UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS CÂMPUS DO LITORAL PAULISTA JULIA PANULA VALENTE VARIAÇÃO DA COMUNIDADE BACTERIANA NO SISTEMA DE CULTIVO COM BIOFLOCOS EM DIFERENTES ESCALAS DE TEMPO São Vicente - SP 2024 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS CÂMPUS DO LITORAL PAULISTA JULIA PANULA VALENTE VARIAÇÃO DA COMUNIDADE BACTERIANA NO SISTEMA DE CULTIVOS COM BIOFLOCOS EM DIFERENTES ESCALAS DE TEMPO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto de Biociências da UNESP – Campus do Litoral Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título bacharel em Ciências Biológicas, com habilitação em Biologia Marinha. Orientadora: Alessandra Augusto Coorientador: Rodrigo Schveitzer São Vicente - SP 2024 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). Agradecimentos Aos amigos que um dia fizeram parte da minha vida e hoje não estão mais presentes, meus mais sinceros agradecimentos. Aos veteranos “repliquers” que foram minha segunda casa e minha primeira família na faculdade, obrigada pelas risadas, abraços, abrigo e por tornarem essa trajetória mais leve. Também agradeço especialmente aos meus colegas acadêmicos “APS2” por todas as pizzas e coolers divididos, obrigado por estarem a dois andares de distância sempre com a porta aberta para dividirem momentos divertidos e me socorrerem em momentos difíceis. Por fim, agradeço imensamente a todos os meus amigos de Santa Fé do Sul que mesmo com a distância e afastamento sempre estarão presentes no meu coração, obrigado por me acompanharem desde o fundamental, ao ensino médio e por fim a graduação, é uma honra poder acompanhar a evolução de cada um de vocês por todos esses anos. Obrigada a todos vocês que permaneceram na minha pior fase e por incentivarem a melhor versão de mim mesmo. Por fim, dedico um agradecimento especial à minha família, principalmente à minha mãe, Alessandra Panula Valente, por sempre ser a primeira a me apoiar, por todo amor, inspiração, apoio e compreensão por todos esses anos, sem a senhora não seria nem metade da pessoa que sou hoje. Obrigada pais por sempre colocarem o meu bem-estar e educação em primeiro lugar, obrigada por toda a cobrança que me fez chegar até aqui e ser a primeira da família a ingressar em uma faculdade pública. Em especial agradeço também ao Célio Tizzo, por todas as aulas de redação e português extremamente essenciais para o vestibular. Obrigada tios, avós, primos, madrinha e padrinho pelo apoio incondicional para ingressar na faculdade dos meus sonhos mesmo sendo do outro lado do estado. Agradeço a todos que acreditaram em mim e por estarem presentes em cada etapa deste caminho, mesmo a quase 700 km de distância. 1Resumo A tecnologia de cultivo com bioflocos (sistema BFT) é um sistema de produção intensivo usado para o cultivo de camarões e peixes. Nesse tipo de cultivo, densas comunidades microbianas, que crescem na forma de flocos microbianos (bioflocos), são manipuladas para controlar a amônia liberada pelos organismos cultivados. Essa forma de controle de compostos nitrogenados permite que o cultivo seja feito com pouca troca de água, aumentando a biossegurança. Uma variável que afeta o desempenho dos camarões no cultivo com bioflocos é a composição da comunidade bacteriana, sendo que pouco se conhece sobre como ela varia em diferentes escalas de tempo. Dada a natureza dinâmica das condições de cultivo no sistema BFT (e.g. remoção diária de bioflocos), mudanças na composição microbiana podem estar ocorrendo em uma escala de tempo reduzida (e.g. 24 horas). Os estudos da variação temporal da comunidade bacteriana no cultivo de camarões são escassos e têm focado em intervalos de tempo maiores (e.g. semanal). Nesse sentido, conhecer a velocidade de sucessão desses microrganismos pode ajudar a entender o quão previsível é a comunidade microbiana nesse sistema. Por tanto, neste projeto, será estudada a variação na composição da comunidade bacteriana em diferentes escalas de tempo (diária e semanal). As amostras a serem analisadas foram coletadas em um experimento que teve duração de 50 dias. Os camarões da espécie Litopenaeus vannamei foram cultivados sob duas diferentes concentrações de bioflocos, expressas como sólidos suspensos totais: T500 (~ 500 mg L−1) e T700 (~ 700 mg L−1). Cada unidade experimental foi estocada com 29 juvenis, representando uma densidade de estocagem de 906 camarões m−3. Amostras para análise bacteriana de cada unidade experimental foram coletadas semanalmente. Adicionalmente, entre os dias 44 e 45 de cultivo foi realizada uma campanha de amostragem durante um período de 24 horas (08:00 h, 16:00 h, 02:00 h e 08:00 h). A caracterização da composição da comunidade bacteriana foi determinada por sequenciamento de alto desempenho e bioinformática, com anotações até o nível de gênero. As variações na estrutura da comunidade bacteriana no tempo foram avaliadas sob a ótica da teoria de seleção r/K. Nossos resultados demonstraram que variações na comunidade bacteriana não são relevantes em um intervalo de 24 horas. Por outro lado, em escalas temporais maiores (semanal), a comunidade bacteriana se modifica significativamente. Contudo, ainda que haja mudanças, observou-se que o status ecológico da comunidade (r ou K-estrategista) é mantido ao longo do tempo em tanques mantidos com diferentes quantidades de bioflocos. Tanques de cultivo mantidos com níveis menores de bioflocos (~ 500 mg L−1) selecionam espécies r-estrategistas e esse padrão de seleção é 1 O manuscrito foi formatado segundo a revista Aquaculture mantido ao longo do tempo. Por outro lado, tanques com maiores quantidades de bioflocos (~ 700 mg L−1) selecionam espécies K-estrategistas, que se mantém ao longo do cultivo. Abstract The biofloc technology (BFT) system is an intensive production system used for shrimp and fish farming. In this type of cultivation, dense microbial communities, which grow in the form of microbial aggregates (bioflocs), are manipulated to control ammonia released by the farmed organisms. This method of nitrogen compound control allows farming with minimal water exchange, enhancing biosecurity. A variable affecting shrimp performance in biofloc farming is the composition of the bacterial community, which is still poorly understood, particularly regarding its variation across different time scales. Given the dynamic nature of farming conditions in the BFT system (e.g., daily biofloc removal), changes in microbial composition might occur over short time scales (e.g., 24 hours). Studies on the temporal variation of bacterial communities in shrimp farming are scarce and generally focus on longer time intervals (e.g., weekly). Understanding the rate of microbial succession can help determine how predictable the microbial community is in this system. Therefore, this project aims to investigate the variation in bacterial community composition over different time scales (daily and weekly). Samples were collected from a 50-day experiment where Litopenaeus vannamei shrimp were farmed under two different biofloc concentrations, expressed as total suspended solids: T500 (~500 mg L−1) and T700 (~700 mg L−1). Each experimental unit was stocked with 29 juveniles, corresponding to a stocking density of 906 shrimp m−3. Bacterial samples from each experimental unit were collected weekly. Additionally, between days 44 and 45 of cultivation, a 24 hour sampling campaign was conducted (00:00, 08:00, 18:00, and 24:00). The characterization of bacterial community composition was performed through high-throughput sequencing and bioinformatics, with taxonomic annotations to the genus level. Temporal variations in bacterial community structure were analyzed under the r/K selection theory framework. Our results demonstrated that bacterial community variations are not significant over a 24-hour interval. Conversely, at longer temporal scales (weekly), the bacterial community undergoes significant changes. However, despite these changes, the ecological status of the community (r- or K-strategist) remains consistent over time in tanks maintained with different biofloc levels. Farming tanks with lower biofloc levels (~500 mg L−1) select for r-strategist species, and this selection pattern is maintained throughout the cultivation period. 1. Introdução Diante das perdas econômicas que vêm sofrendo a carcinicultura mundial nos últimos anos devido às doenças virais e as críticas sofridas pelo setor com relação à questão ambiental, o desenvolvimento de novos conceitos de cultivo que possam assegurar a sustentabilidade da atividade em longo prazo tornou-se fundamental (Macusi et al., 2022). Nesse sentido, alguns países têm trabalhado no desenvolvimento de novas tecnologias de cultivo que possibilitem maior biosseguridade nos cultivos e o uso mais racional da água, ao contrário dos sistemas tradicionais (Kassem et al., 2021). O sistema de cultivo com bioflocos tem sido apontado por pesquisadores como uma alternativa viável aos sistemas tradicionais, pois ocupam menores áreas de cultivo, usam menores volumes de água e são considerados mais biosseguros (Samocha et al., 2007). No Brasil, após os problemas sanitários promovidos pelo vírus IMN (vírus da Mionecrose Infecciosa) e WSV (vírus da mancha branca), já existem fazendas operando através da tecnologia de bioflocos (Rego et al., 2017). O termo cultivo com bioflocos ou Biofloc Technology (BFT) foi descrito por Avnimelech (2007). Resumidamente, é um sistema de produção onde densas comunidades microbianas são manipuladas para controlar a amônia liberada principalmente pelos organismos cultivados. A amônia pode ser absorvida por microalgas, bactérias heterotróficas ou transformada por bactérias nitrificantes (Ebeling et al., 2006). O crescimento desses organismos acontece principalmente na forma de flocos microbianos (bioflocos) que podem servir de alimento para as espécies cultivadas (Schryver et al., 2008). Além das algas e bactérias, agregados de matéria orgânica, protozoários, rotíferos e nematóides compõem os bioflocos (Avnimelech, 2009; Hargreaves, 2006). As principais características desse sistema de cultivo são alta densidade de estocagem, intensa aeração, baixa ou nenhuma renovação de água e elevada entrada de matéria orgânica (Browdy et al., 2001). Apesar de suas prerrogativas, questões importantes sobre o funcionamento do sistema BFT precisam ser melhor compreendidas. Um tema importante e pouco estudado é a variação da comunidade bacteriana em diferentes escalas de tempo. Alguns estudos em ambientes naturais já foram desenvolvidos. Lee e Fuhrman (1987) encontraram pouca variação na composição bacteriana durante um ensaio de 48 horas em ambientes controlados. Da mesma forma, Acinas et al. (1997) registraram apenas pequenas mudanças na estrutura da comunidade bacteriana em amostras coletadas na superfície e fundo do Mediterrâneo em um intervalo de 48 horas. Hewson et al. (2006) relataram mudanças na composição da comunidade de 10-20% por dia em águas oligotróficas subtropicais. Por outro lado, Riemann e Middelboe (2002) encontraram estabilidade na comunidade bacteriana durante os dois meses de estudo na costa da Dinamarca. Segundo Fuhrman e Hagström (2008), essas diferenças no grau de variação de espécies podem estar relacionadas à sensibilidade dos métodos, mas provavelmente refletem diferenças dos ambientes estudados. Segundo os autores, alguns ambientes são, sem dúvida, mais estáveis do que outros. O sistema de cultivo intensivo com bioflocos pode ser bastante dinâmico do ponto de vista ambiental, e, consequentemente, do ponto de vista microbiano. Por exemplo, o aporte de nutrientes que ocorre com a entrada de ração em sistemas intensivos de cultivo é elevado e pode, potencialmente, interferir com o processo de seleção e sucessão microbiana (Vadstein et al., 2018). Além disso, já se sabe que algumas práticas de manejo que ocorrem diariamente nos tanques de bioflocos, e.g. remoção do excesso de sólidos suspensos (bioflocos) através do processo de decantação, afetam a estrutura da comunidade bacteriana (Copetti et al., 2021, Schveitzer et al., 2020). Nesse sentido, podemos supor que a velocidade de sucessão das bactérias no sistema BFT pode ser elevada e mudanças na comunidade podem estar ocorrendo em menores escalas de tempo (e.g. diária). Estudos da variação temporal da comunidade bacteriana no cultivo de camarões são escassos e têm focado em intervalos de tempo maiores. Por exemplo, alguns trabalhos observaram que a comunidade bacteriana em cultivos intensivos de camarões e larvas de peixe mudam de forma significativa em intervalos entre dias e semanas (Vadstein et al., 2018; Ortiz-Estrada et al., 2021; Bandara et al., 2024). Por mais que esses trabalhos já demonstrem mudanças significativas da comunidade microbiana em intervalos semanais de tempo, impulsionadas por diferentes tipos de tratamento e condições ambientais, em escalas menores de tempo essa informação ainda não é conhecida, o que aponta a necessidade de investigações mais detalhadas sobre as mudanças de curto prazo (diárias) nas comunidades microbianas (Attramadal et al., 2012; Vadstein et al., 2018). Do ponto de vista do manejo, conhecer a dinâmica da comunidade de bactérias em diferentes escalas de tempo pode ajudar a entender o quão previsível é essa comunidade no sistema BFT. Mudanças na comunidade bacteriana em intervalos curtos de tempo (e.g. 24 horas) poderiam, por exemplo, indicar uma dificuldade no controle da comunidade microbiana, tornando o sistema pouco previsível. Considerando questões associadas a estudos de monitoramento da composição microbiana nos tanques, o conhecimento da velocidade de sucessão é importante para determinar estratégias de amostragem tanto nas fazendas de cultivo, quanto em pesquisas sobre a diversidade bacteriana no sistema de bioflocos. No presente estudo, a variação da comunidade bacteriana na água de cultivo com bioflocos em diferentes escalas temporais (diária versus semanal) foi estudada tendo como base o experimento desenvolvido por Copetti et al. (2021). Nesse trabalho, desenvolvido em tanques de cultivo com bioflocos, os autores cultivaram camarões sob duas concentrações de sólidos suspensos totais na água (SST), variável utilizada para quantificar os níveis de bioflocos nos tanques de cultivo. Eles avaliaram os efeitos dos tratamentos (nível de bioflocos) sob a ótica da teoria de seleção r/K (MacArthur e Wilson, 2001). Para os autores, tanques manejados com baixas quantidades de bioflocos, portanto, alta disponibilidade de nutrientes por célula bacteriana e baixa competição, seriam dominados por espécies r-estrategistas (copiotróficas). Já em tanques com maiores quantidades de bioflocos, haveria maior quantidade de bactérias K-estrategistas (oligotróficas) competindo por nutrientes, resultando em baixa disponibilidade de recurso por célula bacteriana. A teoria de seleção r/K propõe que a pressão seletiva direciona a seleção em uma de duas direções generalizadas, favorecendo espécies com estratégias de crescimento distintas. Organismos r-selecionados apresentam altas taxas de crescimento em detrimento da capacidade competitiva e da especialização. Eles colonizam rapidamente ambientes inexplorados com recursos abundantes. As espécies r-selecionadas são frequentemente referidas como oportunistas, e a maioria dos patógenos é caracterizada como r-estrategistas (Andrews, 1984). Por outro lado, as espécies K-estrategistas possuem características que os tornam bem-sucedidos em ambientes com densidades microbianas próximas à capacidade de suporte, e são especialistas em competição com alta afinidade por recursos (Vadstein et al., 2018). No trabalho de Copetti et al. (2021), os autores observaram que mudanças na estrutura da comunidade bacteriana em tanques de bioflocos ocorrem em intervalos semanais, mas os padrões de sucessão de espécies não foram avaliados ao longo do tempo. Além disso, alterações na comunidade bacteriana em escalas menores de tempo não foram estudadas nesse trabalho, ainda que amostras tenham sido coletadas dentro de um intervalo de 24 horas. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo complementar as conclusões desse estudo. Aqui, abordamos duas questões relativas às variações temporais da comunidade bacteriana: 1. Mudanças na estrutura da comunidade bacteriana ocorrem em intervalos menores do que uma semana? 2. Como as comunidades bacterianas modificam-se no tempo tendo como base a teoria de seleção r/K? 2. Material e métodos 2.1. Amostragem e desenho experimental As amostras a serem analisadas neste trabalho foram coletadas no experimento conduzido por Copetti et al. (2021) e maiores detalhes podem ser acessados no artigo. Em resumo, um experimento de 50 dias (7 semanas) foi conduzido para estudar a composição da comunidade bacteriana em tanques de cultivo de camarões submetidos a duas diferentes concentrações de bioflocos, expressas como sólidos suspensos totais: T500 (~ 500 mg L−1) e T700 (~ 700 mg L−1). Cada tanque foi designado aleatoriamente a um desenho experimental de um fator com três réplicas por tratamento. Cada unidade experimental foi estocada com 29 juvenis de Litopenaeus vannamei (peso médio úmido de 2,6 ± 0,0 g) do tanque matriz, representando uma densidade de estocagem de 906 camarões m−3. Amostras para análise bacteriana de cada unidade experimental foram coletadas semanalmente. No total, foram coletadas 48 amostras, mas apenas 40 foram sequenciadas. No presente estudo, usaremos as amostras do experimento mencionado (40 amostras) como parte da nossa base de dados (representando as amostragens semanais). Contudo, o foco do nosso estudo será na variação temporal da comunidade bacteriana (tema não abordado no trabalho de Copetti et al., 2021). Além desses dados, uma campanha de amostragem durante um intervalo de 24 horas (dados inéditos) foi realizada durante a execução do experimento e será analisada em conjunto com os dados coletados semanalmente. Essas amostras (n = 28) foram coletadas entre os dias 44 e 45 de cultivo durante um período de 24 h (08:00h, 16:00h, 02:00h e 08:00h). 2.2. Classificação das bactérias quanto sua estratégia de vida Para interpretar os dados da variação temporal da comunidade bacteriana sob a ótica da teoria r/K, classificamos o comportamento esperado das bactérias tendo como base a frequência com que as bactérias foram citadas na literatura como seguindo o comportamento associado a copiotrofia (r-estrategistas) ou oligotrofia (K-estrategistas) (Tabela 1). Os microrganismos copiotróficos preferem ambientes ricos em nutrientes enquanto os organismos oligotróficos estão adaptados para condições de baixa disponibilidade de nutrientes (Couso et al., 2023). Ressalta-se que os termos associados à estratégia de vida das bactérias citados na tabela 1 (copiotrófico e oligotrófico) é um conceito descendente da teoria de seleção r/K, e, portanto, análogo a r e K-estrategistas. A partir dos dados da literatura, classificamos as ordens bacterianas encontradas no presente estudo a partir do modo de vida esperado considerando o comportamento mais frequentemente observado nos estudos. Apenas as bactérias da ordem Chlamydiales não foram classificadas. As bactérias dessa ordem são simbiontes intracelulares obrigatórias ou parasitas de eucariotos, amplamente distribuídas, que podem estar associadas à epitheliocistose e a outros patógenos responsáveis por doenças respiratórias em peixes, causadas por cistos branquiais (Philippot, 2010; Stride et al., 2014; Dinh-Hung et al., 2022). Justamente por serem bactérias intracelulares obrigatórias e dependerem de seus hospedeiros para recursos e condições estáveis, se torna difícil estabelecer sua classificação dentro dos conceitos de oligotrófico e copiotrófico. Tabela 1. Classificação das estratégias de história de vida microbiana das principais linhagens microbianas. A tabela apresenta a classificação taxonômica dos grupos microbianos encontrados no estudo em relação ao seu modo de vida (copiotrófico e oligotrófico) de acordo com a literatura e baseado na tabela de (Stone, et al, 2023). As abreviações das classificações taxonômicas correspondem respectivamente a: (F) Filo, (C) Classe, (O) Ordem; (G) Gênero. 2.3 Análise da Comunidade Bacteriana A caracterização da composição da comunidade bacteriana foi determinada por sequenciamento de alto desempenho e bioinformática, com anotações até o nível de gênero. Aproximadamente 50 ml de água de cada tanque foram coletados com uma seringa, imediatamente antes da primeira ração do dia, filtrados com filtro Sterivex (0,22 μm) e armazenados com 1,8 mL de tampão TE (50 mM Tris-50 mM EDTA) a -20 ºC até a extração. As amostras foram lisadas com 0,5% de SDS e 50 mg de proteinase K (Machery-Nagel™) dentro do filtro Sterivex a 50 ºC por 60 minutos, e então transferidas para microtubos. O DNA foi extraído com fenol:clorofórmio:álcool isoamílico (25:24:1) e precipitado com etanol. Após a extração, a concentração de DNA (ng µL−1) e a pureza (A260/280, A260/230) foram medidas com um Espectrofotômetro NanoDrop 2000® (Thermo Scientific, Wilmington, DE, EUA). A região hipervariável V3-V4 do gene do RNA ribossômico 16S (16S rDNA) foi amplificada com primers de ampla cobertura (Klindworth et al., 2013) contendo adaptadores comerciais recomendados no Guia de Preparação de Amostras 16S (Illumina). Os produtos de PCR com adaptadores (~ 460 pb) foram indexados e quantificados conforme protocolos padrão. A amplificação e o sequenciamento foram realizados no Centro de Metagenômica Funcional ESALQ/USP Piracicaba, utilizando um protocolo de pareamento de extremidades com um kit de 600 ciclos para a plataforma Illumina MiSeq. 2.4 Bioinformática O processamento das amostras (bioinformática) foi conduzido apenas para as 28 amostras do estudo de curto prazo. As sequências brutas foram dinamicamente truncadas usando o SolexaQA++ (Cox et al., 2010), e os códigos de barras e sequências curtas (< 75 pb) serão removidos. As extremidades pareadas serão organizadas com o PAIRFQ (software de código aberto) e unidas com o PANDASEQ (Masella et al., 2012). Leituras idênticas foram agrupadas usando um comando grep no sistema de prompt. As quimeras foram verificadas através do CATCh, no modo de auto-referência (Mysara et al., 2015). Para agrupar os dados em OTUs, utilizamos o SWARM (Mahé et al., 2014). O Mothur 1.36 (Schloss et al., 2009) foi então utilizado para atribuição taxonômica das OTUs (classify.seqs) utilizando o banco de dados Silva SSU (v1.32) (Quast et al., 2012), disponibilizado pelo Mothur. Os amplicons eucarióticos e arqueais foram removidos antes da análise estatística adicional. Os dados foram normalizados para o menor número de leituras para evitar viés em análises de diversidade devido à profundidade variável de sequenciamento. 2.5 Análise estatística Para identificar padrões de similaridade na composição da comunidade bacteriana entre os diferentes tratamentos (nível de bioflocos: T500 e T700) e o tempo (hora e dia de amostragem), realizamos um escalonamento multidimensional não métrico (nMDS) utilizando a distância de Bray-Curtis (Legendre & Legendre, 2012). Na análise dos dados do experimento de curto prazo (amostragem durante 24 horas, item 3.2), a PERMANOVA bi-fatorial baseada na matriz de similaridade de Bray-Curtis foi utilizada para testar diferenças na estrutura da comunidade devido ao tratamento (nível de bioflocos) e ao tempo (hora da amostragem) (Anderson et al., 2008). Já na análise dos dados do experimento de longo prazo (amostragem semanal, item 3.3), o efeito dos níveis de bioflocos e do tempo (dia da amostragem) sobre a contagem de Unidades Taxonômicas Operacionais (OTUs), foi ajustado um Modelo Linear Generalizado Misto Bayesiano (BGLMM) especificado como: logijk=0+1T500i+2DIAcenti+b0j+b1jT500i+b2jDIAcenti+uk No modelo, ijk é a média esperada da contagem de OTUs para a i-ésima observação, na j-ésima ordem taxonômica e na k-ésima unidade experimental. A variável indicadora T500i foi codificada com o valor 1 no tratamento T500 e 0 no T700, de modo que o intercepto 0 corresponde ao logaritmo da média esperada de OTUs no tratamento T700 (referência) e o coeficiente fixo 1 quantifica o efeito do tratamento T500 em relação ao T700. O coeficiente 2 representa o efeito do tempo, com o dia de amostragem centralizado para média zero (DIAcenti) a fim de melhorar a convergência do modelo. Os termos b0j, b1j e b2j são efeitos aleatórios associados à ordem taxonômica, permitindo que cada ordem tenha seu próprio intercepto e inclinações em relação aos efeitos de tratamento e tempo, reconhecendo que diferentes ordens bacterianas podem responder de maneira distinta. O efeito aleatório uk captura a variabilidade entre os tanques individuais. O modelo foi ajustado utilizando uma abordagem bayesiana com amostragem de Markov Chain Monte Carlo (MCMC). Empregamos quatro cadeias de 4000 iterações, descartando as primeiras 1000 como aquecimento, totalizando 12000 amostras para inferência. Priores não informativas foram utilizadas para permitir que os dados direcionassem as estimativas dos parâmetros. A convergência das cadeias foi avaliada pelo diagnóstico R de Gelman-Rubin (Gelman et. al., 2013), assegurando valores próximos de 1, e pela inspeção visual das cadeias para verificar a ausência de autocorrelação. A distribuição binomial negativa com função de ligação foi escolhida devido à natureza dos dados de contagem e à presença de superdispersão. Os efeitos dos parâmetros foram avaliados utilizando os intervalos de credibilidade de 95% (ICr 95%) das distribuições posteriores. Parâmetros cujos ICr 95% não incluíram o zero foram interpretados como evidência de um efeito relevante. Foram incluídas nas análises somente as ordens que totalizaram 1% ou mais da abundância total. As análises foram realizadas utilizando o software PAST v.4.03 (Hammer et al., 2001), PRIMER v.6 (Clarke e Gorley, 2006) com o pacote PERMANOVA1 (Anderson et al., 2008), software R (versão 4.4.1; R Core Team, 2024), utilizando os pacotes vegan (versão 2.6.8; Oksanen et al., 2024) e brms (versão 2.22.0; Bürkner, 2017, 2018). 3. Resultados e Discussão Neste artigo, estudamos a variação na composição da comunidade microbiana em diferentes escalas de tempo. A comunidade microbiana na água de cultivo dos tanques de bioflocos (amostras semanais) foi caracterizada previamente (Copetti et al., 2021). No presente estudo, reanalisamos esses dados com foco na variação temporal da microbiota. Um resumo das variáveis mais importantes de qualidade da água e do desempenho dos camarões, obtidos no estudo de Copetti et al. (2021), é apresentado no tópico 3.1. 3.1. Qualidade da água e o desempenho dos camarões As variáveis de qualidade da água que não diferiram entre os tratamentos (p > 0,05) são apresentadas como média dos tratamentos: temperatura (29,4 °C), oxigênio dissolvido (6,2 mg L-1), salinidade (20), pH (7,9), e amônia (0,35 mg TAN L−1). A alcalinidade (mg CaCO3 L−1) foi maior no tratamento com menor quantidade de bioflocos/T500 (153,6) do que no tratamento com maior quantidade de flocos/T700 (140,3). Os níveis de nitrito (mg NO2− - N L-1) foram maiores no T500 (1,5) do que no T700 (0,8). A média de sólidos suspensos totais (mg L-1) manteve-se em ~ 514 (T500) e 724 (T700). O desempenho dos camarões também não foi diferente entre os tratamentos (p > 0,05). O ganho de peso, a sobrevivência e a taxa de conversão alimentar foram de 0,55 g semana-1, 90,8% e 2,9, respectivamente. 3.2. Pergunta 1 - Mudanças na estrutura da comunidade bacteriana ocorrem em intervalos menores do que uma semana? O sequenciamento Illumina resultou em 1520 OTUs e a profundidade de sequenciamento foi em média de 96.284 leituras por amostra (n=24). Para evitar viés de profundidade de sequenciamento, todas as amostras foram normalizadas para a amostra com o menor número de contagens (66.041). A visualização da similaridade entre as amostras ordenadas por nMDS indica sua separação entre os tratamentos (níveis de sólidos: T500 e T700) (Figura 1). Esse padrão foi confirmado pela PERMANOVA, que revelou apenas o efeito do nível de sólidos na estrutura da comunidade bacteriana, mas não do tempo (Tabela 2). As coletas das amostras do estudo de curto prazo foram realizadas na última semana do experimento. Dessa forma, as diferenças na estrutura da comunidade bacteriana entre tratamentos, registradas no intervalo das 24h, são provavelmente resultado das mudanças de longo prazo (semanas) promovidas pelo efeito do controle diferenciado do nível de bioflocos. Uma discussão mais detalhada sobre esses efeitos é encontrada no trabalho de Copetti et al. (2021). Figura 1. Escalonamento multidimensional não métrico (nMDS) baseado na similaridade de Bray-Curtis a partir dos dados de abundância de tanques de L. vannamei criados sob duas concentrações de bioflocos (T500 em vermelho e T700 em azul) durante 24 horas (0 h, 8 h, 18 h e 24 h) em uma densidade de estocagem de 906 camarões m−3. Os números acima dos símbolos indicam a data de amostragem. Mudanças na estrutura da comunidade bacteriana não ocorreram ao longo das 24 horas de amostragem. O sistema intensivo de cultivo com bioflocos é um ambiente rico em nutrientes e sujeito a manejos diários (e.g. arraçoamento, decantação de flocos) (Schveitzer et al., 2023). Tais condições poderiam, em tese, promover perturbações no sistema e propiciar mudanças na estrutura da comunidade de bactérias já que algumas espécies podem se duplicar em questão de poucos minutos (Zhu, et al., 2024), fato que não ocorreu. Resultados semelhantes foram observados em outros estudos em ambientes naturais. Por exemplo, Lee e Fuhrman (1987) encontraram pouca variação na composição bacteriana durante um ensaio de 48 horas em ambientes controlados, sugerindo que a alteração na biomassa foi parcialmente atribuída ao crescimento bacteriano e à dinâmica de partículas orgânicas presentes, influenciando os resultados. Da mesma forma, Acinas et al. (1997) registraram apenas pequenas mudanças na estrutura da comunidade bacteriana em amostras coletadas na superfície e fundo do Mediterrâneo em um intervalo de 48 horas. Segundo os autores, essas pequenas mudanças se devem à estabilidade ambiental do local e a resiliência bacteriana, adaptadas a pequenas variações ambientais. Hewson et al. (2006) relataram mudanças na composição da comunidade de 10-20% por dia em águas oligotróficas subtropicais. Os autores argumentam que as interações de origem “bottom-up” e “top-down”, que ocorrem devido à disponibilidade de recursos no oceano oligotrófico, podem ser responsáveis pela mudança das assembleias em escalas de tempo curtas menores que 24h. Tabela 2. Resultados da análise de variância multivariada permutacional de duas vias (PERMANOVA) da microbiota a partir de amostras de tanques de L. vannamei criados sob duas concentrações de bioflocos (níveis de SST) durante 24 horas (08h, 16h, 02h e 08h) em uma densidade de estocagem de 906 camarões m−3. P Perm. Fonte df SS MS Pseudo-F (perm) SST 1 6709.6 6709.6 6.348 0.001 997 Tempo 3 1192.2 397.4 0.37599 0.985 998 SSTxTemp 3 1113.5 371.18 0.35118 0.995 999 Res 16 16911.0 1057.0 Total 23 25927.0 Valores em negrito indicam efeito significativo. Do ponto de vista do manejo do sistema, o fato de não termos registrado alterações na estrutura da comunidade bacteriana ao longo do dia é um fator importante. Isso indica que os manejos diários não causam alterações significativas na composição microbiana do sistema, proporcionando uma certa estabilidade biológica e maior previsibilidade para o sistema de cultivo. A estabilidade da comunidade microbiana proporciona maior segurança biológica, reduzindo o aparecimento de bactérias patogênicas no sistema (Vadstein et al, 2018). 3.3. Pergunta 2 - como as comunidades bacterianas modificam-se no tempo tendo como base a teoria de seleção r/K? De acordo com Copetti et al. (2021), os resultados da PERMANOVA de dois fatores revelaram um efeito significativo na estrutura da comunidade bacteriana tanto para o nível de bioflocos (p= 0,001) quanto para o tempo (semanas de cultivo) (p=0,001). Nesse trabalho, os autores focaram no efeito dos tratamentos (níveis de bioflocos) sobre a composição da comunidade bacteriana utilizando o gênero como nível taxonômico analisado. No presente estudo, focamos na análise da variação temporal da comunidade bacteriana utilizando a ordem das bactérias (Philippot et al., 2010) como nível taxonômico estudado. Essa escolha se justifica em função da ausência de informações em níveis taxonômicos menores (e.g. gênero), o que dificulta a interpretação dos resultados em estudos de metagenômica (Sczyrba et al., 2017). Na Figura 2a é apresentada a ordenação das amostras considerando os dois tratamentos testados no experimento: níveis baixos (T500 = sólidos suspensos totais de ~ 500 mg L-1) e altos (T700 = sólidos suspensos totais de ~ 700 mg L-1) de bioflocos. O primeiro aspecto observado é a mudança na estrutura da comunidade bacteriana ao longo das semanas nos dois tratamentos, demonstrado pelo distanciamento entre as amostras do início (dia 1) para o fim do cultivo (dia 50). Também é possível notar que essa mudança temporal na comunidade foi diferente entre os tratamentos, evidenciada no gráfico pelo posicionamento distinto das amostras no gráfico (áreas sombreadas em vermelho e azul). Isso indica que a pressão de seleção aplicada durante o experimento (cultivo com níveis menores e maiores de bioflocos) levou a formação de comunidades com composição distinta ao longo do tempo. Esse argumento é respaldado nas Figuras 2b e 3. Na primeira, foi apresentada a distribuição das principais ordens bacterianas encontradas nos dois tratamentos (abundância > 1%) considerando sua classificação de acordo com a estratégia de vida esperada das bactérias com base na tabela 1. Na Figura 3, são exibidos os intervalos de credibilidade para o efeito do T500 sobre as diferentes ordens bacterianas. Intervalos à direita da linha zero sugerem aumento em resposta ao tratamento T500, enquanto intervalos à esquerda indicam diminuição. É possível notar que, de maneira geral, enquanto as bactérias r-estrategistas aumentaram no T500, a quantidade de bactérias K-estrategistas diminuiu. Figura 2. Escalonamento Multidimensional Não Métrico (nMDS) baseado na similaridade de Bray-Curtis de dados de abundância de tanques de L. vannamei cultivados sob duas concentrações de sólidos suspensos totais (T500 e T700) durante 50 dias em densidades de estocagem de 906 camarões m-3. Números acima dos símbolos indicam o dia de cultivo. A classificação das ordens em r e K estrategista foi realizada com base nos dados da tabela 1. A ordem Chlamydiales foi classificada como “desconhecida” por não haver descrição da estratégia de vida dessas bactérias na literatura. Figura 3. Efeito do tratamento T500 sobre as ordens bacterianas, apresentando as distribuições posteriores dos efeitos aleatórios associados ao tratamento T500 em comparação ao T700 para cada ordem bacteriana, com intervalos de credibilidade de 95%. Valores positivos indicam um aumento relativo na abundância em T500 em comparação ao T700, enquanto valores negativos indicam uma diminuição. As ordens bacterianas são classificadas como estrategistas K (azul), estrategistas r (vermelho) ou estratégia desconhecida (cinza). No parágrafo anterior, sugerimos que a quantidade de bioflocos funciona como um filtro ambiental selecionando comunidades bacterianas que abrigam espécies com estratégias de vida diferentes. Segundo Copetti et al. (2021), isso ocorre porque a redução da densidade microbiana (nível de bioflocos) pelo processo de decantação aumenta a diferença entre a biomassa microbiana dos tanques e a capacidade de carga microbiana (CC) do sistema. Os autores discutem que esse ambiente enriquecido (alta disponibilidade de nutrientes por célula) com espaço para colonização (baixa competição) beneficia os r-estrategistas oportunistas de crescimento rápido (Vadstein et al., 1993; Hess-Erga et al., 2010). Ainda segundo eles, no tratamento com menor quantidade de bioflocos (T500), a biomassa microbiana estava mais distante da CC, uma condição que favorece a proliferação de bactérias oportunistas r-estrategistas. Essas bactérias são adaptadas a viverem em ambientes com maior disponibilidade de recursos e nutrientes (Marshall et al., 2023). Diferentemente, em tanques com níveis de flocos mais altos (T700), em que a biomassa de microrganismos está mais próxima da CC, a ocorrência de bactérias K-estrategistas é favorecida. Isso ocorre porque a seleção K ocorre em ambientes estáveis (menos perturbados, por exemplo, por sedimentação) onde a sua capacidade de competir por recursos limitados é bem-sucedida (por exemplo, matéria orgânica dissolvida), ou seja, em uma comunidade próxima da CC (Vadstein, et al., 2018). Apesar da clara separação entre bactérias r e K-estrategistas em tanques manejados com quantidades menores e maiores de bioflocos, é possível observar que as comunidades bacterianas dos dois tratamentos ainda não haviam alcançado a estabilidade (Figura 2a). Em outras palavras, a sucessão de espécies ainda estava acontecendo quando o experimento foi encerrado, pois as amostras dentro de cada tratamento estavam distantes umas das outras no fim do experimento (e.g. amostras dos dias 44 e 50). Nesse sentido, poderíamos questionar se o status r e K-estrategista da comunidade bacteriana associada com os dois tratamentos testados também estaria sendo modificado. O fato de as amostras dos dois tratamentos estarem separadas da metade para o fim do experimento (Figura 2a) (comunidade r-estrategista em vermelho e K-estrategista em azul) indica que embora tenha havido substituição de espécies em cada um dos tratamentos, os grupos que foram se alterando no tempo possuíam as mesmas estratégias de vida. Ou seja, espécies que foram se tornando mais importantes ao longo do tempo nos tanques do T700 eram outras K-estrategistas; e as que cresceram no T500 eram outras r-estrategistas. Com isso, mesmo não havendo estabilidade da comunidade, poderíamos supor um tipo de estabilidade dinâmica em que grupos ecológicos com mesmas estratégias de vida foram se alternando no tempo, mas mantendo o status r e K-estrategistas da comunidade. A hipótese da estabilidade dinâmica da comunidade, levantada anteriormente, é suportada analisando-se a Figura 4. No T700 (Figura 4a), a proporção de ordens K-estrategistas (azul) aumentou ao longo do tempo em relação a de r-estrategistas (vermelho). A eficiência máxima de crescimento dos oligotróficos é alcançada em uma concentração de recursos limitantes mais baixa, que ocorre devido a sua capacidade de vasculhar e crescer quando a disponibilidade de recursos se torna escassa (Ho et al, 2017). Portanto, o resultado encontrado é esperado já que bactérias copiotróficas tendem a ser sucedidas pelas oligotróficas após o esgotamento de recursos facilmente metabolizáveis. Já no tratamento com nível menor de bioflocos (Figura 4b), as r-estrategistas foram numericamente superiores às K durante os dias de cultivo. Interessantemente, observa-se no dia 36 um pico de ocorrência de bactérias r-estrategistas (vermelho) nos tanques do T700 (Figura 4a), seguido de uma queda no dia 44 quando os valores retornam ao padrão observado nos demais dias (maior abundância de K-estrategistas). Esse comportamento pode, em tese, refletir uma resposta a algum tipo de perturbação no sistema. Ainda assim, a diminuição da proporção de bactérias r-estrategistas no T700 no dia 44 indica uma característica de comunidades dominadas por K-estrategistas: o maior controle biológico e maior estabilidade a perturbações (Vadstein et al., 2018). Segundo Yang et al. (2018), interações entre os membros da comunidade microbiana podem fornecer um amortecimento contra possíveis distúrbios ao longo do cultivo, contribuindo para que o sistema retorne à estabilidade. Isso asseguraria que a ocorrência de flutuações súbitas que favoreçam a proliferação de patógenos pode ser facilmente revertida pelo próprio sistema oligotrófico. Figura 4. Abundância relativa de bactérias r e K-estrategistas em tanques de cultivo de L. vannamei cultivados sob duas concentrações de bioflocos (T500 e T700). Dados apresentados considerando a classificação das ordens em r e K-estrategistas. A Figura 5, que exibe os intervalos de credibilidade para o efeito do tempo (em dias), também reforça o argumento da estabilidade dinâmica. Os intervalos indicam o efeito do tempo sobre as ordens, com aumentos ou diminuições ao longo dos dias. Nesta figura, intervalos à esquerda indicam uma diminuição da abundância com o tempo, enquanto intervalos à direita um aumento da abundância com o tempo. É possível observar que enquanto algumas ordens K-estrategistas aumentaram ao longo do tempo (e.g. ordens Planctomycetales, SBR1031, Rhizobiales e Rhodobacterales), outras diminuíram (ordens PB19, Pirellulales, Verrucomicrobiales, Myxoxoccales, Caldilineales e Pedosphaerales). O mesmo ocorre para as r-estrategistas, por exemplo, Oceanospirillales, Alteromonadales, Vibrionales, Cytophagales, Micrococcales e PeM15 aumentaram, e Chitinophagales, Sphingobacteriales, Bacteroidales, Cellvibrionales e Flavobacteriales diminuíram com o passar do tempo. Figura 5. Efeito do tempo sobre as ordens bacterianas, apresentando as distribuições posteriores dos efeitos aleatórios do tempo (dias de amostragem) para cada ordem bacteriana, com intervalos de credibilidade de 95%. Valores positivos indicam um aumento ao longo do tempo, enquanto valores negativos indicam uma diminuição na abundância. As ordens bacterianas são classificadas como estrategistas K (azul), estrategistas r (vermelho) ou estratégia desconhecida (cinza). 4. Conclusão Nossos dados mostram que variações na comunidade bacteriana não são relevantes em um intervalo de 24 horas. Por outro lado, em escalas temporais maiores (semanal), a comunidade bacteriana se modifica significativamente. Contudo, ainda que haja mudanças, observou-se que o status ecológico da comunidade (r ou K-estrategista) é mantido ao longo do tempo em tanques mantidos com diferentes quantidades de bioflocos. Ou seja, tanques de cultivo mantidos com níveis menores de bioflocos (~ 500 mg L−1) selecionam espécies r-estrategistas e esse padrão de seleção é mantido ao longo do tempo. Por outro lado, tanques com maiores quantidades de bioflocos (~ 700 mg L−1) selecionam espécies K-estrategistas, que se mantém ao longo do cultivo. 5. Agradecimentos Primeiramente, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e especialmente à VUNESP, pela bolsa de estudos do Programa para Inclusão dos Alunos da Escola Pública na Universidade, que permitiu minha permanência estudantil durante o retorno das aulas após a pandemia de COVID-19. O suporte dessas instituições foi fundamental para a realização deste trabalho. Agradeço também ao Instituto de Biociências da UNESP – Campus do Litoral Paulista (IB-CLP) pela infraestrutura e ensino, em especial à Professora Dra. Alessandra Augusto, pela orientação durante a elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso e pelo acompanhamento na bolsa VUNESP. Manifesto minha gratidão à Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - Instituto do Mar (IMar) pela parceria, e ao Professor Dr. Rodrigo Schveitzer e ao Doutorando Fabrini Copetti, pela oportunidade de ingressar no laboratório. Sou profundamente grata pelo tempo dedicado, pelos ensinamentos transmitidos e por serem uma inspiração profissional e acadêmica. Referências Acinas, S.G., Rodriguez-Valera, F., Pedrós-Alió, C. 1997. Spatial and temporal variation in marine bacterioplankton diversity as shown by RPFL fingerprinting of PCR amplified 16S rDNA. FEMS Microbiology Ecology, 24, 27–40. Anderson, M.J., Gorley, R.N., Clarke, K.R. 2008. PERMANOVA+ for PRIMER: Guide to Software and Statistical Methods. PRIMER-e, Plymouth. Andrews, J. H. (1984). “Relevance of r- and K-theory to the ecology of plant pathogens,” in Current Perspectives in Microbial Ecology, ed. M. J. Klug (Washington, DC: American Society for Microbiology), 1–7 Andrew Gelman, John B. Carlin, Hal S. Stern, David B. Dunson, Aki Vehtari and Donald B. Rubin (2013). Bayesian Data Analysis, Third Edition. Chapman and Hall/CRC. Attramadal, K.J., Øie, G., Størseth, T.R., Alver, M.O., Vadstein, O., Olsen, Y. 2012. The effects of moderate ozonation or high-intensity UV-irradiation on the microbial environment in RAS for marine larvae. Aquaculture, 330, 121-129. Avnimelech, Y. 2007. Feeding with microbial flocs by tilapia in minimal discharge bio-flocs technology ponds. Aquaculture, 264, 140–147. Avnimelech, Y. 2009. Biofloc Technology - A Practical Guide Book. The World Aquaculture Society, Baton Rouge, Louisiana. Bandara, K.A., Politis, S.N., Sganga, D.E., Sørensen, S.R., Koumpiadis, P., Tomkiewicz, J., Vadstein, O. 2024. Effects of European eel egg and larval stocking density on rearing water, offspring bacteriome and derived immune response. Aquaculture, 585, 740716. Bray, J.R., Curtis, J.T. 1957. An ordination of the upland forest communities of southern Wisconsin. Ecological Monographs, 27(4), 326-349. Browdy, C.L., Bratvold, D., Stokes, A.D., McIntosh, R.P. 2001. Perspectives on the application of closed shrimp culture systems. In: Browdy, C.L., Jory, D.E. (Eds.), The New Wave, Proceedings of the Special Session on Sustainable Shrimp Culture. World Aquaculture Society, Baton Rouge, Louisiana, pp. 20-30. Bürkner P (2017). “brms: An R Package for Bayesian Multilevel Models Using Stan.” Journal of Statistical Software, 80(1), 1–28. doi:10.18637/jss.v080.i01. Bürkner P (2018). “Advanced Bayesian Multilevel Modeling with the R Package brms.” The R Journal, 10(1), 395–411. doi:10.32614/RJ-2018-017. Clarke, K.R., Gorley, R.N. 2006. Primer. PRIMER-e, Plymouth. Copetti, F., Gregoracci, G.B., Vadstein, O., Schveitzer, R. 2021. Management of biofloc concentrations as an ecological strategy for microbial control in intensive shrimp culture. Aquaculture, 543, 736969. Couso, Luciana L. et al. Ecology theory disentangles microbial dichotomies. Environmental Microbiology, v. 25, n. 12, p. 3052-3063, 2023. Cox, R.M., Parker, E.U., Cheney, D.M., Liebl, A.L., Martin, L.B., Calsbeek, R. 2010. Experimental evidence for physiological costs underlying the trade-off between reproduction and survival. Functional Ecology, 24(6), 1262-1269. Dinh-Hung, Nguyen et al. Co-infection of Candidatus Piscichlamydia Trichopodus (Order Chlamydiales) and Henneguya sp.(Myxosporea, Myxobolidae) in Snakeskin Gourami Trichopodus pectoralis (Regan 1910). Frontiers in Veterinary Science, v. 9, p. 847977, 2022. Ebeling, J.M., Timmons, M.B., Bisogni, J.J. 2006. An engineering analysis of the stoichiometry of autotrophic, heterotrophic bacterial control of ammonia–nitrogen in zero-exchange production. In: The 6th International Conference on Recirculation Aquaculture, Virginia Tech University, Virginia, pp. 28-37. Fuhrman, J.A., Hagström, A. 2008. Bacterial and archaeal community structure and its patterns. In: Kirchman, D.L. Microbial Ecology of the Oceans, 2nd ed. Wiley, New Jersey, pp. 45-67. Hammer, Ø., Harper, D.A. 2001. Past: Paleontological Statistics Software Package for Education and Data Analysis. Palaeontologia Electronica, 4(1), 1. Hargreaves, J.A. 2006. Photosynthetic suspended-growth systems in aquaculture. Aquaculture Engineering, 34, 344–363. Hess-Erga, Ole-Kristian; Blomvågnes-Bakke, Bente; Vadstein, Olav. Recolonization by heterotrophic bacteria after UV irradiation or ozonation of seawater; a simulation of ballast water treatment. Water research, v. 44, n. 18, p. 5439-5449, 2010. Hewson, I., Steele, J.A., Capone, D.G., Fuhrman, J.A. 2006. Temporal and spatial scales of variation in bacterioplankton assemblages of oligotrophic surface waters. Marine Ecology Progress Series, 311, 67–77. Ho, Adrian; Di Lonardo, D. Paolo; Bodelier, Paul LE. Revisiting life strategy concepts in environmental microbial ecology. FEMS microbiology ecology, v. 93, n. 3, p. fix006, 2017. Kassem, Taher et al. Smart and sustainable aquaculture farms. Sustainability, v. 13, n. 19, p. 10685, 2021 Klindworth, Anna et al. Evaluation of general 16S ribosomal RNA gene PCR primers for classical and next-generation sequencing-based diversity studies. Nucleic acids research, v. 41, n. 1, p. e1-e1, 2013. Lee, S., Fuhrman, J.A. 1987. Relationships between biovolume and biomass of naturally derived marine bacterioplankton. Applied and Environmental Microbiology, 53(6), 1298-1303. Legendre, P., & Legendre, L. (2012). Numerical Ecology. Elsevier. MacArthur, R.H., Wilson, E.O. 2001. The Theory of Island Biogeography. Princeton University Press, Princeton, NJ. Macusi, Edison D. et al. Environmental and socioeconomic impacts of shrimp farming in the Philippines: A critical analysis using PRISMA. Sustainability, v. 14, n. 5, p. 2977, 2022. Mahé, F., Rognes, T., Quince, C., de Vargas, C., Dunthorn, M. 2014. Swarm: robust and fast clustering method for amplicon-based studies. PeerJ, 2, e593. Masella, A.P., Bartram, A.K., Truszkowski, J.M., Brown, D.G., Neufeld, J.D. 2012. PANDAseq: paired-end assembler for illumina sequences. BMC Bioinformatics, 13, 1-7. Marshall, Dustin J.; Cameron, Hayley E.; Loreau, Michel. Relationships between intrinsic population growth rate, carrying capacity and metabolism in microbial populations. The ISME Journal, v. 17, n. 12, p. 2140-2143, 2023. Mysara, M., Saeys, Y., Leys, N., Raes, J., Monsieurs, P. 2015. CATCh, an ensemble classifier for chimera detection in 16S rRNA sequencing studies. Applied and Environmental Microbiology, 81(5), 1573-1584. Oksanen, J., Simpson, G. L., Blanchet, F. G., Kindt, R., Legendre, P., Minchin, P. R., O’Hara, R. B., Solymos, P., Stevens, M. H. H., Szoecs, E., Wagner, H., Barbour, M., Bedward, M., Bolker, B., Borcard, D., Carvalho, G., Chirico, M., De Cáceres, M., Durand, S., Evangelista, H. B. A., FitzJohn, R., Friendly, M., Furneaux, B., Hannigan, G., Hill, M. O., Lahti, L., McGlinn, D., Ouellette, M.-H., Ribeiro Cunha, E., Smith, T., Stier, A., Ter Braak, C. J. F., & Weedon, J. (2024). vegan: Community Ecology Package (versão 2.6.8). Disponível em https://CRAN.R-project.org/package=vegan Ortiz-Estrada, Á.M., Martínez-Porchas, M., Martínez-Córdova, L.R., Vargas-Albores, F., Burgos-Hernandéz, A., Scheuren-Acevedo, S.M., Gollas-Galván, T. 2021. Bacterial communities and predicted nitrogen metabolism of heterotrophic and probiotic-based biofilms used for super-intensive indoor shrimp culture. Aquaculture Research, 52(1), 334-344. Philippot, L., Andersson, S.G., Prosser, J.I. 2010. The ecological coherence of high bacterial taxonomic ranks. Trends in Microbiology, 18(11), 473–480. R Core Team (2024). R: A Language and Environment for Statistical Computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. https://www.R-project.org/. Rego, Marcelo Augusto Soares et al. Financial viability of inserting the biofloc technology in a marine shrimp Litopenaeus vannamei farm: a case study in the state of Pernambuco, Brazil. Aquaculture international, v. 25, p. 473-483, 2017. http://www.r-project.org/ Riemann, L., Middelboe, M. 2002. Stability of bacterial and viral community compositions in Danish coastal waters as depicted by DNA fingerprinting techniques. Aquatic Microbial Ecology, 27, 219–232. Samocha, T.M., Patnaik, S., Speed, M., Ali, A., Burger, J., Almeida, R., Ayub, Z., Harisanto, M., Horowitz, A., Brock, D.L. 2007. Use of molasses as carbon source in limited discharge nursery and grow-out systems for Litopenaeus vannamei. Aquaculture Engineering, 36(2), 184-191. Schloss, P.D., Westcott, S.L., Ryabin, T., Hall, J.R., Hartmann, M., Hollister, E.B., Weber, C.F. 2009. Introducing mothur: open-source, platform-independent, community-supported software for describing and comparing microbial communities. Applied and Environmental Microbiology, 75(23), 7537-7541. Schryver, P.D., Crab, R., Defoirdt, T., Boon, N., Verstraete, W. 2008. The basics of bio-flocs technology: The added value for aquaculture. Microbial Ecology, 277, 125-137. Schveitzer, R., Fonseca, G., Orteney, N., Menezes, F.C.T., Thompson, F.L., Thompson, C.C., Gregoracci, G.B. 2020. The role of sedimentation in the structuring of microbial communities in biofloc-dominated aquaculture tanks. Aquaculture, 514, 734493. Schveitzer, Rodrigo et al. Concentration of suspended solids in superintensive culture of the Pacific white shrimp Litopenaeus vannamei with biofloc technology (BFT): A review. Reviews in Aquaculture, v. 16, n. 2, p. 785-795, 2024. Sczyrba, Alexander et al. Critical assessment of metagenome interpretation—a benchmark of metagenomics software. Nature methods, v. 14, n. 11, p. 1063-1071, 2017. Stride, M. C.; Polkinghorne, Adam; Nowak, B. F. Chlamydial infections of fish: diverse pathogens and emerging causes of disease in aquaculture species. Veterinary Microbiology, v. 170, n. 1-2, p. 19-27, 2014. Vadstein, Olav et al. K-selection as microbial community management strategy: a method for improved viability of larvae in aquaculture. Frontiers in Microbiology, v. 9, p. 2730, 2018. Vadstein, O., Attramadal, K.J., Bakke, I., Forberg, T., Olsen, Y., Verdegem, M., Bossier, P. 2018. Managing the microbial community of marine fish larvae: A holistic perspective for larviculture. Frontiers in Microbiology, 9, 1820. Vadstein, Olav; Øie, Gunvor; Olsen, Yngvar. Particle size dependent feeding by the rotifer Brachionus plicatilis. Hydrobiologia, v. 255, p. 261-267, 1993. Yang, Wen et al. Succession of bacterioplankton community in intensive shrimp (Litopenaeus vannamei) aquaculture systems. Aquaculture, v. 497, p. 200-213, 2018. Zar, J.H. 2010. Biostatistical Analysis, 5th ed. Prentice Hall, New Jersey. Zhu, Manlu; Dai, Xiongfeng. Shaping of microbial phenotypes by trade-offs. Nature Communications, v. 15, n. 1, p. 4238, 2024.