EDINILSON DONISETE MACHADO A DIVISÃO DAS FUNÇÕES DA UNIÃO E OS LIMITES DE SUA COMPETÊNCIA, ANTE A CONSTITUIÇÃO VIGENTE 2 EDINILSON DONISETE MACHADO A DIVISÃO DAS FUNÇÕES DA UNIÃO E OS LIMITES DE SUA COMPETÊNCIA, ANTE A CONSTITUIÇÃO VIGENTE Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Franca, para obtenção do título de Mestre em Direito (Área de Concentração: Direito das Obrigações). Orientador: Prof. Titular Livre Docente. Clóvis Carvalho Júnior Franca 2000 Machado, Edinilson Donisete A divisão das funções da união e os limites de competência ante a Constituição vigente. Edinilson Donisete Machado. Franca, 2000. Dissertação – Mestrado – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – Universidade Estadual Paulista. 1 Teoria Geral do Estado 2 Direito das obrigações CDD 342.04 3 EDINILSON DONISETE MACHADO A DIVISÃO DAS FUNÇÕES DA UNIÃO E OS LIMITES DE SUA COMPETÊNCIA, ANTE A CONSTITUIÇÃO VIGENTE COMISSÃO JULGADORA DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE Presidente e Orientador......................................................................... 2º Examinador......................................................................................... 3º Examinador......................................................................................... Franca, de de 2000. 4 DADOS CURRICULARES EDINILSON DONISETE MACHADO NASCIMENTO 10.10. 1965 – TUPÃ/SP FILIAÇÃO Nilson Pereira Machado Cecilia Luengo Machado 1983/1987 Curso de Graduação Faculdade de Direito de Marília 1989/1991 Curso em nível de especialização "latu Sensu", em Direito na área de Direito Civil e Direito Processual Civil, pela Faculdade de Direito de Marília. 1997/2000 Curso de Pós-Graduação em Direito Civil, nível de Mestrado,na Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP – Campus Franca/SP. 1994/2000 Servidor Público Federal, no cargo de Procurador Seccional da União, lotado na Procuradoria Seccional da União em Marília, desde setembro de 1994 até a presente data; 1999/2000 Coordenador Adjunto de Curso da Faculdade de Direito de Marília, nomeado pela Mantenedora da Faculdades; 1999/2000 Membro do Conselho Acadêmico das Faculdades mantidas pela Fundação “Eurípides Soares da Rocha”, com assento pelo Regimento Interno, em função do cargo de Coordenador de Curso da Faculdade de Direito de Marília; 1991/2000 Professor da Faculdade de Direito de Marília na Cadeira de Estágio para os quartos e quintos anos de Direito; 1997/1998 Chefe de Departamento do Curso de Direito, da Faculdade de Direito de Marília, eleito em dezembro de 1996, por maioria absoluta, com mandato para o biênio 1997/98; 1997/1998 Membro eleito do Conselho de Faculdades da Fundação “Eurípides Soares da Rocha”, mantenedora dos Cursos de Direito, Ciências Contábeis e Administração; 5 À Deus, Pelo imenso amor da vida e cuidados no caminhar. À minha mãe Cecilia Servilha Luengo, Pela vida, pela alegria e pelos caminhos retos nos quais nos conduziu. À minha esposa Elaine Montin Machado, Pelo amor com que abdicou de horas de convívio. 6 AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta ou indereta de muitas pessoas. Manifestamos nossa gratidão a todas elas e de forma particular: a Instituição de Ensino Fundação “Eurípides Soares da Rocha”, mantenedora da Faculdade de Direito de Marília, pela Bolsa de Pesquisa concedida e pelo incentivo, na pessoa de seu Presidente Dr. Luiz Carlos de Macedo Soares; ao Professor Clóvis Carvalho Júnior, pela amizade, compreensão e dedicação dispendidos durante essa jornada; Aos Professores Cosme Damião Bastos Massi , Lúcia Helena Loddi, Samyra Haydêe Naspolini e Telmo Correia Arrais, pelo incentivo no caminhar, apoio na realização e confiança no término da jornada; Aos colegas, Ananias Ulisse da Luz, Antonio Carlos da Silva, Antonio Doniseti Parreira Lovo, Aparecida Donizeti Souza Lima, Ataliba Monteiro de Moraes, Lauro Francisco Máximo Nogueira, Maria Angela Vercelone, Neusa Kimiyo Fugimoto da Paixão, da Procuradoria Seccional da União em Marília, pela amizade e colaboração irrestrita; A todos Professores e funcionários da Fundação “Eurípides Soares da Rocha”, pela paciência e colaboração que sempre dispensaram; 7 MACHADO, Edinilson Donisete. A divisão das funções da União e os limites de sua competência, ante a Constituição vigente Franca, 2000, 116p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Campus de Franca, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”. RESUMO O trabalho pesquisa a teoria da divisão de poderes (funções), no âmbito da Teoria Geral do Estado, com ênfase no Direito das Obrigações sob a responsabilidade do Estado por atos de suas funções. Constata-se diversidade de pensamento entre os doutrinadores e na própria jurisprudência, em relação à teoria e sua esfera de competência pela atribuição Constitucional. Discute-se o teor da extensão das expressões “independência” e “harmonia” inseridas no artigo 2º da Lei Maior, como cláusula pétrea e sua limitação no exercício de cada Função, pelos órgãos do Estado e suas implicações na ordem do Direito obrigacional. É neste contexto que reside o campo da presente pesquisa. Promoveu-se o levantamento bibliográfico da origem da teoria, basicamente no pensamento de Montesquieu e Locke. Buscou-se identificar a aplicação da teoria no Direito vigente, pela existência das Funções do Estado, traduzida pela Legislativa, Executiva e Judiciária. Foram apresentadas suas atribuições e competências, objetivando verificar se há ou não interferências na manifestação de seu exercício. A pesquisa científica baseou-se nas fontes doutrinárias nacionais e estrangeiras, como na legislação pertinente, bem como na posição tomada pelos órgãos jurisdicionais, que resultou num processo de síntese, necessariamente dedutivo, sob a égide da dogmática jurídica, mas não em sua vertente reducionista restrita à descrição do direito positivo posto, mas, sim, tomando-a como um método, que é, ao mesmo tempo, histórico e crítico, de um lado, e indutivo e explicativo, de outro. Constatou-se que na realidade não existem funções estanques, mas sim, competências exclusivas, concorrentes e competências-quadro, na melhor doutrina de Canotilho, deixando claro que a independência e harmonia residem no exercício restrito da atribuição constitucional, que nem sempre poderá ser observada, gerando, assim, responsabilidade por parte do Estado quando causar prejuízo aos cidadãos. 8 MACHADO, Edinilson Donisete. Le funzioni dell’Unione e i suoi limiti di competenza, prima della vigente costituizione. Franca, 2000, 116p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social. 2000, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”. RIASSUNTO Il lavoro ricerca la teoria della divisione dei poteri, nell’ ambito della Teoria Generale dello Stato, e, con enfasi, nel Diritto dei Doveri, responsabile lo Stato, per gli atti delle sue funzioni. Si costata la differenza di pensiero tra i dottrinatori e la propria giurisprudenza, in relazione alla teoria e al suo grado di capacitá nell’ attribuizione Costituzionale. Si discute la proporzione dell’ estensione delle espressioni “indipendenza”, e “armonia”, inserite nell’articolo 2º della legge Maggiore, come clausola insensibile e limitata nell’ esercizio di ogni funzione, dagli organi dello Stato e le sue implicazioni nell’ordine del diretto del dovere obbligato. É in questo contesto che risiede l’opinione dell’ attuale ricerca. Si é iniziata l’ indagine bibliografica dell’ origine della teoria,fondamentalmente nel pensiero di Montesquieu e Loche. Si é cercato di identificare l’applicazione della teoria nell’ attuale. Diritto per l’ esistenza delle Funzioni dello Stato, tradotta per la Legislativa, Esecutiva e Giudiziaria. Sono state presentate le sue attribuzioni e capacitá com lo scopo di verificare se ci sono o no, interferenze nella dimostrazione del suo disimpegno.La ricerca scientifica si é basata nelle origini dell’ insegnamento nazionale e straniero, come nella legislazione attinente, cosí come nella posizione presa dagli organi giurisdizionali, risultando in um processo di sintesi, necessariamente deduttivo, sotto l’ égida della dogmatica giuridica, ma non nel suo versante, riassunto limitato alla descrizione del diritto positivo imposto, ma prendendolo, nello stesso tempo, come um metodo storico e critico da um lato e induttivo e esplicativo dall’altro. Si é constatato che in realtá, non esistono Funzioni di ristagno ma capacitá esclusive, concorrenti e competenti, nella migliore dottrina di Canotilho,facile a intendere, che l’ indipendenza e l’ armonia risiedono nell’ esercizio ristretto all’ attribuzione costituzionale, che non sará sempre osservata, dando cosí origine alla responsabilitá da parte dello Stato, quando cagionerá pregiudizio ai cittadini. 9 SU M Á R I O TERMO DE APROVAÇÃO.........................................................................3 DADOS CURRICULARES..........................................................................4 DEDICATÓRIA...........................................................................................5 AGRADECIMENTOS..................................................................................6 RESUMO....................................................................................................7 RIASSUNTO...............................................................................................8 INTRODUÇÃO .........................................................................................11 CAPÍTULO I – A “DIVISÃO DOS PODERES”.........................................14 1 A origem do Poder Político e do Estado......................................14 1.1 A “divisão dos poderes”: retrospectiva teórica..........................15 1.2 Soberania e Funções ....................................................................19 1.3 Separação de poderes, divisão de poderes ou funções do Estado.....................................................................................................22 CAPÍTULO II - A DIVISÃO DAS FUNÇÕES ATRAVÉS DA PERSPECTIVA DO DIREITO COMPARADO E DO DIREITO PÁTRIO...................................................................................................25 2 A divisão de funções no direito comparado...................................25 2.1 Natureza jurídica da divisão de funções........................................30 2.2 Da função legislativa........................................................................32 2.1 Da função executiva.........................................................................33 2.2 Da função judiciária.........................................................................36 CAPÍTULO III - DA COMPETÊNCIA DAS FUNÇÕES DO ESTADO......41 3 Da competência das funções do Estado........................................41 10 3.1 Da competência da função legislativa: o Congresso Nacional....42 3.2 Da competência da função executiva: o Presidente da República...............................................................47 3.3 Da Competência da função judiciária: o Poder Judiciário...........48 CAPÍTULO IV - DAS LIMITAÇÕES DAS FUNÇÕES..............................50 4 Das limitações das funções.............................................................50 4.1 Na função legislativa....................................................................... 52 4.1 Na função executiva.........................................................................55 4.2 Na função judiciária.........................................................................57 CAPÍTULO V - DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO......................63 5 Da responsabilidade civil do Estado...............................................63 5.1 A Responsabilidade estatal no Brasil ............................................65 5.2 Responsabilidade civil pela função administrativa.......................67 5.3 Responsabilidade civil pela função legiferante.............................69 5.4 Responsabilidade civil pela função judiciária...............................71 CAPÍTULO VI – JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA............................79 CONCLUSÃO.......................................................................................... 97 BIBLIOGRAFIA......................................................................................101 11 Isaías 33:22 “Porque o Senhor é o nosso Juiz, o Senhor é o nosso legislador; o Senhor é o nosso Rei; Ele nos salvará.” 1 (Evangelho de Isaías 33,22, Bíblia Sagrada) INTRODUÇÃO O objetivo principal deste estudo são as relações entre as funções decorrentes da moderna divisão do poder do Estado e a realidade empírica do exercício deste poder. A realidade mostra que, embora em tese as funções executivas, legislativas e judiciárias devam ser completamente autônomas, entre si, o exercício do poder implica uma certa independência inevitável (em alguns casos, até mesmo interferência, sobretudo no Brasil). 1 Livro de Isaías, um dos maiores profetas do Antigo Testamento, anunciou as suas mensagens ao povo do Reino de Judá e aos moradores da cidade de Jerusalém entre 742 e 687 antes de Cristo. 12 Esclarecemos, de antemão, que não abordaremos a origem dos princípios que instruem a moderna divisão das funções do Estado, nem pretendemos exaurir epistemologicamente o complexo tema poder, um dos mais discutidos pela ciência política. Para resumir a dificuldade do tema, vale transcrever Galbraith (1986, p.12), na obra Anatomia do Pode “nenhuma vida é tão longa; há alguns livros simplesmente impossíveis de ler; e há muitos, tenho certeza, que deixei escapar. No que tange à literatura sobre o poder, toda cautela é pouca ao se asseverar qualquer coisa”. Esta pesquisa, por sua vez, pretende desenvolver-se, com limites precisos: o da origem clássica da “divisão dos poderes”, e sua aplicabilidade nos dias contemporâneos, analisando-lhe a efetividade nos ordenamentos alienígenas e pátrio. Objetivando a a demonstração da existência de uma linha tênue de divisão das competências das três funções do poder do Estado (legislativa, Executiva e Judiciária. Na esteira doutrinária buscaremos analisar os conceitos desenvolvidos nas idéias de Montesquieu que, no século XVIII, concebeu a sistematização da teoria da divisão dos poderes, hoje elevada a dogma constitucional, na maioria dos Estados de Direito, na forma de divisão de funções. Analisaremos o conceito de soberania como elemento do Estado, com o fim de identificar na divisão das funções a atribuição de competência para cada um dos órgãos que representa este poder do Estado. 13 No Direito Comparado, buscaremos identificar os elementos que demonstram a existência da divisão de funções como forma de atribuição constitucional de poderes. Em nosso ordenamento procuraremos demonstrar que desde a Constituição de 1824, já vem assentada a divisão de funções, baseada na experiência norte-americana. Verificaremos nos capítulos relativos à competência de cada uma das funções os seus poderes e limitação, deixando patenteado que, legalmente, todo poder deve emanar do povo e em seu nome será exercido. No capítulo responsabilidade do Estado estudaremos a evolução do instituto que da teoria da irresponsabilidade, chegou-se a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Analisando a posição doutrinária e jurisprudência pertinente ao tema com a finalidade de abalizar nossas conclusões. 14 CAPÍTULO I - A “DIVISÃO DOS PODERES” 1 A origem do Poder Político e do Estado. As sociedades, desde seus primórdios, têm como característica a união de pessoas na busca do bem comum. Não basta tão somente a vontade, que, sem uma direção, nada concretiza. A união em torno de um mesmo objetivo leva as pessoas à necessidade de motivação e organização para a obtenção de resultados, qual seja, o bem comum. No início da sociedade, os objetivos comuns eram determinados por um chefe, que tinha a possibilidade de mobilizar a maior força física, independentemente da natureza de seu poder e, portanto, aquele que fosse superior ao demais membros da coletividade. Com o tempo, a sociedade se tornou mais desenvolvida e com maior amplitude territorial. Aquele que desejasse chefiá-la necessitava de maior força bélica. E, em geral, este era o que se sustentava no poder. Esta força racionalizada é o poder político em sua forma primitiva, no qual a força moral, a destreza pessoal e/ou outra qualificação individual, eram os elementos que determinavam qual seria o indivíduo 15 detentor do poder. Sem nos determos nas discussões e teorias sobre a origem do poder ou sobre as formas de governo, a não ser que de modo referencial, podemos nos remeter a outra fase do poder político, que é o exercido pelo Estado. Diz o prof. Burdeau (1981, p.23) “Los hombres para evitar estos inconvenientes han imaginado otra forma de Poder Político. En lugar de considerar que el Poder es una prerrogativa propia del que lo ejerce, han inventado un soporte del Poder que sea independiente de las personalidades gobernantes. Este soporte es el Estado” Em outras palavras, com o desenvolvimento da sociedade criou-se o Estado, como o titular abstrato e permanente do poder; os governantes passam a ser somente agentes essencialmente passageiros no exercício do poder.2 1.1 A “divisão dos poderes”: retrospectiva teórica. A representação dos poderes, enquanto exercício do poder político, sempre existiu, ao longo da História. Verifica-se tal relação já em Aristóteles, que diferenciava a assembléia geral, o corpo de magistrados e o corpo judiciário. Muito mais tarde, com a Escola de Direito Natural e das Gentes, Puffendorf (1922), ao falar em “partes d 2 GARCÍA-PELAYO. M. Derecho constitucional comparado, 1984, p.96. Também salienta a imputação do poder ao Estado: “La institucionalización del poder, que “es la operación jurídica por la cual el poder político es transferido de la persona de los gobernantes a una entida abstracta: el Estado. El efecto jurídico de esta operación es la creación del Estado como soporte de poder independiente de la persona de los gobernantes.” 16 potentiales summi imperii”, se aproximou bastante da teoria da tripartição do poder estabelecida por Montesquieu. É no século XVIII que se encontra o marco histórico, identificado no pensamento de Locke, da divisão do mundo divino e do mundo natural. Evidentemente, distinguindo o que seria emanado de Deus e o que proviria dos homens e da natureza que os move. Com esta concepção, o pesquisador, no estudo das Sagradas Escrituras, localizaria em (Evangelho de Isaías 33,22, Biblía Sagrada) a clara divisão das funções. O Livro de Isaías data de aproximadamente 730 a C. Confira-se: “ Porque o Senhor é o nosso Juiz, o Senhor é o nosso legislador; o Senhor é o nosso Rei; Ele nos salvará.” Assim, historicamente, comprova-se a distinção entre as divisões de funções no exercício dos poderes. Mas foi na passagem do século XVIII para XIX, que Montesquieu sistematizou o conceito de divisão dos poderes na estrutura dos Estados de Direito. É necessário lembrar que o mérito da divisão dos poderes, por vezes, é atribuída por alguns doutrinadores contemporâneos a Locke e não a Montesquieu. Por exemplo, para Dedieu (1980, p. 271- 273), “...Locke erigiu em princípios políticos essas conquistas de fato. Pela primeira vez, um filósofo define, em termos precisos, as funções do poder legislativo e do poder executivo, e mostra como elas se combinam na ação comum da coroa e do Parlamento.... De resto, não é o caso de se negar que existam diferenças entre o pensamento do filósofo inglês e do filósofo de ’La Bréde’; mas, os pontos de contato são suficientemente numerosos, íntimos, e prolongados, para justificar a tese da 17 dependência. Montesquieu tinha, certamente, lido o Ensaio sobre o governo civil desde a época das ‘Lettres persanes’.” Nos estudos aprofundados de Bobbio (1997, p.236), a clareza de fundamentos dá conta efetiva da distinção entre as duas doutrinas: a de Locke e a de Montesquieu. Atribui ao segundo a criação do sistema da divisão dos poderes, em sua forma tripartida. Afirma que 3 “:..a teoria de Locke não é uma teoria da separação e do equilíbrio dos poderes, mas sim da sua separação e subordinação. Em última instância, é uma teoria da supremacia do Legislativo – a doutrina constitucional que se encontra na base dos modernos Estados parlamentaristas.” Atualmente, no princípio adotado nos países democráticos, principalmente os do Ocidente, se identifica a aplicabilidade como divisão de funções do Estado, quais sejam, as Executivas, Legislativas e Judiciárias, por vezes distribuídas na forma de separação dos poderes, como no exemplo clássico dos Estados Unidos da América. Outras, com a divisão de funções, como o modelo adotado na França, sem que se estabeleça divisão de poderes. De certo modo, pois que os poderes, de uma forma ou outra, sempre tiveram sua menção, enquanto funções institucionais. Ao 3 BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural, 1997, p. 236 (“A solução que visa a coordenação dos poderes é a que foi elaborada teoricamente por Montesquieu e será acolhida pela Constituição dos Estados Unidos da América: sua idéia inspiradora é que, só quando os poderes máximos do Estado se colocam em um mesmo plano, podem ser controlados. Consequentemente, só desse controle recíproco, que leva a uma situação de equilíbrio dos poderes, deriva o maior obstáculo ao despotismo e, portanto, a maior garantia da liberdade aos cidadãos. A solução de Locke nada tem a ver com a teoria do equilíbrio dos poderes, porque sustenta a separação entre Legislativo e Executivo, no sentido preciso de que fazer as leis e aplicá-las são funções que devem ser atribuídas a órgãos distintos, o Parlamento e o Rei, mas não atinge a sua coordenação. Locke sustenta que, uma vez separados, o dois poderes devem ficar subordinados um ao outro; precisamente, o poder executivo deve estar subordinado ao legislativo.”) 18 mesmo tempo, podemos afirmar que a discussão sobre a divisão de poder ou função está longe de se encerrar. Finalmente podemos concluir, junto com a dominante corrente doutrinária, que a sistematização é obra e arte do gênio de Montesquieu. Aliás, como bem anotou Charles Bonnet, em carta endereçada a Montesquieu, em 14 de novembro de 1773: “Newton descobriu as leis do mundo material. Vós haveis descoberto, senhor, as leis do mundo intelectual.”4 Vernière (1980, p.312), ao estudar a obra de Montesquieu, afirmou que, efetivamente, a par de todas as discussões, foi o mestre do Espírito das Leis quem sistematizou a tripartição do poder, como um todo: “... Além do pastor da Caldéia evocado por Fortunat Strowski, que quer reduzir a desordem do céu, é com Montesquieu, como com Copérnico ou Newton, a hora do sistema. A Leitura de L’esprit des lois permite apreender, fora dos quadros lógicos, mas na profundidade do texto, estes princípios diretores que fazem a verdadeira unidade da obra, unidade orgânica ligada à própria pessoa do autor.” Com estes esclarecimentos, entendemos que a Montesquieu coube a sistematização da teoria da divisão dos poderes que hoje aparece na Constituição da maioria dos Estados de Direito, na forma de divisão das funções, atribuídas aos Órgãos dos Estados5. VERNIÈRE, P4 . Dois planos e duas leituras, 1980, p. 311. In: SOUZA, M. S. R. de & QUIRINO, C. G. O pensamento político clássico. São Paulo: LAO. 1980. 5 MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro, 1996, p.66 “ Órgãos independentes são os originários da Constituição e representativos dos Poderes de Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário – colocados no ápice da pirâmide governamental, sem qualquer subordinação hierárquica ou funcional, e só sujeitos aos controles constitucionais de um Poder pelo outro. Por isso, são também chamados órgãos primários do Estado.” 19 1.2 Soberania e Funções. A par de todas as discussões que se travam em torno das formas, dos modelos e a respeito da origem do Estado, notamos que inevitavelmente a soberania é o elemento do Estado que identifica o poder político, quer externa ou internamente, independente do modelo, seja ele totalitário, democrático, federal ou central, ou outro qualquer. Todos os modelos jurídicos de Estado, de uma forma ou outra, utilizam-se da divisão de poderes, denominada assim por alguns, por outros, de separação de poderes e, por nós, de divisão das funções. Em verdade, não se trata de divisão do poder, mas sim de suas funções, com objetivo de melhor realizar o fim do Estado, por intermédio de seus Órgãos ou Instituições. Em um primeiro momento, destaquemos a discordância entre os doutrinadores quanto à divisão de poderes, frente ao conceito de soberania, que, segundo entendem, não poderia ser dividida. Entre eles, um dos maiores pensadores políticos e jurídicos ( o primeiro a conceber a Teoria Geral do Estado sistemática), Jellinek (1981, p.374-375) assim se expressou: ”Montesquieu transforma esta concepción oficial inglesa en su doctrina de tres poderes independientes, iguales entre sí, que se equilibram mutuamente y que mantienen, no obstante, puntos de contacto entre sí ...Él no fundamenta su teoría, ni aclara, en general, la cuestión acerca de la unidad del Estado y 20 de la relación de los poderes con esta unidad. La doctrina de la divisón de los poderes, concebida en esta forma, há conducido a una completa división teórica del Estado en tres personas.” Verifica-se que o maior tratadista do Estado não concordou com a teoria desenvolvida por Montesquieu, por entender que ele propunha a divisão do Poder Soberano do Estado em três e por certo a soberania não comportava e não comporta divisão. Ao nosso ver, o mestre Jellinek (Op. Cit), à época, interpretou mal o princípio da “divisão dos poderes”. Como já afirmamos, trata-se de divisão de funções e não do Poder do Estado, sendo aquelas atribuições dos Órgãos do Estado. Jellinek (Op. Cit, p.373) afirma que “El fundamento de la concepción jurídica del Estado está constituído por el reconocimiento de éste como una unidad; de donde se sigue, como consecuencia necesaria, la doctrina de la indivisibilidad del poder del Estado. Un poder dividido, supone el desmenuzamiento del Estado en una variedad de formaciones políticas. Lo que se dice respecto del poder del Estado, vale también, como es natural, para cuanto se refiere al poder soberano del mismo. La soberanía es una propriedad que no es susceptlibe ni de aumento ni de diminución...” A posição adotada pelo professor Jellinek (1981) merece, sem qualquer dúvida, ser respeitada, porque o conceito de soberania persiste até nossos dias. Mas, efetivamente, a soberania não designa o poder e, sim uma qualidade do poder estatal, o grau supremo desse poder. Soberano é o Estado como um todo, como entidade titular do grau máximo do poder político. Saliente-se que esta concepção não é acolhida na República Federativa do Brasil, na qual o grau máximo do poder 21 político é atribuído ao povo6. Portanto, não são soberanas as funções, embora exerçam suas atribuições como componentes do Estado, e o façam em seu nome. Com certeza, apriorísticamente, a crítica levada a efeito por Jellinek (Op. Cit) não vislumbrava o desdobramento do princípio sistematizado por Montesquieu nos dias atuais, que, como já salientado, é um dos que mais influência exerce sobre o moderno Estado de Direito. 1.3. Separação de Poderes, Divisão de Poderes ou de Funções do Estado. Deparamo-nos com uma clara indagação: estamos analisando a separação dos poderes, a divisão dos poderes ou as funções do Estado? Em primeiro lugar, vale lembrar que Montesquieu, ao elaborar sua clássica tripartição, em momento algum se referiu a qualquer destas nomenclaturas, que, saliente-se, surgiram na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, cujo artigo 16 declara que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação dos poderes. O brilhantismo da teoria de Montesquieu está no princípio que estruturou um sistema de pesos e contrapesos7. Enfatiza que o 6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, artigo 1º: ...Parágrafo único “ Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos 22 poder político não deveria se assentar em mãos de um só. Para tanto, indicou como ideal a existência de três detentores do Poder Político: o Poder Executivo; o Legislativo e o Judiciário. Em momento algum Montesquieu (1979) se atribui a criação destas concepções. Pelo contrário, refere-se à existência da distribuição de Poder na Inglaterra (onde, em sua opinião, melhor se expressava a liberdade política) e na Roma antiga A sustentação para a distribuição dos poderes, vem no Livro Décimo Primeiro, no capítulo VI, onde escreve sobre a liberdade política, na constituição da Inglaterra: “Quando na mesma pessoa ou mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou mesmo o senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seriam arbitrários, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor...” (Montesquieu, 1979, p.149) Os dados históricos mostram que Montesquieu, não criou ou inventou algo inédito, mas apenas fez uma sistematização coerente e executável a partir de uma lógica, na qual se atribuem funções Derecho constitucional e instituciones politicas termos desta Constituição.” 7 HAURIOU, A.. , 1971, p. 235-237. “a) Se percibe claramente la necesidad de un control del poder, es decir, en la época, del rey y sus ministros. Bien entendido que la expresión moderna de “censores de los gobernantes” no se encuentra en los escritos de Montesquieu. Esta expresión parece haber sido utilizada por primera vez por Raymond Aron, en sus Lecciones sobre la sociedad industrial. Pero, al hablar de la 23 políticas a distintas “pessoas”. Como conseqüência, aparecem limitações de poder entre si, que se distribuem entre Órgãos de um todo (o Estado). A idéia de separação de poderes, em sua acepção, pode levar à compreensão de vários poderes separados. Mas, como se trata de um único poder, não há como compreender estes diferentes poderes a não ser em sua unidade, nunca na separação. Por outro lado, esta concepção implica subdivisões como as que se verificam, por exemplo, no Poder Legislativo: Senado e Câmara dos Deputados (ambos dentro de um mesmo Órgão). Não há como se interpretar que haja uma divisão de poderes do Estado, mas, uma distribuição (divisão) de funções entre os Órgãos que executam as tarefas decorrentes do exercício do poder do Estado soberano. É da melhor doutrina o entendimento de que não há que se falar em “divisão de poderes”, mas sim em funções do Estado, posto que efetivamente não se vislumbram três Estados, mas sim Órgãos de execução do poder político que emana do próprio Estado. Conclui-se, portanto, que o poder político se manifesta pelos Órgãos 8 do Estado, onde as funções são atribuídas pela Constituição com suas respectivas competências, onde há divisão de funções e não de separação ou divisão de um único poder. necesidad de frenar el poder, el autor del Espíritu de las leyes lo está diciendo sin emplear la palabra. 8 SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 1996, p. 109. “ O governo é, então, o conjunto de órgãos mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressada e realizada, ou o conjunto de órgãos supremos a quem incumbe o exercício das funções do poder político.” 24 CAPÍTULO II A DIVISÃO DAS FUNÇÕES ATRAVÉS DA PERSPECTIVA DO DIREITO COMPARADO E DO DIREITO PÁTRIO 2 A divisão de funções no direito comparado. No Reino Unido a divisão de funções não existe, apesar de Montesquieu e de toda a literatura produzida no século XVIII, que mencionam a Inglaterra como exemplo vivo da divisão de funções. Vigora, naquele país, um sistema de pesos e contrapesos, sendo este seu grande mérito, sob a égide formal da Coroa. Uma das críticas mais acirradas que se faz à obra O espírito das Leis é de ter apoiado sua estrutura na forma de governo da 25 Inglaterra, quando na verdade este não era o referencial formal para tanto. A realidade do sistema Inglês não permite que se diga que há uma divisão de funções, mas sim uma prevalência, por vezes, de uma função sobre as demais, regulada pelo sistema de pesos e contrapesos. A situação atual se resume de modo preciso nas palavras de GARCIA-PELAYO (1984, p.283), citando WADE & PHILIPS (1946) : “No hay separación de poderes, en estricto sentido, entre el legislativo y el ejecutivo. Las necessidades practicas del gobierno parlamentario han hecho necessario que el Parlamento confíe en la política gubernamental y acepte la dirección del Gabinete em lo que respecta al programa legislativo, aunque reteniendo el derecho de enmendar, criticar, preguntar y, en último término, anular. Además, las necessidades prácticas exigen una amplia delegación al ejecutivo del poder de legislar por decreto (rule regulations). La independencia judicial ha sido estrictamente conservada, pero muchas causas procesales no se someten a los tribunales ordinarios, sino a las autoridades administrativas”. A República Francesa, apesar de ser o berço da clássica sistematização da divisão das funções, criada pelo gênio de Montesquieu, não adotou integralmente tal sistema. Em sua última Constituição (1958) , optou por um sistema bipartido: Poder Executivo e Legislativo. A organização do Poder Executivo é dividida entre um Presidente da República (que também preside o Conselho da Magistratura) e um Primeiro Ministro. O Poder Legislativo é exercido pelo Parlamento, que se compõe da Assembléia Nacional e do Senado. O Presidente da República francês possui competência executiva, legislativa e judicial, na qualidade de Presidente do Conselho da Magistratura e também do Conselho Constitucional. Além disso, divide 26 com o Primeiro Ministro e seus Ministros a condução política da nação, conforme artigos 5º a 19, da Constituição daquele país. O Poder legislativo é exercido pelo Parlamento, que é bicameral, composto pela Assembléia Nacional e o Senado. O Judiciário não é elevado ao status de poder mas de Autoridade Judiciária, vinculada ao Poder Executivo (cujo presidente é também o Presidente da República). Apresenta-se, portanto, como divisão de funções bipartidas, fugindo da concepção clássica. A Confederação Helvética (Suíça) está organizada de acordo com o princípio da divisão de funções: a Assembléia Federal, o Conselho Federal e o Tribunal Federal. Na prática, porém, a divisão não funciona efetivamente com funções harmônicas e independentes. O Tribunal Federal não possui o poder de revisão das leis federais e sua participação política é ínfima. Por outro lado, a Constituição não assinala funções exclusivas a cada um dos Órgãos, de modo que a Assembléia Federal tem função executiva e judicial. Ao mesmo tempo, o Conselho Federal tem competências judiciais. Percebe-se, portanto, que há na Suíça um predomínio de uma função sobre as demais, por vezes a Assembléia Federal sobre o Conselho Federal. Na atualidade, o predomínio é do Conselho (Poder Executivo) sobre os demais, não se podendo se falar, muito menos, em equilíbrio entre eles. 27 Embora a Constituição suíça tenha adotado o princípio da divisão de funções, este efetivamente não se aplica, uma vez que não há a independência e harmonia entre elas. A Constituição norte-americana, de 1787, e suas emendas podem ser apresentadas como exemplo clássico da divisão de funções. Não se encontra nenhum princípio consagrado especialmente a tal divisão, mas esta se encontra bem patente em vários artigos, enquanto estabelecem: “Que todos os poderes legislativos... estarão confiados a um Congresso”( artigo I, Seção 1 ); “que o poder executivo será confiado a um Presidente” (Artigo II, Seção 1), e “que o Poder judicial dos Estados Unidos residirá em um Tribunal Supremo” (Artigo III, Seção 1). O Eminente Professor Carvalho Júnior (1994, p.28), em seu trabalho As Modificações do Estado no Século XX, bem analisou a raiz da divisão de função no ordenamento norte-americano: “Essa divisão de poderes foi tão valorizada no início do Estado burguês de Direito, que os constituintes norte-americanos, no prólogo de sua Constituição, escreveram: ‘Quando na mesma pessoa ou corporação, o poder legislativo se confunde com o executivo, não há mais liberdade. Os três poderes devem ser independentes entre si, para que se fiscalizem mutuamente, saibam os próprios excessos e impeçam a usurpação dos direitos naturais inerentes aos governados. O parlamento faz leis, cumpre-as o executivo e julga as infrações deles o tribunal. Em última análise, os três poderes são os serventuários da norma jurídica emanada de soberania nacional’ “. Saliente-se que, junto ao princípio da divisão de funções, opera-se o sistema de pesos e contrapesos: o Executivo participa do Legislativo (mediante o veto e pela mensagem), e no Judicial, (mediante o 28 direito do perdão). Por sua parte, o direito do Executivo, no preenchimento de cargos públicos e a ratificação de tratados precisa do consentimento do Legislativo (que também desempenha função judicial nos casos de juízo político), ao mesmo tempo que, dentro dos limites constitucionais, compete-lhe a organização do poder judicial. Finalmente, os Tribunais têm a faculdade de estabelecer suas próprias regras de procedimento. É neste sistema de divisão de poderes, como também no modelo constitucional, que a maioria das democracias latino-americanas (inclusive o Brasil) se espelharam. Historicamente no Brasil, a divisão de funções já vem assentada desde a Constituição do Império de 1824. Além das três funções admitidas pela clássica divisão do século XVIII, encontra-se a função moderadora, atribuída ao Imperador, na época chamada de Poder Neutro. Já a primeira Constituição da República, de 1891, em seu artigo 15, expressou a divisão dos poderes (funções) harmônicos e independentes entre si. Na Constituição de 1934, adotou-se o princípio da divisão do poderes. Todavia, a Carta Política de 1937 trouxe em seu texto a forma de concentração de poder na pessoa do Presidente da República, que se transformou em ditador de 1937 a 1945. A Constituição de 1946, em seu artigo 36, assim se expressou: 29 “São poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si. § 1.º. O Cidadão investido na função de um deles não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição. § 2.º. É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições”. Por sua vez, a Constituição de 1967, em seu artigo 6.º, assim se expressou: “São Poderes da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Parágrafo único – Salvo disposições previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; o cidadão investido na função de um deles não poderá exercer a de outros”. Manteve-se, também, na Constituição de 1988 o princípio da divisão de poderes (funções), conforme a redação do artigo 2.º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Desde a época do Império no Brasil, já se constatava a clássica divisão de funções sistematizadas por Montesquieu, oriunda da influência do sistema norte-americano, sofrida por nossos legisladores. 2.1 Natureza jurídica da divisão de funções. A divisão das funções diz respeito à execução das atividades políticas do poder uno, que emana do Estado. Vale dizer, a divisão de funções se faz necessária ante a restrição de concentração de poder em mãos de uma só pessoa. Aliás, o mérito da doutrina de 30 Montesquieu reside na exata distinção de que o poder não deve estar afeto a um único executor, sob pena de tudo se perder.9 Tendo o poder uma única fonte - a soberania do Estado - não há dúvida de que sua natureza jurídica é fundamentada na própria Constituição. A divisão das funções, que na época de sua sistematização fora denominada separação dos poderes, foi de tal importância, que se tornou dogma constitucional na Declaração dos Direito do Homem e do Cidadão de 1789, por se compreender como instrumento necessário para a garantia dos Direitos do Homem. Certo pois que, desde então, apareça na maioria das Constituições dos Estados de Direito. Em nosso ordenamento, o princípio da divisão dos poderes (leia-se divisão de funções) está inscrito na Constituição Federal em seu artigo 2.º “que são poderes da União, independentes a harmônicos10 entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, sendo, portanto, o princípio fundamental da Ordem Constitucional. 9 MONTESQUIEU, C. L. de S. Dos espírito das leis, 1979, p. 151. “ Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.” 10 SILVA, J. A. da. Curso de direito constiucional positivo, 1996, p.111. “ A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais;... A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdade a que mutuamente todos têm direito...” 31 2.2 Da função legislativa. A necessidade de regulamentar a vida em sociedade é tão antiga quanto ela. Entre 1250 e 1210 a. C., já se encontra uma das manifestações escritas da Antigüidade, conforme consta na Bíblia Sagrada11, em que Deus apresenta sua lei e os mandamentos ao Povo de Israel , por meio de Moisés. Modernamente, o Poder Legislativo, em regra, é o que aparece em primeiro lugar na estrutura da divisão de funções da maioria das Constituições, não como Poder que exerce a supremacia sobre o demais, mas por ser o Poder a quem se atribui a função de fazer, emendar, alterar e revogar leis, que vinculam a todos. Este é o motivo pelo qual se atribui à sua função a ação primária do Poder Soberano do Estado. A estrutura de execução de suas funções é exercida por meio de Órgãos, que podem ser o Congresso ou Parlamento, dependendo do regime de governo que cada Estado adota (bicameral ou unicameral). No nosso regime sempre foi adotado o sistema bicameral, com o Senado e a Câmara dos Deputados, inicialmente na Constituição do Império de 1824 ( artigo 13) , chamada de Assembléia Geral, e desde 11 Livro de Êxodo, 24, 12 , Bíblia Sagrada. “O Deus Eterno disse a Moisés: - Suba o monte onde eu estou e fique aqui, pois eu vou lhe dar as placas de pedra que têm as leis e os mandamentos que escrevi, a fim de que você os ensine ao povo.” 32 a Constituição de 1891 (artigo 16), com a denominação de Congresso Nacional, para a identificação da união das duas Câmaras, exceto com a carta de 1937, quando se denominou de Parlamento. Na Constituição de 1988, encontramos no artigo 44: “ O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”, mantendo assim, o sistema bicameral. A Câmara Federal é composta por representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada território e no Distrito Federal ( art. 45) e o Senado Federal, composto de representantes dos Estados e do Distrito Federal (art. 46). 2.3 Da função executiva. O Poder Executivo é historicamente a primeira função a ter existência. Representado pelos monarcas, englobava as funções da justiça e da legislação. Posteriormente, a complexidade da vida social exige uma descentralização de poderes, chegando, já no século XVIII, à sistematização da prática moderna de distinção de poderes. Nos dias atuais, a forma como se exerce o Poder Executivo em suas relações com 33 a Legislatura deu origem a três espécies básicas de regime, como o governo colegial na Suíça, o governo parlamentar, na Inglaterra, e o governo presidencial, nos Estados Unidos, onde o Poder Executivo é confiado a uma só pessoa. Esta última espécie de regime se popularizou na América Latina, inclusive no Brasil. O presidencialismo pode ser definido, de acordo com Pinto Ferreira (1970, p. 295-296), “como o regime em que o Presidente participa na direção da política do Estado, sendo o primeiro motor e a figura principal. O Governo Presidencial pode ser conceituado como aquele que o Presidente da República, que é o Chefe de Estado e o Chefe de Governo, é eleito direta ou indiretamente pelo povo, nomeando os seus próprios Ministros.” No Brasil, o Poder Executivo passou por várias fases, inauguradas pelo regime constitucional do Império . O texto do artigo 102 da Constituição de 1824 atribuía ao Imperador, além da representação do Poder Executivo, que era exercitada por meio de seus ministros de Estado, o Poder Moderador. Com a Constituição de 1891, inaugura-se o regime presidencial; de acordo com o artigo 41, “ Exerce o Poder Executivo o presidente dos Estados Unidos do Brasil, como chefe eleito da nação”. Tem-se a figura do presidente como autoridade máxima do Poder Executivo. 34 A Constituição de 1934 manteve norma semelhante. Lê- se no artigo 51: “ O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República”. Em 1937, no regime estabelecido pela ditadura, no artigo 73, tem-se: “ O Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do País”. Note-se que houve uma desproporcional atribuição de poderes ao Presidente. Não há divisão de funções. Já em 1946, com o novo regime constitucional, no artigo 78: “ O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República”. Restaura-se a democracia com atribuições a cada poder. Em 1961, com a renúncia do Presidente Jânio Quadros, foi votado um Ato Adicional, que fez parte a Emenda Constitucional 4. O artigo 1.º da referida Emenda afirma: “O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República e pelo Conselho de Ministros, cabendo a este a direção e a responsabilidade da política do governo assim como a administração federal”. Note-se que fora inaugurado o regime Parlamentarista, através de Ato Adicional, revogado em 1963, pela Emenda Constitucional 6, retornando- se ao sistema presidencialista. 35 Em 1964, com a deposição de João Goulart, surgiram vários Atos Institucionais, que fortaleceram as funções do presidente, que já se encontrava em mãos do Governo Militar. Em 1967, manteve-se o regime presidencialista, por meio do artigo 74, que define: “O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado.” Em nossa Carta Magna de 1988, denominada Constituição Cidadã, manteve-se o regime Presidencialista, no artigo 76: “O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado”. Saliente-se que, após a realização de plebiscito, por maioria esmagadora, foi mantido o presidencialismo. 2.4 Da função judiciária. A justiça é o anseio de todos, quer no seio familiar, quer em sociedade, sendo o bem mais caro, posto que permite a liberdade e o direito à vida sem qualquer cerceamento. Encontramos o marco inicial da exteriorização da estrutura da função judicial em Atenas, onde havia tribunais de justiça com atribuições específicas, como o Areópago, o Palácio, o Delfino, o Pritáneu, embora as assembléias populares, órgãos de legislação e 36 também de administração julgassem certos crimes. Em Roma, por sua vez, a magistratura era eletiva e algumas vezes gratuita. Dependendo da matéria a ser julgada, os pretores e juízes aplicavam a justiça. Em certas ocasiões, tais funções eram atribuídas ao Senado e ao próprio cônsul 12. Antes da existência do Estado de Direito, na Idade Média, tanto o Rei como os Condes e Barões aplicavam a justiça. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, surgiram as delegações reais. O Parlamento, na França, os Júris, ou a Câmara dos Lordes, na Inglaterra, exerciam a função de julgar, mas sob o poder supremo do Rei. Somente no século XVIII, na Inglaterra, é que surge a justiça independente do poder soberano do monarca. Com a Revolução Francesa, a justiça não mais está afeta ao poder soberano do Rei. Deixa de ser um favor real, para integrar, como órgão independente, o rol dos direitos do homem e do cidadão. Modernamente, o Poder Judiciário é um dos três poderes clássicos previstos pela doutrina de Montesquieu, consagrando-se como um poder independente e autônomo em sua atividade jurisdicional. O Poder Judiciário concorre para a harmonia e o equilíbrio da sociedade. Seu objetivo é traduzir a realidade efetiva do Direito, aplicando a justiça nas relações humanas. Além de, modernamente, ser o guardião dos direitos previstos constitucionalmente. 12 Interpretação baseada na obra de PINTO FERREIRA, L. Curso de direito constitucional,1970, p.361. 37 A Constituição Francesa de 1958 consagrou a existência de apenas dois poderes: o Executivo e o Legislativo, vinculando o Judiciário ao Executivo, atribuindo-lhe apenas a denominação de Autoridade Judiciária. Saliente-se, todavia, que a atividade jurisdicional em si é autônoma e independente. Ressalte-se que o sistema aplicado no Direito francês não logrou êxito nos demais Estados, exceto nos países socialistas onde não existe divisão de poderes. No Brasil do Império, o Poder Judiciário era um dos quatro poderes do Estado. Seus membros gozavam de independência (artigo151), mas relativa. Os Juízes de Direito eram perpétuos (artigo 153, primeira parte), mas podiam ser removidos e suspensos pelo Imperador (artigo 153, ultima parte). Ao lado destes juízes de Direito existiam os juízes de Paz, eleitos com os vereadores municipais, aos quais se atribuía uma função conciliatória das partes, como preliminar para o ingresso no contencioso. Na República, com a Constituição de 1891, em seu artigo 55 lê-se: “O Poder Judiciário terá por órgãos um Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República, e tantos juízes e tribunais federais, distribuídos pelo País, quantos o Congresso criar”. Inaugurou-se um sistema com duas Justiças , a federal e a estadual, com dois processos diferentes. A última instância era a do Supremo Tribunal Federal. 38 A Constituição de 1934, no artigo 63, afirma que: “São órgãos do Poder Judiciário: a) a Corte Suprema; b) os juízes e tribunais federais; c) os juízes e tribunais militares; d) os juízes e tribunais eleitorais.”. Verifica-se que fora estruturado o Poder Judiciário da União, sem qualquer menção relativa à estrutura do Poder Judiciário dos Estados, deixando somente a ressalva no artigo 70: “ a justiça da União e a dos Estados não podem reciprocamente intervir em questões submetidas aos tribunais e juízes respectivos, nem lhes anular, alterar ou suspender as decisões, ou ordens, salvo os casos expressos na Constituição”. Já na Carta outorgada de 1937, em seu artigo 90 : “São órgãos do Poder Judiciário: a) o Supremo Tribunal Federal; b) os juízes e tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; c) os juízes e tribunais militares.” Verifica-se que o Poder Judiciário abrange em sua distribuição de funções todas as instâncias, bem como a federal e a estadual. A Constituição de 1946 em seu artigo Art. 94 : “O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos :I Supremo Tribunal Federal; II Tribunal Federal de Recursos; III Juízes e tribunais militares; IV Juízes e tribunais eleitorais; V - Juízes e tribunais do trabalho ” e, no artigo 124 e seguintes, reservou a estruturação da Justiça dos Estados. Note-se que ao Poder Judiciário fora atribuída no âmbito constitucional a estrutura de todos os seus órgãos, acrescida ainda dos juízes e tribunais do trabalho. Com a Carta outorgada de 1967, repetiu-se a sistemática adotada na de 1946, em seus artigos 107, que disciplinou o poder Judiciário Federal e o 136 e seguintes, a Justiça o Poder Judiciário dos Estados. 39 Na emenda à Carta outorgada de 1969, verifica-se a enumeração dos órgãos do Poder Judiciário em um mesmo artigo (112): “ O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: I – Supremo Tribunal Federal; II – Tribunais Federais de Recursos e juízes federais; III – Tribunais e juízes militares; IV – Tribunais e juízes eleitorais; V – Tribunais e juízes do trabalho; VI – Tribunais e juízes estaduais.” A Constituição de 1988 diz, em seu artigo 92: “São órgãos do Poder Judiciário: I – o Supremo Tribunal Federal; II - o Superior Tribunal de Justiça; III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho; V – os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI – os Tribunais e Juízes Militares; VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e dos Distrito Federal e Territórios”. Notamos que foram implementadas algumas alterações. Por exemplo, a extinção dos Tribunais Federais de Recurso e criação dos Tribunais Regionais Federais, sistematizando todos os órgãos em um mesmo artigo. 40 CAPÍTULO III - DAS COMPETÊNCIAS DAS FUNÇÕES 3 Das competências das funções do Estado. A competência atribuída a cada função do Estado se divide em competência legislativa, executiva e judicial. Trata-se de uma classificação tradicional (vinculada ao clássico princípio da divisão de poderes), de origem constitucional ou infraconstitucional, posto que em determinados casos (como por exemplo a Organização do Poder Judiciário) o poder se organiza por Lei Complementar. Diante disto, a competência constitucional de cada Função, quanto à forma, se revela em: competências exclusivas, concorrentes e competências-quadro13 ou complementares. A competência exclusiva é atribuída a um só órgão: é capacidade jurídica de exercer unicamente certas atribuições em um determinado campo. Já 41 a competência concorrente é atribuída, a título igual, a vários órgãos, ou seja, à capacidade jurídica de exercer determinadas atribuições, juntamente com outras entidades, em uma certa atividade. A competência-quadro ou complementar é atribuída quanto à definição a um órgão e, quanto à execução, a outro. O poder soberano do Estado está atribuído constitucionalmente às suas funções. No dizer de García-Pelayo (1984, p. 103): “La legislación establece las normas jurídicas generales o individualizadas. La jurisidicción determina el derecho aplicable al caso, y, de modo más general, mantiene y actualiza las normas jurídicas. La función ejecutiva encierra en sí a la gubernamental y a la administrativa...”.. Todavia, no exercício de suas atribuições, cada função não está limitada ou estanque à sua competência exclusiva, Exercendo por vezes as funções de outro Poder, qual seja, a competência concorrente. É que, como exemplo, ao Poder Judiciário compete, além da jurisdição, a administração de seu pessoal e seu orçamento. Ao Poder Executivo compete, além da função governamental e administrativa, a função de julgar administrativamente Ao Poder Legislativo compete, além de sua função específica, a administrativa de seu pessoal e orçamentária, além da função de julgar em determinados casos. Verifica-se uma espécie de “ entrelaçamento” de competências que, embora preserve a autonomia 13 CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional, 1989, p.523. “ Competências exclusivas, competências concorrentes e competências-quadro...” 42 e independência de cada função, ao mesmo tempo acaba por estabelecer uma interdependência entre as diferentes funções. Nota-se que não há que se falar unicamente em atribuições exclusivas a cada função do Estado, mas, também, naquelas inerentes a outras funções que lhes são facultadas, no interesse do desempenho de suas funções e na preservação da independência e harmonia dos poderes. Por certo, cada atribuição de competência depende e é obra e arte do poder soberano da vontade do Povo, por meio da Constituição, na qual cada função encontra sua origem e limitação enquanto poder político. A limitação da função Estatal diz respeito ao poder específico de cada função. A cada uma se atribuiu competência para realização de seu fim específico, ressalvadas as exceções previstas na Constituição. Não é permitido a qualquer função usurpar a do outro poder. Portanto, a competência exclusiva não poderá ser delegada ou usurpada, sob pena de se ferir a independência e a harmonia previstas no artigo 2º da Constituição. Observe-se que o poder soberano é único, mas a divisão de funções vem com a finalidade de se manter o Estado de Direito. Não como funções estanques, sem qualquer interdependência, posto que não se vislumbram três poderes soberanos, mas sim Órgãos que possibilitem ao poder controlar o poder. 43 Na sistematização da Constituição, consta no Título IV e nos Capítulos I, II e III, a Organização dos Poderes. O Poder Legislativo está no artigo 44: ” O poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”. No Art. 76: “O poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estados.”. O Poder Judiciário, no artigo 92 : ”São órgãos do Poder Judiciário: I- o Supremo Tribunal Federal; II- o Superior Tribunal de Justiça; III- os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho; V- os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI- os Tribunais e Juízes Militares; VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios”. Nota-se que há a designação dos Órgãos que representam as funções do poder. Falta identificar a competência a cada uma das funções. 3.1 Da competência da função legislativa: o Congresso Nacional. O Congresso Nacional é órgão legislativo da União Federal. Possui competência para elaborar leis, em seu sentido amplo. Mas não é a única competência que a Constituição Federal lhe atribui. Esta competência distribui-se em cinco grupos: atribuições legislativas, atribuições meramente deliberativas, atribuições de fiscalização e 44 controle, atribuições de julgamento de crimes de responsabilidade e atribuições constituintes.14 A atribuição de competências aparece na Constituição Federal, em seus artigos 48 a 83. No artigo 48, encontramos a atribuição para elaborar as leis relativas a todas as matérias de competência da União, devendo ser elaboradas de acordo com o processo contido nos artigos 61 a 69. No sistema vigente, pelo artigo 48 da Constituição, necessária será a sanção do Presidente da República, que poderá vetar os projetos de leis das matérias enumeradas em seus incisos. Como o processo legislativo é de competência do Congresso Nacional, tal interferência do Poder Executivo se justifica pelo sistema de freios e contrafreios, que visa ao controle do poder. Todavia, o veto poderá ser rejeitado pela maioria absoluta dos Deputados e Senadores, nos termos do artigo 66 e seus parágrafos. Note-se que a existência do sistema de freios e contrafreios, essencial para o equílibrio entre as funções legislativa, executiva e judiciária é, ao mesmo tempo, o mecanismo que cria a interdependência entre estas mesmas funções. A competência atribuída pelo artigo 49 diz respeito àquelas que não demandam sanção por parte do Poder Executivo, estando incluídas dentro das atribuições meramente deliberativas, mas exclusivas do Congresso Nacional. 14 SILVA, J. A da. . Curso de Direito Constitucional Positivo, 1996, p.492 45 A competência de fiscalização e controle externo dos demais poderes está estabelecida pelo artigo 50, § 21 (segundo o qual pode requerer informações aos Ministros ou a quaisquer titulares de Órgãos diretamente subordinados à Presidência da República), pelo artigo 58, § 3.º (para constituir Comissão Parlamentar de Inquérito), pelo artigo 66, § 1.º (tem poderes, pelo Tribunal de Conta da União, para fiscalizar a execução contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União) e outros disciplinados no Capítulo I, Seções I a IX, do Título IV da Constituição Federal. A função atribuída, ao Judiciário é a da jurisdição. É atribuída ao Congresso Nacional, excepcionalmente, dada a natureza da matéria que envolve, de acordo com o contido nos artigos 51, I, 52, I, e 86 , que possibilitam à Câmara dos Deputados autorizar a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado, e ao Senado, processar e julgá-los nos crimes de responsabilidades, bem como processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União. O Congresso Nacional, por possuir a representação soberana do povo, possui ainda atribuições constitucionais para promover as emendas constitucionais, devendo observar o processo próprio e a imutabilidade das cláusulas pétreas , nos termos do artigo 60 e seus parágrafos. 46 Posto isto, concluímos por delimitadas as atribuições de competência do Poder Legislativo de modo amplo, com o objetivo de possibilitar o confronto com as competências dos outros poderes. 3.2 Da competência da função executiva: o Presidente da República. O Poder Executivo em nosso regime de governo, por intermédio do Presidente da República, exerce a chefia do Estado e a chefia do Governo. Esta última inclui o comando e fiscalização da Administração Pública e a elaboração de Políticas que serão por ela executadas. Como Chefe de Estado, representa a União Federal, internamente, enquanto poder constituinte de outros poderes de Estado, como consta do artigo 84, XIV, pelo qual nomeia os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República. Externamente, o artigo 84, inciso VII e VIII, lhe atribui competência, tanto para manter relações com Estado estrangeiros e acreditar seus representantes, como para celebrar tratados, convenções e atos internacionais. Enquanto Chefe de Governo, lhe incumbe a orientação e liderança na política nacional, realizando a política global e a chefia da administração; sendo o guardião da segurança nacional e defensor do 47 interesse público, de acordo com o artigo 84, incisos I, II, III, IV, V, IX, X, XI, XII, XIX e XXC, da Constituição Federal. Desta forma, o Poder Executivo tem como competência constitucional a chefia de Estado e de Governo. Desempenha, na prática, a exteriorização do Poder Estatal, externa e internamente. 3.3 Da competência da função judiciária: o Poder Judiciário. A atribuição de competência do Poder Judiciário emana também da própria Constituição. Tal Poder, com seus Órgãos, compõe uma das funções tripartidas do poder soberano do Estado, com a finalidade de promover a justiça pela aplicação da lei e da guarda dos princípios constitucionais, mediante os instrumentos constitucionais de controles difusos ou concentrados. Sob este prisma, a Constituição atribuiu a competência - sem se deter na esfera de competência de cada um de seus Órgãos - ao Supremo Tribunal Federal da guarda da Constituição, processando e julgando originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (art. 102, I, a).É, portanto, o Poder que decidirá em primeira e última instância sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade, em tese de lei ou ato normativo federal. 48 Desde seu início, como forma de organização política, o Estado avocou para si a realização da justiça. Quem aplica é o Poder Judiciário. É vedado a qualquer pessoa fazer justiça pelas própria mãos. Cabe à função jurisdicional o dever de julgar os conflitos, mediante provocação das partes legítimas. Assim, o Poder Judiciário é o guardião supremo da vontade do povo, ao passo que lhe compete a guarda da Constituição e as liberdades e direitos individuais (a serem observados pelo próprio Estado inclusive), uma vez que seu limite é a Constituição. 49 CAPÍTULO IV- DAS LIMITAÇÕES DE COMPETÊNCIAS DAS FUNÇÕES 4 Das limitações de competências das funções. Não se pode perder de vista que as funções não são antagônicas, mas harmônicas e independentes. Vale dizer, são funções de um mesmo Poder, que é o Estado, que por sua vez, no sistema brasileiro, tem existência pelo Poder maior e primário que é o Povo, seu destinatário final. A par de todas as discussões, em relação às chamadas crises Institucionais, algumas há em relação à estruturação do Poder Judiciário, que visam a um controle externo. Outras buscam a extinção ou modificação da Justiça do Trabalho. Outras, de há muito, objetivam uma maior representatividade do Poder Legislativo, em que o voto distrital seria um dos caminhos. Outras ainda há em relação à atribuição legislativa ao Poder Executivo, por meio das Medidas Provisórias. 50 Necessário se faz analisar a visão da limitação das funções, diante do ordenamento hoje existente. Saliente-se, antes, que modificações que são imputadas como necessárias demandam reformas constitucionais e que, por sua vez, somente terão efeitos jurídicos após sua integração no ordenamento . Enquanto não se promovem as reformas, a sociedade não pára. Ela precisa ser administrada, precisa do exercício legiferante, precisa da jurisdição. A fase atual de desenvolvimento do Estado não comporta mais a discussão em torno da divisão dos poderes, como instrumento estanque das funções, mas sim o princípio de que todos os poderes não devem estar entregues em mãos de um só. Esta preocupação em se dividirem as funções por compartimento estanque tinha sua razão de ser antes dos Estados de Direito, posto que a ausência da consagração de um princípio (como a tricotomia das funções hoje arraigada na maioria dos Estado), tinha como aliada sempre a usurpação das funções por um só indivíduo. Portanto, as funções devem estar uma para com as outras como colaboradoras, até porque em cada uma delas existe a execução de funções análogas às outras. Aliás, como já salientado, é princípio constitucional, no qual se tem a harmonia e a independência como fundamentos. Harmonia, como sinônimo de colaboração, cordialidade necessária ao relacionamento entre os poderes. 51 Independência, no sentido de não ser necessária a cada função a permissão da outra para exercício de suas competências . Ao analisarmos na prática o exercício das competências no ordenamento existente, podemos sentir que aflora uma total usurpação de funções, no exercício de atribuições. Algumas em caráter subsidiário, ante a inércia daquele que deveria exercê-la. Outras, por desconhecimento técnico necessário, ou por utilização política de matéria estritamente técnica. Outras, por utilização exorbitante de competência específica. Veremos cada uma delas. 4.1 Na função legislativa. A função legislativa, conforme Pinto Ferreira (1970, p.362), chamada de função primária, porque emana as regras que determinam a ação prática das outras funções, ou seja, a Função Executiva executa os seus fins, de acordo com as normas aprovadas por ela, como também a Função Judiciária diz o Direito conforme o ordenamento jurídico. Neste sentido, a competência legislativa é ampla. É restrita somente no que diz respeito às Emendas Constitucionais, às cláusulas pétreas. Deve observar todos os princípios e procedimentos 52 previstos na Constituição, quanto à sua elaboração e modificação. Vale dizer, a competência está limitada quanto à matéria na própria Constituição. Após editadas as normas de ordem cogente, inclusive para o próprio Estado, a Função Legislativa também não poderá interferir nas demais funções, quer na forma pela qual irá conduzir a política de governo, quer na forma pela qual se irá dizer o Direito. Não se quer dizer com isto que há uma primazia da função legislativa, mas sim, um poder político muito acentuado, uma vez que pode legislar sobre qualquer tema de interesse da União. A própria Constituição prevê, em seu artigo 61, as Leis que devem ser de iniciativa do Presidente da República, evitando assim um poder ilimitado, no que diz respeito à condução da administração e execução dos planos de governo. E não é só, no que diz respeito à matérias de competência da função legislativa, esta deverá ser sancionada pelo Presidente da República nos termos do artigo 66 da Constituição. Portanto, a primeira limitação estaria em editar regras de acordo com os princípios Constitucionais, observando os requisitos de iniciativa e veto por parte da Função Executiva. Entre nós, diferente de muitos outros Estados, o poder legiferante é por demais exacerbado, posto que se têm regulamentados todos os passos do próprio Estado e do cidadão, chegando ao ponto de não se saber qual regra ainda está em vigência. Todavia é da própria Constituição que emana tal poder. 53 Após, promovido o processo legislativo, compete à função legislativa a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, por meio do Tribunal de Contas da União, que é o chamado controle externo sobre a execução orçamentária e patrimonial da União. Não lhe compete fiscalizar as demais funções no exercício de suas competências exclusivas. Com referência à competência concorrente, que lhe é atribuída pelo § 3º do artigo 58, para criar comissões parlamentares de inquérito, com poderes próprios das autoridades judiciais, está limitada à apuração de fato determinado e por prazo certo. A limitação, como foi colocada, é por demais simplista para os dias atuais, Os mais consagrados autores vêm tentando buscar fundamentos para uma e outra posição sobre as comissões parlamentares de inquérito. Ora ampliam os poderes, ora os restringem, notadamente sobre a possibilidade ou não de quebra de sigilo bancário e telefônico, sem autorização judicial, ou mesmo sobre a natureza do depoimento prestado pelos inquiridos. Também discutem sobre a possibilidade de se determinar ou não prisão de envolvidos ou ainda sobre a possibilidade de arrestar bens. Ora, quer-nos parecer que a discussão se assenta muito mais no poder político de quem deva aparecer mais ou menos, do que o aspecto legal. Sem dúvida, os poderes de investigação são os mais amplos possíveis, mas não querem prescindir da função competente para promover os atos judiciais. 54 Contudo, o tema por si só demanda um livro, o que não é nosso objetivo, neste caso particular. O importante é frisar que a competência das comissões parlamentares de inquérito é ampla, para promover a investigação, mas não prescinde da função competente para fazer justiça, que é a judiciária, da qual não se tomará nenhuma medida que vise a tolher direitos. Aliás, função da qual se socorrem todos, incluindo os detentores dos demais poderes, quando vêem seus direitos e garantias individuais em perigo ou ameaça de usurpação de suas competências. 4.2 Na função executiva. A função Executiva é órgão de representação da soberania do Estado, dotado de atribuições para, além de exercitar a força material, representá-lo externamente. Também é na função Executiva que se desenham e se desenvolvem os projetos de governos. Portanto, onde se desempenha a representação de Chefe de Governo e de Estado. Para tanto, é dotada de atribuições constitucionais que, pelo sistema de freios e contrafreios, possui limitações no desempenho 55 destas competências, como forma de equilíbrio e harmonia das funções do Estado. O primeiro ponto a assinalar é a legitima atribuição para utilização de Medida Provisória com força de Lei, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal. Em casos de relevância e urgência, poderá o Executivo lançar mão deste instrumento, posto à sua disposição pela Lei Magna. Deve, entretanto, submetê-la de imediato ao Congresso Nacional, que deverá apreciá-la no prazo de 30 dias. Expirado o tempo previsto, a Medida Provisória perde a eficácia desde sua edição, devendo o Congresso disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes. Verificamos que a utilização do instrumento constitucional da Medida Provisória sofre limitação, no sentido de ser verificada a relevância e a urgência da matéria que se pretenda regulamentar. Tal limitação é de difícil aferição, uma vez que a relevância e urgência estão atribuídas justamente ao poder discricionário do Chefe de Governo, não competindo às demais funções analisar tal fundamento. Por outro lado, é possível determinar que o controle constitucional é claro, no momento em que determina que no prazo de 30 dias deverá o Congresso Nacional apreciar a Medida Provisória, sob pena de, não o fazendo, perder sua eficácia desde a sua edição. Ora, o que se tem efetivamente é a obrigação da função legislativa ou de apreciar ou de disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes. Se não 56 o faz, por certo abre mão do poder que lhe é conferido e permite outras ilações não previstas pela norma constitucional. Na condução da administração pública, relativa à organização dos órgãos, com suas estruturas orgânica e pessoal, compete exclusivamente ao Chefe de Governo a decisão e a regulamentação, observando-se tão-somente os princípios constitucionais, como, por exemplo, o do direito adquirido. 4.3 Na função Judiciária. A função Judiciária, como já salientamos, é com certeza a função que tem atribuída em sua competência eminentemente a aplicação técnica pelos seus Órgãos. É que não lhe cabe interpretar ou mesmo aplicar o Direito, sob a ótica de qualquer influência política, mas sim pelo Direito material e seus princípios. Para uma melhor interpretação do exercício da função Judiciária, podemos distingui-la em duas: as atividades judiciárias, como gênero, englobando todas as atividades, quais sejam especificas ou sem perquirir de sua natureza, e atividade jurisdicional, que é a espécie que abrange os chamados atos jurisdicionais, os quais se dividem em atos de jurisdição contenciosa e atos de jurisdição voluntária (ou graciosa, ou não contenciosa). 57 É de se observar que do monopólio da aplicação da Justiça, que se encontra na mão do Estado, de acordo com Theodoro Junior (1998, p. 153), ”decorre a jurisdição como um poder-dever de prestar a tutela jurisdicional a todo cidadão que tenha uma pretensão resistida por outrem, inclusive por parte de algum agente do próprio Poder Público”. Salienta ainda o renomado professor: “A jurisdição, que integra a faculdade da soberania estatal, ao lado do poder de legislar e administrar a coisa pública, vem a ser, na definição de Coutère, a função pública, realizada por órgão competente do Estado, com as formas requeridas pela lei, em virtude da qual, por ato de juízo, se determina o direito das partes com o objetivo de dirimir seus conflitos e controvérsias de relevância jurídica...”15 Desta forma, deduzimos que a jurisdição é una, atribuída a uma das funções do Estado - a Judiciária - que institucionalmente realiza a Justiça, aplicando o Direito ao caso concreto, ou age no âmbito de sua competência, como guardiã da Constituição, sobre lei em tese nas ações Declaratórias de Inconstitucionalidade e nas Declaratórias de Constitucionalidade. No exercício de suas funções não possui o Poder Judiciário a faculdade de escolher o que deva decidir, ou muito menos promover a instauração de qualquer processo, devendo, pois, ser provocado pelas partes que possuam competência para tal mister. Em outras palavras, não possui a faculdade de dizer o Direito “ex oficio”, dependendo, sempre, de provocação pelas partes interessadas. 58 Diz o Professor Greco Filho (1998, p. 33): “... Já a atividade jurisdicional é atividade secundária, inerte, somente atua quando provocada e se substitui à atividade das partes, impedidas que estão de exercer seus direitos coativamente pelas próprias mãos...”. Note-se, portanto, que não há manifestação por parte da função jurisdicional, sem provocação. No controle de Constitucionalidade temos, como exemplo, que a legitimação processual (para propositura da Ação Direta de Constitucionalidade e a Declaratória de Constitucionalidade) não é de todos, mas conferida a algumas pessoas, conforme podemos constatar no artigo 103 da Constituição Federal e seus parágrafos, excluindo-se do rol a iniciativa da própria função judiciária. Assim, constatamos uma primeira limitação à competência da função jurisdicional a de que efetivamente poderá exercê-la somente quando provocada pelas partes interessadas. Uma segunda limitação de competência por parte da função jurisdicional diz respeito à matéria que lhe possa ser posta à apreciação, que são os casos concretos e eventual discussão sobre inconstitucionalidade e constitucionalidade de norma em abstrato. Em nosso sistema constitucional nenhuma norma de Direito poderá ser conflitante com a Constituição. Vale dizer que todo o sistema jurídico foi incorporado pela nova Lei Maior, sendo revogada a que for incompatível . 15 THEDORO JÚNIOR, H . O. p. Cit. 1998, p. 153. 59 Toda decisão, portanto, deverá observar, em sua fundamentação, os princípios constitucionais, bem como o Direito material vigente, sob pena de ser nula a sentença. Assim, como requisitos essenciais, a sentença deverá conter: relatórios (em que conste o nome das partes), a suma do pedido e da resposta do réu (bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo), os fundamentos que orientem o Juiz para analisar as questões de fato e de direito, e o dispositivo em que o Juiz se baseia para resolver as questões que as partes suscitarem. Portanto, podemos dizer que a competência da função jurisdicional se encontra na aplicação do Direito, de acordo com as normas constitucionais. Direito material, das leis infraconstitucionais, e os direitos processuais, não podendo criar, inovar ou mesmo deixar de apresentar a fundamentação com base no ordenamento vigente. A limitação de competência da função Judiciária está em dizer o Direito de acordo com as Normas Constitucionais e infraconstitucionais, mediante provocação das partes legítimas e interessadas, em casos concretos ou sobre lei em abstrato, quando o for na qualidade de guardiã da Constituição. Não há poder político em uma função que não pode se manifestar sobre questões que não de Direito. Note-se que não se está falando em política judiciária, mas em poder político, no sentido de iniciativa da direção e condução do bem público. 60 Não há que se falar que estamos sendo dogmáticos, uma vez que é da própria Constituição que emana o princípio da legalidade que a todos vincula. É certo ainda que, mesmo os que sustentam o chamado Direito alternativo, o fazem com base nos princípios constitucionais e legais, mudando somente a forma de interpretação do caso em apreço. Na opinião do Professor Cintra Júnior (1999) 16 : “Não é que seja contra o direito alternativo, posto que as decisões proferidas pelos chamados Juizes do Direito Alternativo do Rio Grande do Sul vêm muito mais fundamentadas nos princípios constitucionais, do que as demais decisões que se profere com base no texto da Lei; sendo assim uma falácia o Direito alternativo, que de alternativo não possui nada, estando sempre vinculado ao ordenamento jurídico como um todo”. Pode-se dizer ainda que as argumentações sustentadas a título de aplicação do Direito como justiça sempre foram base do Estado, mas não como da forma apregoada nos dias atuais, quando se vê até a sentença contra legem como justificativa de se fazer justiça. Não pretende este trabalho discutir as formas pelas quais se questionam as novas perspectivas do Direito, mas sim o cumprimento de um ordenamento posto, cuja segurança jurídica é colocada em dúvida por tese sem sustentação constitucional, ou melhor, que em nome dos princípios constitucionais acolhem todas as formas de aberrações possíveis. 16 CINTRA JÚNIOR, D. A. (Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha Marília-SP - ). 61 CAPÍTULO V DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO 5 Da responsabilidade civil do Estado. O instituto da responsabilidade civil do Estado, por si só, demandaria várias teses, sem exaurir o seu conteúdo. Tema de profundas mudanças, desde a segunda metade do século XIX, que longe está de apresentar uma uniformização, quer doutrinária, quer jurisprudencial, e cujas correntes tentaremos sintetizar. Na Antigüidade, ou por não se ter a noção de Estado como prestador de serviços, ou porque todo o poder emanava de Deus e Comunicação pessoal, 1999. 62 cujos representantes eram considerados detentores da terra como herança divina, predominava a irresponsabilidade pelos danos decorrentes da má prestação dos serviços prestados aos súditos. Em um segundo momento, já por volta da segunda metade do Século XIX, houve uma evolução da irresponsabilidade total, para se admitir a responsabilidade civil do Estado, onde se buscava comprovar a culpa17 ante o fato ocorrido, portanto, dentro dos critérios orientadores desse instituto. Esta Teoria enfrentou muitas críticas, conforme bem salienta José Cretella Júnior (Op. Cit, p. 53): “Sofreu a teoria da culpa impiedosas críticas, e o instituto da responsabilidade civil do Estado evoluiu para a responsabilidade objetiva ou teoria do risco administrativo.” Com a evolução, o Instituto da responsabilidade civil do Estado deixou de ser apreciado no âmbito do Direito Civil, para ser interpretada como incerta no campo do Direito Público. Aliás, como bem elucidou o Professor Monteiro (1991, p. 107): “A responsabilidade da pessoa jurídica de direito público interno encontra-se hoje inteiramente fora do conceito civilista da culpa, situando-se, decisivamente no campo do direito público. Efetivamente, é nesse direito, não no direito privado, que vamos localizar o fundamento da responsabilidade, que se baseia em vários princípios (eqüidade; política jurídica), sendo, porém, o mais importante o da igualdade de ônus e dos encargos sociais. ...A responsabilidade do poder público não 17 CRETELLA JÚNIOR, J. . Curso de Direito Administrativo, 1966, v.8, p.59. Diz que: “ Em outras palavras, a teoria da culpa ou subjetiva é baseada no elemento humano, na pessoa física do funcionário, sujeito causador do dano. É culpa da Administração por ato de seu preposto, fundada no nexo causal entre o ato ou omissão do funcionário, culposo ou doloso, e as conseqüências danosas daquela voluntariedade ou involuntariedade. A ação humana, fonte de prejuízos, é que vai permitir reponsabilização do Estado, através do homem, do sujeito.” 63 mais se baseia, portanto, nos critérios preconizados no Direito Civil ...” Como desdobramento da evolução do Instituto, na tentativa de resolver a questão da responsabilidade do Estado, surgiram três correntes, segundo Diniz (1999, p. 523): “a) da culpa administrativa do preposto, segundo a qual o Estado só pode ser responsabilizado se houver culpa do agente, preposto ou funcionário, de maneira que o prejudicado terá de provar o ilícito do agente público para que o Estado responda pelos danos, b) A do acidente administrativo ou da falta impessoal do serviço público, que parte do pressuposto de que os funcionários fazem um todo uno e indivisível com a administração, e se, na qualidade de órgãos desta, lesarem terceiros por uma falta cometida nos limites psicológicos da função, a pessoa jurídica será responsável. Não cabe indagar se houve culpa, a pessoa será responsável. Não cabe indagar se houve culpa do funcionário, mas se houve falha no serviço..., c) do risco integral, pela qual cabe indenização estatal de todos os danos causados por comportamentos comissivos dos funcionários a direitos de particulares. O risco é o fundamento da responsabilidade civil do Estado por comportamentos administrativos comissivos, exigindo tão- somente nexo causal entre a lesão e o ato, ainda que regular, do agente do poder público. Trata-se da responsabilidade objetiva do Estado, bastando a comprovação da existência do prejuízo.” Superadas as fases da irresponsabilidade estatal e da responsabilidade somente em caso de culpa ou dolo dos seus agentes, não resta dúvida de que o Estado deve indenizar os danos decorrentes da atividade administrativa. 5.1 A responsabilidade estatal no Brasil. 64 A Constituição de 1988 repetiu norma que já existente na Constituição Federal de 1946 (art. 194), nas Cartas de 1967 (art. 105) e 1969 (art. 105). Dispõe em seu artigo 37 § 6º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” O constituinte atribuiu responsabilidade ao Estado pelos danos praticados por seus agentes, silenciando quanto à necessidade de que tenham sido provocados por culpa ou dolo destes. Tal silêncio, conjugado com a parte final da mesma disposição, que diz que, em caso de dolo ou culpa dos agentes, a Administração Pública terá direito de regresso contra eles, levou a grande maioria dos juristas à conclusão de que foi adotada a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Para Diniz (Op. Cit., p. 521) “a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público funda-se nas suas relações com os administrados ora na teoria do risco, em razão de comportamentos comissivos danosos, caso em que será objetiva (CF, art 37 § 6º), ora na teoria da culpa, que se caracteriza pela falta impessoal de serviço público, isto é, por atos omissivos lesivos a terceiros, hipótese em que será subjetiva (CC, art 15, 2ª alínea).” Hoje, a responsabilidade genérica do Estado por todas as suas funções está prevista constitucionalmente pelo artigo art. 37, § 6º da Constituição que: 65 ”As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Podemos concluir que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, nos casos do artigo 37 § 6º da Constituição, e subjetiva, nos casos do artigo 15, 2ª alínea, do Código Civil. Passemos à análise específica da responsabilidade pelo exercício das funções do Estado. 5.2 Responsabilidade Estatal pela função Executiva. A responsabilidade é marca fundamental do Estado moderno e, como o Chefe do Executivo desempenha função pública em nome do Estado, está inserido no contexto do tema. Por outro lado, o termo “agente”, empregado no artigo 37, § 6º, da Constituição, abrange todos os que agem em nome do Estado. Aliás posição defendida por Diniz (1999), “Deveras, se assim não fosse, ter-se-ia que excluir a responsabilidade do Estado quando o dano tivesse sido causado por atos de contratados pela legislação trabalhista, já que em sentido específico essas pessoas não são tidas como funcionários...” Esta posição já era expressada pelo saudoso Min. Aliomar Baleeiro: 66 “... o art. 105 da Constituição Federal de 1967 (correspondente ao art. 107 da EC n. 1/69) abarca em sua aplicação os órgãos e agentes do Estado, como chefes do Poder Executivo, os Ministros e Secretários de Estado, os Prefeitos, ainda que não sejam funcionários no sentido do Direito Administrativo...” 18 Nossa Constituição, por sua vez, consagra as atribuições do Presidente da República no art. 84. No artigo 85, vem delineada a responsabilidade do Presidente da República. Assim, qualquer ato do Chefe do Executivo que atente contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a probidade da Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, e o cumprimento das leis e das decisões judiciais constitui crime de responsabilidade. A própria Constituição prevê hipóteses em que o desempenho da função executiva possa acarretar danos ao próprio Estado e a terceiros. Para melhor demonstrar a hipótese ao caso concreto, nos deteremos na questão relativa à edição de Medidas Provisórias, que bem exemplifica uma das atribuições do Presidente. No artigo 84, parágrafo único, da Constituição Federal, encontra-se a atribuição de editar medidas provisórias. Se, ao editar Medidas Provisórias, afrontar qualquer dos incisos do art. 85, haverá crime de responsabilidade do Presidente da República. 18 BALEEIRO, A . RE 70.121 –STF R . . evista de Direito Administrativo, 114:298. 67 Assim, apesar de toda a precariedade e instabilidade que informa, a medida provisória constitui ato de suprema seriedade, não podendo criar situações sem retorno, causando dano a terceiros. Nesta linha de raciocínio, não se pode descurar a hipótese de o Presidente da República editar medidas provisórias demagógicas, de cunho altamente popular, sabendo-as de difícil aprovação e até inexeqüíveis, dadas as circunstâncias do momento, apenas para angariar simpatias e colocar o povo contra os demais poderes. Ocorrendo a hipótese sugerida, estaremos diante de situação sem retorno, em frontal violação ao preceito constitucional, passível da caracterização de crime de responsabilidade do Presidente da República (art. 85, CF), como também o direito aos atingidos de recorrerem ao Poder Judiciário, com base no art. 37 § 6º, da Lei Maior. O Estado, nos termos do artigo 37 § 6º da Constituição Federal, responde aos atos da função executiva, no exercício de suas atribuições, ao lesarem direitos, causando danos à terceiros. 5.3 Responsabilidade Estatal pela função legiferante. A princípio, no que diz respeito à atribuição da função legiferante, não se poderia falar em responsabilidade do Estado, baseado nos argumentos de que, segundo Diniz (1999, p. 530): 68 “a) a lei é um ato de soberania, e como tal se impõe a todos, sem que se possa reclamar qualquer compensação; b) o ato legislativo cria uma situação jurídica geral, objetiva, impessoal, abstrata, não podendo atingir situação jurídica individual e concreta, pois se aplica a todos e por igual; está por isso, segundo a maioria da doutrina e jurisprudência, ao abrigo da responsabilidade, salvo se o legislador, expressamente, reconhecer a responsabilidade extracontratual do Estado; c) a Lei nova não viola direito preexistente; d) a determinação da responsabilidade estatal por atos legislativos paralisaria a evolução da atividade legislativa, pois se impedisse o legislador de desempenhar suas funções, atender-se-ia mais aos interesses particulares, obstando o progresso social; e) o prejuízo causado por ato legislativo foi provocado pelo próprio lesado, que, por ser membro da sociedade, elegeu seus representantes para o Parlamento, conseqüentemente, não se poderá falar em responsabilidade do Estado pelas lesões dele oriundas.” O professor Dias (1994, p. 628), assevera: “O ato legislativo, isto é, aquele que cria uma situação jurídica geral, objetiva, impessoal, abstrata, considera-se ao abrigo da responsabilidade.” Ambos os juristas são unânimes em assinalar que há exceções à regra da irresponsabilidade pela função legiferante, Dias (Op. Cit., p. 628): “É conveniente observar que a regra tem exceções, mas estas se fundam na ilegalidade do ato (remissão à doutrina da culpa administrativa ou culpa do serviço público), ou são meros aspectos da responsabilidade contratual” Para Diniz (Op. Cit., p. 534), as exceções residem: “a) o fato do próprio legislador ter estabelecido a responsabilidade do Estado, fixando a indenização na própria lei causadora do prejuízo, embora para isso possa suscitar problemas em relação ao quantum da indenização, b) a circunstâncias de o ato legislativo constitucional ter causado imediata ou diretamente lesão, de ordem patrimonial, especial e anormal a um cidadão ou a um grupo de cidadãos..., c) a ocorrência de dano causado a alguém em razão de ilegalidade ou inconstitucionalidade do ato legislativo, ou melhor, se houver lesão causada por lei inconstitucional, poderá haver responsabilidade estatal... d) a omissão legislativa. Por ex., 69 leciona Canotilho, se o Poder Legislativo não emitiu normas destinadas a dar operatividade prática a direitos garantidos constitucionalmente, a fim de torná-los atuantes, poder-se-á responsabilizar o Estado, desde que haja um prazo fixado para a emanação daquelas normas complementares à Constituição”. Neste sentido, Pereira (1992, p. 136) diz que, partindo do fato de que o Poder Legislativo não pode exorbitar dos termos da outorga constitucional, vale desde logo assinalar que o rompimento desta barreira pode ser erigido em pressupostos da responsabilidade do Estado. E completa: “Como o Legislativo é um Poder através do qual o Estado procede ao cumprimento de suas funções, força é concluir que o ilícito cometido por via da atuação legislativa sujeita o Estado à reparação do dano causado.” A regra, portanto, é a de que não há responsabilidade estatal pela atribuição legislativa, mas comporta exceções, na medida em que o exercício ou a falta dele acarrete prejuízo ao cidadão ou grupo de cidadãos, por normas d