Capa 2 FLORES E DORES, VOZES E VIDAS: CONTEXTO GEOGRÁFICO DE MULHERES E SUAS EXPERIÊNCIAS INTERSECCIONAIS EM PRESIDENTE PRUDENTE, SP MATEUS FACHIN PEDROSO RAUL BORGES GUIMARÃES Orientador NÉCIO TURRA NETO Co-orientador Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), campus de Presidente Prudente – SP, para a obtenção do título de Doutor em Geografia. Orientador: Prof. Titular Raul Borges Guimarães Co-orientador: Prof. Dr. Nécio Turra Neto Auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) [processo n° 18/05706-2], Bolsa BEPE-FAPESP [processo n° 19/05071-0]; da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Presidente Prudente – SP 30 de setembro 2022 3 Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação - Diretoria Técnica de Biblioteca e Documentação - UNESP, Campus de Presidente Prudente Pedroso, Mateus Fachin. P425f Flores e dores, vozes e vidas: contexto geográfico de mulheres e suas experiências interseccionais em Presidente Prudente, SP / Mateus Fachin Pedroso, 2022 360 f. : il., tabs., fotos, mapas. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, 2022 Orientador: Raul Borges Guimarães Co-orientador: Nécio Turra Neto 1. Mulheres. 2. Geografia da Saúde. 3. Gênero. 4. Interseccionalidades. 5. HIV/AIDS. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). 4 Essa ficha não pode ser modificada. 5 DEDICATÓRIA Dedico esta tese... Às mulheres da luta, por darem vida ao contexto geográfico À minha família, por ser comigo no avançar de horizontes Àquelas (es) que me rezam e me guiam no silêncio do axé 6 AGRADECIMENTOS Antes mesmo de fazer as menções de agradecimentos, gostaria de abrir espaço para tratar de uma questão relevante para mim; o processo formativo na pós-graduação. Atenção às palavras de extrema sinceridade! É quase consensual a ideia de que o elemento principal de um doutoramento é a tese defendida pela(o) candidata(o). Esta narrativa, por vezes, toma o imaginário, cria métricas e valores que são sustentadas por máximas como: “você é o que escreve” ou “você se constitui pelo o que produz”, o que a meu ver alimenta a aridez do espaço acadêmico, estimula sentimentos pouco nobres e esvazia as relações. Frente a isso, deixo registrada minha oposição indignada com a despersonificação da produção do conhecimento acadêmico que, assim, oculta a mais bela parte do processo formativo, o evoluir profissional, mas, sobretudo, humano daquelas(es) que se dispõem. Neste sentido, a tese que segue abaixo é parte de um processo plural, cíclico e rico que está em profundo devir, ao ponto que a Geografia é em mim tal qual sou em Geografia, um movimento de existência de outros saberes. Assim sendo, vale dizer que esta realidade me proporcionou outra interpretação, um diferente caminho para além da norma e, por isso sou eternamente grato à todas(os) que contribuíram de distintas formas para que eu tivesse uma jornada profícua. Primeiramente, agradeço minha família. Meus estimados pais e irmã, Marcia Fachin, José Antônio Pedroso e Gabriela Fachin Pedroso por me amarem e compreenderem incondicionalmente, sempre dispostos a escutar, acolher e aconselhar. Hoje entendo que nunca foi necessário dizer o quão longe chegaríamos, pois desde o princípio experimentamos nossas batalhas, superações e vitórias. Isso somente evidencia que a força, a fé e a esperança cultivada entre nós torna esta conquista mais sublime. Por isso e tanto mais, registro minha eterna gratidão. São imensos os meus agradecimentos à Renan Moreira Ulloffo, meu noivo e companheiro de vida, que partilha comigo a caminhada, os sonhos, as dificuldades e as conquistas da convivência cotidiana de longa data. Obrigado por me ensinar sobre a pureza dos sentimentos, sobre valores, princípios e resistência. Sou grato também pela sua cumplicidade, risos e amor partilhado em todos os momentos. Registro agradecimentos ao Foucault, meu gato. Sou grato pela sua parceria e camaradagem que se fizeram presentes em todas as horas que me senti sozinho e isolado do mundo. Sua simplicidade em existir me manteve conectado a dimensão do sentir, do cuidado, daquilo que é real. 7 AMIZADES... Aos amigos que me inspiram de perto, agradeço... Agda de Queiroz: pelos anos de amizade sincera e real que sempre me trazem a dimensão do bem-estar, do “quase morrer de rir” que é constante. Sou grato pelo axé que nos une e, também, por sua arte que me emociona e ilustra esta tese. Mariana Pimenta Bernardes: pela parceira, alegria e carisma que partilhamos em tantos momentos, espaços e acontecimentos do cotidiano, dentro e fora da universidade, que sempre nos levaram ao encontro da realidade vivida. Cheyene de Toledo Lobo: por todos os encontros, cafés, abraços e também pelas sábias reflexões que nos permitem compreender a vida de um jeito novo a cada inusitada conversa projetada ao mundo. Bruna Pimenta Soares: pelo dia-a-dia e todos os exemplos de vida que traz consigo que, sempre me ensinam coisas para além de nosso tempo e, assim conservam o bom humor e irreverência de nossas filosofias vespertinas. Cássia Piva: por manter a disposição em dialogar sobre todas as coisas do mundo, por firmar o posicionamento político e a centralidade coerente no realizar de todas as ações junto as pessoas e suas revoluções. Rizzia Mares: pela potência que carrega, transborda e partilha por meio de sua sinceridade, assertividade e companheirismo em diferentes momentos. Sou grato pela sua presença, brilho e carinho que brinda todas(os) a sua volta. Larissa Coutinho: por ser exemplo de humildade, serenidade e força capaz de abrir portas, quebrar paradigmas e estabelecer diálogos potentes e suaves como um semear de flores em chuvas primaveris. Guilherme Claudino: pela generosidade durante os longos anos de amizade, pelo estender das mãos para o acolhimento, aconselhamento e parceria crescente, sempre fomentando possibilidades de mais, de outros horizontes. Marcelo Tenório Crepaldi: por todo o companheirismo na caminhada, pelos risos partilhados sobre a vida e também pela compreensão e sensibilidade na realização de trabalhos conjuntos dentro e fora da universidade. 8 Aos amigos de espaço-tempos distintos, agradeço... Luis Fernando Colombo: pelo espírito altivo, aguerrido e virtuoso que tem em si o afinado senso de justiça, empatia e trato social em todas as ações à que se dedica, principalmente, em nossa amizade. Renan Coelho: por ser movimento que se reinventa na alegria, por colorir os dias cinzas com seu humor que transita e transcende de forma real pela graça ressignificada do viver e partilhar. Daniela Ferrarezi: pelo riso espontâneo e sinceridade ativa que sempre proporcionam momentos memoráveis, majoritariamente, os que registram críticas e geram desconfortos ao status quo. Mariana Lopes Nishizima: por proporcionar encontros sustentados pela mais alta vibração e energia, que por si só exprime a felicidade por meio do riso exagerado que em nós sempre encontra morada. Carolina Simon: pelos momentos de partilha, apoio e conflitos vividos em incontáveis situações que, a nós, sempre serviu como materialização de crescimento pessoal e profissional. Renata Souza: pela potência de seu viver que me inspira, por seu amparo, parceria, dedicação e luta. Sempre em verbo ativo! Muito obrigado por todas as partilhas, planos e ações e, também pela interlocução com o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP). As amigas que em mim tem raízes, agradeço... Ana Caffer, Jéssica Fernanda Cabreira, Vanessa Mesquita, Juliana Caffer, e Andreza Cruz por todos os anos, experiências, vivências e acontecimentos. Deixo registrada minha eterna cumplicidade, lealdade e alegria em sempre estar junto, mesmo geograficamente separados. Aos amigos de terras distantes, do outro lado do oceano, agradeço... Idília Manhique, Djabo Joaquim e Ester Ribeiro pela calorosa acolhida a moda moçambicana, por partilharem vossa rica cultura que se inunda em alegria ao celebrar os princípios da vida. Com vocês aprendi melhor sobre a necessidade de reconhecer os motivos de nossas cosmovisões e existências. Também sou grato às terras moçambicanas pela confluência dos meus caminhos aos das maravilhosas Joana Pnêdo e Viviani Cruz, que permitiu cultivarmos nossas amizades em frente ao Índico a ponto de trazermos tal herança para o lado de cá do Atlântico. 9 A família moçambicana-africana, agradeço... Maria Inocência Langa, Benedito Langa (mamã e papá [em memória]), Mano Xexe, Ismênia Langa, Benedita Langa, Maria Inocência (Mana Nucha), Rosa Ambone Langa, Mano Lalau, Adelusio Doce, Melayne Banze, Queldo Cossa, Tamica, Sharon e demais membros, pelo acolhimento, carinho e suporte que me foi ofertado em todos os momentos possíveis quando estive em Moçambique. Também sou eternamente grato à José Maria Langa, Érica Bernardes, João Leonardo e Pedro Inocêncio pela rica e longeva amizade que se faz presente em meu cotidiano de forma leve e potente. OUTRAS FAMÍLIAS... Os familiares que estimo, agradeço... Aos membros da família PEDROSO, Maria Aparecida Malvestiu Pedroso (avó), Nelson Pedroso (avô – em memória), Joana Pedroso Alves (tia), Antônio Alves Filho (tio – em memória), Lourdes Aparecida Pedroso (madrinha – em memória), João Pedroso (tio), Gildete Pedroso (tia), primos e primas, sou grato pelo carinho e afeto construído. Aos membros da família FACHIN, Marina Fachin Rosa (tia), Jesus Rosa (tio), C. Eduardo Fachin Rosa (primo), Tainá Fachin Rosa (prima), Marli Fachin Regonha (tia – em memória), Moacir Regonha (tio), Tailuene Fachin Regonha (prima), Tuane Fachin Regonha (prima), Luiz Fachin (tio), Rosângela Aguilar (tia), Diego Fachin (primo), Jéssica Fachin (prima), Geni Fachin (tia), Larissa Fachin Aluizio (prima) e Raul Fachin Aluizio (primo), sou grato pelas relações saudáveis e saudosas que temos. Outras expressões de família, agradeço... Matheus Cortes (cunhado) e família, Antônio Carlos Aluizio (primo), Claudia Regina Pereira e família (prima) e Milaine Lima (prima – em memória) pela credibilidade direcionada aos meus ideais. COLETIVOS QUE ME COMPÕEM Aos irmãos e irmãs de axé, agradeço... Diva Lopes da Silva (Yalorixá – em memória) por ter sido luz, amor e caridade nesta terra por meio da Umbanda e, por ter despertado em mim a grandiosa missão de fé. Também agradeço à Flavio Aparecido da Silva (Babalorixá) por sua sabedoria e integridade na 10 condução do Abassá Oxóssi e Ogum junto (as)aos irmãs(os) de fé Samanta Ribeiro, Aguida Gabiatti, Genilda Lopes, Agda de Queiroz, Raul Guimarães, Cássia Piva, Karina Sacardo, Natália Santos, Yan Fraga, Carolina Simon, Edson Marcelo, Guilherme Sousa, João P. Caetano, Renan Ulloffo, Simone Ferreira, Maria Viviane Bedim; Vinicius Manoel, Helida Manoel, Shemara Milani, Giulia Carpi, Rodrigo Coletto; Fabio Rodrigo, Maria Julia, Rafael Oliveira, Leonice Assumpção, Cícera Maria do Nascimento, José Humberto de Maria, Miriam Silveira e Ivanete Batista, por sempre serem pontos de firmeza, apoio, orientação, paz e equilíbrio na vibração sagrada dos orixás. A mulheres incríveis da APPA, agradeço... Del Rio (em memória), Tammie, Alyssa, Bonet, Latrice e Monique. Elas, as protagonistas desta tese, a quem sou imensamente grato pelo acolhimento e disponibilidade, carinho e amizade que, entre nós, foi cultivada de forma sútil e divertida. Agradeço também a Carla Diana, Jéssica Diana, Amanda Luisa, Luciana Cevada, Cleide Santana, Aline Escarelli e Cláudia Martins (em memória) pelo respaldo, cuidado e atenção que sempre me foi prestado com a mais alta qualidade. Aos membros do Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde (BIOGEOS), agradeço... Mariana Pimenta Bernardes, Umberto Pessoto, Carla Rodrigues, Maria Eduarda Barbosa, Kayque Cordeiro, Edson Marcelo, Natália Alves, Carolina Simon, Mariana Bardella, Leandro Buzzo, Raisa Maria, Bruna Borsoi, João P. Caetano, Matheus Moreno, Matheus Butler, Yves Assogba e Marcelo Crepaldi que ativamente participaram do meu processo de doutoramento. Em especial, agradeço à Filipe Antunes pelo aprendizado sobre a teoria e práxis geográfica acerca da cartografia. À Patrícia Matsumoto e ao Baltazar Casagrande pela disposição e diálogo aberto sobre as coisas do mundo (poemas, ventos e risos), sempre no estabelecer de novos horizontes conscientes. Agradeço também aos demais membros pelas trocas e outras formas de colaboração em outros tempos. Aos colegas da Pós-Graduação, agradeço... Lisbet Julca, Guilherme Claudino, Fredi Bento, Jean Cruz, Silmara Moreira e Lorena Izá Pereira pela convivência e trocas realizadas nos espaços acadêmicos, sobretudo, na sala da Pós-graduação. Também agradeço aos colegas que compuseram a Representação Discente, que sustentaram a árdua tarefa de representar a todas(os) ao longo deste processo. 11 Aos colegas da Turma 56, agradeço... Jean Pires, Ritielle Cristina, Alexandre Abate, Matheus Seiji, João Paulo Pimenta, Renan Ramos, Claudio Dziura, Gustavo Henrique, Gustavo Andrade, Augusto Marques, Amanda Silva, Analu Koteban e Jucimara Pagnozi pelos encontros e trocas que tivemos em diferentes tempos-espaços, presenciais e virtuais. Agradeço também a todos os demais colegas de turma que fizeram parte deste processo que se desdobrou. Sintam- se abraçadas(os)! INSTITUIÇÕES As pessoas que sustentam as instituições, agradeço... Aparecida Tamae Otsuka, Adriano Oliveira, Lincon Tadeu Kohara, Aline da Silva Ribeiro Muniz, Cinthia Thiemi Onishi, Ivonete Gomes de Andrade e Anderson Clayton Pires Diniz pela impecabilidade, pontualidade, compromisso e dedicação ao trabalho que mantém a FCT-UNESP viva e em movimento. Muito obrigado! As professoras e professores que fizeram parte desta trajetória, agradeço... Neide Barrocá Faccio, Raul Borges Guimarães, Nécio Turra Neto, Carlos Alberto Feliciano, Paula Vermeersch, Margarete Cristiane C. Trindade Amorim, Isabel C. Moroz-Caccia Gouveia, Mariano Caccia Gouveia, Maria Terezinha Serafim Gomes, Ricardo Pires de Paula, João Osvaldo R. Nunes, Antonio Thomaz Junior, Márcio José Catelan, Arthur Whitacker, Amélia Damiani, Boaventura Manuel Cau e demais professoras(es) do Departamento de Geografia pelas inúmeras contribuições, parcerias, diálogos e revoluções que construímos ao longo de tantos anos, dentro e fora da UNESP. Aos membros da banca de qualificação... Joseli Maria Silva e Nécio Turra Neto que participaram do primeiro exame de qualificação e edificaram a propositura de doutoramento direto. Umberto Pessoto e Carlos Alberto Feliciano que aceitaram o desafio de contribuir e provocar os caminhos da tese. Aos membros da banca de defesa... Joseli Maria Silva, Jorge Amancio Pickenhayn, Neide Barrocá Faccio e Carlos Alberto Feliciano que dialogaram de forma potente, generosa e respeitosa sobre os percursos, avanços e revoluções da tese. Muito obrigado por cada palavra! 12 Aos meus alunos... Alunas(os) da Escola Estadual Alberto Santos Dumont, Colégio Pitágoras e alunas(os) da Turma 62 de Geografia-UNESP, aquelas(es) que registram minhas primeiras experiências de ensino. Agradeço pelos incontáveis momentos de aprendizado, partilha e troca que me proporcionaram dia-a-dia a ser um professor melhor. Aos membros do Grupo de Trabalho ‘Saúde’ - (AGB), agradeço... Maria Emília, João Carlos, Pedro Henrique Rocha, Eunir Augusto, Karolina Cardozo, João P. Caetano, Graciana Brune, Flávia Oliveira, Kayque Cordeiro, Carolina Simon, Flora Soares, Denise Sales e Lucas Honorato pela oportunidade de diálogo criativo e irreverente que sempre reivindica outros espaços, outras Geografias e saúdes. DIMENSÕES IMPORTANTES Pelas rezas, bênçãos e cuidados, agradeço... Sr. Luiz e Pai Jesuíno pelas palavras de sabedoria, amizade e fé que sempre me ensinam sobre o quão podemos ser melhores ao próximo, ao mundo em si. Obrigado por ser e estar por mim e pela minha família. Pela escuta qualificada e sensível, agradeço... Jéssica Larine por me orientar de forma sútil e necessária em relação aos “fantasmas” que por muito tempo carreguei. Obrigado por me trazer fatos e realidades em momentos tão cruciais. Da ordem das parcerias, amizades e (des)orientações, agradeço... Raul Borges Guimarães, meu orientador. Sou de infinita gratidão por todos os processos vividos durante esses quase 10 anos, que me ensinaram sobre o tempo e o acontecer do mundo. Agradeço por toda a confiança, amizade e oportunidades que a mim foram dedicadas com generosidade e sabedoria. Sou grato por enxergar em mim coisas que eu nunca sequer havia sonhado. Obrigado por permitir caminhos para pessoas como eu! Nécio Turra Neto, meu co-orientador. Sou grato imensamente pela credibilidade, provocações e incentivos que vem de outros tempos. Obrigado pela amizade, escuta e acurada visão sobre a possibilidade de tese, por me indicar ao doutoramento direto e, também por se 13 manter disposto no somar forças e encarar conjuntamente os múltiplos desafios do cotidiano. Muito obrigado por acreditar em mim e na pesquisa. PESSOAS, AÇÕES E REDES Pela transformação social implementada, agradeço... Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) - Eterno Presidente do Brasil - e Dilma Rousseff - Coração valente - pelo compromisso com o povo brasileiro, pelo trabalho e dedicação às políticas que transformaram minha vida. Hoje sou Doutor porque já fui Bolsa Família e Jovem Aprendiz. Em suma, apenas um dos milhões de filhos da política pública que teve oportunidade de vivenciar a universidade gratuita e de boa qualidade. Obrigado! Pelas informações, apoio e momentos, agradeço... O Grupo Bolsista da CAPES, por compartilharem as dores, mas também as alegrias e vitórias da ciência que projetam outra possibilidade de Brasil, de educação e ensino. FINANCIAMENTOS As agências de fomento de pesquisa, agradeço Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão inicial de bolsa de mestrado em 2018. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão de bolsa de mestrado (processo n° 2018/05706-2) em 2018 e, também, pela concessão da Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE - FAPESP) em 2019/2020 (processo n° 2019/05071-0) realizada em Maputo, Moçambique. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Por fim, entendo que agradecer neste momento é necessário, pois configura uma virtude que somente ganha sentido por meio da partilha. Frente a tantos acontecimentos e detalhes, assumo aqui o risco do deslize, das possíveis falhas memoriais em relação aos que por ventura não tenham sido mencionadas(os). Por isso, já adianto minhas desculpas e, neste mesmo movimento deixo registrado meus mais sinceros agradecimentos à todas(os) que contribuíram com esta longa jornada. 14 EPÍGRAFE Olhos amarelos Dos meus olhos amarelos eu que sei Não há vergonha em tudo isso que sou Agora ainda sonhos nessa estrada eu vou pisar Toda história que calaram (Refrão) Nesse velho armário novo eu não vou entrar Parcelado em dias de aflição Não me perguntaram se eu queria ir Só me apontaram a direção Do segredo Da vergonha E do medo de ser assim (2x) Positivo Dos meus sonhos reescritos eu que sei Trago na boca cada canção que mudou Quem luta mostra os dentes minha alma eu vou lavar Com a força do meu canto (Refrão) Nesse velho armário novo eu não vou entrar Parcelado em dias de aflição Não me perguntaram se eu queria ir Só me apontaram a direção Do segredo Da vergonha E do medo de ser, e do medo de ser, e do medo de ser assim Positivo Maria Silvino Cantora trans não-binárie e vivendo com HIV 15 Ações e representações: palavras da artista, professora e geógrafa... A arte moderna vem para libertar os artistas da obrigação falha de representação da realidade, tal qual é percebida pelas lentes humanas. Falha, já que o real é relativo e a percepção dele também. Essa mesma arte democratizou o fazer artístico, expandindo-o para além dos ateliês de artistas acadêmicos, adentrando outras possibilidades e formas de expressão e sentimento. Os estudos da forma, textura, cores, a experimentação, vieram, há cerca de 150 anos atrás no Ocidente, para nos indagarmos: “Qual é o papel da arte?”, “Por que ela existe?”, “E para que ela serve?”. Segundo o historiador Ernest H. Gombrich, em sua obra A História da Arte, a “Arte” não existe, ou seja, arte com “A” maiúsculo seria como um fetiche, um deleite, algo a ser apreciado por espectadores especializados. Para ele o que existe são artistas, já que o conceito do que é a arte se altera conforme o tempo histórico no qual esta é concebida. Partindo dessa linha de raciocínio, o fazer artístico moderno e contemporâneo é composto de sentimento e expressão, e o uso intencional das cores, formas (no caso da arte digital) e textura (se fosse caso de pinturas, esculturas, instalações, entre outros) culminam na tentativa de representação da nossa vivência, experimentação e trajetória de vida. No labor da vida de quem se dedica a produção intelectual, de qualquer natureza, a vida e a obra se misturam; deixando parte de si no campo, nas falas das entrevistadas e entrevistados, nas leituras, e trazendo parte desses consigo numa simbiose. Foi um desafio buscar transmitir suas ideias em capas, em artes que pudessem instigar a leitura de uma tese construída com tanto empenho e dedicação. Gosto de pensar assim, como Rothko (artista abstrato da segunda metade do século XX), que as cores transmitem intenções e sensações. Fico feliz de poder contribuir de forma tão singela e simples com um trabalho tão importante para a Geografia; que ainda está em crise! Viva a Geografia! Viva as cores! Presidente Prudente, 06 de junho de 2022. Agda de Queiroz 16 RESUMO A presente tese de doutorado teve como objetivo central interpretar os processos que constituem as experiências fundadas pelas mulheres que vivem com HIV/AIDS em Presidente Prudente, São Paulo (SP) a partir de seus cursos de vida e campos de possibilidades priorizando entender os encontros e acontecimentos relacionados às interseccionalidades que estruturam o contexto geográfico. Este estudo exigiu um afinado aparato metodológico que orientasse a produção e análise dos dados de pesquisa. Posto isso, a tese em tela manteve o emprego e articulação de metodologias alinhadas à dois elementos fulcrais: as demandas reais de pesquisa e as contribuições teórico-metodológicas feministas que, de forma conjunta, permitiram reelaborar o movimento de construção da tese junto às participantes envolvidas. A concepção desses movimentos garantiu que as narrativas das mulheres estivessem ao centro, enquanto protagonistas, de modo que suas histórias fossem os fundamentos primeiros para a compreensão do contexto geográfico, uma vez que a ambientação e atmosfera das narrativas dependeram das vozes entoadas, das tonalidades, texturas, dos ethos e dêixis discursivas que deram dimensão ao vivido. Destarte, propomos o contexto geográfico como um conjunto de relações dialógicas, relacionais e dinâmicas, que tomam os sujeitos como princípio de ação e significação e, portanto, são passíveis de transformações que os configuram ao mesmo tempo que os conectam ao particular e ao universal. Esta construção teórica preza pela interpretação de relações complexas, sobretudo, a dos movimentos de ser/existir dos indivíduos em realidades geográficas para que os sujeitos sejam compreendidos por meio das diferentes articulações entre Espaço-tempo, Conteúdo e Agência, pilares móveis que configuram relações de caráter caleidoscópico, contribuindo assim para o alargamento da interpretação das vivências construídas pelos sujeitos por meio das experiências de seus contextos geográficos que geram opressão e/ou ressignificação. Portanto, defendemos a tese de que as evocações das vozes dessas mulheres configuraram interpretações acerca da realidade vivida e assim desvendaram uma Geografia presente no cotidiano, o que possibilitou a compreensão do contexto geográfico enquanto um raciocínio calcado no real, isso por considerarmos que no processo histórico - por vezes - estas mulheres não foram protagonistas de suas escolhas no campo de possibilidades durante os cursos de vida tendo, majoritariamente, suas capacidades de ações restringidas pelos poderes de instituições sociais como a família, o trabalho e os relacionamentos, sendo estas relacionais em cada etapa de vida (infância, juventude e vida adulta). Logo, a construção deste raciocínio se debruçou sobre o movimento característico do contexto geográfico experienciado pelas mulheres que vivem com HIV/AIDS, processo este que vai além da individuação de cada qual, já que consolida coletivamente o estabelecer de outras normatividades vitais, ou seja, novas formas de compreender e viver a vida para além da sobrevivência. Assim, a relação da epidemiologia social - interlocução indivíduo/coletivo - está atrelada à organização da sociedade espacialmente contextualizada aos modos de existência dessas mulheres, já que são elas quem experienciaram o processo de saúde-doença e assim tensionaram a relação existente entre o normal e o patológico por meio da coprodução dos respectivos contextos geográficos. Deste modo, os contextos geográficos estão respaldados pelas vozes e vidas dessas mulheres, o que garante a força de uma Geografia que rompe a hegemonia da norma e os estigmas, em outras palavras, se trata de uma Geografia própria que se nutre de tempos e espaços, da cultura, da linguagem que, se faz e se soma à carne e, assim, floresce outras formas de viver. Palavras-chave: Mulheres; Geografia da Saúde; Gênero; Interseccionalidades; HIV/AIDS. 17 ABSTRACT The central objective of this doctoral thesis was to interpret the processes that constitute the experiences produced by women living with HIV/AIDS in Presidente Prudente, São Paulo (SP) from their life courses and fields of possibilities prioritizing understanding the encounters and events related to intersectionalities that structure the geographical context. This study required a refined methodological basis to guide the production and analysis of research data. Having said this, the thesis in question maintained the employment and articulation of methodologies aligned by two central elements: the real demands of research and the feminist theoretical and methodological contributions that, together, allowed the reworking of the construction movement of the thesis with the participants involved. The conception of these movements ensured that the narratives of the women were at the center, as protagonists, so that their stories were the first foundations for the understanding of the geographical context, since the setting and atmosphere of the narratives depended on the voices intoned, the tones, textures, the ethos and discursive de dêixis which gave dimension to what was lived. We propose the geographical context as a set of dialogic, relational and dynamic relationships, which take the subjects as the principle of action and meaning and, therefore, are subject to transformations that shape them while connecting the particular and the universal. This theoretical construction values the interpretation of complex relationships, especially the movements of being/existing of individuals in geographic realities so that the subjects are understood through the different articulations between Space-time, Content and Agency, moving pillars that configure intertwined relationships, thus contributing to the broadening of the interpretation of the experiences built by the subjects through the experiences of their geographic contexts that generate oppression and/or re-signification. Therefore, we defend the thesis that the evocations of the voices of these women configured interpretations about the lived reality and thus unveiled a Geography present in everyday life, which enabled the understanding of the geographical context as a reasoning based on the real, this is because we consider that in the historical process - sometimes - these women were not the protagonists of their choices in the field of possibilities during their life courses, having, for the most part, their capacity for actions restricted by the powers of social institutions such as family, work and relationships, which are relational in each stage of life (childhood, youth and adulthood). Therefore, the construction of this reasoning focused on the characteristic movement of the geographical context experienced by women living with HIV/AIDS, a process which goes beyond the individualization of each one, since it collectively consolidates the establishment of other vital normativities, that is, new ways of understanding and living life beyond survival. Thus, the relationship of social epidemiology - individual/collective interlocution - is linked to the organization of society spatially contextualized these women's ways of existence, since they are the ones who experienced the health-disease process and thus tensioned the existing relationship between the normal and the pathological through the co-production of their respective geographical contexts. Thus, the geographical contexts are supported by the voices and lives of these women, which ensures the strength of a Geography that breaks the hegemony of the norm and the stigmas, in other words, it is a Geography of its own that is nourished by times and spaces, culture, language, which is made and added to the flesh and thus flourishes other ways of living. Keywords: Women; Health Geography; Gender; Intersectionalities; HIV/AIDS. 18 RESUMEN El objetivo central de esta tesis doctoral fue interpretar los procesos que constituyen las experiencias fundadas por las mujeres que viven con VIH/SIDA en Presidente Prudente, São Paulo (SP) a partir de sus trayectorias de vida y campos de posibilidades priorizando la comprensión de los encuentros y eventos relacionados con las interseccionalidades que estructuran el contexto geográfico. Este estudio requirió un aparato metodológico refinado para guiar la producción y el análisis de los datos de la investigación. Dicho esto, la tesis en cuestión mantuvo el uso y la articulación de metodologías alineadas a dos elementos clave: las exigencias reales de la investigación y los aportes teóricos y metodológicos feministas que, en conjunto, permitieron reelaborar el movimiento de construcción de la tesis con los participantes involucrados. La concepción de estos movimientos hizo que las narraciones de las mujeres estuvieran en el centro, como protagonistas, de modo que sus relatos fueran los primeros cimientos para la comprensión del contexto geográfico, ya que la ambientación y la atmósfera de las narraciones dependían de las voces entonadas, de los tonos, de las texturas, del ethos y de la dêixis discursiva que daba dimensión a lo vivido. Así, proponemos el contexto geográfico como un conjunto de relaciones dialógicas, relacionales y dinámicas, que toman a los sujetos como principio de acción y de sentido y, por tanto, están sujetos a transformaciones que los configuran al tiempo que conectan lo particular y lo universal. Esta construcción teórica valora la interpretación de las relaciones complejas, especialmente los movimientos de ser/existir de los individuos en las realidades geográficas para que los sujetos sean comprendidos a través de las diferentes articulaciones entre Espacio-tiempo, Contenido y Agencia, pilares móviles que configuran relaciones caleidoscópicas, contribuyendo así a la ampliación de la interpretación de las experiencias construidas por los sujetos a través de las vivencias de sus contextos geográficos que generan opresión y/o resignificación. Por lo tanto, defendemos la tesis de que las evocaciones de las voces de estas mujeres configuraron interpretaciones sobre la realidad vivida y desvelaron así una Geografía presente en la vida cotidiana, que permitió la comprensión del contexto geográfico como un razonamiento basado en lo real, esto se debe a que consideramos que en el proceso histórico -a veces- estas mujeres no fueron protagonistas de sus elecciones en el campo de las posibilidades durante sus cursos de vida, teniendo, en su mayoría, su capacidad de acción restringida por los poderes de las instituciones sociales como la familia, el trabajo y las relaciones, que son relacionales en cada etapa de la vida (infancia, juventud y adultez). Por lo tanto, la construcción de este razonamiento se centró en el movimiento característico del contexto geográfico experimentado por las mujeres que viven con VIH/SIDA, un proceso que va más allá de la individualización de cada una, ya que consolida colectivamente el establecimiento de otras normatividades vitales, es decir, nuevas formas de entender y vivir la vida más allá de la supervivencia. Así, la relación de la epidemiología social -interlocución individual/colectiva- está ligada a la organización de la sociedad contextualizada espacialmente a las formas de existencia de estas mujeres, ya que son ellas las que experimentaron el proceso salud- enfermedad y así tensionaron la relación existente entre lo normal y lo patológico a través de la coproducción de sus respectivos contextos geográficos. Así, los contextos geográficos se apoyan en las voces y las vidas de estas mujeres, lo que asegura la fuerza de una Geografía que rompe la hegemonía de la norma y los estigmas, es decir, es una Geografía propia que se nutre de los tiempos y los espacios, de la cultura, del lenguaje, que se hace y se suma a la carne y así florecen otras formas de vivir. Palabras clave: Mujeres; Geografía de la Salud; Género; Interseccionalidades; VIH/SIDA. 19 LISTA DE SIGLAS AD Análise do Discurso AIDS Acquired Immunodeficiency Syndrome APIV Associação Prudentina de Incentivo a Vida APPA Associação Prudentina de Prevenção à AIDS AVC Acidente Vascular Cerebral BIOGEOS Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde BPC Benefício de Prestação Continuada CAAE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética CAPS Centros de Atenção Psicossocial CDC Centers for Diseases Control CDHU Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano CETAS Centro de Estudos do Trabalho, Ambiente e Saúde CNS Conferências Nacionais de Saúde COAS Centro de Orientação e Apoio Sorológico COVID Corona Vírus Disease CRT Centro de Referência e Treinamento CTA Centro de Testagem e Aconselhamento DIAHV Departamento de Vigilância e Controle das DST, AIDS e Hepatites virais DST Doenças Sexualmente Transmissíveis ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ENONG Encontro Nacional de ONG, Redes e Movimentos de Luta Contra a AIDS ERONG Encontro Regional de ONG, Redes e Movimentos de Luta Contra a AIDS ESF Estratégia Saúde da Família EUA Estados Unidos da América FMDCA Fundo Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes FOAESP Fórum das ONG/AIDS do Estado de São Paulo GAPA Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS GRID Gay Related Immunodeficiency GVE Grupo de Vigilância Epidemiológica HIV Human Immunodeficiency Virus 20 HSH Homens que fazem Sexo com Homens INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social IST Infecções Sexualmente Transmissíveis LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LGBTQ+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers MNCP Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas NOB Norma Operacional Básica OMS Organização Mundial da Saúde ONG Organização Não-Governamental PCDT Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas PEP Profilaxia Pós-Exposição ao HIV PrEP Profilaxia Pré-exposição ao HIV PVHA Pessoa Vivendo com HIV/AIDS RSB Reforma Sanitária Brasileira SAE Serviço de Atendimento Especializado SES Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo SIDA Síndrome de Imunodeficiência Adquirida SINAN Sistema de Informação de Agravos de Notificação SUAS Sistema Único de Assistência Social SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde SUS Sistema Único de Saúde TARV Terapêutica Antri-retroviral TF Teoria Fundamentada TV Transmissão Vertical UBS Unidades Básicas de Saúde UDI Usuários de Drogas Injetáveis UNAIDS United Nations Programme on HIV/AIDS UPA Unidade de Pronto Atendimento USF Unidade de Saúde da Família VE Vigilância Epidemiológica 21 LISTA DE FIGURAS Figura 01. Adequações metodológicas de pesquisa Figura 02. Eixos estruturantes da codificação Figura 03. Teoria Fundamentada, Codificações e Análise do Discurso Figura 04. Palavras-chave e níveis de codificação Figura 05. Conjugação de possibilidades de ofertas no CTA Figura 06. Fundação da Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA) Figura 07. Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA): articulações iniciais Figura 08. Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA): ações e resultados Figura 09. Articulações e parcerias: ações da APPA (Associação Prudentina de Prevenção à AIDS) Figura 10. Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA): dificuldades e ressignificações Figura 11. Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA): processos de formação cidadã Figura 12. Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA): ações e reconhecimento Figura 13. As articulações do contexto geográfico: potencialidades explicativas Figura 14. Cursos de vida, encontros e possibilidades Figura 15. Campo discursivo – Contexto geográfico: interpretações e infâncias Figura 16. Campo discursivo – Contexto geográfico: interpretações e juventudes Figura 17. Acontecimentos, trajetórias de vida e encontros: contextos geográficos em movimento Figura 18. Campo discursivo – Contexto geográfico: interpretações e vida adulta Figura 19. Campo discursivo – Contexto geográfico: outras normatividades vitais LISTA DE QUADROS Quadro 01. Perfil das mulheres participantes Quadro 02. Transcrição de Atas - Fundação da Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA) Quadro 03. Transcrição de Atas - Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA): articulações iniciais Quadro 04. 1° Regimento Interno da Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA) Quadro 05. Transcrição de Atas - Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA): ações e resultados Quadro 06. Transcrição de Atas - Articulações e parcerias: ações da APPA (Associação Prudentina de Prevenção à AIDS) 22 Quadro 07. Novos caminhos: APIV (Associação Prudentina de Incentivo à Vida) Quadro 08. Contexto geográfico: conceituação Quadro 09. Cursos de vida na compreensão dos contextos geográficos: infância e juventude Quadro 10. Cursos de vida na compreensão dos contextos geográficos: juventude e vida adulta LISTA DE CAIXAS DE DIÁLOGO Caixa 01. Trabalho de campo Caixa 02. Interseccionalidades, potências e ações Caixa 03. Tipologias de violência Caixa 04. Vulnerabilidade, HIV/AIDS e Gênero LISTA DE MAPAS Mapa 01. Localização de Presidente Prudente –SP, Brasil Mapa 02. Rede de serviços de saúde aptos a testagem para IST’s e HIV/AIDS Mapa 03. Percursos na cidade: Tammie Mapa 04. Percursos na cidade: Del Rio Mapa 05. Percursos na cidade: Alyssa Mapa 06. Percursos na cidade: Bonet Mapa 07. Percursos na cidade: Latrice Mapa 08. Percursos na cidade: Monique 23 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................................26 1.1. HIV/AIDS: movimentos iniciais e o contexto feminino.....................................................................26 1.2. Do autor aos leitores: apresentação e justificativas................................................................................30 1.2.1 Aproximações e atravessamentos: evidenciando os caminhos.................................................35 CAPÍTULO 1 – É PRECISO RECUAR PARA AVANÇAR: PASSOS METODO(LÓGICOS)...................................................................................................................39 Prólogo.....................................................................................................................................................41 1.1. Primeiros passos da pesquisa: do pensar ao proceder.............................................................................45 1.1.1. Pesquisa qualitativa em Geografia e direcionamentos metodológicos......................................47 1.1.2. Aproximações e confluências: o trâmite da pesquisa............................................................51 1.1.3. Interações metodológicas: a pesquisa em movimento.............................................................58 1.2. Analisar os discursos ou discursar as análises?....................................................................................62 1.2.1. Interlocuções: sistematização e codificação dos dados produzidos...........................................66 CAPÍTULO 2 – CONTEXTO GEOGRÁFICO: HIV/AIDS E POLÍTICAS DE SAÚDE EM PRESIDENTE PRUDENTE, SP......................................................................73 2.1. Políticas de saúde no Brasil, HIV/AIDS e contextos geográficos........................................................76 2.2. O caminhar das políticas em Presidente Prudente: uma perspectiva histórico-geográfica voltada ao HIV/AIDS..........................................................................................................................................87 2.2.1. Saúde pela terceira via: as ações históricas da Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA)..................................................................................................................................................95 CAPÍTULO 3 – NARRATIVAS DO ACONTECER-MULHER: A CONSTITUIÇÃO E VIVÊNCIA DOS CONTEXTOS GEOGRÁFICOS........................................................111 3.1. O desafio do contexto geográfico: potencialidades e riscos.....................................................................113 3.1.1 Cursos, trajetórias e campo de possibilidades: configurando o contexto.................................121 3.1.2. Acontecimentos, rupturas e continuidade: (in)constâncias da vida......................................127 3.2. Agora é que são elas... mas, quem são elas?.......................................................................................130 3.2.1. Entre o amargo e o doce: as memórias narradas de Tammie...............................................132 3.2.2. Os (re)nasceres da fênix: a história de Del Rio..................................................................138 3.2.3. “Aí eu fui pro mundão, pra vidona”: as contações de Alyssa..............................................142 3.2.4. É preciso lutar sem medo: as batalhas cotidianas de Bonet.................................................147 3.2.5. Decisões, condições e movimentos: as tramas vividas por Latrice.........................................152 3.2.6. “Minha vida dá um livro”: as notáveis recordações de Monique.........................................158 3.3. Por uma Geografia discursada: vozes consonantes e seus contextos geográficos......................................163 3.3.1. Contexto geográfico: infâncias e relações............................................................................165 3.3.2. Contexto geográfico: caminhos plurais e juventudes............................................................176 24 CAPÍTULO 4 – CAMINHAR, CONSTRUIR E RESSIGNIFICAR: TRANSIÇÕES INTERSECCIONAIS DAS MULHERES E SEUS CONTEXTOS...............................195 4.1. Violências e vulnerabilidades: interpretações interseccionais a partir dos contextos geográficos...............198 4.2. Encontro de trajetórias: a experiência do contexto geográfico...............................................................209 4.2.1. “Eu não sou o tipo de pessoa que fica parada”: as continuidades de Tammie.......................210 4.2.2. “De onde você está vindo eu também já vim”: os ensinamentos de Del Rio...........................213 4.2.3. “Eu me fechava muito, eu tinha medo”: as (re)construções de Alyssa..................................216 4.2.4. “Deus me ouviu, aleluia!”: os pontos de ressignificação de Bonet.........................................219 4.2.5. “Eu ia pegar e grudar no pescoço dele?”: os desafios e contornos de Latrice..........................223 4.2.6. “Ele morreu e eu fiquei pra ser apontada”: os processos e desdobramentos de Monique........226 4.3. Atravessamentos e convergências: os diferentes porquês de uma mesma questão....................................230 4.3.1. Contextos geográficos: múltiplos encadeamentos na vida adulta..........................................236 CAPÍTULO 5 – CONTEXTO GEOGRÁFICO E HIV/AIDS: O QUE HÁ ENTRE O NORMAL E O PATOLÓGICO?..........................................................................................255 5.1. Vidas interpretadas: uma leitura geográfica possível..........................................................................258 5.1.1. Saúde e Doença: princípios geográficos e a construção de normas vivíveis.............................261 5.2. Contextos geográficos em aliança: a construção de outras realidades.....................................................268 5.2.1. “Tenho que ser e vou ser feliz sozinha”: os caminhos abertos de Tammie.............................269 5.2.2. “Hoje eu sou mais jovem, mais bonita”: as novas perspectivas de Del Rio...........................275 5.2.3. “A gente vê que não está sozinha”: as reciprocidades de Alyssa..........................................280 5.2.4. “Amigas é aqui, pra mim amizade é aqui”: os laços construídos por Bonet.........................286 5.2.5. “Minha família mesmo é daqui, da APPA”: as permanências de Latrice..........................293 5.2.6. “Estou no meio das amigas trocando experiências”: as renovações de Monique....................299 5.3. Entre estabilidades e desafios: as realidades abertas dos contextos geográficos.......................................306 5.3.1 “O HIV é normal”: narrativas construtoras de saúde........................................................306 CONCLUSÕES..............................................................................................................................320 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................325 Referências consultadas...........................................................................................................................351 ANEXOS...........................................................................................................................................352 Certificação Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)....................................................................................352 Autorização institucional (APPA)........................................................................................................355 Autorização da Secretaria da Saúde........................................................................................................356 Gráficos.................................................................................................................................................358 25 Capa INTRODUÇÃO 26 Como movimento inicial, cabe evidenciar alguns elementos necessários para a compreensão de nossa pesquisa que, especificamente, está embasada sob a vida de mulheres que viveram/vivem em Presidente Prudente – SP. Posto isso, é impreterível destacar que o universo abordado pela tese se dedica à interpretação da realidade de mulheres que são detentoras de histórias de vidas e narrativas que apresentam semelhanças, encontros, opressões e ressignificações por distintos motivos e acontecimentos, denotando assim que não são todas ou mesmo quaisquer mulheres que participaram e construíram esta pesquisa. Colocado isso, se torna importante destacar um dos significativos elos que conecta a realidade destas mulheres no decorrer de seus cursos de vida, a vivência com o HIV/AIDS. Este fato foi o primeiro elemento que, a nós, serviu como princípio investigativo, haja visto que a ânsia por interpretar as experiências acerca do HIV/AIDS nos defrontou com uma seara de complexidades que se fizeram/fazem presentes na vida dessas mulheres, como veremos adiante. Neste sentido, se faz coerente para este primeiro momento apresentar os principais marcos acerca do HIV/AIDS sob uma perspectiva histórica, em que se aborde a descoberta, percursos e escalas de difusão da epidemia e suas complexidades na relação espaço-tempo. Isso porque esta ação corrobora com a compreensão do raciocínio geográfico por nós desenvolvido, uma vez que as vidas dessas mulheres passam a ser interpretadas pelas relações de Saúde, Gênero e Geografia. 1.1. HIV/AIDS: movimentos iniciais e o contexto feminino Os primeiros casos confirmados de HIV/AIDS no mundo ocorreram no início da década de 1980, nos Estados Unidos da América (ALBERTO; SÁ; COSTA, 1994; BASTOS; BARCELLOS, 1995). Esta descoberta foi realizada pela secretaria do Centers for Diseases Control (CDC), que se desdobrou em investigações aprofundadas acerca dos fenômenos patológicos incomuns registrados, como a incidência de pneumonia por Pneumocytis carinii e Sarcoma de Kaposi em homens jovens. Este fato tornava os casos raros, pois ambas manifestações são comuns em pessoas com graves problemas imunológicos e/ou idosos, o que destoava do perfil encontrado (ALBERTO; SÁ; COSTA, 1994). Na época, investigou-se a procedência dos casos, buscando-se aproximações e compreensões a respeito dos sujeitos adoecidos. Após algumas análises, foi constatado que o elo comum entre os pacientes consistia na redução das células sanguíneas - que são imprescindíveis para a manutenção do sistema imunológico - junto a identificação do 27 “comportamento homossexual” com múltiplos parceiros. Estas constatações fizeram com que a doença, inicialmente, fosse batizada de Grid - Gay Related Immunodeficiency - Imunodeficiência Relacionadas aos Gays, o que foi suficiente para gerar um profundo estigma, já que a doença passou a ser considerada como a “peste gay” (POLLAK, 1990; CAMARGO JR, 1995). Este movimento inicial demandou investigações contínuas, ao ponto que emergiram novas ações como a notificação de casos confirmados em pessoas hemofílicas, usuários de drogas injetáveis e pacientes transfundidos, o que expressava a necessidade de reelaboração do nome da doença, nomeando-a como é conhecida hoje: AIDS - Acquired Immunodeficiency Syndrome ou Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA). O advento desta nova doença ganhou repercussão mundial, dada sua rápida difusão, o que fez com que em pouco tempo passasse de uma doença desconhecida para um grave problema de saúde pública no mundo (SANCHES, 1999). A partir de então, o HIV/AIDS passou a ser identificado em diferentes países, caracterizando a doença como pandemia que acontecia sob diferentes ritmos, acometendo distintas camadas da sociedade conforme seus movimentos (MANN; TARANTOLA; NETTER, 1992). O caráter multifacetado do HIV/AIDS conferiu densa complexidade à difusão da doença que já acontecia de forma simultânea em diferentes partes do mundo, apresentando características muito peculiares de disseminação e expansão no que se refere à sua manifestação geográfica. Também cabe ressaltar que houve inúmeras modificações nos perfis acometidos no transcorrer do tempo (BARCELLOS; BASTOS, 1996), o que evidencia que a difusão do HIV/AIDS se manifesta como uma problemática que transpassa todas as escalas, atingindo diversos segmentos, desde o local ao global (UNAIDS, 2016). No Brasil, foram diagnosticados os primeiros casos de HIV/AIDS em 1982 na cidade de São Paulo, e posteriormente na cidade do Rio de Janeiro. Estes casos iniciais, registrados nas grandes metrópoles do país, além de trazerem tensionamentos à organização dos serviços de saúde no Brasil, geraram alarde na população. Tal como nos EUA, no Brasil, os primeiros casos foram diagnosticados em pacientes homo/bissexuais, o que fez se reproduzir aqui o mesmo estigma social perpetrado pela mídia em outros países (POLLAK, 1990; GOFFMAN, 1988), fato que corroborou para o estabelecimento de um ideário discriminatório e homofóbico em relação à doença, que se mantém até hoje (VALLE, 2002). A rápida disseminação do vírus por diferentes vias, sua difusão para outros grupos sociais, seja por meio do sexo desprotegido e/ou pelo uso de drogas injetáveis, fizeram com que logo os casos femininos ganhassem destaque no cenário brasileiro, a ponto de, em tempos 28 mais recentes, a AIDS ter se tornado a terceira principal causa de morte entre mulheres de 25 a 44 anos no mundo (SANTOS, et al., 2009). Deste modo, as notificações de casos femininos foram sendo cada vez mais frequentes, “[...] e em parte alguma do mundo a epidemia de HIV/AIDS sofreu transformações tão profundas e tão rápidas” (PARKER; GALVÃO, 1996, p. 08), constatando-se inclusive casos de transmissão vertical (de mãe para filha[o]) do HIV/AIDS (SANTOS, et. al, 2002). Após os anos iniciais, a complexidade do quadro epidemiológico foi sendo adensada com a sua disseminação para diferentes cidades, estados e regiões, o que gerou o caráter multifacetado da epidemia no país (BRITO; CASTILHO; SZWARCWALD, 2000). O crescimento acelerado dos casos femininos é resultado das transformações ocorridas nas décadas iniciais da epidemia (BASTOS, 2006). No decorrer dos anos foi possível observar gradativas mudanças em relação a razão entre os sexos acometidos pela AIDS. Inicialmente havia 26 casos masculinos para 1 caso feminino, o que difere abissalmente do cenário atual que apresenta a proporção de 1,7 homens para cada mulher infectada (BRASIL, 2014). Assim, ocorreram mudanças no perfil inicial, com uma heterossexualização da doença, atingindo mulheres de forma cada vez mais efetiva, ocasionando a feminização do HIV/AIDS (BASTOS, 2000; SADALA; MARQUES, 2006). Neste sentido, quando se analisa o movimento do HIV/AIDS na população feminina brasileira é necessário considerar três fases, como expressa Santos et. al (2009). A primeira fase tem o período demarcado entre 1982 a 1986, quando as infecções eram comuns através das vias sexuais, das relações desprotegidas com homens que tinham relações sexuais com outros homens (HSH), como também era relevante a quantidade de infecções via transfusão sanguínea. A segunda fase ocorreu já nos anos finais da década de 1980 e na primeira metade da década de 1990, intervalo marcado pela infecção via uso de drogas injetáveis (UDI) de forma muito intensa, principalmente na região Sudeste do Brasil tendo maior expressão as capitais e regiões metropolitanas. Por fim, a terceira fase - segunda metade da década de 1990 até o presente - evidencia o predomínio de infecções via a prática heterossexual desprotegida enquanto veículo de transmissão do HIV/AIDS para as mulheres (SANTOS, et. al, 2009). Neste sentido, é necessário ponderar as diferenças estruturais, sociais e culturais que são características da epidemia do HIV/AIDS no Brasil ao longo do tempo (BUCHALLA; PAIVA, 2002), bem como considerar a complexidade intrínseca da epidemia enquanto movimento de transformações que transpassa e modifica a realidade dos sujeitos sociais 29 (BESSA, 1997), estando em consonância com as experiências que as constroem, pois estas se organizam “a partir das relações íntimas entre os indivíduos, sendo essas relações plurideterminadas pela agregação e pela complexidade do sujeito em seu contexto singular, relacionado aos padrões macrossociais, culturais e econômicos” (RODRIGUES; PERREAULT, 2013, p. 02). Em momentos iniciais o HIV/AIDS em mulheres foi associado à promiscuidade, uso de drogas e a prostituição, também frutos de uma concepção machista, patriarcal e preconceituosa que gerou culpabilização e discriminação das mulheres tal qual a dos gays (PARKER, 1991; SANTOS, 2006). Tais concepções acerca da doença foram construídas a partir do que a figura da mulher representava e ainda representa no imaginário social brasileiro, dado que estas não deviam transgredir regras como “o modelo de mulher, direita, apta a casar, pois esta lógica normativa exigia certa compostura, de uma atitude que tinha de vigorar no mais da vida social” (PRIORE, 2009, p. 98). Assim, a “formação das representações sociais da AIDS, desviaram a atenção da ameaça colocada pela AIDS ao Eu e centra seu olhar sobre o ‘outro’ [...]” (JOFFE, 1995, p. 299), neste caso, nas mulheres, sobretudo, as consideradas desviantes, empobrecidas, prostitutas, pretas e usuárias de drogas. A partir desta realidade, Goldstein (1996) chama a atenção para a situação do Brasil no contexto latino-americano, região na qual são expressivos os aumentos de novos casos de mulheres vivendo com HIV. Para a autora o Brasil possui fatores muito específicos, estando o primeiro centrado na [...] existência de uma classe urbana e pobre de usuárias (ou parceiras de usuários) de drogas injetáveis e a uma lógica cultural de sexualidade construída de uma forma altamente complexa, incluindo enormes diferenças internas e grandes cortes em discursos de subgrupos divididos por gênero, sexo, sexualidade, classe e raça (GOLDSTEIN, 1996, p. 138). A partir desta leitura inicial, criou-se o imaginário de que a doença sempre acomete o ‘outro’, sendo o HIV/AIDS considerado doença de gays, desviantes, usuários de drogas e prostitutas (PARKER; AGGLETON, 2001). No entanto, a doença difundiu-se pelo território brasileiro, ao passo que se fez expressivo o aparecimento de casos de HIV entre mulheres heterossexuais monogâmicas, o que desconstruía “os papéis sociais estabelecidos historicamente de mulher dona-de-casa, mulher ideal, mulher reprodutora, receptáculo passivo de sêmen” (CARVALHAES, 2008, p. 82). É esta realidade que tanto evidencia a complexidade do fenômeno, quanto exige abordagens que considerem as dimensões de gênero e sexualidade (SELLI; CECHIN, 2005). 30 O surgimento do HIV/AIDS na população feminina abalou as estruturas normativas que designavam os desempenhos sociais dos sujeitos em relação, especificamente às mulheres (PRIORE, 2009), expondo que a figura da mulher e a relação com a doença transcendiam os papéis direcionados a elas pela dominação masculina (SAFFIOTI, 1987; BOURDIEU, 1995), já que a AIDS desmistificou “armadilhas milenares que acobertavam uma verdade singular sobre as mulheres: é que elas, todas elas, não são apenas reprodutoras e guardiãs do lar e da família” (GUIMARÃES, 1992, p. 150). É fato que estes acontecimentos fazem parte da história do HIV/AIDS no Brasil, e requerem um aprofundamento qualificado dada a sua complexidade, sobretudo, quando se direciona interpretações sob a realidade vivida pelas mulheres brasileiras. 1.2. Do autor aos leitores: apresentação e justificativas A presente tese tem como objetivo interpretar os processos que constituem as experiências fundadas pelas mulheres que vivem com HIV/AIDS a partir de seus cursos de vida, em contextos geográficos concretos, que lhes conferiam a cada passo campos de possibilidades de realização de suas vidas, em que se interseccionaram diversas formas de opressão e distintos limites que foram se acumulando, dada a sua origem social, sua condição racial, geracional, educacional e de gênero. Deste modo, o presente estudo está estruturado por cinco subquestões que estão conectadas entre si. A primeira questão específica busca compreender as trajetórias das mulheres que vivem com HIV/AIDS a partir das diferentes etapas de vida evocadas em suas narrativas. A segunda questão tem como preocupação compreender a organização e articulação dos serviços de saúde da cidade na relação com os processos saúde-doença das mulheres que vivem com HIV/AIDS. Adiante, a terceira questão se dedica a identificar e interpretar as interseccionalidades preponderantes em cada etapa de vida destacando os principais encontros e acontecimentos. Na sequência adentra a quarta questão, que se propõe a analisar as violências e vulnerabilidades que se fazem presentes no cotidiano e como as mesmas se configuram, permanecem e se transformam no processo saúde-doença. Por fim, a quinta questão indaga como se dá a relação entre as normatividades vitais e os contextos geográficos ao longo da vida das mulheres, principalmente, na vivência com o HIV/AIDS. Foi a partir desta organização que foi priorizada a reflexão sobre a realidade vivida pelas mulheres prudentinas que vivem com o HIV/AIDS, mas, antes de aprofundar tais questões são necessárias algumas elucidações acerca dos diferentes porquês. Nessa parte, 31 como em outros momentos da tese, assumirei o tratamento da primeira pessoa de forma anunciada1 e articulada, isso devido ao posicionamento político estar alinhado às características da metodologia adotada para o estudo, de modo que preza pela garantia da audibilidade das vozes dessas mulheres, de suas histórias que, por vezes, foram e são silenciadas pelos inúmeros processos de opressão. Por isso, houve o esforço por escrever este texto junto às mulheres; processo este desenvolvido de forma intrínseca no realizar da pesquisa2. Explanado isso, considero importante ressaltar de forma explícita os processos que me trouxeram para a proposta desta pesquisa, ao ponto que expresso alguns elementos que são pertencentes à minha trajetória de vida que culminou neste trabalho. É necessário dizer que sempre estive movido por objetivos que pudessem ser alcançados no rol de possibilidades de um jovem interiorano de origem simples, que teve transformações iniciadas a partir do ato de cursar Geografia na UNESP/Presidente Prudente no ano de 2013. Durante meu processo formativo na graduação, fui apresentado à “diferentes mundos”, sendo um deles o mundo da pesquisa científica, pelo qual me apaixonei frente às inúmeras outras possibilidades. No entanto, fui movido por duas diferentes forças, sendo a primeira a paixão pelo conhecimento, e a segunda constituída pela necessidade em permanecer, já que há uma significativa deficiência nas políticas de permanência estudantil, na qual a pesquisa acadêmica é utilizada enquanto válvula de escape para tal insuficiência. Isso tem sido um grande problema, visto que o desmonte da educação, a evasão de alunos empobrecidos, bem como os problemas referentes à saúde mental dos alunos de Graduação (BERNARDES, 2018) e Pós-Graduação tem apresentado quadros cada vez mais agudos. Dado essas questões, já no âmbito da pesquisa pensei em desenvolver algo que fosse de meu agrado e que minimamente houvesse identificação para além da necessidade do cunho científico, ainda que isso não fosse cognoscível. Esta elaboração somente se delimitou melhor 1 A partir das contribuições de Oliveira (2014), foi decidido que haverá o emprego da primeira pessoa durante distintos momentos do texto, pois é consenso que “a despersonalização do discurso provoca um distanciamento do autor e deixa na penumbra seu próprio compromisso com o resultado. O texto, hoje, prevê uma interlocução autor-leitor; o autor cobra um envolvimento direto do leitor com o seu pensamento, o seu raciocínio. O leitor é trazido para dentro do texto, é partícipe desse texto” (OLIVEIRA, 2014, p. 10). Para além disso, é necessário salientar que o conhecimento produzido sob diferentes ordens não se realizou de forma individual e simplista. O conhecimento é produzido de forma situacional e corporificada (HARAWAY, 1995), o que evidencia trocas mediadas por diferentes relações, não sendo estas reduzidas pelo emprego da primeira pessoa no texto acadêmico. 2 Cabe destacar que “escrever junto às mulheres” compreende o processo de participação das mesmas através de suas narrativas, o que destaca a aproximação das realidades em movimento. Isso não quer dizer, especificamente, que as mulheres redigiram o texto, mas que dele fizeram parte por meio de outras ações conjuntas. Esta postura política, teórica e metodológica permaneceu alinhada aos princípios qualitativos éticos que veemente são críticos às propostas de caráter predatório que, por vezes, despersonificam as(os) participantes de pesquisas científicas. 32 no segundo ano da graduação quando me aproximei efetivamente do Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde (BIOGEOS), com intenções ainda incertas. A proposta de pesquisa somente “nasceu” a partir de uma experiência empírica- pessoal, na qual me encontrei em situação de risco à infecção pelo HIV. Foi quando tudo começou. Confesso que foi uma experiência que ressignificou diferentes estruturas. A ocorrência desta situação foi um grande marco para mim, que proporcionou inúmeros questionamentos, como: isso somente aconteceu comigo? Qual a chance de ter acontecido com outras pessoas como eu? Um mesmo acontecimento é possível para pessoas diferentes? Foram questionamentos que tensionaram a minha posição de unicidade, fazendo com que eu pensasse na possibilidade para outros, estando nas mesmas condições ou não. Em um segundo momento, surgiram questões de caráter geográfico, em que me coloquei a pensar sobre as relações que passei a produzir nessa nova etapa de vida, tais como: será que me influenciaram os elementos que a cidade nos oferece? Quais são as relações espaciais e escalares dos fenômenos de saúde? Todas estas questões me levaram a refletir acerca das escolhas que estava a fazer e as que era condicionado nesta nova realidade, já que estava distante do âmbito familiar, da zona de conforto3 e acolhimento. Foi quando me vi sozinho e vulnerável. Sem sombra de dúvidas, esse acontecimento proporcionou uma reflexão sobre a produção e vivência dos espaços, elucidando que “as lutas locais dentro da complexa geometria de poder das relações espaciais é um elemento-chave na formação de suas identidades políticas e de sua política” (MASSEY, 2008, p. 258). Acrescenta-se a isso as articulações de escalas e as transformações decorrentes das escolhas no campo de possibilidades (VELHO, 1994). De certa forma, este acontecimento abriu meus olhos para uma realidade que afeta milhões de pessoas. Este foi o caminho pelo qual surgiu minha proposta de Iniciação Científica4 que teve como intuito identificar os grupos de jovens em situação de 3 Designo “zona de conforto” como âmbito familiar, rede de amparo e/ou proximidade com pessoas que pertencem ao convívio íntimo. 4 Desenvolver esse tema somente foi possível pela forma como o Prof. Raul Borges Guimarães organiza a produção coletiva do Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde (BIOGEOS) da UNESP de Presidente Prudente. Nesse aspecto há a preocupação em manter esforços coletivos nos quais todos os membros são responsáveis, e da mesma forma a permitir que cada estudante tenha a liberdade de escolha de temas para pesquisas individuais. Acredito que essa forma de organização é importante para que se possa emergir novas questões a partir da história de vida de cada um, como ocorreu comigo. 33 vulnerabilidade à infecção pelo HIV em Presidente Prudente – SP, para os contextos geográficos desses sujeitos. Neste movimento de pesquisa, passaram-se três anos, nos quais pude presenciar histórias e vivências que configuravam outras experiências, outras práticas na cidade, que proporcionaram a mim diversos confrontos de experiências, em uma magnitude tão profunda a ponto de ressignificar minha vida, a partir da vida dos sujeitos que entrevistei. Esta foi uma das experiências mais fortes que vivi. Foi a partir da vida de outras pessoas e do que o HIV/AIDS representava a elas que pude entender que o espaço sempre está em constante devir (MASSEY, 2008), isso por perceber - em relação - que a vida sempre se transforma, se refaz e continua em movimento. Esta experiência ultrapassou o âmbito acadêmico, mas não deixou de fazer parte de um conjunto de feitos que se materializaram ao fim da minha graduação, resultando em minha monografia de Bacharelado em Geografia (PEDROSO, 2017). Sob este aspecto é necessário destacar que foram muitas as provocações que encontrei pelo caminho em relação à pesquisa, distintos momentos dos quais os “problemas bateram à porta”, de modo que era inadmissível ficar isento, sem posição. No acontecimento da pesquisa fui sendo tensionado por inúmeros fatores, como leituras sobre as questões de saúde-doença, HIV/AIDS, gênero e sexualidades que ainda são latentes. Mas também houve outras tensões, como os ataques e deslegitimações sofridos referentes à Geografia da Saúde, à metodologia qualitativa em Geografia e à temática de pesquisa, realizados por pares que se valem de “discursos hegemônicos” para desqualificar outras Geografias. Com isso, aprendi desde cedo que no campo geográfico é preciso sempre contra argumentar qualificadamente para firmar e manter a pluralidade da Geografia (PEDROSO, 2019). Este conjunto de acontecimentos me despertou a necessidade de investigar sobre os porquês de tantas questões. Ao me enveredar na busca por respostas, encontrei na área da Geografia da Saúde uma significativa ausência expressa pela escassez de trabalhos de pós- graduação que se dedicassem a compreender a complexidade do HIV/AIDS no Brasil. Para citar os poucos exemplos encontrados na Geografia, destaco as contribuições trazidas por Bueno (2010), Marchetti (2011) e Oliveira (2011) que se dedicaram, respectivamente, a compreensão das realidades de Piracicaba - SP, Londrina - PR e São Paulo - SP, sob o ponto de vista geográfico que se encontra majoritariamente centrado nas análises quantitativas subsidiadas pelo geoprocessamento. 34 Paulatinamente, entendi que pesquisas como estas contribuem grandemente para a visualização, reflexão e interpretação de problemas que carecem de respostas da saúde pública. Ao mesmo tempo em que me colocava a pensar: como eram/são as vidas dessas pessoas que acabam sendo tabuladas e mapeadas? Essa questão me proporcionou dimensionar alguns graus de dificuldades que viria a enfrentar, mesmo no campo da Geografia da Saúde, uma vez que sentia a necessidade de entender o que acontecia “por detrás dos números”, para além dos mapas de doenças. Assim, segui no intento prévio de continuar a buscar por respostas acerca da vida dos jovens vivendo com HIV/AIDS. Nesta etapa, o projeto para a pós-graduação (mestrado) já estava em elaboração dado que o final da Iniciação Científica apontava para questões que mereciam aprofundamento, como as práticas espaciais e o respectivo processo de saúde- doença dos jovens (PEDROSO; GUIMARÃES, 2019a). Contudo, apareceram outros elementos que redirecionaram a proposta, como por exemplo, a aproximação que tive com o campo das Geografias de Gênero e de Sexualidades que abordam as invisibilidades, os corpos dissidentes e suas ações no espaço geográfico. Isso me trouxe um novo pensamento que ainda era pouco elaborado: o de buscar pela realidade de outros sujeitos que não os jovens... Mas quem? Foi este movimento de busca que me permitiu o contato com o memorial “AIDS, na rota de esperança” organizado por Cremilda Medina (2011), que traz diferentes textos de especialistas renomados que abordam o HIV/AIDS na América Latina, sobretudo, na contemporaneidade brasileira. Dentre as várias discussões apresentadas me chamou a atenção o texto “Mulheres e AIDS: libelo da complexidade” de Sonia Maria Geraldes (2011), que para mim foi um divisor de águas, isto porque a autora se dedicou a compreender a vulnerabilidade feminina ao HIV/AIDS, destacando os processos de silenciamento que se fizeram presentes - mormente sobre as lacunas no campo das políticas públicas - ao longo da epidemia. Essa construção me despertou para um novo horizonte e me permitiu direcionar olhares para a realidade da população feminina que experiencia o HIV/AIDS, as relações de gênero e as outras vulnerabilidades que se fazem presentes no cotidiano das mulheres, me condicionando a levantar algumas questões, como: os casos de HIV/AIDS na população feminina em Presidente Prudente - SP são expressivos? Como se deu esse processo ao longo do tempo? Quem são essas mulheres infectadas pelo HIV? Quais são as experiências constituídas nos diferentes tempos e espaços? Como se configura o processo de saúde-doença? Como foram e são atendidas pelos serviços públicos de saúde e órgãos de apoio? Quais são suas histórias? Quais são seus silêncios? 35 1.2.1 Aproximações e atravessamentos: evidenciando os caminhos Estabelecer algumas perguntas me permitiu refletir sobre a realidade experienciada pelas mulheres que vivem com HIV/AIDS em Presidente Prudente, mais especificamente, pelas mulheres que compuseram o grupo “Plug and Play”5 pertencente à Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA), ONG que é referência regional e estadual ao que tange a prevenção e cuidados em HIV/AIDS, que foi o grupo acessado pela pesquisa. Esta construção se deu com o objetivo de caracterizar com profundidade a maior parte dos elementos que atravessam a vidas das mulheres, especificamente, os acontecimentos, rupturas e ressignificações presentes em seus cursos de vida (HUTCHISON, 2011), isso porque considero os contextos geográficos - e suas inúmeras facetas - como base substancial para a interpretação da vida das entrevistadas, que desde então residiram em Presidente Prudente – SP e região, vivendo a infância, juventude e também a vida adulta, como veremos adiante. Tais informações puderam ser elaboradas e trabalhadas com estas mulheres ao longo dos sete meses de trabalho de campo; tempo este que permitiu minha aproximação do grupo “Plug and Play”, garantindo a interação com as mulheres através do estabelecimento de laços individuais e coletivos. Estas aproximações em primeiro nível possibilitou o acesso a informações basais que previamente caracterizam as mulheres envolvidas na pesquisa, como apresenta o quadro 01. Quadro 01. Perfil das mulheres participantes Identificação Idade Tempo de sorologia Orientação sexual N° de filhos Estado civil Cor autodeclarada Escolaridade Religião Última ocupação Alyssa 53 22 Heterossexual 3 Viúva Branca E.F. Incompleto Evangélica Aposentada Bonet 39 22 Heterossexual 2 Relacionamento estável Preta E.M. Completo Evangélica Empregada doméstica Del Rio ✟ 61 18 Heterossexual 5 Viúva Parda E.F. Incompleto Evangélica Cozinheira Latrice 41 08 Heterossexual 3 Solteira Parda E.F. Incompleto Católica Beneficiária Monique 43 21 Heterossexual 3 Viúva Parda E.F. Incompleto Evangélica Auxiliar de limpeza Tammie 58 21 Heterossexual 1 Divorciada Parda E.F. Incompleto Evangélica Beneficiária Organização: do autor 5 O grupo “Plug and Play” foi formado por mulheres que vivem e convivem com o HIV/AIDS, sendo este criado em 2015 pela coordenação da Associação Prudentina de Prevenção à AIDS (APPA). O grupo apresentou caráter colaborativo e tomou como princípio o autodesenvolvimento dos sujeitos no âmbito individual, familiar e social. 36 O quadro 01 evidencia algumas das principais características das participantes da pesquisa6 para que se tenha uma visão de conjunto, o que favorece a visualização de similaridades e diferenças entre elas, já que as decorrentes interpretações discursivas fomentarão a interlocução entre o individual e o coletivo (SERPA, 2005; PEDROSO; GUIMARÃES, 2015; PEDROSO, 2017). Em linhas gerais, o grupo apresenta alto grau de semelhanças frente às características iniciais: o grupo se desenha a partir de um perfil de mulheres pardas7 de meia idade, com ocupações múltiplas, heterossexuais, evangélicas, mães, com escolaridade incompleta, vivendo com HIV/AIDS e em situação monoparental. Estas informações são importantes, pois situam os sujeitos, ou seja, trata de quem são as pessoas que centralizam a discussão da pesquisa. Contudo, estas mulheres não são apenas estas características, não estão limitadas ou restritas à estas primárias designações, visto que elas possuem histórias que foram construídas ao longo da vida, que lhes trouxeram experiências contextualizadas no espaço-tempo (ALVES; PEDROSO; GUIMARÃES, 2019). Desse modo, esses foram e são alguns dos motivos que me levaram a concretizar tal problemática na Pós-Graduação em Geografia. Neste movimento, trouxe como proposta interpretar os processos que constituem as experiências fundadas pelas mulheres que vivem com HIV/AIDS a partir de seus cursos de vida e campos de possibilidades, buscando entender os encontros e acontecimentos relacionados às interseccionalidades que estruturam o contexto geográfico8. Isso porque o HIV/AIDS e outros pontos de inflexão, enquanto acontecimentos disruptivos, promovem reorientações nas trajetórias de vida a partir dos elementos políticos, econômicos, sociais e culturais que agem sob a conformidade dos contextos geográficos, assim tornando certas vidas mais vulneráveis que outras. 6 Cabe informar que todos os nomes da presente pesquisa foram substituídos por nomes fictícios visando o sigilo das informações e o total resguardo das mulheres que participaram. Os nomes fictícios propostos advêm de parte de nomes de Drag Queens que participaram do reality show “RuPaul's Drag Race”, uma vez que os nomes foram atribuídos considerando as características e personalidades das personagens junto a das mulheres entrevistadas. 7 Entendemos a nomenclatura “parda” como inadequada para a designação da cor-etnia dos sujeitos sociais, uma vez que esta é repudiada por grande parte do movimento negro. Contudo, na posição de interlocutor busquei respeitar a auto-identificação das mulheres, ou seja, como as mesmas se consideram e se reconhecem, ao ponto que mantive a nomenclatura como proferida por todas as participantes que a assim a fizeram. 8 A implementação deste objetivo se construiu por meio de um longo percurso de pesquisa, dado que este propósito se consolidou a partir do dia 15 de junho de 2020, data esta em que a pesquisa de Mestrado, durante o Exame de Qualificação, foi indicada ao Doutorado Direto pela banca avaliadora que, na época, foi composta pelo orientador Prof. Titular Raul Borges Guimarães (UNESP), Profa. Dra. Joseli Maria Silva (UEPG) e Prof. Dr. Nécio Turra Neto (UNESP). 37 Assim, perante os processos e aprendizagens, entendi que a relação do fenômeno HIV/AIDS com a produção do espaço geográfico é muito complexa e fluida, visto que é preciso considerar a realidade social em movimento, das pessoas e seus corpos, seus contextos. Isso se justifica porque estas relações dadas são oriundas de um sistema opressor, entendendo que o espaço geográfico “não é neutro do ponto de vista do gênero, [de modo que] torna-se necessário incorporar as diferenças sociais de gênero” (SILVA, 1998, p. 108) aos estudos geográficos. Com isso, mantive o intento de realizar uma leitura adequada das situações que aconteceram durante a pesquisa, contando com as contribuições de hooks (1984), García- Ramon (1989), McDowell (1992, 1999), Rose (1993), Haraway (1995), Scott (1995), Valentine (2001, 2007), Butler (2002, 2015), Crenshaw (2002 [1991]), Silva (2004), Silva (2003, 2007a), McCall (2005), Massey (2000, 2004, 2008, 2009), Collins (2013; 2017), Akotirene (2018), Alves, Pedroso e Guimarães (2019) entre outras(os) que elucidam as posicionalidades, abordam os corpos e suas interseccionalidades, de modo que contribuem com uma interpretação geográfica que se dedica a compreender a vida das pessoas. Partindo deste pressuposto, destaco que a presente tese se apresenta organizada em 5 capítulos que priorizam o atendimento das questões apresentadas acima. O capítulo 1 - É preciso recuar para avançar: passos metodo(lógicos) – aborda as atividades de campo, sobretudo, a aproximação dos sujeitos, o estabelecimento de vínculos e a decorrente produção das informações qualitativas de forma dialógica. Também destaca os processos de sistematização dos dados qualitativos e as respectivas organizações dos relatos orais que projetam as análises discursivas. O capítulo 2 - Contexto geográfico: HIV/AIDS e políticas de saúde em Presidente Prudente, SP – realiza o esforço em apresentar e discutir o processo organizativo das políticas públicas de saúde, sobretudo o SUS e sua descentralização, como também se dedica a apresentar a organização articulada das políticas de saúde referentes ao HIV/AIDS no Brasil, ao passo que também reflete sobre a implementação dos serviços de saúde voltados ao HIV/AIDS no município de Presidente Prudente, tendo como preocupação situar seu percurso de forma contextual, ou seja, do princípio até a atualidade. O capítulo 3 - Narrativas do acontecer-mulher: a constituição e vivência dos contextos geográficos - traz contribuições teóricas e práticas que subsidiam o processo interpretativo dos contextos geográficos, ao ponto que reflete sobre as histórias e os respectivos cursos de vida de cada mulher participante, do mesmo modo que destaca os 38 principais acontecimentos vividos até irrupção do HIV/AIDS, o que possibilita o raciocínio conjunto das etapas de vida (infância e juventude) que evidenciam as interseccionalidades, relações e interações por meio do encontro das narrativas. O capítulo 4 - Caminhar, construir e ressignificar: transições interseccionais das mulheres e seus contextos - oferece interpretações empíricas e teóricas acerca de temas presentes na realidade das mulheres, uma vez destaca aos principais acontecimentos, pontos de inflexões, transições e interseccionalidades que se estabelecem entre o individual e o coletivo, de modo que salienta as violências e vulnerabilidades presentes no movimento dos contextos geográficos, sobretudo, aqueles atinentes à vida adulta. O capítulo 5 - Contexto geográfico e HIV/AIDS: o que há entre o normal e o patológico? pauta as contribuições acerca do normal e do patológico junto às interpretações geográficas, de modo que toma como base as análises dos discursos evocados pelas mulheres à luz da normatividade vital, uma vez que estes permanecem centrados na compreensão do processo de saúde-doença. Portanto, é neste sentido que me coloco como parte deste trabalho, não só pela responsabilidade em realizá-lo, mas também por estar atento ao que me afeta, por ser parte da minha história corporificada, que mantém conexão com as vivências, alegrias e sofrimentos de outrem junto as minhas feridas pessoais. Com esta ação, expresso que o protagonismo registrado no texto aparecerá de forma articulada, havendo momentos que serei em primeira pessoa o interlocutor da discussão, como haverá momentos que serei apenas leitor, interprete e ouvinte das narrativas presentes junto às teorias organizadas. Por assim ser, despeço-me, com um “até breve”! 39 Cap. 1 40 Capa Entre olhos e bocas Palavras e pensamentos Vontades que não são poucas Atenção aos movimentos No se perder é que fez parte Cair e levantar são dilemas da arte Diferentes caminhos como processo Fazendo meu [re]vigor enquanto me avèsso Observado constante, participação imergida Pelas meninas e menino em tarde florida Naquilo que se ouve e se diz Que outrora foi triste e agora é feliz Cortou e costurou diversas memórias De perto e de longe no tempo-espaço [Re]contador [re]contante de histórias Agora imortalizadas em folhas de almaço Tardes de encontros Mateus Fachin Pedroso, Presidente Prudente, SP 41 PRÓLOGO... O primeiro movimento deste capítulo se dá por meio da evidenciação de trechos do Diário de Campo da pesquisa, altamente representativo no que tange as questões metodológicas da tese. Posto isso, **inicio este relato tratando sobre a minha apreensão e felicidade ao iniciar esta nova etapa profissional, acadêmica e também pessoal, que foi tão aguardada e imaginada; o realizar da pesquisa na Pós-graduação. Foram muitas noites de sono perdido em decorrência de férteis pensamentos dedicados ao desconhecido, pois eu não sabia o que viria pela frente. Hoje, me encontro ansioso, principalmente, pelo fato de as mulheres terem aceito participar da pesquisa. Isso me fez pensar: quem seriam essas mulheres? Quais seriam suas aparências? Seus traços e histórias? Foram tantas questões imaginadas que fui vencido pelo sono. Já no dia seguinte, chegou a hora, me dirigi até a APPA (Associação Prudentina de Prevenção à AIDS) para o encontro que fora previamente combinado pelas coordenadoras do grupo. Agendamos para às 14:00 horas. Me preparei e segui e, foi então que me percebi suando frio aos 34°C prudentinos no realizar do costumeiro percurso, sempre trilhado pela Avenida 14 de setembro, especificamente, pelo Parque do Povo que chega até a Avenida Manoel Goulart, ponto em que tomo direção para a APPA. Geralmente o percurso de casa até a APPA leva em torno de 15 a 18 minutos de caminhada, o que torna possível observar diferentes elementos, como por exemplo, as pessoas, o comércio e parte do movimento da cidade. Hoje em específico, estava tão ansioso e preocupado com o acontecimento empírico que meus pensamentos voavam enquanto caminhava. Quando percebi, já estava próximo ao Museu, bem pertinho da APPA. Ao chegar me aprontei e verifiquei uma última vez para ter a certeza de que tudo estava em ordem. Respirei fundo, entrei e, de imediato, fui recebido pela ‘J’ (Psicóloga da instituição), que me aguardava para conduzir minha apresentação ao grupo. Nesse momento meu coração estava na boca, pois não sabia o que iriam pensar de mim, quais seriam as primeiras impressões. Rapidamente nos cumprimentamos e durante estes instantes nos dirigimos até o pátio, onde as mulheres se encontravam sentadas à mesa. Houve uma rápida troca de olhares em minha direção e, então, percebi que já havia uma conversa em curso. Assim, fui apresentado e antes mesmo que alguma coisa fosse dita por mim, que qualquer discurso fosse feito, surge a indagação em tom de empolgação e desconfiança: “Esse é o moço que quer nos acompanhar?”. 42 Eu estava tão nervoso que neste momento somente consegui acenar positivamente com a cabeça e sorrir, foi o único movimento que expressei pois estava petrificado. Consequentemente, recebi sorrisos desconfiados e olhos atentos como resposta, como se eu fosse o amigo de alguém que fora levado à uma festa sem ter sido convidado pela(o) aniversariante. Mesmo com essa sensação segui adiante e me sentei próximo ao grupo aguardando para que fossemos todos chamados para o início das atividades. Neste momento somente conseguia pensar em como deveria agir, e isso acabou me deixando mais tenso e, entre tanta tensão me surge o pensamento: Será que eu estou me sabotando por conta do nervosismo? A partir disso tentei relaxar e, então percebi que estava sendo observado pelos diferentes cruzamentos de olhares que, consequentemente, geravam sorrisos acanhados. Isso me proporcionou alívio, pois, percebia a curiosidade relacionada a minha presença, possibilitando o entendimento de que mesmo se tratando de uma situação nova para todos, não havia rejeição pelas partes envolvidas, o que me trouxe certa segurança. Logo em seguida, fomos chamados para o local onde os encontros ocorrem e, novamente fiquei tenso (risos). Caminhamos até a sala e ao chegar me deparei com um ambiente muito alegre e decorado, com paredes ilustradas por desenhos de cores vivas. De fato, um espaço aconchegante. A sala dispunha de uma prateleira que organizava alguns livros na parte inferior e na parte superior alguns artesanatos, sobretudo, as bonecas produzidas pelas(os) assistidas(os) da APPA que participaram da oficina de artesanato com garrafa pet, como me explicou ‘A’ (Assistente Social responsável pelo grupo) ao notar minha atenta observação. Ainda no sentido de disposição do ambiente, a sala tinha uma grande mesa retangular ao centro, rodeada de cadeiras, nas quais todas se acomodaram. Eis que então me surgiu uma dúvida: Será que me sento à mesa com elas? Onde posso melhor me arranjar? E, uma vez mais a resposta não partiu de mim, vi que um lugar havia sido separado. Sentei-me ao meio da mesa, uma posição na qual era possível contato visual com todas as participantes. Isso fez com que me sentisse “abraçado” pelos olhares de cada uma. A experiência de me sentar à mesa junto a elas foi uma constante, foi crescente, cada vez maior ao decorrer dos minutos que se passaram nesses momentos iniciais marcados pelo silêncio. Tomados os lugares, iniciou-se conversas sobre o final de semana que se passou, sobre o cotidiano e rotinas que mencionavam diferentes esferas, como trabalho, passeio, família, igreja, etc. Foi inevitável não reparar o brilho nos olhos de cada uma quando falavam de seus 43 filhos... os sorrisos espontâneos me deram saudades da minha casa, dos meus pais, da minha família. Após esta breve conversa e esse efêmero sentimento saudoso de minha parte, foram iniciadas oficialmente as atividades e, consequentemente, fui convidado a me apresentar e falar sobre minhas iniciativas e intenções com o projeto. Neste momento, tive a preocupação em expor primeiramente quem sou, de onde vim e os diferentes porquês da proposta, de modo que tentei ao máximo realizar uma fala objetiva e compassada, sobretudo no que se refere aos motivos de estar junto ao grupo. Feito isso, vale ressaltar que fui muito bem recebido pelos olhares, expressões, acenos e gestos que criavam interlocuções e entendimentos. Ao fim da minha breve apresentação houve até mesmo aplausos, o que me deixou totalmente desconcertado. Sentia meu rosto quente e, possivelmente, vermelho de vergonha. Dado este primeiro grande passo, ‘A’ (Assistente Social) e ‘L’ (Psicóloga) retomaram a palavra em sentido complementar à minha fala e, posteriormente, se dirigiram para as ações programadas. Contudo, mesmo antes do início das atividades, os acontecimentos fizeram-se maiores e mais importantes. Então, foi iniciada uma conversa sobre alguns eventos que estão acontecendo na cidade, como a estadia do circo, por exemplo. O estabelecimento desse diálogo enquanto uma necessidade me chamou a atenção, pois, se trata de uma característica bastante presente no grupo, a de privilegiar as vozes dessas mulheres para que elas compartilhem seus cotidianos, suas dores e conquistas que se fazem presentes no acontecer da vida. Posteriormente, entendi que essas ações fazem parte da construção do autodesenvolvimento delas enquanto sujeitos individuais e coletivos, como me explicou ‘L’ ao falar brevemente sobre a proposta do grupo. Como todo diálogo, os assuntos foram sendo tecidos e cambiados por elas, de modo que me mantive atento enquanto ouvinte. Nesse trânsito de assuntos, me chamou a atenção o relato de Bonet sobre a igreja que frequentava e os acontecimentos pós-culto, dado que ela relatou de forma indignada sobre a comercialização de alimentos durante e após o culto. Para ela, tal ação configurava uma grande falta de respeito com o espaço religioso, bem como situações de constrangimento, como relatou: “Como que a gente faz indo na igreja com as crianças pequenas e eles vendendo isso? Nem todo mundo tem condição de comprar!”. Tais colocações fomentaram uma sensação de não-aprovação coletiva perante o episódio relatado. Após isso, houve uma troca de experiências e estratégias para contornar tal situação, e assim, o assunto se direcionou especificamente aos filhos, havendo breves relatos sobre os comportamentos e características de suas “crianças” (alguns já adolescentes e adultos), o que 44 possibilitou que cada uma apresentasse suas experiências sobre a maternagem, ainda que de forma breve. Na construção do diálogo, o assunto retorna para a igreja e um relato é dado por Tammie sobre a importância da religião na recuperação da depressão vivida; ponto este que me chamou a atenção. Foi uma breve explanação que, inicialmente, tocou neste ponto específico e depois desaguou na vivência com o marido e suas relações que, por sua vez, trouxeram questões de gênero e poder a partir da seguinte fala: “Quando meu marido está conversando com os amigos dele eu nem fico perto, porque é conversa de homens”. A fala de Tammie evocou o sujeito “homem/marido” para o diálogo, ação que estimulou outras manifestações e relatos sobre a situação marital, permitindo que todas expressassem as situações de seus maridos e famílias. A conversa foi estendida com mais compartilhamentos e falas sobre suas vidas, sobre alguns momentos marcantes e difíceis que, majoritariamente, evocaram a figura de “Deus” na posição de provedor de misericórdia e conforto, o que destacou a fé dessas mulheres enquanto elemento expressivo. Isso me chamou bastante a atenção dado que elas não pertencem a mesma igreja/religião. Algo realmente interessante. Com todo esse diálogo, a atividade programada não foi desenvolvida e as horas se passaram rapidamente. E, quando me dei por conta já estávamos ao fim do encontro, quando há oferta do lanche, momento que caracteriza a atmosfera de confraternização do grupo, já que é nessa relação que se expressa de forma verbalizada o amor entre elas. Estas interações afetivas também se fizeram presentes durante as despedidas, uma vez que me foi relatado a seguinte afirmação por Zahara: “Você vai ver que aqui nós chegamos tristes e saímos felizes”. Assim sendo, me despedi de todas sob olhares receptivos que se demonstravam interessados no próximo encontro, ansiosos por interações e aproximações, mas ainda cautelosos. Encerrado esse momento inicial e rico, retomei o trajeto para casa. No caminho de volta, com um pouco mais de calma, comecei a refletir sobre tudo o que havia acontecido, sobre as falas, momentos, emoções, tensões e experiências compartilhadas, entendendo que as expectativas foram superadas. Nesse movimento, também me coloquei a refletir sobre meus inúmeros privilégios que, por vezes, passam despercebidos pela forma desigual que nossa sociedade é organizada. Para além dessas questões proporcionadas pelo encontro, também se faz necessário o destaque para os afetamentos presentes nesta tarde, que me proporcionou aprender com estas mulheres outras realidades sobre a vida, fato este que não encontramos nem mesmo nos mais 45 renomados livros da academia. Por tais motivos, acredito que hoje se inicia uma nova fase de aprendizado e formação que, não desconsidera, mas, ultrapassa os limites acadêmicos. Estou falando sobre o processo de formação humano e pessoal que se encontra em relação, estou falando sobre a possibilidade de colocar tudo isso no papel**9 (Diário de campo, 03 de maio de 2018). 1.1. Primeiros passos da pesquisa: do pensar ao proceder Como pode se observar nas sentenças descritas acima, interagir com as experiências das mulheres é algo realmente complexo, pois são elaborações que emergem do real e apresentam outras necessidades de entendimento, sobretudo as que estão ligadas ao cotidiano, já que automaticamente implicam na forma como é organizado e produzido o conhecimento, uma vez que não se trata da idealização do real, mas sim de uma emersão que advém da realidade10 (LUKÁCS, 1991). É sob esta perspectiva que a compreensão do HIV/AIDS relacionada ao gênero e saúde à luz da Geografia nos exige como desafio outras formas de pensar o espaço-tempo. Destarte, propomos ao longo desta tese a construção do contexto geográfico compreendido a partir das falas evocadas sobre as condições vivenciadas pelos sujeitos em sociedade. No presente caso, o que denominamos aqui de contexto geográfico é a realidade evocada pelas vozes das mulheres que contribuem enquanto forma de compreensão real focalizada no fenômeno do HIV/AIDS, uma vez que considera as múltiplas determinações temporais