RESSALVA Atendendo solicitação do autor, o texto completo desta tese será disponibilizado somente a partir de 25/02/2021. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOCIÊNCIAS Dante Bruno Avanso Rosan Alterações Genômicas e Transtornos Neuropsiquiátricos em Familiares de Autistas São José do Rio Preto - SP 2019 1 Dante Bruno Avanso Rosan Alterações Genômicas e Transtornos Neuropsiquiátricos em Familiares de Autistas Orientadora: Profa. Dra. Agnes Cristina Fett Conte São José do Rio Preto - SP 2019 Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Biociências, Área de Concentração Genética, junto ao Programa de Pós-Graduação em Biociências, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto-SP. Financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) 2 R788a Rosan, Dante Bruno Avanso Alterações genômicas e transtornos neuropsiquiátricos em familiares de autistas / Dante Bruno Avanso Rosan. -- São José do Rio Preto, 2019 90 f. : il., tabs. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto Orientadora: Agnes Cristina Fett-Conte 1. Genética humana. 2. Neuropsiquiatria. 3. Biologia molecular. 4. Mutação (Biologia). 5. Transtorno do espectro autista. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. 3 Dante Bruno Avanso Rosan Alterações Genômicas e Transtornos Neuropsiquiátricos em Familiares de Autistas Comissão Examinadora Profa. Dra. Agnes Cristina Fett Conte FAMERP – São José do Rio Preto Orientadora Profa. Dra. Flávia Cristina Rodrigues Lisoni UNESP – Ilha Solteira Profa. Dra. Lilian Castiglioni FAMERP – São José do Rio Preto Prof. Dr. Marcos Ricardo Datti Micheletto UNESP – São José dos Campos Dra. Patricia Pereira do Nascimento SYNLAB – São Paulo São José do Rio Preto – SP 25 de fevereiro de 2019 Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Biociências, Área de Concentração Genética, junto ao Programa de Pós-Graduação em Biociências, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto-SP. Financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) 4 Este trabalho foi realizado no Laboratório de Genética da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP/Hospital de Base-FUNFARME) e no Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células Tronco, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa de estudo CAPES pelo Programa de Programa de Pós-Graduação em Biociências, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto - SP. 5 Dedico este trabalho aos meus pais, Marcelo Rosan e Adriana Fátima Avanso Rosan, por sempre estarem ao meu lado apoiando os meus sonhos. 6 AGRADECIMENTOS Primeiramente à Deus por estar presente na minha vida e em minhas escolhas. À minha orientadora Profa. Dra. Agnes Cristina Fett-Conte pela oportunidade, confiança, paciência e tempo. Por suas orientações e contribuições na formação e desenvolvimento do meu raciocínio cientifico e da minha vida acadêmica, mas principalmente por me orientar para a vida. À Profa. Dra. Maria Rita dos Santos e Passos Bueno, por me receber desde o mestrado em seu laboratório, pela confiança e oportunidade. Aos colegas da Sala 200, incríveis pesquisadores, pela paciência, solidariedade e conhecimento compartilhado. Às instituições envolvidas neste estudo, IBILCE/UNESP, FAMERP e USP, a todos os profissionais envolvidos, e principalmente aos pacientes e suas famílias por sua colaboração para o desenvolvimento do projeto e na minha formação pessoal. As minhas amigas do Laboratório de Genética da FAMERP, Dra. Adriana, Dra. Andréia, Brasilina, Carla, Dra. Cristina, Dra. Fernanda, Marina, Paula Abdala e Valéria, por me acolherem como uma segunda família, pelas conversas e ensinamentos. A toda minha família, em especial meus pais Marcelo Rosan e Adriana Fátima Avanso Rosan, por toda a minha criação e educação, por nunca deixarem faltar amor, carinho, apoio e compreensão em minha vida. À minha namorada, Nayara Alves Chaves, pelo companheirismo, apoio e amor, tanto na minha vida pessoal como acadêmica, ajudando a superar muitas dificuldades durante este caminho. Ao meu amigo Guilherme Sabino, não somente pela amizade, mas também por me abrigar muitas e muitas vezes em suas casas na cidade de São Paulo, como família. Aos meus melhores amigos, Caio Jhonatan Tenório Amaral e Luiz Guilherme Maia Gonçalves, pela amizade, conselhos e compreensão. Aos meus amigos de gameplay, João #, Ber, Mascote, Nery e Talmim, pelos momentos de lazer e descontração. 7 Aos membros da banca examinadora por aceitarem o convite para avaliar, contribuir e enriquecer este trabalho. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), Código de Financiamento 001. 8 “If you feel yourself hitting up against your limit remember for what cause you clench your fists... remember why you started down this path, and let that memory carry you beyond your limit.” (All Might, My Hero Academia) https://pensador.uol.com.br/autor/albert_einstein/ 9 RESUMO O Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou Autismo, corresponde a um grupo de afecções neuropsiquiátricas complexas, de etiologia heterogênea e desconhecida na maioria dos casos. A prevalência é muito alta na população em geral e os afetados são caracterizados por dificuldade de comunicação e socialização, além de manias e repetições. Familiares de autistas apresentam frequências significativamente maiores de alterações comportamentais vinculadas às características autísticas e este fenótipo mais amplo é conhecido como Broad Autism Phenotype (BAP). Há centenas de genes candidatos ao autismo ou regiões genômicas que apresentam alterações, que estão descritas não apenas em casuísticas de autistas, mas também de indivíduos com outros transtornos do comportamento, o que evidencia uma sobreposição etiológica entre tais afecções. Além disso, em uma mesma família, uma alteração genética pode estar presente em parentes assintomáticos, naqueles com BAP e naqueles com outros transtornos neuropsiquiátricos. Os estudos em familiares se limitam frequentemente à investigação de pais e irmãos. Este projeto objetivou investigar a presença de alterações genéticas previamente detectadas em autista,s em seus pais, irmãos e em outros familiares com transtornos neuropsiquiátricos, além da presença do BAP e de outros transtornos neuropsiquiátricos nas genealogias dos autistas. A presença e os aspectos relacionados ao BAP em pais de autistas também foram estudados e comparados com um grupo composto de pais de indivíduos com deficiência intelectual idiopática, sem autismo, e com um grupo de pais de indivíduos sem queixas de transtornos neurocomportamentais. As alterações moleculares previamente detectadas em indivíduos com TEA foram investigadas em seus familiares com a utilização de diferentes metodologias já implantadas nos laboratórios participantes deste estudo. O BAP foi investigado com a utilização do BAPQ (Broad Autism Phenotype Questionnaire), por meio de entrevistas previamente agendadas. 18 (36%) familiares de autistas apresentaram a mesma alteração genética encontrada no caso índice, sendo que oito (50%) deles também tinham BAP positivo. BAP foi observado nos três grupos de pais investigados, com frequência significativamente maior nos pais de autistas, que também apresentaram maiores escores para personalidade rígida do que os pais dos outros grupos. Nossos achados estão de acordo com os da literatura e acrescentam que algumas alterações genômicas podem predispor não apenas ao autismo como à esquizofrenia, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e BAP, além do fato de que BAP também é observado em pais de indivíduos com deficiência intelectual. É importante avaliar a presença de BAP em pais de autistas e de outros indivíduos 10 com afecções do neurodesenvolvimento, como a deficiência intelectual, pois os resultados podem direcionar a orientação de riscos e o Aconselhamento Genético das famílias. Palavras-chave: Transtorno do Espectro do Autismo, transtornos mentais, mutações, CNVs. 11 ABSTRACT Autism Spectrum Disorder (ASD), or Autism, is a group of complex neuropsychiatric disorders, witch heterogeneous and unknown etiology in most cases. The prevalence is high in the population and those affected are characterized by impairments in communication and socialization, as well restricted stereotypes. Relatives of individuals with autism have significantly higher frequencies of behavioral alterations related to autistic characteristics and this is known as Broad Autism Phenotype (BAP). There are hundreds of autism candidate genes or genomic regions that present variations, which are described not only in autistic cases, but also in individuals with other behavioral disorders, which shows an etiological overlap between these conditions. In addition, in a single family, a genetic alteration may be present in asymptomatic relatives, in those with BAP and in those with other neuropsychiatric disorders. Studies in relatives are often limited to the investigation of parents and siblings. This project aimed to investigate the presence of genetic alterations previously detected in autistic individuals, in their parents, siblings and other relatives with neuropsychiatric disorders, besides the presence of BAP and other neuropsychiatric disorders in the autistic genealogy. The presence of BAP parents of autistic children and the aspects related to this phenotype were also studied and compared to a group of parents of individuals with idiopathic intellectual disability without autism and with a group of parents of individuals without complaints of neurobehavioral disorders. The molecular alterations previously detected in individuals with ASD were investigated in their relatives with the use of different methodologies already implanted in the laboratories participating in this study. The BAP was investigated using the BAPQ (Broad Autism Phenotype Questionnaire), through interviews previously scheduled. 18 (36%) relatives presented the same genetic alteration that had been found in the non-autistic relative, with eight of them (50%) also having BAP positive. BAP was observed in the three groups of parents investigated, with a significantly higher frequency in the parents of autistic individuals, who also presented higher scores for rigid personality than the parents of the other groups. Our findings are in agreement with the literature, and add that some genomic alterations may predispose not only to autism but also to schizophrenia, Attention Deficit Hyperactivity Disorder" (ADHD) and BAP, which is also seen in parents of individuals with intellectual disability. It is important to evaluate the presence of BAP in parents of autistic individuals and other individuals with neurodevelopmental conditions, such as intellectual disability, because the results can guide the risk orientation and the Genetic Counseling of families. Keywords: Autism Spectrum Disorder, Broad Autism Phenotype, variations, CNVs. 12 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Aumento da prevalência do Transtorno do Espectro Autista na população americana entre os anos 2004 – 2018..........................................................................................................17 Figura 2. O intrigante quebra-cabeças da etiologia do Transtorno do Espectro Autista............18 Figura 3. Genes relacionados com TEA...................................................................................19 Figura 4. Prejuízos na conectividade neural e nas funções sinápticas no cérebro de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista.........................................................................................20 Figura 5. Herdabilidade e coherdabilidade de SNPs entre indivíduos com Transtorno do Espectro Autista e outras afecções neuropsiquiátricas ............................................................22 Figura 6. Fluxograma de execução do estudo quanto à avaliação dos familiares de autistas......................................................................................................................................28 13 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS aCGH Microarray- based Comparative Genomic Hybridization; ADI-R Autism Diagnostic Interview-Revised; BAP Broad Autism Phenotype; BAPQ Broad Autism Phenotype Questionnaire; BP Transtorno Bipolar; CARS Childhood-Autism Rating Scale; CDC Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos; CNVs Variações no número de cópias; DSM-5 Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition; DI Deficiência Intelectual; DP Distúrbios psiquiátricos; FAMERP Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto; GLM General Linear Models; MLPA Multiplex Ligation-Dependent Probe Amplification; MDD Transtorno Depressivo Maior; OMS Organização Mundial de Saúde; PCR Reação em cadeia da polimerase; SCZ Esquizofrenia; SFARI The Simons Foundation Autism Research Initiative; SNPs Polimorfismos de nucleotídeo único; SNVs Variações de nucleotídeo único; TDAH Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade; TEA Transtorno do espectro autista. 14 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 16 OBJETIVOS ................................................................................................................... 24 Objetivo Geral ............................................................................................................... 24 Objetivos Específicos .................................................................................................... 24 MATERIAL E MÉTODOS ........................................................................................... 26 Casuística ....................................................................................................................... 26 Métodos ......................................................................................................................... 29 3.2.1 Extração de DNA de leucócitos............................................................................... 29 3.2.2 Amplificação das regiões selecionadas ................................................................... 29 3.2.3 Sequenciamento automático .................................................................................... 29 3.2.4 Análise dos resultados moleculares ......................................................................... 30 3.2.5 Aplicação do BAPQ ................................................................................................ 30 3.2.6 Antecedentes familiais psiquiátricos ....................................................................... 30 3.2.7 Análise estatística .................................................................................................... 30 3.2.8 Considerações éticas ................................................................................................ 30 RESULTADOS ............................................................................................................... 33 Capítulo 1 ...................................................................................................................... 34 Capítulo 2 ...................................................................................................................... 63 CONCLUSÕES ............................................................................................................... 82 6 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 83 7 ANEXO ............................................................................................................................ 88 Anexo A: BAPQ ............................................................................................................ 88 15 1. INTRODUÇÃO 16 INTRODUÇÃO O Transtorno do Espectro Autista (TEA), também denominado “autismo”, palavra derivada do grego que significa “si próprio”, é uma alteração do neurodesenvolvimento caracterizada por déficits persistentes na comunicação e na interação social, acompanhados por comportamentos estereotipados e interesses restritos (Zhang et al., 2019). As características comportamentais dos indivíduos com TEA são bastante variáveis de indivíduo para indivíduo, podendo ser observadas antes dos três anos de idade, independente de etnia ou grupo socioeconômico (Baio et al., 2018). Tais variações comportamentais justificam a definição de espectro, proposta na 5ª Edição do Manual Estatístico e Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria (DSM 5, APA 2013). Apesar da prevalência do autismo não ser conhecida na maioria dos países subdesenvolvidos, inclusive no Brasil, a incidência no mundo todo é bastante alta, o que o faz ser considerado um problema de saúde pública. É necessário considerar não apenas as consequências psicológicas nos familiares, mas também o impacto financeiro para estas famílias e para governo. Nos Estados Unidos, o custo estimado de um paciente com autismo durante a vida é de 2,4 milhões de dólares (aproximadamente 9,5 milhões de reais) e o gasto anual do governo americano com tratamento é de $268 bilhões de dólares (aproximadamente um trilhão de reais) (Lombardo, 2019). O risco para TEA está aumentando. De acordo com o último relatório do The Autism and Developmental Disabilities Monitoring (2014), do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), a prevalência é de 16,8 por 1.000 (1:59), um aumento de cerca de 150% quando comparado com seis por 1.000 (1:166) do relatório de 2004 (Figura 1), sendo os homens quatro vezes mais afetados do que as mulheres (Baio et al., 2018). A etiologia do autismo é extremamente complexa e relacionada com diversas interações genéticas, epigenéticas e fatores ambientais (Figura 2). Tais fatores podem ser determinados ou presumidos em aproximadamente 10-25% dos casos, dependendo da seleção dos pacientes e das estratégias laboratoriais utilizadas. Fato é que grande parte da etiologia do autismo continua desconhecida e ainda sem um forte marcador biológico associado (Brito et al., 2018). 17 Figura 1. Aumento da prevalência do Transtorno do Espectro Autista na população americana entre os anos 2004 – 2018. Fonte: Elaborado pelo próprio autor. (Dados adaptados de Baio et al., 2018). O diagnóstico de TEA é definido por critérios clínicos e geralmente é realizado por equipes multidisciplinares. O grande desafio é a etiologia complexa e heterogênea, assim como a falta de um marcador biológico especifico. Os diagnósticos são mais aceitos e confiáveis quando baseados em múltiplas fontes de informação, como a observação clínica, os relatos dos pais ou cuidadores e, quando possível, o autorrelato dos afetados (DSM 5, APA 2013). Existem dois termos utilizados na classificação do TEA, o “autismo sindrômico” e o “autismo não sindrômico”. O primeiro se refere ao comportamento autístico associado com características dismórficas ou síndromes genéticas, como a síndrome do X frágil. Já o segundo, também conhecido como autismo idiopático, refere-se aos casos sem relação com alguma síndrome, causa genética ou ambiental conhecida (Zhang et al., 2019). Há muitas diferenças entre os indivíduos quanto à capacidade de interação social e de comunicação de acordo com os fatores culturais e sociais, mas estas estão sempre prejudicadas em relação ao contexto em que vivem. E tais fatores também podem influenciar a idade da identificação ou do diagnóstico (DSM 5, APA 2013). 18 Figura 2. O intrigante quebra-cabeças da etiologia do Transtorno do Espectro Autista. Fonte: (Adaptado de Ivanov et al., 2015). Com o constante desenvolvimento das tecnologias de sequenciamento, um número progressivamente maior de genes vem sendo associados com o TEA. O site da The Simons Foundation Autism Research Initiative (SFARI) lista mais de mil genes relacionados com autismo (Figura 3). Sessenta destes genes são apontados como fortes candidatos e podem ser encontrados em todos os cromossomos humanos (Fein e Helt, 2017). Mesmo com uma grande quantidade de genes relatados, é importante ressaltar que a maioria ainda não foi totalmente compreendida e muitos ainda restam para serem mapeados (Brito et al., 2018). 19 Figura 3. Genes relacionados com TEA, seus tipos de ligações e categorias gênicas. Fonte: Imagem adaptada do site www.gene.sfari.org/database/ring-browser (Acesso em 20 de janeiro de 2019). Apesar desta grande diversidade de genes envolvidos com TEA, muitos atuam principalmente em vias relacionadas à funções neuronais, como neurogênese e plasticidade sináptica, conectividades neuronais e migração, o que corrobora com o fato de que o comportamento autístico refere-se a um grupo de condições/alterações neuropsiquiátricas (Zhang et al., 2019). Muitos estudos mostram que os prejuízos na conectividade neural e nas funções sinápticas desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do autismo, como pode ser observado na Figura 4 (Zhang et al., 2019). Os genes da família SHANK, relacionados com a neuroliginas-neurexinas, que codificam proteínas cruciais para a formação, maturação e estabilização de sinapses, são excelentes exemplos desta relação. Alterações no gene SHANK3, o mais estudado da família, são relacionadas com aproximadamente 1% de todos os casos de autismo, um número muito alto quando considerados os mais de 1.000 envolvidos com o transtorno (Balaan et al., 2019). 20 Figura 4. Prejuízos na conectividade neural e nas funções sinápticas no cérebro de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista. Fonte: (Adaptado de Zhang et al., 2019). Estima-se que os polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) sejam responsáveis por 20-60% das alterações observadas no autismo, embora o efeito individual das mesmas em diferentes contextos genômicos seja relativo (Eissa et al., 2018). Além de SNPs, também muitas variações no número de cópias (CNVs) e variações de nucleotídeo único (SNVs) foram descritas em associação causal com o fenótipo autístico. Mas os avanços na psiquiatria genômica têm demonstrado mecanismos de sobreposição entre autismo e outros transtornos do neurodessenvolvimento, atribuídos a múltiplos genes envolvidos na plasticidade sináptica, na capacidade de aprendizado, na formação da memória e no desenvolvimento do sistema neurológico como um todo (Fein e Helt, 2017). Assim, muitas alterações moleculares observadas em TEA também estão descritas em outros transtornos neuropsiquiátricos, como Esquizofrenia (SCZ), Transtorno Bipolar (BP), Transtorno Depressivo Maior (MDD) e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) (Brainstorm Consortium, 2018). Desrupções genéticas nos processos sinápticos tem impactos generalizados sobre as funções cerebrais e prejudicam, inclusive, o processamento de informações nas redes neuronais, afetando o equilíbrio excitatório/inibitório e a plasticidade sináptica (Gilbert e Man, 2017). TEA é influenciado por muitas variações genéticas e certas combinações podem 21 modificar e alterar os efeitos patogênicos de mutações hereditárias, de novo ou somáticas (Ayhan e Konopka 2019). Tais variações genéticas podem ser transmitidas entre as gerações, com uma herdabilidade moderada, assim como os demais transtornos psiquiátricos (Docherty et al., 2016). Na Figura 5 é possível visualizar sobreposições genéticas e fenotípicas que já foram sugeridas para alguns transtornos neuropsiquiátricos, embora a extensão e a verdadeira relação entre tais transtornos permaneçam incertas. Assim como TEA, a deficiência intelectual (DI) é tão ou mais complexa, também considerada uma afecção multifatorial na maioria dos casos, e com múltiplos fatores genéticos e ambientais envolvidos na etiopatogenia (Mulas e Rojas, 2018). Estima-se que 30% dos autistas são deficientes intelectuais e muitos fatores causais são compartilhados por estas afecções, embora muito pouco deste contexto esteja esclarecido (Fusar-Poli et al.,2017). A sobreposição das características fenotípicas e o risco genético compartilhado entre o TEA e os outros transtornos torna ainda mais difícil identificar os genes específicos do autismo contra aqueles que causam características comuns com as demais afecções. Neste contexto, a hipótese de hits múltiplos tem muitos defensores. Ela preconiza que o fenótipo comportamental autístico irá depender da somatória e interação das variantes genéticas, das ativações e supressões epigenéticas, imprinting e de fatores ambientais pré e pós-natais (Fein e Helt, 2017). Além disso, no contexto complexo do TEA, é importante ressaltar um aspecto que desperta grande interesse científico. Pais e familiares de indivíduos com autismo são mais propensos a manifestarem características comportamentais semelhantes, porém mais brandas, às dos afetados, assim como uma variedade de outras condições neuropsiquiátricas (Hirokawaa et al., 2019). São descritas alterações de personalidade e linguagem, como prejuízos na interação social, linguagem pragmática e personalidade rígida, que são ainda mais frequentes nos parentes de primeiro grau de autistas (Pisula e Ziegart-Sadowska, 2015). O conjunto das características de personalidade e de linguagem que refletem uma expressão fenotípica mais branda do autismo é conhecido como ”Broad Autism Phenotype” (BAP) ou fenótipo amplo do autismo (Hirokawaa et al., 2019). Leo Kanner (1943), o primeiro pesquisador a relatar crianças com autismo, descreveu os pais destas crianças como "pessoas de mentalidade séria, perfeccionistas e com um intenso interesse em ideias abstratas". Pais com BAP possuem riscos aumentados de terem crianças com autismo e outras afecções do neurodesenvolvimento, inclusive DI, o que tem sido considerado nos estudos de heterogeneidade alélica e eventos aditivos múltiplos (Rubenstein et al., 2018; Woodbury-Smith et al., 2018). 22 Figura 5. Herdabilidade e coherdabilidade de SNPs entre indivíduos com Transtorno do Espectro Autista e outras afecções neuropsiquiátricas. ADHD = Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade; BPD = Transtorno Bipolar; SCZ = Esquisofrenia; MDD = Transtorno Depressivo Maior, ASD = Transtorno do Espectro Autista. Fonte: Adaptado de Cross Disorder Group of the Psychiatric mics Consortium, 2013. Neste contexto, a hipótese científica testada neste trabalho é de que na casuística brasileira, alterações genéticas detectadas em indivíduos com autismo podem ser mais frequentes em seus familiares que apresentam BAP ou outras doenças neuropsiquiátricas, que BAP é muito frequente em familiares de autistas a que a frequência do fenótipo BAP é maior nos pais de autistas comparados aos pais de indivíduos com DI idiopática e aos pais de indivíduos sem queixas de transtornos do neurodesenvolvimento. 81 5.CONCLUSÕES 82 CONCLUSÕES 1. Alterações genômicas previamente encontradas em indivíduos com TEA podem ser observadas em seus pais e em outros familiares, independente da presença e do tipo de alterações neuropsiquiátricas que estes indivíduos possam apresentar. 2. Algumas alterações genômicas parecem predispor ao autismo e a outras afecções psiquiátricas dentro da mesma família. 3. A presença do Broad Autism Phenotype (BAP) em genealogias de autistas parece depender de vários fatores etiológicos, não só de variações genômicas isoladas. 4. Broad Autism Phenotype (BAP) é mais frequente em pais de indivíduos com autismo do que em pais de indivíduos sem alterações neuropsiquiátricas da população brasileira estudada. 5. A presença de personalidade rígida é mais frequente em genitores de autistas do que em genitores de indivíduos sem alterações neuropsiquiátricas. 6. Características autísticas também são observadas em genitores de indivíduos com deficiência intelectual. 7. É importante avaliar a presença de BAP em pais de autistas e de outros indivíduos com afecções do neurodesenvolvimento, como a deficiência intelectual, pois os resultados podem direcionar a orientação de riscos e o Aconselhamento Genético das famílias. 83 6 REFERÊNCIAS 84 REFERÊNCIAS American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). 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(2019) Autism spectrum disorders: autistic phenotypes and complicated mechanisms. World Journal of Pediatrics. [Epub ahead of print]. 91 TERMO DE REPRODUÇÃO XEROGRÁFICA Autorizo a reprodução xerográfica da presente Tese, em partes, para fins de pesquisa. São José do Rio Preto, 12/03/2019 _________________________________ Assinatura do autor