PAULA CARPINETTI AVERSA PASSAGENS: encontros em artes, produções de vidas Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do título de doutor em Psicologia (área de conhecimento: Atenção Psicossocial e Políticas Públicas). Orientadora: Profª. Drª Elizabeth M. F. Araújo Lima ASSIS 2018 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – Unesp A953p Aversa, Paula Carpinetti Passagens: encontros em artes, produções de vida / Paula Carpinetti Aversa. Assis, 2018. 170 p. : il. Tese de Doutorado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Orientador: Drª Elizabeth M. F. Araújo Lima 1. Subjetividade. 2. Arte. 3. Oficinas. 4. Saúde pública. I.Título. CDD 616.8914 Para os meus pais, Nelson e Célia Também para meus filhotes sempre vivos em mim: Pou, Dê e Duda e porque a vida ainda vive em Gragra, Lou Salomé, Baruch, Frido e Josephine (Zozô). Agradecimentos São inumeráveis os agradecimentos ... Inumeráveis encontros que a vida me proporcionou: alegres e outros nem sempre tão bons, mas intensos, marcantes. Desta forma, vou elencar aqueles que diretamente contribuíram para esta tese. Inicialmente, agradeço muito e sempre minha orientadora, Elizabeth Araújo Lima, pela sua paciência, generosidade e cuidado comigo, sempre acreditando que algo de potente podia sair de mim. Sem dúvida, não teria tido (e nem queria ter tido) orientadora mais sensível, delicada e competente como ela. Com todo meu coração, grata por tudo, Beth. À banca examinadora por ter atendido tão prontamente o pedido e por ter compreendido os atropelos e tropeços do percurso de um doutorado: Prof. Dr. Rafael de Oliveira Rodrigues, Prof. Dr. Roberto Duarte Santana Nascimento, Prof. Dr. Cristiane Mesquita, Profa Dra. Marília Aparecida Muylaert, Prof. Dr. Silvio Yasui, Prof. Dr. Fernando Zanetti e Profa. Dra. Adriana Barin de Azevedo. Grata pelo interesse, disposição e generosidade na contribuição desta tese. Evidentemente, agradeço a cada um do nosso grupo de orientação e agregados, a cada um dos meus sense8: Lívia, Ju Aleixo, Gilson, Tanya, Ju Araújo, Guilherme, Rafael, Taís, Monique e Clayton. Somos bem mais do que oito, mas isso é só um detalhe ... Um detalhe maravilhoso, por sinal. Os entendedores entenderão ... Lívia: alegria, leveza, pura poesia. Ju Aleixo: sorrisos, experiente e dançante. Gilson: enólogo, olhar interessado e sempre trazia casos ou situações muito intrigantes. Tanya: bela em tudo, corpo musical. Ju Araújo: nossa pequena grande clínica, de uma inteligência tão sensível de arrebiar. Guilherme: elétrico de tão doce que é, um carinho. Rafa: nosso braço ESQUERDO. Sempre afetuoso: ele faz, sabe e acontece (sobretudo em assuntos tecnológicos), um mágico. Taís: sempre nos alimentado em todos os sentidos, principalmente no literal. Disponível, abraço caloroso. Monique: querida do tipo frágil-forte. Clayton: andorinha. Voa, Clayton, voa ... Também agradeço outro grupo de sense8 que não se conhecem, mas quando se conhecerem, vai ser um acontecimento explosivo (não são sussurros, fiquem tranquilos. Explosivo de arrebatador de tanto afeto que vai circular. Paula Montenegro: como pode ter no mundo um ser tão legal? Só sendo a minha filha mesmo ... Só que não, mas muitos achavam e me dava tanto orgulho isso, porque ela é tão guerreira, forte e delicada. Para sempre minha amiga-filha. Bruno Mariano, outro amigo-filho. Tão alegre, agregador, cuidadoso e respeitoso com os outros. Lindo de ver! Obrigada por todxs do meu jardim poço-caldense: Adeline, Maria Célia, Lucas, Bia, Laísa, Rebeca, Isabel, Guilia, Bruno, Carlinha, Kat, Cadu, Cintia, Lara, Isa Gouvêa, Jéssica, Laís, Tainara, Ana Flávia, Duda, Brenda, Jonathan, Luysa, Loessa, Andreia Negrão, Michelle “Pandora”, Isabela Ruiz, Cristofer e Bianca Romano, Vanessa Lima, Luan, Ana Chaves, Tamay, Adriana, Lidiane, Amanda, Maysa, Kenia, Maria Fernanda, Érika, Mateus, Camila, Thaís, Helena, Bernadete, Ezio, Sirlene e Manu. Porque são essa Gente Humana ... E gente assim é para ser feliz! Essa gente conhecida em de Poços de Caldas é para brilhar! Gratidão por essas flores singulares por fazerem parte da minha vida, por me acolher e fazer Poços de Caldas um lugar bonito para se viver, um território de existência. Também agradeço pelo presente inusitado de Gabi Acerbi em minha vida: linda, sorridente, inteligente, ávida por conhecer e por não conhecer ... Sempre aberta à vida! Ao amigo-irmão Cristiano Andrade, pelo coração largo e afetuoso e presente sempre, grata por toda força e colo em momentos mais difíceis. Celso Patelli, Lívia Malaquias, Bárbara, Carol, Anderson e demais trabalhadores do CRAS Leste II que tanto me ofereceram suporte neste percurso tortuoso de pesquisa. Muito grata! Obrigada ao corpo docente da Pontíficie Universidade Católica – PUC Minas/ campus Poços de Caldas – pelas oportunidades que me foram abertas e por confiar em meu trabalho. Ao Rudra, ser amoroso que me ensinou a respirar ... Ato fundamental para se viver! Me ensinou também a massagear o coração, me dando luz simbólica e literalmente! Namastê! Também agradeço a Carla Albino por me fazer parar e me passar energia para me fortalecer ... Pelo cuidado, carinho e torcida. Vibrando sempre, não só para mim, mas para o mundo. À Juliana Di Lorenzo, agradeço pela amizade e carinho. Pelo olhar aguçado e sensível que vê beleza em tudo, ajudando a registrar um momento muito intenso de uma das nossas proposições (experimentações) artísticas que a pesquisa realizou. Ao Paulo Tothy, pela disponibilidade, carinho e pelo poder de captar o que desejava visual e graficamente em meu trabalho, realizando e entrado na viagem e enriquecendo-a, abrindo possibilidades. Também agradeço enormemente. Agradeço a um anjo do Win Wenders, uma flor angelical, a revisora Ana Godoy, que acolheu minha escrita como se fosse um bebezinho e com muita delicadeza, cuidado e firmeza no que estava fazendo, a fortificou e me encorajou a levá-la para vida tal como ela é. Afinal, pensando espinosiamente, tudo é perfeito em sua singularidade. Agradeço ao Daniel Ribeiro, pelo o que pôde e como pôde fazer por mim ... No que pôde, foi maravilhoso ... Com todo o coração, grata. Às minha amigas-irmãs: Tatiana Benevides, Luciana Moraes e Thaís Goldstein pela grande força que sempre me dão, por andarmos sempre de mãos dadas ainda que, por vezes, não fisicamente. Ao meu querido amigo Ricardinho e Antônio, que alegram sempre meu coração. Em especial, agradeço à Tatiana Benevides: amiga extremamente inteligente, amorosa e generosa. Humana e forte e sempre disponível para todxs. Uma fortaleça! Que se desdobra em mil para ajudar todxs que estão à sua volta. Grata! Grata! Grata! Agradeço toda à minha família: tixs e primxs. Principalmente ao meu vô Luiz, pela generosidade e força: lembranças amorosas sempre marcada em meu corpo para sempre. Vó Quita, pela doçura e lindeza sem fim e pelo amor largo e profundo que sinto sempre perto de mim. Te amo, minha princesa! Meu pai amado ... Sem palavras. Você é meu tesouro! Meu tesouro de bondade, força e proteção. Mãe amada, minha fortaleza, meu abraço eterno. Lembre-se sempre que a primeira coisa que eu pedi quando saí da anestesia de uma operação foi: “eu quero minha mãe”. Pai e mãe, fiquem sempre do meu lado! Leandro, meu irmão, pela generosidade e força. Lê, vejo em você o nosso vô Luiz ... herança preciosa. Tânia, por suas palavras e gestos sempre acolhedores e encorajadores. Henrique e Vitor, meus sobrinhos lindos: os quero sempre alegres e intensamente vivos. Obrigada ao Gragra, meu irmão-cão, tão amigo, tão companheiro, com tanto carinho ... Amo todxs vocês! Com muito amor e saudades, agradeço por terem me acompanhado nessa vida: Pou, Dê e Duda. Lembro do jeitinho de cada um, da maciez e brilho dos pêlos, do peso de cada um quando os pegava no colo ... Dos miados e, principalmente, dos ronronados que me acalmavam e ajudavam a dormir. Sempre estaram em mim ... Agradeço ter encontrado outros amores felinos, seres que me ensinam tanto: Lou Salomé, Baruch, Frido e a pequenina Zozô: presentes da Pou, Dê e Duda para mim. Em especial agradeço muitíssimo xs participantes da nossa oficina de artes, fazendo dela um lindo jardim cheio de diversidades. Conhecê-los foi muito enriquecedor. Pessoas- flor de uma beleza ímpar. Prazer em trabalhamos juntxs no nosso Coletivo Diversos Muitas. À Secretaria de Cultura de Poços de caldas, principalmente à Ângela e ao Hudson, por terem aceito o pedido de realização da pesquisa no CEU Jd, Itamaraty IV. Aos funcionários da pós-graduação do Departamento de Psicologia da UNESP – Assis, também agradeço pelo acolhimento, competência e prontidão para nos oferecer sustentação no processo do doutorado. Por fim, à CAPES pela bolsa que garantiu a construção da presente tese. AVERSA, PAULA CARPINETTI. PASSAGENS: encontros em artes, produções de vidas. 2018. 202 f. Tese (doutora em Psicologia) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual de São Paulo “Júlio de Mesquita”, UNESP, Assis, 2018. Resumo A partir da perspectiva teórica dos chamados filósofos da diferença e da composição metodológica entre a Cartografia e a Bricolagem, a presente tese intentou acompanhar os processos de criação dos participantes de uma oficina artística voltada para os conhecimentos das artes visuais/plásticas e orientada pelos saberes da Arte/Educação contemporânea, um dos campos do universo artístico que estuda os fundamentos do ensino das artes e que procura articular o fazer, o expressar e o refletir nas práticas artísticas. Através do acompanhamento desses processos criativos, pretendeu-se refletir sobre os efeitos subjetivos que o contato com as artes pôde proporcionar aos seus participantes, na medida em que, a oficina aspirava proporcionar condições de experiência estética e de enlace social, na medida em que entendíamos a oficina como território de existência; configurando-se, desta forma, como um dispositivo de produção e/ou fruição de objetos artísticos, de acontecimentos, de encontros e de subjetividades. A oficina como espaço que abrigava obras em potencial. A oficina ocorreu no Centro de Cultura e Esportes (CEU) do Jardim Itamaraty V em Poços de Caldas (MG), entre 2015 e 2017. Esse território de existência tratou-se de um espaço de ampliação e adensamento da experiência estética como estratégia para a promoção de uma maior acessibilidade ao campo das artes e convivência entre seus participantes – que por múltiplos fatores (sociais, econômicos e culturais, experiências singulares de vida) – vivem em condições de marginalidade ou vulnerabilidade social. Desta maneira, a oficina em questão ao aproximar práticas artísticas estéticas de práticas clínicas apresentou-se não só como território de produção e fruição de obras ou objetos artísticos, mas também como invenção de novos devires, novos encontros, novas composições de modos de vidas, saúdes e subjetividades, sobretudo no que se refere a sexualidades e gêneros. Corroborando, assim, com a ideia de Estética ou Arte Relacional (amplamente explorada por artistas contemporâneos) que entende um regime de encontro casual intensivo que coloca a arte no horizonte das interações humanas e seu contexto social, uma configuração artística coletiva cujo fundamento é dado pela intersubjetividade e como questão central o estar-junto. Palavras chave: Subjetividade. Arte. Oficina. Saúde Pública. AVERSA, PAULA CARPINETTI. PASSAGES: encounters in the arts, productions of lives. 2018. 202 f. Thesis (PhD in Psychology) - Faculty of Sciences and Letters, State University of São Paulo "Júlio de Mesquita", UNESP, Assis, 2018. Abstract Cartography and bricolage, an attempt to follow the processes of creation of the participants of an artistic workshop directed to the knowledge of the visual / plastic arts and oriented by the knowledge of art Contemporary education, the studies on the fundamentals of the teaching of the arts and the search, articulate the doing, and the concept in the artistic instances. Behind to reverse the creative processes, we wanted to reflect on the subjective effects that the contact with the arts affect its participants, inasmuch as a service aspired to the conditions of aesthetic and social experience of liaison, insofar as we understood a workshop as a territory of existence; thus becoming a device for the production and / or enjoyment of artistic objects, events, encounters and subjectivities. A workshop as a space that housed potential works. The workshop took place in the Center of Culture and Sports (CEU) of Jardim Itamaraty V in Poços de Caldas (MG), between 2015 and 2017. This area of existence was a space of expansion and consolidation of aesthetic experience as a strategy for the promotion of greater accessibility to the field of arts and coexistence among its participants - that by multiple factors (social, economic and cultural, unique experiences of life) - live in conditions of marginality or social vulnerability. In this way, the workshop, in approaching aesthetic artistic practices, presented itself not only as a territory for the production and enjoyment of works or artistic objects, but also as the invention of new devires, new encounters, new compositions of lifestyles, health and subjectivity, especially with regard to sexuality and gender. Thus, with the idea of Aesthetics or Relational Art (widely explored by contemporary artists), it understands a regime of intensive, casual encounter that places art on the horizon of human interactions and its social context, a collective artistic configuration whose foundation is given by intersubjectivity and as the central issue the being-together. Abstract: Subjectivity. Art. Workshop. Public Health. PESAR DO MUNDO pesar de tudo pesar do peso pesar do mundo sobre si mesmo pesar de nuvem pesar de chumbo pesar de pluma pesar do mundo desponta estrela no vão imenso por ti suspenso à tua espera tudo se afronta pedra com pedra a própria onda quando se quebra a melodia onde me leva onde alivia onde me pesa E nesse quando tudo se agita somente um ritmo durante a queda peso e balanço o que sustenta um som legítimo a nossa terra? canção sem medo de você pra mim ó meu segredo te rezo assim: desde o princípio ao ponto cego eu arremesso um eco sem fim (CAETANO VELOSO, ZÉ MIGUEL WISNIK) Sumário 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 3 2 DE ONDE SE PARTE / O QUE SE LEVA ............................................................................ 6 2. 1 Deslizamentos: arte e vida .................................................................................................... 7 2.2. Da representação à apresentação: as vanguardas artísticas ................................................ 13 2.3 Arte Contemporânea: exploração das conquistas das vanguardas ..................................... 24 2.4 Arte Relacional ................................................................................................................... 35 2.5 Arte, vida, imanência, acontecimento ................................................................................. 38 2.6 Oficina – território de existência (dispositivo de produção de encontros, obras e subjetividades ............................................................................................................................. 44 2.7 Composições metodológicas: enlace entre bricolagem e cartografia ................................... 52 3 ONQOTÔ? [onde estou?] ................................................................................................... 59 3.1 Do CEU ao CRAS: precariedade, território de existência e o comum ................................ 59 3.2 Antes: outro desvio ............................................................................................................. 62 3.3 Vulnerabilidade: resistência e criação ................................................................................. 66 3.4 À deriva ............................................................................................................................ 100 3.5 Temas emergentes: Agenciamentos, Fluxos e conexões – sexualidade e gênero ............ 104 4 QUEMCOSÔ? [quem que eu sou?]: EXPERIMENTOS/ PROPOSIÇÕES .................... 109 4.1 #Perfomance: Mínima diferença ....................................................................................... 106 4.2 #Perfomance (Des)corporando-se: corpo/terra – sobre corpos e encontros ....................... 118 4.3 #Perfomance: Casal Arnolfini desconstruído visita Poços de Caldas ............................... 130 4.4 #Colagens/Assemblages - o imprevisível .......................................................................... 138 4.5 #Instalação: Quadro Interativo: Identidades??? ................................................................ 151 4.6 #Deslocamentos para outros possíveis - Bienal de São Paulo 2016: Incerteza Viva ........ 153 4.7. #Como se mostra o que se mostra? ................................................................................... 157 4.8 #Não há obra sem espectador: Exposição do Coletivo DiversosMuitas .......................... 161 5 PROCONVÔ? [para onde vou?]: UM POSSÍVEL .......................................................... 168 6 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 174 7 ANEXOS ................................................................................................................... 181 INTRODUÇÃO “Bem sei que é assustador sair de si mesma, mas tudo o que é novo assusta” (Clarice Lispector) Este trabalho de doutorado apresentou rumos inusitados, mudando um pouco os contornos iniciais do projeto. Partiu-se de uma proposta que buscava refletir sobre a interface Saúde Mental e Arte, a partir dos princípios que norteiam a Reforma Psiquiátrica, que incentiva as práticas extraclínicas e busca pulverizar os espaços tratamentos em lugares de vida, entendendo assim que a atividade artística (seja ela qual for: teatro, dança, música...) é humana e cultural antes de ser terapêutica. Estes norteadores se mantiveram numa experiência de oficina de artes plásticas que se efetivou para além dos espaços da Saúde Mental, em regiões precarizadas de uma cidade do interior de Minas Gerais. A partir da perspectiva teórica dos chamados filósofos da diferença e da composição metodológica entre a cartografia e a bricolagem, a presente tese intentou acompanhar os processos de criação dos participantes de uma oficina artística voltada para os conhecimentos das artes visuais/plásticas e orientada pelos saberes da Arte/Educação contemporânea, um dos campos do universo artístico que estuda os fundamentos do ensino das artes e que procura articular o fazer, o expressar e o refletir nas práticas artísticas. Através do acompanhamento desses processos criativos, pretendeu-se refletir sobre os efeitos subjetivos que o contato com as artes pôde proporcionar aos seus participantes, na medida em que, a oficina aspirava proporcionar condições de experiência estética e de enlace social e entendíamos a oficina como território de existência; configurando-se, desta forma, como um dispositivo de produção e/ou fruição de objetos artísticos, de acontecimentos, de encontros e de subjetividades. A oficina como espaço que abrigava à todas e todos e às obras em potencial. A oficina ocorreu no Centro de Cultura e Esportes (CEU) do Jardim Itamaraty V em Poços de Caldas (MG), entre 2015 e 2017. Esse território de existência constituiu-se em um espaço de ampliação e adensamento da experiência estética como estratégia para a promoção de uma maior acessibilidade ao campo das artes e convivência entre seus participantes que - por múltiplos fatores (sociais, econômicos e culturais) articulados em suas experiências singulares de vida – experimentam condições de marginalidade ou vulnerabilidade social. Desta maneira, a oficina em questão ao aproximar práticas artísticas estéticas de práticas clínicas apresentou-se não só como território de produção e fruição de obras ou objetos artísticos, mas também como invenção de novos devires, novos encontros, novas composições de modos de vidas, saúdes e subjetividades. Corrobora, assim, com a ideia de Estética ou Arte Relacional (amplamente explorada por artistas contemporâneos) que entende um regime de encontro casual intensivo que coloca a arte no horizonte das interações humanas e seu contexto social, uma configuração artística coletiva cujo fundamento é dado pela intersubjetividade e tem como questão central o estar-junto. Partindo das reflexões acima, esta tese de doutorado pretendeu elaborar, organizar e ofertar uma espécie de laboratório: uma oficina artística que, ancorada nas metodologias da arte/educação, possibilitassem os participantes a produzir e fruir arte. Abordando a oficina como um campo de experimentação artística em si, este trabalho visou, assim, acompanhar e alimentar os processos criativos dos participantes - usuários de serviços de saúde mental, usuários de centros de assistência social ou frequentadores do CEU onde se deu o trabalho - em um trabalho prático-reflexivo que buscou registrar seus percursos no campo das artes visuais/plásticas e os efeitos subjetivos que essa atividade pode produzir em seus participantes, refletindo sobre como o conhecimento artístico pode contribuir para a vida. Em seu fazer-se como grupo/coletivo de artistas instaurou um jardim de flores singulares em que o estar junto, movido pelos afetos, pôs à mostra a força da rede, das conexões que nos fortalecem. Convido à leitura deste percurso de pesquisa tortuoso de um corpo apaixonado (repleto de momentos alegres e tristes, acontecimentos sobre os quais pude refletir e, a partir disso, inventar), que de algum modo foi um processo de “cura”, experiência pela qual não passei incólume, transformando-me profundamente. Razão pela qual espero ter afetado de alguma forma a vida daqueles que se dispuseram a participar das oficinas. DE ONDE SE PARTE / O QUE SE LEVA “Tenho apenas duas mãos e o sentimento de mundo” (Carlos Drummond de Andrade) Para compreendermos essa interface entre Arte e Clínica, entrelançando, principalmente, Arte Relacional e Acontecimentos (conceitos trabalhados ao longo da tese), faz-se necessário apresentar as conexões do campo da Arte e as articulações teóricas com os conceitos (ou melhor, a caixa de ferramentas) dos assim chamados filósofos da diferença (recorrendo, principalmente, à Deleuze, Guattari e Foucault), pensadores que foram contaminados – no melhor sentido do termo – por outros grandes pensadores como Espinosa e Nietzsche. Desta forma, além das leituras de textos e livros destes autores e de outros do universo artístico – sobretudo teóricos como Bourriaud e Laddaga, mas também de artistas como Duchamp, Frida Kahlo, Joseph Beuys, Gordon Matta-Clark, Sophie Calle, Yves Klein, Oiticica, Lygia Clark, Grupo Fluxus, Hirschhorn, Marina Abramovic entre outros, e conhecendo História da Arte e as técnicas artísticas, fui à campo. Sem material adequado para realizar as oficinas, sem material mínimo como papel e lápis, encontrei um CEU1 também sem nenhum recurso. Essas e outras questões relacionadas aos equipamentos públicos e à vulnerabilidade social das pessoas deste entorno (periferia de Poços de Caldas) será mais explanado no capítulo intitulado Ônqoto. De qualquer maneira, saiu-se a campo com um repertório teórico ainda em processo de apropriação com os aprofundamentos de leituras e sem material que a tradição chama de artístico (lápis, tesoura, papel, argila, tinta etc). Mas de onde se partiu, o que se levava, ia além desse repertório teórico e técnico indicado acima que, apesar de importantes, não eram suficientes (já que a oficina pretendia ensinar arte e torná-la mais acessível para um público historicamente margilizado, com a finalidade de produzir e fluir o campo das artes plásticas). Assim, fomos os nossos corpos, abertos e disponíveis para o encontro com as artes plásticas, para o encontro com as pessoas ímpares com quem conviveríamos na oficina Fortalecendo nossos vínculos e confiança, discutimos e pensamos aquilo que pedia passagem (principalmente um tema que emergiu com muita força e que não estava previamente 1 CEU: Centro de Esporte e Cultural Unificados, dispositivo federal sob administração dos municípios determinado: sexualidades e gêneros), tentando tornar aquela oficina comum a quem nela estivesse, um território de existência. 2.1 Deslizamentos: entre a arte e a vida “O que me surpreende em nossa sociedade é que a arte tenha mais a ver com os objetos que com os indivíduos e a vida; e também que a arte seja um campo especializado, do domínio de experts, que são os artistas. Mas a vida de todo indivíduo não poderia ser uma obra de arte? Por que um quadro ou uma casa são objetos de arte, mas nossa vida não o é?” (Michel Foucault) Os salões de arte, até o século XIX, eram a referência de prestígio e decisões para as artes plásticas, espaços de expressão e divulgação do que era produzido nos ateliers até aquela época. A obra Olympia de Édouard Manet, exposta no Salão de Paris, em 1865, sintetiza as transformações que o campo artístico estava sofrendo no turbulento final do século XIX, anunciando uma nova sensibilidade caraterística da modernidade que as vanguardas artísticas explorariam, cada uma a seu modo, evidenciando, no campo artístico, o desgaste social em relações aos valores burgueses. A arte trata do transitório, da contradição, do fugidio, do cotidiano, inusitadamente retratados nas produções artísticas da época. Será justamente a Olympia de Manet que chocará o público burguês, acostumado com os temas e pinceladas delicadas, que não deveriam chamar atenção na execução da pintura. A Olympia era “informe”, “inconcebível”, “inqualificável”, “indecifrável”; o quadro “ne s’ explique” [não se explica]. (...) não era “nem verdade, nem viva. As negativas se multiplicavam: “Ela não tem forma humana”; portanto, “nada posso dizer sobre ela e não sei se o dicionário da estética francesa oferece expressões para caracterizá-la. “Não sonho em examiná-la, em descrevê-la. Deus me livre disso”. O que significa essa pintura, por fim, e “por que se encontram essas telas nas galerias do Palais de l’ Industrie” (CLARK, 2004, p. 134-135). Apesar das duras críticas, alguns comentários amenizavam os tons raivosos e apontavam para o novo que tela expressava. Já se tratava de uma lista de excentricidades e anomalias, e talvez Manet pudesse ser nela incluído. “Pretenso realista, discípulo de Courbet”, seu Jésus era “Rafael corrigido por um Courbet de terceira categoria”; mestre e imitador eram os dois “marqueses de Sade da pintura”. A violência dessa frase não era necessariamente um indício do tom geral dos críticos: embora Courbet ainda fosse visto com condescendência em 1865, sua escola era uma parte estabelecida da cena Hortênciacesa, e até seus inimigos procuravam destacar e reconhecer o talento onde quer que ele ocoresse. Foi o que tentaram fazer no caso de Manet. Manet era um técnico habilidoso, admitia-se com frequência. Seu traço e originalidade, sua cor era maleável e mordaz (...). Sua pintura era considerada deliberadamente ousada e experimental, e com regularidade marcada por ‘uma verdade muito grande das tonalidades”; possuidora do “encanto da pureza”, caracterizava-se pelo toque, vigor e atrevimento, derivava (um pouco servilmente) de Goya, e, mesmo nos piores momentos, discernem-se fragmentos que não deixam de ser bons. (CLARK, 2004, p. 143). De qualquer forma, Olympia causou um alvoroço ao contrariar valores e convenções da época. Se a obra tinha inspiração declarada na Vênus de Urbino de Ticiano, datada de 1538, não se pode atribuir ao nu o pretexto para o tumulto e o escarcéu em torno de Olympia, uma que podemos constatar a presença do nu (tanto masculino como feminino) desde a Antiguidade. Entretanto, até então, tratava-se de um nu etéreo, que pertencia a uma esfera divina ou superior à mundana: representava a beleza e harmonia de personagens mitológicos, enquanto a obra de Manet insistia em sua materialidade. Tipicamente um personagem baudelairiano, Olympia era o retrato de uma prostituta, de uma mulher de carne, osso e sangue: viva – tema em si já bastante controverso para a sociedade burguesa da época, pois nele dinheiro e sexo se entrelaçam. Mas é a forma pictórica como este tema foi trabalhado que o tornou tão impopular: por mais controversa que fosse colocar a figura de uma prostituta no lugar de uma deusa, a maneira como essas identidades (prostituta e deusa) foram pinceladas ofereciam uma imagem exagerada, vívida demais para os padrões de então. Em Olympia, “as identidades estavam na superfície, ou sobre ela, brutal e insolitamente e sem mediação”. (CLARK, 2004, p. 154). Considerada por muitos como primeira obra propriamente modernista, em Olympia, mais do que o conteúdo a ser pintado, o destaque incidia sobre o modo com era pintado. Segundo Greenberg (apud FRASCINA et al., 1998), a arte que despontava, ou seja, a arte moderna, tinha o comprometimento em “determinar, por meio das operações que lhe são características, os efeitos peculiares e exclusivos a si própria” (DELON apud CLARK, 2004, p. 45), considerando que todas as pinturas modernas bem-sucedidas tinham em comum o fato de adotarem o plano do quadro, valorizando a superficíe e o planaridade da tela. A experiência moderna do mundo visual explicitava os elementos compositivos – como a cor e a própria superfície da tela (que incorpora e assume o plano bidimensional) – eles eram presença na obra e não meros instrumentos para se construir a imagem, sendo “objetivo da pintura é expressar, segundo a natureza dos meios à sua disposição, a sociedade que a produziu” (CASTAGNARY apud FRASCINA et al., 1998, p.55). O crítico de arte Castagnary corrobora Baudelaire, para o qual o que deveria ser trabalhado nas obras de arte do final do século XIX era a própria experiência da modernidade. Para Baudelaire, Paris era: (...) “rica em temas poéticos e maravilhosos”: a insipidez uniforme das roupas das pessoas, o fênomeno moderno do ‘dândi’ que reage contra essa insipidez, os ‘temas privados’ da prostituição e da criminalidade, o novo flâneur que passeia pela cidade ‘vegetando no asfalto’ e procurando o anonimato da multidão, um asilo para todos os que estão às margens da sociedade – econômica, social e intelectualmente (BLAKE e FRASCINA apud FRASCINA et al, 1998, p.53). O interesse da arte deslocou-se para a periferia constituindo-se no lugar, por excelência, de amplo repertório de temas tipicamente modernos: a vida boêmia, a prostituição, a vida dos operários e dos trabalhadores do campo, assim como a própria cidade de Paris inacabada, cheia de terra, lamacenta e com vestígios de demolições. O material a ser utilizado, a tela, a tinta, a pincelada eram os subsídios ativos e se compunham junto com a cena a ser retratada, fazendo parte da obra como elementos essenciais. Não se tratava mais de representar o real. Aluno de Coubert, Manet também partia da concepção de que o artista deve atrela- se ao tempo em que vive e trabalhar com aquilo que a sociedade burguesa colocava à sua margem. Para Coubert, assim como para Manet e outros artistas desta época, a arte moderna tinha como mote trabalhar com os refugos da sociedade burguesa, versando sobretudo que é transitório e contraditório em relação aos padrões normatizantes da época. Seguindo a tendência de Courbet, Manet pintava a vida no campo, as sucessões dos dias da modernidade; mas, diversamente da tradição romântico-burguesa, seus trabalhos não idealizavam uma vida pastoral tranquila, na qual a natureza era fonte constante de bem-estar e alento. Pelo contrário, sua intenção era retratar cenas do cotidiano abrutalhado, desumano, rude e empobrecido do trabalhador camponês, como na tela de 1849 intitulada Os Quebradores de Pedras. Em suas obras, Courbet evidenciava a estreita relação entre arte e sociedade, aliando-se claramente aos valores revolucionários de 1848, “lutando contra todas as formas de governo autoritário e de direito divino, desejando que o homem governasse a si mesmo segundo a suas necessidades, em seu direto proveito e seguindo uma concepção própria” (COURBET apud MICHELI, 2004, p. 12). Em A Origem do Mundo, datada de 1866, Courbet, com grande agilidade técnica, importante para os acadêmicos, chocou a moral burguesa, assumindo uma atitude crítica e corrosiva em relação a ela ao representar frontalmente as coxas e a genitália de uma mulher. Na arte, não cabia mais os valores ultrapassados de um ideal de representação de cenas religiosas ou heroicas peculiares dos valores burgueses norteados por uma razão iluministas. “A verdadeira vida está ausente. Nós não estamos no mundo”, diz Rimbaud (apud MICHELI, 2004, p. 45.), exaltando a necessidade de a arte romper com as convenções e compor com as forças que estavam fora do regime tradicional de representação artística para encontrar o vital. Ou seja, a partir das vanguardas artísticas (como veremos em algumas delas), a arte começa a se deslizar da (re)presentação para a apresentação. A Era das Luzes, na esteira do pensamento de Descartes, esforçou-se em fortalecer a razão (cogito cartesiano), afirmando que através de um método científico se chegaria à verdade, à forma correta, às regras universais do bom, do belo e do justo, acreditando na capacidade de autonomia e emancipação dos indivíduos. Supunha, desta maneira, a universalidade dos valores e do aprimoramento dos indivíduos e do mundo. A arte moderna rompia com esse ideal iluminista, com a ideia de representação que orientava esse ideal, apontando para forças irrepresentáveis, que até estão não tinham sido pensadas e que pediam passagem. Ao invés de (re)presentar o mundo, tratava-se de apresentar um mundo novo. Os valores iluministas – orientados pela razão – sintetizados nos princípios universais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, proferidos por Jean-Jacques Rousseau, e que fundamentaram a Revolução Francesa (1789-1799), instituiram uma ordem burguesa e capitalista que não mais convencia; estava por mais desgastada para os artistas modernos que buscavam uma conexão com aspectos mais imediatos e cotidianos da vida: “(...) nada de mitologia, nada de quadros de evocação histórica, nada da beleza convencional dos padrões clássicos” (MICHELI, 2004, p. 12). Ampla parte da vanguarda artística origina-se do mito do selvagem, do outro primitivo e exótico, daquele que não está tão pré-decodificado pelo plano de representação clássica. “Tornar-se selvagens: eis, portanto uma das maneiras para evadir-se de uma sociedade que se tornou insuportável. É o que Paul Gaugin também tentou fazer, dando à sua iniciativa um caráter que poderíamos dizer exemplar” (MICHELI, 2004, p. 42). Deixando sua família e uma carreira promissora, Gauguin lança-se, romanticamente, à vida primitiva ao ir primeiro para uma aldeia considerada arcaica na Bretanha e depois ao seguir para o Taiti, um paraíso perdido para o pintor. Queria fugir de tudo que considerava artificial e convencional, dedicando-se a captar o caráter espontâneo e intuitivo da arte dos povos considerados (a partir de uma perspectiva eurocêntrica) sem instrução ou refinamento, a fim de lutar com o progressivo empobrecimento da humanidade, por demais deslumbrada por uma ilusão racional. A procura viva e visceral de Van Gogh era por uma arte de intensidade expressiva. Pintar era uma ação dramática. Não apenas retratava, mas dava passagem a força do Girassol, como podemos ver nas muitas obras nas quais o artista escolheu esta flor como tema (Girassóis de 1887, Girassóis de 1888, Vaso com Girassóis de 1889, entre outras). Exprimindo suas intenções com o uso das cores, Van Gogh dirá: Procurei exprimir com o vermelho e o verde as terríveis paixões humanas. A sala é vermelho-sangue e amarelo-surdo, um bilhar verde ao meio, quatro lâmpadas amarelo-limão com brilho laranja e verde. Em todos os lugares um combate e uma antítese entre os mais diversos verdes e vermelhos, nos personagens dos pequenos vadios dormindo; na sala vazia e triste, o violeta e o azul. O vermelho-sangue e o verde-amarelo do bilhar, por exemplo, contrastam com o verdinho tênue Luís XV do balcão, onde há um ramalhete rosa. As roupas brancas do patrão, velando num canto desta fornalha, tornam- se amarelo-limão, verde pálido e luminoso (VAN GOGH, 1986, p. 201). Pelo excessivo de representações saturadas, demasiadamente pré-decodificadas, a arte moderna identifica que esse campo burguês, envolvido por concepções iluministas, não dava conta das forças da vida, do caos. Desta forma, os artistas modernos posicionam- se como resistência política aos valores e às representações burguesas, a um certo modo de viver e de subjetivação, dando passagem ao novo. Motivo pelo qual, a partir das vanguardas artísticas, foi cada vez mais ativo o interesse de apropriação das produções artísticas dos loucos, das crianças e dos chamados artistas ingênuos, como aqueles cuja condição e sensibilidade possibilitava entrar em contato com o caos, com aquilo que ainda não tinha sido capturado pela representação e dar-lhe uma forma espontânea, um outro mundo possível. Assim, a serena natureza mágica de Henri Rousseau mostrava-se como exemplar daquilo que vai se intensificar com as vanguardas artísticas: tudo que poderia ajudar os artistas a se afastar das regras de uma cultura comprometida com a representação era por eles [os artistas modernos] acolhido e utilizado. “Seus modos figurativos são livres e soltos, seguem uma fantasia sem preconceitos, são tudo aquilo que a arte oficial não era: sinceridade, pureza, instantaneidade” (MICHELI, 2004, p. 54). Interessava a eles tudo que escapava à norma e procuravam compor com aquilo que era considerado marginal à sociedade europeia da época. Livres das rígidas representações impostas, os vanguardistas marcavam para o desejo de ocupar uma exterioridade absoluta, porta-vozes das forças do caos, de uma desmedida que confronta a tradição, sua própria cultura e valores, inaugurando assim uma espécie de tensão (insolúvel) entre o novo e a tradição. A arte moderna é uma repulsa ativa cada vez mais radical contra a cultura burguesa, contra os cânones e representações convencionais, a arte moderna vai se constituindo como “aspiração a um estado de pureza, o desejo de encontram uma linguagem virgem, fora da tradição” (MICHELI, 2004, p.53). Mas implicitamente também estava rompendo com os modos de viver e de subjetivação da cultura burguesa e, por conseguinte com as teorias iluministas, com o “homem da razão/ esclarecido”, que obrigavam os sujeitos a entrar necessariamente dentro do modelo capitalista de produção; caso contrário, sofreriam (como muitos sofrem) com a exclusão, com a vulnerabilidade e a miséria. Tal como Favaretto nos aponta: As implicações de tudo [do campo da arte moderna] isto são muito grandes, afetando o mundo do trabalho, do saber, da cultura, as práticas, a sensibilidade contemporânea, dadas as transformações que atingem as formações modernas, como a individualidade, a família, o ordenamento jurídico do Estado, alógica cultural e as ilusões de livre escolha e de livre afirmação dos interesses do capitalismo. (FAVARETTO, 2012, p. 15-16). Os artistas modernos, assim como muitos outros intelectuais, apontavam para a fadiga e o desgaste do mundo, de sua repetição retirante, que impede os sujeitos de pensar. O “homem esclarecido”, fruto do Iluminismo, supostamente com total domínio das potências de sua razão, não fazia nada além de reproduzir aquilo que se convencionou chamar como verdade, belo e justo sem, no entanto, fazer o exercício do pensamento: o que está se fazendo ou dizendo ou pensando, que efeitos traz para o mundo o que se diz e o que se faz, o que produz no mundo, que mundo se cria? Podemos, assim, dizer que a arte moderna se apresenta como uma estratégia de liberdade que a arte contemporânea procurará explorar radicalmente, forjando linhas de fuga de modos de ser e viver engessados. De qualquer maneira, é essa “unidade” histórico, política e cultural das forças burguesas-populares por volta de 1848 que nos interessa sobretudo destacar neste momento, pois é exatamente a partir da “crise” dessa unidade, e, portanto, da “ruptura” desta unidade, que nasce, como dissemos, a arte de vanguarda e grande parte do pensamento contemporâneo (MICHELI, 2004, p.14) 2.2 Da representação à apresentação: as vanguardas modernas “O público deve ir ao teatro como vai ao dentista: não em busca de diversão, mas em busca de uma experiência necessária” (Antonin Artaud) Para compreendermos melhor essa passagem importante da representação para a apresentação que a arte moderna inaugura e a arte contemporânea radicaliza, acompanharemos mais de perto alguns dos movimentos artísticos de vanguarda. Como vimos: Tudo o que era bárbaro, tudo o que não era Grécia clássica, ou Renascença, ou tradição a ela relacionada atraía com uma insólita violência. O modo como os artistas se voltavam para o arcaico, o bárbaro, o folclore camponês, as civilizações pré-clássicas, nem sempre era igual e nem sempre propiciava os mesmos resultados, porém, mais uma vez, baseava-se no denominador comum da oposição à arte oficial, ou no impulso da evasão (MICHELI, 2004, p. 55). Cada um dos movimentos de vanguarda contrariava os cânones da arte tradicional de maneira muito peculiar. Dando continuidade mais radicalmente aos primitivos como Gauguin, Van Gogh, Munch e Ensor, o Expressionismo surge no horizonte artístico europeu às vésperas da Primeira Guerra, mas este movimento foi, principalmente, um fenômeno alemão, recebendo o nome de Die Brücke [A Ponte]. Os Fauves [Os Feras], nome do grupo de artistas do movimento expressionista francês, Forma-se quase simultaneamente em 1905 e desembocaram, respectivamente, no Cubismo e na corrente Der Blaue Reiter [O Cavaleiro Azul]. Em A Dança, Matisse, utilizando cores complementares e, propositalmente, distorcendo as figuras, exprime as intenções do movimento expressionista: A escolha das cores para A Dança e A Música [outra obra de Matisse] é inspirada na cerâmica e miniaturas persas que, até ao século XIII, utilizaram vermelhos, verdes e azuis puros na sua criação de superfície ornamentais. Em a Dança, Matisse recorre a um dos motivos de viver, conferindo-lhe uma nova magnitude. Os dançarinos estão de mãos dadas e formam uma roda cheia de energia, ou melhor, uma oval (a perspectiva espacial redefine a forma). A condensação estimula a dança sobre o monte. A oval inclinada para a direita sugere um movimento que corre no sentido dos ponteiros do relógio e realça a energia irregular da dança. Entre a figura à esquerda e a sua vizinha à direita existe um espaço livre. A fim de fechar o espaço e repor a roda, a mulher inclina-se para a frente, tentando apanhar as mãos que as que as outras lhe estendem, e a sua vizinha, ao esticar-se, torcer-se, amortecendo a força do movimento que a faz voltar para o fundo. O contato não está vem conseguido, deixando ao observador a tarefa de chegar ele próprio o espaço livre. O esforço da dança quase que distorce as figuras, mas trata-se de uma distorção que completa sua força de expressão. (ESSERS, 2002, p.33). De intenção anti-impressionista, isto é, enquanto estes comunicavam em suas telas suas sensibilidades ou impressões diante dos fenômenos do mundo, os expressionistas expressavam suas emoções e angústias em face de acontecimentos políticos e sociais que atravessavam toda a Europa naquele período. Assim, trata-se de uma arte engajada, de forte veia anarquista. Este movimento era formado por filósofos, escritores e artistas que pareciam intuir sensivelmente a catástrofe que estava por vir, incomodando-se com o (...) o que talvez mais incomodasse os expressionistas era aquele tom de felicidade, de sensível hedonismo, de “leveza”, próprio de alguns impressionistas (...). A bem da verdade, nessa “felicidade”, que ignorava os problemas que turbilhonavam sob a calma aparente da organização social, manifestava-se em última análise a progressiva separação do expressionismo de sua matriz realista. (MICHELI, 2004, p. 61) Rouault, artista expressionista, expressa sua ira em relação à infâmia burguesa: “Não lhe repreendo nem a crueldade, nem o egoísmo, inconscientes às vezes sob uma fingida bondade, mas antes o cuidado pedante que ele põe no fato de acreditar que é ele quem faz o mundo girar e que assegura a nossa felicidade, pensando na sua.” (apud MICHELI, 2004, p. 68) Muitas influências ideológicas agem sobre os artistas expressionistas. Nietzsche em primeiro lugar: seu brilhante niilismo neo-romântico, de onde emergem também ásperos ataques contra os valores da sociedade burguesa, inspira os melhores escritores, poetas, artistas da época, de Thomas Mann a Grosz (...). Os paradoxos de Zaratustra tinham força de persuasão sobretudo em função da violência com que subvertiam os conceitos e os lugares-comuns da moral corrente. Tampouco pode-se esquecer que, exatamente naqueles anos, começaram a aparecer também algumas das obras mais importantes de Freud, cujas análises exerceram um indubitável fascínio sobre determinados ambientes culturais e, portanto, mais ou menos diretamente, sobre os artistas. (MICHELI, 2004, p. 79). O Expressionismo propunha uma arte que não devia servir à decoração (submetida em demasia aos ideais de ordem e de composição). “O mundo já existe, não teria sentido fazer uma réplica dele: a principal tarefa do artista consiste em indagar seus movimentos mais profundos e seu significado fundamental e em recriá-lo” (MICHELI, 2004, p.76). Selvagem, impulsiva e sanguínea, a pintura devia ser arrebatadora, despreocupada com a perfeição formal. Entretanto, paradoxalmente, os trabalhos expressionistas foram rapidamente engolfados na arte decorativa. O relato do expressionista francês Vlaminck define as intenções do movimento, que de forma alguma pretendia, a princípio, servir a esses propostos decorativos: Minha paixão permitia-me todas as audácias, todos os impudores contra as convenções do ofício de pintor. Eu queria provocar uma revolução nos costumes, na vida cotidiana, mostrar a natureza em liberdade, libertá-la das velhas teorias e do classicismo. Não tinha eu outra exigência a não ser descobrir, com a ajuda de novos meios, as profundas relações que me atavam à velha terra. Eu era um bárbaro meigo e cheio de violência. Traduzia por instinto, sem método, uma verdade não artística, mas humana. (apud MICHELI, 2004, p. 65). Ou ainda, segundo Kichner, outro artista expressionista, as propostas vanguardistas deveriam ser levadas às últimas consequências, reintegrando cada fenômeno no conjunto do mundo, reintegrando cada fenômeno à vida. A pintura é a arte que representa num plano um fenômeno sensível (...). O pintor transforma em obra de arte a concepção da sua experiência. Com um exercício contínuo ele aprende a utilizar os seus meios. Não há regras fixas para isso. As regras para a obra individual do estilo da sua técnica e do tema a que se propõe (...). A sublimação instintiva da forma no acontecimento sensível é traduzida de impulso no plano (KIRCHNER apud MICHELI, 2004, p. 80). Para expressar, mais do que a imagem produzida, é importante a ação de produzir. Para os artistas clássicos, a técnica era apenas um meio para se chegar à imagem e deveria, inclusive, passar despercebida. Com o Expressionismo, além da valorização da planaridade e da materialidade da tela (característica comum às vanguardas modernas, como vimos), a técnica – ou seja, a ação ou o modo de fazer – passa a compor a visualidade das obras. Neste sentido, a técnica da xilogravura é intensificada no Expressionismo, sobretudo na Alemanha. A técnica é trabalho e a imagem deve conservar os traços dessas operações manuais, que são atos violentos sobre a matéria. “Não é uma imagem que se liberta da matéria, é uma imagem que se imprime sobre ela num ato de força” e mais adiante, no mesmo texto, Argan (1992, p. 240) nos explica: “A cor na pintura, o bloco (em geral de madeira) na escultura não constituem um meio ou uma linguagem para manifestar as imagens, mas uma matéria que, sob a rude ação técnica, torna-se imagem”. A técnica da xilogravura, da litogravura e da própria fotografia trazem um violento abalo da tradição, relacionando-se diretamente com movimentos de massa. O cinema, neste sentido, é um elemento influente. Seu lugar social não era concebível, mesmo em suas descrições mais positivas e precisamente, sem seu lado destrutivo e catártico: a liquidação do valor tradicional do patrimônio da cultura, retirando a aura da obra única. O interesse pelo primitivismo realiza uma dobra importante no grupo Der Blaue Reiter, formado por alguns dissidentes do Die Brücke. A forma de configurar o primitivo, neste grupo de artistas, irá além da procura por estados de vida mais puros e simples, livres das regras sociais. Neste movimento alemão, a busca do primitivo torna-se a descoberta do primordial, daquela primeira substância da vida, do impulso originário. Der Blaue Reiter, fundado em 1911, formado por Kandinsky, Franz Marc, Klee, entre outros, não se interessava mais pelo mundo selvagem, pelo instinto nem pela raiz fisiológica da inspiração, mas pelo “espiritual” da natureza, pelo Eu interior. De modo diverso dos militantes do Die Brucke, procuravam mais a purificação dos instintos do que o desencadeamento febril destes na tela. O contato com o primitivo vinha a serviço de apreender a sua essência, a partir de uma postura mais especulativa e refinada do que bárbara ou desenfreada. Nas palavras de Franz Marc: Cada coisa tem seu invólucro e o seu ponto central, aparência e essência, máscara e verdade. (...). A aparência é sempre inexpressiva, mas afastem-na, afastem-na completamente do espírito, imaginem que nem vocês, nem a sua imagem do mundo existem mais – e o mundo permanece em sua verdadeira forma, e nós artistas intuímos essa forma (MARC apud MICHELI, 2004, p.88). O pensamento estético de Kandinsky traz o princípio da necessidade interior e não mais o equivalente a um conteúdo preexistente. A obra de arte passa a ter vida própria, “uma nova forma de ser, a qual age sobre nós, através dos olhos, despertando em nosso íntimo, vastas e profundas ‘ressonâncias’ espirituais’” (KANDINSKY apud MICHELI, 2004, p. 92). Kandinsky entende que a função do artista é “[...] fazer vibrar a essência secreta da realidade da alma, agindo sobre ela com a pura e misteriosa força da cor libertada da figuração naturalista” (MICHELI, 2004, p.86). Assim como a cor, o ponto e a linha estão também livres de qualquer propósito explanatório ou utilitarista, sendo transportados para o reino do alógico, puras essências autônomas e expressivas. Para Kandinsky (1996, p.127): [O artista] Deve trabalhar sobre si mesmo, aprofundar-se, cultivar sua alma, enriquecê-la, a fim de que seu talento tenha algo a cobrir e não seja como a luva perdida de uma mão desconhecida, a vã e vazia aparência de uma mão. O artista deve ter alguma coisa a dizer. Sua tarefa não consiste em dominar a forma e sim em adaptar essa forma a seu conteúdo. Em nota de rodapé, continua: Trata-se naturalmente aqui da educação da alma e não da necessidade de introduzir pela força em cada obra um conteúdo consciente, elaborado a priori, ou de o coagir a revestir uma força artística. Daí resultaria apenas um produto cerebral e sem alma. Nunca será demais repetir que a verdadeira obra de arte nasce misteriosamente. A alma do artista, se ela vive de fato, não tem necessidade de ser sustentada por pensamentos racionais ou teorias. Ela descobre por si mesma algo para dizer, que o artista, no instante em que ouve, pode nem sempre compreender. A voz interior da alma revela-lhe qual é a forma que convém e onde deve procurá-la (“natureza” exterior ou interior). (KANDINSKY, 1996, p.127-128). Fazendo analogias com o mundo musical, Kandinsky compreendia que as grandes obras de arte visuais eram composições sinfônicas nas quais os elementos essenciais são o equilíbrio e o arranjo sistemático das diversas partes: A impressão direta da natureza externa. A isso dou o nome de Impressão. A expressão em grande parte inconscientes e espontânea do caráter interno, da natureza não-material (ou seja, espiritual). A isso dou o nome de Improvisação. A expressão de um sentimento interno formado lentamente, trabalhado repetidas vezes e de maneira quase pedante. A isso dou o nome de Composição. Nesta, a razão, a consciência e o propósito desempenham papel preponderante. Mas do cálculo nada aparece, apenas o sentimento. (KANDINSKY apud READ, 2001, p. 172). As imagens produzidas por esse grupo de artistas tendiam à abstração, mas o abstracionismo dos construtivistas tinha uma acepção muito mais racional do que o dos artistas do Der Blaue Reiter. Estes são associados a um “abstrato-expressionismo lírico”. Contudo, o lirismo entre Kandinsky e Klee também tinha suas divergências. Segundo Michelli (2004), essas diferenças podem ser percebidas no modo como intitulam suas obras: enquanto os trabalhos de Klee tinham títulos tais como Uma pomba que desce do céu, Pássaros aquáticos, Lua alaranjada etc.; Kandinsky nomeava suas obras como Quadro com fundo branco, Oscilação em pontas, Improvisação com formas frias. Klee, neste sentido, era menos nebuloso e mais enraizado nas forças naturais. Enquanto Kandinsky dedicava-se a apreensão do espiritual das formas criadas pela natureza, a Klee interessava mais as “forças criadoras” do que os fenômenos por elas gerados. Para Klee, “a arte não traduz o visível; ela torna visível” (KLEE apud CHIPP, 1996, p. 183). (...) a aspiração do artista deve ser justamente a de se inserir em tais forças, de maneira que a natureza possa, através dele, gerar fenômenos novos, novas realidades, novos mundos. Segundo Klee, portanto, o artista deve tornar-se uma espécie de médium, em comunicação com o “ventre da natureza”. (...) Klee pergunta: “Qual artista não gostaria de morar onde o órgão central do tempo e do espaço – pouco importa se se chame cérebro ou coração – determina todas as funções? No ventre da natureza, no fundo primitivo da criação, onde está guardada a chave secreta do todo?”. (MICHELI, 2004, p. 93). Nos primeiros anos do século XX, em plena Primeira Guerra Mundial, surge o Movimento Dadaísta. Partindo do mesmo desgosto e da tentativa de fuga da mentalidade burguesa, ele nasce de um desejo implacável de atingir uma moral absoluta, do sentimento profundo de que o homem, no centro de todas as criações do espírito, tivesse de afirmar a sua proeminência sobre as noções empobrecidas da substância humana, sobre as coisas mortas e sobre os bens mal adquiridos [...], uma revolta que exigia uma adesão completa do indivíduo às necessidades da sua natureza, sem nenhuma consideração com a história, a lógica, a moral comum (...). (MICHELLI, 2004, p. 132). O movimento Dadá tenho início quando quase todas as outras tendências artísticas modernas já tinham se consolidado. Desta forma, o dadaísmo acabou tornando-se antiexpressionista, anticubista, antifuturista, antiabstracionismo etc, mas a partir dos meios e das inovações destes mesmos movimentos: “O que se chama 'arte dadaísta' não é certamente algo definido, algo claramente enunciado, mas uma verdadeira miscelânea de ingredientes já detectáveis nos outros movimentos” (MICHELI, 2004, p. 137). Podemos ler em seu Manifesto, datado de 1918, escrito por Tzara: Os que estão conosco conservam a sua liberdade. Nós não reconhecemos nenhuma teoria. Basta com as academias cubistas e futuristas, laboratório de idéias formais. A arte serve então para amontoar dinheiro e acariciar os gentis burgueses? [...] Todos os grupos de artistas acabaram neste banco, mesmo cavalgando cometas diferentes [...] Transbordamos de maldições sobre a abundância tropical e de vegetação vertiginosas [...] Eu sou contra os sistemas. O único sistema ainda aceitável é o de não ter sistemas. A lógica é sempre falsa. A moral atrofia [...] Todo homem deve gritar. Há um grande trabalho destrutivo, negativo, a ser executado. (TZARA apud MICHELI, 2004, p. 136). O dadaísmo não pretendia uma coerência estilística, uma proposta organizadora, buscava antes e sobretudo evidenciar o significado polêmico do procedimento e do gesto. Nesta poética, impera o gesto de polemizar, negar e destruir a lógica pequeno-burguesa: “Muitas 'obras' dadaístas foram 'fabricadas' com o método da 'poesia no chápeu', ou seja, recolhendo os elementos mais disparatados e colocando-os todos juntos”. (MICHELI, 2004, p. 138). Os temas de natureza plástica que interessavam aos outros artistas, não importavam nem um pouco aos dadaístas. “Liberdade: dadá, dadá, dadá, gritaria de cores encrespadas, encontro de todos os contrários e de todas as contradições, de motivo grotesco, de toda incoerência: a vida” (TZARA apud MICHELI, 2004, p.135). O gesto provocativo era o interesse dadá, gesto que podia e deveria polemizar todas as instâncias da vida: dos costumes, da moral, da política, das relações, dos modos de vida e da própria arte. A collage (colagem) e a fotomontagem são um desses procedimentos de negação dadaísta. Produto do acaso e do inconsciente, estabeleciam conexões inusitadas e enigmáticas, fora da lógica. Segundo Max Ernst, (...) a técnica da colagem é a exploração sistemática do encontro casual ou artificialmente provocado de duas ou mais realidades estranhas entre si sobre o plano aparentemente inadequado e um cintilar de poesia que resulta da aproximação dessas realidades (ERNST apud PASSETTI, 2007, p.22). Os dadaístas inauguraram a possibilidade de se valer da fotografia como novo material para inventar, misturando com estruturas bastante diversas e inusitadas, muitas vezes heteróclitas e antagônicas. Esses procedimentos de mesclagem resultou em uma forma de arte sem maiúsculo. “Assim, exatamente como queria dadá, arte e vida haviam acabado se misturando intimamente numa forma direta, transitória, contingente, na crônica de todos os dias, nos muros das ruas, nas vitrines” (MICHELI, 2004, p. 143). De forma, as colagens faziam nascer um mundo absolutamente incomum, uma sucessão de imagens contraditórias, imagens múltiplas, sobrepostas com a fluência das visões próprias entre o estado de vigília e do sono (sonolência). Em Nova York, exilados na época, as produções dadaístas de Duchamp, com seus ready-mades, a “arte amorfa” (que não representa nada e que não é nada) de Picabia e as inventivas técnicas fotográficas de Man Ray, Kurt Schwitters servia-se de tudo para a fabricação dos Merz: pedaços de madeira e de ferro, penas de galinha, passagens de bonde, envelopes, selos, pedras, solas de sapato, panos, palavras recortadas de jornais etc. Restos do cotidiano recuperados e dispostos de maneira aleatória para desconstruir a separação entre arte e vida fortaleciam o panorama dadaísta que afrontava e buscava extinguir as códigos morais e estilísticas vigentes, procurando devolver ao humano sua força, que séculos de preconceito e de inibições o lhe inculcaram. Na medida em que Duchamp expunha como obra de arte um objeto obviamente não artístico, punha em evidência provocativamente o caráter supérfluo da arte. Certamente, o protesto dadaísta contra a arte partia da legítima exigência de sua aproximação aos problemas da vida ou, mais exatamente, de sua participação nas tarefas de renovação da cultura e da sociedade (...). Ao mesmo tempo que Duchamp declarava a obra de arte como objeto não-artístico, elevava o produto técnico à obra de arte definitiva. De um lado, afirmava-se que tudo pode ser arte e, por conseguinte, que a arte não é nada; de outro, reivindicava-se o objeto mecânico como verdadeira forma artística. Tudo isso foi seriamente considerado como a superação dos limites históricos, ou melhor, dos limites burgueses de um esteticismo vazio. (SUBIRATS, 1984, p. 80). Duchamp talvez tenha sido artista que atingiu as proposições dadaístas com mais vigor, rompendo radicalmente com as tradições técnicas e iconográficas, fazendo dele mesmo e de sua vida uma obra dadaísta. Quando a ele foi perguntado qual tinha sido sua grande obra, Duchamp respondeu: “Respirar”. Duchamp faz escolhas “anómalas” de objectos, traçados, materiais, na sua vida mesmo. Afasta-se das convenções do seu tempo, «não seguindo a corrente daquela época», escolhe não ter vida pública, não ter posição moral, não ter objectivos sociais. Não escolhe uma “linha” de pintura, recusa os meios tradicionais, e escolhe muitas vezes o meio dos jogadores de xadrez (“é muito mais simpático que o dos artistas”) porque são cegos, confusos, loucos de certa natureza e também porque o xadrez fornece “uma faceta minúscula”, mas suficientemente diferente das outras para se tornar distinta” e alargar a sua existência” (GIL e GODINHO, 2011, p. 74). Diante dos seus ready-made, Duchamp critica a arte retiniana e manual, pois para Duchamp “o artista não é um fazedor, suas obras não são feituras, mas atos” (PAZ, 2002, p.25). Assim, os ready-made são objetos anônimos, que já estão no mundo, cotidianos, banais e o gesto gratuito do artista consiste no simples fato de escolhê-los, convertendo- os em obra de arte. O artista revela e abarca esse objeto no campo da arte como o novo (como os movimentos de vanguarda propunham), ao mesmo tempo que questiona e ataca dadaísticamente a noção tradicional de arte. Seu objeto artístico, realizado entre os anos de 1915 e 1923, A noiva despida por seus celibatários, obra também conhecido como O Grande Vidro – coerentemente inacabado e que incorporou à obra a rachadura por deixá-la cair – a contou com o acaso, com o imprevisto, deixando sempre a obra aberta infinitas leituras ou interpretações. Duchamp é um dos experts da sensibilidade modificada pelo ambiente da metrópole, que envolve o aleatório, a velocidade, o gratuito, as máquinas, o anônimo, a sexualidade difusa que adere aos resíduos da experiência anônima e comum. Tais experiências formam a estrutura mesmo das intervenções duchampianas. De situações fortuitas e aleatórias Duchamp tira vantagem. Daí o flâneur ser o grande caçador de acasos da sociedade de consumo nascente; o consumidor das vitrines onde são como a passante de Baudelaire, que, à distância, persersamente, se oferece à fantasia e à imaginação. À sua maneira, O Grande Vidro é também uma vitrine (TOMKINS, 2005, p.9) Em seu texto de 1957, O ato criativo (DUCHAMP apud TOMKINS, 2005), o artista salienta a participação do espectador, já que não é apenas o artista que faz a obra. A obra, ao passar pelo espectador – que começa a fazer parte dela – segue por uma cadeia de reações totalmente subjetivas, definindo assim a ideia de coeficiente artístico: Na cadeia de reações que acompanham o ato criativo, está faltando um elo. A lacuna – que representa a inabilidade do artista para expressar plenamente sua intenção, aquela diferença entre o que foi pretendido e o que não foi conseguido – é o “coeficiente artístico” pessoal contido na obra. Em outras palavras, o “coeficiente artístico” pessoal é como uma relação aritmética entre o não expresso mas pretendido e o não intencionalmente expresso (DUCHAMP apud TOMKINS, 2005, p.518). Distinguir-se, desta maneira, como uma antiarte, o dadaísmo minou o próprio movimento. Nos primeiros anos da década de 1920, ele se encerra como movimento, e muitos de seus artistas aderem ao Surrealismo, caso do próprio André Breton e de Marx Ernst. Muitas das atitudes dadaístas mantiveram-se na poética surrealista: a questão da liberdade expressiva, as relações extraordinárias entre elementos compositivos, as atitudes destrutivas, os gestos provocativos, o sentimento de revolta diante dos valores burgueses. O lema dos surrealistas – frase de Lautréamont – revela claramente a influência dadá: “Tão belo como o encontro fortuito, em uma mesa onde se pratica a dissecação, de uma máquina de costura com um guarda-chuva” (LAUTRÉAMENT apud DEMPSEY, 2003, p. 151). Entretanto, enquanto o dadaísmo fundamentava-se na negação e na destruição, o surrealismo afirmava-se pela construção, substituindo a rejeição total pela pesquisa experimental. O surrealismo, diferentemente do dadá, foi um movimento extremamente organizado, com teorias doutrinárias. Entretanto, continuavam a manter vivo, como os dadaístas, a atitude de polêmica e de revolta, questionando os valores burgueses e como estes moldavam a sociedade, porém a partir de uma forma mais tênue, mais conciliadora. A consciência dessa fratura, no surrealismo, foi extremamente aguda desde o início: fratura entre arte e sociedade, entre mundo exterior e mundo interior, entre fantasia e realidade. Por essa razão, todo o esforço dos surrealistas visava encontrar essa mediação entre essas duas margens, um ponto de coincidência que permitisse remediar as lacerações da crise. O elemento original desse movimento está exatamente nisso. No expressionismo e no dadaísmo também encontramos o sentimento da fratura, da crise, mas apenas no surrealismo a busca da solução assumiu um empenho tão especifíco” (MICHELI, 2004, p.152). André Breton, idealizador do movimento, partia das concepções do marxismo, da psicanálise e de filosofias ocultistas para estruturar o surrealismo. Em seu Primeiro Manifesto, de 1924, Breton define o movimento: “pensamento que é expresso na ausência de qualquer controle exercido pela razão e alheio a todas considerações morais e estéticas” (BRETON apud DEMPSEY, 2003, p. 151). Do ponto de vista dos procedimentos artísticos, os surrealistas apropriaram-se da desinibição dadaísta, mas valendo-se também de técnicas tradicionais (como a pintura). Além de retirar um objeto de seu contexto original e lançá-lo para outros contextos e relações inusitadas, atribuindo-lhe a condição de obra de arte, prática executada desde os dadaístas, os surrealista incorporam, por exemplo, o objet trouvé (objeto encontrado) nos seus processos criativos: Juan Miró, todas as manhãs, ia para a praia e colhia as diversas coisas trazidas pela maré, encorajando o impulso fortuito, o fluxo e o automatismo psíquico, tentando liberar o artista de toda e qualquer trava ou inibição. O objet trouvé [...] acompanha o princípio do ready-made dos dadaístas: objeto qualquer encontrado pelo artista e transformado em obra de arte. Mas enquanto o ready-made é um objeto entre vários iguais a ele, o objet trouvé é escolhido em função de sua singularidade (LODDI, 2010, p. 30). Ligada ao objet trouvé, há uma forte carga inconsciente, o desejo de abrir espaço para o indizível através desses objetos transmutados, de origem fantástico-experimental ou oníricos. Segundo Jaffé, [..] o desejo de alguns artistas em descobrir esse espírito da matéria nos objetos encontrados ao acaso vem do inconsciente que 'manifesta-se sempre que o conhecimento consciente ou racional alcança seus limites extremos e o mistério se estabelece, pois o homem tende a preencher o inexplicável e o imponderável com os conteúdos do seu inconsciente'. (JAFFÉ apud LODDI, 2010, p. 30). Enfatizando o automatismo psíquico, Breton (também médico, bastante familiarizado com os conceitos freudianos) afirmava que tanto a poesia quanto a prosa ou a pintura deveriam originar-se do encadeamento das primeiras palavras ou imagens que ocorressem à mente, tal como o método psicanalítico da associação livre. Para os surrealistas, “o inconsciente não é apenas uma dimensão psíquica explorada com maior facilidade pela arte, devido à sua familiaridade com a imagem, mas é a dimensão da existência estética e, portanto, a própria dimensão da arte” (ARGAN, 1999, p. 360). Max Ernst entendia a frottage – procedimento que consiste na fricção de um lápis (ou outro instrumento semelhante) num papel apoiado sobre uma superfície para registrar sua textura – o equivalente plástico da escrita automática, por extrapolar o controle e evitar questões de gosto ou habilidade. O automatismo, regido pelo inconsciente, aparecia como “o principal caminho de acesso ao maravilhoso” (BRADLEY, 1999, p. 21), sendo considerado como o método surrealista por excelência. O Movimento Internacional Situacionista também contribuiu para ao que hoje abarcamos como Arte Contemporânea. Difundido nos anos de 1960, herdeiros dos dadaístas e surrealistas, o movimento merece destaque devido à sua intensa postura política e artística, com desdobramentos críticos em relação aos modos de vida. O referido movimento surgiu a partir de uma fusão de grupos, entre eles o COBRA (iniciais de três cidades cujos artistas iniciaram este movimento: COpenhagen, Bruxelas e Amsterdan), os Psicogeográficos, e o MIBI (ou Movimento Internacional para uma Bauhaus Imaginista), entre outros artistas. Guy Debord, principal representante do movimento, adotava claramente uma postura crítica, de "contra-cultural" numa época por ele denominada de "sociedade do espetáculo". Recusava-se a embarcar no enquadramento rígido, homogeneizante ou pasteurizante da vida cotidiana da situação social, realizando duras análises sobre os efeitos subjetivos de uma estrutura econômica opressora que exclui os usos a esfera afetiva da vida. Os membros desse grupo questionavam o papel da produção cultural consumista do pós-guerra, dispondo-se como um grupo de jovens escritos, músicos, arquitetos e artistas marginais (em relação à ordem vigente), trabalhando o uso deliberado da arte com função estética e política simultânea. Um movimento artístico conscientemente indissociável da vida, seus membros sabiam do poder que a arte pode exercer nos modos de vida, do seu poder de afetar e fazer refletir sobre o mundo que estávamos (e estamos, porquê vale até os tempos atuais). Ou seja, um grupo de artistas engajados politicamente e que procuravam, através dos meios artísticos, transformar as mentalidades, a vida coletiva. “Não há uma obra situacionista, mas um uso situacionista da obra", dizia Guy Debord (apud WUILLAME, 2002, p.23). Pretendiam realizar uma arte viva. Arte como espaço de experimentação, amalgamada sempre com o cotidiano social afim de repensar novos modos de subjetivar, viver, morar, amar etc Acreditavam na descentralização da arte, objetivo que poderia ser supostamente alcançado com a "inflação" da produção de arte a partir custos muito baixos e em grande quantidade. Tinham uma atuação mediada pelo melodrama, pelo humor sarcástico e uma ira inflexível contra a ordem sociocultural pré-estabelecida". Faziam uso humorístico de imagens publicitárias dentre outros formatos de poesia urbana que utilizam como meio e suporte formas de expressão popular. A produção artística era movida pela exploração de novas formas de subjetividade revolucionária. De acordo com Manifesto Situacionista, algumas questões deveriam estar incondicionalmente associadas: tempo vivido x espaço; ação x representação; vida x arte (ROCHA, s/d). O Labirinto era método situacionista, contrário à perspectiva estática das linhas retas e fixas e propunha o desvio. Derivar. Bifurcar. Deslocar-se. Compreendiam a necessidade de uma cartografia dinâmica viva dos espaços: um possível artifício de invenção aberto baseado no "vagar, vagabundear, nos trajetos e caminhos com saídas luminosas e reclusões trágicas, um tipo de mobilidade generalizada" (WUILLAME, 2002, p.64). Os movimentos artísticos do século XX citados acima forjaram a possibilidade de abordar a arte como vida, borrando a fronteira entre elas. Deslocando, deste modo, a arte como mimesis (representação/imitação) da realidade; para a concepção de arte como apresentação, ou seja, com a potência de construir realidade: esse será o movimento que a arte contemporânea, de uma maneira geral, procura intensificar. 2.3 Arte contemporânea: exploração das conquistas das vanguardas “Não quero um quadro na parede, quero uma experiência. Isso é a vida” (Marina Abramovic) A arte contemporânea alimenta-se das conquistas e dos procedimentos advindos do universo da arte moderna, compartilhando com esse a exigência em romper com as ideias e os valores preconcebidos, libertando a arte das malhas rígidas da representação que busca encontrar sempre o mesmo ao reduzir as singularidades às generalizações abstratas, supostamente universalizantes. Esta concepção contemporânea de arte está absolutamente em sintonia com a ideia de acontecimento do pensamento esquizoanalista. Podemos aproximar a ideia de acontecimento formulada por Deleuze e Guattari das novas proposições artísticas que, como veremos, é a própria vida vivendo (baseados na concepção de imanência de Espinosa). Deleuze e Guattari iniciam a sua obra O que é filosofia? (2010) afirmando que “não há conceitos simples. Todo conceito tem componentes e se define por eles. Tem, portanto uma cifra. É uma multiplicidade, embora nem toda multiplicidade seja conceitual” (DELEUZE; GUATTTARI, 2010, p. 12). Segundo Schopke (2004), eles “(…) não deixam margem para dúvida: a filosofia não é uma simples arte de inventar, de produzir os conceitos, ela é uma disciplina rigorosa, que tem como função primordial a criação de novos conceitos.” (SCHOPKE, 2004, p. 131). O plano de imanência é fundamental para a criação filosófica, portanto, ele é o solo e ao mesmo tempo horizonte da produção de conceitos. Nas palavras da autora: (…) um conceito não pode ser completamente entendido fora do plano que lhe dá consistência e vida própria, apesar de que se deve ter cuidado para não confundi-lo com o próprio plano. O conceito não existe fora dele, embora não possa ser distinto dele. O conceito é como um raio que corta o céu cinzento; o raio não é o céu, mas também não existe fora desse mesmo céu. Na verdade um não pode ser visto sem o outro, ainda que sejam distintos um do outro. (SCHOPKE, 2004, p. 139). Portanto, não se pode confundir os dois, pois só há conceitos no plano e só há plano povoado por conceitos. “O plano de imanência é como um corte do caos e age como um crivo. O que caracteriza o caos, com efeito, é menos a ausência de determinação que a velocidade infinita com a qual elas se esboçam e de apagam (...) O caos não é um estado inerte ou estacionário, não é uma mistura ao acaso (...)” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 53). Compreender o mundo como um lugar plural, palco de acontecimentos no próprio corpo, a partir das relações que se engendram no contexto espaço/tempo, permeado pelas afetações e modos de relação produzidos nos encontros. Vislumbra-se o corpo como um ambiente dentro de um ambiente, que, por sua vez, se encontra dentro de outro – camadas infinitamente entrelaçadas em redes de comunicação (LIBERMAN; LIMA, 2015, p. 185). Este intenso entrelaçamento entre vida e arte, iniciado pelas vanguardas, ganha intensidade nas propostas artísticas da contemporaneidade (como a performance, os happenings, as instalações ...) e articula-se à concepção foucaultiana de que a própria vida pode ser abordada como uma obra de arte, procurando-se criar uma vida bela, não no sentido de beleza restrita à harmonia, ao equilíbrio, à representação, à mimesis, mas no sentido de uma vida intensa e bem vivida, influenciado pela ideia de Nietzsche, para quem “só como fenômeno estético podem a existência e o mundo justificar-se eternamente” (NIETZSCHE, [1872] 2007, §5). A arte contemporânea – que transformou as categorias de arte em categorias de vida (e vice-versa), enfatizando mais o processo do que o produto. Na abertura dos anos 1960, ainda era possível refletir nas obras de arte como pertencentes a uma das modalidades do conjunto: desenho, pintura e escultura. As colagens, a performance e os acontecimentos dadaístas já haviam começado a provocar o privilégio que as linguagens artísticas do desenho, da pintura e da escultura. A fotografia também reivindicava, cada vez mais, sua importância como expressão artística. No entanto, ainda continuava a ideia de que a arte compreende basicamente aqueles produtos do esforço criativo humano que gostaríamos de chamar de desenho, de pintura e escultura. Após 1960, houve uma decomposição das certezas quanto a este sistema de classificação. Sem dúvida, alguns artistas ainda pintam e outros fazem aquilo a que a tradição se refere como escultura, mas estas práticas, agora, ocorrem num espectro muito mais amplo de atividades (ARCHER, 2008, p. 1). Segundo Archer (2008), a contemporaneidade não parece haver mais nenhum material específico que goze da prerrogativa de ser reconhecido claramente como fazendo parte do universo da arte. Há profusão de estilos, práticas, formas e programas caracterizam a arte contemporânea que reinterpretou muitos dos gestos e ideias dos movimentos vanguardistas (o que lembra que não é mais o novo ou o original que caracteriza uma produção artística), passando a empregar, além de tintas, metal, argila e pedras, também “ar, luz, som, palavras, pessoas, comidas e muitas outras coisas” (ARCHER, 2008, p. IX). O crítico de arte Lester D. Longman, por ocasião da exposição A Arte da Assemblage, ocorrida em 1962, faz oposição a este tipo de arte, por ver nela sinais evidentes da cultura predominante e do trivial da vida. “Ele tinha razão: ela estava fazendo isso. O trabalho de Robert Rauschenberg e Jaspers Johns, a partir de meados dos anos 50, foi denominado Neodadá devido a seu uso peculiar de assuntos derivados do mundo cotidiano” (ARCHER, 2008, p. 2). Seus trabalhos remetiam a Duchamp e seus ready-mades. Existem duas ideias-chaves amalgamadas à palavra “assemblage”. A primeira é a de que, por mais que a união de certas imagens e objetos possa produzir arte, tais imagens e objetos jamais perdem totalmente sua identificação com o mundo comum, cotidiano, de onde foram tirados. A segunda é a de que essa conexão com o cotidiano, desde que não nos envergonhemos dela, deixa o caminho livre para o uso de uma vasta gama de materiais e técnicas até agora não associados com o fazer artístico. Em meados dos anos 50, Jaspers Johns fez uma pintura da bandeira dos EUA, Bandeira (1954-55). Essa pintura é certamente a imagem de um objeto e um símbolo corriqueiro, mas também pode ser vista como um arranjo formal de cores, linhas e formas geométricas. Além disso, a bandeira na realidade, consistindo de cores sobre um pedaço de tecido, não é mais substancial, tridimensional e semelhante a um objeto que a pintura de Johns. (ARCHER, 2008, p. 3-4). Ao fazer uso do cotidiano, do causal, a arte contemporânea parece reescrever o moderno, na medida em que se utiliza de procedimentos e gestos de invenção como os do Dadaísmo, porém os reinventa, apresentando relações que não podiam ter sido pensadas antes. Relações que só a mentalidade contemporânea oferece as condições de pensar. O artista moderno Magritte, por exemplo, ao pintar Isto não é um cachimbo, queria manifestar, dentre outros aspectos, que pintura era pintura e não representação da realidade. Atualmente, os contemporâneos, explorando o caminho desbravado por Duchamp, entendem que a pintura (como a Bandeira de Jaspers) pode-se aproximar muito do objeto real, pode misturar-se com ele, pode ser o próprio objeto. As apropriações que o contemporâneo faz da arte moderna incidem sobre vários aspectos das inovações conquistadas por esta, recebendo vários nomes: Minimalismo, Pop Art, Arte Conceitual, Body Art, Land Art, Video Art, Performances, Instalações, Neo Realismo, Arte Sociológica etc. “A lista é incompleta por definição”, como aponta Cauquelin (2005, p. 148). Estas releituras do moderno fazem com que muitos críticos afirmem que, em certa medida, na contemporaneidade, não é mais a arte que determina a história da arte e sim o inverso: “a história da arte, esta construção a posteriori, infiltra- se na produção e parece mesmo determiná-la” (BRITO apud LIMA, 2005, p. 80): Gerhard Richter, em 1967, trabalha uma imagem de tabloide sobre o assassinato de uma jovem enfermeira e a chama de Olympia, realizando clara referência à obra de Manet. Afirma-se que o grande avanço da pintura moderna foi ter assumido o retângulo da tela e sua bidimensionalidade (planaridade). Mas se a pintura já alcançou a realização de suas qualidades essenciais, o que lhe resta fazer? O Minimalismo, um movimento comumente identificado com uma atividade escultural, também pode ser abrangido como uma continuação da pintura por outros meios: agora a pintura está no chão, ocupando o mesmo espaço dos espectadores. O Minimalismo também dialoga com o Expressionismo, justamente por ser o seu reverso, explorando a economia dos gestos e dos materiais. Os artistas da Pop Art, por sua vez, extraíam seus temas da banalidade urbana da cultura norte-americana (como Andy Warhol e suas repetições de latas de sopa e garrafa de Coca- Cola), desviando-se dos estilos afetivamente carregados como os dos expressionistas abstratos (por exemplo, Pollock), produziam imagens precisas, calculadas e cuidadosamente observadas de produtos da cultura de massa. As pinturas de Lichtenstein são reproduções ampliadas e ligeiramente modificadas de histórias em quadrinhos – produzindo uma imagem que parece fria e distante, desprovida de emoção, muito diferente de toda a descarga afetiva e intempestiva dos expressionistas. Lichtenstein intitula uma de suas obras, executada dessa maneira seca e mecânica, como Sei como você deve estar se sentindo, Brad, questionando ironicamente a concepção de arte como expressão dos sentimentos. Em compensação, os happenings, perfomances e a body art pretendem intensificar e ampliar os gestos expressionistas para o ambiente, para os corpos, para a vida. Intensas como o Expressionismo, as perfomances de Gina Pane, artista expoente da body art, estarreciam o público com suas automutilações, explorando e esteticizando o disforme, a mutilação e o sofrimento. Marina Abramovic levava seu corpo aos seus limites físicos, em suas performances dos anos 1970, ao gritar até ficar rouca, dançar até o esgotamento, tomar drogas até ficar completamente alterada e realizando ações perigosas que punham em risco sua vida. Bill Viola, por exemplo, em um de seus video art, filma a morte da própria mãe. De acordo com Bourriaud (2011, p. 153), “Tais experiências artísticas, em sua diversidade, fazem do comportamento do artista uma quantidade de informações e formas que poderíamos chamar de biotexto, uma escrita em ações, um relato Miodo [...] A arte é assim, a exposição de uma existência”. Essas manifestações deram ensejo a espetacularidade pessoal do artista, cuja própria vida passou a ser foco de interesse na modernidade (os delírios de Van Gogh, as mulheres de Picasso etc.): Yves Klein toma um pigmento azul e pinta com fogo, Niki de Saint-Phalle usa pistolas para disparar tintas em suas telas, Sophie Calle expôs seu próprio rompimento amoroso e contratou um detetive para que a perseguisse, expondo as fotos por ele tiradas, e, desse modo, expondo sua própria vida. Manzoni enlatou suas fezes, inflou um balão e o intitulou como O fôlego do artista ou ainda assinou numa modelo, fazendo dela sua obra de arte. Joseph Beuys explora sua experiência na guerra, “de como ele fora abatido com seu avião sem ter paraquedas, de como fora resgatado e mantido vivo sendo besuntado com gordura e enrolado em feltro para ficar quente, tinha se tornado parte integral do poder mítico, quase xamanístico, de sua arte” (ARCHER, 2008, p. 114). Para sintetizar as várias vertentes artísticas que compõem o universo da arte contemporânea, Cauquelin (2005) estabelece três grupos. O primeiro é composto por tendências duchampianas, como a Arte Conceitual, o Minimalismo e a Land Art. No caso da Arte Conceitual, “agir no domínio da arte é designar um objeto como ‘arte’. (...) Pouco importa que ela seja isto ou aquilo, deste ou daquele material, sobre este ou aquele suporte, feita à mão ou já existente, pronta” (CAUQUELIN, 2005, p. 134), o que está em questão é a nomeação do objeto e sua exposição: “expor um objeto é intitulá-lo. O mictório é fonte, o porta-casaco colocado no chão é alçapão; quando o objeto é reconhecível como objeto estético (como a Monalisa), o título ‘acrescentado’ desloca o valor estético: LHOOQ o dessacraliza” (CAUQUELIN, 2005, p. 101). Na Arte Conceitual, o conteúdo físico da pintura (cor e forma) é rejeitado, não se tratando mais de uma obra retiniana (óptica). No Minimalismo, como já foi apontado, apaga-se o representativo, reduzindo a forma à sua mais simples expressão, apagando também qualquer traço subjetivo do artista. Diferente da Arte Conceitual, no Minimalismo a importância da linguagem, do título também se esvanece: Formas geométricas, dessas que são encontradas diariamente prontas para serem usadas, como caixas, aparadores, simples bastões, espetos, são usadas para esse fim. (...) Trata-se de um jogo de espaço, de simples posicionamentos e não mais de proposições. (...) a visibilidade se desembaraça de sua carga emocional, expressiva, mas também de uma provocação relativa à linguagem que não tem mais razão de ser. O artista plástico retorna a seu trabalho com as formas. (CAUQUELIN, 2005, p. 138). Fazendo parte também desse primeiro grupo, encontramos a Land Art: Colocar um rochedo no deserto de Nevada, traçar uma linha sobre quilômetros de paisagem, dispor círculos de pedras em um local afastado chama a atenção sobre a constituição de uma cena que passaria despercebida sem essas marcas, sobre a composição de toda cena em geral. Marcas que se fundem na paisagem natural, apagam-se com o tempo, ou exigem tempo para descobri-las ou percorrê-las. Invisíveis para os amadores devido a seu afastamento, impossíveis de ser expostos em locais institucionais, afastados do público, os trabalhos da land art fazem do espectador não mais um observador-autor como queria Duchamp, mas uma testemunha de quem se exige a crença: de fato, apenas as fotografias, um diário de viagem, notas tomadas ao longo do trabalho de reconhecimento estão disponíveis atestando que, de fato, existe alguma coisa relacionada à arte acontecendo “lá longe”, em algum lugar. (CAUQUELIN, 2005, p. 141). Desse modo, a Land Art segue a esteira de Duchamp, reforçando a ocupação de um território que não tem, a princípio, função artística, desmistificando o museu ou a galeria como espaço oficial da arte, ampliando os locais de arte, trazendo-os para os espaços de vida. Contrariando esse primeiro grupo, ou seja, criticando a inexpressividade e o não óptico, está o grupo composto pela Acting Paiting, Body Art, Funk Art, os grafites, a figuração livre, entre outras. Esses movimentos valorizam-se o gesto, o corpo, a emoção primordial, a espontaneidade e a reação ao ambiente direto. Suas manifestações, que “nascem e morrem em uma efervescência ‘expressionista’” (CAUQUELIN, 2005, p. 148), elegem ambientes e situações, por vezes, efêmeras: “pode ser a parede ou o metrô (grafite e pichações), a cidade (intervenções), o próprio corpo (tatuagens, happenings), objetos usuais (art cloche)” (CAUQUELIN, 2005, p. 148). A arte atualmente não é mais ato passivo: convida os espectadores a participarem dela, em um campo permanentemente aberto a experimentações, que estetizam a própria vida e desnaturalizam modos de perceber, conhecer e viver na contemporaneidade. No terceiro grupo encontramos aquilo que se entende por Arte Tecnológica, que pode ser subdividido em: meios de comunicação tradicionais como correio, postais, mailings ou ainda técnicas mistas como as que aliam nas instalações imagens de vídeo, de televisão e intervenções pictóricas, fazendo uso das novas tecnologias de forma secundária e pontual; ou ainda, a tecnologia como suporte de imagens em si, como instrumento de composição. Encontramos na primeira subdivisão, a arte sociológica e a mail art, que destacam a importância da informação e da necessidade de se construir redes de troca, convidando os espectadores a contribuírem ou interagirem com a proposição artística: Fred Forest, que lançara o metro quadrado artístico (compra-se um metro quadrado de terreno dito “artístico” e entra-se assim na esfera da arte, tornando-se um artista), (...) coloca na imprensa anúncios de procura-se uma pessoa desconhecida que deve ser identificada, interfere em programas de televisão, enviando uma imagem sobre a tela, apropria-se por alguns minutos de uma cadeia de televisão, transmite, em público, conversas vindas de todos os pontos do globo. (CAUQUELIN, 2005, p. 153). Para Bourriaud (2009), a arte contemporânea está explorando a estética relacional, pois produzir uma forma é criar condições de troca: “Nas exposições internacionais, vemos uma quantidade crescente de estandes que oferecem vários serviços, obras que propõem ao observador um contrato específico, modelos de socialidade mais ou menos concretos” (BOURRIAUD, 2009, p. 36). Explorando ou criando esquemas de relações, os artistas propõem momentos de socialidade e objetos produtores de socialidade, tendência que Bourriad afirma estar conduzindo a história da arte para outra direção. Diz Bourriaud (2009, p. 40): “(...) depois do campo das relações entre Humanidade e Divindade, a seguir entre Humanidade e objeto, a prática artística agora se concentra na esfera das relações inter-humanas”. Além da “convencional” obra de arte (pintura e escultura) ter um valor relacional intrínseco – já que convoca a uma relação com ela – as próprias esferas das relações humanas são parte integrante das propostas artísticas. Assim, as reuniões, manifestações, jogos, encontros, locais de convívio, vernissages, festas, performances são, na contemporaneidade, objetos artísticos em si. A perfomance é basicamente um processo artístico de experimentação e intervenção que “utiliza uma linguagem de soma: música, dança, poesia, vídeo, teatro de vanguarda, ritual (...)” (AGUILLAR apud COHEN, 2013, p. 50), sem, no entanto, privilegiar nenhuma das linguagens. O processo de composição performática dá-se por justaposição das linguagens, como num processo de collage. Arte de fronteira, de acordo com Cohen (2013), a perfomance – apesar de usar recursos cênicos, valorizando a encenação – tem como procedência principal a action painting, que tem como grande referência Jackson Pollock. Na action painting, o artista deve ser sujeito e obra, ocorrendo uma transferência da pintura para o ato de pintar. Enquanto gênero de arte híbrida, a performance não fixa formas espaciais, temporais ou de relação com o público. Ela surge como a conhecemos hoje nos anos 1960, quando inúmeras manifestações artísticas que não poderiam ser classificadas como teatro, dança, pintura, escultura ou qualquer outro gênero previamente conhecido começam a ser realizadas simultaneamente mundo a fora. Alguns performers trabalham em espaços públicos, outros em galerias ou espaços rurais. Quanto à sua temporalidade, não há regra preestabelecida: há performances com duração de um ano e outras apresentadas na utilização de materiais e mídias também são infindáveis. A performance serve para comunicar diretamente com um grande público, bem como para escandalizar os espectadores, obrigando-os a reavaliar os seus conceitos de arte e sua relação com a cultura. O interesse recíproco do público por tal meio de expressão artística, sobretudo na década de 1980, provém de uma aparente vontade de ter acesso ao mundo da arte, de se tornar espectador de rituais e da sua comunidade diferenciada, de se deixar surpreender pelas criações inusitadas, sempre trangresssora, destes artistas (GOLDBERG, 2007, p.9) Deleuze e Guattari procuram salientar o quanto o modo ocidental de pensar está calcado na ideia de representação, presente em toda nossa tradição filosófica e que sustenta os pressupostos científicos. A partir desta perspectiva tradicional, o pensamento é apenas re-conhecimento, reconhecer o que já se sabe de antemão. O prefixo “re”, em termos como representação, reprodução, recognição, reflexão, limita nossas possibilidades de pensar diferentemente, na medida em que engessa e embota o pensamento. Assim, apontam para a noção de pensamento sem imagem, ou seja, um pensamento que busca romper com a ordem da representação, valorizando a diferença e a invenção. O pensamento sem imagem, importante para a compreensão da ideia de acontecimento é pura imanência, um corpo sem órgãos, sem forma predeterminada, livre do modelo da representação, da verdade absoluta e da transcendência com os quais o pensamento ocidental vem operando em quase toda a sua história, com raras exceções. Este conceito de acontecimento é absolutamente em sintonia com a noção de arte como apresentação, que intenta superar a ideia de arte como representação, como vimos anteriormente. O vernissage muitas vezes faz parte integrante do dispositivo da exposição, modelo de uma circulação ideal do público: o vernissage de L’exposition du vide de Yves Klein, em abril de 1958 é protótipo. Da presença dos guardas republicanos na entrada da galeria Iris Clert até o coquetel azul oferecido aos visitantes, Klein tentou abranger todos os aspectos do protocolo usual do vernissage dando-lhes uma função poética que cercava seu objeto: o vazio. (BOURRIAUD, 2009) Este intenso entrelaçamento entre vida e arte, explorado na contemporaneidade pode ser resumido na colocação de Archer (2008, p. 94-95): A ausência de um objeto da galeria claramente identificável como ‘obra de arte’ incentiva a noção de que o que nós, observadores, deveríamos fazer é decidir olhar os fenômenos do mundo de um modo ‘artístico’. Assim, estaríamos fazendo a nós mesmos a pergunta: “Suponhamos que eu olhe para isto como se fosse arte. O que, então, isto poderia significar para mim?”. A afirmação do autor articula-se à concepção foucaultiana de que a própria vida pode ser abordada como uma obra de arte, procurando-se criar uma vida bela, não no sentido de beleza restrito à harmonia e ao equilíbrio, mas no sentido de uma vida intensa e bem vivida. Para acompanhar essas mutações no campo da arte, o seu ensino na contemporaneidade encara muitos desafios; entre eles, o de permitir a apreensão da arte entrelaçada com a vida, com o cotidiano, com as referências pessoais e coletivas. Estudar arte para uma forma de habitar melhor o mundo dentro de uma postura que é, ao mesmo tempo, ética, estética e política. A partir disso, podemos pensar na importância que o ensino das artes pode ter como uma ferramenta de invenção de subjetividades singularidades (desviando de formas rigídas e sufocadas de estar e viver no mundo) e de novas sociabilidades; já que, nas palavras de Cerqueira (2010, p. 36), “quando a vida é entendida como obra de arte e o sujeito artífice de si mesmo é possível trilhar um território de infinitas possibilidades, tanto mais belas, quanto mais insubmissas”. Tal como a arte contemporânea faz referência à história da arte, a arte/educação atual também faz o mesmo movimento em suas reflexões, ou seja, repensa a sua atuação a partir de sua história. Como vimos, ao longo do século XX, a arte-educação foi influenciada basicamente por dois enfoques: o desenho técnico e a livre-expressão (o academicismo também estava presente, porém mais voltado à formação de artistas). Assim, o antagonismo entre esses dois pontos de vista passou a ser questionado mais incisivamente a partir dos anos 1950, visando um maior equilíbrio entre as duas tendências. A banalização da livre-expressão, interpretada na superfície, resultou num considerável demérito da arte como um campo importante da experiência humana. Por outro lado, um sistema rígido que não dava margem a processos de criação não fazia mais sentido no mundo contemporâneo, considerando as conquistas realizadas pela própria arte moderna. Assim, as tendências contemporâneas do ensino da arte a concebem como conhecimento da arte importante por si mesmo e não como instrumento para fins de outra natureza, como por exemplo, de natureza terapêutica. Ainda que se tenha um efeito terapêutico (e pode-se ter) com o contato com a arte, esta não é sua finalidade primeira. Essa nova visão (que considera arte como conhecimento em si