ELENA CAMPO FIORETTI DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE CRIANÇAS DE 4 E 5 ANOS PARA A LITERACIA CIENTÍFICA NO MUNICÍPIO DE AMAJARI, RORAIMA Presidente Prudente, SP. 2018 Campus de Presidente Prudente ELENA CAMPO FIORETTI DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE CRIANÇAS DE 4 E 5 ANOS PARA A LITERACIA CIENTÍFICA NO MUNICÍPIO DE AMAJARI, RORAIMA Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Ciências e Tecnologia “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, campus de Presidente Prudente, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Célia Maria Guimarães. Presidente Prudente, SP. 2018 Literacia Científica. I. Título. Fioretti, Elena Campo F518d Desafios e possibilidades para a formação continuada de professores de crianças de 4 e 5 anos para a literacia científica no Município de Amajari, Roraima / Elena Campo Fioretti. -- Presidente Prudente, 2018 258 p. : tabs., fotos, mapas Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Orientadora: Célia Maria Guimarães 1. Educação. 2. Educação Infantil. 3. Formação Continuada de Professores. 4. Educação Científica. 5. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada DEDICATÓRIA A todas as pessoas que harmoniosamente consolidam a minha existência e, em especial ao Kleber, Karina, Elio, Renata, Rafael, Cesar Júnior, Helena, a minha irmã Glaucia Fioretti e seus familiares, pelo incentivo e energias positivas emanadas, dedico esta Tese. AGRADECIMENTOS A caminhada acadêmica é construída por conhecimentos que, ao nos serem oferecidos e aproveitados, consolidam um novo vir a ser. Porém, essa trajetória não é formada somente por livros, autores e textos, mas, sobretudo por trocas, vivências, convivências com pessoas, lugares, fatos e memórias que trilham, dia após dia, o caminho de quem veio a ser. A todos, inclusive aos vultos que habitam a nossa referência, externamos o mais profundo agradecimento e, em especial: Ao Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Presidente Prudente, e carinhosamente a secretária Ivonete pela gentileza e pronto atendimentos às nossas solicitações; Aos professores que, de forma elegante, conduziram seus trabalhos e declinaram seus conhecimentos e partilharam suas experiências; Ao professor Dr. Evandro Ghedin pela apresentação do Programa e sugestão para a minha submissão à concorrência do Doutorado em Educação em Presidente Prudente. Sem essa informação, hoje não estaríamos aqui; À cidade de Presidente Prudente, pela acolhida e pelo enorme prazer em conhecer; Aos colegas do Curso do Doutorado em Educação e do Grupo de Pesquisa conduzido pela Professora Dra. Célia Maria Guimarães, pelo gesto de carinho, acolhimento e amizades que se estabeleceram. Meu abraço fraterno ao Jose Ricardo, ao Silvio, a Rosângela, a Marlizete, a Larissa, a Denise Watanabe, a Keith, ao André. A equipe de profissionais do Sistema Municipal de Educação de Amajari, Roraima, pelo acesso às informações e a disponibilidade de participar da pesquisa; Ao Roberto Serafim pelo apoio incondicional com a reprografia dos instrumentos da pesquisa, dos materiais fotocopiados e das cópias desta Tese. Agradeço imensamente a parceria e colaboração. Minha gratidão também à equipe da Assistencop pela gentileza. Ao Educador Edilson Azevedo Silva pela gentileza, presteza e acolhimento e pela disponibilidade de vir para Roraima, conviver com as pessoas, os alunos, os professores e educadores físicos das e nas pequenas cidades e vilarejos como Alto Alegre, Paredão, Reislândia e Vila Recrear e nas Comunidades Indígenas de Taiano, Sucuba, Pium, Barata transmitindo seus conhecimentos e também pelas horas de boa conversa sempre à mesa farta regada a bons azeites e vinhos. Devotamos a ti Edilson, sincera amizade. À Rosângela Duarte, então Secretária Municipal de Educação de Amajari, pela amizade, parceria de trabalhos, estudos e pela confiança e incentivo a pesquisa. Com as trocas de conhecimentos, muito crescemos e avançamos. Ao Núcleo Crear da UFRR por considerar que temos contribuições a dar para esse grupo de pesquisa e, com carinho mais que especial para Larissa, Rosângela, Ana Claudia, Eunice, Adriana, Maristela, Nilzanete, Maria, Marly, Vivian, Bruna, Flavia, Beatriz. Agradecemos a confiança e parceria. Ao NUPECEM da UERR pela acolhida e pelo acatamento das sugestões para começar um trabalho de iniciação as ciências com os alunos e de educação científica com os professores da Educação Básica de Roraima que já somam oito anos de grandes, desafiadoras e significativas realizações. Obrigada! À Professora Ms. Marilene Kreutz do Município de Alto Alegre pela confiança, parceria e amizade consolidadas; Aos meus colegas da CPPD-RR do exercício de mandato do período 2015 a 2018, pela compreensão, gesto de amizade e respeito por esse período de desdobramento entre o trabalho e os estudos. Nosso abraço fraterno para o Jota, a Marcia, a Cidinha, a Elenice, a Lindalva, a Tâmara, o Maduro, a Terezinha e a Sucupira. Aos pares do Conselho Estadual de Cultura pela incondicional parceria, pela compreensão e o respeito pelo período em que precisamos estar ausentes de Boa Vista para assistir as aulas na UNESP, em Presidente Prudente. Aos membros das Bancas de Qualificação Profa. Dra. Patrícia Macedo de Castro; Profa. Dra. Elieuza Aparecida de Lima e de Defesa, Profa. Dra. Ivanise Rizzatti; Prof. Dr. Cássio Laranjeiras; Profa. Dra. Rute Cristina Domingos da Palma; Profa. Dra. Elieuza Aparecida de Lima, pelas contribuições, ensinamentos e sugestões que engrandeceram nossa trajetória acadêmica e profissional. Agradecemos de coração. À Orientadora Professora Dra. Celia Maria Guimarães com agradecimentos em especial por ter aceitado esse desafio de proceder com afinco e habilidade essa orientação com mais de 4.288 km de distância física e menos de 1 m de aproximação pessoal e que não mediu esforços para se deslocar de Presidente Prudente/São Paulo para Boa Vista, Alto Alegre e Amajari em Roraima percorrendo cidades, vilas, vilarejos e comunidades indígenas para conhecer, compreender e mergulhar no contexto da pesquisa; por ter conduzido, de forma intencional, a orientação desta Tese, em todos os momentos, etapas e fases, com incentivo, paciência, demonstração de afeto e carinho durante toda a jornada; por ter permitido a amizade sincera e verdadeira que se formou a partir desse estudo; e, por que esteve presente e é parte integrante de todos os momentos que permeiam a elaboração deste trabalho, figurando no final desses agradecimentos para se manter presente na memória. A ti, Professora Dra. Célia Maria Guimarães, a minha gratidão! RESUMO Esta tese, vinculada à linha de pesquisa “Processos Formativos, Infância e Juventude” do Programa de Pós-Graduação em Educação da FCT/UNESP, campus de Presidente Prudente, se originou da concepção de literacia científica. O argumento é o de que a criança pré-escolar compreende e intervém com criticidade, no mundo contemporâneo, se os seus professores oferecem educação científica, o que demanda formação continuada que os promova à literacia científica. Com o problema investigativo: quais desafios deverão ser enfrentados pelo Sistema Municipal de Educação de Amajari, Roraima, para promover formação continuada dos professores de crianças de 4e 5 anos para a literacia científica?, o objeto de estudo foi a formação continuada iluminada pelo conceito da literacia científica para professores das crianças de 4 e 5 anos de idade. O objetivo geral: analisar os desafios e identificar as possibilidades a serem enfrentados pelo Sistema Municipal de Educação de Amajari, Roraima, para possibilitar formação continuada dos professores de crianças de 4 e 5 anos com os fundamentos da educação científica, de modo a conduzi-los à literacia científica. Foram objetivos específicos: examinar a estrutura do Sistema Educacional desse Município; investigar a situação funcional dos profissionais desse sistema educacional; pesquisar a concepção dos profissionais desse sistema educacional sobre formação continuada com educação científica, na Educação Infantil; refletir sobre desafios e possibilidades resultantes da análise dos dados, visando à formação continuada amparada na educação científica, que leve professores de crianças de 4 e 5 anos à literacia científica. Ideias da Teoria Histórico- Cultural tangenciaram conceitos de formação continuada com os fundamentos da educação científica, como pressuposto para a ação docente, reconhecendo que o conhecimento científico é base que favorece a literacia científica, na forma de capacidade de usar conhecimentos, reconhecer questões científicas e apoiar a tomada de decisões no mundo atual, com as mudanças ocorridas pela atividade humana. De abordagem qualitativa, a investigação contou com participantes coordenadores educacionais, gestores da Educação Infantil e professoras que atuam com crianças de 4 e 5 anos de idade. A metodologia de caráter exploratório e descritivo permitiu compreender essa realidade pouco conhecida e promoveu o levantamento bibliográfico de dissertações e teses referentes ao tema, em bases digitais de instituições afins e bibliotecas virtuais de Universidades brasileiras e portuguesas. Os dados empíricos foram obtidos através de documentos oficiais dessa Secretaria de Educação; de entrevistas coletivas e de questionários envolvendo coordenadores educacionais, gestores e professores da educação pré-escolar desse município. A análise de dados ocorreu por meio da técnica da análise de conteúdo. Os resultados indicam, como desafios: os documentos das ações de políticas públicas desse sistema educacional são desarticulados e não definem diretrizes de formação continuada dos professores da pré-escola; esse sistema de educação é frágil, por não possuir quadro de profissionais permanente e plano de carreira. Os professores, sem formação na educação científica, possuem baixo nível de literacia científica, o que dificulta o ensino das ciências e a promoção de literacia científica nas crianças pré-escolares. Os resultados apontam as seguintes possibilidades: execução de planejamento e implantação de programa de formação continuada fundamentada na educação científica; organização de atividades do ensino das ciências para a literacia científica das crianças da pré-escola; adequação, criação e uso de espaços não formais como ambiente de aprendizagem científica; produção de materiais e equipamentos alternativos para o ensino de ciências na pré-escola. Palavras-chave: Educação. Educação Infantil. Formação Continuada de Professor. Educação Científica. Literacia científica. ABSTRACT This thesis, linked to the research line "Formative Processes, Childhood and Youth" of the Postgraduate Program in Education of FCT / UNESP, Presidente Prudente campus, originated from the concept of scientific literacy. The argument is that preschoolers understand and intervene critically in the contemporary world if their teachers offer them science based approach education, which requires continued education to promote them to scientific literacy. With the investigative problem: what challenges should be faced by the Municipal Education System of Amajari, Roraima, to promote continuing education of teachers of children between the ages of 4 and 5 years for scientific literacy? The object of study is continued education illuminated by the concept of scientific literacy for teachers of children between the ages of 4 and 5 years. The general objective is to analyze the challenges and identify the possibilities to be faced by the Municipal Education System of Amajari, Roraima, to enable continuing education of preschool teachers with the foundations of scientific education in order to lead them to scientific literacy. Specific objectives were: to examine the structure of the Educational System of this Municipality; to investigate the functional situation of the professionals of this educational system; to research the conception of the professionals of this educational system on continuing education with scientific education in Child Education; to reflect on the challenges and possibilities resulting from data analysis, aiming at the continued education supported by scientific education, which will bring teachers of children between the age of 4 and 5 years to scientific literacy. Ideas of the Historical- Cultural Theory goes on tangent with concepts of continuous education with the foundations of scientific education, as a presupposition for teaching practice, recognizing that scientific knowledge is the basis that favors scientific literacy, in the form of capacity to use knowledge, to recognize scientific matters and support decision-making in the natural world regarding changes in human activity. From a qualitative approach, the research counted on educational coordinators, children's education managers and teachers who work with children between the age of 4 and 5 years. The exploratory and descriptive methodology permits the understanding of this little known reality and promoted the bibliographical survey of dissertations and theses related to the subject, in digital data bases of related institutions and virtual libraries of Brazilian and Portuguese universities. The empirical data were obtained through official documents from the Education Department; of collective interviews and questionnaires involving educational coordinators, managers and teachers of the pre-school education of this municipality. Data analysis took place through the content analysis methodology. The results indicate, as challenges: the documents of the public policy actions this educational system are disjointed and do not define guidelines for the continuing education of pre-school teachers; this system of education is fragile, as it does not have a permanent professional staff and a career plan. Teachers, with no education in science education, have a low level of scientific literacy, which makes it difficult to teach science and promote scientific literacy in preschool children. The results indicate the following possibilities: planning and implementation of a continuing education program based on scientific education; organization of science education activities for the scientific literacy of pre-school children; adaptation, creation and use of non-formal spaces as a scientific learning environment; production of alternative materials and equipment for pre-school science education. Keywords: Education. Childhood education. Continuing Education for Teacher. Scientific Education. Scientific Literacy. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mapa Geopolítico do Estado de Roraima – Divisão Municipal .............................. 19 Figura 2 - Mapa Geopolítico de Roraima – Destaque: Município de Amajari ........................ 20 Figura 3 - Mapa de Roraima com a localização das principais Terras Indígenas de Roraima . 20 Figura 4 - Fotografia 1: Escola Municipal Indígena Vovó Joaquina ..................................... 126 Figura 5 - Fotografia 2: Escola Municipal Indígena Vovó Elvira Nogueira .......................... 126 Figura 6 - Fotografia 3a: Escola Municipal Bom Jesus.......................................................... 127 Figura 7 - Fotografia 3b: Sala de aula da Escola Municipal Rural......................................... 127 Figura 8 - Fotografia 4a: Escola Municipal Ieda Amorim ..................................................... 128 Figura 9 - Fotografia 4b – Detalhe da cozinha da Escola Municipal Ieda Amorim ............... 128 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Distribuição de dissertações e teses a partir do descritor “alfabetização científica” .................................................................................................................................................. 75 Quadro 2 - Resultado da Busca por Descritores – BDTD/IBICT ............................................ 76 Quadro 3 - Resultado da Busca por Descritores – Banco de Teses e Dissertações da CAPES 78 Quadro 4 - Resultado da Busca por Descritores UNESP/ Catálogo Athena/C@thedra .......... 83 Quadro 5 - Resultado da Busca por Descritores UESB/Banco de Dissertações ...................... 85 Quadro 6 - Resultado da Busca por descritores UERR/PPGE – Ensino de Ciências .............. 86 Quadro 7 - Resultado da Busca por Descritores de Bases de Dados Portugueses ................... 88 Quadro 8 - Dissertações e Teses selecionadas para consulta e estudos.................................... 92 Quadro 9 - Resultado de levantamento da produção científica do período 2009 a 2013, realizado por Chaves e Cruz (2015), referente à formação continuada de professoras da Educação Infantil .................................................................................................................... 105 Quadro 10 - Distribuição de vagas no processo seletivo para o ano letivo de 2017 .............. 123 Quadro 11 - Apresentação das Categorias de Análise em Relação às Estratégias indicadas no PMEA ..................................................................................................................................... 136 Quadro 12 - Critérios de avaliação do PISA para conhecimentos em ciências PISA 2012 – Níveis de Proficiência em Ciências ........................................................................................ 161 Quadro 13 - Desafios e possibilidades para a formação continuada com fundamentos da educação científica na realidade investigada .......................................................................... 166 LISTA DE SIGLAS ANPEd Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEB Câmara da Educação Básica CLT Confederação das Leis Trabalhistas CNE Conselho Nacional de Educação CNPq Conselho Nacional de Pesquisas COPED Congresso Paulista de Educação Infantil CREAR Núcleo de Pesquisa Criança, Educação e Arte CDCC Centro de Divulgação Científica e Cultural DCNEI DOU Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil Diário Oficial da União EPEA Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental FACETEN Faculdade de Ciências, Educação e Tecnologia do Norte do Brasil FARES Faculdade Roraimense de ensino Superior FATEBOV Faculdade de Teologia de Boa Vista FCLAR Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara FCT Faculdade de Ciência e Tecnologia FECIRR Feiras de Ciências do Estado de Roraima FENACEB Feira Nacional de Ciências da Educação Básica FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz FUNAI Fundação Nacional do Índio IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBICT Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IES Instituição de Educação Superior IFES IFRR Instituto Federal do Espírito Santo Instituto Federal de Roraima INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação NUPECEM Núcleo de Pesquisa e Estudos em Educação em Ciência e Matemática OECD Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico PATA 2017 Plano Anual de Trabalho de Amajari 2017 PMEA Plano Municipal de Educação de Amajari PIBIC-Jr Programa Interinstitucional de Bolsas de Iniciação Científica Júnior PISA Programa Internacional de Avaliação de Alunos RANI Registro Administrativo de Nascimento Indígena RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil RFPI Referenciais para a Formação de Professores Indígenas RFP Referencial para a Formação de Professores SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica SciELO Sientific Eletronic Library Online SESAI Secretaria Especial da Saúde Indígena SIASI TCLE Sistema de Informação de Atenção à Saúde Indígena Termo de Consentimento Livre e Esclarecido THC Teoria Histórico-Cultural THCA Teoria Histórico-Cultural da Atividade UERR Universidade Estadual de Roraima UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UFC Universidade Federal do Ceará UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFPA Universidade Federal do Pará UFPel Universidade Federal de Pelotas UFPI Universidade Federal do Piauí UFRR Universidade Federal de Roraima UFSCAR Universidade de Federal de São Carlos UNESP Universidade Estadual Paulista UNOPAR Universidade Pitágoras USP Universidade de São Paulo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. ..16 2 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE CRIANÇAS DE 4 E 5 ANOS PARA A LITERACIA CIENTÍFICA ILUMINADA PELA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA .................................................................................................................................................. 34 2.1 Formação continuada de professores da Educação Infantil: políticas educacionais e educação institucionalizada de crianças ........................................................................ 35 2.2 A formação continuada de professores de crianças de 4 e 5 anos iluminada pela educação científica .............................................................................................................. 51 2.3 Concepções de literacia científica e a formação continuada do professor de criança de 4 e 5 anos ......................................................................................................................... 60 3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA DA PESQUISA ...................................................... 69 3.1Estado do conhecimentoreferente a literacia científica para a formação de professores e da formação continuada de professores da Educação Infantil....................72 3.2 O Contexto Investigativo e os Participantes ............................................................. 115 3.3 O Sistema de Educação do Município de Amajari - RR ......................................... 120 4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS DO TRABALHO DE CAMPO ................................................................................................................................. 130 4.1 O Plano Municipal de Educação e o Plano Anual de Trabalho de 2017 ................... 131 4.2 Entrevistas Coletivas Semiestruturadas ....................................................................... 140 4.3 Questionário semiaberto ................................................................................................ 153 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 170 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 178 APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA EM GRUPO DE DISCUSSÃO . .........191 APÊNDICE B – ROTEIRO DE QUESTIONÁRIO .......................................................... 192 ANEXO A – AUTORIZAÇÃO DA SEMED AMAJARI PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA ............................................................................................................................ 199 ANEXO B – TERMOS DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............. 200 ANEXO C - PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE AMAJARI ..........................208 16 1INTRODUÇÃO Para compor a Tese, elegemos o estudo da formação continuada, com base na concepção de literacia científica, segundo a especificidade dos professores da Educação Infantil que atuam com as crianças de 4 e 5 anos das escolas do Município de Amajari, Roraima. Desse modo, esta Tese se desenvolveu apoiada nos princípios da literacia científica, considerando o trabalho pedagógico do professor pré-escolar. 1 Esse professor, que atua nas instituições de Educação Infantil com crianças de 4 ou 5 anos, tem como particularidade de sua função a realização do cuidado e da educação da criança, de tal forma que isso o diferencia e o afasta das práticas educativas dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nomeadamente pela especificidade do Município de Amajari, Roraima, o professor de crianças de 4 e 5 anos tem seu trabalho condicionado a esse contexto. Dentre algumas das especificidades desse município e que não tem exclusividade em relação aos demais municípios do Estado de Roraima, o Sistema Municipal de Educação agrega professores indígenas de ambos os sexos e não indígenas regionais ou imigrantes. Por conseguinte, o problema investigativo foi delimitado por intermédio da seguinte questão- problema: quais desafios deverão ser enfrentados pelo Sistema Municipal de Educação de Amajari, Roraima, para promover formação continuada dos professores de crianças de 4 e 5 anos para a literacia científica? Com a finalidade de contribuir com as reflexões acerca da atuação do professor da Educação Infantil, especificamente o da etapa pré-escolar, e fortalecer as discussões nos meios acadêmicos, na perspectiva de uma visão crítica e interdisciplinar da realidade, delimitamos como objeto de estudo a formação continuada iluminada pelo conceito da literacia científica, para professores que atuam com as crianças de 4 e 5 anos, no Sistema Municipal de Ensino de Amajari-RR, a fim de conhecer seus desafios e identificar suas possibilidades. 2 Assim, os participantes foram os professores 3 de crianças de 4 e 5 anos, 1 A expressão pré-escolar, conforme a LDB 9394/96 e as DCNEI (2010), designa a fase do processo educativo institucionalizado de crianças de 4 e 5 anos, na etapa da Educação Infantil, a qual antecede o Ensino Fundamental. Essa etapa integrante da educação básica, de acordo com a legislação brasileira, é obrigatória e deve ser ofertada em estabelecimentos que prestam serviços educativos para a criança em idade pré-escolar. Nesta Tese nominaremos “crianças de 4 e 5” anos para nos referirmos a etapa da Educação infantil. 2 Neste estudo, os termos desafios e possibilidades são usados no sentido de, ao conhecer a realidade do Sistema Educacional do Município de Amajari, Roraima, identificar as situações e as circunstâncias que demonstram dificuldades ou entraves, os quais deverão ser enfrentados e superados. Enquanto desafios, nesse contexto, conhecer a realidade diante das condições próprias do local, a cultura regional. Enquanto possibilidades, analisar as alternativas educacionais criativas que se apresentarem para a efetivação de políticas públicas de 17 gestores 4 e coordenadores educacionais vinculados à Educação Infantil, integrantes desse sistema. A partir da pergunta proposta e do objeto estudado, resumidamente, apresentamos alguns dos pressupostos epistemológicos e metodológicos que são chave e orientaram as escolhas metodológicas, uma vez que estas - se fundamentam numa perspectiva dialógica, pois admite conhecer a realidade encontrada, confrontando as vivências, tensões, conflitos dos professores e as contradições na própria Educação Infantil orientada pelos princípios da literacia científica; - concebem o diálogo como essência de uma formação continuada que se pretenda emancipatória, no qual o movimento entre teoria e prática fortaleça a consciência crítica e possa se constituir através de um trabalho conjunto de ação e reflexão, efetivado em um processo vivencial e, por conseguinte, transformador da ação pedagógica; - assumem a definição de educação como um processo de formação humana, resultante de profundas transformações na organização e realização da ação pedagógica, que leva em conta o caráter integral, inovador e revolucionário dessas ideias, de modo que se supõem conhecimentos da Psicologia e da Pedagogia na formação do professor; - reconhecem a educação científica como uma área fundamental para a promoção do conhecimento do professor e o desenvolvimento integral das crianças, pois o ensino por pesquisa 5 contribui para a construção de conceitos e considera os contextos sociais e culturais de produção do conhecimento, permitindo alfabetizar cientificamente professores e crianças, o que os promove à literacia científica; - compreendem que a pessoa é um ser constituído historicamente, decorrente das atividades produtivas culturais geradas na vida em sociedade. Se a educação para as crianças na idade pré-escolar for planejada com o suporte teórico e metodológico da educação científica, estas poderão desenvolver a capacidade de perceber os avanços científicos e de como tomar decisões, a partir do conhecimento dos impactos da atividade humana no mundo, diante da rápida evolução tecnológica, o que promove a literacia científica. formação continuada para professores da EducaçãoInfantil desse município, as quais suscitem as habilidades para a literacia científica. 3 O uso do termo professor ou professores, genericamente, refere-se à condição de constar pessoas de ambos os sexos no quadro de profissionais atuando nas salas de aulas, mesmo que as “professoras” sejam a grande maioria. 4 Nesta Tese, a categoria “gestor” corresponde à nomenclatura comumente utilizada, na ambiência local, para identificar o profissional destacado para atuar nas atividades de direção, vice-direção ou coordenação pedagógica, ocupante de cargo comissionado, nomeado pelo Prefeito, geralmente a partir de indicação política. 5 Em Portugal, marco das nossas menções, adotam o termo “ensino por investigação”, porém, utilizamos nesta Tese a expressão “ensino por pesquisa”, discutida em Demo (2015; 2010; 2000). 18 Desta forma, as categorias diálogo e educação científica, pressupostos epistemológicos e metodológicos que adotamos nesta Tese, conduzirão a uma terceira categoria que é dada pela educação emancipatória. Na concepção freiriana, o diálogo é fenômeno essencialmente humano e por ser uma necessidade existencial, historiciza a intersubjetividade humana. Assim, os homens, na medida em que vão refletindo sobre si e sobre o mundo, aumentam seu campo de percepção; como um caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens, não sendo possível o diálogo àquele que não se reconhece no mundo (FREIRE, 1994). Por ser uma necessidade do ser humano, o diálogo é a base, a essência de todo processo de conhecimento. A educação comprometida tem por objetivo a problematização dos homens em suas relações com o mundo, o que possibilita uma relação dialógica, onde há o reconhecimento do outro e o reconhecimento de si, no outro – diálogo autêntico (FREIRE, 1994). Com isso, a educação científica compreendida como veículo emancipador, orienta ações e reflexões sobre o trabalho pedagógico, promove estudos a fim de adquirir e produzir conhecimentos para compreender e administrar a vida cotidiana de maneira crítica e autônoma, para a tomada de decisões. Neste sentido, a educação científica estabelece com o diálogo, caminho do processo de conhecimento, o método para alcançar níveis de literacia científica. Os pressupostos acima nortearam o desenvolvimento da Tese, em busca de respostas à pergunta proposta. Os mesmos guiaram os procedimentos utilizados para o alcance do objetivo de analisar os desafios e identificar as possibilidades a serem enfrentados pelo Sistema Municipal de Educação de Amajari, Roraima, para possibilitar formação continuada dos professores de crianças de 4 e 5 anos, com os fundamentos da educação científica, para promovê-los à literacia científica. Com o propósito a atingir esse objetivo de pesquisa, nomeamos como objetivos específicos: examinar a estrutura do Sistema Educacional do Município de Amajari, especificamente no atendimento à criança de 4 e 5 anos; investigar a situação funcional dos coordenadores educacionais, professores e gestores do sistema educacional escolhido; pesquisar a concepção dos professores de crianças de 4 e 5 anos, dos coordenadores educacionais e dos gestores do sistema Educacional de Amajari sobre formação continuada para a educação científica, na Educação Infantil; refletir sobre os desafios e possibilidades resultantes da análise dos dados, com vistas à formação continuada amparada nos princípios 19 da educação científica, com a intenção de promover professores de crianças de 4 e 5 anos à literacia científica. Determinadas características do Estado de Roraima necessitam ser explicadas ao leitor, a esta altura do texto, para melhor compreensão dos aspectos contextuais nos quais se insere o estudo, a fim de perceber a complexidade que abrange a atuação dos professores, em função das características locais, suas peculiaridades, diferentes perspectivas escolares e que são impostas como desafios a esse sistema educacional. Roraima é o Estado que está localizado mais ao Norte do Brasil e faz fronteira, ao Norte e Oeste, com a República Bolivariana da Venezuela; ao Norte e Leste, com a República Cooperativista da Guiana; ao Sul e a Oeste, com o Estado do Amazonas, e, a Leste, com o Estado do Pará. Possui 15 municípios: Boa Vista – capital, Alto Alegre, Amajari, Bonfim, Cantá, Caracaraí, Caroebe, Iracema, Mucajaí, Normandia, Pacaraima, São João da Baliza, São Luiz do Anauá, Rorainópolis, Uiramutã, conforme figura 1. Figura 1 - Mapa Geopolítico do Estado de Roraima – Divisão Municipal Fonte: Trilhas de Conhecimento (2018). Como característica de formação humana, apresenta grande número de ameríndios pertencentes a diferentes etnias, compostas pelos Yanomami, Ye‟kwana, Ingarikó, Macuxi, Taurepang, Waimiri-Atroari, Wai-Wai, Wapixana (NAMEM et al., 1999). Em todos os municípios, a população é constituída por esses diferentes ameríndios, migrantes oriundos de vários Estados brasileiros, principalmente do Nordeste e por regionais, os quais são caracterizados pela terceira geração em diante de pessoas que migraram do final do século XIX até meados do século XX. O Município de Amajari, apresentado na figura 2, está localizado na região Noroeste do Estado de Roraima, possui área de 28.472,310 Km², densidade demográfica de 0,33 https://pt.wikipedia.org/wiki/Quil%C3%B3metro_quadrado 20 hab/km² e, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2010, o índice de desenvolvimento humano (IDH) desse município é 0,48. Figura 2 - Mapa Geopolítico de Roraima – Destaque: Município de Amajari Fonte: Guia Geográfico (2018). A população do Município de Amajari, estimada em 2016, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), era de 11.285 pessoas. Desse total, 53,8% habitam as terras indígenas demarcadas (SOUZA, 2015), compreendendo: Terra Indígena Yanomami, a qual abriga povos das etnias Yanomami, Sanuma, Xirixana, Ye‟kwana, em área contínua; as Terras Indígenas Mangueira, Mutamba, Vida Nova do Araçá, com a etnia Macuxi; Terra Indígena Ananás, Cajueiro, Garagem, Ouro, com a etnia Wapixana; e, coabitando as Terras Indígenas do Araçá, Aningal, Anaro, Ponta da Serra, Santa Inês, Três Corações e do Guariba, as etnias Macuxi e Wapixana. Essa distribuição das Terras Indígenas nesse Município compreende uma extensão territorial de 16.790,99 km², correspondendo a 58,71% da área total de Amajari (MATOS, 2013), distribuídas em “ilhas”, conforme a Figura 3. Figura 3 - Mapa de Roraima com a localização das principais Terras Indígenas de Roraima Fonte: Ecoamazonia (2018). https://pt.wikipedia.org/wiki/Quil%C3%B3metro_quadrado 21 Os dados censitários referentes à população indígena, geralmente, não são uniformes em razão dos procedimentos e parâmetros adotados pelos órgãos oficiais que fazem a coleta e produzem os registros das informações. Para o IBGE, o que estabelece a contagem da categoria “indígena” é a autodeclaração e o alcance que os recenseadores têm de chegar às localidades para a busca dos dados. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), vinculada ao Ministério da Saúde, mantém o Sistema de Informação de Atenção à Saúde Indígena (SIASI), cuja base de dados se organiza in loco, a partir dos polos-base de atendimento à saúde indígena, utilizando “[...] diversos parâmetros de territorialidade indígena” (BRASIL, 2017b) e, portanto, tem seus dados, os quais são atualizados com maior frequência na própria localidade da comunidade indígena. Esse sistema de informação registra que, em 2013, em Roraima, habitavam 4.433 Wapixana e 15.811 Macuxi. Desse total, 1.029 Wapixana e 3.187 Macuxi encontram-se no Município de Amajari. Essas etnias representam 23,21% e 20,15% respectivamente, da população ameríndia de Roraima, o que é significativo para esse município. Portanto, imersa nesse contexto, sucedeu a aproximação com o assunto referente à literacia científica, que será descrita na primeira pessoa, por constituir a trajetória profissional e acadêmica que conduziu ao objeto de estudo e aos objetivos desta Tese. De 2004 a 2009, atuei como Coordenadora do Programa Interinstitucional de Bolsas de Iniciação Científica Júnior (PIBIC-Jr) do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), no Estado de Roraima, cujas bolsas eram concedidas especificamente para alunos do Ensino Médio. Com o desenvolvimento das atividades, foi possível compreender a importância da educação científica para o aprofundamento de conhecimentos, por parte dos alunos participantes desse Programa. A proposta para o PIBIC-Jr de Roraima orientava que os temas das pesquisas fossem eleitos pelos alunos, e os professores, naquele momento, atuassem como coordenadores pedagógicos das pesquisas eleitas. Essas eram condições essenciais para que as pesquisas fossem desenvolvidas e os resultados alcançados com os projetos realizados ainda fossem apresentados nas mostras científicas e nas Feiras de Ciências. Cabe frisar que essa experiência permitia aos alunos e professores vivenciarem novas estratégias de ensino, com base nas orientações dos Editais de Chamadas Públicas para apresentação de projetos concorrentes à Bolsa. Com isso, muitos superavam as dificuldades encontradas pela falta de metodologias e práticas voltadas para a educação científica, uma vez que era convidado, para orientar o percurso da investigação, um pesquisador da área de conhecimento do projeto. Mostrou-se positivo, nesse sentido, o acompanhamento de um orientador científico com pós-graduação stricto sensu, vinculado à área pretendida para o 22 desenvolvimento dos projetos. Esse orientador acompanhava todas as etapas do cronograma da pesquisa, como trabalhos de campo e de laboratório, auxílio na elaboração dos relatórios parciais e final. A estratégia central, nesse modelo, além de oportunizar aos alunos experienciarem todas as etapas de pesquisa com aprofundamento de conhecimentos, facultava aos professores participar da experiência de desenvolvimento de projetos de iniciação as ciências e dos estudos referentes ao tema da pesquisa. Por outro lado, um entrave nessa proposta e um desafio enfrentado pela equipe de acompanhamento dos projetos referiam-se à conduta da maioria dos professores que atuavam como orientadores pedagógicos, os quais se afastavam das atividades, estudos e da pesquisa em si, confiantes na atuação do orientador científico, demonstrando certa dificuldade em compreender a finalidade da proposta adotada para o PIBIC-Jr, em Roraima. No ano de 2005, surgiu o Núcleo de Pesquisa Criança, Educação e Arte (CrEAr), da Universidade Federal de Roraima (UFRR), que tem, entre seus objetivos, o de fomentar a pesquisa teórica e aplicada em ciências humanas, com destaque para o desenvolvimento educacional, social e cultural na infância. Por intermédio da coordenadora desse Núcleo, fui convidada para participar desse então recém-criado núcleo de pesquisa. O convite para atuar como pesquisadora colaboradora teve em vista meu desempenho em processos educativos e de aprendizagem em espaços não formais de educação, o Museu Integrado de Roraima, considerando o trabalho de iniciação científica desenvolvido sob minha coordenação, nesse local. Minhas atividades junto ao CrEAr e acompanhando o envolvimento e o desenvolvimento dos alunos do Ensino Médio, participantes do PIBIC-Jr, em Roraima, suscitaram inquietações sobre a possibilidade de desenvolver atividades de iniciação as ciências 6 com crianças pré-escolares, além de estudar sobre procedimentos metodológicos necessários para que as crianças realizassem atividades de ciências e como os professores deveriam organizar suas atividades pedagógicas para esse fim. A experiência na Coordenação do Programa PIBIC-Jr propiciou também minha participação, a partir de 2010, no recém-criado Núcleo de Pesquisa e Estudos em Educação em Ciência e Matemática (NUPECEM), da Universidade Estadual de Roraima (UERR), que tem como objetivo o desenvolvimento de pesquisas em educação em Ciências e Matemática, 6 Atividades de iniciação as ciências são estratégias de ensino que têm a finalidade de oportunizar as primeiras (daí a característica de iniciação) experiências de aprendizagem que estimulem o desenvolvimento do pensar cientificamente e da criatividade, neste contexto, das crianças na etapa pré-escolar. 23 além de contribuir com a formação inicial e continuada dos professores dessas áreas de conhecimento e incentivar a participação das escolas da Educação Básica de Roraima em eventos de iniciação científica. Dentre as ações desenvolvidas desde 2010, destacam-se as Feiras de Ciências do Estado (FECIRR), realizadas anualmente na capital Boa Vista, com o apoio financeiro do CNPq, cujos procedimentos de participação dos alunos com a efetivação de projetos de iniciação as ciências assemelham-se aos que eram adotados para o PIBIC-Jr, em Roraima. A Feira Estadual de Ciência, em Roraima, é um evento recorrente desde 1985, com a criação do Centro de Ciências de Roraima (CECIRR), que tinha a finalidade de estimular o interesse e o gosto pelas ciências, a produção de conhecimento, por intermédio das pesquisas e do desenvolvimento científico, em Roraima, por uma equipe multidisciplinar, em um período que antecede a efetivação da Educação Superior, pois não havia Universidades ou Faculdades no Estado de Roraima. Esse Centro foi criado, como em todo o Brasil, como estratégia metodológica para a melhoria do ensino de Ciências, com atividades práticas, para a divulgação científica e preparação de jovens estudantes, alunos do 2º Grau (Ensino Médio, em nova nomenclatura) na iniciação as ciências e, para a concretização, a Feira de Ciências contava com apoio financeiro do Ministério da Educação/CAPES (BRASIL, 2017a). As feiras de ciências no Brasil ocorrem por incentivo do Programa de Feira Nacional de Ciências da Educação Básica (FENACEB), que é uma política do Ministério da Educação para a melhoria da educação científica, nos níveis de Ensino Fundamental e Médio, e propõe um conjunto de mudanças na Educação Básica do país, como a implementação de um programa sistemático e efetivo de formação continuada dos professores, de forma a possibilitar as atualizações permanentes, em termos científicos e pedagógicos; a promoção de mecanismos institucionais de valorização do conhecimento e da prática científica e pedagógica dos professores; o desenvolvimento de currículos com ênfase na abordagem prática e problematizadora dos conteúdos; e a existência de ambientes de aprendizagem científica, com laboratórios e equipamentos (BRASIL, 2017a). A partir de 2010, com as dificuldades operacionais que a Secretaria de Educação do Estado de Roraima apresentava na captação e aplicação dos recursos para a organização e realização da Feira de Ciências, com mudanças nos procedimentos de financiamento para o evento, o qual passou a ser apoiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação/Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e CNPq e com a criação do NUPECEM, esse evento começa a ser coordenado e efetivado por esse Núcleo da UERR. 24 No ano de 2012, sob a coordenação do NUPECEM, o Núcleo CrEAr desenvolveu atividades de artes e brincadeiras com crianças da Educação Infantil, promovendo intervenção na FECIRR, com a participação de escolas dos Municípios de Boa Vista e de Alto Alegre, demonstrando certa interação entre esses dois núcleos de pesquisas das universidades públicas do Estado de Roraima e os Sistemas de Ensino Municipais, como forma de chamar a atenção para a ausência da Educação Infantil nesse evento de ciências. No ano seguinte, atividades com professores desses mesmos municípios e crianças entre 4 e 6 anos intervieram na FECIRR, reiterando a demanda de espaço para Educação Infantil na feira de ciências. No ano 2015, como consequência dessas intervenções, a Secretaria Municipal de Educação do Alto Alegre de Roraima (RR) solicitou apoio do NUPECEM para professores da Educação Infantil e Ensino Fundamental I elaborarem projetos para a primeira versão da feira de ciências desse município. Para tanto, o NUPECEM realizou oficinas de elaboração de projetos com esses professores da rede municipal e adotou o mesmo edital, formulários de projetos, critérios de avaliação, praticados para as demais modalidades de ensino. Nesse evento, foi possível observar que, nas oficinas preparatórias ministradas para a elaboração de projetos, mesmo dedicando parte da carga horária para discutir alguns conceitos referentes à educação científica, alfabetização científica e pedagogia de ensino por projetos, o interesse maior encontrava-se em “aprender” a preencher o formulário anexo ao Edital, com os dados da estrutura do projeto de pesquisa. Os professores revelaram ainda muita insegurança em relação à proposta, questionando a viabilidade concreta de desenvolver pesquisa com crianças da Educação Infantil, não discernindo projeto pedagógico de projeto científico e, declaradamente, decidiram o que pesquisar, perdendo a oportunidade do envolvimento dessas crianças nas discussões e tomada de decisões. O desfecho culminou com a realização da I Feira de Ciências da Educação Infantil no Município de Alto Alegre, com grande envolvimento das escolas, professores, alunos, gestores, pais e comunidade, sendo um acontecimento de importância local. Todavia, a experiência permitiu à coordenação do NUPECEM e a mim, especialmente, perceber que os termos do Edital e os critérios de avaliação adotados para o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio não atendiam às especificidades da pré-escola. Além disso, restringiam ou impediam a plena atuação das crianças na escolha dos temas dos projetos, procurando enquadrar o trabalho das crianças em itens a serem avaliados que não são próprios dessa faixa etária e nível da Educação Básica. 25 A realidade constatada promoveu, no NUPECEM, a elaboração de edital adequado e estabeleceu critérios avaliativos específicos, para alcançar a Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental. Porém, independentemente dos termos do edital e dos critérios avaliativos, o fato de as mostras de ciências nas escolas estarem contempladas no calendário escolar, o apoio do NUPECEM, nas orientações para a elaboração dos projetos, o “corre-corre” para a execução dos projetos, nas últimas semanas que antecederam a mostra científica e a superficialidade dos estudos ajudaram a compreender a lacuna na formação desses professores. Ficou caracterizado também que a atividade ainda é percebida como mais um evento esporádico do calendário escolar, sem que os professores e gestores compreendessem que uma “mostra de ciências” deve ser resultado de um trabalho sistematizado, com procedimentos, métodos e resultados de pesquisa. Desse modo, conduzi esta Tese sob dois aspectos: o da literacia científica do professor da Educação Infantil e o da formação continuada do professor pré- escolar. Com o exposto, recordamos a observação de Gatti (2013) sobre a condição da precariedade da formação de professores, uma vez que os cursos de graduação para professores não asseguram a base adequada para atuação profissional. Gatti et al. (2010) e Gatti, Barretto e André (2011) sintetizam que essa formação apresenta currículos fragmentados, conteúdos excessivamente genéricos e grande dissociação entre teoria e prática. Os estágios são fictícios e a avaliação interna e externa também é precária. Esse quadro se apresenta, sobretudo, nos cursos de Pedagogia, cuja licenciatura se destina à formação do professor que atuará na Educação Infantil. Nesses cursos, as matrizes curriculares encontram-se com os mesmos problemas verificados nas pesquisas, com a mesma precarização. A estrutura curricular desses cursos, comumente, não enfoca a educação científica como objetivo de ensino. Para que se proceda à educação científica, os cursos de formação de professores necessitam de propostas curriculares que contemplem as tendências atuais da educação científica; que destinem momentos de estudos vinculados a reflexão sobre a prática pedagógica; que estimulem a pesquisa no campo da educação e de atuação do professor; que favoreçam a sistematização de experiências voltadas ao entendimento sobre as mudanças tecnológicas na atualidade e despertem o interesse e o incentivo do uso de conhecimentos científicos, tudo isso em diálogo e ações conjuntas entre professores e pesquisadores. Ademais, nesses cursos a que nos referimos, os temas ligados a ciências, as artes, as brincadeiras e os movimentos ocorrem em curta carga horária de formação, não criando as 26 bases necessárias para o desenvolvimento de atividades pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem das crianças. Necessariamente, essas questões precedem a formação inicial desses professores e colaboram para que não se percebam os aspectos da educação científica, no trabalho dos professores da Educação Infantil. Mesmo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) reconheça a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica, com a finalidade do desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade, admite que a preparação para o “[...] exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, seja oferecida em nível médio, na modalidade normal” (BRASIL, 2013, p. 1), não exigindo a formação em nível superior desse profissional, o que potencializa os problemas apontados. Na tentativa de mitigar tais problemas, políticas nacionais e regionais de formação continuada são concebidas, contudo, estão mais focalizadas em suprir a deficiência pré-serviço e nem sempre na ampliação ou aprofundamento de conhecimentos (GATTI, 2013). A deficiência na formação continuada de professores é objeto de interesse de inúmeros pesquisadores, demonstrando que não só a formação inicial ofertada precisa de atenção. Levantamentos feitos por Lage et al. (2009) indicam que a preocupação com a qualidade dos programas de formação continuada para professores está presente nos estudos de Falsarella (2004), Nóvoa (1991), Pimenta (2002), Selles (2002), Tardif (2002), Zeichner (1998), entre outros. Esses estudos constataram que quase sempre a formação em serviço restringe-se a ações de atualização de conteúdos de ensino e ocorrem em encontros de curta duração, os quais pouco contribuem para alterar a prática docente e não conseguem romper com o modelo da racionalidade técnica para o qual o professor é um técnico. A alteração desse quadro aponta a necessidade de promover o aprofundamento de conhecimentos para esses professores, em caráter permanente, considerando os avanços tecnológicos e as mudanças no mundo do trabalho. O termo “literacia”, com o sufixo – cia, “[...] evoca de preferência a „arte‟ (no sentido de habilidade, capacidade) e o conjunto de processos nela envolvidos.” (MORAIS; KOLINSKY, 2016, p. 3). Distintamente, a alfabetização consiste em aprender o código escrito e, letramento é o ato ou efeito de fazer uso desse código, de modo apropriado, em diferentes contextos sociais (SOARES, 2004). Com isso, a expressão “literacia científica” 7 , nesta Tese, foi utilizada por considerar que alfabetização científica, comumente empregada 7 “Scientificliteracy, expressão utilizada pelos Estados Unidos – literacia científica, em Portugal ou laculture cientifique, na França.” (DURAN, 1993 apud CARVALHO, 2009, p.1). 27 no Brasil, traz controvérsias quanto ao conceito de alfabetização, letramento e literacia. A partir da definição dada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual o Brasil é membro, “literacia científica” é a capacidade de usar conhecimentos científicos, reconhecer questões científicas e retirar conclusões com base em evidências, de forma a compreender e a apoiar a tomada de decisões acerca do mundo natural e das mudanças nele ocorridas, através da atividade humana 8 . Portanto, “literacia”, assim entendida, transcende a aprendizagem e o uso de códigos escritos. No ano de 2006, o Secretário da Educação Básica, Francisco das Chagas Fernandes, na apresentação do Programa Nacional de Apoio às Feiras de Ciências da Educação Básica (FENACEB), ressaltou: Diante da crescente importância que têm adquirido a ciência e a tecnologia para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas, tornou-se fundamental a promoção de uma cultura científica que propicie melhores condições para a busca do conhecimento. Para tanto, a educação é o caminho mais seguro. Mais do que em qualquer outra época, a escola tem um papel dos mais relevantes na difusão dessa cultura científica, pois o conhecimento e os valores da cidadania são imprescindíveis para compreensão da vida cotidiana, desenvolvimento do pensamento autônomo e inserção crítica na sociedade. Em que pesem os avanços obtidos nos últimos anos, são muitos os desafios da educação brasileira, entre os quais se destacam a universalização da educação básica e a promoção da educação científica. (BRASIL, 2017a, p. 7). No que se refere à promoção da educação científica, a Declaração de Budapest (1999) sobre a Ciência e o Uso do Saber Científico, reconhece que questões de ordem ética, social, cultural econômica, ambiental, saúde e de equilíbrio entre os gêneros serão melhores enfrentadas com ações interdisciplinares das ciências naturais e sociais, de forma que o compartilhamento do conhecimento científico pretenda um mundo mais igualitário, próspero e sustentável. Consideram os benefícios do saber científico como parte do direito a educação que todos devem ter. Neste sentido, os signatários da Declaração de Budapest assumiram o compromisso do ensino científico, dado pela educação científica, como sendo requisito imprescindível da democracia e do desenvolvimento sustentável. Os primeiros passos a contribuir para que ocorram mudanças efetivas no panorama evidenciado se referem ao conhecimento da realidade, à identificação dos problemas e desafios e ao reconhecimento das possibilidades que se apresentam. Esse conjunto de procedimentos poderá orientar a definição das políticas públicas a serem adotadas e que conduzirão um programa de formação continuada para os professores, de forma a fortalecer a cultura científica. Para que o desafio da promoção da educação científica se traduza em 8 Informações referentes ao ano de 2002, disponíveis no site da OCDE: www.oecd.org/education. http://www.oecd.org/education 28 possibilidade concreta, torna-se necessário conhecer a realidade do ambiente sócio educacional onde se pretende atuar. O caminho da adoção de políticas públicas é o mais duradouro, quando se deseja fomentar a cultura científica. As políticas públicas compreendem, segundo Rua (1997), o conjunto de ações estrategicamente selecionadas para implementar uma série de decisões, em face de situações ou problemas que emergem, por demanda, no âmbito da vida pública. As políticas públicas possuem como características: ações sistematizadas, institucionalizadas e contínuas. A falta de uma cultura científica é considerada uma demanda recorrente, uma vez que o problema da precariedade da formação de professores e a estrutura curricular dos cursos de formação que não adotam a educação científica fazem parte das preocupações dos pesquisadores e dos agentes públicos, diante dos dados disponibilizados nas pesquisas citadas no decorrer desta introdução. Nos sistemas municipais de educação, as ações de formação continuada são improváveis ou eventuais, não garantindo, dessa maneira, a necessária qualificação para o trabalho com crianças (KRAMER, 2001). No ensejo de discutir os desafios e as possibilidades de formação continuada para os professores da Educação Infantil que atuam com crianças de 4 e 5 anos, no Município de Amajari, Roraima, foi necessário compreender em que contexto esses professores atuam, observando a complexidade que abrange suas práticas, a partir das características locais, com suas peculiaridades e as diferentes perspectivas escolares e, portanto, educacionais, as quais são impostas como desafios ao sistema de educação desse município. A adequada atuação do professor que atua em salas com crianças de 4 e 5 anos, no contexto do município de Amajari, depende do planejamento e execução de programa 9 de formação continuada, contextualizado, com respaldo das medidas de políticas públicas. E “[...] uma proposta de educação infantil em que as crianças desenvolvam, construam/adquiram conhecimentos e se tornem autônomas e cooperativas implica pensar a formação permanente dos profissionais que nela atuam.” (KRAMER, 2001, p. 11). A autora 9 “Programa é a segunda instância dentre as partes operacionais do planejamento, com o propósito de diagnosticar a situação presente, elaborar as ações e definir as medidas que poderão ser tomadas, ou seja, o objeto da ação. A primeira instância é o Plano, de ordem geral, e, a terceira, o Projeto.” (FREITAS et al., 2007). Em se tratando de planejamento de caráter educacional, toma-se como referência o Plano Decenal de Educação do Município de Amajari, como instrumento de políticas sociais de educação, o qual estabelece as linhas políticas, estratégias e diretrizes gerais que serão aprofundadas nos programas, estabelecendo as prioridades nas intervenções no contexto social, a fim de transformá-lo. Nesse contexto, a pesquisa se volta para as diretrizes atinentes à formação do professor da Educação Infantil desse sistema municipal de educação, com foco nos professores, gestores e coordenadores educacionais da pré-escola. 29 reitera que a postura do profissional da educação e, em particular, do professor, deve ser proativa, na busca de novos conhecimentos, na atitude reflexiva e crítica de sua atuação, consciente de que deve ser constantemente revista e atualizada. Sob essa perspectiva, o desenvolvimento da Tese contou com as seguintes questões problematizadoras:  Poderão ocorrer processos educacionais fundamentados na educação científica, com crianças pré-escolares, se o professor, na sua formação inicial, não teve essa perspectiva como enfoque dos objetivos de ensino?  Há ações a serem contempladas em um programa de formação continuada para professores da pré-escola, de forma que alcancem um nível de literacia científica?  A educação científica pode contribuir para o desenvolvimento profissional dos professores da pré-escola, no domínio da literacia científica?  Superar desafios é condição para implantar políticas públicas de formação continuada com base na educação científica para professores de crianças de 4 e 5 anos no Município de Amajari, Roraima? Em função da delimitação do problema da pesquisa anunciados paginas antes, foram organizadas as estratégias para as etapas propostas no plano de trabalho que, resumidamente, compreenderam: organização dos dados oriundos das fontes de informação de procedência digital, com localização e reunião de conteúdos bibliográficos concernentes à área de estudo e dos documentos oficiais que regem a educação brasileira, com ênfase à Educação Infantil, em contextos que conjugam a realidade do sistema educacional do município em estudo; conhecimento da estrutura do Sistema Municipal de Educação do Município de Amajari, Roraima, a fim de compreender seu funcionamento e as condições de trabalho oferecidas, por intermédio das observações da realidade local, com suas limitações, questões e possibilidades; realização de entrevistas semiestruturadas com os gestores, coordenadores educacionais e professores que desenvolvem suas atividades laborais com crianças de 4 e 5 anos de idade, integrantes do espectro amostral da pesquisa; aplicação de questionários semiabertos aos participantes da pesquisa; com base nos dados produzidos refletir acerca dos desafios e possibilidades decorridos das implicações resultantes das condições contextuais encontradas, com vistas à formação continuada amparada nos princípios da educação científica, com a intenção de promover professores de crianças de 4 e 5 anos à literacia científica; análise dos dados e elaboração do conteúdo textual da Tese. Na etapa relativa à revisão bibliográfica para fins de mapeamento de pesquisas efetuadas na área de estudo, utilizamos, como descritores de busca: “literacia científica ou 30 alfabetização científica”; “literacia científica na formação do professor”; “educação científica na Educação Infantil”; “formação continuada de professores da Educação Infantil”; e “literacia científica na formação continuada de professores da Educação Infantil”. Esse levantamento bibliográfico é um instrumento que procura localizar a produção científica associada com o tema da pesquisa, na perspectiva de mapear essa produção, abrangendo o período de 2010 a 2017. Adotamos como referência a segunda edição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil-DCNEI, editada a partir da Resolução nº 5 de 17 de dezembro de 2009, da Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. A escolha desse período, com base nesse documento do MEC, se relacionou ao processo de revisão de “[...] concepções sobre educação de crianças em espaços coletivos e, de seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras de aprendizagens e do desenvolvimento das crianças.” (BRASIL, 2010, p. 7). Com o intuito de compreender a realidade da Educação Infantil do Município de Amajari, Roraima, e analisar os desafios e identificar as possibilidades para a formação continuada de professores de crianças de 4 e 5 anos, realizamos entrevistas semiestruturadas, empregando a técnica da roda de conversa, com os coordenadores educacionais da Secretaria Municipal, com os gestores e com os professores das crianças. Para conhecer o perfil desse corpo profissional, sua situação funcional no sistema educacional e verificar algum indicativo de seu nível de literacia científica, um questionário semiaberto foi a eles aplicado. Visitas à sede da Secretaria Municipal de Educação de Amajari e a algumas escolas municipais, para conhecer os ambientes e as condições de trabalho desses profissionais, também fizeram parte dessa etapa de pesquisa de campo. A técnica da Análise de Conteúdo de Bardin (2016) foi usada para a apreciação das falas provenientes das entrevistas e dos registros escritos obtidos por meio dos questionários. O texto desta Tese está organizado em seções. A primeira delas é a Introdução, com a apresentação da trajetória que conduziu à escolha do tema da pesquisa, as questões que permearam a realidade da atuação do professor de crianças de 4 e 5 anos e que suscitaram uma investigação mais acurada dessa situação, no âmbito do Sistema Educacional de Amajari, Roraima, além da indicação resumida da organização metodológica da pesquisa. A segunda seção foi nomeada de “Formação continuada de professores de crianças de 4 e 5 anos para a literacia científica iluminada pela educação científica”. O papel do professor é essencial na mediação para o desenvolvimento da criança, cuja atuação, com essa perspectiva, impulsiona a aprendizagem e faz reconhecê-las como seres culturais (VAN DER 31 VEER; VALSINER, 2014). Koll (2010) remete ao entendimento de Vygotsky (1984) sobre as relações fortemente ligadas entre processo de aprendizado e desenvolvimento e a relação do indivíduo com seu meio sociocultural. Essa segunda seção inclui a subseção “Formação continuada de professores da Educação Infantil: políticas educacionais e educação institucionalizada de crianças”, com a finalidade de refletir sobre a formação continuada desses professores, com base nas políticas educacionais adotadas no Brasil, em face de um cenário de mudanças do mundo contemporâneo, as quais orientam as políticas públicas a serem adotadas no âmbito dos municípios. Ainda nessa segunda seção, há a subseção “A formação continuada de professores de crianças de 4 e 5 anos iluminada pela educação científica”, cuja intenção foi discutir a concepção de educação científica e sua função, para a produção de conhecimentos, e a importância do conhecimento científico para uma conduta democrática e cidadã, levando em conta os avanços tecnológicos, na atualidade. A segunda seção é encerrada pela subseção “Concepções de literacia científica e a formação continuada do professor de crianças de 4 e 5 anos”, que, ao apresentar o conceito de literacia científica, com amparo em diferentes teóricos, procura fazer uma aproximação entre esse conceito e o conceito de educação científica, focalizando a formação continuada de professores pré-escolares. Dessa forma, a formação continuada, cerne deste estudo, se aporta em estudiosos como Diaz (1999), Sampaio e Moura (2003), Santos (2010), Bonito (2012), entre outros. Como fundamento para a formação continuada de professores da Educação Infantil, faz parte desse arcabouço à educação científica para a literacia científica discutida por Carvalho (2009), Chassot (2008), Demo (2000, 2010), Reis (2006) dentre outros. Na terceira seção, “Trajetória metodológica da pesquisa”, focalizamos o percurso metodológico, de abordagem qualitativa, eleito para a produção de dados bibliográficos e empíricos, em que estabelecemos como estratégia, para responder aos objetivos propostos, os procedimentos investigativos a partir das pesquisas exploratória, documental e descritiva. A fim de trazer a compreensão uma realidade pouco conhecida e buscando maior proximidade entre as pesquisas realizadas com afinidade conceitual desta Tese, iniciamos a subseção 3.1 “Estado do conhecimento referente à literacia científica para a formação de professores e da formação continuada de professores da Educação Infantil” com o intuito de mapear o que as pesquisas selecionadas dizem aos aspectos da literacia científica para a formação continuada de professores da Educação Infantil. Como pesquisa exploratória, com o resultado do levantamento bibliográfico possibilitou mapear a produção acadêmica, com ênfase nos estudos da área da Educação, a partir dos programas de pós-graduação stricto 32 sensu,em nível de Mestrado e Doutorado, depositados e disponibilizados nas bibliotecas digitais, nos seus bancos de dados, vinculadas às instituições de educação superior brasileira e portuguesa, com a apreciação dos dados levantados. Para apresentar o contexto investigativo, nessa terceira seção consta a subseção “O contexto investigativo e os participantes”, no qual descrevemos as peculiaridades presentes no Município de Amajari, no âmbito social, cultural e educacional. Diante dessas informações, a subseção “o Sistema de Educação do Município de Amajari – RR” aborda esse sistema municipal de educação, com o intuito de demonstrar como é formado e como funciona, a fim de contribuir com a análise dos dados empíricos obtidos em campo. A quarta seção “Apresentação, análise e discussão dos dados do trabalho de campo”, cujos procedimentos para análise e discussão, buscaram articular os estudos mapeados à luz da teoria eleita, com as informações adquiridas em campo, de forma que, identificados os desafios, se superados, convertam-se em possibilidades para adoção de políticas públicas de formação continuada para os professores de crianças de 4 e 5 anos do Sistema Municipal de Educação de Amajari, Roraima. Consta, na subseção 4.1 “O Plano Municipal de Educação e o Plano Anual de Trabalho de 2017”, a qual se reporta aos documentos oficiais que regem o Sistema Educacional do Município de Amajari. Ademais, explicitamos, discutimos e analisamos na pesquisa em campo, nas subseções 4.2 e 4.3, os dados obtidos nas visitas realizadas às escolas e à Secretaria de Educação do Município pesquisado, as entrevistas e os questionários aplicados aos participantes da investigação, como pesquisa descritiva que mostra as atividades realizadas nas etapas de produção de dados em campo. Diante das questões expostas sobre a formação continuada de professores de crianças de 4 e 5 anos,inseridos em ambiente educacional diverso, multicultural e peculiar dos municípios do Estado de Roraima, especificamente, do Município do Amajari; do reconhecimento de que professores e alunos são sujeitos histórico-culturais; e da compreensão do papel da educação científica como um caminho para a literacia científica da sociedade, esta Tese pretendeu analisar os desafios e identificar as possibilidades para contribuir que a formação continuada, centrada nesses requisitos, conduza esses professores à literacia científica. As reflexões suscitadas pela bibliografia estudada, a qual não se considera esgotada, permitem tomar consciência da profundidade da problemática proposta nesta Tese. Tratar da formação continuada de professores da educação de crianças de 4 e 5 anos considera a criança como parte integrante do estudo, uma vez que ela integra a realidade do sistema educacional municipal. Assim, a pesquisa realizada almejou oferecer elementos para a orientação de 33 formação continuada dos professores que atuam em salas com crianças de 4 e 5 anos, de forma que desenvolvam competências para alcançar um nível de literacia científica, argumentando que domínios de práticas e metodologias pedagógicas específicas são capazes de promover o professor ao ensino das ciências, envolvendo a criança no processo de produção de conhecimentos. Contudo, não é nossa intenção envolver as crianças como participantes da investigação. Encerrando a estruturada Tese, alinhavamos as considerações finais, considerando as implicações da investigação realizada com alguns encaminhamentos para servirem de balizadores e suscitarem discussões, no âmbito do Sistema Municipal de Educação de Amajari – RR, quando iniciarem as atividades de reformulação das políticas públicas de formação continuada dos professores da Educação Infantil desse município e também para futuras pesquisas, no campo da Educação Infantil. Por fim, elencamos as referências bibliográficas consultadas para a preparação desta Tese e inserimos os anexos e apêndices, os quais constituem documentos obrigatórios para a realização da coleta dos dados empíricos da pesquisa em campo. Com base no referencial teórico e nos resultados da análise dos dados obtidos na investigação de campo, escrevemos as considerações finais. Pretendemos legitimar a relevância do objeto de estudo, dos objetivos e do pressuposto que atribuiu significado e sentido à Tese, a qual defende a formação continuada para professores de crianças de 4 e 5 anos com base nos fundamentos da educação científica. Essa visão de formação é capaz de promover o adequado nível de literacia científica nesses profissionais, uma vez que orienta estudos para a sistematização de conhecimentos e oportuniza melhorias no planejamento e organização das atividades. A consequência seria o ensino que promove a literacia científica de crianças de 4 e 5 anos de idade, construindo instrumentos para virem a compreender e intervir com criticidade no mundo contemporâneo complexo e com intensas mudanças promovidas por tecnologias. 34 2 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE CRIANÇAS DE 4 E 5 ANOS PARA A LITERACIA CIENTÍFICA ILUMINADA PELA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA A partir do objetivo geral da pesquisa, que consistiu em analisar os desafios e identificar as possibilidades a serem enfrentados pelo Sistema Municipal de Educação de Amajari, Roraima, para possibilitar formação continuada dos professores de crianças de 4 e 5 anos com os fundamentos da educação científica, a fim de promovê-los à literacia científica, a finalidade desta seção é explicitar os conceitos de formação continuada, educação científica e literacia científica, inspirados por algumas das ideias da Teoria Histórico-Cultural (THC) 10 , as quais desenvolveremos adiante. “Se parte da premissa que o homem é um ser social por natureza, um produto da sociedade e um sujeito das relações sociais.” (PADILLA; CAMACHO, 1998, p. 3). Essa alternativa é explicada com base na compreensão de que professores e crianças são seres sociais, constituídos ao longo da história das suas atividades produtivas, decorrentes de suas culturas geradas na vida em sociedade, aspectos intrínsecos ao Município de Amajari, Roraima. Conforme essa perspectiva teórica, a relação que as crianças estabelecem com os adultos mais experientes proporciona o seu desenvolvimento (VAN DER VEER; VALSINER, 2014), posicionamento que eleva o papel do professor como ação essencial na mediação para o desenvolvimento da criança, uma vez que impulsiona a aprendizagem. Compreender essa condição requer que o professor tenha o conhecimento necessário que resulte no planejamento e incremento das atividades as quais serão realizadas com e pelas crianças, no ambiente escolar, espaço de relações sociais. Ao analisar as condições contextuais do Sistema Municipal de Amajari, Roraima, é possível argumentar que, para as crianças de quatro e cinco anos compreenderem e intervirem com criticidade no mundo contemporâneo complexo e marcado por intensas mudanças promovidas por tecnologias, é preciso que, no caso da educação institucionalizada, os professores da Educação Infantil alcancem adequado nível de literacia científica. Esta seção foi organizada em subseções, as quais contam com alguns dos pressupostos da THC tangenciando a discussão, organizadas como: formação continuada de professores da Educação Infantil: políticas educacionais e educação institucionalizada de crianças; formação 10 Esclarecemos que não é nosso objetivo realizar, nesta seção, um estudo extensivo da Teoria Histórico-Cultural. Porém, seus ideários são adequados ao objeto que se estuda, nesta Tese. 35 continuada de professores de crianças de 4 e 5 anos iluminada pela educação científica; e literacia científica na formação continuada de professores pré-escolares. 2.1 Formação continuada de professores da Educação Infantil: políticas educacionais e educação institucionalizada de crianças Nesta subseção, procuramos refletir sobre a formação continuada de professores, com ênfase na Educação Infantil. Para isso, apresentamos as políticas educacionais adotadas no Brasil, conforme dispõe a legislação e documentos oficiais que norteiam as opções para a adoção de medidas pelos agentes públicos, na condução do processo educativo institucional das crianças e, por conseguinte, na formação continuada dos professores da Educação Infantil. Nesse sentido, discutimos conceitos de formação continuada que abarcam essas políticas educacionais, as quais, diante do cenário de mudanças no mundo contemporâneo, são direcionadas para o atendimento da educação institucionalizada de crianças da Educação Infantil. Como marco inicial para a organização do atendimento da educação institucionalizada das crianças pequenas, temos, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, o reconhecimento da Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica: Art. 29. A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 5 (cinco) anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30. A Educação Infantil será oferecida em: I - creches, ou unidades equivalentes, para crianças de até 3 (três) anos de idade; II - pré-escolas para crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade. (BRASIL, 1996, com esse artigo alterado pela Lei nº 12.796 de 2013). Amparada na Constituição Brasileira de 1988, a LDB nº 9394/96 afirma que a criança deixa de ser objeto de tutela, como ocorria nas legislações anteriores, e se torna sujeito de direitos. O atendimento de crianças em instituições educacionais é fruto de uma construção histórica, a partir de discussões ocorridas entre movimentos em torno da mulher, da criança e do adolescente, de segmentos da sociedade civil e de educadores e pesquisadores da área, as quais trouxeram, para o campo da educação, o trabalho de caráter educativo-pedagógico em atendimento às especificidades das necessidades das crianças de 0 a 6 anos (CERISARA, 2002). “Nesta mesma direção, a LDB também pela primeira vez na história das legislações 36 educacionais brasileiras proclamou a Educação Infantil como direito das crianças de 0 a 6 anos e dever do Estado.” (CERISARA, 2002, p. 328). Como consequência, o MEC, por intermédio do Departamento de Política da Educação Fundamental/Coordenação Geral de Educação Infantil, publica, em 1998, o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI). Concebido como um “[...] guia de reflexão de cunho educacional sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam diretamente com crianças de zero a seis anos, respeitando seus estilos pedagógicos e a diversidade cultural brasileira.” (BRASIL, 1998, p. 7). O RCNEI veicula a ideia de que é função das instituições de Educação Infantil proporcionar um ambiente físico e social rico e desafiador, de modo que as crianças se sintam protegidas e seguras para desenvolver novas aprendizagens, possibilitando novos conhecimentos de si, dos outros e do meio em que vivem (BRASIL, 1998). Cerisara (2002) informa que a versão final foi publicada pelo MEC, sem atender aos pedidos dos pareceristas sobre a necessidade de mais tempo para os debates e discussões em torno desse documento, disponibilizado antes das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1999), estas, de fato, de caráter mandatório. A autora verifica que a parte introdutória do RCNEI apresenta importantes conceitos para a área da Educação Infantil, considerados princípios que permitem avançar na delimitação da especificidade dessa modalidade de educação, com ênfase em [...] criança, educar, cuidar, brincar, relação creche-família, professor de educação infantil, educar crianças com necessidades especiais, a instituição e o projeto educativo. Fala ainda em condições internas e externas com destaque para a organização do espaço e do tempo, parceira com as famílias, entre outros aspectos [...] com ênfase na criança e em seus processos de constituição como ser humano em diferentes contextos sociais, suas culturas, suas capacidades intelectuais, artísticas, criativas, expressivas [...] que a bibliografia citada contempla grande parte da produção recente da área. (CERISARA, 2002, p. 336). No texto do RCNEI, a afirmação “[...] a criança, como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico” (BRASIL, 1998, p. 21), apresenta a importância de o professor saber organizar o espaço educacional e as atividades educativas. É ele quem concebe e coordena ambientes educativos e situações de aprendizagem. Tal intenção requer a elaboração de um programa de ensino cujo pressuposto é a prática pedagógica vista como uma prática social, ou seja, reflexiva, crítica, criativa e transformadora. Essa concepção é encontrada, por exemplo, em Saviani (1996), para quem a educação é um processo histórico cujo compromisso é a transformação da sociedade. 37 Mas, conforme Cerisara (2002), a versão final do RCNEI foi prematura, pois a necessidade de amadurecimento na área persiste questionando, inclusive, se cabe dentro da especificidade da Educação Infantil um Referencial Curricular, levando em conta os sentidos que o termo “currículo” carrega. Não adentraremos nessa discussão, para não fugir do problema e dos objetivos da Tese. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) tem sua primeira versão a partir do Parecer nº 22 de 17 de dezembro de 1998, da Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 23 de março de 1999. Esse Parecer reconhece as crianças como sujeitos de direitos, cidadão em processo e, portanto, objetivos prioritários de políticas públicas, considerando que uma política nacional para a infância é um investimento social (BRASIL, 1999). As DCNEI, conforme relata a parte introdutória do Parecer 22/99, foram elaboradas para nortear os programas voltados para os cuidados e a educação de crianças de 0 a 6 anos em conjunto com as famílias. Essas diretrizes foram inéditas “pelos seus propósitos e pela relevância para a Educação Infantil no âmbito público e privado [...] com mandatórias para todas as instituições de cuidado e educação para as crianças de 0 a 6 anos” (BRASIL, 1999, p. 2). O parecer enfatiza a necessidade de requalificar os programas de atendimento da Educação Infantil buscando o equilíbrio entre os cuidados para as crianças pequenas e a educação que precisam para o seu desenvolvimento, diante das profundas transformações da sociedade e a crescente urbanização das populações com consequências para os vínculos parentais e de vizinhança, o que cria novos contextos para a constituição da identidade das crianças. Ressalta ainda que os processos de formação e atualização dos educadores precisam se voltar para a pesquisa, o estudo e a análise dos impactos desses aspectos sobre as crianças e “o conhecimento sobre as áreas específicas das ciências humanas, sociais e exatas acopladas às tecnologias leve em conta o „por que‟, „para que‟, „para onde e quando‟, do cuidado e da educação com as crianças pequenas” (BRASIL, 1999, p. 5). Essas DCNEI foram revistas a partir da Resolução CNE/CEB nº 5/2009 e editadas em 2010. Elas reiteram o que preconiza a LDB nº 9394/96, no item 2 - Das definições sobre a Educação Infantil, como a primeira etapa da Educação Básica. Segundo o novo texto das DCNEI, a criança é “[...] sujeito histórico e de direitos que nas interações e relações cotidianas constrói sua identidade pessoal e coletiva, constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.” (BRASIL, 2010, p. 12). O currículo, por sua vez, é concebido como o 38 [...] conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. (BRASIL, 2010, p. 12). Essa concepção de criança e uma nova perspectiva para a Educação Infantil induzem a observar um novo fazer pedagógico para além do desenvolvimento cognitivo, considerando as especificidades das crianças, por meio de propostas pedagógicas elaboradas a partir da vivência cotidiana da criança, do que faz sentido e tem significado para ela (CARMO et al., 2016). Segundo as DCNEI, as propostas pedagógicas para a Educação Infantil devem respeitar os seguintes princípios: éticos – da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade, tendo em vista o bem comum e o meio ambiente, as diferenças culturais, identidades e singularidades; estéticos – da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão; políticos – dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem. Ainda de acordo com as DCNEI (BRASIL, 2010), as práticas pedagógicas terão como eixos norteadores a interação e a brincadeira, de forma que sejam garantidas experiências capazes de promover o conhecimento de si e do mundo; de favorecer a imersão da criança em diversas linguagens e várias formas de expressão; de possibilitar experiências narrativas, apreciação e interação com linguagens oral e escrita, em contextos significativos, para que as crianças tenham acesso a conceitos matemáticos; de proporcionar atividades coletivas e individuais para as crianças; de proporcionar experiências éticas e estéticas com outras crianças e grupos sociais e propiciar a interação e o conhecimento das manifestações e tradições da cultura brasileira; de incentivar a curiosidade, a exploração o questionamento, o conhecimento mundo físico e social, do tempo e da natureza; de promover relacionamento e interação com as diversas manifestações das artes; de favorecer a interação para o cuidado, preservação e conhecimento da biodiversidade e sustentabilidade da vida da Terra; de permitir o acesso e uso de materiais e equipamentos tecnológicos. O contexto sociocultural onde se inseriu este estudo conta com a realidade do Estado de Roraima, que consiste em abrigar escolas urbanas, rurais e indígenas no mesmo sistema educacional, o que pode tornar a adoção de políticas públicas de formação continuada dos professores ainda mais desafiadora, considerando a discussão anterior. Nesse caso, é adequado analisar ainda a Resolução nº 3, de 1999, do Conselho Nacional de Educação, a 39 qual fixa as diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas brasileiras (BRASIL, 1999). Essas diretrizes orientam princípios para que o setor público cuide da oferta da educação escolar diferenciada às sociedades indígenas e sejam consideradas as formas de produção do conhecimento, o ensino da língua materna e do português como língua oficial do país, os processos e métodos de ensino-aprendizagem, o uso de materiais didático- pedagógicos elaborados de acordo com o contexto sociocultural de cada etnia. Para as especificidades dessa modalidade educacional diferenciada, essa Resolução orienta que estejam, à frente dessas escolas indígenas, professores preferencialmente pertencentes à mesma etnia da comunidade onde a escola está inserida e que sejam falantes da língua materna dessa etnia. Observamos que o item 9 das DCNEI (BRASIL, 2010) apresenta as orientações à proposta pedagógica destinada às crianças indígenas. Nas comunidades que optarem por essa modalidade de educação escolar, a proposta pedagógica deve: contemplar a manutenção dos conhecimentos crenças, valores, concepções de mundo e as memórias de seu povo, preservando a língua materna e reafirmando a identidade étnica; dar continuidade à educação tradicional oferecida na família; organizar o tempo e as atividades, de acordo com o perfil de cada povo indígena. A proposta pedagógica para a Educação Infantil do campo 11 deve reconhecer os modos próprios de vida no campo, estar vinculada à realidade dessas populações, suas culturas, tradições e identidades; valorizar e evidenciar o saber e o papel dessas populações, na produção de conhecimentos sobre o mundo e o ambiente natural. Esses documentos de políticas educacionais do MEC apresentam, na sua estrutura, pensamentos teóricos que norteiam o processo de institucionalização educacional de crianças pequenas, veiculando a concepção de criança como sujeito social e histórico, parte de uma organização familiar inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico. Ao contemplar essas categorias no conteúdo dos documentos oficiais, assumem a concepção de criança para quem serão dirigidas as políticas educacionais e sob que perspectivas o cuidado e a educação necessitam se organizar, ou seja, a atuação do poder público junto à criança deixa ser vista como uma ação meramente assistencialista e passa considerá-las protagonistas de suas histórias, portanto sujeito de direitos. 11 A Educação Infantil do campo, na Resolução nº 05/2009, é destinada às crianças, filhos de agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, povos da floresta (BRASIL, 2010). 40 Essas são ideias que se aproximam às do enfoque da escola histórico-cultural, e sua base teórica psicológica se aplicada à educação, permite compreender como se processa a aprendizagem e o desenvolvimento do indivíduo. A formação de professores, por sua vez, necessariamente necessita de uma concepção teórica que fundamente a discussão e leve em consideração as questões inerentes às condições da vida social e dos processos histórico- culturais dos envolvidos. A concepção histórico-cultural da aprendizagem, segundo Hentz (1998), se preocupa com a compreensão de as interações sociais atuarem na formação das funções psicológicas superiores. Sob essa concepção, todos são capazes de aprender e compreender as relações e interações sociais estabelecidas pelas crianças e os jovens, trazendo a apropriação do conhecimento. O desenvolvimento da pessoa está vinculado a uma história, a uma cultura, na qual as experiências adquiridas, os hábitos, os valores e seu próprio idioma são fatores da formação do conhecimento e da cultura do indivíduo. A relação entre as pessoas que estão em convivência e interagindo em um meio social, que, somadas suas próprias experiências, se modificam e transformam a si e aos outros. Dessa forma, é possível compreender que “[...] formação e transformação da sociedade humana ocorre de modo dinâmico, contraditório e através de conflitos.” (REGO, 2001, p. 97). A discussão em torno do papel do professor nos processos de aprendizagem das crianças pequenas se dá a partir da compreensão de que a criança aprende interagindo com outras crianças e com os adultos, no meio social e cultural e que esse aprendizado ocorre com as brincadeiras que realiza, experimentando novas vivências e explorando o mundo que as cerca. Por serem naturalmente curiosas e observadoras, o ensino das ciências para essas crianças é pertinente ao considerar que, por serem ávidas para conhecerem o mundo, questionam e procuram sentido para os fenômenos da natureza, o uso de equipamentos tecnológicos, buscando respostas para suas indagações, o que contribui para que tenham consciência, com visão crítica, do seu entorno e dos fatos científicos de forma ativa e criativa. Por intermédio da iniciação à ciência o espírito científico é desenvolvido e contribui para que as crianças reflitam sobre a vida ao seu redor (PAIVA, 2012). Nesse sentido, a aprendizagem promovida pelo ambiente escolar tem significado, uma vez que “[...] o aprendizado escolar é elemento central no seu desenvolvimento.” (KOLL, 2010, p. 64). Com a intervenção dos professores, a partir do conhecimento do nível de desenvolvimento dos alunos, é possível dirigir o ensino para estágios de desenvolvimento ainda não alcançados por eles. Reconhecer que a criança possui uma história e uma cultura, que é um ser social, quando começa a frequentar a escola, é fundamental para um 41 desenvolvimento amplo e harmônico. É no meio social que se encontram os instrumentos e os símbolos que medeiam as relações do indivíduo com o mundo. O professor que assim compreende desempenhará seu papel com essa intenção, com a consciência de sua ação pedagógica para esse fim. Em se tratando da atuação de professores da Educação Infantil, é necessário entender a essência dos documentos oficiais de ordem legal e normativa, os quais disciplinam a estrutura e o funcionamento da Educação brasileira em sua ação sistêmica, perpassada pela União, pelos Estados, alcançando os municípios. Esses documentos também preconizam a formação continuada para o professor da Educação Infantil. O artigo 63, inciso III, da LDB nº 9394/96, trata da importância da formação continuada dos professores e orienta para a organização de programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis. No artigo 67, determina que os sistemas de ensino promoverão a valorização da educação, com o aperfeiçoamento profissional continuado, dentre outros procedimentos (BRASIL, 1996). Em relação aos professores indígenas, a Resolução nº 03/99 (BRASIL, 1999) exige que eles tenham formação intercultural e bilíngue e que seja garantida a formação em serviço, continuada, com ênfase na formação progressiva desses professores para a elaboração, o desenvolvimento e a avaliação de currículos e programas para essas escolas, bem como para a produção de materiais didáticos em língua materna, com conteúdos relevantes e a utilização de metodologias adequadas de ensino e pesquisa, conforme preconiza o artigo 6º: A formação dos professores das escolas indígenas será específica, orientar-se-á pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e será desenvolvida no âmbito das instituições formadoras de professores. Parágrafo único. Será garantida aos professores indígenas a sua formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização. (BRASIL, 1999, p. 2). Segundo o artigo 9º dessa Resolução, os sistemas estaduais de educação se responsabilizarão, dentre outras competências, pela oferta e execução da educação escolar indígena diretamente ou mediante regime de colaboração com os municípios e com a promoção da formação inicial e continuada dos professores indígenas. No artigo 13, estabelece que “[...] a educação infantil será ofertada quando houver demanda da comunidade interessada.” (BRASIL, 1999, p. 2). Em seguida, o MEC elabora e publica, em 2002, os Referenciais para a formação de professores indígenas. Dentre os objetivos do documento, estão as “[...] orientações a serem observadas pelos sistemas de ensino na implantação de programas específicos de formação de 42 professores indígenas.” (BRASIL, 2002a, p. 5). No texto é possível observar a consideração de que professores indígenas atuam sem a formação mínima preconizada pela legislação e se destaca o desafio da progressiva qualificação da educação escolar indígena, por meio da preparação de professores no magistério intercultural de nível médio e superior; a importante atuação dos professores indígenas como protagonistas de um projeto social de dimensões coletivas, sendo-lhes atribuído o complexo papel de compreender e transitar, com responsabilidade, nas relações entre a sociedade nacional e a sua comunidade. Isso de modo a intervir, como interlocutores privilegiados, em muitas culturas, entre diferentes mundos, necessitando, para isso, acessar e compreender conceitos, ideias, categorias para além de sua própria formação cultural, desempenhando novo papel social e ressignificando, a todo o momento, a sua cultura. Diante dessas orientações em respeito aos diferentes povos e suas organizações sociais, em seus diversos contextos, para os professores desempenharem suas atividades na Educação Infantil, em uma realidade tão singular, precisam de que sua formação abarque esses aspectos. A dimensão e a responsabilidade da educação escolar indígena, o perfil do profissional e as competências que deverá desenvolver, a fim de atuar nessa categoria de ensino, apontam para a necessidade de discutir e refletir sobre o campo da formação dos professores indígenas, levando em consideração que a maioria dos professores indígenas se encontra em serviço e, por isso, reúne acúmulo de práticas e conhecimentos advindos da experiência do cotidiano escolar. Ainda em relação aos documentos oficiais, os Referenciais para a Formação do Professor (RFP), os quais têm por finalidade orientar transformações na formação de professores, reconhecem que a formação em nível superior não é por si só garantia de qualidade, tão pouco é suficiente para o desenvolvimento profissional, “[...] o que torna indispensável a criação de sistemas de formação continuada e permanente para todos os professores” (BRASIL, 2002b, p. 17), de maneira que o papel de organização e promoção da formação continuada é das secretarias de educação. São as secretarias de educação que realizam o acompanhamento sistemático às equipes escolares, fixam diretrizes, organizam eventos de atualização e promovem programas de formação (BRASIL, 2002b).