca  de  secagem  rápida  desenvolvida  pela  DuPont,  denominada DUCO (nitrocellulose lacquer), a qual podia ser aplicada por pistola e permitiu a  introdução de cores de acabamento variadas nos projetos. Antes, os carros eram fabricados  apenas na cor preta, de secagem mais rápida  (LARICA, 2003, p.74). Tais avanços, aliados à  implantação  de  diversas  linhas  de montagem  em  grande  escala  nos  Estados Unidos  e  na  Europa,  permitiram  que  o  volume  de  produção  de  carros  tivesse  aumento  significativo,  ampliando também a concorrência e o campo de atuação do design como consequência.  No  decorrer  do  século  XX,  notadamente  o  período  entre  e  pós‐Guerras,  o  que  se  presenciou  foi  uma  ampla  gama  de  invenções  ou  novas  aplicações  para  as  tecnologias  39      disponíveis. Neste cenário, também a especialização da mão‐de‐obra consolidou o papel do  profissional  projetista  ou  designer  também  nas  empresas  fabricantes  de  automóveis,  os  quais  eram  responsáveis  por  produzir  a  interface  entre  as  aplicações  das  tecnologias,  a  indústria e os consumidores. Assim, constantemente a categoria foi desafiada a desenvolver  novas  formas  e  expressões  para  as  sucessivas  descobertas.  A  profissão  de  designer  teve  grande impulso no início da crise econômica mundial que resultou na recessão de 1929, uma  vez que os  fabricantes  reconheceram a  importância de uma produção diferenciada e uma  configuração consistente para incrementar as vendas. De acordo com Heskett (2006):    Foi  nesse  contexto  econômico  que  surgiu  uma  nova  geração  de  desenhistas  industriais. Eles vinham de diversas formações e seus métodos e realizações eram  muito variados, mas o resultado de seu trabalho, o design, seria reconhecido como  característica  essencial  da  atividade  comercial  e  industrial,  um  elemento  de  especialização dentro da divisão de trabalho implícita na produção e nas vendas em  massa. (HESKETT, 2006, p. 107).    Nos  anos que  se  seguiram,  sendo o design um dos principais  fatores  responsáveis  pelo equilíbrio entre os  interesses empresariais e as necessidades dos usuários, de acordo  com Löbach (2001, p. 121) sua aceitação dentro das empresas se deu principalmente após  1945, quando  as mesmas de  fato  começaram  a estruturar os próprios  setores de design.  Mesmo  antes  de  1945,  os  denominados  departamentos  de  estilo  foram  grandes  empregadores e igualmente importantes bases de treinamento para os designers da época.  Também  neste  período  surgiram  os  designers  autônomos  ou  consultores,  os  quais  mantinham escritórios e prestavam serviços a várias empresas interessadas.   Os  avanços  tecnológicos  alcançados  no  período  entre  e  durante  as  Guerras,  culminaram com o desenvolvimento e a produção de novos materiais, os quais se tornaram  matéria‐prima para os designers. Assim, a indústria automotiva não somente foi beneficiada  por estes avanços, mas tornou‐se ela própria um amplo campo de pesquisa e vetor de novas  tendências  e  uso  de materiais.  O  design  de  automóveis  carrega  não  apenas  “os  gostos  vigentes” em determinada época, mas  também  todo um  repertório  formal e de materiais  que  registra a evolução não apenas das  técnicas de construção, de mecânica ou meios de  produção deste objeto, mas  também  é um  testemunho da  evolução do design  como um  todo  ao  longo  da  história.  Sendo  um  setor  no  qual  investimentos  em  pesquisa  e  40      desenvolvimento são feitos na ordem dos milhões, o design automotivo se tornou referência  não apenas para seus pares, mas também para diversas outras áreas da profissão.    3.3 O design e os designers automotivos no Brasil: do início à atualidade    A produção e comercialização de veículos desde a instalação das primeiras indústrias  no Brasil vêm se destacando e com o passar dos anos construiu o cenário para o surgimento  de projetos de design  automotivo no Brasil. Nos últimos  cinquenta  anos,  as matrizes das  indústrias  de  grande  volume  verificaram  no  país  um mercado  promissor,  bem  como  um  território com grande potencial para atender principalmente a região da América Latina. Tal  potencial,  fez  com  que  muitas  empresas  instalassem  estúdios  de  design  no  Brasil,  empregando os primeiros designers do ramo.   Paralelamente  à  produção  industrial,  outros  tantos  designers  brasileiros  –  notadamente a partir do fim da década de 1960 – estiveram empenhados em desenvolver  projetos  inovadores  à  parte  do  grande  mercado.  A  criação  e  desenvolvimento  destes  modelos chamados de “fora‐de‐série” eram, em  sua maioria,  fruto da união de designers,  engenheiros e empresários brasileiros entusiastas do automobilismo – Gurgel, Puma, Aldo  Auto  Capas/Miura,  Lafer,  Santa  Matilde,  Renha,  L´automobile,  Furglass,  Glaspac  entre  outras, surgiram nesse contexto.   As  criações  desses  projetos  tinham  como  objetivo  preencher  lacunas  na  comercialização de alguns modelos, os quais não eram produzidos no Brasil – esportivos, por  exemplo – e cujos usuários ou empresas  interessados enfrentavam grandes dificuldades na  importação  de  peças  e  veículos montados,  devido  às medidas  restritivas  impostas  pelo  governo brasileiro inicialmente na década de 1950 – com o objetivo de proteger a incipiente  indústria  instalada no país – e posteriormente tornando ainda mais fortes as restrições aos  importados na década de 1970, visando segurar o desenvolvimento tecnológico dos modelos  produzidos pelas multinacionais no Brasil, para manter os preços praticados.   Como  consequência deste  cenário,  surgiram novas experimentações em projetos e  produções de veículos fora‐de‐série, refletidos na produção de réplicas de modelos famosos,  buggies produzidos em fibra de vidro, além da multiplicação de profissionais especializados  na modificação de veículos originais de fábrica. Essas soluções nacionais ganharam força na  década de 1980 e, em um  curto espaço de  tempo, várias empresas  surgiram dedicadas à  41      criação,  produção  ou  modificação  de  veículos  –  Dacon,  Envemo,  Souza  Ramos,  Sultan,  Engerauto,  Sorana, Caltabiano, entre outras – buscando atender à demanda por modelos  diferenciados  não  suprida  pelas  indústrias  aqui  instaladas.  Percebe‐se,  portanto,  que  a  criatividade e atuação dos primeiros designers automotivos brasileiros não se  restringiram  às  grandes  indústrias,  antes,  se  fez  da  força  de  vontade  e  comprometimento  com  a  produção de projetos bem executados e  inovadores,  independente dessa atuação se  fazer  dentro ou fora das multinacionais.  No que se refere à atuação dentro da  indústria automotiva, com o passar dos anos,  os  estúdios  das  subsidiárias  brasileiras  de  grandes  empresas mostraram  sua  capacidade  criativa  e  conquistaram  espaço  diante  dos  desafios  econômicos  e mercadológicos  que  se  apresentaram  no  setor.  A  importância  da  produção  do  país  voltada  à  região  latina  permanece,  sendo  cada  vez  maior  a  participação  por  parte  dos  estúdios  brasileiros  no  desenvolvimento de projetos globais os quais são comercializados ao redor do mundo.   O papel do designer na indústria vem se modificando ao longo dos anos. A partir do  emprego dos primeiros profissionais projetistas, a profissão se estabeleceu e se adaptou às  constantes mudanças dentro do  setor  industrial e do ambiente  sociocultural,  firmando‐se  como um campo de atuação de extrema relevância também no Brasil. Para Landim (2010, p.  24 e 25) o design engloba ampla variedade de funções, técnicas, atitudes, ideias e valores. A  autora completa:    É um meio através do qual experimenta e se compreende o mundo que nos rodeia,  desde bens de consumo e embalagens até sistemas de transporte e equipamento  de produção, e não pode ser totalmente compreendido fora dos contextos social,  econômico,  político,  cultural  e  tecnológico  que  levaram  à  sua  concepção  e  realização. (LANDIM, 2010, p.24,25).    Neste  sentido,  cabe  ao designer a  tarefa de projetar produtos,  imagens e  serviços  que  atendam  aos  desejos  e  necessidades  da  sociedade,  levando  em  consideração  as  variações socioculturais, econômicas e políticas de seu tempo, como ressalta Ono:    Considerando‐se  que  o  design  envolve  planejamento,  seleção  de  modos  de  pensamento e valores, entende‐se que o designer é corresponsável pelas relações  que  se  estabelecem  entre  os  artefatos  e  as  pessoas,  bem  como  pelas  suas  implicações na sociedade. (ONO, 2006, p.1).  42      O  designer  desempenha,  portanto,  importante  papel  ao  participar  da  construção  dinâmica  da  paisagem  cultural  visível  da  vida  cotidiana  ao  projetar  artefatos,  agregando  funções e  significados variados na concepção de projetos com os quais os  seres humanos  interagem  (ONO, 2004, 2006; HESKETT, 2008; NORMAN, 2008;  LANDIM, 2010; BONSIEPE,  2011). Um  produto  do  design modifica‐se  conforme  avançam  as  tecnologias  e materiais;  otimizam‐se  os  processos  industriais; modificam‐se  as  sociedades  e  suas  culturas.  Neste  sentido, a área sofre influência direta destas mudanças de maneira constante, para Ono:    No desenvolvimento de produtos  industrializados, o design sofre, por um  lado, o  impacto dos desenvolvimento  tecnológico e dos processos  técnicos, e, por outro,  as pressões das transformações culturais decorrentes do surgimento de novos usos  e necessidades, promovidos pelos artefatos que são inseridos na sociedade. (ONO,  2006, p.29).    A  contemporaneidade  reflete  um  tempo marcado  pelo  avanço  das mais  variadas  tecnologias,  caracterizada  pela  ampliação  de  horizontes  por  meio  de  novas  mídias,  processos e serviços, bem como pela  forte  interatividade que cria novas redes de relações  em escala global, ampliando, desta forma, o panorama de atuação do próprio design e dos  profissionais desta área, fomentando novas descobertas, criações e inovações. Para Cardoso  (2012,  p.25),  trata‐se  de  um mundo  complexo,  no  qual  o  autor  entende  a  complexidade  como “[...] um sistema composto de muitos elementos, camadas e estruturas, cujas  inter‐ relações condicionam e redefinem continuamente o funcionamento do todo”.   Neste  cenário  global  e  complexo,  é  cada  vez mais  exigido do designer  atuante no  mercado acompanhar e traduzir este mundo na forma de projetos de design que levem em  consideração  o  usuário,  o mercado,  a  produção,  os  custos  envolvidos,  a  concorrência,  as  novas tecnologias, materiais e processos de fabricação, além da ergonomia e engenharia de  produção.  Atualmente,  estão  sob  a  tutela  do  profissional  –  com  diferentes  graus  de  autonomia – não apenas a atividade projetiva, mas  também empreender  junto às demais  áreas  o  desenvolvimento  das  diferentes  fases  do  projeto,  alinhando  expectativas  da  empresa e do usuário na produção do produto.   Inseridos  no  sistema  econômico  pautado  pelo  modo  de  produção  capitalista,  os  designers  além  dos  desafios  intrínsecos  à  prática,  lidam  com  diversos  obstáculos  em  sua  trajetória profissional. Embora por vezes – mesmo imbuído de ética profissional – não esteja  ao alcance do designer a tomada de decisão em certos níveis dentro das empresas, isto não  43      significa  sobremaneira  que  o  profissional  seja  alienado  perante  a  realidade  social  e  de  mercado  sobre  a  qual  atua.  Para  além  de  fatores  econômicos  e  de mercado,  também  é  incumbência do designer  conhecer e  considerar  as especificidades e necessidades  sociais,  ambientais  e  culturais  ao  seu  redor,  visando  uma  prática  abrangente  e  transformadora.  Neste sentido, Gui Bonsiepe (2011, p.21) alerta para a importância de o designer utilizar‐se  de  suas  capacidades  projetuais  “[...]  para  interpretar  as  necessidades  de  grupos  sociais  e  elaborar  propostas  viáveis,  emancipatórias,  em  forma  de  artefatos  instrumentais  e  semióticos”, uma prática que ele denomina como “humanismo projetual”, e prossegue:    Essa  afirmação  não  deve  ser  interpretada  como  expressão  de  um  idealismo  ingênuo  e  fora  da  realidade.  Ao  contrário,  é  uma  possível  e  incômoda  questão  fundamental  que  qualquer  profissional,  não  somente  os  designers,  deveria  enfrentar.  Também  seria  errado  interpretá‐la  como uma  exigência normativa  ao  trabalho  do  designer,  que  está  sempre  exposto  às  pressões  do  mercado  e  às  antinomias entre o que é e o que poderia ser a realidade. A  intenção aqui é mais  modesta:  formar uma consciência crítica  frente ao enorme desequilíbrio entre os  centros  de  poder  e  os  que  estão  submetidos  a  eles.  A  partir  desta  consciência  crítica,  podem‐se  explorar  espaços  alternativos,  não  se  contentando  com  a  petrificação das relações sociais. (BONSIEPE, 2011, p.21).      Adaptar‐se às mudanças consequentes de um mundo globalizado é apenas parte de  uma  responsabilidade  que  ultrapassa  o mero  abastecimento  de mercados  com  produtos  novos e redesenhados. Significa, antes, realizar uma prática inovadora, porém consciente de  seu papel e da importância dos objetos resultantes deste trabalho junto à sociedade.   Apesar da atividade estar na atualidade permeada pela ideologia da venda – a qual se  impôs como condição de trabalho – a prática do designer deve ter como objetivo principal  produzir  para  atender  às  necessidades  do  usuário/sociedade  para  a  qual  trabalha  e  desenvolve estas  inovações. Desta  forma,  torna‐se  imperativo o senso crítico apurado por  parte destes profissionais,  tanto no que concerne à prática de projeto, quanto aos efeitos  que o produto  resultante do mesmo  terá quando disponibilizado no mercado e  acessado  pelos usuários. É parte da rotina dos designers atuantes no Brasil e no mundo, acompanhar  o  processo  de  design,  estabelecendo  as  conexões  necessárias  entre  as  demais  áreas  envolvidas  no  projeto,  aglutinando  informações  e  negociando  estratégias  de  ação  de  maneira que o produto  resultante materialize um objeto de  valor  significativo para o  ser  humano. É através da prática coerente destes profissionais que o design pode constituir‐se  44      em prática emancipatória,  como destaca Ono  (2004  apud  LANDIM, 2010, p.22‐23), desde  que “participe do desenvolvimento de produtos que promovam o aperfeiçoamento, a auto  expressão e a soberania dos  indivíduos e das sociedades,  inclusive daqueles que vivem em  condições de pobreza e à margem dos mercados econômicos”. Trata‐se, portanto, de uma  profissão que sintetiza grande responsabilidade e ampla  influência perante a sociedade na  qual os projetos resultantes de seu trabalho, permeiam de maneira direta – e em variados  níveis – a vida dos  indivíduos. A presente pesquisa considera tais aspectos na  investigação  do  papel  desempenhado  pelos  designers  de  automóveis  dentro  da  indústria  automotiva,  tecendo considerações a partir dos discursos dos próprios profissionais, uma vez que, como  destacado por Heskett,  a  visão dos mesmos  acerca de  sua  atividade  é uma das  áreas de  influência do contexto de atuação na prática do design:    Em termos gerais, três áreas de influência do contexto são relevantes para a prática  do design: a organização profissional do design, ou como os designers vêem a  si  mesmos; o contexto comercial no qual está  inserida a maior parte das atividades  de  design;  e  as  políticas  governamentais,  que  variam  entre  os  países,  mas  na  maioria deles podem ter uma dimensão significativa. (HESKETT, 2008, p. 119).    O discurso – neste caso dos profissionais designers – segundo Krippendorff (2006  in  MEYER, 2011, p.32), sintetiza, apresenta as seguintes características: “1. constrói‐se em um  corpo de matéria textual; 2. É mantido vivo dentro da comunidade de seus praticantes; 3.  Institucionaliza as suas práticas recorrentes; 4. desenha os seus próprios limites; 5. justifica a  sua  identidade para o público externo”. Considerando‐se que a construção de um discurso  vale‐se  de  procedimentos  distintos,  que  variam  desde  a  produção  de  teorias  abstratas  à  experiência  concreta da  realização de práticas profissionais,  analisar o  conteúdo presente  nos discursos dos designers automotivos participantes fornece elementos importantes para  a pesquisa, na busca por conhecer melhor as concepções dos mesmos acerca de seu campo  de atuação e de sua própria prática, como Meyer (Ibid., p.32) destaca:    A  imagem que os designers  fazem dos domínios da sua profissão é um elemento  vivo do discurso profissional, diz respeito aos limites da profissão e anuncia traços  característicos do design para o público comum. (MEYER, 2011, p. 32).    Cabe, neste momento, um breve resgate histórico da  instalação e consolidação das  indústrias de automóveis no Brasil, bem  como da atuação dos designers brasileiros neste  45      cenário. Também é pertinente o registro de várias das mais notáveis contribuições de muitos  destes  designers  na  tentativa  de  promover  o  desenvolvimento  de  projetos  nacionais  –  muitas  vezes  fora  das  indústrias multinacionais  –  visando  estabelecer  as  bases  para  uma  indústria nacional. A atuação dos designers brasileiros dentro e fora das  indústrias resultou  na  criação  de  projetos memoráveis  que  vieram  a  se  tornar  ícones  do  design  automotivo  nacional, os quais inspiram até os dias atuais muitos outros profissionais em formação ou de  carreira.   O primeiro veículo a circular por ruas brasileiras  foi um modelo Peugeot  importado  pelo milionário cafeicultor Henrique Dumont – pai de Alberto Santos Dumont – no ano de  1893. Já em 1903, São Paulo tinha seis carros, e no ano seguinte assistiria ao primeiro boom  do  setor: a  frota paulistana  cresceria quase  catorze vezes chegando a  impressionantes 83  veículos  (ANFAVEA,  2006,  p.94).  Importa  ressaltar  o  fato  de  que  muitas  das  empresas  iniciaram suas atividades no país a partir de espaços alugados para a receptação e revenda  de  veículos  montados,  ou  ainda,  para  a  receptação  de  veículos  completamente  desmontados  –  sistema  este  denominado  pela  sigla  CKD,  empregada  em  substituição  ao  termo em  inglês Completely Knocked Down – para montagem no Brasil, visando à redução  de custos. Portanto, em um primeiro momento não se  instalaram  fábricas.   Neste sentido  destaca Camargo:    A  instalação da  indústria automotiva no Brasil  foi condicionada pela  forma como  ocorreu  a  expansão  da  indústria  internacional  desde  seu  início,  ou  seja,  num  primeiro  momento,  a  expansão  feita  via  exportação  de  veículos  montados  e,  principalmente, de veículos na forma CKDs; num segundo momento, investimentos  diretos com a  instalação de unidades produtivas verticalizadas. (CAMARGO, 2006,  p.120).      Até a Primeira Guerra Mundial, o Brasil apenas importava automóveis montados. Nos  anos que se seguiram, as condições brasileiras, tais como o baixo custo de produção, mão‐ de‐obra  barata  e  mercado  consumidor  pouco  explorado  favoreceram  os  primeiros  investimentos no Brasil.   Nas  páginas  seguintes,  divididos  por  décadas,  serão  apresentados  marcos  do  desenvolvimento  do  design  automotivo  no  país,  realizados  tanto  dentro  da  indústria  de  automóveis,  quanto  fora  dela  por  meio  de  iniciativas  de  construtores  e  empresários  atuantes no cenário brasileiro. As imagens apresentadas são registros de apenas alguns dos  46      muitos modelos  representativos produzidos em  cada época, os quais  foram dispostos em  uma linha do tempo produzida pela autora e apresentada no Apêndice A.  Décadas de 1920, 1930 e 1940  A primeira linha de montagem instalada no país, no ano de 1919, foi inaugurada pela  Ford, a qual produzia o Modelo T partir do sistema CKD. Neste sistema, as partes do veículo  vinham desmontadas juntamente à documentação de orientação para os procedimentos de  montagem  do  veículo,  de  acordo  com  os  padrões  Ford. A  Figura  1  registra  a  fachada  da  primeira montadora da Ford instalada no Brasil.     Figura 1 – Primeira fábrica montadora da Ford no Brasil                          Fonte: Contagiros. Disponível em: . Acesso em: 12/01/2013    Também neste  sistema, no ano de 1925, a General Motors – GM –  se  instalou no  Brasil – Figura 2 – e iniciou a montagem de seus veículos, seguida pela Fiat no ano de 1928.     Figura 2 – Inauguração dos escritórios e fábrica da General Motors no Brasil em 1925.                        Fonte: ANFAVEA – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS FABRICANTES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES – BRASIL.  Indústria Automobilística Brasileira – 50 anos. São Paulo, 2006. Disponível em:  . Acesso em: 12/01/2013    47      Em 1929, o setor sofreu o impacto da crise econômica mundial, fato que não impediu  que  no  ano  de  1930,  a  GM  instalasse  sua  primeira  fábrica  no  Brasil,  na  cidade  de  São  Caetano do Sul (SP). Todavia, apenas após a Segunda Guerra Mundial a indústria automotiva  retomaria o forte crescimento, uma vez que, durante o período de beligerância, o governo  brasileiro  adotou  uma  política  de  substituição  de  importações  –  incluindo  veículos  e  autopeças. Como consequência, as empresas brasileiras  foram motivadas a produzir peças  nacionais de montagem e reposição. Neste cenário, Getúlio Vargas, então presidente, criou  em 1938, a estatal Fábrica Nacional de Motores – FNM – destinada à produção de motores  para aeronaves, e que, em 1949, tornou‐se empresa de economia mista para montagem de  caminhões  licenciados  da  empresa  italiana  Isotta  Fraschini,  a  qual  acabou  falindo,  sendo  substituída pela Alfa Romeo.   Além da FNM, a Vemag, empresa 100% brasileira  iniciou suas atividades no ano de  1945, a qual, de acordo com Ono  (2004, p. 150),  foi estabelecida com o objetivo  inicial de  montar e distribuir automóveis e caminhões Studebakers, e que, posteriormente, passou a  montar  caminhões Kenworth, máquinas  agrícolas Massey‐Ferguson  e Harris,  e  caminhões  Scania‐Vabis.  Década de 1950  Os anos de 1950 podem ser considerados um marco para a história da  indústria de  automóveis  no  Brasil,  década  a  qual,  ainda  de  acordo  com  Ono  (2004,  p.148)  “  [...]  foi  marcada  por  uma  grande  expansão  rodoviária,  com  a  produção  em  larga  escala  de  automóveis e caminhões”. De fato, naquela época, de acordo com a ANFAVEA (2006, p.98),  importava‐se 100 mil veículos/ano,  sendo 60%  caminhões, além de autopeças, dados que  superavam  em  valor  o  que  o  Brasil  gastava  com  petróleo  e  trigo.  Assim,  o  governo  nacionalista de Getúlio Vargas tomou como medida a restrição de importações e em Agosto  de 1952, o então presidente proibiu a  importação de autopeças com  similar nacional. Em  Março de 1953, proibiu também a entrada de veículos completos. Ainda em Março de 1952  Vargas criou a Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Automóveis, a qual era ligada à  Comissão de Desenvolvimento  Industrial. Na ocasião, o almirante Lúcio Meira, defensor da  produção de veículos nacionais, presidiu a comissão, que é considerada embrião da indústria  automotiva  (ANFAVEA,  2006,  p.  98).  Já  em  1954, Vargas  criaria  a  Comissão  Executiva  de  Material Automobilístico.   48      A década de cinquenta testemunhou a consolidação da  indústria e a transformação  do automóvel em mais do que um útil meio de  transporte,  também um objeto de desejo  generalizado.  Naquela  época,  a  publicidade  relacionada  ao  setor  ganhou  destaque  e  preencheu  revistas  com  peças  gráficas  comerciais.  O  país  atravessava  um  período  de  incertezas após o declínio da cultura cafeeira e, por  isso, o governo e diferentes empresas  visavam  revitalizar  e  economia  do  país  por meio  da  indústria,  caminho  este  tortuoso  e  desafiador, uma vez que, para o  florescimento da atividade  industrial no  setor, milhões e  milhões de dólares seriam  investidos no processo de nacionalização das montadoras. Além  destes  fatores, quase não havia na época  trabalhadores habilitados, a  tecnologia  local era  incipiente, e a disponibilidade de capital para a indústria de autopeças também era escassa,  sendo a infraestrutura do país, portanto considerada precária.   No ano de 1950, a Volkswagen importou o primeiro Fusca – com motor 1200 – a fim  de testar sua aceitação no mercado brasileiro, e, em 23 de Março de 1953, foi inaugurada a  primeira montadora  da  Volkswagen  do  Brasil,  instalada  em  armazém  alugado  na  Rua  do  Manifesto,  bairro  do  Ipiranga,  em  São  Paulo  (SP),  a  qual  iniciou  os  trabalhos  com  a  montagem da Kombi e do  sedã 1200,  como pode  ser  visto na  Figura 3.  Em 1953,  a  Ford  comemorou  50  anos  de  fundação  por Henry  Ford  e  o  volume  de  40.000.000  de  veículos  produzidos no mundo. A marca  também  inaugurou uma  fábrica no bairro do  Ipiranga, em  São Paulo (SP), ao passo que a GM adquiriu vasta área de terra na cidade de São José dos  Campos (SP) para a construção de fundição de motores e segunda fábrica.    Figura 3 – Primeira instalação de fábrica da Volkswagen do Brasil no bairro do Ipiranga   na cidade de São Paulo                          Fonte: Vieira (Vol. 3), 2010, (adaptado), p.896.    Em  1955,  as  indústrias  instaladas no Brasil  criaram o  Sindicato dos  Fabricantes de  Veículos Automotores – Sinfavea – e fundaram a Associação Profissional dos Fabricantes de  49      Tratores, Caminhões, Automóveis e Veículos  Similares do  Estado de  São Paulo. Em 15 de  Maio de 1956, a indústria de veículos agrupada no Sinfavea criou a  Associação Nacional dos  Fabricantes de Veículos Automotores – Anfavea – entidade  civil que  ganhou  força  com o  passar  dos  anos  e  se  estabeleceu  como  importante  instituição  de  pesquisa  e  auxílio  ao  desenvolvimento do setor.   No âmbito das iniciativas brasileiras, cabe destacar ainda, em 1956, o lançamento do  Romi‐Isetta  – Figura 4 – o primeiro carro fabricado no país. O projeto original foi concebido  na  Itália  do  pós‐guerra  –  1953  –  sendo  construído  pela  empresa  Iso‐Automoveicoli,  fabricante de motocicletas e  triciclos comerciais. No ano de 1955, o projeto  foi  licenciado  para a BMW, a qual rebatizou o automóvel como BMW‐Isetta. No ano seguinte, o imigrante  italiano  Comendador  Américo  Emílio  Romi,  fundador  da  Romi  –  fábrica  de  máquinas  agrícolas  estabelecida  em  Santa  Bárbara  do  Oeste  (SP)  –  iniciou  a  produção  do modelo  Isetta, denominado Romi‐Isetta, em parceria com outras colaboradoras:     Várias empresas estiveram envolvidas em sua fabricação. A Tecnogeral, fabricante  de móveis de aço, produzia a carroceria; a Probel, dos colchões, fazia o banco; os  pneus eram Pirelli, o motor era  feito aqui com base no da  Iso  italiana, e a Ro