GILVÂNIA FERREIRA DA SILVA O CARÁTER POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA LUTA PELA TERRA: A EXPERIÊNCIA DO ACAMPAMENTO CIPÓ CORTADO – SENADOR LA ROCQUE (MA) Presidente Prudente 2014 GILVÂNIA FERREIRA DA SILVA O CARÁTER POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA LUTA PELA TERRA: A EXPERIÊNCIA DO ACAMPAMENTO CIPÓ CORTADO – SENADOR LA ROCQUE (MA) Dissertação apresentada ao Conselho do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Presidente Prudente – SP, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientação: Prof. Dr. Eduardo Paulon Girardi. Coorientação: Profa. Dra. Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo. Presidente Prudente 2014 S586c Silva, Gilvânia Ferreira da O CARÁTER POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA LUTA PELA TERRA : A EXPERIÊNCIA DO ACAMPAMENTO CIPÓ CORTADO – SENADOR LA ROCQUE (MA) / Gilvânia Ferreira da Silva. -- Presidente Prudente, 2014 146 p. : tabs., fotos, mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Orientador: Eduardo Paulon Girardi Coorientadora: Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo 1. Luta pela terra. 2. Caráter político-pedagógico. 3. Acampamento Cipó Cortado. 4. Movimentos socioterritoriais. 5. Pedagogia. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos camponeses sem-terra que enfrentam cotidianamente a violência do latifúndio, que sonham com um país sem exploração da classe trabalhadora e lutam por uma vida digna no campo. Dedico em especial às mulheres, homens e crianças do acampamento Cipó Cortado que, com sua pedagogia do exemplo, ocupam, resistem, marcham e protestam contra as injustiças deste país. À Maria da Penha (in memorian) pelas lições de ousadia e por ter me motivado a ser militante do MST, assumindo o desafio de romper com as cercas do latifúndio. À militância do MST da região tocantina. À minha família, meu pai Manoel (in memorian), minha mãe Maria de Nazaré, meus irmãos Ricardo, Geuza, Cristino, Maria José, Alberto, Cristiana e José de Nazaré. Aos meus filhos Tainá-Rakan e Kaioã Henrique, pela força e alegria que me fortalecem na luta cotidiana. AGRADECIMENTOS Aos trabalhadores e trabalhadoras sem-terra do acampamento Cipó Cortado, pelas contribuições a esta pesquisa expondo suas vivências, trajetórias e experiências na luta pela terra. Aos homens e mulheres do MST que fizeram e fazem parte da minha vida, por terem me proporcionado momentos de reflexões e aprendizagens. À direção estadual do MST-MA. À Zaira, pelas contribuições desde a elaboração do projeto de pesquisa. Ao meu orientador, Eduardo Paulon Girardi, e à minha coorientadora, Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo, pelas orientações. À Maria Gorete, pela acolhida em sua casa nos momentos de refúgio, pelo apoio, amizade e contribuições na construção deste trabalho com sugestão de textos, leituras e críticas. Ao camarada Guilhermo, obrigada pela solidariedade e companheirismo. Aos camaradas da Via Campesina, MAB, MMC, MPA, MST, por terem partilhado comigo esses momentos de apropriação do conhecimento. Que dizer da festa ilusão do povo? Quantas vezes buscou na terra, A esperança de seus sonhos... Sonhou-a partilhada, no entanto, viu sangue em seu leito, Viu cerca, viu latifúndio amordaçando a vida. Latifúndio que impede a fartura, a vida digna, desarticula o povo, tornando a terra mãe, símbolo de ganância e detenção de poder. Terra que, regada com o suor do camponês, do peão, do boia-fria é criminosamente usada, grilada, prostituída e roubada num monopólio genocida. (Carmelita Zanella) RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o caráter político-pedagógico da luta pela terra. Em particular, a ocupação da terra como prática educativa e, sobretudo, a dimensão pedagógica nas ações concretas dos camponeses sem-terra. Neste contexto, destacam-se as aprendizagens dos camponeses em luta de resistência, nos conflitos e nas suas experiências de organização política e ofensiva emancipatória. Os sujeitos desta pesquisa são os camponeses sem-terra do acampamento Cipó Cortado, no município de Senador La Rocque (MA). O estudo está estruturado em três dimensões para que possa contemplar o conhecimento do objeto e a relação com os sujeitos: 1. Luta pela terra; 2. Acampamento Cipó Cortado, expressão de luta emancipatória; 3. Caráter político-pedagógico da luta pela terra. A metodologia adotada foi a observação participante e entrevistas semiestruturadas com sujeitos do acampamento em estudo. O resultado da pesquisa aponta que a luta pela terra significa o momento de rompimento de uma trajetória de subordinação ao latifúndio e de uma vida de subserviência e exploração do trabalho, rompendo com a cerca de arame farpado que separa o camponês da sua terra de recriação da vida. O que lhe possibilita o reaprender a construir a vida no campo e se constituir enquanto sujeito em um processo de aprendizagem na experiência histórica da luta camponesa e do MST, participando coletivamente da libertação da terra, do trabalho e da subjetividade camponesa. Palavras-chave: luta pela terra, caráter político-pedagógico, acampamento Cipó Cortado ABSTRACT This research has as objective to analyse the political-pedagogical character of the struggle for land in Brazil. Particularly is focused on land occupation as an expression of educational praxis and, above all, the pedagogical dimension of the concrete actions taken by landless peasants. In this context, it is underlined the learning by peasant in their struggle for resistance, the conflicts and their experiences, the political organization and the emancipatory offensive. The subjects of this research are the landless peasants of the Cipó Cortado camp, located at the municipality of Senador La Rocque – state of Maranhão. The study is structured in three dimensions that comprehend the knowledge of the object and the relationship with the subjects: 1. Struggle for land; 2. The Cipó Cortado camp, expression of the emancipatory struggle; 3. Political-pedagogical character of the struggle for land. The methodology adopted was the participatory observation, semi-structured interviews with the subjects from the camp on focus. The results points that the struggle for land means the moment of breakout with a trajectory of subordination to the latifúndio and of a life of subservience and exploitation of work, breaking the wired fence that prevents the peasants of having access to their land of recreating life, enabling the possibility to relearn to build a life in rural areas, building themselves as subjects of a learning process coming from the historical process of the peasant struggle and MST, participating collectively to see the liberation of the land, work and peasant subjectivity. Keywords: struggle for land, political-pedagogical character, Cipó Cortado camp. RESUMEN La investigación tiene como objetivo hacer una reflexión sobre el carácter político- pedagógico de la lucha por la tierra en Brasil. En particular, sobre las ocupaciones de tierra como práctica educativa, y sobretodo, estudiar la dimensión pedagógica de las acciones concretas de los campesinos sin tierra. En este contexto, se destaca el aprendizaje de los campesinos en lucha de resistencia, los conflictos y sus experiencias en la organización política y la ofensiva emancipadora. Los sujetos de esta investigación son los campesinos sin tierra del campamiento Cipó Cortado, en el municipio de Senador La Rocque, estado do Maranhão. El estudio está estructurado en tres dimensiones que contemplan el conocimiento del objeto y la relación con los sujetos: 1. Lucha por la tierra, 2. Campamento Cipó Cortado, expresión de la lucha emancipadora, 3. Carácter político-pedagógico de la lucha por la tierra. La metodología adoptada fue la observación participante, entrevistas semi estructuradas con sujetos del campamento en estudio. El resultado de la investigación apunta que la lucha por la tierra significa el momento de ruptura con una trayectoria de subordinación al latifundio y de una vida de sumisión y explotación del trabajo, rompiendo con las cadenas que separan el campesino de su tierra de multiplicación de la vida, que posibilita el reaprender a construir la vida en el campo, constituyéndose en cuanto sujeto en un proceso de aprendizaje de la experiencia histórica de la lucha campesina y del MST, participando de forma colectiva de la liberación de la tierra, del trabajo y de la subjetividad campesina. Palabras clave: lucha por la tierra, carácter político-pedagógico, campamento Cipó Cortado. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Exportação – Maranhão (2012 – 2013).............................................31 Gráfico 2: Composição da área plantada das principais culturas do estado do Maranhão nas safras de 2009/2010 e 2010/2011.............................................44 LISTA DE IMAGENS Imagem 1: Monocultivo de eucalipto..................................................................48 Imagem 2: A luta pela terra no Cipó Cortado.....................................................50 Imagem 3: Os sujeitos do acampamento Cipó Cortado .................................... 65 Imagem 4: Estrada para o acampamento Cipó Cortado ................................... 69 Imagem 5: Alunos do acampamento Cipó Cortado estudando ......................... 72 Imagem 6: Crianças brincando no acampamento Cipó Cortado ....................... 80 Imagem 7: Manifestações dos sem-terra .......................................................... 83 Imagem 8: Cartaz da Campanha da Educação no MST ................................. 101 Imagem 9: Acampamento Cipó Cortado ......................................................... 123 Imagem 10: Trabalhadores pela reforma agrária ............................................ 133 Imagem 11: Reunião de trabalhadores sem terra ........................................... 134 Imagem 12: Sala de aula no acampamento .................................................... 136 LISTA DE MAPA Mapa 1: Polos e rotas de extração de madeira – Amazônia.............................39 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Acampamentos: ocupações do MST na região tocantina.................62 Quadro 2: Resumo dos assentamentos conquistados pelas ações do MST na região tocantina no período de 1988-2012....................................................................63 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Maranhão - Estabelecimentos familiares e não familiares - (2006)... 28 Tabela 2: Distribuição de terras por tipo de estabelecimento - Brasil (2006).....29 Tabela 3: Exportação - Setores industriais por intensidade tecnológica Brasil (2010/12).............................................................................................................32 LISTA DE SIGLAS AGU Advocacia Geral da União Bird Banco Interamericano de Desenvolvimento BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Centru Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural CPT Comissão Pastoral da Terra CVRD Companhia Vale do Rio Doce DPE Defensoria Pública Estadual FCO Fundos Constitucionais do Centro Oeste FNO Fundo Constitucional do Norte IBGE Instituto Brasileiro Geografia e Estatística ICMS Imposto Sobre Circulação de Mercadorias IDH Índice de Desenvolvimento Humano Incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Ipea Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Iterma Instituto de Terras do Maranhão MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário Mesc Instituto Maranhense de Estudo socioeconômico de Cartográficos MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MLST Movimento de Libertação dos Sem Terra Moquibom Movimento dos Quilombolas da Baixada Maranhense OAN Ouvidoria Agrária Nacional PAC Programa de Aceleração do Crescimento Pnud Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PGU Procuradoria Geral da União PIB Produto Interno Bruto Pronacampo Programa Nacional de Educação do Campo Pronera Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária. PTL Programa Terra Legal Sudam Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia Sudene Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste UDR União Democrática Ruralista SUMÁRIO INTRODUÇÃO 14 1. A CONCENTRAÇÃO DA TERRA E A LUTA CAMPONESA NA REGIÃO TOCANTINA-MA........................................................................ 20 1.1. A subordinação do estado do Maranhão ao capital Internacional e o agronegócio................................................................................................ 30 1.2. Camponeses e agronegócio disputam o território no estado do Maranhão: a territorialização da luta pela terra na região tocantina.......... 50 1.3. O MST e a luta pela terra no Maranhão..................................................... 55 2. EXPRESSÃO DE RESISTÊNCIA E OFENSIVA EMANCIPATÓRIA....... 65 2.1. A luta pela terra e as políticas públicas para os acampados..................... 66 2.2. Exploração e a desalienação do trabalhador: contradições em luta.......... 75 3. O CARÁTER POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA LUTA PELA TERRA......... 101 3.1. Educação do Campo – a construção da consciência de mudanças.......... 103 3.2. O caráter dialético da educação................................................................. 111 3.3. A ocupação como elemento pedagógico da luta pela terra....................... 123 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 137 REFERÊNCIAS.......................................................................................... 142 14 INTRODUÇÃO A luta pela terra é parte da minha trajetória e este trabalho contém também a experiência de prática militante e de inspirações provocadas pelas leituras realizadas nos espaços de estudo/análise/reflexão. Assim, a minha vida como filha de camponeses sem-terra é marcada por essa relação de conflitualidade, pois essas formas de exploração e opressão vão gerando certos graus de indignação que levam a um processo de resistência, de luta por direitos no enfrentamento direto com os latifundiários. Esse meu lugar de origem de classe permitiu-me viver sempre em um contexto de luta e resistência, criando as condições para minha participação na construção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no final dos anos 1980. Como pesquisadora militante, tenho uma relação histórica com a temática da luta pela terra e seus processos pedagógicos, partindo da minha experiência de vida familiar e comunitária, passando pela formulação teórica e relacionando as leituras das obras dos autores com a realidade concreta dos camponeses sem-terra. No MST, as experiências de organização dos camponeses sem-terra e de formação política são realizadas por sua militância nas atividades formativas, nas ocupações de terra, na convivência nos acampamentos, nas práticas pedagógicas para além da escola, fazendo da luta uma escola da vida, em um processo formativo e pedagógico. Essas questões sempre estiveram presentes nas minhas pesquisas e na minha vida acadêmica e militante dedicada à educação e formação política dos camponeses e à sua organização social nos acampamentos. A relação entre a realidade, o cotidiano e a pesquisa me fez pensar e repensar caminhos metodológicos para o trabalho formativo dos camponeses, considerando a práxis no desafiador processo conflitivo que é a formação humana. Entretanto, os desafios colocados pela luta me conduziram a trabalhar a educação como ferramenta da emancipação humana, visando a formação de sujeitos críticos, capazes de transformar a realidade. Sujeitos com consciência do seu papel histórico na luta da classe trabalhadora, capazes de compreender as relações humanas como 15 fonte produtora do movimento dialógico na sua forma singular e plural, possibilitando a construção de novos saberes e de novas formas de ver e lidar com o mundo e, consequentemente, transformar a sua realidade. Dessa maneira, a formação humana se desenvolve no diálogo e nas ações concretas dos sujeitos em luta. É a partir dessa compreensão que refletimos o caráter educativo emancipatório1 da luta pela terra e dos movimentos sociais que, como sujeitos coletivos, promovem o diálogo com e sobre a realidade na qual estão inseridos, negando ou aceitando tal realidade, contestando ou legitimando-a e assim, estimulando o debate das contradições que sempre afloram no diálogo. Para tanto, o elemento educativo se manifesta e se materializa nas atividades de formação, mobilização, nas ocupações de terra, de órgãos públicos, nas marchas, nos acampamentos e nas cidades. A pesquisa tem como objeto de análise os processos de luta pela terra como um ato pedagógico-educativo, constituintes da resistência e ofensiva emancipatória na construção de uma nova territorialidade. Aborda as ações de ocupação de terra, organizadas pelo MST, tendo como foco a experiência do acampamento Cipó Cortado – localizado no município de Senador La Rocque – e na ação dos sujeitos da luta pela conquista da terra, seu processo organizativo, sua cultura política e seu espaço social de convivência. Para tanto, o estudo que realizamos no acampamento Cipó Cortado enfatizou a prática e a vivência dos sem-terra, destacando os elementos do conflito agrário, a resistência e o enfrentamento com as estruturas de dominação no campo. Buscamos compreender as aprendizagens dos camponeses no acampamento, em que medida ocorre o processo educativo desses sujeitos em luta que pleiteiam a garantia de direitos como terra, trabalho, moradia e, principalmente, o direito de continuar a reproduzir-se no seu espaço de construção social, com as condições históricas de seu tempo. 1 Entendendo por educativo emancipatório a interação e a sociabilidade que ocorre entre os seres humanos na construção do conhecimento, ao se reconhecerem, se organizarem com suas próprias forças, como força sociopolítica. Assim se desenvolve a emancipação humana e seu processo educativo. 16 Analisamos a dimensão dos processos constituintes de resistência e de ofensiva emancipatória na luta pela terra no acampamento Cipó Cortado, percebendo-a como instrumento de fortalecimento da luta dos trabalhadores e constituindo-se como sujeitos de sua experiência histórica de luta pela terra e de sua organização política. Quais os principais desafios da luta pela terra na atualidade? Qual a especificidade no surgimento do MST no Maranhão em relação ao MST nacional? Existe um conteúdo emancipatório nas ações de luta pela terra? Essas questões nos provocaram a investigar o processo organizativo da luta pela terra na construção da autonomia dos camponeses, como projeto alternativo que possibilite alcançar elementos emancipatórios. Esse é o desafio posto pelo momento histórico produzido pelo movimento da luta no acampamento Cipó Cortado. De acordo com a temática, dialogamos com autores que pesquisam as lutas da classe trabalhadora e a questão agrária no contexto atual do capitalismo no campo, no âmbito de uma pedagogia da luta política. Partimos de uma base teórica de pensadores que dialogam com os movimentos sociais, que estudam as conflitualidades, dentre os quais Fernandes, que nos ajudou a compreender esses processos de luta e resistência dos camponeses em seus territórios; Sauer, com relação à reforma agrária como desenvolvimento do campo; Caldart, sobre a pedagogia da luta pela terra; Freire, para entender a pedagogia do oprimido e a superação da opressão. Em Raposo buscamos a dimensão pedagógica da luta camponesa; Pinassi fornece elaborações sobre movimentos sociais e emancipação humana; e Mészáros versa sobre a alienação do trabalho e o processo político e educativo da luta dos trabalhadores contra essa alienação. Refletimos sobre a questão agrária brasileira e maranhense como elementos relevantes da análise da luta pela terra, e a sociabilidade dos camponeses em seu espaço de luta e resistência, tendo a concentração da terra como base da exploração e subordinação deles à lógica imposta pelo capital. A luta e a resistência camponesa vinculadas ao movimento cotidiano de luta pelos direitos políticos, sociais, econômicos e culturais, de viver no campo, de recriar-se no seu espaço de reprodução da vida. 17 Construímos a proposta da pesquisa de campo tendo em vista a particularidade da luta pela terra na região tocantina – sudoeste maranhense – e os processos em nível nacional, desenvolvidos pelo MST. Buscamos analisar as singularidades da luta na vivência dos sujeitos sem-terra, no seu território de ação concreta, especificamente no acampamento Cipó Cortado. Observamos esses sujeitos nas suas relações sociais no acampamento, um espaço de organização política na disputa pelo território. Nesse contexto, o MST se constitui como sujeito pedagógico protagonista da luta pela reforma agrária, reconfigurando a territorialidade da região. Participamos das atividades da comunidade, possibilitando desta forma fazer as relações entre a teoria e a vivência cotidiana dos camponeses nos espaços da sua individualidade e coletividade. Partindo dos aspectos apontados na pesquisa de campo surgiram inquietações, principalmente no aspecto de como envolver os sujeitos nesse processo de análise e reflexão, estabelecendo relações no âmbito da práxis. Neste trabalho estabelecemos, em princípio, um estudo baseado em perguntas específicas, entrevistas semiestruturadas, visando conhecer a realidade do acampamento. Com esta compreensão, o diálogo estabelecido com as famílias participantes possibilitou metodologicamente a investigação no processo de desvelamento do problema foco da pesquisa, bem como novas questões que surgiram no aprofundamento da temática do caráter político-pedagógico da luta pela terra e suas possibilidades emancipatórias para outros trabalhos futuros. Dessa forma, os conceitos que estudamos na literatura da luta pela terra e as aprendizagens observadas nas ações desenvolvidas pelos camponeses foram relevantes na sistematização da luta pela terra e na construção da memória camponesa. É no espaço da luta dessa comunidade que a pesquisa apresentou suas indagações, construções e desconstruções do ponto de vista conceitual. A pesquisa bibliográfica e de campo que realizamos contribuiu para explicar melhor o objeto do estudo, possibilitando, assim, nesse percurso, fazermos escolhas metodológicas, tendo como ponto de partida e de chegada a realidade dos sem-terra acampados e o contexto da luta pela terra na atualidade. 18 Assim, no acampamento Cipó Cortado realizamos visitas, participamos das atividades reivindicatórias, reuniões, audiências, assembleias; utilizamos entrevistas com questões abertas para as famílias (previamente elaboradas) e estabelecemos um diálogo com o(a)s entrevistado(a)s, no qual cada um(a) contava sua trajetória de vida nas fazendas, nas cidades vizinhas, desde quando foram expulsos do campo até chegar ao acampamento. Abordamos, também, nas entrevistas as motivações para ocupar a terra, o processo de resistência, a organização do acampamento e da produção, as aprendizagens na luta, dentre outras questões. Vale ressaltar que os nomes dos entrevistados foram preservados por motivo de segurança, considerando que no momento atual os conflitos estão bem acirrados pela disputa do território em questão. Ao longo do trabalho utilizamos imagens que objetivam mostrar ao leitor algumas dimensões da realidade dos sujeitos do campo, possibilitando a compreensão do espaço e das ações realizadas pelos camponeses e promover a denúncia acerca da ação do latifúndio e dos organismos do Estado para reprimir a luta dos camponeses nessa região do país. Sendo assim, as imagens falam por si, para desvelar as ações do capital para apropriação do território e a luta de resistência dos acampados no Cipó Cortado, com trabalho, estudo, mobilização e organização na tentativa de frear a apropriação da terra pelo agronegócio, que destrói os bens da natureza, desagrega culturas e provoca o deslocamento de comunidades inteiras. Na realização do trabalho, nos apoiamos na experiência vivenciada na luta dos camponeses pela terra e realizamos leituras e estudos para dar sustentação à análise aqui apresentada. Dessa forma, buscamos na bibliografia estudada a compreensão acerca das contradições geradas pelos grandes projetos da mineração, hidrelétricas, cana-de-açúcar, soja, eucalipto. Outro estudo relevante foi a abordagem referente à questão agrária e ao campesinato na Amazônia Oriental, face à política neodesenvolvimentista para a região que inibe a concretização da reforma agrária. Consideramos que as falas dos entrevistados durante a pesquisa foram de grande importância, pois constituem o momento de relato dos sujeitos que realizam 19 a luta pela terra em um movimento constante de resistência, rebeldia, contestação aos interesses do latifúndio, do agronegócio. Assim, nos apropriamos de uma visão que dá sentido à luta dos camponeses sem-terra pela terra, em que dizer não aos detentores da terra, objetivando a realização da reforma agrária, é obter uma reparação secular dose direitos negados aos povos do campo. Organizamos o trabalho em três capítulos, sendo que o primeiro deles contextualiza a luta pela terra na região tocantina, no estado do Maranhão, fazendo recorte histórico da luta pela terra no Brasil, compreendendo a resistência como um movimento constituinte dessa construção que determinará a natureza da questão agrária brasileira, e debatemos o papel do Brasil e do Maranhão na divisão internacional do trabalho. No segundo capítulo abordamos a experiência do acampamento Cipó Cortado como construção de um modo de vida comunitário, vinculado a uma organização nacional com articulação internacional dos camponeses, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Via Campesina. Discutimos a resistência como elemento constituinte do processo educativo, na luta pela permanência e reprodução do campesinato, no enfrentamento às formas de concentração da terra na região tocantina. No terceiro capítulo, analisamos o caráter político-pedagógico da luta pela terra, tendo a prática da ocupação e a formação do acampamento como espaços educativos que formam os sujeitos para a transformação social, vivenciando no cotidiano das relações sociais os processos de resistências, conflitos, enfrentamentos com latifundiários, policiais, jagunços, com o próprio Estado e com os grandes empreendimentos das transnacionais. 20 1. A CONCENTRAÇÃO DA TERRA E A LUTA CAMPONESA NA REGIÃO TOCANTINA-MA O estado do Maranhão é caracterizado por desigualdades econômicas e sociais, sendo que uma das mais expressivas desigualdades está na sua estrutura fundiária, com alto grau de concentração de terras. Em 2006 os estabelecimentos não familiares dominavam 65,2% das terras do estado do Maranhão. Os dados apontam como, historicamente, se enraíza a concentração de terras, sustentada por conflitos e violências. A concentração da terra promove relações de poder que remontam desde o latifúndio tradicional aos dias atuais com a modernização conservadora, através do agronegócio. A expropriação da terra pressupõe a expulsão dos camponeses e o domínio do território por grupos de famílias latifundiárias de empresas capitalistas, gerando, assim, novas relações de poder e subordinação dos camponeses, além da exploração de sua força de trabalho. Essa situação estabelece uma configuração em concentração de terra e poder na região, ao mesmo tempo em que se observa o aumento dos conflitos e da violência em decorrência do incremento dessa centralização da terra nas mãos de poucos e da consequente pobreza dos camponeses. Nesse sentido a região tocantina2, no sudoeste do Maranhão, caracterizada por conflitos agrários, como demonstra os dados do IBGE, aponta para um número elevado de concentração de terras no estado. Essa região tem sido marcada pelas várias configurações da questão agrária, nela foram travadas lutas entre camponeses e fazendeiros, em plena fase das frentes de expansão. Hoje a luta ² Região de transição entre o Nordeste e a Amazônia, que compreende os municípios localizados nas áreas do entorno do Rio Tocantins, sendo eles: Estreito, Porto Franco, São João do paraiso,Carolina, Governador Edson Lobão, Ribamar Fiquene, Imperatriz, São Pedro da Água Branca, Cidelândia, Vila Nova dos Martírios, Senador La Rocque, João Lisboa, Açailândia, São Francisco do Brejão, Itinga Maranhão, Montes Altos, Campestre do Maranhão, Buritirana, Lageado Novo, Amarante do Maranhão, Sitio Novo e Davinópolis. 21 continua, a concentração de terras e a expansão do desenvolvimento na região têm novos formatos, com velhos dilemas, porém, travando embates e resistências contra a expansão do capital, que se articula diretamente à dinâmica da economia internacional. Durante a ditadura militar, a região tocantina teve sua situação socioeconômica redesenhada. Nos anos de 1960 e 1970, adotando uma nova política fundiária, que se inscreve no contexto de modernização do Maranhão, esse processo visava apresentar a região para o capital como tendo um grande potencial produtivo para a instalação de projetos empresariais agropecuários e de exploração de madeira e minérios. Essa política de Estado acelerou a migração dos nordestinos, que chegaram massivamente na Amazônia, assim como atraiu empresários do Sul e Sudeste do país, aumentando a especulação de terras e dando início a um processo violento de expulsão de camponeses das áreas que ocupavam. Invadiram terras indígenas com a pecuária e se apropriaram de territórios de comunidades ribeirinhas e/ou extrativistas que viviam nas terras sem cercas na região. A ocupação da região tocantina esteve inclusa na estratégia política que regia o projeto de segurança nacional na Amazônia, que, por sua vez, estava de acordo com as necessidades demandadas pelos interesses do capitalismo mundial. A geopolítica traçada nessa região de fronteira agrícola tem como objetivo integrar a economia de mercado em nome do desenvolvimento econômico do país. Esse dito “progresso”, advindo da expansão do capitalismo no campo maranhense, tem suas matrizes na violência, seja ela física, psicológica, social ou econômica. Na região do Bico do Papagaio, no território maranhense, a violência se instala na década de 1960 e aumenta nas décadas posteriores de 1970 e 1980. Nessa região de conflitos permanece ainda a concentração da terra, a grilagem e a violência como realidade constante na memória e na atualidade. Esse contexto de concentração da terra no Maranhão foi acelerado no governo de José Sarney com a promulgação da Lei de Terras de n. 2.979 de julho de 1969. Essa lei garante a terra para as empresas agropecuárias/madeireiras se instalarem na Amazônia Oriental em nome do desenvolvimento na rota da 22 modernidade capitalista. Essa peça jurídica ficou popularmente conhecida como lei Sarney e tem consequência até os dias atuais na estrutura fundiária do estado. Essa lei foi responsável diretamente pela expulsão de milhares de famílias, que em décadas anteriores haviam ali se estabelecido em busca da terra livre, de trabalho e de moradia e que ocupavam tradicionalmente o território. Os despejos dos camponeses ocorriam com o pretexto de que as terras eram devolutas, e empresários oriundos das regiões Sul e Sudeste, assim como goianos, tinham comprado do governo as terras que já pertenciam aos trabalhadores no Bico do Papagaio, oeste maranhense. Desse modo, vendendo as terras camponesas por valores questionáveis aos grupos empresariais, o governo criou as condições necessárias para a “modernização” do modo capitalista de produção no campo maranhense. A resolução governamental aumentou a concentração fundiária e a violência na região do Bico do Papagaio, bem como em todo o campo maranhense. No estado do Maranhão, na década de 1980, era constante a presença da polícia militar nas áreas dos posseiros, que lutavam para reivindicar sua posse. Os fazendeiros tinham a cobertura do Estado como também do Poder Judiciário, podendo assassinar e aterrorizar famílias de camponeses (PANINI, 1990, p. 141). Ocorreu na região do Bico do Papagaio, bem como nas demais regiões do país, o estímulo à concentração da terra, mesmo sem torná-la produtiva, pois isso representava para os proprietários, reconhecidos pelo Estado, o posto de precursores do desenvolvimento na região. Com a titulação, os supostos proprietários de terras recebiam financiamentos para desmatar, realizando a derrubada de árvores, e plantação de capim, dando lugar à produção agropecuária. Os créditos concedidos foram desviados para outros ramos da economia – como, por exemplo, para o comércio, a indústria ou para a aquisição de mais terras – provocando, por sua vez, ainda mais concentração e a expulsão dos camponeses por não terem documentos da sua terra de trabalho e de moradia. Essa prática violenta inicia-se nos governos militares e consolida-se na Nova República, pois foi nesse período de transição democrática que os conflitos de terra, 23 as agressões físicas e as mortes de trabalhadores aumentaram, não dando trégua aos camponeses em luta e resistência no campo. Durante a ditadura militar, as manobras criadas pelos governos geraram conflitos intensos em toda a região, desenhando as ações guerrilheiras entre o Tocantins e o Araguaia e influenciando a política de Estado para as áreas de conflitos. O propósito de um movimento armado provocou medo na classe dirigente, que agia de forma violenta contra os que se rebelavam, não aceitando a ordem estabelecida. O que mais temiam os militares era a influência de outros grupos armados e do movimento comunista. O Estado encarou a guerrilha atribuindo-lhe uma proporção que ela não tinha. O Governo estava informado da presença de pessoas estranhas na área em 1969, ano em que se verifica, coincidentemente, o crescimento das tensões sociais na região (FERRAZ, 2000, p. 63). Para Ferraz (2000), durante o confronto na guerrilha do Araguaia, 69 jovens guerrilheiros foram combatidos por 20 mil soldados, o que demonstra a desproporção do enfrentamento. Os camponeses ainda não tinham uma organização que possibilitasse um acúmulo maior para os propósitos da guerrilha. Havia por parte dos guerrilheiros uma simpatia para com os camponeses decorrente do modo como eram bem tratados, porém, não havia uma apropriação do conteúdo sobre a causa que defendiam. Para desativar o foco guerrilheiro, muitos camponeses foram assassinados, torturados, muitos foram para a clandestinidade. Com todo o aparato do Estado, os militares conseguiram desativar os focos da guerrilha e suas bases de apoio no campo, dando continuidade aos propósitos da ocupação “ordeira” da região. Com o aniquilamento da guerrilha, a partir de 1973, os militares têm como intenção não negociar com os camponeses, considerados, até então, subversivos, se utilizando de todos os meios disponíveis para esvaziar os conflitos pela disputa da terra. Para o Governo, o problema da terra estava na manipulação por grupos políticos, nos infiltrados comunistas. No entanto, a questão central era evitar que o conflito agrário sofresse interferências políticas das organizações “subversivas” e se transformasse em um espaço de enfrentamento ao modelo de “desenvolvimento”. 24 A presença dos militares na região não era para distribuir a terra, e sim para entregá-la “livre” para empresários, com fartos financiamentos, implantando uma política de expropriação dos camponeses, dando lugar ao capim e ao boi, gerando contradições entre os camponeses e o latifúndio. Essa política agressiva de ocupação dos espaços vazios, de “integrar para não entregar”, cercados pelos incentivos (restritos à região amazônica), deu início à retomada dos conflitos no campo. Os conflitos cresceram a partir daí e alcançaram uma posição muito significativa na história das lutas sociais no Brasil (FERRAZ, 2000, p. 64). A situação dos conflitos no Maranhão atingiu um alto nível de violência e crueldade nas décadas de 1970 e 1980. A luta pela conquista da terra levou os camponeses das áreas de conflitos a se mobilizarem e organizarem a resistência buscando as entidades classistas, sindicatos, associações, Comissão Pastoral da Terra, dentre outras formas de organização social, para exigirem seus direitos de posse e de permanência na terra de trabalho e moradia, exigindo dos órgãos governamentais – no caso, Iterma e Incra – a demarcação e a regularização de suas posses. Esse processo de ocupação das terras no Bico do Papagaio foi motivado pela propaganda na década de 1950 de que as terras neste local eram sem cerca, eram terras livres em uma região com ciclo chuvoso permanente. A circulação dessas informações transformou o Maranhão em uma alternativa para os camponeses sem- terra, já que existiam vastas extensões de terras devolutas; além do mais, esse processo migratório seria como uma válvula de escape para diminuir os conflitos pela posse da terra nos demais estados do Nordeste. Segundo Raposo: Não resta dúvida de que as secas se constituem em um fator que contribuiu de forma acentuada para a migração. Entretanto, não pode ser descartado como único motivo que levou ao processo, mas ocasionou uma grande liberação em massa de mão de obra excedente pelo latifúndio do Nordeste, em processo de transformação, para empresas, o que implicou o ingresso daquela região em uma nova fase de relação de produção. Nesta, o campesinato foi obrigado a emigrar, o que não ocorrendo passivamente, gerou tensões sociais que, por sua vez, se agravaram com o processo em 25 massa de mobilização e organização do campesinato em órgão de classe (1990, p. 29). Esses camponeses sem-terra, certos de que chegando ao Maranhão estariam ocupando terras livres, sem cercas, sem documentos, alimentavam a esperança de viver e plantar nessas áreas de chuva e fartura; mas, infelizmente, as terras devolutas estavam vulneráveis à ação dos grileiros, que com o apoio do Estado e dos cartórios, forjam documentos, facilitando a instalação de fazendas nas áreas dos posseiros, posteriormente, regularizadas pelo Getat (Grupo de Terras do Araguaia Tocantins). Diante desse contexto, os camponeses se viram obrigados a irem à luta, a resistir na terra, apesar de expostos a todo tipo de violência. Mesmo depois de tanto tempo, ocorre ainda a grilagem, como bem expressa o entrevistado do acampamento Cipó Cortado. Quando nós chegamos aqui pra acampar, pra entrar na terra, todo mundo daqui da região colocava medo em nós. Dizendo que nós ia sair daqui morto, porque aqui lá pelos anos 70, mataram muita gente para ficar com a terra. Expulsaram os trabalhadores e os que ficavam resistindo eles espancavam e depois matavam e enterravam aqui mesmo. Os fazendeiros da região também têm tentado tirar nós daqui, mas nós não sai não. Nós vamos resistir e vamos conseguir a nossa terra mesmo com tantas ameaças, perseguições, tentativas de despejos; a polícia já veio aqui várias vezes pra tirar nós, trouxeram um monte de papel, com nome de fazendeiros que nós nunca nem viu falar no nome dele e o juiz acreditava neles, tudo mentira. A nossa palavra não vale, o que vale é o poder dos fazendeiros, o poder do dinheiro. Nós desisti não, vamos vencer (ENTREVISTADO A, fevereiro, 2013). Esse contexto agrário gerou consequências para os camponeses sem-terra: a mais cruel violência na região do Bico do Papagaio, o não reconhecimento do seu direito de posse e a desagregação das famílias. Desse modo, só restaram três alternativas para os camponeses: primeiro, resistir na terra, enfrentando a violência da polícia e da pistolagem; segundo, migrar para outras terras, seja para o estado de Goiás, Tocantins ou para os outros estados da Amazônia e, terceiro, migrar para os povoados e cidades, abandonando as terras para os grileiros. Assim, entende-se que a migração está em consonância com o processo e é funcional à reprodução do modelo concentrador e excludente da estrutura fundiária. 26 No mesmo período, na região oeste do estado, as empresas Varig, Vasp, Sambra, Sharp, Cacique, Mesbla e Pão de Açúcar recebiam incentivos financeiros da Sudam para a implantação de projetos de extração de madeira e agropecuários. Com essa política governamental de favorecimento da grilagem, centenas de posseiros migraram para as cidades mais próximas – Imperatriz, João Lisboa, Porto Franco e Açailândia –, concentrando um grande contingente de sem-terra, sem emprego, em moradias precárias e sem condições de sobrevivência. Desse modo, restou-lhes como possibilidade retornar à terra através da ocupação organizada pelo MST e pelo movimento sindical da região nos anos posteriores. Ainda hoje, nessa região, crescem os conflitos fundiários e o Estado protege o latifúndio e os favorece com fartos financiamentos. [...] os financiamentos da Sudam para a implantação de vários projetos de extração de madeira e projetos agropecuários viabilizaram a territorialização das empresas capitalistas que expulsaram violentamente os posseiros de suas terras. Muitos posseiros migraram para o oeste em busca de novas terras ou foram para os garimpos. Na segunda metade dos anos 1980, em Imperatriz e cidades vizinhas, nas periferias concentrou-se um grande número de famílias sem terra. Sem emprego e com terras cercadas, a ocupação era uma forma de resistência e de sobrevivência. (FERNANDES, 2000. p. 121). De fato, o processo de formação socioeconômica do estado sempre esteve atrelado à divisão internacional do trabalho, o que faz com que a dinâmica produtiva venha sofrendo sistemáticas reconfigurações, a exemplo dos vários ciclos produtivos que o caracterizam. No início, com a produção de monocultivos, no sistema plantation, para atender o mercado externo com a oferta de cana-de-açúcar e algodão, assim como com a produção pecuária para a exportação de couro, posteriormente, para atender às necessidades da urbanização industrial brasileira, a produção estadual passa a se organizar em torno da produção de gêneros básicos para a cesta do operariado em gestação. Atualmente, o Estado atende de forma bem articulada à demanda do mercado externo, com a produção de soja, eucalipto, extração de ouro e gás natural, complexo do alumínio e complexo do ferro, dentre outras produções. 27 A terra foi sendo ocupada com a formação do campesinato. Para esta formação, por ocasião da Lei Áurea (1888), também se encontravam os negros recém-libertos, Abandonaram as fazendas e engenhos, embriagados com a liberdade adquirida. Embrenharam-se pelos cocais e pelas florestas retirando facilmente das mesmas o seu sustento. Havia abundância de terras devolutas, desocupadas, de onde o índio já havia sido afastado, mas que o branco ainda não ocupara com suas plantações, podendo viver numa economia fechada, amonetária, de subsistência (ANDRADE, 1998, p. 211). Tais levas de escravos se somaram aos grupos camponeses que já haviam se fixado em áreas às margens do “caminho das boiadas” (PEDROSA, s/d, p.15). Na perspectiva de novas possibilidades em relação à posse da terra, o estado foi sendo redesenhado com o auxílio dos camponeses expulsos pela seca, pela cerca e pela crise canavieira do Nordeste. Os migrantes nordestinos trilharam e se entrecruzaram seguindo as diversas regiões do Maranhão, chegando também à região tocantina, constituindo vários grupos de produtores camponeses, dentre eles, os posseiros, os pequenos proprietários e os arrendatários. Nesse contexto de migração forçada, os posseiros estavam em desvantagem em relação à competição das terras livres, ficando vulneráveis às ações de grilagem, assim, se diferenciavam dos pequenos proprietários por não portarem a legalidade jurídica da terra e, dos arrendatários, por se negarem a pagar pelo uso da terra. Em geral, eles ocuparam e ocupam terras devolutas ou terras livres. Outro aspecto que caracteriza os posseiros e que apresenta relevância para a compreensão dos conflitos pela terra diz respeito ao fato de que estes são posseiros também no sentido do uso da terra, pois esta tem passado de geração a geração, porém, sem dispor de documentação. Tal condição de falta de comprovação legal advém, em regra, da relação de uso que o camponês posseiro estabeleceu com a terra, visto que, Considerando a terra como um instrumento de produção, com valor de uso, os camponeses não tiveram a preocupação com as questões relacionadas 28 à regularização jurídica das áreas por eles ocupadas. É provável que tampouco essas preocupações tivessem mudado o rumo de suas histórias de vida. O acesso aos trâmites legais para este tipo de regularização, por um simples cidadão comum ‘era’ intransponível à medida que tornava necessário, entre outros fatores, o conhecimento da legislação vigente sobre o assunto, tempo e recursos financeiros disponíveis e o tão legitimado tráfico de influências (RAPOSO, 1999, p. 31). Em geral, esta é a condição de milhares de famílias camponesas maranhenses que foram expropriadas de suas terras ao longo dos tempos. Tal expropriação tem se caracterizado, historicamente, por estratégias de violência praticadas por fazendeiros e pelo próprio Estado, demarcando de forma particular os conflitos agrários no Maranhão e implicando na constituição da condição destas famílias em famílias sem-terra. Na sua grande maioria, foram expulsos das terras, expropriados dos meios e condições de trabalho camponês e passaram a oferecer sua força de trabalho nas fazendas, compondo, também, o processo de proletarização do campesinato no estado. Conforme já apontado, a concentração fundiária constitui aspecto histórico da questão agrária no Maranhão, o que pode ser observado na tabela a seguir: Tabela 1: Maranhão - Estabelecimentos familiares e não familiares - (2006) Tipo Estabelecimentos % Área (ha) % Agricultura familiar 262.089 91,30 4.519.305 34,80 Agricultura não familiar 24.948 8,70 8.472.143 65,20 Total 287.037 100 12.991.448 100 Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (2006) Como pode ser observado, a situação se apresenta grave, na medida em que os estabelecimentos camponeses ocupavam em 2006 apenas 34,80% da área, mas representavam 91,3% dos estabelecimentos. Trata-se de um cenário muito próximo daquele visto quando considerado o Brasil como um todo (tabela 2). 29 Tabela 2: Brasil - Estabelecimentos familiares e não familiares - (2006) Tipo Estabelecimentos % Área (ha) % Agricultura Familiar 4.367.902 84,4 80.250.453 24,3 Não Familiar 807.587 15,6 249.690.940 75,7 Total 5.175.489 100 329.941.393 100 Fonte: IBGE (2006) Segundo dados do IBGE em 2006, a maior parte das terras brasileiras estava sob controle dos estabelecimentos do tipo não familiar, em um volume superior ao tamanho da agricultura familiar camponesa. Dos 5.175.489 estabelecimentos recenseados, 84,40% são considerados de agricultura familiar, enquanto apenas 15,60% não são familiares, são patronais, porém, em termos de área, os números se invertem quase que proporcionalmente; assim, do total de 329.941.393 hectares, cabe à agricultura familiar camponesa apenas o percentual de 24,30%, enquanto à agricultura empresarial familiar compete um montante de 75,70% de terras. A atualização dos conflitos agrários na região acontece através das transformações impostas pela implantação de grandes empreendimentos econômicos, que expandem a exploração das terras no estado. Para analisar as transformações recentes ocorridas no Maranhão, em particular, a partir do contexto dos anos 1980, faz-se necessário compreendê-las como parte inerente da dinâmica atual do capital globalizado. Contudo, o estado do Maranhão apresenta particularidades na forma como historicamente as elites locais utilizaram o governo para perpetuar-se no poder. Como consequência dessa postura política, o Maranhão é pobre e desigual, disputando o primeiro lugar como o estado mais pobre da federação. Este fato tem implicações dramáticas para sua população no que se refere aos indicadores sociais. As estratégias adotadas pelo capital para apropriação de terra e de riqueza na região geram um grau de violência que desencadeia um processo de luta das populações atingidas, a exemplo dos camponeses e indígenas, os quais, para não 30 serem expulsos de suas terras, têm criado formas e estratégias de resistência. Essa realidade conflitiva, gerada pelas contradições de apropriação e expropriação realizadas pelo modo capitalista de concentrar a terra e as riquezas, compõe o dia a dia dos camponeses e indígenas na luta e resistência para permanecerem no campo. Essa violência faz parte da história da concentração da terra e da estrutura fundiária do país, consequentemente, da região. 1.1. A subordinação do estado do Maranhão ao capital Internacional e o agronegócio A realidade econômica e social maranhense aponta que, nas últimas três décadas, a qualidade de vida da população apresenta baixos índices de desenvolvimento, apontando uma crise social generalizada. Conforme os dados apresentados pelo Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (Imesc), 1- A expectativa de vida ao nascer em anos (2002) era de 65 anos contra 66 do NE e 69,4 do Brasil; 2- O nível de alfabetização (% de pessoas com mais de 15 anos alfabetizadas) era de 64%; no NE, 77% e no Brasil, 89,6%; é o pior do Brasil; 3- A média de estudo da força de trabalho é baixíssima; era de 2,8 anos (1991), passou para 4 anos (2000); 4- O número de pessoas matriculadas em curso superior (duas instituições federais, uma estadual, 18 particulares) é insignificante: 60 mil; 5 - A desigualdade expressa pelo índice de incidência de pobreza extrema ou de indigência (abaixo de 1 dólar por dia) era de 30% em 2000, contra 24% do NE, e 12,9% do Brasil. Em nível de Maranhão, isso representa aproximadamente 1.800.000 pessoas; é o estado de maior indigência do Brasil. Na chamada linha de pobreza, abaixo de um dólar dia/família, há 86 municípios, mais ou menos 4,8 milhões de pessoas. Com os programas sociais, a proporção de pobres tem caído (11%) entre 1991 e 2000; 6 - Quanto à concentração de renda, ela se intensifica entre 1991 e 2000. Em 1991, os 20% mais pobres detinham 2,9% da renda; em 2000, se apropriavam de apenas 1,2%; já os mais ricos, que detinham 2/3 da renda (64%), passam a deter 69%; 31 7 - O índice de Gini, que mede a desigualdade, subiu de 0,60 para 0,70 entre 1991/2000 (CADERNOS IMESC 7, 2008, p. 28-29). Apesar dos dados mostrarem, nos sete pontos apresentados, a posição do estado no grupo dos que apresentam os piores indicadores sociais e econômicos, o Maranhão apresenta-se em destaque em alguns setores, [...] um dos maiores exportadores de minério de ferro, gusa, alumínio em lingotes e soja em grãos - 96% das exportações; É o 1º produtor de carvão vegetal de floresta nativa e de babaçu; É o 4º na produção de mandioca e de arroz e o 9º de soja; A taxa de crescimento (PIB real), entre 1970 e 2002 (a preço de 2004) foi de 4,2% a.a., é superior ao do Nordeste e do Brasil; Já a taxa da renda per - capita foi de 2%; nos anos 1990, cai a 1.48% ao ano. Nos últimos anos, a economia do Maranhão cresceu acima de 5% ao ano; isso se pode debitar ao excepcional crescimento das exportações de três produtos – ferro (minério e gusa), alumínio e soja à China, Índia e outros (IMESC, 2009, não paginado). De acordo com as informações do Imesc, a exportação no Maranhão apresenta-se distribuída conforme o gráfico a seguir: Gráfico 1: Exportação – Maranhão (2012 – 2013) Fonte: MDIC (Citado por Imesc, 2013, p. 33). *Janeiro a Março 32 Como pode ser observado nos dados apresentados, os produtos maiores responsáveis pela exportação maranhense em 2012 são o complexo ferro e complexo alumínio, com 48,9% e 33,8%, respectivamente, somando 82,7% das exportações no estado. Nos primeiros meses de 2013, as posições se invertem e o complexo alumínio passa a ser responsável por 51,1% e o complexo ferro por 30,0%, o que significa 81,1% do total exportado. Os números apresentados demonstram que tem sido aplicado um padrão de desenvolvimento baseado em grandes projetos, os quais se apresentam desvinculados das questões locais, como demonstra Mesquita (2006). Quando este pesquisador analisa a história recente do estado, constata que até a década de 1980 a economia maranhense era basicamente voltada para agropecuária e extrativismo, sendo que nas décadas seguintes, em função do Projeto Grande Carajás, da mineração e do agronegócio, essas práticas produtivas tornam-se a base da economia estadual. Tabela 3: Exportação - Setores industriais por intensidade tecnológica – Brasil (2010/12) Intensidade tecnológica 2010 2011 20123 Alta 7,3 5,7 6,4 Média-alta 28,2 27,5 28,0 Média-baixa 23,5 28,5 28,8 Baixa 41,0 38,3 36,8 Total 100 100 100 Fonte: SECEX/MDIC (citado em MDICM, 2012, p. 16). Com a adoção da produção citada, a qual objetiva atender ao mercado externo, em detrimento da produção agrícola voltada para o atendimento da demanda interna, o estado afirma seu papel na divisão nacional e internacional do 3 Os dados apresentados no ano 2012 fazem referência ao período de janeiro a junho. 33 trabalho, na condição de exportador de commodities tanto minerais quanto agrícolas. Essa questão é intrínseca ao modelo produtivo adotado pelo estado de não fomentar a agricultura camponesa, não diversificar a produção agrícola e não possibilitar à população o acesso a produtos oriundos do produtor, favorecendo a relação entre produtor de alimentos e consumidores. É importante ressaltar que, uma parcela significativa das receitas do estado é oriunda de transferências governamentais, da Previdência Social e do ICMS. Neste contexto, das 1,6 milhão famílias que compõem a população estadual abaixo da linha de pobreza, cerca de 735 mil, são beneficiárias do Programa Bolsa Família e 716 mil recebem benefícios da Previdência. Os indicadores governamentais apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) constatam o crescimento das desigualdades, em que pese as taxas de crescimento ocorrido em função dos grandes projetos econômicos do capital na região, nas últimas quatro décadas. Nos municípios de São Luís, Imperatriz, Açailândia, Caxias, Bacabal e Timon há presença de indústria. Na agropecuária o destaque fica com a produção nas microrregiões de Imperatriz, Balsas, Chapadinha, Pindaré, Baixada Maranhense e Médio Mearim4. Com o avanço do agronegócio na região tocantina ocorre a retomada e a intensificação da violência no campo maranhense. Esta região, que nas décadas de 1970 e 1980 foi palco de muitos conflitos agrários com um processo violento praticado pelo latifúndio pela propriedade, agora, sob formas modernas, com emprego de altas tecnologias, passa por um processo de reconcentração da terra e avanço da produtividade do agronegócio que produz, em sua maioria, para a exportação, tendo como objetivo garantir os interesses privados do grande capital. Os investimentos econômicos na região tornaram-se diversificados, porém como parte da cadeia produtiva da mineração e da produção da soja, ferro gusa, papel e celulose e com o objetivo, essencialmente, voltado para exportação, o que 4 Distribuição geográfica segundo o Imesc – Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos. 34 pode ser observado pela organização da produção de eucalipto, para celulose e carvão vegetal pelas empresas Suzano Papel Celulose, Siderúrgica Viena, Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré. A plantação de eucalipto é voltada, especificamente, ao fornecimento de carvão para siderúrgicas de Açailândia e Marabá. Articulada a estas produções, a soja avança no sul da região tocantina, com o polo de grãos instalado em Balsas, cujos produtores são fazendeiros oriundos principalmente da Região Sul do país, dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Compondo este setor produtivo, a produção de cana-de-açúcar, localizada em Porto Franco e em São Raimundo das Mangabeiras, assume grande importância no projeto agropecuário e industrial do estado. Invariavelmente, tais projetos produtivos demandam e se apossam de grandes extensões territoriais. Um exemplo é a instalação na região, em 2009, da empresa Suzano, que comprou 88 mil hectares de terras plantadas de eucalipto da empresa Celmar, de capital japonês, que na década de 1990, estabeleceu-se na região, com uma dinâmica e estratégia de compra de terras nos municípios de Porto Franco, São João do Paraíso, São Pedro dos Crentes, Estreito e Campestre do Maranhão. A luta pela terra apresenta-se, historicamente, na centralidade da questão agrária brasileira, assim como no Maranhão, um dos estados de maior índice de violência no campo devido à estrutura fundiária concentradora e desigual. Estudos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) demonstram um crescimento quase sistemático dos conflitos. Em 2006 foram registrados 66 casos, atingindo 3.941 famílias, totalizando 229.338 hectares de terra (CPT, 2007, p. 29), números que subiram no ano de 2007, quando ocorreram 76 registros de conflitos, com 5.818 famílias, envolvendo 649.723 hectares (CPT, 2008, p. 25). Em 2008, foram registrados 72 conflitos, envolvendo 4.412 famílias (CPT, 2009, p. 35), em 2009, os registros apontam 112 conflitos no campo, envolvendo 8.627 pessoas (CPT, 2010, p. 38). Em, 2010, 199 conflitos, com 7.896 pessoas envolvidas (CPT, 2011, p. 34), 2011, a CPT registrou 251 conflitos envolvendo 64.394 pessoas. (CPT, 2012, p. 37), em 2012, 157 conflitos envolvendo 9.037 pessoas (CPT, 2013, p. 37) e 2013, ocorreu 150 conflitos com 7.669 pessoas envolvidas, (CPT, 2013, p. 37) e, vale salientar, que nos anos 2008, 2009, 2010 e 2011, 2012 e 2013 a CPT não registrou 35 o tamanho das áreas envolvidas nos conflitos, assim, impossibilitando a análise desses dados. A violência no campo está relacionada à concentração da terra e aos interesses empresariais representados pelo agronegócio. Azar entende que: Mais recentemente o aspecto da violência no campo vem sendo engendrado de forma articulada entre setores empresariais que representam o agronegócio e setores sociais conservadores da sociedade, como a grande mídia nacional, parte do judiciário brasileiro e grupos parlamentares representantes dos interesses do setor patronal do campo nas esferas municipais, estaduais e nacional. Por conta da mais recente articulação entre estes sujeitos, foi deflagrada uma campanha de criminalização dos movimentos nacionais (2013, p. 207). A solução do crônico problema da concentração da terra e da violência no campo é apontada pelos movimentos sociais camponeses dentre eles, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) como um dos resultados positivos da reforma agrária, constituindo-se numa política pública para o campo brasileiro e favorecendo, assim, a garantia de acesso à terra aos camponeses. Ao mesmo tempo, negando essa estrutura agrária concentradora que tem intensificado os conflitos agrários ao longo da história e que cada vez mais tem se agravado por causa das atividades agropecuárias empresariais e dos grandes projetos econômicos implementados no estado. Todo este contexto explica a mudança na paisagem da região, como demonstra o caso dos babaçuais, substituídos por pastagens ou pelo plantio de eucalipto, cana e soja e que ocupam as melhores áreas agricultáveis no estado, gerando um novo momento de conflitualidade da luta pela terra no Maranhão. Cabe destacar que tais empreendimentos econômicos que têm expropriado as famílias camponesas de suas condições de reprodução de vida não se limitam à dinâmica econômica estadual. Na verdade, compõem a dinâmica da nova divisão internacional do trabalho, na qual o Maranhão tem cumprido importante papel de fornecedor de matéria-prima como os minérios e os grãos, os quais são exportados in natura, sem qualquer beneficiamento. 36 A subordinação do Maranhão ao capital internacional é parte da formação da história econômica brasileira, sempre submissa e inserida na lógica da acumulação internacional de riquezas, sendo que não há um projeto de desenvolvimento voltado para o conjunto da sociedade brasileira. A ideia de desenvolvimento assume os interesses particulares específicos de um grupo elitizado, como afirma Florestan Fernandes, quando analisa a sociedade de classes brasileira: […] as escolhas dos alvos básicos do desenvolvimento econômico, político e social são feitas por pequenas minorias, mais empenhadas em atender seus próprios interesses sociais, que a levar em conta interesses sociais das coletividades como um todo (FERNANDES, 1968, p. 217). O desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro encontra-se associado ao grande nível de concentração da terra, o que indica que a questão agrária brasileira constitui fato historicamente não resolvido, portanto, há uma abertura histórica possível para realização da reforma agrária na forma da luta pela terra radicalizada pelos sujeitos do campo. Nesse sentido, a análise de Florestan Fernandes é fundamental para compreendermos o sentido profundo da concentração histórica da terra no Brasil. De acordo com o autor, [...] a “propriedade”, o “direito de propriedade”, a “empresa privada” e a “ordem social competitiva” acabam ganhando precedência sobre o uso capitalista da “propriedade”, do “direito de propriedade” e da “empresa privada” e preponderância sobre o crescimento econômico em bases capitalistas (1968, p. 93). Seguindo a análise anterior, é possível afirmar que os ciclos do desenvolvimento econômico do Maranhão comprovam que, mesmo em momentos considerados de crescimento econômico, a política do estado e as perspectivas das elites sempre fortaleceram os interesses dos latifundiários da região, que historicamente veem se apropriando das terras e dos bens da natureza dos povos indígenas, extrativistas, camponeses e das comunidades tradicionais, utilizando diversas formas de violência para neutralizar e destruir as possibilidades de um 37 projeto alternativo, construído pelos sujeitos do campo. Tal análise encontra eco no estudo desses ciclos, conforme Mesquita: Baseado nos autores tradicionais, mas com instrumental analítico do materialismo histórico, estabelece grandes marcos, onde é possível, grosso modo, se ter uma ideia das transformações que vão-se processando ao longo dos séculos na formação social do Maranhão. Ele relaciona cinco fases: a) conquista e povoamento inicial; b) inserção na divisão internacional do trabalho; c) involução econômica; d) inserção na divisão nacional do trabalho; e, e) o período da década de 1980. A fase inicial abrangeria desde a ocupação precária da província até a segunda metade do século XVIII; a fase seguinte deste período até a libertação dos escravos; a terceira, desta fase até a II Guerra Mundial; a quarta dos anos 1950 até 1985; finalmente a última, para captar a fase de implantação do projeto Grande Carajás (1985/1989) (2011, p. 24). Assim, na perspectiva de garantir a dinâmica de crescimento econômico no estado do Maranhão, são necessários as terras e os bens da natureza, com isso as grandes empresas nacionais e transnacionais, com o apoio do Estado, acumulam poder e controle do território. Necessário lembrar que o Estado assume papel importante no processo de acumulação do capital, com destaque para o fato de constituir-se imprescindível para tal acumulação. A prática produtiva hegemonizada pelo agronegócio no Maranhão tem se caracterizado por provocar uma sucessão de impactos sociais, econômicos e ambientais, que irão incidir de forma negativa nas comunidades e, em geral, as áreas e terras que são territórios camponeses, indígenas e quilombolas são colocadas em segundo plano, inclusive por parte do Estado, que deveria promover políticas de valorização e proteção destas populações. Tal negligência gera contradições, conflitos e, consequentemente, resistência e luta. Dessa forma, a resistência camponesa desencadeou um processo de enfrentamento direto com os interesses dominantes, de expansão e consolidação dos ciclos de apropriação da terra e dos bens da natureza, como a extração da madeira, produção de arroz, a pecuária extensiva e, atualmente, o monocultivo de eucalipto e outras espécies exóticas. Vale ressaltar que todo esse processo é realizado com investimentos e incentivos governamentais, que têm como objetivo 38 principal a expansão da soja, do monocultivo de eucalipto e da pecuária, a extração de madeira e de minérios no cerrado e na região amazônica. Os investimentos públicos estão basicamente voltados para a construção de infraestrutura, principalmente para a produção e seu escoamento. Porém, o apoio estatal não se restringe a este aspecto, apresentando-se de forma ampla e intensa através, por exemplo, da qualificação da força de trabalho para atender as necessidades da produção empresarial, com incentivos fiscais e financiamentos e gerenciamento de conflitos. Um dos setores que melhor expressa a relação da produção desenvolvida no estado com a dinâmica econômica do capital internacional é a extração de recursos naturais, como a de madeira que acontece na região amazônica de forma intensa, o que pode ser observado no mapa a seguir: 39 Mapa 1: Polos e rotas de extração de madeira – Amazônia Fonte: Imesc, 2012. No contexto da produção no campo prevalece a lógica latifundista da posse especulativa da terra. Explicando a exploração da região amazônica, Loris (2009, p. 14) argumenta que: “a incorporação da região ao modelo econômico hegemônico foi um processo ideológico, formulado pelo governo brasileiro e estimulado pelas organizações financeiras internacionais”. E, como consequência dessa lógica imposta pelo capital na região, ocorre o acirramento das disputas territoriais, os 40 conflitos agrários, a violência contra camponeses, indígenas, quilombolas, extrativistas e a violação dos direitos territoriais das populações do campo. O acirramento dos conflitos agrários na região amazônica, tem se dado pela expropriação e acumulação de terras e pela exploração das riquezas da floresta, do solo e do subsolo. Para Sauer (1989) essas são as características da expansão do capitalismo no campo. Essa prática expropriatória e acumuladora sempre esteve na base do exercício do poder político e no modelo econômico implantado pelos processos de desenvolvimento brasileiro, tendo como exemplo a revolução verde da década de 1960 que resultou na concentração da terra e no aumento dos conflitos agrários, aspectos de uma política de desenvolvimento nacional, de prática predatória, concentradora e excludente. Podemos assim afirmar, que o avanço do agronegócio na Amazônia Oriental, os conflitos provocados pelos monocultivos da soja, eucalipto, cana de açúcar, extração da madeira e minerais estão associados a um projeto que tem disputado a hegemonia do território nessa região. De um lado estão os grandes empreendimentos do agronegócio com os monocultivos, e do outro lado estão os camponeses com pouca terra e escassos recursos para investir na produção, diversificação e melhoramento dos seus produtos. Essas condições geradas pelo capital suscitam a conflitualidade. O capital gera a conflitualidade determinando a relação social dominante, tornando sempre subalterno o campesinato. Nessa condição, nasce o conflito, porque o capital, tentando manter sua lógica e seus princípios, enfrenta permanentemente os camponeses para continuar dominando-os. (FERNANDES, p. 9, 2004). Na dinâmica instituída pelo capital, chegam as empresas do agronegócio que se apropriam das terras dos camponeses, desestruturam as comunidades e desorganizam a sua produção, que, em geral, nunca tiveram incentivos do governo, com produção sempre voltada para subsistência familiar. Em outras palavras, as comunidades antigas e tradicionais são agora invadidas pelas ações de expansão 41 do capital que concentram a terra e exploram a força de trabalho das populações locais, como o caso da empresa Vale. Os impactos causados às comunidades camponesas dos assentamentos de reforma agrária, quilombolas e indígenas pelo projeto de desenvolvimento da Vale resultam do projeto de acumulação do capital na sua forma neoliberal que se intensificou nos últimos dez anos, como verificado com os dados fornecidos pelo Incra. Observe-se que, quando o índice que mede a concentração da propriedade da terra cresceu de forma acelerada, entre 2003 e 2010, as grandes propriedades tiveram um salto de 95 mil unidades para 127 mil unidades aumentando o seu controle de 182 milhões de hectares para 265 milhões de hectares, em apenas oito anos. Outro agravante desse quadro é a constatação de um aumento acelerado de desnacionalização da propriedade da terra, através da entrada do capital internacional com suas empresas transnacionais, e na compra de ações de empresas brasileiras, que já têm a posse das terras. Com isso, há uma estimativa de que as empresas estrangeiras controlam aproximadamente 30 milhões de hectares de terras brasileiras (SOUSA, p. 60. 2013). Exemplo emblemático deste processo, o projeto de mineração da Vale, instalado na Serra dos Carajás, no município Parauapebas (PA), no início dos anos de 1970, é parte da estratégia de apropriação do subsolo brasileiro para extração dos recursos minerais como ouro, bauxita, manganês, ferro, dentre outros. Esse momento inicial da mineração na região ficou conhecido como a “febre do ouro”, que foi responsável pelo processo migratório de milhares de camponeses, principalmente dos estados do Maranhão, Pará e Tocantins. As décadas seguintes se caracterizaram por uma intensa disputa pela posse dos minérios pelo capital internacional. Esse movimento de disputa territorial gerou conflitos na medida em que os grandes projetos se instalaram na região com o propósito de ampliar seus lucros e expandir seu modelo de desenvolvimento baseado na produção de commodities, comprando, arrendando a terra e explorando a força de trabalho local e regional. Como exemplo, citamos o caso da Vale, que tem provocado na região uma acelerada destruição dos bens da natureza, com sua ação predatória da grande mineração, além da desestruturação das comunidades tradicionais. As hidrelétricas construídas, e as em vias de construção, às margens dos rios Tocantins, Araguaia e Xingu se apropriam dos territórios indígenas, quilombolas, 42 camponeses, ribeirinhos e extrativistas para alimentar o modelo de acumulação de capital, provocando graves problemas socioambientais e culturais. Nesse processo de expansão do capital, a Amazônia brasileira passa por um processo de “ocupação e reocupação” (IANNI, 1979). A região passa a ser um território em disputa pelos interesses do capital internacional, provocando conflitos de terras, como o conhecido caso ocorrido na região do Bico do Papagaio – considerada, nos anos de 1950, como de fronteira agrícola – explorada em seu primeiro ciclo produtivo pelo extrativismo, pela pecuária e pela produção de arroz, criando as condições para, em seu segundo ciclo, a entrada da mineração. Esse é o interesse globalizado do capital: buscar riquezas em todos os continentes se apropriando da terra, dos recursos naturais e minerais, controlando e explorando o solo e o subsolo. Desta forma, os grupos econômicos que definem essa dinâmica em escala internacional utilizam o Estado como instrumento para executar a sua estratégia de controle dos territórios, anteriormente pertencentes aos camponeses, como seu território de trabalho e de moradia, e passam a ser espaço da pecuária, da mineração e da concentração da riqueza (MARQUES, 2008, p. 54). A terra, dado o seu caráter imóvel, é “globalizada” na medida em que o capital se desloca criando novas frentes de expansão, comprando ou alugando terras e promovendo mudanças quanto ao seu uso e/ou regime de propriedade. O mesmo processo expropriatório ocorre com a implantação dos monocultivos da soja para exportação e do eucalipto para a produção de papel e celulose, visando o abastecimento do mercado externo e interno. Esses movimentos realizados pelo capital favoreceram a inserção do estado do Maranhão no caminho do desenvolvimento capitalista, instalando uma base econômica no setor industrial, implementando grandes projetos, como os polos siderúrgicos no corredor Carajás vinculados à mineração. Essa prática de espoliação provocou o deslocamento das populações maranhenses que viviam no campo disputando a terra com os grileiros, que foram sendo empurradas para fora pelo “desenvolvimento”. Nesse sentido, Sousa (2013, p. 67) afirma que: 43 No caso do Maranhão, nas últimas décadas, ocorreu uma violenta expulsão dos camponeses de suas terras, intensificando os conflitos pela posse da terra, práticas de ameaças e assassinatos dos trabalhadores que resistiam a esse processo de expulsão. O que antes eram terras devolutas e livres, foram sendo cercadas, expropriadas pelo projeto de desenvolvimento implementado pelo Estado. Portanto, as formas criminosas da grilagem se deram em conivência com o poder local, provocando um inchamento das cidades e o aumento da miséria. Esse foi o desenvolvimento que coube ao povo maranhense. No Maranhão, o capital na agricultura avançou com a expansão do agronegócio, significando aumento na área de produção agrícola com produtos que atendem à demanda do mercado externo, com investimentos do capital, por meio das empresas transnacionais. Um exemplo da presença de corporações multinacionais em território maranhense é a Cargill, de origem norte-americana, instalada no município de Porto Franco, na região tocantina. A mesma lidera a comercialização da soja no mercado internacional, sendo que parte dessa soja é plantada em território amazônico. A soja, assim como outros cultivos agrícolas empresariais, tem sofrido significativo crescimento, assumindo papel de destaque no que se refere ao tamanho da área plantada, conforme pode ser observado no gráfico a seguir: 44 Gráfico 2: Composição da área plantada das principais culturas do estado do Maranhão nas safras de 2009/2010 e 2010/2011 Fonte: Imesc, 2012. Com o avanço dessas empresas, ocorre um controle da produção agrícola na região pelas empresas transnacionais voltadas para o mercado externo, ampliando cada vez mais os investimentos na área de produtos para exportação. Nessa lógica do agronegócio, todos os setores produtivos do campo são estimulados a se inserirem na dinâmica produtiva dos monocultivos, seja cana-de-açúcar, soja ou eucalipto. Os pequenos agricultores, camponeses, assentados, fazendeiros, grandes e pequenos empresários rurais, todos devem operar no sentido de fortalecer o agronegócio. Essa política para o campo tem elevado o valor da terra nas regiões de modo geral, mas em particular na região amazônica, diminuindo assim as pequenas e médias propriedades e aumentando a concentração da terra. Essas questões apresentam um novo desafio na luta pela terra, que é de enfrentamento ao capital, pois, em decorrência do modelo hegemônico do capital, há um processo de disputa entre o capital e o trabalho, passando a terra a ter outro significado, assumindo a conotação de terra do negócio, da especulação, da acumulação de riqueza. Essa concepção de desenvolvimento agrário provoca um fluxo intenso de migrações do campo para a cidade, um aumento da grilagem pelos pecuaristas, plantadores de soja e pelas empresas plantadoras de eucalipto, dentre outros. Tal fato tem feito com que 45 Os impactos da entrada do Maranhão na rota do capital mundial incidiram sobremaneira no campo, complexificando a questão agrária. Nesse movimento, foram dinamizados e ampliados os investimentos de capital para a expansão e modernização da produção no campo, visando, sobretudo a exportação. Logo no início da referida fase, esses investimentos foram realizados, prioritariamente, na modernização da lavoura, na dinamização industrial e na pecuária (DELGADO, 2010, p. 52). O aumento das áreas plantadas com monocultivos, que são valorizadas pelo agronegócio para abastecer o mercado externo, afeta diretamente a produção de alimentos para o consumo interno, ameaçando a soberania alimentar da população brasileira. Para a Via Campesina, soberania alimentar é “o direito de cada nação a manter e desenvolver os seus alimentos, tendo em conta a diversidade cultural e produtiva”. Ester Vivas defende a soberania alimentar como o exercício do pleno direito das populações camponesas de decidirem o que plantar e o que comer. Para tanto, a autora entende que os camponeses necessitam: [...] ter soberania plena para decidir o que se cultiva e o que se come. As políticas agrícolas e alimentares atuais, no entanto, não o permitem. Quanto à produção, muitos países viram-se obrigados a abandonar a sua diversidade agrícola a favor de monoculturas, que só beneficiam um punhado de empresas. (VIVAS, 20 de Janeiro de 2014, Site pessoal: http://esthervivas.com/; http://blogs.publico.es/esther-vivas). Estudos realizados pela CPT mostram o importante papel da agricultura camponesa no atendimento do consumo da população maranhense, sendo que: Quem produz o que o maranhense come: Daquilo que vai para a mesa dos maranhenses, 74% é produzido pelos pequenos agricultores, pelos camponeses. Só 26% do que vai para a mesa dos maranhenses vem das grandes propriedades, que priorizam apenas as exportações, ou seja, não produzem comida, querem produzir lucro (CPT, 2010). 46 O mesmo estudo mostra que a importância da agricultura camponesa maranhense não se limita à produção de alimentos, mas assume, também, papel relevante na ocupação da força de trabalho, pois: As pequenas propriedades dão trabalho para 86,54% de toda mão de obra no campo maranhense. As médias e grandes, o agronegócio, mesmo com muito mais terra, só empregam 13,46% das pessoas que trabalham no campo (CPT, 2010). No Brasil, um aspecto importante é o resultado econômico da produção desenvolvida pelo agronegócio no que se refere à ocupação da força de trabalho, da mão de obra nos pequenos estabelecimentos, que, segundo o IBGE, representam, [...] apenas 30,31% do total, neles encontram-se 84,36% das pessoas ocupadas na agropecuária. As unidades produtivas com área inferior a 200 ha oferecem 12,6 vezes mais postos de trabalho por hectare que os estabelecimentos considerados mais importantes (área entre 200 e menor que 2.000 ha) e 45,6 vezes mais que as grandes propriedades, cuja área é superior a 2.000 ha (IBGE, 2006). No caso maranhense, a partir dos anos de 1990, o estado se insere no processo de expansão do agronegócio, acirrando os conflitos na disputa de controle de território, movimento realizado pelo capital nas regiões com a apropriação da terra e dos bens da natureza e com a exploração e a espoliação dos trabalhadores. Essa não é uma particularidade apenas do Maranhão, essa prática ocorre em todas as regiões do país, onde há interesse da expansão do capital e, em particular, nos estados periféricos dos centros econômicos, onde possibilite uma maior apropriação e exploração dos camponeses. Assim, A luta por terra, trabalho e preservação ambiental e a resistência dos distintos povos que vivem no meio rural, contra o desenvolvimento do capitalismo globalizado no campo tem convergido para a proposição de novas formas de organização da produção, ou seja, para a busca de alternativas de produção e reprodução que foge do modelo imposto (DELGADO, 2010, p. 93). 47 A estratégia adotada pelo capital, para a dominação do território, é se apropriar dos recursos naturais e controlar os indivíduos por meio de cooptação e conciliação dos interesses, mesmo em condições contraditórias e assimétricas. Essa ação do capital condiciona como força política a vida cotidiana dos sujeitos, no seu lugar de construção objetiva e subjetiva. Esse território contém elementos contraditórios, referentes aos interesses do capital e do campesinato, expressados na sua territorialidade, com a força que domina e condiciona a vida da comunidade no âmbito das suas relações internas, entre os participantes. As divergências existentes, geralmente, são geradas pelas interferências dos agentes representantes dos interesses das empresas que disputam o território, resultando em interesses e conflitos entre as classes sociais, nas suas relações de poder. Isto é, a territorialização do capital ocorre em um movimento histórico, definido pela expansão do capitalismo, envolvendo aspectos econômicos, políticos e culturais em relações permeadas de conflitualidades, o que para Fernandes (2005. p. 6): [...] é inerente ao processo de formação do capitalismo e do campesinato. Ela acontece por causa da contradição criada pela destruição, criação e recriação simultâneas dessas relações sociais. A conflitualidade é inerente ao processo de formação do capitalismo e do campesinato por causa do paradoxo gerado pela contradição estrutural. Os monocultivos de eucalipto, soja e cana-de-açúcar concentram imensas áreas de terras que poderiam ser direcionadas para a produção de alimentos. Tal questão promove o desequilíbrio na produção de alimentos e a perda das sementes, patrimônio dos camponeses, das comunidades tradicionais, dos povos originários, movimento que é produzido pelo capital e conduz à perda da soberania alimentar. 48 Figura 1: Monocultivo de eucalipto Fonte: acervo da autora O processo dinâmico da expansão do capital no território e de sua territorialidade é entendido por Fernandes (2012, p. 284) como “a representação das formas de usos dos territórios”. Assim, é necessário investigar as relações econômicas, políticas e culturais determinadas pelas forças hegemônicas que neles atuam. O capital, representado pelas empresas de mineração, do agronegócio e do hidronegócio, invade os territórios, destrói a biodiversidade, desarticula os sistemas agrícolas e as formas de reprodução do espaço. Para garantir a hegemonia, as classes dominantes precisam dispor da força, sendo que: [...] no caso do projeto hoje dominante, falta a esses sujeitos capacidade hegemônica propriamente dita a qual é compensada, neste caso, pelo recurso frequente à força e pela absoluta assimetria nas relações de poder entre agentes dessa ação predatória da região e aqueles que a ela resistem – a população rural e da floresta: povos indígenas, quilombolas e outras populações tradicionais (seringueiros, castanheiros, ribeirinhos), colonos e pequenos produtores rurais (DURÃO, 2009, p. 37). Desta forma, a dinâmica da defesa dos territórios em disputa se materializa na luta em defesa da terra camponesa, da floresta, da biodiversidade, dos rios, da 49 agricultura camponesa, dos recursos minerais e dos direitos étnicos e culturais. Compreendendo que a defesa do território camponês se constrói na luta cotidiana, de enfrentamento às ações impostas pelo capital na região, a construção desses espaços de resistência se dá a partir da organização dos trabalhadores enquanto potencialidades de classe, para superação da exploração. Construindo, assim, novas formas de esculpir o sujeito coletivo, consciente do seu papel enquanto sujeito histórico na luta de classes. O que se estabelece são relações de poder, de dominação condicionada pelas relações de exploração que o capital define, controlando os bens da natureza e as riquezas produzidas pelo trabalho. De acordo com o cenário que se apresenta na região da Amazônia Oriental, os conflitos sociais ocorrem em um processo de resistência dos camponeses à ação desestruturadora do capital nas suas comunidades. Nesse processo, contraditório e conflitivo, ocorre a organização dos grupos atingidos que resistem à expropriação de seus territórios, determinando assim a intensidade dos conflitos e recolocando o território como produto das relações sociais e de classe. 50 1.2. Camponeses e agronegócio disputam o território no estado do Maranhão: a territorialização da luta pela terra na região tocantina Figura 2: A luta pela terra no acampamento Cipó Cortado Fonte: acervo da autora No estado do Maranhão a disputa pelo território é determinada pelos grupos econômicos internacionais em consonância com o poder local dos latifundistas. Suas ações se caracterizam entre o moderno e o arcaico, convivendo de forma articulada com a violência e o discurso moderno. Tornando o Estado cada vez mais presente no conflito do campo, em especial na região tocantina, por ser uma região de fronteira agrícola, espaço de expansão do capital. Sobre as consequências da aliança entre os grandes grupos empresariais e os latifundiários, Sauer (1998, p. 42) afirma que: A aliança entre latifúndio e capital não resultou em beneficio para os pobres do campo nem em reformas sociais modernas, ao contrário, a expansão do 51 capital para o meio rural provocou a expulsão de milhares de trabalhadores rurais e aniquilou violentamente tribos indígenas. Por meio da política expansionista do capital, que visa o aumento da produção dos monocultivos no território em disputa, são incorporadas pelas vias legais e ilegais, grandes extensões de terra para implantação de grandes projetos. Os embates mais recentes têm se dado em terras de reservas de minérios, de recursos hídricos, áreas de florestas e em terras dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e camponeses, tendo como objetivo central dessa disputa a expansão do capital na região, seja com o plantio de soja, de eucalipto, cana-de-açúcar ou pela exploração agropecuária. Estão ocorrendo investimentos diretos no setor do agronegócio na região, patrocinando a compra de terras demandadas pelas commodities agrícolas no setor de grãos, de matéria-prima, do agrocombustível, da pecuária e no setor não agrícola, como: celulose, madeireiro e de minérios. Dessa forma, como já dito anteriormente, o campo amazônico está passando por um novo ciclo econômico, de expansão e exploração do capital na fronteira agrícola, com isso, elevando o preço das terras e acirrando os conflitos territoriais e de resistência pela posse, uso e propriedade da terra. A atual e intensa produção de commodities em curso no país e, em especial, na região amazônica tem proporcionado a submissão do país ao capital financeiro, conforme esclarece Durão (2009, p. 38) [...] ao submeter o país aos ditames do capital financeiro, o fez regredir e a uma situação neocolonial de país exportador de commodities, com um lugar destacado para a Amazônia, sobretudo no tocante às mineradoras, à expansão dos monocultivos e à pilhagem dos recursos da biodiversidade. É recorrente que, no Brasil, uma parte significativa da produção agrícola encontra-se voltada para atender a demanda mundial, para o mercado exportador de grãos. Esse modelo agroexportador se apresenta como opção de crescimento econômico do país. Desta forma, a expansão das atividades do agronegócio vai 52 desenvolver uma lógica de expropriação dos territórios dos camponeses, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, extrativistas, reproduzindo práticas colonialistas, ampliando a acumulação por meio da apropriação da terra e do saque das riquezas do solo e do subsolo pelo Estado. De acordo com Harvey (2004) os investimentos estrangeiros e a compra de terras no Brasil, em sua maioria são financiados com recursos públicos, especialmente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do FCO (Fundos Constitucionais do Centro-Oeste), do FNO (Fundo Constitucional do Norte) e do Bird (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Esses financiamentos estão voltados para garantir e viabilizar os interesses do capital na região. Esse modelo concentrador de renda e de riqueza possibilitou a manutenção e a expansão de um padrão produtivo agroexportador, voltado para abastecer o mercado internacional de commodities sustentada pela união capital e latifúndio, promovendo a exploração dos camponeses, a expropriação da terra indígena, quilombola, extrativista e do trabalho precarizado no campo, por meio do trabalho análogo a escravidão que ocorrem nas fazendas e carvoarias, que segundo dados do Governo, “os suspeitos do crime” pertencem predominantemente ao agronegócio (FIGUEIRA, 2006, p. 62). Por outro lado, a questão agrária no estado poderia ser resolvida, se houvesse interesse em solucionar essa questão. Predomina a aliança entre o capital e o latifúndio, garantindo, assim, a não realização da reforma agrária e a migração do campo para a cidade, o que tem resultado em um processo de inchaço das cidades e falta de perspectivas de trabalho. Para a CPT, A concentração da terra no Maranhão nos deixa perplexos. Mas veja que ainda há um elemento importante a considerar que o estado do Maranhão possui uma superfície de mais de 33 milhões de hectares. Mesmo se somarmos aos quase 13 milhões de hectares - ocupados pelos estabelecimentos -, as terras indígenas que ocupam aproximadamente 2 milhões de hectares, mais os parques ecológicos, as reservas extrativistas, biológicas e áreas de preservação ambiental que compreendem mais de 7 milhões de hectares, mais os aproximadamente 400 mil hectares das áreas urbanizadas, a conta não vai fechar. Estaria faltando ainda 53 aproximadamente 10,6 milhões de hectares. Serão as ditas terras devolutas da União e do Estado? (CPT, 2010). Em meio a essas contradições surgem as lutas e resistências das comunidades, grupos sociais que são violados em seus direitos territoriais pela ação do capital, por isso se organizam em movimentos socioterritoriais para garantirem seus direitos. Reivindicam direitos, identidades e a garantia de viver e reproduzir o seu modo de vida e as formas diversas de apropriação da terra, que por sua vez as diferencia do modo hegemônico exercido no campo brasileiro. A política de implementação dos grandes projetos é uma constante na região Amazônica, por causa da política desenvolvimentista do Estado brasileiro, com o incentivo e financiamento de megaprojetos nos estados por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a exemplo das construções de hidrelétricas nos rios Tocantins, Xingu e Madeira. Esses empreendimentos têm gerado um movimento de luta e resistência das comunidades camponesas, indígenas, quilombolas e entre os trabalhadores das obras. A expropriação causada pelos megaprojetos tem provocado um processo de luta e resistência dos atingidos que têm buscado recriar e ressignificar a história de luta por terra e pelo território, como uma forma de confrontar e resistir ao modelo fundiário formado pela elite latifundista que, ao longo da nossa história, se apropriou da terra. Neste sentido, Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra de negócio, em terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa da terra, ela se transforma em terra de trabalho (MARTINS, 1980, apud OLIVEIRA, 1996, p. 14). A apropriação da terra pelo capital está, essencialmente, fundada na prática do exercício do poder econômico, político e ideológico. Contudo, os movimentos sociais organizados no campo a enfrentam com ações, vistas pela mídia conservadora como atraso, contrárias ao desenvolvimento regional, em suma, uma ameaça ao poder público, à democracia. Entretanto, essas ações que expressam os 54 conflitos desnudam a violência velada do latifúndio, explicitam a disputa por terra e território e dificultam a expansão dos monocultivos de soja, eucalipto, cana e dos projetos de mineração. Atualmente, no Maranhão, o governo estadual, em parceria com o governo federal, tem investido em infraestrutura (energia, estradas, ferrovias). Porém, esses investimentos estão todos voltados para garantir o bom funcionamento dos grandes projetos. É perceptível a mudança na paisagem regional, sendo rapidamente alterada e desestruturando o modo de vida da região, em nome de um desenvolvimento que concentra terra, renda e distribui miséria. Estudioso da questão amazônica, Franklin (2008, p. 179) argumenta a este respeito que: Esses grandes investimentos foram concebidos a partir da lógica do capital internacional – e que o Brasil é situado como fornecedor de matéria-prima, produtos semiacabados e mão de obra barata, favorecendo maiores lucros às empresas estrangeiras, embora sempre propagandeados como empreendimentos de promoção de desenvolvimento nacional e regional, através de seus hipotéticos benefícios sociais e econômicos. Os territórios das comunidades tradicionais estão sendo invadidos por madeireiros, grandes fazendas e empresas rurais, substituindo a rica biodiversidade e a agrobiodiversidade pelos monocultivos de eucalipto, capim, soja e cana-de- açúcar. Temos vários exemplos na região, como as comunidades de São Feliz e Coquelândia, localizadas na chamada Estrada do Arroz, município de Imperatriz, que são impactadas pela empresa Suzano. Também é de conhecimento público o caso peculiar do assentamento Califórnia, município de Açailândia, que vem sendo duramente impactado com os grandes projetos, da produção de carvão e pelo plantio do eucalipto, por exemplo. A resistência dessas comunidades é acompanhada por um processo violento de perseguição das lideranças, assim como ameaças de morte, assassinatos, cooptação, expulsão das terras por meio da pistolagem, despejos e por ordem judicial. 55 1.3. O MST e a luta pela terra no Maranhão As lutas das comunidades que têm seus direitos violados não são somente reação ao processo de expropriação provocada pelo capital. Em regra, lutam em contextos muito adversos, em meio a uma realidade de violação de direitos, de negação dos seus territórios, de desagregação de sua cultura, da perda de sua terra, do seu lugar de reprodução e recriação humana. As práticas e as estratégias de violação dos direitos objetivam intimidar as ações de luta pela terra praticada pelas famílias sem-terra. O direito à terra tem se instituído como a principal bandeira dos movimentos que atuam no campo maranhense, em especial, o MST. O processo de luta tem provocado reações diversas por parte do latifúndio que cercam as melhores terras, concretizando a violência e a grilagem. Não há dúvida de que a grilagem tinha o propósito de apropriação de todas as terras ainda não incorporadas ao sistema capitalista de propriedade privada e que, até aquele momento, eram terras de trabalho e não terras de negócio. Assim sendo, o grilo teve um ponto de partida e se estenderá até conseguir a realização do propósito inicial (ASSELIM, 2009, p. 56). A luta e resistência camponesa, indígena, quilombola e extrativista está relacionada, em sua maioria, com a forma como o capital se apropria de seu território, concentrando a terra, dominando ideologicamente e explorando a natureza, sendo essas as principais causas dos conflitos agrários no estado. Os movimentos sociais realizam ações de enfrentamento a essa prática desestruturadora das comunidades impostas pelo capital na região. A luta pela terra e pela reforma agrária implica compreender a especificidade e heterogeneidade da realidade do campo maranhense, levando em consideração as mudanças sociais no espaço agrário brasileiro, tanto pelo Estado que financia o agronegócio, bem como pela luta dos movimentos sociais e pela conquista dos assentamentos de reforma agrária. Esse processo conflitivo e contraditório tem 56 gerado ações coletivas e práticas inovadoras de contestação ao modelo hegemônico no campo, como as experiências agroecológicas que têm sido implantadas em áreas de assentamentos e nas comunidades tradicionais. Os conflitos ocorridos nessa região foram marcados por uma história de violência e assassinatos de camponeses, lideranças religiosas e sindicais, pois este território está caracterizado por conflitos agrários desde a década de 1970