DANILO VALENTIN PEREIRA ESTUDO SOBRE OS TIPOS DE MANIFESTAÇÕES NO CAMPO PAULISTA NO PERÍODO 2000-2011. PRESIDENTE PRUDENTE 2012 DANILO VALENTIN PEREIRA ESTUDO SOBRE OS TIPOS DE MANIFESTAÇÕES NO CAMPO PAULISTA NO PERÍODO 2000-2011. Monografia apresentada junto ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente da UNESP, para obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientador: Bernardo Mançano Fernandes Co-orientador: Carlos Alberto Feliciano PRESIDENTE PRUDENTE 2012 DANILO VALENTIN PEREIRA ESTUDO SOBRE OS TIPOS DE MANIFESTAÇÕES NO CAMPO PAULISTA NO PERÍODO 2000-2011. Monografia apresentada como pré- requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia junto ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente da UNESP. Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes Prof. Dr. Ricardo Pires de Paula Prof. Mse. Herivelto Fernandes Rocha PRESIDENTE PRUDENTE 2012 À minha mãe, pai e irmãos. Sem eles não teria conseguido. Aos amigos também. AGRADECIMENTOS Os primeiros agradecimentos não podem deixar de ser para minha família: João e Nil, meus pais; Gustavo e Lucas, meus irmãos; e Carol, minha companheira. Me auxiliaram demais em todos os sentidos e sem eles não teria conseguido vir estudar num município até então desconhecido pra mim, à 600km de distância da minha cidade. Agradeço minha vó, os meus tios, tias, primos e primas que também me ajudaram quando precisei e acompanharam mais esse passo em minha vida, que foi cursar uma universidade. Agradeço a minha segunda família “República Calangos”, mais a Cida, na qual morei os cinco anos de graduação e fiz amizades que vou querer levar para a vida toda. Os amigos são muitos, não teria condições de citar nomes sem esquecer nenhum, então deixo meus agradecimentos de forma geral: aos amigos de Suzano, minha cidade natal; aos amigos do NERA, grupo de pesquisa que fiz parte durante quatro anos; aos amigos e amigas de Prudente e das Repúblicas “Luz Vermelha”, “O Barraco”, “Babilônia”, “Mamatequila”, “Butantan”, “ROMF”, “Habaladas (extinta)”, “As Normais (extinta)”, “Viracopos” e da Moradia; aos amigos de turma, principalmente Deivid “Milicão” e Rubens “Rubão”, que dividiram comigo estudos, conversas, viagens de campo, título do INTERGEO 2009 (com a artilharia – eu, e vice artilharia – “Milicão”) e empreitadas musicais!; falando em empreitadas musicais, agradeço aos amigos que fiz no Grupo Samba de Quinta (1º ano), Samba da Morada (2º ano), dupla Paulo César & Danilo (2º/3º anos), Bateria Furiosa (3º/4º/5º anos) e Grupo Coisa Linda (4º/5º anos); aos amigos dos “rachões” no campão e na quadra “La Bomboteca”; aos amigos dos grupos de pesquisa CEGeT, CEMOSI e GAIA; aos camponeses, principalmente do MST, que colaboraram na pesquisa; ao Corinthians; e não posso deixar de lembrar da amiga Maria Joana. Por fim, agradeço aos professores Bernardo Mançano e Carlos Feliciano “Cacá”, pela oportunidade de ter trabalhado com eles, pelas orientações, pelos ensinamentos e pela paciência comigo, fatores que colaboraram para desenvolver este trabalho e que vou levar para minha vida acadêmica que vem pela frente. Um mapa do mundo que não inclua Utopia não merece ser olhado já que deixa de fora o único país no qual a humanidade está sempre desembarcando. E quando a humanidade chega ali, olha para o horizonte e, ao ver um país melhor, zarpa em sua busca. O progresso é a realização de Utopias. (Oscar Wilde) RESUMO Este trabalho visa contribuir com os estudos sobre a luta pela terra no contexto atual, qualificando os dados do Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA). Esta qualificação dos dados é um processo permanente dentro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA) e Rede DATALUTA. Nesta análise estudamos os tipos das manifestações do campo no processo de luta pela e na terra, com base nos registros da Comissão Pastoral da Terra (CPT), fazendo uma análise entre 2000 e 2011 no estado de São Paulo. Com isso, buscamos compreender a importância das manifestações dos movimentos socioterritoriais camponeses como um elemento da luta pela terra, no bojo da questão agrária brasileira. Para isso utilizamos dos conceitos geográficos de espacialização da luta, território material e imaterial e desenvolvimento territorial. Assim, relacionamos as manifestações como ações que espacializam a luta pela terra na conquista do território, reivindicando políticas públicas para o seu desenvolvimento colaborando para evidenciar o território imaterial camponês aliado ao paradigma da questão agrária. Palavras-chave: espacialização. Território. Questão Agrária. DATALUTA. Manifestações camponesas. Movimentos socioterritoriais. RESUMEN Este trabajo se propone contribuir como los estudios sobre la lucha por la tierra en el contexto actual, calificando los datos del Banco de Datos de Lucha por la Tierra (DATALUTA), que es un proceso permanente dentro del Núcleo de Estudios, Investigaciones y Proyectos de Reforma Agraria (NERA) y de la Red DATALUTA. Pretendemos estudiar los tipos de manifestaciones del campo en el proceso de lucha por y en la tierra, utilizando los registros de la Comisión Pastoral de la Tierra (CPT), haciendo un análisis con un recorte temporal del año 2000 a 2011 y un recorte espacial del Estado de San Pablo. Buscamos entender la importancia de las manifestaciones de los movimientos socioterritoriales campesinos como un elemento más de la lucha por la tierra, a raíz de la cuestión agraria brasilera. Para eso utilizamos los conceptos geográficos de espacialización de la lucha, territorio material e inmaterial y desarrollo territorial. Así, relacionamos las manifestaciones como acciones que espacializan la lucha por la tierra en la conquista del territorio, reivindican políticas públicas para el desarrollo de esos territorios y colaboran para evidenciar el territorio inmaterial campesino aliado al paradigma de la cuestión agraria. Palabras clave: espacialización. Territorio. Cuestión Agraria. DATALUTA. Manifestaciones campesinas. Movimientos socioterritoriales. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - São Paulo – População urbana e rural de 1950 a 2010 23 Gráfico 2 – São Paulo – Manifestações do Campo – 2000-2011 – Relação do número de manifestações e pessoas envolvidas 44 LISTA DE MAPAS Mapa 1 – Brasil – Índice de Gini da Estrutura Fundiária – 2011 31 Mapa 2 – São Paulo – Índice de Gini da Estrutura Fundiária - 2011 32 Mapa 3 – São Paulo – Geografia das Ocupações de Terra – 1988-2011 35 Mapa 4 – São Paulo Geografia dos Assentamentos Rurais – 1979-2011 – Número de assentamentos 40 Mapa 5 - São Paulo – Geografia das Manifestações do Campo – 2000- 2011 – Número de manifestações por municípios 48 Mapa 6 - São Paulo – Geografia das Manifestações do Campo – 2000- 2011 – Número de pessoas em manifestações por municípios 49 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – São Paulo – Número de ocupações e de famílias por região administrativa 1988-2011 34 Tabela 2 – São Paulo – Número de assentamentos rurais – 1979-2011 39 Tabela 3 – São Paulo – Número de manifestações e pessoas por região administrativa – 2000-2011 45 Tabela 4 - São Paulo – Tipologias das manifestações – 2000-2011 52 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – São Paulo – Movimentos socioterritoriais e estados onde atuaram em 2000-2011 36 Quadro 2 – São Paulo – Movimentos socioterritoriais atuantes em manifestações e regiões administrativas – 2000-2011 70 Quadro 3 – São Paulo - Políticas públicas reivindicadas – 2000-2011 72 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Organograma de metodologia de trabalho 16 Figura 2 – Notícia de jornal digitalizada 17 Figura 3 – Notícia retirada do site do MST 18 Figura 4 – Planilha de registro da Categoria Manifestações do DATALUTA 19 Figura 5 - “Tipos de reivindicações por movimentos agrários no início do Século XXI (Brasil – 2001 a 2007)” 72 LISTA DE PRANCHAS Prancha 1- Índice de Desenvolvimento Humano no estado de São Paulo – 1991 e 2000 25 Prancha 2 – Índice de Gini: dinâmica da concentração no estado de São Paulo – 1991 e 2000 27 Prancha 3 – Espacialização da pobreza no estado de São Paulo – 1991 e 2000 29 Prancha 4 – São Paulo – Geografia dos Movimentos Socioterritoriais – 2000-2011 – Número de famílias em ocupações – por município 38 Prancha 5 – São Paulo – Tipologia das Manifestações do Campo – Número de manifestações por municípios – 2000-2011 61 Prancha 6 – São Paulo – Tipologia das Manifestações do Campo – Número de manifestações por municípios – 2000-2011 62 Prancha 7 – São Paulo – Tipologia das Manifestações do Campo – Número de pessoas em manifestações por municípios – 2000-2011 63 Prancha 8 – São Paulo – Tipologia das Manifestações do Campo – Número de pessoas em manifestações por municípios – 2000-2011 64 Prancha 9 – São Paulo – Políticas Públicas reivindicadas pelas Manifestações do Campo – 2000-2011 – Número de manifestações por municípios 73 Prancha 10 – São Paulo – Políticas Públicas reivindicadas pelas Manifestações do Campo – 2000-2011 – Número de manifestações por municípios 74 LISTA DE SIGLAS ABUST - Associação Brasileira do Uso Social da Terra Coapar - Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados e Pequenos Produtores da Região Noroeste do Estado de São Paulo CPT - Comissão Pastoral da Terra CUT - Central Única dos Trabalhadores DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra EEACONE - Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras e Quilombolas do Vale do Ribeira FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FCT - Faculdade de Ciências e Tecnologia FERAESP - Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo FETRAF - Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar FSOSMA - Fundação SOS Mata Atlântica FUNAI - Fundação Nacional do Índio GECA - Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e Conservação da biodiversidade do Pantanal GEOLUTAS - Geografia das Lutas no Campo e na Cidade GETEC - Grupo de Estudos sobre Trabalho, Espaço e Campesinato IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDESC - Instituto para o Desenvolvimento Sustentável do Vale do Ribeira IDH - Índice de Desenvolvimento Humano INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ITESP - Instituto de Terras do Estado de São Paulo LABER - Laboratório de Estudos Rurais LABET - Laboratório de Estudos Territoriais LAGEA - Laboratório de Geografia Agrária MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens MAST - O Movimentos dos Agricultores Sem Terra MLST - Movimento de Libertação dos Sem Terra MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NEAG - Núcleo de Estudos Agrários NERA - Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária OAB - Organização dos Advogados do Brasil OAN - Ouvidoria Agrária Nacional OCCA - Observatório dos Conflitos no Campo OI - Organizações Independentes PCA - Paradigma do Capitalismo Agrário PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PQA - Paradigma da Questão Agrária UDR - União Democrática Ruralista UNESP - Universidade Estadual Paulista Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 1. OBJETIVO GERAL ............................................................................................ 14 1.1. Objetivos específicos ................................................................................... 15 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................... 16 3. O ESTADO DE SÃO PAULO: OS NÚMEROS DA LUTA PELA TERRA .......... 23 4. ESTUDO DAS MANIFESTAÇÕES DO CAMPO ................................................ 42 4.1. A espacialização da luta pela terra ............................................................... 43 4.2. Tipologia ....................................................................................................... 51 4.3. Os espaços das ações ................................................................................. 65 4.4. Os movimentos socioterritoriais atuantes ..................................................... 69 4.5. Reivindicações ............................................................................................. 71 4.6. Disputa territorial: o PQA, PCA e o Desenvolvimento Territorial ................. 75 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 85 9 INTRODUÇÃO Esta monografia é resultado da contribuição recíproca ao projeto Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), o qual tive a oportunidade de participar durante 4 anos, praticamente toda minha graduação em Geografia, como mais um pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA). Com o intuito de organizar, armazenar e sistematizar informações sobre a questão agrária, para análises mais bem elaboradas, em 1998 foi criado o NERA, integrado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente. Em 1999 foi criado o DATALUTA, projeto de pesquisa do NERA que é mantido permanentemente atualizado. O desenvolvimento do DATALUTA contribui com pesquisadores do Brasil e também de outros países como, por exemplo: Cuba, Canadá, Estados Unidos, México, Argentina, Espanha, Bolívia, Uruguai França etc. Desde sua criação foram sistematizados dados referentes às ocupações de terra e assentamentos rurais como elementos que interessavam no estudo da questão agrária brasileira. Com o avanço da pesquisa, surgiram necessidades em criar novas categorias para que as análises fossem mais completas e específicas. Em 2000 e 2003 foi acrescentado ao banco de dados e categorias de estudos dos movimentos socioterritoriais e estrutura fundiária, respectivamente. Até 2008, o DATALUTA teve a seguinte composição de categorias:  Categoria Ocupações de Terra;  Categoria Assentamentos Rurais;  Categoria Movimentos Socioterritoriais;  Categoria Estrutura Fundiária; Nas quatro categorias trabalhamos nas escalas municipal, microrregional, estadual, macrorregional e nacional por meio da confrontação de dados de diferentes fontes: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Ouvidoria Agrária Nacional (OAN), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e Rede DATALUTA através do DATALUTA Jornal1. A Rede DATALUTA foi criada dentro da mesma dinâmica da complexidade do tema e da necessidade de obter dados mais 1 Iremos explicar mais adiante nos procedimentos metodológicos. 10 rigorosos que contribuíssem para compreender melhor a espacialidade dos eventos de outros estados para os trabalhos em escalas nacionais. Assim, cada grupo de pesquisa integrante da Rede coletou informações de seu estado e região tornando o banco de dados uma fonte de pesquisa o mais próxima possível no retrato da conflitualidade da questão agrária brasileira. Hoje compõe a Rede DATALUTA, o Laboratório de Geografia Agrária (LAGEA), do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, sob a coordenação do prof. Dr. João Cleps Junior; Geografia das Lutas no Campo e na Cidade (GEOLUTAS) do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, sob coordenação do prof. Dr. João Fabrini; Núcleo de Estudos Agrários (NEAG), da Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul, sob coordenação da prof. Dra. Rosa Maria Medeiros; Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e Conservação da Biodiversidade do Pantanal (GECA), da Universidade Federal do Mato Grosso, sob coordenação do prof. Dr. Eduardo Paulon Girardi; O Grupo de Estudos sobre Trabalho, Espaço e Campesinato (GETEC), da Universidade Federal da Paraíba, coordenado pela prof. Dra. Emília de Rodat Fernandes Moreira; Laboratório de Estudos Rurais (LABER), da Universidade Federal do Sergipe, coordenado pelo prof. Dr. Eraldo da Silva Ramos Filho, Observatório dos Conflitos no Campo (OCCA), da Universidade Federal do Espírito Santo, sob coordenação do prof. Dr. Paulo Scarim e o Laboratório de Estudos Territoriais (LABET), da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas, coordenado pela prof. Dr. Rosemeire Aparecida de Almeida. Em 2009, ano que ingressei no NERA, para levantamento específico de dados, foi criada a categoria Manifestações, que fomentou esta pesquisa. A proposta de criação e manutenção de um banco de dados de manifestações, tais como os outros que já existiam, foi do grupo GEOLUTAS que colocou esta demanda em discussão nas primeiras reuniões da Rede DATALUTA, de acordo com as atas dos encontros. No início de 2009, na terceira reunião da Rede, iniciamos os trabalhos com a definição da metodologia de registro de dados da nova categoria. Então, desde sua criação, assumi a coordenação dos registros e consequentemente a manutenção deste banco das informações referentes às manifestações. A criação de um banco de dados sobre as manifestações se deve ao fato da importância que está categoria de análise assumiu nos últimos anos, como um 11 elemento relevante para compreendermos a atualidade da questão agrária e, sobretudo, da luta pela terra no Brasil. Este trabalho é o primeiro resultado aprofundado (ou um dos primeiros resultados) desta sistematização que contribui para o entendimento desse fenômeno intrínseco a questão agrária. Esta monografia também é resultado da pesquisa de iniciação científica em desenvolvimento atualmente financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) que realizo concomitantemente à manutenção do banco de dados, sob orientação do Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes e co- orientação do Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano. Nossa proposta foi fazer um estudo das manifestações dos movimentos socioterritoriais camponeses no estado de São Paulo no período de 2000 a 2011, buscando entender estas ações como mais um elemento que se expressam em distintas estratégias na luta pela terra revelando a disputa territorial por modelos de desenvolvimento do campo paulista. Este período foi definido através dos dados fornecidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que iniciavam nos anos 2000. Desta forma, acreditamos que essas ações coletivas de protestos são uma forma de luta pela terra (da luta até a conquista) e na terra (da conquista ao modo de vida/produção camponês). Estudar as manifestações como formas de mobilização dos movimentos socioterritoriais tornou-se tão importante quanto os estudos das ocupações e dos assentamentos rurais, considerando que também são espaços de luta, reivindicação, proposição e resistência dos camponeses. Em 2011 a análise das manifestações foi inserida no Relatório DATALUTA 20102. A análise foi feita a partir dos dados da CPT, que registra as manifestações em todo território nacional desde os anos 2000, e do DATALUTA, que passou a registrar e sistematizar os dados a partir de 20093. O recorte espacial desta pesquisa foi definido quando observamos o grande número de manifestações ocorridas no estado de São Paulo. Ele apareceu como o 7º em número de manifestações e 3º em número de concentração de pessoas nessas manifestações. Além disso, o fato de estarmos localizados nesse estado, favorecendo a ida a campo diante das limitações existentes para uma pesquisa da iniciação científica, justifica o recorte. 2 O Relatório DATALUTA é uma publicação anual da Rede que traz os números do DATALUTA em mapas, tabelas, quadros e gráficos, contemplando as categorias de análise do banco de dados citadas do ano anterior ao da divulgação do relatório. 3 Desta forma obtivemos um banco de dados com mais de seis mil registros de manifestações realizadas em todo o território nacional. 12 Desta maneira, propomos compreender a ação dos movimentos socioterritoriais no estado de São Paulo, buscando novos elementos que possibilitem contribuir com os estudos sobre a espacialização e territorialização desses sujeitos sociais, através das manifestações. Sendo assim, os dados e resultados da pesquisa proporcionarão a continuidade do debate sobre a atualidade da questão agrária do campo paulista. Através da manutenção de outro banco de dados permanente do NERA, o DATALUTA Jornal, com mais de 35 mil notícias registradas desde 1986, que também acompanho como co-coordenador desde 2010, percebemos que as manifestações ganharam espaço na mídia nos últimos anos, o que se confirma pela fala do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, divulgada no site do movimento, em 7 de abril de 2010: Agora a ocupação de terras é insuficiente para enfrentar o modelo do agronegócio. Por isso, além das ocupações, o MST deve desenvolver novas formas de luta, que envolvam todos os camponeses e outros setores da sociedade interessados em mudar esse modelo de exploração agrícola, que agride o ambiente e produz alimentos contaminados. (STEDILE, 2010, p. 1) Neste contexto, as manifestações adquirem importância por serem mais uma estratégia de luta da classe camponesa. Estas transformações da luta pela terra, agregando novos e importantes elementos, nos motivaram a compreender o significado deste processo, pois a manifestação é uma forma de tornar público situações de conflitos sociais vividos por esses camponeses, essas ações assumem um caráter de pressão ao Estado e tornam visível a conflitualidade existente no campo (FERNANDES, 2008). Como expressa Comerford (1999, p. 130): Todas essas formas de ação envolvem movimentação de 'corpos' sociais que, por força mesmo dessa movimentação, buscam se caracterizar e legitimar publicamente, ao ocupar espaços socialmente marcados. São atos que envolvem transgressão e demarcação de fronteiras sócio-espaciais, e levam a outras ações, colocadas como respostas por parte dos diferentes segmentos do 'público' e das 'autoridades públicas'. As manifestações para os movimentos socioterritoriais são ações que refletem conteúdos estruturais, são organizadas no sentido de evidenciar 13 situações que deveriam ser de interesse social, mas que frequentemente são mascaradas pelo discurso dominante. Por isso, as manifestações de todas as formas e tipos se realizam sob o parâmetro de “fazer-se conhecido”, essa estratégia tem a necessidade de se realizar em lugares emblemáticos para que possam, minimamente, repercutir exercitando a consciência crítica da população e influenciando as ações do Estado. “Manifestar é falar, mostrar onde está o erro, onde se deve promover mudanças; manifestar é também se mostrar à sociedade e se engendrar num embate de forças. Quem manifesta reivindica algo [...] (MOURA; VICTOR; CLÉPS JÚNIOR, 2012, p. 3). Motta (2006, p. 175) considera que: As manifestações, nas suas mais variadas formas, são um termômetro dos conflitos em que estão envolvidos os trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, do descaso da Justiça e das autoridades maiores deste País com aqueles que diariamente lutam para que o pão esteja presente na mesa de todos. Por outro lado, elas mostram a vitalidade das populações camponesas e suas organizações que querem ser ouvidas e respeitadas e exigem uma nova ordem no campo. Ao mesmo tempo em que revelam a conflitualidade, sendo um termômetro, as manifestações também são a forma de mostrar o protagonismo dos camponeses na reivindicação de sua existência e desenvolvimento. Este trabalho está organizado em quatro capítulos. Primeiramente esclarecemos os objetivos principais desta pesquisa. No segundo capítulo, os procedimentos metodológicos elucidam como foi realizada a compilação e sistematização dos dados, bem como mantemos o DATALUTA permanentemente atualizado. Para contextualizar as ações de manifestações no estado de São Paulo, no terceiro capítulo, apresentamos o cenário social e econômico do estado e também os números da luta pela terra de acordo com os dados do Relatório DATALUTA São Paulo 2011, trazendo os números e mapas das ocupações de terras, assentamentos no estado e os movimentos socioterritoriais que atuam nessa intensa conflitualidade. No capítulo seguinte, aprofundamos o estudo das manifestações dos movimentos socioterritoriais camponeses apresentando a espacialização no estado sob a orientação teórica do conceito de espacialização da luta pela terra (FERNANDES, 1994). Trazemos um quadro dos tipos de manifestações identificadas, os espaços em que são realizadas as ações, os 14 movimentos socioterritoriais atuantes e as políticas reivindicadas e a importância dessas ações na luta pela terra, em busca da conquista do território, categoria geográfica que consideramos nesse trabalho, e na luta na terra, que estamos entendendo como as reivindicações de políticas publicas para o desenvolvimento do território camponês. Em relação à tipologia, apresentamos uma caracterização de cada tipo de protesto através de bibliografia, leitura das notícias que alimentam o banco de dados, dos registros fornecidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), das informações trazidas pelo trabalho de campo e debates realizados com os pesquisadores do NERA. Trazemos também uma reflexão sobre os espaços alvos dessas ações na perspectiva de relacioná-los com os tipos e reivindicações contidas nas manifestações. Apresentamos o levantamento dos movimentos socioterritoriais que realizaram manifestações no período e por fim evidenciamos quais políticas públicas foram reivindicadas durante o período da pesquisa com essas ações coletivas. As políticas reivindicadas são o fio condutor para revelarmos a contribuição que este trabalho traz para o debate paradigmático na conflitualidade existente entre dois modelos de desenvolvimento rural colocado para o campo: o modelo baseado no paradigma do capitalismo agrário (PCA) e o modelo baseado no paradigma da questão agrária (PQA). Para isso, buscamos explicitar nosso entendimento do conceito de território. Por fim, apresentamos nossas considerações finais. A pesquisa sobre as manifestações do campo no estado de São Paulo constituirá mais um esforço reflexivo de nossa parte em colaborar com o debate acerca dos conflitos no campo paulista e a manutenção de um banco de dados para subsidiar novas pesquisas. 1. OBJETIVO GERAL O objetivo da pesquisa é estudar as manifestações camponesas, tendo como recorte temporal o período de 2000 a 2011, e como recorte espacial o estado de São Paulo, utilizando-se dos dados da CPT e DATALUTA no sentido de compreendê-las como mais um elemento do processo de espacialização da 15 luta pela terra, disputa territorial e disputas por modelos de desenvolvimento para o campo paulista. 1.1. Objetivos específicos  Auxiliar na manutenção da sistematização dos dados de registros de manifestações do DATALUTA para o estado de São Paulo;  Fornecer os dados sistematizados das manifestações para a CPT, com a finalidade de aperfeiçoar o debate sobre os procedimentos teórico- metodológicos da pesquisa e manutenção de um banco de dados;  Compreender os significados e sentidos das diferentes formas de manifestações, identificando elementos como os tipos e espaços onde as manifestações ocorreram, suas especificidades, reivindicações e movimentos socioterritoriais atuantes;  Analisar por meio de representações cartográficas a espacialização e territorialização da luta pela terra no estado de São Paulo;  Compreender os conceitos de espacialização da luta pela terra, território material e imaterial, paradigmas do capitalismo agrário e da questão agrária e desenvolvimento territorial; 16 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para um melhor entendimento, vamos dividir em duas partes o detalhamento dos procedimentos de trabalho: primeiro vamos falar como fomentamos e mantemos atualizado o banco de dados da categoria Manifestações do Campo para o DATALUTA. Em seguida vamos detalhar os procedimentos que utilizamos para esta pesquisa. Cabe ressaltar, que a parte teórica, o levantamento, aprimoramento e aprofundamento da bibliografia, juntamente com os debates em eventos científicos, colóquios e reuniões de orientações foram trabalhados durante toda a pesquisa, assim como a sistematização do banco de dados. Como já dito, a Rede DATALUTA é composta por grupos de pesquisa de diferentes estados. Dessa forma, o NERA ficou responsável em registrar as manifestações do estado de São Paulo para alimentar o banco de dados DATALUTA dessa categoria. Desde 2009 é o trabalho do DATALUTA Jornal que fornece dados para os registros da categoria Manifestações do Campo, bem como também para a categoria Ocupações e Movimentos Socioterritoriais, como mostra a Figura 1: Figura 1: Organograma de procedimentos metodológicos Fonte: Metodologia DATALUTA Jornal, 2011. Org.: Francisca de Souza Campos e Tiago Egídio Avanço Cubas. 17 O DATALUTA Jornal é um acervo onde estão reunidos, organizados e sistematizados recortes de jornais impressos que trazem notícias relacionadas à questão agrária brasileira. É um banco de dados trabalhado diariamente. Para sua confecção são olhadas, recortadas, digitadas e armazenadas notícias dos jornais4 O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Oeste Notícias, O Imparcial, Brasil de Fato e Jornal do Movimento Sem-Terra, notícias essas que estejam dentro dos temas pré- estabelecidos pela metodologia do Jornal, ou seja, temas sobre a questão agrária. Através desse processo é que obtemos notícias que dizem respeito às manifestações (Figura 2). Selecionada a notícia pela leitura dos jornais, ela é digitalizada e digitada numa planilha do software Excell. A digitalização é uma forma de preservarmos a fonte de nosso banco de dados para uma leitura mais apurada, ou para a conferência. Segue exemplo de uma notícia digitalizada: Figura 2: Notícia de jornal digitalizada Fonte: Acervo DATALUTA Uma outra forma de abastecermos o banco de dados das Manifestações do Campo é através de notícias on-line. Para isso utilizamos três formas de pesquisa: o 4 Os jornais Oeste Notícias e O Imparcial são de circulação regional de Presidente Prudente, localização da FCT e do grupo de pesquisa NERA. Logo, vemos aqui a importância da Rede DATALUTA no que diz respeito à manutenção de um banco de dados o mais próximo possível à realidade, pois os jornais de circulação regional de cada grupo de pesquisa em seus estados contribuem para a captação das notícias de forma a maximizar o registro da espacialidade das ações. 18 Alerta Google e a pesquisa nas páginas dos movimentos socioterritoriais5. O Alerta Google é uma ferramenta disponibilizada gratuitamente pela empresa Google que basicamente “são atualizações, enviadas por e-mail, dos mais recentes resultados relevantes do Google (web, notícias etc) com base em suas consultas” (GOOGLE, 2012, p. 1)6, ou seja, com base nessas palavras-chaves cadastradas o usuário recebe notificações em sua caixa de e-mail, bastando apenas fazer a conferência do que interessa. Da mesma forma como as notícias de jornais impressos, as informações retiradas da internet são digitalizadas (Figura 3) e registradas na planilha da mesma forma. Figura 3: Notícia retirada do site do MST Fonte: Acervo DATALUTA. Após essa compilação através das fontes que utilizamos, as notícias são digitadas na planilha que podemos ver na Figura 4 abaixo: 5 Um dos trabalhos desenvolvidos pela categoria Movimentos Socioterritoriais é registrar informações dos movimentos socioterritoriais atuantes no país, incluindo-se nessas informações, dentre outras, os endereços dos sites que essas organizações possam ter. 6 Disponível em: . Acesso em: 26 ago. 2012. http://www.google.com/alerts?hl=pt-BR 19 Fi gu ra 4 – P la ni lh a de re gi st ro d a C at eg or ia M an ife st aç õe s do D AT AL UT A Fo nt e: B as e D A TA LU TA d e M an ife st aç õe s 20 A planilha é dividida em colunas que trazem informações específicas. As quatro primeiras colunas trazem informações a respeito da localização geográfica das manifestações, que são, respectivamente: macrorregião, unidade federativa (UF), microrregião e município. A coluna “Tipos de manifestação” traz a informação do tipo da ação informada pela notícia. Já a coluna “Local (is)” registra o local em que foi realizada a manifestação. A seguinte é a coluna “Número de pessoas”, utilizada para o registro do número das pessoas participantes informados7. A coluna próxima, “Nome/sigla da organização” informa a sigla do movimento que realizou o ato. As três colunas seguintes informam, respectivamente, o dia, mês e ano da manifestação. A coluna “Grupo” informa o grupo de pesquisa da Rede DATALUTA que registrou e coluna “Ordem” exibe a cronologia do registro. Na coluna “Observações” é registrado qual foi o motivo e a reivindicação da manifestação, seguida pelas colunas “Fonte A”, “Fonte B”, “Fonte C”, e assim por diante, o quanto forem necessárias, que vão trazer o nome do arquivo digitalizado das fontes. Esses arquivos são nomeados com o dia, mês e ano da notícia (ex.: 19082012.pdf). Veja que essas informações detalhadas quando combinadas, fornecem uma gama de possibilidades de estudo e análises, como esta pesquisa tenta trazer, e esse rigor no detalhamento dos registros facilitam e muito o trabalho num banco de dados extenso como o DATALUTA. As planilhas contêm o registro das ações dos movimentos socioterritoriais mês a mês. Desse modo, mensalmente o NERA envia ao grupo de pesquisa LAGEA a planilha junto com os arquivos digitalizados das notícias. O LAGEA é o grupo que centraliza todos os registros de manifestações da Rede DATALUTA, conferindo e repassando à CPT com a intenção de dar continuidade a esse trabalho além de fomentar o debate sobre os procedimentos de levantamento para pesquisa e também fornecer dados não coletados pela Pastoral. Essa relação próxima à Comissão Pastoral vem contribuindo de maneira muito significativa com nossas pesquisas. Desta maneira é que mantemos e abastecemos mensalmente o banco de dados da categoria Manifestações do Campo. 7 A metodologia do registro da categoria Manifestações do Campo, para o DATALUTA, difere da categoria Ocupações de Terra no diz respeito ao número de pessoas/famílias. Para as manifestações utilizamos número de pessoas e para as ocupações utilizamos número de famílias. Caso seja necessário cálculos, utilizamos a média do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de quatro pessoas por família. 21 A outra parte da pesquisa veio com a nossa solicitação dos registros da Comissão Pastoral da Terra. Como ressaltado, a categoria específica das manifestações foi criada em 2009, o que tornava o volume de dados muito pequeno para alguma análise. A CPT nos forneceu os dados de manifestações do país todo e com um recorte temporal de 2000 a 2011. Logo, neste ano, constituímos um banco ainda maior, com mais de uma década de ações e mais de sete mil manifestações registradas. Para não haver dados duplicados a partir de 2009, quando passamos a registrar também, adotamos o procedimento da confrontação e incorporação8. A confrontação foi realizada entre os dados do NERA e da CPT para os anos de 2009, 2010 e 2011, onde demos prioridade aos dados da Comissão Pastoral por se tratar de uma entidade com grande experiência nessa categoria de dados e que realiza registros em campo (fonte primária). A incorporação de dados configura a manutenção de um banco o mais fiel possível à realidade, mais completo, contribuindo com a espacialidade das ações, que podem contemplar projetos, políticas públicas, pesquisas científicas, enfim, podem contribuir analiticamente com os questionamentos agrários do país. O estudo da bibliografia e a sistematização de dados por si só não nos fornecem subsídios para o entendimento da realidade, por isso a ida a campo foi essencial para trazer mais elementos. Para esta pesquisa o trabalho de campo consistiu em uma entrevista9 com uma das lideranças estaduais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Como essa liderança é responsável pela organização da “Frente de Massas”, grupo que efetiva os enfrentamentos através de ações coletivas, as informações conseguidas, para compreendermos a importância que as manifestações têm na luta pela terra, bem como no entendimento de alguns elementos das suas formas. Este trabalho cuidadoso na compilação, sistematização dos dados e trabalho de campo fomentaram esta pesquisa, assim como podem fomentar diversos outros estudos. De forma geral, os materiais empregados na realização deste estudo foram:  Acervo de livros das bibliotecas da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e seus grupos de pesquisas, teses, dissertações, monografias e artigos produzidos por seus pesquisadores; 8 Evidenciamos também dados que somente nós havíamos registrados, desta forma os incorporamos a esse banco de dados. 9 A entrevista foi realizada nos dias 6 e 7 de outubro no município de Sandovalina – SP. 22  Pesquisa na Internet;  Cadernos da CPT;  Acervo de recortes DATALUTA Jornal;  Software Microsoft Excel, Philcarto e Corel Draw. 23 3. O ESTADO DE SÃO PAULO: OS NÚMEROS DA LUTA PELA TERRA Ao adotarmos como recorte espacial o estado de São Paulo a intenção foi revelar as disputas que envolvem as correlações de forças no campo paulista que, como ressalta Cubas (2012a, p. 182) “não se separa da questão agrária brasileira e mundial, mas que tem suas peculiaridades, semelhanças, contrastes, atrelamentos, desagregações e etc.”. Para seguirmos nessa contextualização, consideramos a pesquisa básica iniciar-se pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em síntese o estado apresenta uma população de 41.262.199 pessoas de acordo com o Censo 2010 do IBGE, com um total de 645 municípios distribuídos numa área de 248.196, 960 quilômetros quadrados. O gráfico abaixo (Gráfico 1) nos mostra a evolução populacional urbana e rural que auxilia na compreensão da dinâmica do êxodo rural e também do aumento expressivo da população urbana: Gráfico 1 – São Paulo – População urbana e rural de 1950 a 2010 Fonte: Cubas, 2012a. p. 182. Ao observar esse gráfico vemos como a população urbana aumentou, cerca de oito vezes em seis décadas. Já a população rural, apesar de um crescimento em 1960 tem atualmente menos da metade do contingente de 1950. O êxodo rural de 1970 observado no gráfico está inserido num contexto de modernização da 24 agricultura no país que desempregava ou tornava os camponeses não competitivos, pois o acesso a essa modernidade da produção necessitava de um capital de investimento (CUBAS, 2012a). Utilizando como fonte de dados o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Cubas (2012a) elenca três índices que ajudam a revelar o cenário do estado de São Paulo no que diz respeito ao seu desenvolvimento nas dimensões econômicas e sociais, que têm desdobramentos na questão agrária. Começamos com o Índice de Desenvolvimento Humano10 nos anos de 1991 e 2000 que ajuda a compreender o estado de São Paulo no que diz respeito a relação entre dados econômicos, sociais e culturais. O IDH: Diferentemente da perspectiva do crescimento econômico, que vê o bem-estar de uma sociedade apenas pelos recursos ou pela renda que ela pode gerar, a abordagem de desenvolvimento humano procura olhar diretamente para as pessoas, suas oportunidades e capacidades. A renda é importante, mas como um dos meios do desenvolvimento e não como seu fim. É uma mudança de perspectiva: com o desenvolvimento humano, o foco é transferido do crescimento econômico, ou da renda, para o ser humano. (PNUD, 2012, p. 1. Grifo nosso.) Três dimensões básicas são analisadas por esse índice: renda, educação e saúde. Mas “o IDH pretende ser uma medida geral e sintética que, apesar de ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, não abrange nem esgota todos os aspectos de desenvolvimento.” (PNUD, 2012, p.1). Um fato notável nos números do IDH paulista no período diz respeito a amplitude, ou seja, a diferença entre o maior e o menor IDH apresentados. Apesar de um aumento no IDH dos municípios, a diferença entre o maior e o menor manteve-se na mesma média. Evidencia então, de acordo com as dimensões utilizadas por esse índice, que houve um aumento da renda, do acesso à educação e também à saúde que não segue um padrão de equalização em todos os municípios. (CUBAS, 2012a). A prancha abaixo (Prancha 1) comparando os anos de 1991 e 2000 para o IDH possibilita realizar uma leitura no sentido de visualizar o aumento da renda e acesso à educação e saúde, pois visualmente o mapa torna-se mais claro, já que quanto mais próximo ao tom de cinza escuro menor é o IDH. 10 “O Índice de Desenvolvimento Humano é um índice criado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen.” (CUBAS, 2012, p. 180). 25 26 Para seguir na análise e na contextualização do estado concordamos com Cubas (2012a) que ressalta a importância de se levar em conta mais indicadores para serem analisados num contexto. Para isso elencamos também como importantes para contribuir na análise os Indicadores de Pobreza Relativa e Concentração de Renda, todos no mesmo período comparativo de 1991 e 2000. Outro índice que vai ajudar na proposta da contextualização do estado é o Índice ou Coeficiente de Gini11. Esse índice afere a desigualdade na distribuição de renda e a prancha comparativa (Prancha 2) permite analisar através das cores como se dá essa desigualdade no estado de São Paulo. 11 “O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda.” (WOLFFENBÜTTEL, 2012). Disponível em: . Acesso em: 01 set. de 2012. http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2048:catid=28&Itemid=23 http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2048:catid=28&Itemid=23 27 28 As cores claras, mais próximas de zero, significam que a distribuição de renda não se dá de forma tão desigual. Já as cores escuras indicam o oposto, ou seja, a concentração de renda. Logo, ao olharmos para os mapas percebemos claramente como que, de maneira geral, a desigualdade e a concentração se acentuaram, por exemplo, nas regiões do Vale do Paraíba, Pontal do Paranapanema, Vale do Ribeira e Grande São Paulo, indicando terem um aumento na concentração da renda. O autor destaca que mesmo os municípios que estavam entre os menores índices do estado “todos esses municípios sofreram aumento de concentração de 1991 para 2000.”, ou seja, aqueles que estavam entre os menores índices em 1991 apresentaram um aumento da sua concentração nos anos 2000. Então conclui que “concentração de renda tem realmente aumentado no estado de São Paulo.” (p. 190). Para continuar complementando a análise, temos o índice de pobreza que “mede a distância que separa a renda domiciliar per capita média dos indivíduos pobres (ou seja, dos indivíduos com renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza de R$ 75,50) do valor da linha de pobreza” (PNUD, 2012, p.1). A prancha abaixo (Prancha 3) mostra a evolução comparativa entre os anos de 1991 e 2000: 29 30 A percepção visual mostra que a pobreza se acentuou (municípios com as cores mais próximas ao vermelho) em algumas regiões do estado como o Vale do Ribeira, Noroeste Paulista, Alta Mogiana e também na Grande São Paulo. A evolução desse índice acaba por se contrapor à evolução do IDH apresentado na prancha anterior para o mesmo recorte temporal. Uma contradição que revela a importância de não se analisar índices isoladamente (CUBAS, 2012a). Cubas (2012a, p. 187-188) afirma que: É importante, além da visão nítida exposta no mapa do aumento da intensidade da pobreza, observarmos que dos 645 municípios paulistas cadastrados para mapeamento, apenas 228 municípios conseguiram amenizar a intensidade da pobreza, e no maior caso foi amenizado, estatisticamente, 17% do total (Mairinqui). O restante, ou 417 municípios, praticamente dois terços dos municípios paulistas sofreram com o aumento da intensidade da pobreza [...] O acirramento da pobreza é então abordado para demonstrar que o discurso de estado mais rico fazendo referência a São Paulo, também significa dizer que é um dos estados que tem mais pobres no Brasil. E a pobreza nas áreas rurais é mais concentrada. Concomitante a esse cenário, nos últimos vinte anos, o agronegócio, principalmente na representação do setor sucroalcooleiro, teve uma expressiva expansão no estado, onde “[...] a produção total da cana em 1990 era de 137.835.000 toneladas com 1.811.980 hectares, e aumentou para 386.061.274 toneladas com 4.914.670 hectares em 2008 [...]” (CUBAS, 2012a, p. 205). Desta forma, Cubas (2012b, p. 1) ainda afirma que “as políticas públicas a favor da agroindústria de cana e etanol foram acompanhadas pelas políticas compensatórias e assistencialistas em vez de políticas emancipatórias para os sem-terra.” Os Mapas 1 e 2 do índice de Gini da estrutura fundiária12 para o Brasil e São Paulo respectivamente, evidenciam como esse cenário traçado por Cubas (2012) ainda persiste no ano de 2011: a concentração de renda e terra. Observamos no Mapa 1 como o Brasil apresenta um alto índice de concentração de terra, predominando as cores mais próximas ao vermelho escuro. No Mapa 2 obervamos como em São Paulo a predominância da concentração de terras também é fato. 12 Informações extraídas dos relatórios Relatório DATALUTA Brasil 2011 e Relatório DATALUTA São Paulo 2011. 31 32 33 Moura; Victor; Cleps Júnior (2012, p. 1-2) afirmam que: Em pleno século XXI, diante do desenvolvimento alcançado nos últimos anos em relação aos demais países do mundo, o Brasil ainda continua atrasado do ponto de vista socioeconômico e das desigualdades. [...] A concentração de riquezas nas mãos de poucos, de uma elite dominante, [...] é a principal causa de inúmeros problemas enfrentados pela população. Nessa perspectiva, concentração de riquezas remete à concentração de terras [...] Diante dessa concentração, tem-se como resposta a luta pela terra, a partir dos movimentos sociais do campo e suas estratégias de luta [...] As manifestações sociais, neste sentido e principalmente as relacionadas ao campo, representam importantes instrumentos estratégicos de luta, capacidade de articulação e organização dos movimentos sociais, despertando na população e aos órgãos públicos as discussões sobre o contexto social brasileiro e em especial os problemas e dificuldades no campo. Origuela (2011) destaca que o avanço do agronegócio, como o setor de agrocombustíveis, acaba sendo um dos elementos da questão agrária brasileira atual que dificulta a territorialização dos camponeses nos assentamentos rurais, pois fomenta o embate territorial entre o capital e o campesinato. Ainda ressalta que: Indubitavelmente está em curso um cenário dispare e complexo, em que o capital utiliza-se das mais diferentes estratégias para cooptar e subalternizar o campesinato, enquanto este tenta, organizado em movimentos socioterritoriais, ultrapassar, com dificuldades, as barreiras impostas. (ORIGUELA, 2011, p. 30). Percebemos que a conjuntura socioeconômica e a conjuntura do campo paulista favorecem a intensa conflitualidade retratada pelos números do Relatório DATALUTA São Paulo 201113. Para situar as manifestações como mais um elemento da questão agrária no estado de São Paulo consideramos importante traçar uma breve contextualização dos números da luta pela terra antes. Começamos pelos números das ocupações de terra. Marcelo Carvalho Rosa (2012, p. 511) considera que “as ocupações de terra são hoje a principal estratégia de ação coletiva adotada por movimentos sociais que lutam pela realização de uma reforma agrária no Brasil.”. As últimas décadas mostraram que essa forma de ação foi a principal estratégia de enfrentamento dos movimentos socioterritoriais para questionar a estrutura agrária brasileira e também reivindicar a melhor distribuição dessas terras concentradas, como mostraram os Mapas 1 e 2 (ROSA, 2012): 13 Para ver mais: www.fct.unesp.br/nera. http://www.fct.unesp.br/nera 34 O sentido das ocupações muda significativamente a partir da década de 1960, quando começam a ser organizadas coletivamente e a se voltar para a reivindicação não apenas da posse, mas também da propriedade. É nesse momento que passam a estar diretamente associadas às reivindicações por Reforma Agrária.(ROSA, 2012, p. 511). A tabela abaixo (Tabela 1) mostra o número de ocupações e de famílias participantes no estado. Tabela 1 - São Paulo – Número de ocupações e de famílias por região administrativa 1988-2011 Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra, (DATALUTA), 2012. www.fct.unesp.br/nera. A região de Presidente Prudente é a que mais se destaca em ocupações de terra no período, seguida da região de Sorocaba e Araçatuba. O Mapa 1 nos ajuda a visualizar a espacialização dessas ocupações no estado. Percebemos como essas ações são praticadas em boa parte dos municípios paulistas, sendo bastante relevante as ações no extremo oeste do estado, principalmente a área do Pontal do Paranapanema. http://www.fct.unesp.br/nera 35 36 Essas ações são praticadas por uma variedade de movimentos socioterritoriais, como mostra o quadro (Quadro 1), alguns atuando somente em uma região administrativa, outros atuando em várias. Nesse processo, a fração do território é conquistado na espacialização da luta, como resultado do trabalho de formação e organização do Movimento. Dessa forma, o território conquistado é trunfo e possibilidade da sua territorialização na espacialização da luta pela terra. (FERNANDES, 1994, p. 182). O quadro é bastante didático pra visualizarmos a espacializações desses 33 movimentos que atuaram no estado, objetivando conquistar essas frações do território. Quadro 1 - São Paulo – Movimentos socioterritoriais e regiões onde atuaram no estado - 2000-2011 Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), 2012. www.fct.unesp.br/nera. http://www.fct.unesp.br/nera 37 A prancha (Prancha 4) que vem logo em seguida destaca a espacialização dos seis movimentos mais atuantes com número de famílias no estado no período14. Elencar os seis primeiros movimentos socioterritoriais é uma prática de análise adotada para o Relatório DATALUTA, de onde foram retirados os dados. O destaque vai para a espacialidade do MST que territorializa a luta pela terra em várias regiões administrativas e, consequentemente, em vários municípios. Percebemos como o MST é o movimento que mais realiza ocupações sendo também o mais espacializado. O MST da Base foi fundado no ano de 2008 no estado de São Paulo, devido à dissidência com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, assim como o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST). O Movimentos dos Agricultores Sem Terra (MAST), tem como ano de fundação 1998 no estado de São Paulo, mais especificamente na região denominada Pontal do Paranapanema. Outro movimento socioterritorial entre os 6 mais atuantes, é a Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (FERAESP), sendo fundado em 1989 como dissidência da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo. E, por fim, temos o movimento Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF), fundada no ano de 2001, segundo o site oficial.. 14 Ver mais em: DALPERIO, L. C. Banco de Dados da Luta pela Terra: atualização do cadastro dos movimentos socioterritoriais para 2011. Relatório de pesquisa CNPq –Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Presidente Prudente, 2012. 38 39 Se compararmos a espacialização mostrada na Prancha 4 com o Mapa 2 de assentamentos, apresentado a seguir, veremos que, em grande parte dos municípios, onde há a luta pela terra e onde os movimentos socioterritoriais estão atuando, há assentamentos. Por isso, entendemos também como Origuela (2011), que os assentamentos são a territorialização dos camponeses que lutam pela terra. Leite (2012) considera que o surgimento dos assentamentos rurais como um elemento da questão agrária brasileira é um fato marcante, principalmente da década de 80 para cá: Com os assentamentos, ganham projeção também os seus sujeitos diretos, isto é, os assentados rurais, bem como os movimentos e as organizações que, em boa parte dos casos, garantiram o apoio necessário para que o esforço despendido ao longo de lutas as mais diversas resultasse na constituição de projetos de Reforma Agrária, também conhecidos como assentamentos rurais. Assim, em diferentes situações, número expressivo de trabalhadores que participaram de processos de ocupação de terra deixaram de ser acampados para se tornarem, num momento seguinte, assentados. (LEITE, 2012, p. 110). Leite (2012) ressalta que as políticas de assentamentos têm sido fomentadas a posteriori da ação dos movimentos organizados que militam pela bandeira da reforma agrária, ou seja, aquilo que ressaltamos, que se fizermos uma sobreposição dos mapas das ocupações e o mapa dos assentamentos rurais (Mapa 2) veremos que os assentamentos estão localizados nas regiões em que a luta pela terra, materializada nas ocupações, se destaca. Tabela 2 – São Paulo – Número de assentamentos rurais – 1979-2011 Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), 2012. www.fct.unesp.br/nera. http://www.fct.unesp.br/nera 40 41 Tarrow (2009, p. 28), embasando-se em Marx, revela o que pode motivar as ações coletivas e ajuda a entender a luta pela terra no estado de São Paulo: Marx, de modo geral, respondeu à questão de como os indivíduos se envolvem em ações coletivas em termos historicamente determinados: as pessoas se engajarão em ações coletivas, ele pensou, quando sua classe social entrar numa contradição totalmente desenvolvida com seus antagonistas. No caso do proletariado isso se referiria ao momento em que o capitalismo o forçou a produção em larga escala nas fábricas, onde perdeu a posse de suas ferramentas, mas desenvolveu os recursos para agir coletivamente. Este trecho permite uma relação com o campo paulista. As ações coletivas hoje estão colocadas como resistência ao modelo do capital concentrador, produtor em grande escala, em grandes extensões de terras que retira a posse da ‘ferramenta’ de existência da classe camponesa: a terra. Com esta breve contextualização acreditamos ser mais palpável visualizar onde as manifestações dos movimentos socioterritoriais camponeses, nos seus mais variados tipos, se encaixam nesse processo de luta pela terra no estado de São Paulo. Luta essa que é reflexo da conflitualidade existente entre o modelo camponês de desenvolvimento e o modelo agroindustrial de desenvolvimento (FERNANDES, 2008). 42 4. ESTUDO DAS MANIFESTAÇÕES DO CAMPO Neste capítulo abordaremos as manifestações dos camponeses no estado analisando sua espacialização, seus tipos, os espaços alvos das ações, os movimentos socioterritoriais atuantes e as reivindicações. A espacialização das manifestações no estado será analisada através de mapas interpretados à luz do conceito de espacialização da luta pela terra (FERNANDES, 1994). Estamos entendendo as manifestações como a "espacialização das práticas e formas de luta [...] na territorialização da luta pela terra” (FERNANDES, 1994, p. 120). No estudo da questão agrária, entendemos como Fernandes (1994), que as manifestações camponesas da luta pela terra constituem a sucessão de atos públicos com as quais materializam as reivindicações e proposições dos movimentos camponeses. Para entendermos os tipos traçamos um quadro geral, ainda em fase de aperfeiçoamento, com suas características principais no que diz respeito a sua forma. A identificação dos espaços das ações auxiliará no entendimento da relação entre as reivindicações com os alvos estrategicamente definidos para as ações. Assim, também evidenciaremos os movimentos socioterritoriais que realizaram manifestações no estado. Por fim, evidenciaremos também as reivindicações contidas nas diversas formas de manifestações mostrando o quão variadas elas podem ser. A entrevista com uma liderança estadual do MST auxiliou no entendimento de questões mais abrangente em relação às manifestações. Foi escolhido este movimento para o enfoque do campo devido a sua representatividade nas ações, onde mais de 70% das manifestações e das pessoas participantes do estado são integrantes do MST. Além disso, em todos os tipos de manifestações levantados na pesquisa havia a participação deste movimento socioterritorial. Acreditamos que com isso conseguimos ter um esclarecedor subsídio de informações que ajudam a entender as especificidades dessas ações. De acordo com as informações colhidas na entrevista, de uma maneira geral, assentados e acampados participam das ações, pois as pautas na maioria das 43 vezes se unem. A faixa etária também não é fator excludente, existe uma preocupação com a vida escolar das crianças, mas se não tiverem aula no dia de uma manifestação, por exemplo, são permitidas e incentivadas a participar da ação. Não há também distinção de gêneros, homens e mulheres podem participar. A exceção se dá no mês de março quando há um simbolismo pelo mês do Dia Internacional da Mulher15, onde as mulheres participam diretamente e exclusivamente nas ações. Veja bem que a participação exclusiva se dá nas ações, pois o antes e depois é realizado conjuntamente entre homens e mulheres. A liderança destaca que a jornada de lutas promovida no mês de abril começa em março, e que para o MST, o dia 8 de março é um dia de luta e não de festa e "as companheiras já dão o pontapé". (Liderança do MST em entrevista, 6 e 7 de outubro de 2012). O mês de abril16 para o MST também é carregado de simbolismo. Segundo a liderança, as pautas e as ações começam a ser planejadas no fim do ano, tendo início às mobilizações em março, com as mulheres, já focando o mês de abril. Esse planejamento é baseado por um estudo que o movimento chama de “análise de conjuntura” (Liderança do MST em entrevista, 6 e 7 de outubro de 2012) que evidencia as necessidades dos assentamentos e acampamentos. A análise se reflete nas estratégias das ocupações de terras e das reivindicações das manifestações. Destaca que o ponto principal de ação do movimento neste mês é a “atividade na terra”, ou seja, a ocupação, para depois se desdobrar em manifestações nos órgãos públicos, como o INCRA e ITESP, por exemplo. 4.1. A espacialização da luta pela terra 15 “Em 1975, a ONU oficializou o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. A fixação da data é o reconhecimento e o coroamento de um longo processo de lutas, organização e conscientização das mulheres, mas também de toda a da sociedade, na maior parte do mundo.” (IBGE, 2012). Disponível em: http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/mulher/home.html. Acesso em: 01 set. 2012. 16 “Desde o Massacre de Eldorado de Carajás (PA), quando 19 Sem Terra foram assassinados no dia 17 de abril de 1996, o dia 17 tornou-se o dia mundial da luta camponesa e o mês virou referência da memória dos camponeses mortos e da luta pela terra. Conhecido como “Abril Vermelho”, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST elegeu este mês para realizar várias manifestações.” (PEREIRA; SOUZA; FERNANDES, 2010, p. 2) http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/mulher/home.html 44 Neste subtópico a ideia é revelar o cenário das manifestações no estado como um todo e interpretá-las pelo conceito da espacialização da luta (FERNANDES, 1994). O gráfico abaixo (Gráfico 2) permite analisar como os movimentos camponeses agiram entre 2000 e 2011. Gráfico 2 – São Paulo – Manifestações do Campo – 2000-2011 – Relação do número de manifestações e pessoas envolvidas Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), 2012. Org.: Danilo Valentin Pereira, 2012. www.fct.unesp.br/nera. Notamos que as manifestações são práticas frequentes dos movimentos socioterritoriais, apesar de ápices e quedas tanto no número de ações, como no número de pessoas participantes. Nos últimos quatro anos elas têm se mantido com um número considerável, porém com reduzido grau de mobilização, sendo abaixo somente do ano de 2007, o que mostra a importância desta prática para os camponeses. Observamos o aumento no número de manifestações e de pessoas participantes em 2003 e 2004, tendo em 2005 menos ações, mas mais pessoas envolvidas. Depois observamos um aumento mais acentuado nos anos de 2006 e 2007, tanto em número de pessoas como em ações. Estes fatos podem ser interpretados se levarmos em consideração o período eleitoral do país, onde em 2002 e 2006 acontece o pleito nacional para eleição de presidente da república, senadores, deputados federais, deputados estaduais e governador do estado. Então, esses períodos destacados em números refletem a estratégia dos http://www.fct.unesp.br/nera 45 movimentos camponeses em acentuar as ações como forma de pressionar novas composições partidárias ou governos reeleitos e colocarem as questões do campo em pauta. Organizamos as manifestações no estado de acordo com as regiões administrativas, como vemos na tabela (Tabela 3) abaixo: Tabela 3 – São Paulo – Número de manifestações e pessoas por região administrativa Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), 2012. Org.: Danilo Valentin Pereira, 2012. www.fct.unesp.br/nera. Alguns municípios de destacam com elevado número de manifestações. Os seis primeiros em número de ações no estado são: São Paulo, Teodoro Sampaio, Presidente Prudente, Ribeirão Preto e Andradina. São Paulo se destaca e concentra o maior número de ações e pessoas por ser a capital e por isso ser o espaço do ‘poder de decisão’ do Estado, algo que vamos trabalhar nos próximos subtópicos. Destaca-se também por receber manifestações de outros movimentos, pois a “visibilidade e impacto na sociedade é maior quando se trata de ações nas capitais” (Liderança do MST em entrevista, 6 e 7 de outubro de 2012). Ao todo foram 93 manifestações com uma soma de 95.159 pessoas. Teodoro Sampaio, município da região administrativa de Presidente Prudente, aparece em segundo lugar de destaque no estado. Com um total de 35 http://www.fct.unesp.br/nera 46 manifestações e 11.150 pessoas, é destaque, dentre outros fatores, por uma questão geográfica, como ressaltou a liderança. Esse município acaba sendo o “centro geográfico” para os municípios vizinhos que possuem assentamentos e/ou acampamentos e, dada a presença de escritórios do INCRA e ITESP, atrai as manifestações, pois Presidente Prudente, que vem logo em seguida no ranking, fica muito mais distante, o que dificulta a logística para o MST, no caso, mobilizar pessoas para ir a Presidente Prudente. Fernandes (1994, p. 138) ainda destaca que o “MST realizou sua primeira ocupação na região do Pontal do Paranapanema [...] no distrito de Rosana, município de Teodoro Sampaio” 17. E a liderança destaca que houve grande concentração de acampamentos em Teodoro Sampaio em anos anteriores. Dentro da mesma região administrativa, temos Presidente Prudente com 26 manifestações e 13.427 pessoas nas ações. Menos ações, mas uma mobilização maior de pessoas. Isso se deve, segundo a liderança, pelo papel de influência que Presidente Prudente tem na região, fazendo uma espécie de papel da capital para o Pontal do Paranapanema, por isso é um polo regional e também sede da União Democrática Ruralista (UDR), a entidade que rivaliza a disputa territorial representando os grandes proprietários, fomentando um enfrentamento político e imaterial, diferente das ocupações de terras que têm um caráter de enfrentamento direto pelo território material: a terra. As manifestações no município demandam uma maior articulação devido a distância e avalia que a ida a Presidente Prudente deva ser com o objetivo de um impacto maior, excluindo-se grande parte das manifestações de caráter mais pontual. Em comparação as ocupações, atentamos para o fato da região de Presidente Prudente também ser destaque. Em seguida vem Ribeirão Preto, com um total de 21 manifestações e 10.052 pessoas envolvidas. A liderança destaca que o município abriga o Centro de Formação Sócio Agrícola “Dom Hélder Câmara”, um espaço muito utilizado que precedeu a construção da Escola Nacional “Florestan Fernandes” no município de Guararema. O Centro de Formação tinha o objetivo de, nas palavras da liderança, “cativar as pessoas” do local. O município também é considerado um grande pólo do agronegócio (CUBAS, 2012a) e concentra três grandes assentamentos, revelando a 17 Na época da ocupação (1990) Rosana ainda era distrito de Teodoro Sampaio, emancipando-se somente no ano de 1992. (FERNANDES, 1994). 47 conflitualidade que destacamos neste trabalho entre dois modelos de desenvolvimento para o campo. Na região de Araçatuba, o destaque é o município de Andradina com 20 manifestações e um total de 5.400 pessoas participantes. O município de Andradina se destaca, de acordo com a liderança estadual do MST, por alguns motivos, como a histórica territorialização do movimento no município e possuir a cooperativa do MST, a Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados e Pequenos Produtores da Região Noroeste do Estado de São Paulo, a (Coapar). Fernandes (1994, p. 58-77) evidencia algumas lutas que considera como a gênese do MST no estado de São Paulo e Andradina é destaque junto com o município de Castilho: [...] no campo, em diversos estados, aconteceram lutas localizadas que deram origem ao MST. [...] em São Paulo a luta dos posseiros da fazenda Primavera nos municípios de Andradina, Castilho e Nova Indepêndencia; [...] A luta de resistência dos posseiros da fazenda Primavera, nos municípios de Andradina, Castilho e Nova Independência, marcou a origem do MST no estado Os mapas (mapa 5 e 6) vão ajudar a visualizar a espacialização das manifestações no estado. 48 49 50 No sentido de compreender a espacialização na escala local entendemos como Fernandes (1994) na citação abaixo, que relata um caso onde acampados espacializam a luta ao evidenciar os problemas do campo em ações nas cidades: [...] os acampados desenvolvem algumas práticas da luta popular para levar a realidade do acampamento para a cidade. Uma das formas de informar a opinião pública sobre a sua situação e pressionar o Estado é a caminhada. A caminhada é um ato público em movimento, onde centenas de trabalhadores ocupam as rodovias percorrendo centenas de quilômetros, passando por diversas cidades, conquistando apoio e divulgando a luta pela terra. Outro ato público importante é a ocupação de prédios de instituições governamentais: secretarias, institutos, Palácio do Governo, etc. (FERNANDES, 1994, p. 180) Um exemplo do que pode representar as manifestações como atos que espacializam a luta pela terra em escala regional e estadual, e divulgam a causa camponesa, foi este episódio: Em abril de 1988, com a aproximação do prazo final, negociado para permanecerem acampados na fazenda Reunidas, o Movimento [MST] resolveu fazer uma caminhada (a maior já realizada no estado de São Paulo) de Promissão à São Paulo, para exigir do governador o assentamento das famílias [...] Durante 10 dias as famílias caminharam pela via Anhanguera, passando pelas cidades de Americana, Sumaré, Campinas, Jundiaí e São Paulo. Nestas cidades, inclusive em São José do Rio Preto, os trabalhadores realizaram atos públicos. [...] A caminhada chamou a atenção da opinião pública, tanto pelas manifestações quanto pela divulgação pela imprensa em geral. Em São Paulo, as famílias ocuparam o INCRA enquanto as lideranças negociavam com o governador Orestes Quércia. A comissão de negociação saiu do Palácio dos Bandeirantes com um documento assinado pelo governador garantindo o assentamento emergencial em 300 hectares até o final de 1988, quando seriam assentados definitivamente. (FERNANDES, 1994, p. 124-126). Esta caminhada18 passou por vários municípios, onde foi complementada por diversos atos públicos, terminando com uma ocupação de órgão público ligado à questão agrária. Com as informações materializadas no mapa dos tipos de manifestações, pode-se observar que as manifestações estão espacializadas no estado nos seus mais diversos tipos, em grande parte dos municípios paulistas, onde as marchas, caminhadas, romarias, e também a organização dos movimentos 18 No quadro traçado das tipologias veremos que não se tratou de uma caminhada e sim de uma marcha, de acordo com a diferenciação do MST entre marcha e caminhada. 51 socioterritoriais refletem a espacialização da luta, pois sintetizam “o movimento dos sujeitos, carregando suas experiências por diferentes lugares do território.” (FERNANDES, 1994, p. 177). Concordamos com o autor ao afirmar que: espacializar, portanto, é conquistar novos espaços, novos lugares, novas experiêcias, desenvolver novas formas de luta e, consequentemente, novas conquistas, transformando a realidade, lutando pelo futuro. Espacializar é registrar no espaço social um processo de luta. [...] É "escrever" no espaço através de ações concretas como manifestações, passeatas, caminhadas, ocupações de prédios públicos, negociações, ocupações e reocupações de terras, etc. (FERNANDES, 1994, p. 120). Essas ações que escrevem no espaço é o objetivo do tópico seguinte, que tentamos elencar algumas características principais em cada tipo de manifestação. 4.2. Tipologia A sistematização dos dados de manifestações permitiu evidenciar os tipos das ações dos movimentos socioterritoriais do campo no estado de São Paulo. A tabela (Tabela 4) mostra esses tipos levantadas. Para qualificar o entendimento destes variados tipos de ações coletivas (COMERFORD, 1999), utilizamos de bibliografias, trabalho de campo e debates realizados com orientadores e pesquisadores do NERA. Feliciano (2009) e Comerford (1999) foram nossas referências bibliográficas para a sistematização e qualificação da tipologia. Feliciano (2009) em seu trabalho sistematizou os dados da CPT oferecendo um quadro com o que ele denominou de “tipos recorrentes de manifestações materializadas por movimentos agrários, no início do século XXI”19 (FELICIANO, 2009. p. 134). Utilizamos também o trabalho de Comerford (1999, p. 127) que dedicou um capítulo de seu livro para o “estudo sobre ocupações de orgãos públicos por trabalhadores rurais”. Este autor tem um entendimento de que essas ações tratam-se de um repertório que estabelece “um certo ‘estilo’ de mobilização e 19 Esses tipos foram levantados por ele com um recorte temporal de 2001 a 2007, então Feliciano (2009) foi referência por usar a mesma fonte desta pesquisa, apenas variando o recorte temporal. 52 manifestação, cristalizando um repertório bem definido de formas de ação coletiva com visibilidade pública” (COMERFORD, 1999. p. 127). Tarrow (2009, p. 51) também trabalha com a ideia de “repertório de confrontos”. Conceitualmente, esse repertório de confrontos para Tarrow seriam “as maneiras através das quais as pessoas agem juntas em busca de interesses compartilhados” (TILLY, 1995. p. 41 apud TARROW, 2009, p. 51), o que vai ao encontro de nosso entendimento das ações dos movimentos camponeses na reivindicação de políticas públicas que veremos mais adiante. A partir de entrevista com liderança estadual do MST, conseguimos identificar e compreender os sentidos e significados de cada manifestação e articula-las em forma de tipologia. A entrevista foi bastante esclarecedora no auxílio ao entendimento desses tipos detalhadas abaixo. Apresentamos na Tabela 4 as estatísticas dos tipos de manifestações levantadas: Tabela 4 - São Paulo – Tipologia das manifestações – 2000-2011 Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA). Org.: Danilo Valentin Pereira, 2012. www.fct.unesp.br/nera. * Sem informação. Ao todo destacam-se 14 tipos de ações dos movimentos socioterritoriais. Consideramos importante então uma breve definição da tipologia baseada na leitura dos registros, notícias, bibliografia e na entrevista com a liderança estadual do movimento MST. Acampamento: esse tipo diz respeito aos acampamentos realizados em formas de protestos concentrados em espaços públicos nas cidades. Não se trata, portanto, de acampamentos à beira da estrada “ou em terras ocupadas, como http://www.fct.unesp.br/nera 53 espaço de resistência, sendo o resultado de ocupação de terra, ou como um espaço de articulação da preparação para as ocupações de terra” (FERNANDES, 2012. p. 23). Esse tipo de manifestação, segundo a liderança, segue uma orientação do Movimento (MST no caso) de permanecer por no máximo quinze dias. Houve um caso citado por essa liderança de uma permanência de trinta dias, mas o Movimento avaliou que trouxe muitos problemas internos e externos, não sendo então proveitosa essa extensão de tempo. Mas, em média, os acampamentos costumar perdurar por cinco dias, principalmente os realizados na capital. Segundo ele, os participantes viajam no domingo, ficam a semana e na sexta a noite retornam para os seus locais de origem. Essas ações têm 4% em número de ações e quase 2% em número de pessoas. Bloqueio de rodovia: são manifestações nas quais os integrantes dos movimentos socioterritoriais se arriscam ocupando rodovias para bloqueá-las como forma de protesto. Esse tipo de ação tem sido utilizada com frequência e em algumas ocasiões o uso da violência pelas forças policiais tem sido o desfecho (COMERFORD, 1999). Essas rodovias podem ser estaduais ou federais. Nossas fontes trazem também informações de bloqueios de vicinais e avenidas. Consideramos também esses casos como bloqueio de rodovias como uma forma de evitar muitas especificidades nos tipos das ações, por vicinais e avenidas não se tratarem de rodovias, o que dificultaria análises, uma vez que estariam muito fragmentadas. Optamos por isso, pois na essência a ação tem o mesmo objetivo: parar uma via. A diferença estará na importância que certas vias têm para a manifestação, ou seja, uma via de maior importância para o estado terá um poder maior de visibilidade para a ação dos movimentos. Segundo a liderança, a paralisação segue uma orientação para durar aproximadamente de oito a trinta minutos. O Movimento avalia que durando mais do que isso há um prejuízo a toda a sociedade, e essa não é a intenção. Há uma projeção também do tempo que as forças policiais levam em média vinte minutos para chegar onde o bloqueio está sendo realizado e a intenção não é do enfrentamento com a polícia. Durante o bloqueio é realizada uma distribuição de panfletos informando aos motoristas quais as causas e a reivindicação daquela ação. Os bloqueios são realizados, majoritariamente, por uma “militância mais esclarecida”, pois, segundo a liderança, os bloqueios são alvos de muita hostilidade pelos motoristas na entrega dos panfletos. Existe um cuidado especial com ambulâncias e veículos que possuem 54 passageiros com algum tipo de problema e então são liberados a passar nos bloqueios. Ações desse tipo têm quase 13% das ações e 6,5% das pessoas participantes. Caminhada/Marcha: são manifestações em movimento que podem percorrer vias de um município ou até mesmo ir de um município a outro(s). Consideramos em nossos registros o município onde se iniciou a manifestação. A liderança explica que para o MST as caminhadas diferem das marchas com relação a distância percorrida, onde acima de 100 quilômetros são determinadas como marchas. Consideramos esses dois tipos juntos seguindo a mesma linha de opção teórica de considerar bloqueio de avenidas e vicinais também como bloqueio de rodovias: a lógica das marchas e caminhadas é a mesma, ou seja, uma manifestação em movimento que percorre certas distâncias. Os registros traziam informações das ações como ‘marchas’, outros como ‘caminhadas’, optamos então por manter os dois. Como explica Feliciano (2009, p. 134), “a finalidade desse agrupamento foi entender a característica principal e marcante da manifestação”, já que nos registros “no tipo de manifestação denominada marchas/caminhada, há Romarias da Terra, Marcha das Margaridas, dos Sem Terrinha etc.” (FELICIANO, 2009. p. 134). Comerford (1999, p. 128) afirma que esta prática de ação vem sendo realizada pela Igreja Católica há anos em vários estados, “envolvendo grande número de trabalhadores rurais representando comunidades rurais” e essas romarias, chamadas de Romaria da Terra, tem forte cunho religioso, sendo finalizadas em grandes celebrações religiosas em locais representativos e simbólicos da luta pela terra. “Geralmente essas caminhadas alcançam considerável visibilidade, ganhando destaque na imprensa.” (COMERFORD, 1999, p 128). Também diz que essas ações nas cidades, principalmente nas capitais, destacadamente praticadas, podem envolver algumas dezenas ou milhares de pessoas (COMERFORD, 1999). A tabela acima evidencia como o número de pessoas é elevado. A intenção dessas ações é percorrer um traçado estrategicamente definido, passando por avenidas consideradas principais e “escolhendo como pontos de concentração praças centrais ou a entrada de prédios do governo” (COMERFORD, 1999, p. 128). O interessante destacado pela liderança é em relação a organização das marchas, principalmente, que demandam uma maior organização devido a quantidades de dias que os integrantes do movimento levam para percorrer as distancias objetivadas. Segundo nos relatou, os camponeses levantam logo pela manhã, tomam café e saem para percorrer o 55 percurso, dessa forma é necessária uma divisão de tarefas com a organização “de uma turma que só caminhava, de uma turma que só cozinhava e de uma turma que só limpava.” (Liderança do MST em entrevista, 6 e 7 de outubro de 2012). A marcha tem como procedimento começar pela manhã e terminar o percurso do dia no começo da tarde, estabelecendo metas em média de 30Km/dia. Pela tabela acima vemos que em número de ações as marchas e caminhadas representam 12%, mas em número de pessoas participando têm uma expressividade de 43%. São ações com forte poder de concentrar pessoas. Celebração religiosa: esse tipo de manifestação foi considerada a partir do trabalho de Feliciano (2009). Os registros não traziam informações específicas de manifestações com essa nomenclatura. O banco de dados traz a informação de que são duas celebrações em memória de falecimentos de ativistas e uma manifestação que traz a informação de se tratar de uma ‘celebração’ somente em um assentamento. Então a palavra ‘celebração’, e principalmente em memória a um falecimento, tem obviamente esse cunho religioso. Comerford (1999, p. 129) caracteriza essas ações dessa forma também, afirmando que são ações que marcam datas “especialmente significativas, como assassinato de alguma liderança do movimento”. A liderança ainda fala sobre a abertura em relação a celebrações de diversas orientações religiosas presente nos assentamentos e acampamentos que atendam essas diferentes religiões e seus praticantes. Estas ações não representam nem 1% das ações e pessoas envolvidas. Concentração em espaços públicos: este tipo originou-se de uma falta de informação das fontes e também teve importância direta a contribuição de Feliciano (2009). Inicialmente definimos como Concentração pública em nossas primeiras sistematizações, tratado no trabalho deste autor. A partir daí, todos os registros sem informações completas passaram a ser considerados “concentração em espaços públicos”. Como exemplo, podemos citar os registros em nossos bancos de dados que trazem informações do tipo “Protesto”, “Ato”, “Ato público”, “Manifestação”, “Manifesto” em determinado espaço ou local. São informações que não revelam o tipo da ação na sua leitura, necessitando a criação da nomenclatura da ação, que foi feita por Feliciano (2009). Porém, em reuniões de orientação na sistematização desses dados sentimos a necessidade de dar um caráter geográfico mais específico para essas ações de protestos, atos e manifestações, decidimos então por utilizar a nomenclatura Concentração em espaços públicos. Para nós o interessante é 56 considerar o que Carneiro (2012, p. 10), embasando-se em David Harvey, destaca na análise que faz sobre os movimentos “de indignados e por liberdades democráticas” que eclodiram no mundo a partir de 2011, como o Occupy Wall Street nos Estados Unidos e os Indignados na Espanha: essas manifestações, assim como as dos movimentos socioterritoriais, são a “união dos corpos no espaço público” reivindicando e mostrando o descontentamento com a situação em que vivem. As concentrações em espaços públicos tem uma representatividade de pouco mais de 30% das ações e mais de 25% das pessoas participantes. Interdições: definimos como interdições o bloqueio ao acesso de determinados espaços. Temos em nossos registros três interdições: dois bloqueios, sendo um impedindo a entrada na Usina Hidrelétrica Sérgio Mota, outro impedindo a entrada no Horto Florestal Brasília e uma ocupação do acesso à Usina Alcídia. O número de ações e pessoas envolvidas não representa um por cento. Aqui consideramos estabelecer alguns pontos trazidos por Comerford (1999) no entendimento a ocupações de órgãos/prédios públicos e privados, de uma forma geral. Consideramos que as formas de ação nos tipos de ocupações trazidas por essa pesquisa (agências bancárias, prédios públicos, privados e público/privados) são parecidas, o que as difere uma das outras são os espaços das ações que vão se refletir nas variadas reivindicações e objetivos com a ocupação desses espaços que evidenciaremos no próximo subtópico deste capítulo. O autor revela que os ocupantes costumam levar para as ações utensílios pessoais e necessários a uma, talvez, permanência duradoura, além de “bandeiras, manifestos, instrumentos musicais e instrumentos de trabalho” (COMERFORD, 1999, p. 131), pois podem durar algumas horas ou até mesmo dias o desenrolar dessas ocupações de órgãos e prédios. Ao que tange os desdobramentos das ocupações, podem variar dependendo de uma série de fatores, onde o autor coloca que: Durante o período que o prédio está ocupado, há algumas variações em termos da “rigidez” da ocupação. Os ocupantes podem deixar que os funcionários continuem trabalhando mais ou menos “normalmente”, limitando-se a ocupar apenas algumas salas ou andares do prédio. Ou podem interromper deliberadamente o funcionamento do órgão. Podem reter alguns funcionários (sempre funcionários graduados, como os diretores locais do órgão, gerentes do escritório etc) durante algumas horas, durante um dia todo, ou mesmo por períodos mais prolongados. Podem realizar assembleias, 57 usar instalações (banheiros, cozinha), ou podem acampar na parte de fora (no estacionamento, ou na rua em frente à entrada). (COMERFORD, 1999, p. 132) Para os movimentos socioterritoriais, essas ações são uma “forma de pressão organizada diante da indiferença ou inoperância do órgão e da urgência da situação” (COMERFORD, 1999, p. 132). A exigência principal para a resolução dos problemas que motivam essas ocupações é a exigência de uma audiência com detentores de cargos públicos do alto escalão, geralmente os retidos, como cita o autor (COMERFORD, 1999). Ainda traçando algumas características gerais das ocupações de prédios e orgãos, o autor entende que: As ocupações se iniciam com a entrada, sem aviso ou permissão prévia, de um grande grupo de trabalhadores rurais, inclusive mulheres e crianças, no prédio onde funciona o órgão público escolhido. Quase sempre, eles buscam a sala da direção do órgão e procuram forçar a recepção pelo funcionário mais graduado. [...] Há sempre um clima de “combatividade e festividade”, com palavras de ordem, exibição de bandeiras e cantos. [...] Recorrentemente, os trabalhadores reafirmam suas posição de só sair dali com o “problema resolvido” [...] Em resumo, poderíamos dizer que essa forma de ação coletiva envolve o deslocamento de um grupo de trabalhadores – que “representa” um conjunto maior – rumo a um “centro” político, como a sede municipal, a capital do estado, e mais especificamente à área central dessas cidades, ou prédios situados fora do “centro” da cidade, mas vinculados a poderes “centrais”. [...] É como se quisessem alcançar diretamente, enquanto “corpo coletivo”, um “centro de decisão” [...] Por fim, o resultado mais evidente do processo de negociação são compromissos verbais e/ou escritos por pessoas autorizadas em torno de uma série de reivindicações ou exigências. (COMERFORD, 1999, p. 133-135). A espacialização da luta ocorre também pelo fato citado, onde nem sempre o centro político está nas capitais, podendo estar nos órgãos que não se localizam nas capitais, mas que estão ligados aos espaços de poderes. Um fato que chamou a atenção é a criatividade dos movimentos socioterritoriais em organizar-se e realizar um novo tipo de manifestação, agregando ainda mais ao repertório. Durante a entrevista, a liderança contou sobre essa forma bastante peculiar de protestar: Nós então arrumamo um outro tipo de manifesto. Cada um que chegar no banco...não tem a senha de atendimento? Cada um tira a senha. Imagina? Nós fomos no banco de Pirapozinho em 600 pessoas, fez uma fila e cada um foi lá e tirava sua seinha. Só 58 passava na nossa frente quem já tava na nossa frente. Quem não tava na nossa frente só entrava se fosse pra conversar com o gerente. O banco entupiu! Chamaram a polícia militar, e a polícia: “vocês vão ter que sair do banco”, e nós “não, porque? Nós é cliente do banco, tamo com a ficha na mão. (Liderança do MST em entrevista, 2012). Então um impasse surgiu: como retirar os camponeses que estavam na fila, com a senha em mãos? A força policial nada pode fazer. Percebemos como os movimentos socioterritoriais variam seus repertórios de ação com o objetivo de lutar por suas reivindicações de todas as formas possíveis de serem criadas: “assentado e acampado inventa um bocado de tática pra se livrar do couro!” (Liderança do MST em entrevista, 6 e 7 de outubro de 2012), como ressaltou a liderança. Outro episódio que ilustra bem como os camponeses organizados são bastante criativos para conseguir seus objetivos é trazido por Fernandes (1994, p. 132). Uma manifestação artística cultural foi estratégia para uma ocupação de terra: Para ocupar a fazenda os trabalhadores tiveram que burlar a vigilância intensiva dos jagunços. Por quatro dias as famílias promoveram forrós no acampamento. Os forrós sempre duravam até a madrugada e a festa estava sendo observada pelos jagunços. Após o terceiro forró, os jagunços relaxaram a vigilância. Na madrugada do dia 19 de agosto, no quarto forró, as famílias ocuparam a [fazenda] Timboré. Nas três primeiras noites, durante a realização dos forrós, as famílias iam se revezando e preparando os 130 barracos para serem desmontados. Na última noite, em silêncio, homens mulheres e crianças começaram a ocupação ao passo que outras pessoas dançavam enquanto os jagunços dormiam. As ocupações de órgãos/prédios tem uma grande representatividade no cenário das manifestações camponesas com mais de 32% de ações, mas o número de pessoas que participam não é muito expressivo. Sobre os números de participantes em ocupações de prédio e órgãos, a liderança do MST relatou que o movimento avalia que não existe um máximo de pessoas que possam participar, mas o mínimo para qualquer atividade em órgão público deve ser de 100 pessoas, a não ser que seja alguma questão pontual de um determinado momento de um acampamento ou assentamento. A dificuldade com relação a recursos financeiros e locomoção justificam essa necessidade de aglomerar um número razoável de camponeses, mas quando se trata de uma ação pontual o numero mínimo de 100 deixa de ser considerado. 59 Retenção de veículo: houve somente um caso de retenção de veículo no estado durante o período da pesquisa. De acordo com a fonte da notícia, a ação foi realizada por assentados que bloquearam o acesso a uma ponte no interior do assentamento fazendo com que ônibus municipais que fazem o transporte escolar ficassem impedidos de passar. O precário estado da ponte, que coloca em risco a vida das pessoas que por ela passam, motivou a ação. Ainda de acordo com a fonte, esse problema já havia sido informado à prefeitura do município que nada fez. Saque: durante o recorte da pesquisa ocorreram apenas dois saques e essa forma de ação não é praticada desde o ano de 2003 pelos movimentos. A liderança informou o que motivaram essas ações, que se trataram de saques a caminhões de leite e foram praticadas em meio a um contexto de necessidade. No ano de 2001 foi criado um acampamento no município onde ocorreu um dos saques, onde havia concentradas mil e quatrocentas famílias, um número de pessoas considerável para as condições de acampamento, com uma extensão de “cinco quilômetros de só barracos”, como ressalta a liderança. A necessidade de leite era uma realidade no acampamento que chegava a receber doações de assentamentos vizinhos, mas que só atendiam minimamente as crianças do acampamento. Mas, segundo a liderança, “havia mais de 700 crianças vivendo ali, o que tornava difícil para os assentados que doavam manter no mínimo 700 litros de leite por dia, com uma produção em pequena escala e eram assentamentos recém-criados, sem muita infraestrutura.” (Liderança do MST em entrevista, 6 e 7 de outubro de 2012). Um fator interessante é que a prática dos saques foi realizada pelas camponesas, mães dessas crianças. Feliciano (2009, p. 133) também traz um caso que reflete a motivação dos saques: Uma pesquisa feita em 1994 sobre o movimento dos saques, no Estado de Pernambuco, com trabalhadores que deles participaram, constatou que 63% dos entrevistados relaciona o saque com o objetivo primeiro de matar a fome. Em seguida, 29,7% veem o saque como uma forma de protesto, para forçar a criação de programas emergenciais de trabalho e distribuição de cestas básicas 41. Ou seja, as práticas concretizadas nessa forma podem representar a ocupação pela penúria e perspectiva de luta para sobreviver. Mas, hoje os acampamentos concentram um menor número de famílias e há uma negociação com laticínios da região para o fornecimento de leite à essas famílias, negociação essa facilitada pelo acompanhamento das crianças dos 60 acampamentos pelos centros de saúde. Além desses saques que temos em nossos dados, a liderança relata outros que ocorreram e que escaparam aos registros, como saques a caminhões de café, arroz, bois, motivados pela necessidade das famílias acampadas, pois segundo ele os saques, e as negociações posteriores que fizeram com que essas ações cessassem, não eram pontos da pauta política do movimento e sim uma demanda colocada pelos acampados. Temática: classificamos como temáticas as manifestações registradas que não traziam informações do tipo da ação, como no caso das concentrações em espaços públicos. A diferença aqui é que se tratam de manifestações que fazem parte do calendário de ações coletivas dos movimentos camponeses, como as manifestações do “Dia Internacional da Luta contra as Barragens”, “Dia Nacional da Luta no Campo”, “Jornada Nacional pela Reforma Agrária”, dentre outras. O objetivo dessas ações, segundo a liderança, é mostrar à sociedade e ao governo a pauta do movimento, pauta essa nacional. Nessas ações as pautas estaduais e regionais não são o objetivo. Na avaliação do movimento nas palavras da liderança, “se tu não consegue resolver o todo, o problema específico tu não resolve. Tu só consegue resolver o problema específico se tu discutir o todo” (Liderança do MST em entrevista, 6 e 7 de outubro de 2012). Representam 3% das manifestações do estado com quase 10% das pessoas participantes. Vigília: segundo a liderança do MST, as vigílias representam uma forma de ação de não enfrentamento: “é uma manifestação que você não entra pra dentro do órgão e não quer discutir com o órgão, não quer negociar com o órgão. Colocamos as faixas. As faixas e a nota na imprensa é que vai dizer o que a gente quer.” (Liderança do MST em entrevista, 6 e 7 de outubro de 2012). A característica é a representação de uma forma de evidenciar o descontentamento e mostrar que os camponeses estão presentes cobrando. As vigílias também podem durar de algumas horas a dias, sendo parecida com os acampamentos. Feliciano (2009, p. 133) entende as vigílias como manifestações para “ocupar em uma perspectiva simbólica de sensibilizar uma luta, que, muitas vezes, é interpretada como passível de ações radicais e desordeiras.”. Nas pranchas que seguem (pranchas 5, 6, 7 e 8) podemos evidenciar a espacialização dos 6 primeiros tipos de manifestações em número de ações. Essa classificação também é prática de análise adotada para o Relatório DATALUTA. 61 62 63 64 65 Um dos elementos que se pode notar nos mapas dos tipos de manifestações é o destaque do círculo localizado na capital do estado. Percebemos o quanto a capital concentra as ações de manifestações, tanto em número, como, principalmente, em número de pessoas. Em todos os mapas a capital não deixa de estar marcada pelas ações. Esse fato é de uma importância estratégica para os movimentos socioterritoriais, que discutiremos no próximo tópico. Ademais, destacamos a grande espacialidade das concentrações em espaços públicos, os bloqueios de rodovias e as ocupações de prédio público, demonstrando que são práticas muito utilizadas por todo o estado. Um fato interessante se observa nas ocupações de agências bancárias, que são praticadas em sua maioria no extremo oeste do estado e principalmente no Pontal do Paranapanema, um elemento que pode revelar as demandas dessas regiões em comparação a outras. Em se tratando da espacialização do número de pessoas nesses tipos de manifestações, destacamos os tipos: concentrações em espaços públicos, marcha, caminhadas e romarias. São manifestações que conseguem mobilizar um grande número de pessoas. 4.3. Os espaços das ações Segundo Comerford (1999), grande parte das manifestações são realizadas em capitais, e objetivam uma maior visibilidade para suas reivindicações que uma capital pode dar pelo volume de pessoas que habitam e que transitam, pela presença da grande mídia, por abrigar as sedes de órgãos que tratam da questão agrária, sede do governo, de bancos, enfim, diversas opções de espaços que potencializam os impactos dos mais variados tipos de manifestações. Mas, há também manifestações em municípios marcados pela luta dos movimentos sociais onde é grande o número de assentamentos, acampamentos e registros de ocupações de terras. Comerford (1999) caracteriza os acampamentos, como uma ação que conta com grande número de trabalhadores rurais que tem como objetivo uma potencial visibilidade pública. Por isso, os acampamentos são montados principalmente nas 66 capitais dos estados e a intenção é, ao se estabelecer, tornar visível a causa camponesa para o grande público que circula nesses espaços, atrair uma cobertura jornalística e também atrair a visibilidade do que o autor chamou de “núcleos do poder público” (COMERFORD, 1999,p. 129). Pretendemos analisar aqui quais os objetivos dos variados espaços que as ações visam e o autor destaca que: Os alvos preferidos das ocupações são orgãos públicos identificados pelos organizadores como responsáveis pela solução de determinados problemas enfrentados pelos trabalhadores rura