UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Odontologia de Araraquara Carmélia Isabel Vitorino Lobo Interação de Streptococcus mutans e de Candida albicans em biofilme in vitro Araraquara 2018 UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Odontologia de Araraquara Carmélia Isabel Vitorino Lobo Interação de Streptococcus mutans e de Candida albicans em biofilme in vitro Dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Odontologia, Araraquara para obtenção do título de Mestre em Reabilitação Oral, na Área de Prótese Orientadora: Marlise Inêz Klein Araraquara 2018 Lobo, Carmélia Isabel Vitorino Interação de Streptococcus mutans e de Candida albicans em biofilme in vitro / Carmélia Isabel Vitorino Lobo. – Araraquara: [s.n.], 2018 69 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Reabilitação Oral) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Odontologia Orientadora: Profa. Dra. Marlise Inêz Klein 1. Biofilmes 2. Streptococcus mutans 3. Candida albicans I. Título Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Ana Cristina Jorge, CRB-8/5036 Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Odontologia, Araraquara Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação Carmélia Isabel Vitorino Lobo Interação de Streptococcus mutans e de Candida albicans em biofilme in vitro Comissão julgadora Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Reabilitação Oral Presidente e orientadora: Profa. Dra. Marlise Inêz Klein 2ª Examinadora: Profa. Dra. Josimeri Hebling Costa 3ª Examinadora: Profa. Dra. Cristiane Duque Araraquara, 26 de Fevereiro de 2018 DADOS CURRICULARES Carmélia Isabel Vitorino Lobo NASCIMENTO: 25 de fevereiro de 1989 – Cidade de Maputo – Maputo FILIAÇÃO: Josethe Maria Amado Vitorino e Augusto Francisco Lobo 2006/2010 – Licenciatura em Medicina Dentária pelo Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique – Moçambique 2011/2014 - Atuação como Médica Dentista no Hospital Rural de Angoche; Responsável de Saúde Oral e Escolar do Distrito de Angoche – Ministério da Saúde de Moçambique; 2014/2016 – Atuação como Médica Dentista no Hospital Central de Nampula - Ministério da Saúde de Moçambique (atualmente com licença para a realização do mestrado). Especial para ti querida avó Francisca (Chica), pelo carinho, amor, orações que sempre fizeste por mim e por teres me dado a última benção antes da tua partida (o céu ganhou mais uma estrela); a avó Isabel (minha Belinha) pelo amor infinito, sei que do céu me guia e protege; ao avô Luíz pelo exemplo de homem íntegro, pelas conversas e histórias partilhadas (sei que Deus te levou para seres seu melhor e fiel amigo); avô Albano pelo amor e educação; aos meus pais Josethe e Augusto pelo amor, puxões de orelhas e por apoiarem as minhas decisões e estarem sempre do meu lado; à minha irmã Erica pela amizade e por ter se tornado essa menina mulher forte. Obrigada por acreditarem ‘comigo’ Com vocês do meu lado, tudo posso Amo vocês AGRADECIMENTOS A Deus que está sempre comigo e nunca me falta; Aos meus pais Josethe Maria Amado Vitorino e Augusto Francisco Lobo por me terem concebido, garantido a minha educação, por darem sempre o seu melhor; Aos meus avós Francisca Elvira de Sousa Pinto, Isabel Maria Amado Vitorino, Luíz de Gonzaga Lobo e Albano João Vitorino pelo amor, carinho, mimos e cuidados; A minha irmã Erica Célcia Jessen muito paciente; À minha orientadora Marlise Inêz Klein por me aceitar como sua orientada, pela paciência e profissionalismo ao mesmo tempo e pela amizade. Sinto-me honrada por fazer parte do ‘team Marlise’ e sou muito grata por tudo que fez e faz por mim. O meu carinho e admiração. A professora Ana Cláudia Pavarina, pela carta de aceite; As professoras Janaína Habib Jorge e Josimeri Hebling Costa, por terem participado da minha banca de qualificação; As professoras Cristiane Duque e Josimeri Hebling Costa, por terem gentilmente aceito fazer parte da minha banca de defesa; Ao Hospital Central de Nampula, Direção Provincial de Nampula e Ministério da Saúde de Moçambique por permitirem que eu continuasse com os estudos; Ao Departamento de Materiais Odontológicos e Prótese da Faculdade de Odontologia de Araraquara; Ao Laboratório de Microbiologia Aplicada do Departamento de Materiais Odontológicos e Prótese da Faculdade de Odontologia de Araraquara pela disponibilidade de utilização do espaço e equipamentos; Ao Laboratório de Biologia Molecular do Departamento de Materiais Odontológicos e Prótese da Faculdade de Odontologia do Campus de Araraquara pela disponibilidade de utilização do espaço e equipamentos; Ao Laboratório de Microscopia de Fluorescência Confocal da Faculdade de Odontologia de Araraquara pela disponibilidade de utilização do Microscópio de Fluorescência Confocal. A todos os professores; técnicos e funcionários da Faculdade de Odontologia de Araraquara (em especial aos do Programa de Reabilitação Oral); Ao José Alexandre Garcia, Tarcísio Rodrigues da Silva, Cristiano Lamounier e Renan César Palomino pelas orientações antes e após a minha chegada ao Brasil; Ao ‘team Marlise’ pelo companheirismo em especial ao Guilherme Roncari Rocha e ao Elkin Jahir Florez Salamanca pelo treinamento, amizade e paciência; A Luana Sales pela colaboração e parceria; A Paula Aboud Barbugli pela colaboração; As minhas queridas alunas de iniciação científica Chiara Mikaella Somogyi Christiano (Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico PIBIC/CNPq) e Talita Baptista Rinaldi (Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa FAPESP 2016/108338); A Maria Inês Carlos pelo carinho e amizade; Aos meus queridos amigos gringos pelos momentos partilhados, minha família estrangeira; Aos meus queridos amigos brasileiros, que me receberam e acolheram, estão no meu coração; Ao Lucas Portela Oliveira, meu grande amigo em Araraquara, pelas conversas, risadas, trocas, o meu muito obrigado por tudo. Aos meus familiares e amigos moçambicanos e estrangeiros espalhados pelo mundo pela força. Ao Ministério de Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional de Moçambique pela concessão e financiamento da Bolsa de mestrado. Lobo CIV. Interação de Streptococcus mutans e de Candida albicans em biofilme in vitro [Dissertação de Mestrado]. Araraquara: Faculdade de Odontologia da UNESP; 2018. RESUMO O objetivo foi avaliar quais são os mecanismos de Streptococcus mutans e de Candida albicans que contribuem para aumentar a patogenicidade do biofilme misto. Biofilmes mistos e simples das cepas S. mutans UA159 (Sm) e C. albicans SC5314 (Ca) foram formados sobre discos de hidroxiapatita com película salivar, na presença de sacarose. O pH do meio de cultura foi aferido em diversas fases de desenvolvimento do biofilme. Após 43h de crescimento, foram realizadas análises bioquímicas (peso seco, proteinas, composição da matriz extracelular) e de população microbiana. A estrutura dos biofilmes foi avaliada por microscopia confocal em 19 e 43h. A expressão de genes de vias metabólicas de ambas espécies foi verificada em 28h. Os dados foram avaliados por métodos estatísticos considerando α=0,05. Verificou-se diferença do pH do meio para os três biofilmes nos tempos 19, 27 e 43h (p<0,001; ANOVA dois critérios, Tukey). Biofilmes de Sm e misto foram mais ácidos em 19 e 43h, enquanto biofilmes de Ca mantiveram o pH neutro (p>0,05). As quantidades do peso seco e de proteínas de biofilme misto foram maiores comparadas aos biofilmes simples, e menores para Ca (p=0,001; ANOVA um critério). Não houve diferença na quantidade de exopolissacarídeos solúveis entre biofilmes Sm e misto, porém o biofilme Ca apresentou menor quantidade (p<0,001; Kruskal-Wallis, Dunn). Houve maior quantidade de exopolissacarídeos insolúveis em biofilme misto (p=0,002). Verificou- se mesmo comportamento populacional para Sm em biofilmes mistos e simples (p=0,404; Mann Whitney); porém, para Ca o biofilme misto apresentou maior população versus o simples (p<0,001; Teste t). Em 43h, a estrutura tridimensional demonstrou microcolônias maiores em biofilmes mistos comparado à Sm, e ausência dessas estruturas em biofilme simples de Ca. Em biofilmes mistos, as células de Ca estavam localizadas ao redor de conjuntos de células de Sm. Ainda, a distribuição de exopolissacarídeos insolúveis derivados de exoenzimas de Sm foi diferente em biofilmes mistos e simples de Sm. Em 19h, a presença de polissacarídeos derivados de Ca foi melhor observado em biofilme simples de Ca comparada ao biofilme misto. Em 28h, a expressão dos genes de Sm gtfB (síntese de exopolissacarídeos insolúveis) e nox1 (estresse oxidativo) foi maior em biofilme simples de Sm (p≤0,021); não houve diferença para a expressão de atpD (estresse ácido). Para Ca, o nível de expressão dos genes de BGL2 e PHR1 (síntese de polissacarídeos), SOD1 (estresse oxidativo) também foi maior em biofilme simples (p≤0,043); e não houve diferença para PHR2 (estresse ácido). Assim, a fase em que a expressão gênica foi avaliada demostrou que biofilmes simples de ambas espécies apresentaram maior atividade metabólica em relação ao biofilme misto. Portanto, a associação de Sm e Ca resulta em maior complexidade funcional e organização tridimensional de biofilmes mistos (comparados à simples) via produção de exopolissacarídeos pelas duas espécies, mas principalmente por Sm. Palavras – chave: Biofilmes. Streptococcus mutans. Candida albicans. Lobo CIV. Interaction of Streptococcus mutans and Candida albicans in in vitro biofilms [Masters Dissertation]. Araraquara: Faculdade de Odontologia da UNESP; 2018. ABSTRACT The objective was to evaluate the mechanisms of Streptococcus mutans and Candida albicans that contribute to increasing the pathogenicity of the mixed-species biofilm. Mixed and single-species biofilms of the strains S. mutans UA159 (Sm) and C. albicans SC5314 (Ca) were formed on saliva-coated hydroxyapatite discs in the presence of sucrose. The pH values of the culture media were verified at distinct developmental phases of biofilms. After 43h of growth, the biofilms were subjected to distinct assays biochemical (dry weight, proteins, the composition of extracellular matrix) and microbiological (colony forming units), analyzes. The biofilm´s structure was verified via confocal microscopy at 19 and 43h. Gene expression of metabolic ways from both species was evaluated at 28h. The data were assessed by statistical methods (α=0,05). There was a difference in the media pH for the three biofilms at times 19, 27 and 43h (p<0,001; two-way ANOVA, Tukey). Sm and mixed-species biofilms were acidic at 19 and 43h, while Ca biofilms maintained a neutral pH (p>0,05). The amounts of dry weight and proteins were higher for mixed-species biofilm compared to single- species biofilms, being lower for Ca (p=0,001; one-way ANOVA). The quantity of soluble exopolysaccharides was similar for Sm and mixed-species biofilms but Ca presented a lower amount than those biofilms (p<0,001; Kruskal-Wallis, Dunn). There was a higher amount of insoluble exopolysaccharides in mixed-species biofilm (p=0,002). There was no difference in Sm population in single- and mixed-species biofilms (p=0,404; Mann Whitney); however, the mixed-species biofilm presents a higher population of Ca versus the single-species biofilm (p<0,001; t-Test). The three- dimensional structure analysis showed larger microcolonies in mixed-species biofilms versus Sm biofilm, and absence of these structures in Ca biofilm. In mixed-species biofilms, Ca cells were located around clusters of Sm cells. Also, distribution of exopolysaccharides was different in mixed-species and Sm biofilms, but this component was not present in Ca biofilms. The presence of Ca-derived polysaccharides was better observed in single-species biofilms (versus mixed-species biofilms). In 28h gene expression levels of Sm, gtfB (insoluble exopolysaccharides) and nox1 (tolerance to oxidative stress) were higher for Sm single-species biofilm (p=0,021; p<0,001); while there was no difference for atpD (tolerance to acid stress). The expression level of Ca genes BGL2 and PHR1(polysaccharides), and SOD1 (tolerance to oxidative stress) were also higher for Ca single-species biofilm (p=0,043; p=0,005; p<0,005); while PHR2 (tolerance to acid stress) was similar for both biofilms. Thus, the gene expression phase evaluated indicates lower metabolic activity in both single-species biofilms in comparison with the mixed-species biofilm, which presents higher amounts of metabolic products (e.g., insoluble exopolysaccharides). Therefore, the association of Sm and Ca results in greater functional complexity and three- dimensional organization of mixed-species biofilms (versus single-species biofilms) via production of exopolysaccharides by both species, primarily by Sm. Keywords: Biofilms. Streptococcus mutans. Candida albicans. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................12 2 PROPOSIÇÃO ..................................................................................14 2.1 Objetivos Específicos...................................................................14 3 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................15 3.1 Cárie Dentária ...............................................................................15 3.2 Epidemiologia da Cárie Dentária ................................................15 3.3 Interação entre S. mutans e C. albicans para a formação de biofilme ..........................................................................................16 3.4 Outros Fatores de Virulência ......................................................25 4 MATERIAL E MÉTODO ...................................................................29 4.1 Formação de Biofilmes in vitro ...................................................29 4.2 Análises dos Biofilmes ...............................................................32 4.2.1 Análises bioquímicas (colorimétricas) e método microbiológico ...........................................................................32 4.2.2 Organização estrutural tridimensional do biofilme via microscopia confocal de varredura a laser .............................34 4.2.3 Expressão gênica de S. mutans e de C. albicans ...................36 4.2.3.1 Isolamento de RNA .................................................................38 4.2.3.2 Síntese de cDNA .....................................................................39 4.2.3.3 Quantificação da expressão gênica utilizando RT-qPCR ...39 4.3 Análise Estatística ........................................................................41 5 RESULTADOS .................................................................................42 5.1 pH do Meio de Cultura .................................................................42 5.2 População Microbiana .................................................................43 5.3 Peso Seco (Biomassa ou peso seco insolúvel) ........................43 5.4 Proteínas no Biofilme ...................................................................44 5.5 Exopolissacarídeos na Matriz Extracelular ................................45 5.6 Estrutura Tridimensional dos Biofilmes .....................................46 5.7 Expressão Gênica de S. mutans e de C. albicans em Biofilmes .......................................................................................51 6 DISCUSSÃO ....................................................................................53 7 CONCLUSÃO ..................................................................................56 REFERÊNCIAS ................................................................................57 ANEXO ...................................................................................................... 64 12 1 INTRODUÇÃO A cárie dentária é uma doença infecciosa e de natureza biofilme-dieta- dependente, caracterizada pela desmineralização dos dentes por ação de ácidos produzidos por microrganismos via metabolização de carboidratos da dieta e associada à higiene deficiente1. Os biofilmes são comunidades de células microbianas altamente dinâmicas, estruturadas e organizadas; as células estão cobertas e imersas em uma matriz extracelular (MEC) tridimensional (3D) de substâncias poliméricas tais como exopolissacarídeos (EPS), proteínas e ácidos nucléicos2. EPS são os principais componentes da matriz de biofilmes cariogênicos, sendo reconhecidos como fatores de virulência essenciais para o desenvolvimento da cárie3-5. Porém, outros constituintes como DNA extracelular (eDNA) e ácidos lipoteicóicos (ALT) extracelulares são detectados em quantidades elevadas em biofilmes cariogênicos6,7. A bactéria Streptococcus mutans é o principal microrganismo associado a presença de cárie, pois coordena a construção do biofilme cariogênico controlando a formação da MEC rica em EPS insolúveis8, além de ser acidogênico (produtor de ácido) e acidúrico (sobrevive me ambiente ácido)9,10. EPS insolúveis dificultam a neutralização pela saliva dos ácidos produzidos pelos microrganismos, levando a desmineralização do esmalte e da dentina11. Ainda, o fungo Candida albicans também tem sido encontrado frequentemente em números elevados de unidades formadoras de colônia (UFC / mL) em biofilmes cariogênicos (por exemplo em biofilmes de cárie precoce da infância)12-15. Esta espécie de fungo também é acidogênica (produz ácido pirúvico, ácido acético, ácido málico) e acidúrica, o que pode contribuir para a cariogenicidade do biofilme16. Uma associação bactéria-fungo pode ser de comensalismo cooperativa ou antagonista. É cooperativa quando os microrganismos fornecem substratos e/ou metabólitos ou estimulam o crescimento um do outro. Por exemplo, C. albicans não metaboliza a sacarose com eficiência, sendo beneficiada por produtos degradados da sacarose por S. mutans (glicose e frutose); por outro lado, a presença de C. albicans no biofilme, altera o ambiente físico do mesmo, propiciando o aumento de EPS e consequentemente, o acúmulo e formação de microcolônias por S. mutans17. S. mutans produz exoenzimas glicosiltransferases (Gtfs) que são responsáveis por produzir EPS. Na presença de sacarose, existe aumento de EPS produzido por Gtfs sobre as superfícies dentárias e microbianas, promovendo ligações fortes com 13 diversos microrganismos garantindo a formação e coesão do biofilme18. Essas ligações entre EPS e S. mutans são mais fortes porque essa espécie possui proteínas responsáveis pela organização estrutural de EPS – as proteínas ligantes de glicano ou glucan binding proteins: GBPs)8. C. albicans e S. mutans tem interação simbiótica mediada pelas exoenzimas Gtfs, principalmente GtfB, além disso, a presença da C. albicans em biofilmes mistos induz a expressão de genes gtfs de S. mutans18,19. Esta interação única aumenta a capacidade de ambos os organismos colonizarem os dentes, aumentando drasticamente a quantidade de EPS na matriz do biofilme, e sinergisticamente potencializando a virulência e a ocorrência de lesões de cárie severa (similares às lesões em cárie precoce da infância) em um modelo animal da doença20. É conhecida a participação de C. albicans na formação e patogenicidade do biofilme, no entanto, existe a necessidade de um entendimento mais avançado da patogênese dessa doença, quando esse fungo está presente, para o desenvolvimento de novas terapias efetivas. Por outro lado, um estudo in vitro sugeriu que C. albicans poderia prevenir a cárie dentária ao aumentar pH do meio (reduzindo a perda de minerais da estrutura dentária). Isso ocorre porque ao metabolizar sacarose, este fungo produz etanol (que não influencia no pH do meio), e em períodos de escassez/hipóxia é forçado a utilizar o ácido lático como fonte de carbono (energia), corroborando com a eliminação de ácidos em biofilmes mistos e consequente redução da desmineralização dentária21. Entretanto, este estudo é o único a propor uma relação antagonista entre S. mutans e C. albicans, e essa discrepância pode ser devida aos modelos in vitro utilizados. Assim, este estudo objetivou investigar os mecanismos pelos quais a matriz EPS e outras vias metabólicas induzidas quando estas duas espécies estão juntas, visando fornecer informações adicionais no processo da doença (i.e., patogenicidade). Este conhecimento é importante para o desenvolvimento de estratégias preventivas e terapêuticas. 14 2 PROPOSIÇÃO Avaliar in vitro as características fenotípicas e genotípicas do biofilme misto e simples de S. mutans e de C. albicans e os mecanismos através dos quais a interação entre essas espécies pode influenciar a virulência do biofilme. 2.1 Objetivos Específicos 1. Verificar e quantificar o pH do meio de cultura, a população microbiana, as proteínas e os exopolissacarídeos solúveis e insolúveis em água de biofilmes misto e simples de S. mutans e de C. albicans. 2. Analisar e descrever a estrutura tridimensional dos biofilmes misto e simples de S. mutans e de C. albicans. 3. Interpretar o nível de expressão gênica de S. mutans e de C. albicans em biofilmes simples e misto. 15 3 REVISÃO DA LITERATURA 3.1 Cárie Dentária Durante anos o entendimento de cárie dentária se limitou a presença de tecido cariado (constituído por bactérias causadoras de infecção e desmineralização dental), havendo necessidade de eliminação desse tecido para o seu controle. Porém, a cárie dentária resulta de interações complexas entre microrganismos orais específicos, fatores do hospedeiro e dieta, que promovem o estabelecimento de um biofilme cariogênico (com potencial de causar cavitação) na superfície dos dentes22. Atualmente, a cárie é considerada como um desequilíbrio ecológico do biofilme dental, na presença de carboidratos da dieta. Os microrganismos produzem e retém ácidos na matriz extracelular (MEC) rica em exopolissacarídeos (EPS), resultando no desequilíbrio entre o ganho de minerais pela saliva e a perda de minerais pelo processo de desmineralização, e consequentemente instalação da lesão cariosa23,24. O ecossistema da cavidade bucal é considerado complexo, pela presença de microrganismos ácido sensíveis e ácido resistentes (acidúricos). Os microrganismos formam ácido por fermentação de carboidratos, sendo o mais comum deles o ácido lático. A presença deste, promove perda de fosfato de cálcio e desmineralização das superfícies de esmalte e / ou dentina, iniciando a lesão de cárie. Lesões cavitadas surgem após períodos de desmineralização dos tecidos duros, e servem de porta de entrada e colonização de microrganismos; quando não controladas, podem levar a perda do elemento dentário, além de causar outras infeções como a endocardite bacteriana23. 3.2 Epidemiologia da Cárie Dentária A saúde bucal não registrou melhorias entre os anos 1990-2015 e apesar de sua relevância, cerca de 3,5 bilhões de pessoas no mundo sofrem com consequências das condições bucais não tratadas25. Dentre as doenças causadas por biofilmes, a cárie dentária continua sendo um problema de saúde pública mundial, afetando cerca 2,5 bilhões de crianças e adultos em todo mundo25-27. Depois do resfriado comum, a cárie dentária é considerada a doença mais prevalente em humanos28. A colonização por S. mutans em crianças pode ocorrer logo após erupção dentária e estes microrganismos apresentam proteínas específicas de ligação a superfície dentária, facilitando a sua colonização28, porém tem se verificado a presença deste 16 microrganismo antes dos três meses de idade (transmissão de mãe para filho)29. Ainda, prevalência da cárie precoce da infância (do inglês early childhood caries ou ECC) é considerada alta tanto em países industrializados como nos em desenvolvimento, variando de 28-82%29. 3.3 Interação entre S. mutans e C. albicans para a formação de biofilme Muitas doenças infecciosas humanas são causadas por biofilmes virulentos, incluindo os biofilmes orais. Na formação de biofilmes se observam interações de cooperação e competição entre vários microrganismos de estrutura heterogênea, produção de matriz de substâncias poliméricas que se acumulam na superfície dentária produzindo microambientes. Essas interações influenciam a formação do biofilme, mudanças metabólicas nos microrganismos, além das funções fisiológicas dos mesmos envolvendo mecanismos diferentes30. As células microbianas se ligam fisicamente e de forma direta às superfícies da cavidade bucal, ou indiretamente ao se juntarem a outros colonizadores iniciais. Ainda, a comunicação entre esses microrganismos pode ocorrer por vias metabólicas, trocas genéticas, “quorum sensing” (processo químico de comunicação entre os microrganismos). Contudo, fatores do hospedeiro, como a idade, sexo, sistema imunológico, genética, podem influenciar a composição microbiana e o seu metabolismo. Ao colonizarem as superfícies dentárias, as bactérias orais formam ligações com as proteínas da saliva (como α-amilase, proteína ricas em prolina), formando a placa dentária inicial30. Além de todos mecanismos mencionados acima para a formação do biofilme, ocorre a co-agregação, processo pelo qual os microrganismos geneticamente diferentes se ligam entre si via moléculas específicas, considerado importante para formação de biofilme multiespécies. Este processo ocorre quando colonizadores iniciais através de interações físico-químicas específicas ou não, formando microcolônias (se em condições ideais), se ligam às superfícies e em seguida colonizadores secundários se juntam às bactérias já aderidas aos dentes. Na sequência, ocorrem outras ligações na superfície, formando pontes para co- agregação de outras células microbianas, proporcionando dessa forma o desenvolvimento desse biofilme por múltiplas espécies30,31. A produção aumentada da matriz extracelular (substâncias poliméricas no meio extracelular) ocorre durante o desenvolvimento do biofilme, e pode estar associada a adesão de colonizadores secundários. Estes polímeros envolvem as células dentro do biofilme, fortalecendo a 17 sua adesão, além de atuarem como receptores para interações de co-agregação31. Ainda ocorre comunicação metabólica, quando o metabólito produzido por um microrganismo servir de nutriente para outro, ou se a quebra de substrato por atividade extracelular enzimática propiciar substrato biológico para outro microrganismo. Portanto, durante essas interações, ocorre o processo de adesão seguido de colonização das superfícies dentárias e seus tecidos, que é o primeiro passo para a formação e estabilização do biofilme30. A construção do biofilme cariogênico é orquestrado pela espécie S. mutans, com a formação da MEC rica em EPS8, porém nem sempre esta espécie é a mais numerosa; e outros microrganismos são igualmente acidogênicos e acidúricos32. Assim, mesmo que S. mutans não seja um componente numeroso no biofilme, em situações propícias, como na presença de dieta rica em sacarose, essa espécie modula eventos no biofilme que o tornam patogênico (como mostra a Figura 1, e descrito no texto a seguir). Figura 1 – Formação de biofilme Interação dinâmica e complexa entre hospedeiro-microrganismo-dieta na etiologia e patogênese da cárie precoce da infância. Cárie precoce da infância (ECC), EPS (Exopolissacarídeos). Fonte: Hajishengallis et al.1, 2017p. 31. 18 A sacarose da dieta serve como substrato enquanto os hidrolisados de amido funcionam como aceptores para a síntese de EPS (glicanos e frutanos) pelas exoenzimas de S. mutans Gtfs e frutosiltransferase (Ftf)8. Ainda, as Gtfs (i.e., GtfB, GtfC, GtfD) secretadas por S. mutans são componentes da película salivar e sintetizam glicanos diretamente na superfície dentária promovendo a colonização por S. mutans e outros microrganismos. As Gtfs também se adsorvem na superfície de outros microrganismos orais convertendo os mesmos em produtores de glicano8. A GtfB e a GtfC produzem glicanos com ligações glicosídeas do tipo α-1-3, que são exopolissacarídeos insolúveis em água ou solúveis em álcali (ASP). Já a GtfC e a GtfD produzem α-1-6-glicanos que são exopolissacarídeos solúveis em água (WSP). Assim, dentre as Gtfs, GtfC produz tanto EPS solúvel quanto insolúvel. Ainda, entre WSP podemos encontrar frutanos (mas em baixa porcentagem), que são polímeros de frutose produzidos pela enzima Ftf28. Recentemente, foi demonstrada a importância da maneira pela qual a matriz EPS é construída tridimensionalmente e como o arranjo espacial de EPS com as células bacterianas cria microambientes com pH distintos (compartimentos, nichos), enquanto esta mesma organização da MEC confere proteção às bactérias contra agentes antimicrobianos (clorexidina) dentro de biofilmes com a arquitetura intacta11. Crianças com ECC apresentam colonização por S. mutans chegando a 40% da microbiota cultivável33-38. Ainda, C. albicans também é frequentemente detectada em biofilmes de crianças com esse tipo de cárie12-15, por exemplo, um estudo isolou este fungo em 97% de lesões de cárie da infância12. Na cavidade bucal, C. albicans é a principal espécie presente no fungioma oral e forma comunidades microbianas mistas sobre superfícies mucosas e protéticas39, no entanto, quando há comprometimento do sistema imunológico pode causar doenças locais e sistêmicas sérias21. Ainda, observações anteriores in vitro18,40-42 e in vivo20 mostraram que interações entre C. albicans e S. mutans também ocorrem na superfície dentária na presença de sacarose. C. albicans induz a expressão de genes de S. mutans associados à EPS e à competência gênica (capacidade de incorporar outro DNA ao seu genoma)17,42. Esse fungo é polimórfico e pode se apresentar em formas de levedura ou filamentar (tubos germinativos, pseudo-hifa, hifa); as mudanças morfológicas de C. albicans são importantes para a sua virulência. Na forma de levedura se dissemina facilmente pela corrente sanguínea, enquanto na forma filamentar se torna invasiva aos tecidos e importante para a colonização de órgãos43. 19 Este fungo encontrado em crianças com ECC severa, muitas vezes é o mesmo encontrado nas mães sugerindo transmissão vertical29. Ainda, existem relatos de forte correlação entre unidades formadoras de colônia (UFC) de S. mutans e de C. albicans na saliva, sugerindo participação dos dois microrganismos na ocorrência de ECC15. Contudo, um único estudo sugere que C. albicans não apresenta características que tornem essa espécie cariogênica21. A seguir estão apresentados os estudos mais recentes e relevantes relacionados a virulência de biofilmes mistos e simples de S. mutans e de C. albicans (Quadro 1). 20 Quadro 1 – Principais achados em pesquisas anteriores em modelo de biofilme contendo S. mutans e C. albicans (continua) Microrganismos e Cepas Meio de Cultura e Carga Microbiana Superfície para formação de biofilme Análises Tempo de análises Principais Achados Referências Isolados de Streptococcus mutans (M1, M2, M3, M4, M5 e M6) Isolados de Candida albicans (C1, C2, C3, C4, C5 e C6) Candida albicans ATCC 10231 Streptococcus mutans ATCC 25175 Gibbons e Nygaard Carga microbiana: Bactéria 2.1x109 UFC/mL; fungo 2.1x108 UFC/mL Modelo in vitro: dentes humanos e superfícies de polietileno Microscopia eletrônica de varredura Aderência em superfícies acrílica Viabilidade celular 48, 72 h Isolados de C. albicans apresentaram morfologia filamentosa diferente do observado em Cepa padrão (aspecto menor); isolados de S. mutans apresentaram maior viabilidade celular comparando com a cepa padrão. Associação dos dois microrganismos favoreceu a adesão na superfície de polietileno, e sua organização estrutural foi mais volumosa. Intensidade de colonização de S. mutans foi mais extensa quando cultivado em associação com C. albicans (observado tanto em isolados quanto nas cepas padrão dos microrganismos). . Barbieri44 et al., 2007 Candida albicans ATCC 90028; Candida glabrata ATCC 90030; Streptococcus mutans UA159 Extrato de levedura suplementado com 18 mM de glicose ou 24,35 mM de sacarose Carga microbiana: bactéria 108 UFC/mL; fungo 107 UFC/mL Modelo in vitro: discos HA, de polimetilmetacri lato e de material de revestimento suave para próteses totais ou “soft denture liner” Viabilidade celular Microscopia confocal Microscopia eletrônica de varredura 24h Discos de HA e de “soft denture liner”, apresentaram maior colonização microbiana no modelo sem película salivar formada. Houve maior UFC em biofilme crescidos em HA, independentemente da suplementação do meio (glicose ou sacarose) ou tipo e combinação de biofilmes. UFC de C. albicans e de C. glabrata foi maior em biofilme suplementado por glicose, porém UFC de biofilme misto de C. albicans e S. mutans foi maior em todos os substratos testados, sugerindo a contribuição de S. mutans para o aumento de células fúngicas. Biofilmes de Candida spp. são afetados pela saliva, substrato e pela presença de outros microrganismos. Pereira- Cenci40 et al., 2008 Streptococcus mutans UA159; Candida albicans SC5314 UFTYE + 1% de glicose Carga microbiana: bactéria 1x 109 UFC/mL; fungo 1x108 UFC/mL Modelo in vitro e in situ: bolinhas HA Formação e síntese de glicanos Aderência de microrganismos Microscopia confocal e de fluorescência Susceptibilidade de EPS às enzimas mutanase e dextranase 1 e 2h Presença de glicanos formados na superfície das células de C. albicans aumenta a ligação entre S. mutans e a levedura, favorecendo as interações bactéria-fungo no processo de formação de biofilme associado a ECC. Gregoire18 et al., 2011 21 Quadro 1 – Principais achados em pesquisas anteriores em modelo de biofilme contendo S. mutans e C. albicans (continuação) Streptococcus mutans UA159 Candida albicans OMZ 1067 Água para beber + 2% de glicose e 2% de sacarose Carga microbiana: 108 UFC/mL para as duas espécies microbianas Estudo in vivo: modelo animal (ratos) Escore de placa em superfícies lisas Escore de cárie em superfícies lisas Cárie de fissuras Microscopia confocal Microscopia eletrônica de varredura 23, 28 e 53 dias A infeção com as 2 espécies na presença de sacarose, apresentou redução de células de S. mutans e aumento de células de C. albicans. Animais infectados com C. albicans, apresentaram lesões de fissuras mais avançadas. Ainda, microscopicamente observou-se presença C. albicans na forma de levedura e hifa incorporado no biofilme bacteriano e na colonização de fissuras oclusais e na dentina (penetrando os tubos dentinários), sugerindo potencial cariogênico para C. albicans. Klinke et al.45, 2011 Streptococcus mutans UA159 Candida albicans SC5314 TYE+ 1% de sacarose. Água com 5% de sacarose e dieta cariogênica Carga microbiana: bactéria 2x106 UFC/mL; Fungo 2x104 UFC/mL Estudo in vitro: discos HA; Estudo in vivo: modelo animal (ratos) Quantitativa (Biovolume e UFC) Microscopia confocal Marcação de glicanos RT-qPCR (genes de S. mutans apenas) Escore de cárie In vitro: 18, 22, 32 e 42h In vivo: 3 semanas Biofilme misto revelou aumento da quantidade de MEC rica em EPS e consequente aumento no biovolume e UFC. No modelo animal observou-se instalação rápida de cárie em superfícies lisas e exposição de dentina em infeção por S. mutans e C. albicans; No modelo in vitro biofilmes mistos apresentaram expressão aumentada dos genes de S. mutans gtfB gtfC (construção da MEC), dexA e gbpB (remodelação ou degradação da MEC), atpD e fabM (tolerância ao estresse ácido), sugerindo que a associação bactéria-fungo pode influenciar na patogênese de ECC. Falsetta et al.20, 2014 Streptococcus mutans UA159 ATCC 700610 cepa parental Streptococcus mutans UA159 SMP GFP (outras cepas mutantes) Candida albicans DSC11225 YNB + Sacarose (5g/L-1) Modelo in vitro: fundo de placa de 96 poços. UFC Biomassa Produção de substâncias poliméricas extracelulares Microscopia confocal Microscopia eletrónica de varredura qPCR (SigX) Micrografia eletrónica por scaneamento 4, 6, 8, 10, 12 e 24h Em 10h houve expressão do gene SigX pelas duas espécies S. mutans quando em associação com C. albicans, e o mesmo não foi observado em biofilmes simples de S. mutans; no entanto em 12h os biofilmes mistos com S. mutans GFP apresentaram diminuição da expressão desse gene. Ainda em 10h, observou-se a presença de matriz extracelular rica em exopolissacarídeos nos biofilmes simples das duas espécies microbianas (bactéria e fungo). Expressão aumentada de vários genes em biofilmes mistos C. albicans tem papel crucial no processo de progressão da cárie. Sztajer et al.42, 2014 Streptococcus mutans UA159 Candida albicans SC5314 TYE + 1% de sacarose Carga microbiana: bactéria 1x 109 UFC/mL; fungo 1x108 UFC/mL Modelo in vitro: vidro revestido com poli-L-lisina Atividade da enzima glicosiltransferase Microscopia de força atômica 1 e 2h A força e estabilidade de ligação de GtfB é maior em superfícies de C. albicans vs S. mutans. Na presença de sacarose, Gtfs produz glicanos que propiciam ligações entre bactérias e superfícies dentárias; co-adesão com C. albicans e outros microrganismos importante para o início da formação de biofilme cariogênico. Hwang et al.19, 2015 22 Quadro 1 – Principais achados em pesquisas anteriores em modelo de biofilme contendo S. mutans e C. albicans (continuação) Streptococcus mutans UA159 Candida albicans SC5314 BHI + 10% de SFB + 0,2% de sacarose Carga microbiana: bactéria 1x 109 UFC/mL; fungo 1x108 UFC/mL Modelo in vitro: discos HA ou lamínulas de vidro pH do meio de cultura UFC Produção de ácido Quantificação de cálcio Microscopia confocal 24, 48 e 72h Aumento de UFC em biofilmes maduros (72h); Maior produção de ácido lático para biofilme misto vs simples. Biofilme misto apresentou maior perda de cálcio durante períodos de acidez do pH e menor perda de cálcio quando o pH estivesse próximo de neutro. O pH para as duas superfícies avaliadas (HA e lamínulas de vidro), não se apresentou diferente entre si para as 3 idades avaliadas; no entanto, biofilme misto apresentou pH mais ácido em 24h vs 72h. Willemes et al.21, 2016 Streptococcus mutans UA159 Candida albicans ATCC18804 BHI + 5% de sacarose YNB + 100mM de glicose Carga microbiana: bactéria (104, 105 e 107 UFC/mL, fungo 106 e 107 UFC/mL Modelo in vitro: fundo de placa de 24 e de 96 poços e discos de resina acrílica Modelo in vivo: animal (Galleria mellonella) Quantitativas (UFC e Biomassa do biofilme) Microscopia eletrônica de varredura Avaliação morfológica via microscopia óptica (filamentação por C. albicans) Curva de sobrevivência Análise histológica 0, 8, 12, 18, 24, 48, 72, 96,120, 144 e 168h Modelo in vitro demonstrou que S. mutans favorece o crescimento de células de C. albicans; na forma de filtrado de cultura microbiana observou-se redução da quantidade de células viáveis e do crescimento de C. albicans (quantidade reduzida de hifas) quando em associação com S. mutans, porém não houve redução da biomassa do biofilme de C. albicans. Maior quantidade de biomassa em biofilme misto, porém, para UFC/mL não houve diferença entre biofilme misto e simples de S. mutans. Modelo in vivo: injeção de células ou de filtrado de cultura de S. mutans em G. mellonella pré-infectadas por C. albicans propiciou maior sobrevida destes animais; no entanto, a quantidade de células na forma de hifa foi reduzida. Filtrado de cultura de S. mutans apresenta efeitos inibitórios na formação, morfogênese e patogenicidade de C. albicans, além de reduzir a candidíase em modelo animal. Barbosa et al.46, 2016 Streptococcus mutans UA159 Candida albicans NGY152 ou CAI4 (diversas cepas mutantes) TYE+ 1% de sacarose Carga microbiana: bactéria 2x106 UFC/mL; Fungo 2x104 UFC/mL Modelo in vitro: vidro revestido com poli-L-lisina; discos HA Modelo in vivo: animal (ratos) Análises quantitativas (manoproteinas, carboidratos, biofilme e qPCR-DNA genômico) Microbiológicas Biofísicas e bioquímicas Microscopia eletrônica e varredura Microscopia confocal 18 e 42h, 3 semanas Mananas localizadas na parede celular de C. albicans formam ligações fortes e estáveis com GtfB de S. mutans (importantes para a relação bactéria-fungo), porém para as cepas mutantes (que apresentam menor quantidade de mananas) observaram-se ligações fracas com GtfB. GtfB promove ligações com outras espécies microbianas, propiciando a formação de biofilmes multiespécie. Cepas mutantes (efgΔΔ e bcr1ΔΔ) apresentaram dificuldade na formação de hifa e de biofilmes simples. Hwang et al.47, 2017 Streptococcus mutans UA159 Candida albicans SC5314 TYE+ 1% de sacarose Carga microbiana: bactéria 2x106 UFC/mL; Fungo 2x104 UFC/mL Modelo in vitro: Discos de HA Sequenciamento de RNA Quantificação de carboidratos e de metabólitos Cromatografia 42h Maior presença de genes relacionados com o transporte de carboidratos e processos metabólicos/catabólico. Presença de C. albicans e expressão de S. mutans em biofilmes mistos. Genes responsáveis pelas vias de metabolismo do piruvato (pdhA, pdhB, pdhC, pdhD, adhE), síntese de β-glicanos (gtfB e gtfC), foram melhor regulados em biofilme misto vs simples. He et al.48, 2017 23 Quadro 1 – Principais achados em pesquisas anteriores em modelo de biofilme contendo S. mutans e C. albicans (conclusão) Streptococcus mutans UA159 Streptococcus mutans UA159 Green Fluorescent Protein (que expressa proteína verde) Candida albicans SC5314 TYE+ 1% de sacarose Carga microbiana: bactéria 2x106 UFC/mL; Fungo 2x104 UFC/mL Modelo in vitro: discos HA UFC Microscopia confocal Viabilidade celular Atividade das glicosiltransferases 6,18,22,2 8, 30 e 42h Fatores extracelulares que ocorrem entre S. mutans e C. albicans estimulam o crescimento bacteriano com os biofilmes. Análises bioquímicas indicaram que farnesol pode ser um agente químico importante para a morfologia polimórfica de C. albicans (inibindo a transição levedura-hifa), além de apresentar atividade antibacteriana. Baixas concentrações de farnesol (25 μM) propiciam o crescimento de S. mutans e a expressão de gtfB; no entanto altas concentrações (maiores que 100 μM) inibem esse processo. Ainda, a presença de S. mutans pode reduzir a produção de farnesol por C. albicans. Kim et al.17, 2017 *TYE – triptona e extrato de levedura; BHI - do inglês “brain heart infusion” (infusão de coração cerebral); HA – Hidroxiapatita; SFB – soro fetal bovino. Fonte: Elaboração própria. 24 Os microrganismos C. albicans e S. mutans desenvolvem uma interação simbiótica mediada pelas exoenzimas Gtfs produzidas por S. mutans, particularmente GtfB. GtfB se adere com avidez excepcional à superfície de células de C. albicans no formato de levedura e de hifas19, produzindo quantidades elevadas de glicanos na superfície de C. albicans quando sacarose está disponível18,20. Além disso, a presença de C. albicans em biofilmes mistos induz a expressão de genes gtfs de S. mutans. Esta interação única aumenta a capacidade de ambos organismos colonizarem as superfícies dentárias, aumentando a quantidade de EPS na matriz do biofilme, e sinergisticamente potencializando a virulência e a ocorrência de lesões de cárie agressiva (similares às lesões em ECC) em um modelo animal da doença19. Assim, os biofilmes cariogênicos in vitro formados por S. mutans e C. albicans diferem muito daqueles formados por S. mutans apenas, e sobretudo, a co-infecção de animais com ambos microrganismos resulta na formação de maior quantidade de lesões cariosas e com maior grau de severidade20. Biofilmes de C. albicans estão envoltos por matriz extracelular protetora, que lhe conferem resistência a antifúngicos comumente utilizados. Essa resistência pode ocorrer por (i) redução do metabolismo ou fisiologia específica das células do biofilme (crescimento lento); (ii) restrição a penetração dos antifúngicos pela matriz do biofilme; (iii) expressão de genes específicos por células do biofilme49-51. C. albicans produz β- glicanos via várias glicosiltransferases (esses β-glicanos são polissacarídeos na parede celular e também EPS na matriz), principalmente com ligações β-1,3 e β-1,6 relacionados a resistência à antifúngicos52,53. Além dos polissacarídeos da MEC do biofilme de C. albicans, eDNA também pode estar relacionado a proteção contra difusão de antifúngicos54. A expressão do gene BGL2 está relacionada a formação de EPS na matriz e as funções do biofilme; PHR1 desempenha papel importante na estrutura da parede celular e na virulência de infeções relacionadas a pH baixo; SOD1 (superóxido dismutase citosólico de cobre e zinco) está envolvido na proteção contra estresse oxidativo e é importante para virulência total. A expressão aumentada de PHR2 pode ajudar a reforçar a proteção da parede celular51. Os genes BGL2, PHR1 (codificadores de glicosiltransferases) e XOG1 (β-1,3 exoglucanase) são responsáveis pela modificação e distribuição de carboidratos na matriz do biofilme maduro (sem este processo, os biofilmes tornam-se susceptíveis à intervenção de antifúngicos)53. 25 Entretanto, não se conhece exatamente qual é a contribuição de substâncias poliméricas produzidas por C. albicans em biofilmes cariogênicos. Contudo, o uso de componentes da matriz de biofilme como barreira contra moléculas antimicrobianas parece ser preservado em biofilmes procarióticos e eucarióticos, e estratégias destinadas a prevenir a produção da matriz podem ter aplicações contra infecções causadas por biofilme51. No Quadro 2, estão descritos os genes de interesse para o presente estudo, alguns dos quais são importantes para a construção da MEC (tanto de S. mutans, quanto de C. albicans), e para a tolerância aos estresses ácido e oxidativo. Quadro 2 - Genes selecionados para análise de expressão gênica. Espécie Gene de interesse Descrição e Função S. mutans 16S rRNA Codifica rRNA* da menor subunidade ribossômica de eubactérias, utilizado como normalizador de expressão gênica de S. mutans55 atpD Codifica a subunidade AtpD da bomba de prótons F0F1-ATPAse associada à tolerância ao estresse ácido56-58 gtfB Codifica exoenzima GtfB responsável pela síntese de glicanos insolúveis, fundamentais para a construção da MEC8,11 nox1 Tolerância ao estresse oxidativo13 C. albicans ATC1 Normalizador para quantificação relativa de C. albicans, construção da MEC50,59 BGL2 Codifica a glicosiltransferase BGL2 (síntese de β-glicanos), envolvida na formação do biofilme, construção da MEC e proteção53,54 PHR1 Codifica a glicosiltransferase PHR1 (síntese de β-glicanos), contribui para a tolerância ao estresse ácido e para a construção da MEC53,60 PHR2 Tolerância ao estresse ácido, estrutura da parede celular e proteção contra antifúngicos51,60 SOD1 Proteção contra estresse oxidativo e responsável pela virulência51,59 *rRNA- RNA ribossomal Fonte: Elaboração própria. 3.4 Outros Fatores de Virulência Ao sobreviver em vários locais da cavidade bucal, S. mutans é considerado como anaeróbio facultativo. O microrganismo em biofilme mantém-se aderido à estrutura dentária através dos produtos de fermentação da sacarose por S. mutans8. 26 Neste microrganismo o transporte de açúcares é feito por transportadores de membrana dependentes de ATP (ABC), translocadores de galactosida-pentose- hexuronida (GPH), e pelos sistemas fosfotransferase de açúcar do fosfoenolpiruvato (PTSs). Os PTSs são os principais transportadores de carboidratos de bactérias Gram-positivas, na sua maioria monossacarídeos, dissacarídeos, β-glicosídeos e álcoois de açúcar, e são responsáveis por formar ligações, transporte de transmembrana e fosforilação de inúmeros substratos de açúcar, além de regular processos metabólicos e transcripcionais61. A capacidade de S. mutans para transportar e metabolizar rapidamente açúcares disponíveis na dieta, pode estar relacionada à sua sobrevivência na placa dentária e seu potencial cariogênico em seres humanos61. S. mutans gera produtos ácidos por fermentação rápida de carboidratos (acidogenicidade), que além de provocarem desmineralização, afetam as condições ambientais influenciando o processo cariogênico. Ainda, S. mutans apresenta resposta adaptativa a tolerância ácida para combater a natureza destrutiva do ambiente ácido (aciduricidade) e é capaz de alterar sua atividade metabólica através do aumento da atividade glicolítica e síntese de aminoácidos durante o estresse ácido58. A saliva humana é saturada por cálcio, e este é o principal cátion na superfície dentária, podendo atuar como regulador responsável por respostas aos estresses e virulência de S. mutans. Para sobreviver à instabilidade de nutrientes, lidar com os efeitos prejudiciais dos metabólitos intermediários da via glicolítica, mantendo o equilíbrio entre NAD / NADH+, S. mutans apresenta abordagem regulatória sofisticada combinando regulação transcripcional com modulação alostérica de atividades enzimáticas, garantindo assim o fluxo adequado de carboidratos56,62. Observa-se ainda expressão dos genes ahpF e nox1 em respostas ao estresse mediados por oxigênio (i.e., estresse oxidativo) e contribuindo para a eficiência do metabolismo de carboidratos. O catabolismo de nutrientes na saliva e a dieta do hospedeiro, criam ácidos que formam espécies reativas de oxigênio e agentes que quebram biomoléculas. Assim, a tolerância ao estresse oxidativo está relacionada à virulência dessa espécie56. Comparando o proteoma de biofilme maduro e de células planctônicas de S. mutans cultivadas em pH neutro, observou-se que proteínas múltiplas associadas à absorção de carbono e à divisão celular foram pouco reguladas, enquanto que proteínas necessárias para o desenvolvimento de competência genética foram 27 altamente reguladas56. A produção coordenada de bacteriocinas por S. mutans e o desenvolvimento de competência é observada em ambientes de alta densidade celular, sugerindo que este, poderia usar a lise celular como competência induzida para adquirir DNA de espécies vizinhas56,61. Ainda, a ingestão intermitente de alimentos pelo hospedeiro, resulta em mudanças de disponibilidade de nutrientes e de pH, além de variabilidade significativa nas tensões de oxigênio e osmolaridade. Contudo, em células “famintas” (que ficam muito tempo sem ter contato com nutrientes), pode ocorrer redução de pH e em simultâneo rápido aumento e diminuição de ATP, que resulta no aumentando da proteção contra a morte por ácidos. Assim, o sistema F0F1-ATPase pode desempenhar papel tanto na tolerância ao ácido liberando prótons para fora das células e, como em certas condições, gerar ATP para o seu crescimento e persistência63,56. O sistema F0F1-ATPase é importante para a sobrevivência de Streptococcus orais em ambientes ácidos. Em S. mutans, esse sistema é codificado por 6 genes (atpC, atpD, atpG, atpA, atpH, atpF), dentre os quais atpD é o que apresenta maior expressão e síntese, e por isso será alvo do presente estudo. Especificamente em biofilmes mistos, verifica-se a expressão aumentada do gene atpD no complexo ATPase, responsável pela conversão de ADP em ATP que ocorre principalmente em condições de baixo pH (por meio de trocas de membrana)57. Ainda, em condições de baixo pH, a membrana celular de S. mutans apresenta aumento de ácidos graxos mono-insaturados de cadeia longa (C18: 1 e C20: 1) e ao mesmo tempo diminuição de ácidos graxos saturados de cadeia curta (C14: 0 e C16: 0)64. Assim, alterações da membrana celular podem ocorrer como forma de sobrevivência bacteriana ao estresse ácido65. No entanto, S. mutans dispõe de sistema análogo à arginina deaminase para o aumento do pH citoplasmático e produção de ATP e da fermentação malolática que faz a conversão do ácido L-málico (dicarboxílico) em ácido lático monocarboxílico e CO2 61,66,67. Verifica-se expressão aumentada de genes com capacidade de lidar com ambientes de estresse ácido como atpD, além de estar relacionado com o processo de formação do biofilme57,68,69, ainda, existe expressão aumentada dos genes gtfB e gtfC quando S. mutans cresce sobre as superfícies, como resposta ao estresse ao ácido8. C. albicans é um dos microrganismos aos quais as Gtfs se ligam e formam quantidades elevadas de EPS18. Portanto, a produção de EPS sintetizados in situ nas superfícies dentárias e microbianas permitem a adesão e acúmulo dos microrganismos nos dentes8,70-74. Com o passar do tempo, esses EPS ajudam a 28 construir a matriz 3D que envolve e suporta as células, formando um ambiente altamente coesivo com difusão limitada, e nichos acídicos11,24,75. C. albicans também é ácido tolerante, pela presença de ATPase que bombeia prótons H+ de dentro para fora da célula, se adere facilmente ao esmalte21, e se liga a S. mutans através das múltiplas adesinas presentes na parede celular da hifa (principalmente 1,3 e 1,6 β-glicanos). Ainda, C. albicans usa para seu metabolismo o ácido lático produzido por S. mutans e reduz o oxigênio local por sua atividade respiratória, promovendo estimulação de fatores de crescimento bacteriano28. Assim, a criação de microambientes, delineados por uma matriz que limita a difusão, possui efeitos profundos na arquitetura, metabolismo e expressão da virulência do biofilme como um todo. Embora a causa imediata da dissolução do esmalte seja certamente a produção de ácido, a ausência do efeito da MEC do biofilme iria minimizar a capacidade de os ácidos causarem desmineralização na presença de saliva. A matriz rica em EPS insolúvel produzida por S. mutans é uma característica de virulência “particular” desta espécie que ajuda a separá-la das demais espécies acidogênicas e acidúricas24. Porém, ainda é desconhecida qual é a exata contribuição de C. albicans na virulência de biofilmes cariogênicos. Este fungo é acidogênico e acidúrico76, e produz MEC de composição variada, contendo eDNA, β glicanos, mananas, proteínas50,52,54,77, e essa matriz tem sido associada à resistência contra antifúngicos53,78. Ainda, a biogênese da matriz produzida por C. albicans é coordenada extracelularmente, refletindo ações cooperativas para a sua construção (quanto maior e diversificada for a comunidade microbiana, na presença de substrato, maior e mais rápida será a construção da MEC do biofilme)78. Estudos genômicos e proteômicos permitiram avanço na identificação de genes, proteínas e vias metabólicas associados à tolerância ao estresse por S. mutans, sendo que, alguns produtos de genes podem ser alvos atraentes para o desenvolvimento de novas terapias anti-cárie56,79. Entretanto, estratégias para vias regulatórias utilizadas por S. mutans para detectar e gerar respostas aos sinais ambientais podem interromper o desenvolvimento de biofilmes cariogênicos (como por exemplo, combinando a regulação transcricional com a modulação alostérica de atividades enzimáticas, para garantir o fluxo adequado de carboidratos)56. Portanto, o presente estudo in vitro caracterizou os mecanismos através dos quais a interação microbiana do biofilme misto de S. mutans e C. albicans poderiam influenciar na virulência desses biofilmes. 29 4 MATERIAL E MÉTODO 4.1 Formação de Biofilmes in vitro Cepas S. mutans UA159 e C. albicans SC5314, mantidas congeladas (freezer- 80ºC) foram reativadas em placas de ágar sangue e incubadas em estufa (LABOVEN, modelo L212) à 37ºC e 5% CO2, por 48h. Transferiram-se cinco colônias de cada cepa separadamente para meio de cultura líquido (triptona e extrato de levedura, pH 7,0, DifcoTm) suplementado com 1% glicose (37ºC / 5% CO2). Após incubação por 16 horas, essas culturas foram diluídas 1:20 no mesmo meio, e incubadas até atingirem densidade óptica (DO 600 nm) correspondente ao meio da fase exponencial de crescimento anteriormente determinada por curva de crescimento (S. mutans 0,710 ± 0,270 e C. albicans 0,970 ± 0,30)80. Depois que atingiram a fase exponencial, os tubos contendo cada cepa foram centrifugados (20 min / 4000 rpm/ 4ºC; Eppendorf, Centrifuge 5810R). O meio antigo foi descartado e substituido por novo meio de cultura líquido (triptona e extrato de levedura, pH 7,0, DifcoTm) suplementado com 1% sacarose, e a densidade óptica foi verificada novamente. Para os ensaios de formação de biofilme, essas culturas foram diluídas e obtiveram-se as concentrações microbianas de inóculo para S. mutans 2x108 unidades formadoras de colônias por mililitro (UFC/mL) e para C. albicans 2x106 UFC/mL80. Utilizaram-se discos de hidroxiapatita (HA) como superfície para formação de biofilmes, por mimetizarem o esmalte dentário. Os discos de HA foram comprados prontos e possuiam uma área de superfície de 2,7 ± 0,2 cm2 (Clarkson Chromatrography Products, Inc., South Williamsport, PA). Para formação de película adquirida utilizou-se saliva total estimulada e esterilizada por filtração (0,22 μm) (de acordo com o projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Seres Humanos da Instituição Sede, CAAE: 55823016.7.0000.5416) (ANEXO), seguindo protocolo segundo Lemos et al.81, (2010). Especificamente, a saliva foi coletada por 3 doadores adultos em jejum no período da manhã. Certificou- se de que todos os doadores cumpriam as normas de inclusão para o estudo: ser saudável, não ter feito uso de antibióticos ou qualquer medicamento que alterrasse o fluxo salivar nos últimos 3 meses, não ter passado por quimioterapia ou radioterapia, fazer uso de dentifrício contendo apenas flúor como princípio ativo na noite anterior e no dia da coleta, não ter sangramento durante a coleta. Antes de se iniciar a coleta foi preparado gelo que foi utilizado para conservação das amostras. Os doadores foram 30 orientados a fazer bochechos com água MilliQ e descartar em tubo falcon esterilizado. Os primeiros 5 mL de saliva coletados eram decartados, e em seguida, utilizava-se novo tubo falcon para coleta de saliva. Por coleta, eram doados +/-100 mL de saliva por doador. Após coleta, toda a saliva foi diluida com tampão tampão de absorção (Tampão AB: 0,05 M KCl; 0,02 M KPO4; 0,02 M CaCl2; 0,02 M MgCl2) na proporção 1/1, seguiu-se a adição de fluoreto de fenilmetilsulfonil (phenylmethylsulfonyl fluoride – PSMF, Sigma) (inibidor de proteases) na proporção 1/1000 e os tubos foram centrifugados (20 min / 4000 rpm / 4ºC; Centrífuga Eppendorf 5810). Depois de centrifugada, a saliva clarificada (o sobrenadante) foi esterilizada por filtração (filtro de membrana de polietersulfona com baixa ligação de proteína, 0,22 µm), e preparada para experimento ou conservada em freezer -80º. Para o experimento, foram preparados biofilmes simples de S. mutans e de C. albicans e biofilme misto das duas espécies utilizando um n=16. Os discos de HA foram posicionados verticalmente em placas de 24 poços com auxílio de aparato confeccionado com fio ortodôntico (Figura 2), a fim de evitar efeito de depósitos microbianos devido à gravidade. Figura 2 – Aparato confeccionado com fio ortodôntico. A: aparato confeccionado por fio ortodôntico para suporte dos discos de Hidroxiapatita (HA); B: discos de hidroxiapatita posicionados no aparato. Fonte: Elaboração própria O modelo de biofilme misto mimetiza o biofilme cariogênico relacionado ao desenvolvimento de lesões cariosas severas (como visto na cárie precoce da infância20) e também mimetiza biofilmes encontrados em próteses acrílicas e outras superfícies40. Assim, para a formação da película salivar, os discos esterilizados foram hidratados em água MilliQ esterilizada (20 min, temperatura ambiente) e transferidos para poços contendo 2,8 mL da saliva preparada e esterilizada. Os discos foram A B 31 incubados durante 1 hora, 75 rpm, 37ºC e após esse período, estava formada a película salivar. Na sequência, os discos foram enxaguados em tampão AB e transferidos para poços com 2,8 mL de inóculo para a formação dos biofilmes. O inóculo foi utilizado para formação dos biofilmes formados pelas cepas de S. mutans UA159 (2x108 UFC/mL) e C. albicans SC5314 (2x106 UFC/mL). Biofilmes de espécies simples de S. mutans (2x108 UFC/mL) e de C. albicans (2x106 UFC/mL) foram utilizadas como controles. Os biofilmes foram inoculados no meio de cultura líquido (triptona e extrato de levedura, pH 7,0), contendo 1% de sacarose, incubados à 37ºC e 5% de CO2. O meio de cultura (triptona e extrato de levedura, pH 7,0, com 1% de sacarose) foi trocado duas vezes ao dia, quando os biofilmes atingiram idades de 19 e 27h, para simular as mudanças de pH que ocorrem na cavidade bucal. Após as trocas de meio, utilizou-se o meio velho para checar o pH (pHmetro - modelo QX 1500 Plus). Além da aferição de pH após as trocas de meio (19 e 27h), foram realizadas outras aferições nas idades em que os biofilmes foram removidos para análises: 20 e 28h para expressão gênica e 43h para análises bioquímicas (colorimétricas) e de população microbiana, bem como da arquitetura 3D via microscopia confocal (verificada também em 19h) (Figura 3). As análises foram realizadas em 20 e 28h para que não houvesse interferência do pH do meio nos dados obtidos. Figura 3 - Desenho experimental dos biofilmes Fonte: Elaboração própria 32 4.2 Análises dos Biofilmes 4.2.1 Análises bioquímicas (colorimétricas) e método microbiológico Em 43h, os biofilmes foram removidos e analisados utilizando métodos padrão de análises bioquímicas (colorimétricas) e método microbiológico de cultivo microbiano. Estes métodos foram usados para determinar o peso seco do biofilme (biomassa), conteúdo total de proteínas, e quantificação de exopolissacarídeos (solúveis e insolúveis em água – WSP e ASP, respectivamente) e verificar a quantidade de células viáveis via unidades formadoras de colônias (UFC)82,57. Para tanto, os biofilmes foram lavados 3 vezes com NaCl 0,89% esterilizado, e os discos de HA foram retirados de cada aparato da placa com o auxílio de uma pinça, e transferidos para tubo de vidro contendo 2 mL de NaCl 0,89%. Os tubos com os discos foram colocados em um béquer contendo água MilliQ esterilizada e sonicados por 10 min (em banho ultrassônico – marca Kodortech, modelo C-D-4820), para remoção dos biofilmes dos discos. Para remoção do biofilme residual os discos foram raspados com o auxílio de espátulas de aço inoxidável esterilizadas. A suspensão de cada biofilme foi transferida para novo tubo tipo falcon de 15 mL, e os tubos de vidro foram lavados com 3 mL de NaCl 0,89%, os quais também foram transferidos para o tubo falcon correspondente a cada amostra, totalizando 5 mL da suspensão de biofilme. A suspensão foi homogeneizada com sonda por 30 segundos à 7 watts (Sonicador modelo Q125, QSonica) e processada. Do volume de 5 mL, 0,1 mL, foram separados para diluição seriada e plaqueamento (semeadura em placa de ágar sangue), seguida de incubação por 48h à 37ºC e 5% de CO2, para contagem de UFC. O volume remanescente (4,9 mL) foi centrifugado a 4000 rpm, por 20 min (4ºC). O sobrenadante foi coletado e armazenado em outro tubo (falcon de 15 mL) e o pellet (precipitado celular com os componentes insolúveis da MEC) foi lavado com 2,6 mL de água MilliQ (4000 rpm / 20 min / 4ºC). Após centrifugação, o sobrenadante foi misturado no mesmo tubo falcon de 15 mL (que já continha sobrenadante). Repetiu-se a lavagem com mais 2,5 mL de água que foi novamente armazenado (totalizando 10 mL de sobrenadante). Os sobrenadantes armazenados (10 mL) foram utilizados para os testes de polissacarídeos solúveis em água (WSP). O pellet foi ressuspenso em 1,55 mL de água, dos quais 0,5 mL foram utilizados para cálculo do peso seco, 0,05 mL para quantificação de proteínas totais 33 (Método de Bradford), e 1 mL foi usado para a determinação de polissacarídeos extracelulares insolúveis em água (solúveis em álcali – ASP)7. Para análise do peso seco do biofilme, os 0,5 mL foram transferidos para recipientes de papel alumínio pré-pesados e etiquetados. Os recipientes de papel alumínio contendo as amostras de peso seco (0,5 mL) foram secados à 100ºC por no mínimo 4h e realizou-se nova pesagem. A diferença entre o peso inicial dos recipientes de alumínio sem e com amostra de peso seco (0,5 mL da suspensão do biofilme em 5 mL de NaCl 0,89% para biomassa total) resultou no peso seco da amostra7 (Figura 4). Figura 4 - Fluxograma para processamento dos biofilmes Fluxograma para processamento dos biofilmes para análises da população microbiana e bioquímicas. Fonte: Elaboração própria. Biofilme em 5 mL de NaCl 0,89% 100 μL para plaqueamento Lavar o pellet em 2,6 mL de água MilliQ e homogeneizar (vortex) Sobrenadante (volume total de 10 mL em tubo Falcon) Centrifugar (4000 rpm, 20 min, 4ºC) e coletar o sobrenadante em tubo tipo Falcon de 15 mL (4,9 mL) 50 μL para os testes de Proteina Total (Método de Bradford) 10 mL para WSP (+2,5 volumes de etanol 99% -20ºC). Após 18h, centrifugar (9500 xg, 20min, 4ºC), lavar 3 vezes com etanol 75%, resuspender o pellet com 1 mL em água, e quantificar carbohidratos usando o método fenol-ácido sulfúrico (Dubois et al., 1956). 500 μL para o peso seco insolúvel transferidos para recipiente de papel alumínio pré-pesados e etiquetados. Secagem a 100ºC, mínimo 4h, pesagem. A diferença entre o peso inicial e o final será o peso seco da amostra. 1 mL para o ASP. Centrifugar (10.000 xg, 5 min, 4ºC), descartar o sobrenadante e secar o pellet. Calcular o peso seco do pellet para extrair ASP 2 vezes com NaOH 1N. Precipitar com etanol 75% o sobrenadante da extração. Lavar e ressuspender as amostras em NaOH 1N, e quantificar carboidratos como método fenol-ácido sulfúrico (Dubois et al.,1956). Centrifugar (4000 rpm, 20 min, 4ºC) e colectar o sobrenadante no tipo Falcon de 15 mL (2,6 mL) Lavar o pellet em 2,5 mL de água MilliQ e homogeneizar (vortex) Centrifugar (4000 rpm, 20 min, 4ºC) e colectar o sobrenadante em tubo tipo Falcon de 15 mL (2,5 mL) Ressuspender o pellet em 1,55mL de água 34 4.2.2 Organização estrutural tridimensional do biofilme via microscopia confocal de varredura a laser Inicialmente foi feita a marcação geral dos biofilmes misto e simples de S. mutans e C. albicans (43h de crescimento) para análise das microcolônias e EPS produzido por S. mutans (Alexa Flúor 647). Para tanto, foram utilizados 2 discos de HA para cada tipo de biofilme e realizadas 4 ocasiões experimentais sendo obtidas pelo menos 3 imagens por disco (imagens representativas do biofilme). A microscopia dos componentes da matriz em biofilmes intactos foi conduzida usando um método baseado na incorporação de 10 kDa dextranos marcados (fluorescentes) pelas enzimas Gtfs durante a formação de exopolissacarídeos (glicanos)83. Os biofilmes mistos e simples de S. mutans UA159 e de C. albicans SC5314 foram formados sobre os discos de HA com película, em meio de cultura com 1% de sacarose (37oC / 5% CO2), como descritos acima. Para a visualização da matriz dos biofilmes, dextranos marcados com fluoróforo Alexa Flúor 647 (emissão de fluorescência máxima de 647/668 nm; Molecular Probes, Carlsbad, CA, EUA) foram incorporados pelas enzimas glicosiltransferases de S. mutans durante a formação de exopolissacarídeos. Para tanto, 13,4 𝜇L desses dextranos à 1 mM foram adicionados ao meio de cultura (2,8 mL) desde o início de crescimento dos biofilmes. As células microbianas foram evidenciadas com fluoróforo SYTO9 (485/498 nm; Molecular Probes) após os biofilmes completarem 43h. Os biofilmes foram transferidos para poços contendo 1,5 𝜇L de SYTO9 e 2,8 mL de solução NaCl 0,89%, e incubados à temperatura ambiente por 30 minutos. Esses biofilmes foram enxaguados em solução NaCl 0,89% e transferidos para placas de petri com fundo em lamínula contendo solução NaCl 0,89% para a aquisição das imagens. As imagens foram adquiridas com um microscópio de fluorescência confocal (CARLS ZEISS LSM 800 com Airyscan com detector GaAsp, lasers 488 nm e 561 nm com objetiva de 20x; Alemanha), com configuração 1024x1024, em incrementos de 1,5 𝜇m e analisadas usando o software ZEN Blue 2.3 (para reconstrução 3D). Ainda, para refinar a análise das relações entre as células microbianas (bactéria e fungo), seus componentes estruturais e localização na superfície de HA, além da marcação de polissacarídeos produzidos por C. albicans, foram formados biofilmes mistos e simples de 19h. A cepa de S. mutans UA159 utilizada expressa proteína verde fluorescente (GFP)20. Para marcação de polissacarídeos produzidos por C. 35 albicans, foram selecionados 3 anticorpos primários específicos para os polissacarídeos produzidos pelo fungo 1,3 β-glicano (400-2); 1,3 e 1,4 β-glicano (400-3); 1,4 β-manana e galacto 1,4-β (400-4) (Biosupplies, Austrália). Nesta etapa, foram realizadas 3 ocasiões distintas, sendo utilizados 2 discos para formação de biofilme simples de S. mutans UA159 GFP, 4 discos para formação de biofilme misto e 4 discos simples de C. albicans (1 disco por anticorpo e 1 disco controle). A formação destes biofilmes seguiu a metodologia acima descrita com a marcação da matriz EPS de S. mutans com Alexa Flúor 647. Em 19h de crescimento, os discos com os biofilmes foram transferidos individualmente para placas de petri com fundo em lamínula contendo solução NaCl 0,89% e em cada biofilme foram adicionados 150 𝜇L do anticorpo primário selecionado (400-2 ou 400-3 ou 400-4) diluido em solução de albumina de soro bovino (ASB) a 2% e Tripton X100 a 0,1% (diluição 1:20) e incubados por 18h (4ºC). Após essa incubação, os biofilmes foram lavados cuidadosamente com solução de NaCl 0,89% e foi adicionada solução de bloqueio solução salina tamponada com fosfato-PBS 1X (pH 7.3: 50 mM de PBS 1x, 200 mM / 11.68 g NaCl, 6.89 g H2NaO4P.H2O, 7.09 g Na2HPO4 pH 7,3) + 3% de ASB seguida de incubação por 15 min (4ºC); os biofilmes foram lavados novamente com solução de NaCl 0,89% e adicionou-se o anticorpo secundário marcado com fluoróforo Alexa Flúor 405 [(401/421 nm); Goat Anti-Mouse IgG H&L (Alexa Fluor® 405) (ab175660), Abcam)] (diluição 1:500 em PBS) seguido de incubação por 2h (4ºC). Passado o tempo de incubação do anticorpo secundário, os biofilmes foram lavados com NaCl 0,89% e incubados por 30 min com 80 𝜇g/mL de lectina concavalina A conjugada com o fluoróforo tetrametilrodamina (laser 555/580 nm)20 (Falsetta et al., 2014) e NaCl 0,89%; seguiu-se a lavagem dos biofilmes com NaCl 0,89% e estavam prontos para a aquisição das imagens. As imagens foram adquiridas utilizando o mesmo microscópio de fluorescência confocal na mesma configuração descrita acima, porém com a objetiva de 63x (imersão em óleo) e incrementos de 0,5 𝜇m (biofilmes simples) e 1,0 𝜇m (biofilmes mistos). Para esta análise, selecionou-se um biofilme de 19h por ser menos espesso do que o biofilme de 43h, permitindo a penetração do laser; a escolha da objetiva de maior ampliação facilitou a verificação de todas as marcações com maior especificidade (principalmente EPS de S. mutans, polissacarídeos produzidos por C. albicans e a localização dos microrganismos na MEC e sobre os discos de HA). 36 4.2.3 Expressão gênica de S. mutans e de C. albicans A metodologia RT-qPCR (reverse transcription-quantitative polymerase chain reaction) incluiu o isolamento de RNA, a síntese de cDNA e a análise da expressão gênica via qPCR; ainda, foram utilizados 4 genes específicos de S. mutans e 5 genes específicos de C. albicans, para avaliar o perfil de expressão como descrito a seguir: Para S. mutans, foi monitorada a expressão dos genes associados com a síntese de EPS (gtfB). Mudanças dinâmicas na expressão desses genes podem afetar a composição e a estrutura bioquímica de exopolissacarídeos, os locais para adesão microbiana, e a integridade física da matriz, influenciando a formação de microambientes dentro do biofilme8. Também foi examinado o perfil de expressão de genes associados a tolerância aos estresses ácido (atpD) e oxidativo (nox1), pois esses genes possuem papel no crescimento e sobrevivência de S. mutans, e são particularmente induzidos em biofilmes in vitro57. Para C. albicans, foi avaliada a expressão de genes que possam contribuir para a formação de biofilme virulento no contexto de interações entre reinos (bactéria-fungo - Quadro 3). Além disso, foi avaliada a expressão de duas transferases de glicano (BGL2, PHR1); pois, o controle da expressão desses genes está relacionado com a construção da MEC por C. albicans. A expressão dos genes associados com à tolerância ao estresse ácido (PHR1- também relacionado com a MEC, e PHR2), é altamente dependente do pH, e tem função na morfogênese levedura-hifa, bem como na adaptação ao pH extracelular60,84. PHR1 é expresso em pH acima de 5.5, enquanto PHR2 é induzido em pH menor que 5, mas não é expresso em pH acima de 6.060. Ainda, foi avaliada a expressão de gene de tolerância ao estresse oxidativo (SOD1)59. Os biofilmes mistos e simples de S. mutans UA159 e de C. albicans SC5314 foram formados sobre discos de hidroxiapatita com película, em meio de cultura com 1% de sacarose (37oC / 5% CO2), como descritos acima. Estes foram processados para isolamento de RNA em duas idades de biofilmes: 20 e 28h (1h após a troca de meio realizada quando os biofilmes atingiram 19 ou 27h), e os experimentos foram realizados com 28h (maior rendimento e pH similar ao de 20h). Ainda, as análises foram realizadas nestas fases para que não houvesse diferença no pH do meio de cultura dos biofilmes, o que poderia influenciar no perfil de expressão gênica. Contudo, mesmo com a utilização de biofilmes de 28h, C. albicans apresentou baixo rendimento (quantidade) de RNA; portanto realizou-se de diversos experimentos para obtenção de quantidade suficiente para síntese de cDNA (0,5 µg de RNA total por cDNA). 37 Quadro 3 - Primers para realização de RT-qPCR. Microrganismo Nome do Gene Sequência dos Primers (forward e reverse) Tm (ºC) Tamanho do produto (pb) Referências S. mutans 16S rRNA (normalizador) ACCAGAAAGGGACGGCTAAC TAGCCTTTTACTCCAGACTTTCCTG 58 122 Xiao et al.11, 2012 gtfB AAACAACCGAAGCTGATAC CAATTTCTTTTACATTGGGAAG 58 90 nox1 GGACAAGAATCTGGTGTTGA CAATATCAGTCTCTACCTTAGGC 58 91 Feng et al.85, 2014 atpD GGCGACAAGTCTCAAAGAATTG AACCATCAGTTGACTCCATAGC 58 115 Klein et al.57, 2012 C. albicans ACT1 (normalizador) ATTCGGTGAGTAATCCTA GTATAGTCCAGATAACAACA 55 167 Alonso et al.86, 2018 BGL2 ATGGGTGATTTGGCTTTCAA CAGCTGGACCAAGGTTTTGT 62 163 Srikantha et al.87, 2013 PHR1 GGTTTGGTTCTGGTTGATGG AGCAGCAGTTCCTGGACATT 62 156 PHR2 CTCCTCCATTTCCAGAACCA CGTCTGAATCAACCTTGTCG 62 146 SOD1 TTGAACAAGAATCCGAATCC AGCCAATGACACCACAAGCAG 60 396 Zhu et al.59, 2011 Fonte: Elaboração própria. 38 4.2.3.1 Isolamento de RNA Após 28h de formação dos biofilmes, o RNA foi isolado (extraído e purificado) conforme metodologia optimizada para biofilmes88, com algumas modificações (tempo de bead-beater foi aumentado de 40 segundos para 1 min). Os biofilmes foram removidos do meio de cultura, lavados com solução salina (0,89% NaCl) e cada disco com biofilme foi dispensado em tubo de vidro contendo 1 mL de RNAlater (Ambion - Molecular Probes). Em seguida, com o auxílio de pipetador/ponteira 1,5 mL de RNAlater foi dispensado nas paredes do tubo de vidro para o aproveitamento completo da amostra de biofilme, incluindo partículas que pudessem estar nas paredes do tubo, fossem cobertas com RNAlater. Os tubos de vidro contendo os discos com biofilmes, foram fechados, e transferidos para Béquer contendo água destilada (4oC), e submetidos à sonicação em banho ultrassônico por 10 min, mantendo a temperatura da água até no máximo 25oC (para evitar degradação de RNA). Depois, com o auxílio de uma espátula (limpa e esterilizada), removeu-se por raspagem, todo o remanescente de biofilme dos discos. A suspensão de biofilme resultante foi transferida para tubo tipo falcon de 15 mL e foi feita uma última lavagem dos tubos de vidro (1 mL de RNAlater) para remoção de possíveis remanescentes de biofilme e o mesmo passou por todos os tubos de cada tipo de biofilme, sendo no final adicionado ao tubo falcon de 15 mL inicial. As amostras foram conservadas em freezer -80, até o momento de extração. A extração de RNA foi feita usando o método de separação fenol-clorofórmio, e a purificação foi via tratamento com DNAse na coluna (Qiagen) e em solução (TURBO DNase; Ambion), descrito detalhadamente por Cury e Koo88 (2007), com modificação no tempo utilizado para ruptura das células por bead-beater (5 repetições de 1 min cada). A DNAse foi removida usando o RNeasy MinElute clean-up kit (Qiagen). Determinou-se a integridade do RNA purificado por eletroforese de gel de agarose 1% (Ultra Pure™ Invitrogen, Figura 5). Espectrofotometria foi utilizada para avaliar a quantidade (DO 260 nm) e a pureza (razão DO 260/280) do RNA total (Nano- espectrofotômetro DS-11+, Denovix). Biofilmes misto (2 discos) e simples de S. mutans (4 discos) foram formados em pelo menos 3 ocasiões, no entanto, para C. albicans, foram necessários mais discos (24) de pelo menos 3 ocasiões experimentais. 39 Figura 5 – Amostras de RNA após eletroforese em gel de agarose. Imagens representativas de amostras de RNA total após eletroforese em gel de agarose a 1%: Observou-se integridade do material genético, bandas correspondentes às subunidades 16S rRNA (seta azul) e 23S rRNA (seta vermelha) para S. mutans; e 18S rRNA (seta azul) e 28S rRNA (seta vermelha) para C. albicans, para as amostras apresentadas: Sm (S. mutans) Sm + Ca (S. mutans e C. albicans) e Ca (C. albicans). A primeira canaleta de cada imagem contém um padrão de peso molecular 100bp DNA ladder (Invitrogen). Fonte: Elaboração própria. 4.2.3.2 Síntese de cDNA O cDNA foi sintetizado usando o kit iScript (BioRad). Para síntese de cDNA, 0,5 μg de RNA total foi misturado com 4 μL do tampão 5X iScript, 1 μL da enzima transcriptase reversa, e água de grau molecular q.s.p. para completar 20 μL (i.e., amostras com enzima transcriptase reversa, +RT). Reações contento todos os reagentes do kit, exceto a transcriptase reversa foram os controles negativos, e serviram para determinar a presença de contaminação com DNA (i.e., amostras –RT). As reações foram incubadas usando o termociclador CFX96 (BioRad), seguindo o seguinte ciclo: 25oC / 5 min, 42oC / 30 min, 85oC / 5 min, finalizado com 4oC. As amostras de cDNA foram armazenadas a -20oC até o uso para quantificação da expressão gênica (qPCR). 4.2.3.3 Quantificação da expressão gênica utilizando RT-qPCR O cDNA (sintetizado como descrito no item “Síntese de cDNA”) foi amplificado com primers específicos seguindo protocolos padronizados57,83,89,90. Para o qPCR, 5 μL de cDNA foram amplificados com X μL de primers específicos (10 μM, forward e reverse – Tabela 4; volume dependente da concentração ótima determinada experimentalmente ou anteriormente, conforme as diretrizes para qPCR91) e 12,5 μL de 2X SYBR Green Supermix (BioRad), e água de grau molecular até completar 25 μL. Para cada primer (Quadro 4) foram realizadas reações referentes ao respetivo S m S m + C a S m + C a S m C a 1 C a 2 40 ciclo no equipamento CFX96 (BioRad) e foi feita a curva padrão baseada no produto de PCR (para cada primer) como descrito anteriormente92, e resulta em R2 1; eficiência de reação de 90-100%; slope de  -3.3. A expressão relativa dos genes de S. mutans foi calculada através da normalização de cada gene de interesse pelo gene 16S rRNA de S. mutans. No entanto, os genes de interesse de C. albicans não foram normalizados pelo gene ACT1 por este não apresentar o mesmo perfil de expressão nos dois biofilmes, como se espera que o gene normalizador se comporte. Quadro 4 - Reações para cálculo de concentração óptima dos genes BGL2, PHR1 e PHR2. 200 ηM 250 ηM 300 ηM 350 ηM 400 ηM 450 ηM DNA template 0,5 µL 0,5 µL 0,5 µL 0,5 µL 0,5 µL 0,5 µL 2x SYBR Green 12,5 µL 12,5 µL 12,5 µL 12,5 µL 12,5 µL 12,5 µL 10 µM primer 0,5 µL 0,625 µL 0,75 µL 0,875 µL 1 µL 1,125 µL Água 11,5 µL 11,375 µL 11,25 µL 11,125 µL 11 µL 10,875 µL Total 25 µL 25 µL 25 µL 25 µL 25 µL 25 µL Fonte: Elaboração própria. Para os genes BGL2, PHR1 e PHR2, foi determinada a concentração ótima utilizando qPCR, com SYBR green e DNA genômico de C. albicans (10 g/µL), utilizando-se como concentrações de primers: 200, 250, 300, 350, 400 e 450 M (Quadro 5). Para cada concentração fez-se um Master Mix específico, e correu-se o ciclo de qPCR para todas. Considera-se concentração ótima aquela que apresentar menor ciclo de quantificação (Cq) comparada as outras concentrações do ciclo para o mesmo primer. Sendo assim, para os genes BGL2, PHR1 e PHR2 foram realizados testes e determinou-se concentração óptima de 350 M. As concentrações óptimas dos genes 16S rRNA (200 M) e gtfB, atpD e nox1 (250 M) foram padronizadas anteriormente85,57,11. As concentrações para os primers de C. albicans ACT1 (350 M) e SOD1 (400 M) também foram pré-estabelecidas86. 41 Quadro 5 – Sequência do ciclo de qPCR para cada primer Primers Passo 1 Passo 2 Passo 3 Passo 4 Passo 5 Passo 6 16S rRNA atpD gtfB nox1 95 ºC / 3:00 min 94 ºC / 0:15 min 58 ºC / 0:30 min 68 ºC / 0:30 min Voltar ao passo 2 (39X) Melt curve 65–95 ºC; aumentar 0,5 ºC / 0:05 min ACT1 95 ºC / 10:00 min 94 ºC / 0:15 min 55 ºC / 0:30 min 68 ºC / 0:15 min Voltar ao passo 2 (39X) Melt curve 55–95ºC; aumentar 0,5 ºC / 0:05 min BGL2 PHR1 PHR2 95 ºC / 10:00 min 94 ºC / 0:15 min 62 ºC / 0:30 min 68 ºC / 0:30 min Voltar ao passo 2 (39X) Melt curve 55–95ºC; aumentar 0,5 ºC / 0:05 min SOD1 95 ºC / 10:00 min 94 ºC / 0:15 min 60 ºC / 0:30 min 68 ºC / 0:30 min Voltar ao passo 2 (39X) Melt curve 55–95ºC; aumentar 0,5 ºC / 0:05 min Fonte: Elaboração própria. 4.3 Análise Estatística Os dados obtidos foram submetidos a análise estatística descritiva e inferencial, para verificação de diferenças entre os produtos de biofilme. O estudo teve n=12 (sendo 4 por tipo de biofilme: simples de S. mutans, simples de C. albicans e misto), e foram realizadas 3 ocasiões por grupo. Os dados foram organizados em banco de dados (planilhas de excel) e analisados com o auxílio de tratamentos estatísticos adequados de acordo com a distribuição. Foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk para análise da distribuição dos dados. Quando os dados apresentavam distribuição normal, foi utilizado um teste paramétrico: a ANOVA um critério ou dois critérios (para mais de dois grupos, com pós-teste de Tukey) ou o teste t não pareado com correção de Welsh (para dois grupos). Quando os dados não apresentavam distribuição normal, foi utilizado um teste não-paramétrico: o teste Kruskal-Wallis (para mais de dois grupos, com pós-teste de Dunn) ou o teste Mann Whitney (para dois grupos). Testes de comparações múltiplas foram feitos quando o teste principal rejeitou a hipótese nula. Ainda, fez-se a análise descritiva e qualitativa das imagens da microscopia confocal. Para analisar os resultados, utilizou-se o software estatístico Prism 7 (GraphPad Software, Inc., 2016). O nível de significância foi 0,05. 42 5 RESULTADOS 5.1 pH do Meio de Cultura O pH do meio antigo foi aferido após as trocas de meio de cultura (19 e 27h) e quando os biofilmes foram removidos para o processamento em 19h (microscópica), 20 e 28h (análise de expressão gênica) e 43h (análises de população, bioquímicas e microscopia). Os dados de pH estão representados na Figura 6, n=12 (4 replicatas de 3 ocasiões experimentais) e observou-se diferença estatística significante entre os três biofilmes e entre as idades (p<0,001; ANOVA a dois critérios). Os valores médios de pH foram mais ácidos em 19 e 43h comparados à 27h para os biofilmes simples de S. mutans e misto; essa diferença entre períodos é estatisticamente significante (p<0,001; ANOVA a dois critérios, seguido do teste de Tukey). Biofilmes simples de S. mutans e misto apresentaram comportamento similar em 19 e 43 h (p=0,730 e p=0,665). Para o biofilme simples de C. albicans, os valores de pH mantiveram-se próximos a neutralidade em todas as idades (p<0,001; ANOVA a dois critérios, seguido do teste de Tukey). Figura 6 - Dados de pH do meio de cultura dos biofilmes pH do meio de cultura dos biofilmes mistos e simples de S. mutans e C. albicans n=12 (4 replicatas de 3 ocasiões experimentais. O gráfico representa as médias e os desvios padrão. Sm: S. mutans, Ca: C. albicans. Letras iguais indicam médias estatisticamente iguais pelo teste de Tukey (α=0,05), letras diferentes indicam diferença. Fonte: Elaboração própria. a a a a Idade do biofilme b e b f g b b g c d e b 43 5.2 População Microbiana Os dados de população de S. mutans e de C. albicans estão representados na Figura 7. Foram realizadas 3 ocasiões experimentais (n=12). Não houve diferença na população de S. mutans em biofilmes simples e misto (Teste Mann Whitney, p=0,404). Porém, houve diferença para C. albicans, pois no biofilme misto ocorreu maior quantidade de UFC/biofilme quando comparado ao biofilme simples de C. albicans (teste t não pareado, com correção de Welsh, p<0,001). Figura 7 - Dados de contagem de unidades formadoras de colônia O gráfico A representa unidades formadoras de colônia em (população) de S. mutans em biofilmes simples de S. mutans e mistos (dados das duplicatas, n=12); no gráfico B estão representados os dados de C. albicans em biofilmes simples de C. albicans e mistos (dados das duplicatas, n=12). O gráfico A (S. mutans) representa a mediana e intervalo interquatílico. No gráfico B (C. albicans) estão representadas a média e desvio-padrão. Sm: S. mutans e Ca: C. albicans. Fonte: Elaboração própria. 5.3 Peso Seco (Biomassa ou peso seco insolúvel) A associação dos dois microrganismos resulta em biofilme com maior peso seco, comparado com biofilmes simples de cada microrganismo testado (Figura 8). Ainda, C. albicans simples forma biofilme com menor peso seco. Utilizou-se o mesmo n da população de biofilme (n=12). 44 Figura 8 - Dados do peso seco dos biofilmes O gráfico representa a média e o desvio padrão do peso seco dos biofilmes mistos e simples de S. mutans e C. albicans n=12. Existe diferença estatisticamente significante entre os três biofilmes (p=0,001; p<0,0001; ANOVA um critério, seguido de teste de Tukey). Sm: S. mutans e Ca: C. albicans. Fonte: Elaboração própria. 5.4 Proteínas no Biofilme A associação dos microrganismos resultou em biofilme com maior quantidade de proteínas (n=12), comparado a quantidade de proteínas nos biofilmes simples (Figura 9), sendo essa diferença estatisticamente significante comparado com biofilme de C. albicans simples (p=0,046; Teste Kruskal-Wallis, seguido de teste de Dunn). Assim, observa-se também que a menor quantidade de proteínas está presente no biofilme de C. albicans. 45 Figura 9 - Dados de proteínas dos biofilmes O gráfico representa a mediana e o intervalo interquartílico das proteínas dos biofilmes mistos e simples de S. mutans e C. albicans (n=12). Sm: S. mutans e Ca: C. albicans. Fonte: Elaboração própria. 5.5 Exopolissacarídeos na Matriz Extracelular Foram avaliados os exopolissacarídeos solúveis em água (WSP) e insolúveis em água ou solúveis em álcali (ASP) (Figura 10). Para WPS, foram analisadas amostras de três experimentos (n=12) e não houve diferença na quantidade de WSP entre os biofilmes de S. mutans e misto. Porém, os biofilmes de C. albicans possuem menor quantidade de WSP comparado com os biofilmes de S. mutans e mistos (Teste Kruskal-Wallis, seguido de teste de Dunn; p<0,0006). Para os dados de ASP (n=16), houve maior quantidade de ASP em biofilme misto comparado com biofilme de C. albicans (p=0,002). Ainda, ocorreu diferença para os dois biofilmes simples (p=0,007), mas não houve diferença estatística na quantidade de ASP entre biofilme misto e biofilme de S. mutans (p>0,05; Teste Kruskal-Wallis, seguido de teste de Dunn). 46 Figura 10 - Dados de WSP e ASP dos biofilmes Os gráficos representam a mediana e o intervalo interquartílico de WSP e de ASP dos biofilmes mistos e simples de S. mutans e C. albicans. Sm: S. mutans e Ca: C. albicans. Fonte: Elaboração própria. 5.6 Estrutura Tridimensional dos Biofilmes Os biofilmes mistos apresentaram microcolônias (aglomerados de células microbianas) maiores que os biofilmes de S. mutans, enquanto essas estruturas estavam ausentes em biofilme de C. albicans (Figura 11). Ainda, a distribuição de exopolissacarídeos foi diferente em biofilmes mistos e simples de S. mutans, mas esse componente não pode ser visualizado em biofilmes de C. albicans (como esperado, porque a marcação é específica para α-glicanos produzidos por S. mutans). Em biofilmes mistos, EPS estão localizados ao redor das hifas (como indicado pela seta branca na Figura 11). 47 Figura 11 - Estrutura tridimensional dos biofilmes Imagens representativas de microscopia confocal dos biofilmes mistos e simples de S. mutans e C. albicans com 43h de formação, marcados com Alexa Flúor 647 e SYTO9. Sm: S. mutans e Ca: C. albicans. A cor verde representa o conteúdo microbiano em cada biofilme, enquanto que a cor vermelha representa EPS na matriz extracelular. A seta branca representa hifa de C. albicans envolta por exopolissacarídeos produzidos por S. mutans. As imagens da primeira coluna mostram a sobreposição, enquanto as da segunda e da terceira ilustram cada componente individualmente. Fonte: Elaboração própria. Em 19h, a microscopia com as 4 marcações concomitantes demostrou que em biofilmes simples de S. mutans (Figura 12) a estrutura foi semelhante à aquela Sm Sm + Ca Ca 48 observada anteriormente em biofilme de 43h (apenas marcação de microrganismo pela GFP e de EPS da MEC). Figura 12 - Estrutura tridimensional de biofilme de 19h Imagem representativa de microscopia confocal do biofilme simples de S. mutans GFP com 19h de formação, marcado com Alexa Flúor 647 (objetiva de 63x). A cor verde representa as células de S. mutans, enquanto que a cor vermelha representa EPS na matriz extracelular. Na primeira coluna se observa a sobreposição, enquanto a segunda e a terceira ilustram cada componente individualmente. Fonte: Elaboração própria. Para os biofilmes simples formados por C. albicans ocorreu uma marcação mais evidente com os anticorpos para 1-3 β-glicanos (400-2, 400-3), com polissacarídeos localizados tanto intra quanto extracelular (Figura 13). Os controles utilizados demonstraram que não houve ligação não específica de anticorpo secundário. Esses biofilmes apresentavam majoritariamente células filamentosas. Porém, a marcação com anticorpo para 1,4 β-mananas e galacto 1-4 β-mananas (400- 4) apresentou menor intensidade. 49 Figura 13 - Estrutura 3D de biofilmes de C. albicans marcados com 2 fluoróforos e anticorpo. Imagens representativas de microscopia confocal dos biofilmes simples de C. albicans marcados com anticorpo primário (400-2, 400-3, 400-4) pareado com anticorpo secundário marcado com Alexa Flúor 405 e concavalina A conjugada com tetrametilrodamina (objetiva de 63x). A cor laranja representa as células microbianas do biofilme; a cor azul representa polissacarídeos produzidos por C. albicans. Na primeira coluna se observa a sobreposição, enquanto a segunda e a terceira ilustram cada componente individualmente. Fonte: Elaboração própria. Os biofilmes mistos com os 4 marcadores demonstraram menor marcação de polissacarídeos produzidos por C. albicans, com marcação mais acentuada em células filamentosas (comparado a células ovaladas - levedura) (Figura 14). Observou-se ainda, que as microcolônias e MEC de S. mutans se localizam ao redor de C. albicans (envoltas principalmente em hifas). 50 Figura 14 - Estrutura tridimensional do biofilme misto marcado com 4 marcadores. Imagens representativas de microscopia confocal dos biofilmes mistos de S. mutans e de C. albicans (19h de formação), marcados com Alexa Flúor 647, anticorpo primário (400-2, 400-3, 400-4) pareado com anticorpo secundário conjugado com Alexa Flúor 405 e concavalina A conjugada com tetrarodamina. As cores verde e laranja representam as células microbianas de S. mutans e de C. albicans respectivamente; já a cor vermelha representa exopolissacarídeos produzidos por S. mutans e a cor azul representa polissacarídeos produzidos por C. albicans. A seta representa a marcação das hifas de C. albicans (que é melhor observada do que a marcação em levedura). Na primeira coluna se observa a sobreposição, enquanto as outras colunas representam cada componente individualmente. Fonte: Elaboração própria. 51 5.7 Expressão Gênica de S. mutans e de C. albicans em Biofilmes A Figura 15 ilustra os dados de expressão dos genes de S. mutans (atpD, gtfB e nox1, normalizados por 16S rRNA) e de C. albicans (ACT1, BGL2, PHR1, PHR2 e SOD1) em biofilmes simples e mistos, obtidos em três experimentos, com dois cDNAs por experimento, e quantificação de expressão por qPCR em duplicata. A expressão dos genes de C. albicans não foi normalizada por ACT1 porque ocorreu diferença na sua expressão entre biofilmes mistos e de C. albicans apenas (como demostrado na Figura 15). Observou-se maior nível de expressão em biofilmes simples comparado com o biofilme misto para os genes gtfB, nox1, ACT1, BGL2, PHR1, PHR2 e SOD1. No entanto, para os genes atpD (tolerância ao estresse ácido de S. mutans), e PHR2 (tolerância ao estresse ácido de C. albicans), não houve diferença entre os biofilmes simples e misto (p=0,817; p=0,705). 52 Figura 15 - Dados de expressão gênica. Expressão gênica de S. mutans e de C. albicans em biofilmes simples e mistos com 28h de formação. Os gráficos de gtfB, atpD, nox 1, BGL2, PHR2 e SOD1 representam mediana e intervalo interquartílico. Os gráficos 16S rRNA, PHR1 e ACT1 representam a média e desvio- padrão. Sm: S. mutans e Ca: C. albicans. Fonte: Elaboração própria. 53 6 DISCUSSÃO Os dados deste estudo demostraram comportamento semelhante entre o pH do meio do biofilme simples de S. mutans e do biofilme misto. No entanto, outros parâmetros como população microbiana, EPS (importante para a formação do biofilme), peso seco, proteínas e microscopia confocal, revelaram maior complexidade estrutural para biofilme misto de S. mutans e C. albicans, corroborando com estudos anteriores15,18,20,45. Para a cárie dentária, a virulência de C. albicans é atribuida a sua acidogenicidade e a sua natureza acidúrica, desenvolvimento de biofilme profuso, capacidade de assimilar e fermentar açucares da dieta e de produzir proteinases que degradam colágeno (dentre outras exoenzimas). Contudo, este fungo não é reconhecido como verdadeiro agente patógeno para cárie dentária, no entanto, pode atuar como um agente secundário para o processo da cárie (especialmente em dentina)63. Como se observou nos dados acima apresentados (peso seco e estrutura 3D do biofilme), biofilme simples de C. albicans apresentou estrutura menor e maior dispersão de suas células, comparado com biofilme misto e simples de S. mutans. Geralmente, o pH do meio de cultura apresenta-se mais ácido em biofilmes mistos. In vivo, com o crescimento da microbiota acidogênica e acidúrica no biofilme, o meio se torna mais ácido, beneficiando bactérias acidúricas e reduzindo a diversidade microbiana32,93-96. No biofilme misto também observamos o pH ácido, pela ação dos dois microrganismos (metabolização da sacarose por S. mutans e da glicose por C. albicans)93-96. Este perfil biológico foi verificado nos dados de pH e confirmados pelos dados de população microbiana e análise da estrutura 3D dos biofilmes mistos, em 19 e 43h. A espécie C. albicans não fermenta tão rápido os açúcares da dieta24, especialmente sacarose, e por isso seu pH no biofilme simples permanece neutro em todas idades analisadas, nas condições experimentais testadas (o meio de cultura utilizado foi com sacarose). Ainda, em ambientes ácidos C. albicans produz proteinases que podem destruir o colágeno em lesões de cárie de dentina, facilitando a invasão da levedura para o interior dos túbul