UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Programa de Pós-graduação em Design Estratégias de construção para estruturas têxteis vestíveis PATRÍCIA DE MELLO SOUZA Orientadora: Profa. Dra. Marizilda dos Santos Menezes Bauru, São Paulo 2013 PATRÍCIA DE MELLO SOUZA Estratégias de construção para estruturas têxteis vestíveis Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Design da Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Campus de Bauru, para obtenção do título de Doutor em Design (Área de Concentração: Desenho de Produto). Orientadora: Profa. Dra. Marizilda dos Santos Menezes Bauru, São Paulo 2013 DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO UNESP – BAURU Souza, Patrícia de Mello. Estratégias de construção para estruturas têxteis vestíveis / Patrícia de Mello Souza, 2013 198 f. : il. Orientadora: Marizilda dos Santos Menezes Tese (Doutorado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2013 1. Design de moda. 2. Recursos construtivos. 3. Estruturas têxteis. 4. Caimento. 5. Modelagem. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título. BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Marizilda dos Santos Menezes Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP Orientadora Profa. Dra. Ana Cristina Broega Universidade do Minho Prof. Dra. Isabel Cristina Italiano Universidade de São Paulo – USP Profa. Dra. Monica Cristina de Moura Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP Prof. Dr. Luís Carlos Paschoarelli Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por ter me revelado o caminho que deveria seguir e por ter me conduzido e sustentado durante toda a trajetória. Agradeço a Ele por ter me cercado de pessoas especiais, e a estas – queridos colegas, alunos e orientadora – agradeço pela grande contribuição na construção deste trabalho, cada qual no seu tempo e a seu modo. Obrigada, Ana Cristina Broega Bárbara Pereira Andrade Betina Grosser Martins Carolini de Souza Gonçalves Cláudio Pádua Rodrigues Cristina Salussolia Francielle de Camargo Bolsok Iakyma Rejane Silva Lima Ivano Salussolia Lara Beatriz Jóia Marizilda dos Santos Menezes Renata Secco Gomes dos Santos Túlio Sousa Costa Agradeço ainda a meus amados filhos, pais e irmãs e à queridíssima amiga Dorotéia. Seria impossível atribuir palavras capazes de representar a importância da contribuição de cada um de vocês, tampouco mensurar o bem que me fizeram. SOUZA, Patrícia de Mello. Estratégias de construção para estruturas têxteis vestíveis. 2013. Tese (Doutorado em Design) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru. 2013. RESUMO ESTRATÉGIAS DE CONSTRUÇÃO PARA ESTRUTURAS TÊXTEIS VESTÍVEIS Este estudo versa sobre o processo construtivo no âmbito do design de moda na busca de novas estratégias para o desenvolvimento de produtos. Aborda o conceito de construção de modo amplo relacionando moda e arquitetura como forma de identificar princípios estruturais similares e pensamentos construtivos análogos. Investiga a aplicação de diferentes recursos de construção a materiais têxteis distintos para avaliar a aplicabilidade do recurso como elemento estruturante, e o comportamento do material no que se refere a aspectos de caimento, mediante as inúmeras intervenções. Os dados são coletados por meio de levantamento e experimento, gerados em laboratório e em pesquisa de campo. Na fase de experimentação, técnicas de modelagem tridimensional viabilizam as construções que são estruturadas pelos recursos. Em laboratório, procede-se a análise objetiva para medição do caimento de um conjunto de amostras com os diferentes recursos aplicados, gerando coeficientes numéricos. As mesmas amostras são submetidas à avaliação subjetiva baseada na análise sensorial. Correlacionam-se os dados que comprovam que a aplicação de determinados recursos construtivos ao material têxtil, promove neste, transformações de ordem técnica e estética, que combinadas a estratégias de construção viabilizam novas estruturas que questionam parâmetros vigentes – estabelecidos pelo uso – nas relações entre materiais têxteis e suas aplicações. Palavras-chave: Design de moda. Recursos construtivos. Estruturas têxteis. Caimento. Modelagem. SOUZA, Patrícia de Mello. Construction strategies for wearable textile structures. 2013. Tese (Doutorado em Design) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru. 2013. ABSTRACT CONSTRUCTION STRATEGIES FOR WEARABLE TEXTILE STRUCTURES The present study deals with the construction process within the scope of fashion design in search of new strategies for product development. It gives a wide approach to the concept of construction, establishing relations between fashion and architecture as a way to identify similar structural principles and analogue constructive notions. It investigates the application of different resources from construction to distinct textile materials, in order to evaluate the applicability of these resources as a structuring element, and the materials' behavior in what refers to aspects of fall and fit, through endless interventions. Data was collected through assessment and experimentation, generated in laboratory and field research. In the experimentation stage, three- dimensional patterning techniques made possible the constructions structured by the resources. In the laboratory, an objective analysis followed, to measure the fall and fit of a set of samples with the different applied resources, generating numerical coefficients. The same samples were submitted to a subjective evaluation based on sensory analysis. The data was correlated, proving that applying determined constructive resources to the textile material promotes, in the latter, transformations of technical and aesthetic order, which, when combined with construction strategies, make new structures possible, leading to a questioning of present parameters – established through use – in the relations between textiles and their applications. Key-words: Fashion design. Construction resources. Textile structures. Fall and fit. Patterning. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Esquema geral da tese............................................................................................................................ 14 Figura 2: Refuge Wear .......................................................................................................................................... 17 Figura 3: Abu Dhabi Performing Arts Centre......................................................................................................... 20 Figura 4: Bainhas infláveis..................................................................................................................................... 21 Figura 5: Inserção de Ar nas Estruturas ................................................................................................................ 22 Figura 6: Casa Básica.............................................................................................................................................. 23 Figura 7: Tree Tents .............................................................................................................................................. 23 Figura 8: Variação de volume ............................................................................................................................... 34 Figura 9: Variação de largura................................................................................................................................. 34 Figura 10: Variação de volume e comprimento .................................................................................................... 35 Figura 11: Variação de aplicação e efeitos de caimento ....................................................................................... 36 Figura 12: Saia Balenciaga ..................................................................................................................................... 36 Figura 13: Modelagem plana da saia..................................................................................................................... 37 Figura 14: Composição de círculos: frente, costas e planificação......................................................................... 37 Figura 15: Estrutura circular com sobreposição de camadas ............................................................................... 38 Figura 16: Estrutura circular para gerar volume ................................................................................................... 39 Figura 17: Estrutura circular para gerar encaixes.................................................................................................. 39 Figura 18: Estrutura circular no produto e na modelagem plana.......................................................................... 40 Figura 19: Contornos circulares alteram a silhueta............................................................................................... 41 Figura 20: Traçado circular. Forma circular positiva. Forma negativa. Segundo módulo...................................... 42 Figura 21: Forma circular negativa........................................................................................................................ 43 Figura 22: Forma circular positiva.......................................................................................................................... 43 Figura 23: Detalhes da gola, manga e busto. Volume da parte circular negativa em superfície plana................. 44 Figura 24: Triângulo gera volume localizado......................................................................................................... 46 Figura 25: Triângulos suprimidos geram volume tridimensional........................................................................... 46 Figura 26: Inserção de triângulos gera volume e altera silhueta........................................................................... 47 Figura 27: Manipulação de triângulos gera diferenciação..................................................................................... 47 Figura 28: Silhuetas de Isabel Toledo.................................................................................................................... 48 Figura 29: Homem grego vestindo Kalasiris........................................................................................................... 50 Figura 30: Modelagem do Kalasiris evidencia a aplicação de triângulos............................................................... 50 Figura 31: Kalasiris: tecido plano, manga justa, malha frente e costas................................................................. 51 Figura 32: Novo traçado da manga com ângulo reto e curvas para amenizar...................................................... 52 Figura 33: Frente de teste do Kalasiris esquema de triângulos............................................................................. 53 Figura 34: Geração de mangas e esquema de triângulos...................................................................................... 53 Figura 35: Adaptação de modelo: frente, costas e detalhe sob a manga com esquema de triângulos................ 53 Figura 36: Molde e supressão de triângulos.......................................................................................................... 55 Figura 37: Primeiro teste e inadequações............................................................................................................. 56 Figura 38: Resultado e amarrações com indicações da forma triangular............................................................. 56 Figura 39: Novas cavas e aplicabilidade do triângulo............................................................................................ 57 Figura 40: Interpretação de modelo com indicações da forma triangular............................................................ 57 Figura 41: Exemplo de resolução de confecção..................................................................................................... 61 Figura 42: Exemplo de resolução de confecção..................................................................................................... 62 Figura 43: Exemplo de resolução de confecção... ................................................................................................. 63 Figura 44: Alteração do volume após união dos planos... .................................................................................... 64 Figura 45: Divisões da base trapezoidal... ............................................................................................................. 64 Figura 46: Exemplo de articulação de planos... .................................................................................................... 65 Figura 47: Silhueta de referência... ....................................................................................................................... 66 Figura 48: Inserção de elementos independentes.. .............................................................................................. 66 Figura 49: Exemplo de inserção de elementos independentes... ......................................................................... 67 Figura 50: Exemplo de intervenção na superfície têxtil... ..................................................................................... 68 Figura 51: União de um plano poligonal e um plano com corte côncavo.............................................................. 70 Figura 52: União de um plano poligonal e um plano com corte convexo............................................................. 70 Figura 53: Alteração no molde do plano convexo.... ............................................................................................ 70 Figura 54: Coleção Habita-te................................................................................................................................. 73 Figura 55: Exemplo de vazados... .......................................................................................................................... 74 Figura 56: Comparação: silhuetas frontais............................................................................................................ 74 Figura 57: Comparação: silhuetas laterais............................................................................................................. 75 Figura 58: Intervenção com costuras.................................................................................................................... 76 Figura 59: Resultado com intervenção na superfície têxtil.................................................................................... 76 Figura 60: Princípios de dobradura na construção de Yoshiki Hishinuma............................................................. 79 Figura 61: Dobraduras no Projeto Bad Press: Dissident Housework Series....... ................................................... 80 Figura 62: Princípios de Suspensão na construção de Isabel Toledo..... ............................................................... 81 Figura 63: Pele estrutural na construção de Toyo Ito............................................................................................ 82 Figura 64: Pele estrutural na construção de Cláudio Pádua.................................................................................. 82 Figura 65: Complexidade na geometria construtiva de Rei Kawakubo................................................................. 83 Figura 66: Complexidade na geometria construtiva de Rei Kawakubo................................................................. 84 Figura 67: Geometria orgânica para construir Arquitetura Líquida....................................................................... 84 Figura 68: Geometria atemporal de Nanni Strada................................................................................................. 85 Figura 69: Mobius Dress: configurações geométricas para vistas de frente, costas e laterais.............................. 86 Figura 70: Geometria texturizada.......................................................................................................................... 87 Figura 71: A-POC: Geometria recortável............................................................................................................... 88 Figura 72: Geometria dobrável.............................................................................................................................. 88 Figura 73: Geometria flexível e articulável............................................................................................................ 89 Figura 74: Desconstrução para construir............................................................................................................... 91 Figura 75: Desconstrução e reciclagem para construir.......................................................................................... 92 Figura 76: Carbon Tower: tecer e trançar para construir...................................................................................... 93 Figura 77: Tecer e trançar para construir.............................................................................................................. 94 Figura 78: Curtain Wall House………….................................................................................................................... 95 Figura 79: Perfect Home........................................................................................................................................ 97 Figura 80: Receptive Knot...................................................................................................................................... 102 Figura 81: Shifting Relations.................................................................................................................................. 102 Figura 82: Diferentes comportamentos do material têxtil.................................................................................... 104 Figura 83: Método para prática estudantil: medição do cair................................................................................ 108 Figura 84: Moldes planos usados para construir produtos com materiais diferentes.......................................... 109 Figura 85: Moldes planos usados para construir produtos com materiais diferentes.......................................... 111 Figura 86: Jaqueta para ciclista 1........................................................................................................................... 120 Figura 87: Jaqueta para ciclista 2........................................................................................................................... 120 Figura 88: Jaqueta para ciclista 3........................................................................................................................... 121 Figura 89: Jaqueta para ciclista 4........................................................................................................................... 121 Figura 90: Exposição das amostras para avaliação subjetiva................................................................................. 138 Figura 91: Avaliação subjetiva............................................................................................................................... 139 Figura 92: Avaliação subjetiva............................................................................................................................... 139 Figura 93: Avaliação subjetiva............................................................................................................................... 140 Figura 94: Avaliação subjetiva............................................................................................................................... 140 Figura 95: Avaliação subjetiva............................................................................................................................... 140 Figura 96: Avaliação subjetiva............................................................................................................................... 141 Figura 97: Drapemeter........................................................................................................................................... 151 Figura 98: Recurso APRs2 poliéster....................................................................................................................... 151 Figura 99: Recurso APRs2 algodão......................................................................................................................... 152 Figura 100: Recurso APRc4 poliéster..................................................................................................................... 152 Figura 101: Recurso APRc4 algodão...................................................................................................................... 152 Figura 102: Recurso APS4 poliéster....................................................................................................................... 153 Figura 103: Recurso APS4 algodão........................................................................................................................ 153 Figura 104: Stiffness Tester................................................................................................................................... 154 Figura 105: Princípio do ensaio de flexão.............................................................................................................. 154 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Escala para avaliação de tecidos........................................................................................................... 106 Tabela 2: Características dos tecidos usados para construir os produtos da Figura 84........................................ 109 Tabela 2: Características dos tecidos usados para construir os produtos da Figura 84........................................ 109 Tabela 3: Características dos tecidos usados para construir os produtos da Figura 85........................................ 112 Tabela 4: Estrutura metodológica da pesquisa na primeira fase.......................................................................... 116 Tabela 5: Especificações técnicas.......................................................................................................................... 124 Tabela 6: Recursos construtivos experimentados e avaliados.............................................................................. 126 Tabela 7: Bases para construção de recursos....................................................................................................... 127 Tabela 8: Círculo: bases e variações...................................................................................................................... 128 Tabela 9: Linhas: bases e variações....................................................................................................................... 129 Tabela 10: Triângulos: bases e variações.............................................................................................................. 130 Tabela 11: Legenda............................................................................................................................................... 131 Tabela 12: Procedimentos para execução das amostras...................................................................................... 132 Tabela 12: Procedimentos para execução das amostras...................................................................................... 133 Tabela 12: Procedimentos para execução das amostras...................................................................................... 134 Tabela 12: Procedimentos para execução das amostras...................................................................................... 135 Tabela 12: Procedimentos para execução das amostras...................................................................................... 136 Tabela 13: Bases planificadas e caimento das amostras em algodão................................................................... 142 Tabela 13: Bases planificadas e caimento das amostras em algodão................................................................... 143 Tabela 13: Bases planificadas e caimento das amostras em algodão................................................................... 144 Tabela 14: Bases planificadas e caimento das amostras em poliéster................................................................. 145 Tabela 14: Bases planificadas e caimento das amostras em poliéster................................................................. 146 Tabela 14: Bases planificadas e caimento das amostras em poliéster................................................................. 147 Tabela 15: Caimento das amostras em algodão e poliéster................................................................................. 148 Tabela 15: Caimento das amostras em algodão e poliéster................................................................................. 149 Tabela 15: Caimento das amostras em algodão e poliéster................................................................................. 150 Tabela 16: Resultado das experiências da primeira fase...................................................................................... 155 Tabela 17: Planejamento para orientar a discussão dos resultados..................................................................... 157 Tabela 18: Resultados das amostras de poliéster................................................................................................. 159 Tabela 19: Resultados das amostras de algodão.................................................................................................. 163 Tabela 20: Comparação dos resultados das amostras de poliéster e algodão para recursos iguais ................... 166 Tabela 21: Comparação dos resultados das amostras de poliéster e algodão para recursos diferentes............. 169 Tabela 22: Similaridade entre amostras de poliéster e algodão para recursos iguais.......................................... 172 Tabela 23: Similaridade entre amostras de poliéster e algodão para recursos diferentes................................... 173 Tabela 24: Amostras de poliéster e algodão em três tamanhos........................................................................... 175 Tabela 25: Amostras de poliéster e algodão em três tamanhos e respectivas bases........................................... 176 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................... 11 1 MODA E ARQUITETURA ..................................................................... 15 1.1 CONEXÕES INICIAIS.................................................................................. 15 1.2 O ESPAÇO COMPARTILHADO................................................................... 19 1.3 O PROCESSO QUE PROJETA O ESPAÇO.................................................... 24 2 RECURSOS CONSTRUTIVOS................................................................. 31 2.1 ELEMENTOS DA CONSTRUÇÃO................................................................ 31 2.2 GEOMETRIA............................................................................................. 33 2.2.1 O Círculo......................................................................................... 33 2.2.1.1 Experimentando o círculo................................................... 41 2.2.2 O Triângulo..................................................................................... 44 2.2.2.1 Experimentando o triângulo............................................... 48 2.2.2.1.1 Experimentação do Kalasiris............................... 49 2.2.2.1.2 Experimentação do casaco cita........................... 55 2.3 EXPERIÊNCIAS PROJETUAIS...................................................................... 58 2.3.1 Experiência Projetual 1................................................................... 58 2.3.1.1 Diferentes resoluções de confecção.................................... 61 2.3.1.2 Inserção de elementos independentes................................ 65 2.3.1.3 Intervenção na superfície têxtil........................................... 67 2.3.1.4 Considerações..................................................................... 69 2.3.2 Experiência Projetual 2................................................................... 72 2.3.2.1 Vazados............................................................................... 73 2.3.2.2 Intervenção na superfície têxtil........................................... 75 3 ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS............................................................. 78 3.1 GERAÇÃO DE FORMAS............................................................................. 78 4 ESTRUTURAS TÊXTEIS......................................................................... 96 4.1 MATERIAIS TÊXTEIS.................................................................................. 96 4.2 CAIMENTO............................................................................................... 103 5 METODOLOGIA DA PESQUISA............................................................. 113 5.1 PRIMEIRA FASE........................................................................................ 115 5.2 SEGUNDA FASE........................................................................................ 116 5.3 TERCEIRA FASE......................................................................................... 123 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................. 155 6.1 PRIMEIRA E SEGUNDA FASES................................................................... 155 6.2 TERCEIRA FASE......................................................................................... 157 6.2.1 Recursos construtivos aplicados às amostras de poliéster............. 159 6.2.2 Recursos construtivos aplicados às amostras de algodão.............. 163 6.2.3 Recursos construtivos iguais aplicados às amostras de poliéster e de algodão............................................................................................... 166 6.2.4 Recursos construtivos diferentes aplicados às amostras de poliéster e de algodão............................................................................. 169 6.3 SÍNTESE DOS RESULTADOS E NOVAS SIMULAÇÕES................................. 172 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 177 REFERÊNCIAS...................................................................................... 182 ANEXOS.............................................................................................. 190 INTRODUÇÃO A oportunidade de vivenciar o ambiente de uma indústria de confecção do vestuário de moda por muitos anos trouxe grande experiência e muitas inquietações. A falta de conhecimento sobre o desenvolvimento e a produção dentro de uma dinâmica industrial, aliada a uma curiosidade despertada pelo contato diário com tantos materiais e a uma total liberdade de ação, induziram a uma trajetória de experimentação que já se estende por trinta anos. A experiência física direta introduz a noção do inesperado, a surpresa do acerto ou do erro, a possibilidade do fazer de novo se errar. Em determinados contextos, a falta de conhecimento é o que move esta prática em direção a novas descobertas: talvez seja mais difícil para um profissional experiente que está habituado a procedimentos que funcionam, fazer de outro modo. Cabe ilustrar, citando a figura de uma modelista que tem conhecimento para afirmar que determinados tipos de modelagens, são adequadas para determinados tipos de tecidos. Às vezes esta experiência adquirida impede que se pense de outra forma ou se considere outras questões, o que pode levar a pré-estabelecer determinadas crenças como verdades absolutas. Por exemplo, acreditar que materiais leves e fluidos não se prestariam a silhuetas geométricas e rígidas, ou que tecidos mais encorpados não seriam adequados para silhuetas pouco volumosas ou aderentes. Em abordagens como esta, reside o enfoque deste estudo, cujo interesse foi despertado pela inquietação vivenciada na indústria, e que hoje ainda aflige muitos dos profissionais, que se trata da incumbência de selecionar materiais para os diversos produtos e assumir a difícil tarefa de controlá-los, isto é, de prever, antes do desenvolvimento, se ele vai se comportar como requerido pelo projeto. Com a variedade cada vez maior de materiais, com características, as mais distintas, e de produtos, com configurações e detalhes os mais diversos, tal questão torna-se um desafio. A proposta é simular diferentes comportamentos de materiais a partir da aplicação de um grande número de recursos utilizados na construção de produtos, para investigar as ocorrências e desta forma ampliar o conhecimento acerca da relação entre materiais têxteis e suas aplicações. 12 Trata-se, portanto, de investigar a construção de produtos. A formação em arquitetura, e a atuação no ensino do design de moda, levam a pensar um processo projetual e construtivo conjunto, que envolve intensa experimentação e permite que a teoria seja gerada a partir da prática. Em alguns casos se desenvolvem no contexto da sala de aula, insinuando novos caminhos para o ensino e traçando novas formas de construir. A contribuição mais valiosa destes processos experimentais em design é a oportunidade de especular sobre uma nova construção. Nesse contexto é possível vislumbrar a contribuição da presente pesquisa . O desenvolvimento de produtos a partir de novas estratégias de construção instiga à revisão de processos – de modelagem e de montagem – e remete a uma quebra de paradigma no que se refere às relações existentes entre materiais têxteis e suas aplicações. Ao propor a aplicação de diversos recursos construtivos às variadas estruturas têxteis cria-se a possibilidade de não só utilizar os materiais se apropriando de suas características intrínsecas, mas também novos caminhos se abrem para manipular seu aspecto e caimento para que sejam utilizados para outros fins. Portanto, pelo exposto, a investigação aqui relatada pretende responder à seguinte questão: como conferir novas funcionalidades aos materiais têxteis para ampliar as possibilidades de uso no desenvolvimento de produtos de moda? Para tanto, deve validar a seguinte hipótese: “A aplicação de determinados recursos construtivos ao material têxtil, promove neste, transformações de ordem técnica e estética, que combinadas a estratégias de construção viabilizam novas estruturas que questionam parâmetros vigentes – estabelecidos pelo uso – nas relações entre materiais têxteis e suas aplicações.” O objetivo desta pesquisa é, então, investigar o processo de construção no âmbito do design de moda, validando estratégias para a aplicação de diferentes recursos construtivos aos materiais têxteis, como forma de obter novas estruturas. São objetivos específicos deste estudo:  correlacionar moda e arquitetura nos seus múltiplos aspectos;  identificar estruturas construtivas nos diversos suportes;  avaliar a aplicabilidade dos elementos ou sistemas estruturantes na construção; 13  comparar a aplicação de diferentes recursos construtivos a materiais têxteis diversos;  relacionar possibilidades morfológicas, estruturais e construtivas condizentes com o processo de desenvolvimento;  discutir as características dos materiais têxteis e suas relações com os demais fatores que influenciam no caimento;  aplicar técnicas de modelagem tridimensional como instrumento de criação, construção e avaliação de processo;  testar estratégias de construção;  experimentar as inúmeras possibilidades decorrentes da vivência do processo de construção de produtos;  correlacionar os dados resultantes das avaliações objetivas e subjetivas;  validar a aplicabilidade dos recursos de construção. A pesquisa está estruturalmente organizada em seis capítulos. No primeiro, traça-se uma trajetória de confluência entre moda e arquitetura: inicia-se com a vestimenta como forma de abrigo e a noção do vestir como o primeiro princípio construtivo das edificações. Evolui-se para o processo de organização da indústria da moda que se confunde com o debate sobre a padronização da arquitetura. Ao longo do percurso, registram-se exposições onde a arquitetura usa o traje como uma forma de crítica e critérios arquitetônicos são usados para avaliar os trajes. Culmina-se com a projetação de um espaço que é compartilhado para abrigar o corpo. O segundo capítulo aborda os elementos que envolvem a construção e discute estruturas identificadas em diferentes suportes. Busca aporte no registro das experimentações, com o objetivo de fornecer subsídios ao estudo dos recursos construtivos, uma vez que se constata a escassez de estudos que abordem especificamente o tema. Em Estratégias Construtivas, que constitui o terceiro capítulo, flexibiliza-se o conceito de construção e abordam-se diferentes formas de construir, identificando princípios similares que estruturam tanto o produto de moda quanto a edificação, evidenciando um pensamento construtivo análogo entre as áreas. 14 O quarto capítulo evidencia a importância do material como fator determinante da construção e discute suas potencialidades técnicas e expressivas, vinculando-as a distintas aplicações. Demonstram-se procedimentos simples para comparar de forma prática como se comportam diferentes tecidos e investigar como suas características influenciam no caimento e no resultado formal do produto No quinto capítulo traça-se a estrutura metodológica da pesquisa que é dividida em três diferentes fases, de modo a contemplar avaliações subjetivas e objetivas, posteriormente correlacionadas. No sexto e último capítulo, são apresentados os resultados finais, e em seguida, as considerações que encerram este trabalho de investigação. A Figura 1 ilustra a trajetória deste estudo. Figura 1: Esquema geral da pesquisa Fonte: Própria, 2013. 15 1 MODA E ARQUITETURA 1.1 Conexões Iniciais A prática construtiva valida a apropriação de conceitos e estruturas advindos das mais variadas áreas para solucionar problemas e gerar inovação. Nesse sentido, para responder às necessidades contemporâneas e contemplar as mudanças sociais e ambientais dos últimos tempos, profissionais das áreas da arquitetura e do design têm reavaliado aspectos fundamentais de suas práticas. Para Hodge (2007), arquitetos questionam o papel dos tradicionais tijolos e estruturas de argamassas e referem-se a uma maneira têxtil de pensar; designers de moda voltam-se para estruturas arquitetônicas e relacionam a modelagem a uma tomada de partido sobre o corpo 1 . Cada vez mais, compartilham técnicas e flexibilizam os aspectos que envolvem a construção. Como resultado, por um lado tem-se um vestuário de crescente sofisticação e complexidade estrutural, e por outro, edificações mais leves que refletem a incorporação de técnicas como: dobrar, preguear e drapear, ao vocabulário arquitetônico. Apesar de não ser possível precisar a origem dessas influências, entende-se que uma relação estética formal entre peças do vestuário e arquitetura já estava explícita há séculos. Segundo Mello (2010), os diademas em ouro que datam do século III a.C. ornamentados com volutas em alto-relevo já reproduziam o formato típico da arquitetura greco-romana. Existem, no entanto, relatos que remetem a períodos anteriores a esse, nos quais as peles de animais eram utilizadas como cobertura para o próprio corpo e também como abrigo, revestindo a estrutura bruta das paredes das habitações, estabelecendo uma possível relação funcional. Em 1898, ano da publicação da obra The Principle of Dressing, seu autor, o arquiteto Adolph Loos, ao identificar na vestimenta uma forma de abrigo para o corpo, sugere que o conhecimento próprio da engenharia têxtil, bem como suas técnicas, poderiam ser empregados como princípios construtivos das edificações, estruturando espaços mais amplos, ao serem aplicados em materiais mais rígidos que os têxteis 1 A estruturação da forma geral é chamada de partido, que é o resultado formal da edificação, viabilizado por uma série de condicionantes de ordem técnica e estética relacionados entre si. 16 (QUINN, 2003). Ao traçar tal paralelo conceitual e estrutural, argumenta que possivelmente Loos tenha sido um dos primeiros a estabelecer conexões entre moda e arquitetura. De fato, a moda permeava o discurso arquitetônico do Modernismo. Kinney (2009) refere-se à descoberta de uma possível “lógica de roupas” na arquitetura moderna e à possibilidade da moda funcionar como um parceiro silencioso da vanguarda da inovação na arquitetura da época. Afirma que alguns dos arquitetos modernos como: Henry Van de Velde, Josef Hoffmann, Lilly Reich e Frank Lloyd Wright desenhavam roupas, enquanto outros como: Otto Wagner, Hermann Muthesius e o já citado Adolf Loos escreviam sobre moda. Tal contexto é abordado e discutido de forma criteriosa em: White Walls, Designer Dresses: The Fashioning of Modern Architecture, obra de Mark Wigley, que expande o tema tratado anteriormente em Architecture: In Fashion, cuja autoria, compartilha com Mary MacLeod; e mais tarde, nos estudos de Frederic J. Schwartz, que além de discutir muitas das fontes averiguadas pelos antecessores, ainda incorpora escritos de economistas e sociólogos. Para Kinney (2009), essas três publicações são complementos indispensáveis – assim como a relevância do debate em torno da formação de Werkbund, iniciada em 1907 – para a compreensão das conexões entre moda e arquitetura. Cabe mencionar ainda, a relevância de Adorned in Dreams (1985), de Elizabeth Wilson, que aborda questões que fizeram com que a moda se tornasse importante para os historiadores da arquitetura – o livro faz ligações entre comunicação de massa, design industrial e urbanismo. O processo de organização da indústria da moda pode ser correlacionado com a evolução da arquitetura contribuindo para elucidar o debate do início do século XX sobre a padronização arquitetônica – adotada como solução para os problemas individuais de estilo – e a identificação de tipos ideais. A exposição Are Clothes Modern? organizada por Bernard Rudofsky, em 1944 , para o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, aborda e reflete de modo não convencional tal padronização e uniformidade. O traje é mostrado como uma crítica da arquitetura moderna, especificamente da racionalização excessiva e do desrespeito aos hábitos domésticos típicos do estilo internacional (KINNEY, 2009). A partir dos anos 80, significativos eventos contribuem com mudanças culturais 17 em cada um dos referidos campos. Para Hodge (2007), embora várias conexões históricas possam ser traçadas entre moda e arquitetura, a exposição Intimate Architecture: Contemporary Clothing Design, organizada por Susan Sidlauskas, em 1982, pode ser considerada a primeira apresentação pública para analisar aspectos arquitetônicos do design de vestuário contemporâneo, estabelecendo uma ligação formal entre as duas práticas. Na ocasião foram examinados os trabalhos formais de oito designers de moda a partir do ponto de vista arquitetônico. Na preparação para a troca do milênio, governantes e institutos de pesquisa promovem o renascimento de uma visão de futuro determinada pelo progresso da ciência e das novas tecnologias. Segundo, Colchester (2009), a britânica Lucy Orta reinterpreta tais visões ultra-fututuristas de uma forma flexível, por meio de estruturas têxteis experimentais que explora a relação entre a vestimenta e a arquitetura. Com Habitent (1992-93), construído a partir de alumínio revestido com forro de poliamida, traduz as habitações rudimentares feitas de sacos de dormir e as caixas de papelão dos sem-teto, em tecidos de alto-desempenho, levando as pessoas a questionar o otimismo tecnológico. A série Refuge Wear (1992-98), aborda o vestuário como elemento de sobrevivência e de inter-relação, mostrando estruturas que são habitat onde vários corpos podem vincular-se uns aos outros por meio do contato direto ou de ligações viabilizadas pelos têxteis (Figura 2). Figura 2: Refuge Wear Fonte: STUDIO ORTA , 2012 18 Hodge (2007) acredita que dois fatores em especial, que vem sendo observados, a partir das últimas duas décadas, tem contribuído para a aproximação das áreas, particularmente no que se refere ao interesse dos arquitetos pela moda. Um deles refere-se à contratação dos serviços de relevantes empresas de arquitetura, por parte de grandes marcas de moda, para projetar seus espaços comerciais – já que a projetação exige um conhecimento aprofundado sobre o trabalho desenvolvido pelo cliente. No caso dos projetos de Rem Koolhaas para Prada, afirma-se que uma exaustiva pesquisa foi realizada no sentido de investigar sobre a construção de roupas para mecanismos de exibição, bem como aspectos de distribuição e branding (HODGE, 2007). Assim como a moda pode ser usada como meio de expressão pessoal, a arquitetura é um veículo que pode expressar identidades coletivas, poder e valor. Nesta parceria, portanto, a arquitetura tem a função de reforçar a identidade Prada como fornecedora de um sofisticado e requintado design de vanguarda. No mesmo contexto destaca-se o arquiteto americano Peter Marino, considerado um expoente do mundo da moda pela sua capacidade comunicativa e de interpretação, posicionado como o projetista dos espaços de grandes marcas a partir de trabalhos realizados em 2003. O grupo Chanel contrata Marino para projetar seus edifícios de Tóquio (2004) e Hong Kong (2005 e 2007). Segundo Renzi (2011) trata-se da continuidade da trajetória do arquiteto iniciada em 1978, quando trabalhava assiduamente para marcas como Armani, Dior, Fendi e Valentino. O autor afirma que o edifício de Tóquio encarna a essência da auto apresentação, na medida em que o projeto de fato reduz-se a um totem urbano cuja principal função é a de difundir a mensagem da marca. O outro fator que vem contribuindo para a aproximação das áreas é o avanço tecnológico, que possibilita o acesso de arquitetos a softwares de design, cada vez mais sofisticados. Com eles é possível gerar formas mais complexas, muitas vezes referenciadas nos métodos de construção e manipulação de planos utilizados pela moda, que acumula uma longa história de lidar com a complexidade formal e construtiva. A transmutação de técnicas entre as áreas tem sido facilitada pelos avanços na tecnologia dos materiais e no incremento da tecnologia digital, além da globalização, que permite rápida disseminação de tudo que se desenvolve. 19 Tais aspectos podem ser observados nos produtos exibidos na exposição Skin+Bones: Parallel Practices in Fashion and Architecture, realizada em Londres, em 2008. Para Oliveira (2011) o próprio título da mostra explicita a intenção de estabelecer relações entre estas diferentes linguagens, uma vez que, tanto na moda quanto na arquitetura, existem estruturas que as sustentam – os ossos – bem como formas mais amplas que as comportam, contornam, ou as contém – a pele. Aspectos como: abrigo, identidade, criação, construção e desconstrução são abordados em ambas as áreas que compartilham conceitos estruturais e estratégias construtivas. “Graças a essas análises iniciais, a grande quantidade de referências ao vestuário e moda no discurso arquitetônico não pode mais ser ignorada" (KINNEY, 2009, p.257). 1.2 O Espaço Compartilhado A necessidade de construir espaços habitáveis aproxima a moda da arquitetura: compartilham, dialogam e exercem influências mútuas, ao lidarem com similaridades. Expressam-se por meio de linguagens estéticas semelhantes e compõem imagens urbanas que permitem identificar períodos históricos e realidades socioculturais. O espaço é onde as relações acontecem. Delineado pelo urbanismo, envolto pela arquitetura, delimitado pelo design de moda e – em qualquer um dos contextos – ocupado pelos corpos. O ser humano constitui-se num espaço próprio, delimitado por sua estrutura morfológica que se faz presente ocupando os demais espaços, que por sua vez, são caracterizados por esta relação na forma de roupas e/ou de habitações. Para Quinn (2003), a relação da moda com o ambiente construído extrapola o limite das estruturas físicas e estende-se a outros aspectos que estabelecem a compreensão do espaço urbano, cuja essência híbrida, fragmentada e transitória, contribui para que tais conexões se desenvolvam. No espaço heterogêneo, adaptativo e cumulativo, moda e arquitetura coexistem e se desenvolvem mutuamente de modo a garantir que este espaço não seja delineado exclusivamente por princípios geométricos. “Habitar, aqui, refere-se à relação da ocupação espacial entre o sujeito e o contexto no qual está inserido, assim, pode-se dizer que, tridimensionalmente construída, a roupa é um espaço no qual o corpo habita” (MELLO, 2010, p.135). 20 Inúmeras são as conexões que se estabelecem a partir de tal premissa. Entrar e sair, vestir e desvestir assumem significados equivalentes. Quinn (2009) compara a forma como os arquitetos repensam o papel de seus pontos de entrada nas edificações às decisões dos designers de moda para posicionar e dimensionar as aberturas de golas e punhos, áreas que interferem na questão de acesso à vestimenta. Saguões estão sendo deslocados dos seus habituais pontos de ingresso para o centro físico das estruturas, como meio de redistribuir o ruído provocado pela atividade humana. Pensar a moda e a arquitetura a partir do habitar é compreendê-los a partir da vivência. Assim, se o mundo pode ser visto como uma continuidade do próprio corpo, confirma Saltzman (2011), o design pode ser pensado como uma pele ou uma sucessão de peles em direção ao cosmo. Algo como sucessivas relações que partem do corpo para a vestimenta, a casa, a cidade. Tais questões podem ser ilustradas por muitas das superfícies projetadas pela arquiteta Zaha Hadid, vencedora do importante Prêmio Pritzker, em 2004, autora de inúmeros e relevantes projetos, dentre eles, o recente Centro Aquático dos Jogos Olímpicos de Londres. Assim como a pele humana é parte da superfície do corpo e, de forma contínua segue para o interior das cavidades do ouvido e do nariz, as superfícies de Zaha parecem fluir para o vazio – o espaço interno das edificações – ou traçar sua trajetória suave e ininterrupta para o exterior (Figura 3). Muitas vezes a presença do vazio é o fator determinante da estrutura formal. Figura 3: Abu Dhabi Performing Arts Centre Fonte: ZAHA HADID ARCHITECTS, 2012 Segundo Quinn (2009), o interior de uma peça do vestuário também pode ser concebido como uma única superfície que revela um vazio em sua interioridade, isto é, 21 um espaço interno a ser habitado pelo corpo. Ali, uma multiplicidade de cavidades é formada pela aderência e pelas camadas de construção do produto. No corpo do usuário, percebe-se um ciclo de transferência constante deste espaço vazio, ocasionado pela fusão entre o corpo e a roupa. Tecidos dotados de elasticidade, embora diminuam o espaço ao comprimirem o corpo como uma segunda pele, não conseguem eliminá-lo completamente. Interessante mencionar, que na década de 40, Bernard Rudofsky, criticou o excesso de bolsos existentes nos trajes masculinas do século XX, justamente devido ao excesso de espaços vazios que eles criavam entre o corpo e a vestimenta (QUINN, 2009) A menção ao vazio remete aos vestidos infláveis dos anos 60 que redefiniam as silhuetas preenchendo os espaços com ar, ou aos experimentos de Issey Myake que utilizou tubos plásticos infláveis para conferir às bainhas, convencionalmente circulares, a forma quadrada (Figura 4). Figura 4 : Bainhas infláveis Fonte: HODGE, 2007, p. 253 22 Mais recentemente, Saltzman (2008) evidencia o efeito transformador gerado pela inserção de ar nas estruturas e relata a sua aplicação na vestimenta pós-parto (Figura 5), na qual se cria um suporte inflável para o pescoço com a função de sustentar a cabeça da mãe no momento da amamentação. Figura 5: Inserção de ar nas estruturas Fonte: SALTZMAN, 2004, p. 157 Espaços infláveis também são encontrados em arquitetura: estruturas móveis, leves e temporárias nas quais as formas resultam do preenchimento de ar dos espaços vazios. Além disso, demonstram a importância crescente dos têxteis para arquitetos e designers de produtos, uma vez que é o principal material empregado nestas construções. O interesse do designer catalão Martin Ruiz de Azúa por abrigos têxteis, resulta no projeto da Casa Básica - 1999, que é uma casa que pode ser levada no bolso, conforme mostra a Figura 6. Segundo Colchester (2009), ela transmite uma visão extrema do futuro, de edifícios que se materializam e se desmaterializam quando não são mais necessários; e de cidades onde as pessoas vivem como nômades em casas infláveis que se dobram e viajam com elas para onde quer que seja. Feita de poliéster dupla-face metalizado, permite o uso de um lado e do outro conforme a necessidade de proteção contra o calor ou o frio; pesa apenas 200 gramas e pode ser inflada pelo calor do sol, ou pelo calor do corpo do próprio usuário. 23 Figura 6: Casa Básica Fonte: COLCHESTER, 2009, p. 80 Tree Tents (Boomtenten) (1998), do fabricante holandês de tendas Dré Wapenaar, são abrigos infláveis com formas e mecanismos inovadores, porém produzidos com tecido convencional (Figura 7). Colchester (2009) informa que originalmente destinados a abrigar o Road Alert Group – uma associação inglesa de manifestantes ambientais empenhados em campanhas para impedir a construção de estradas em habitat naturais - as tendas passaram a ser alugadas para turistas. Figura 7: Tree Tents Fonte: COLCHESTER, 2009, p. 87 Esses espaços infláveis, muito utilizados também para exposições, podem ser 24 montados e desmontados com grande rapidez, tendo suas dimensões consideravelmente reduzidas quando deflacionados. Tais estruturas itinerantes revelam o potencial da arquitetura para se tornar móvel e portátil, estabelecendo grande similaridade com produtos do vestuário. Por outro lado, recentes alianças da moda com a tecnologia e a segurança imbuem as roupas do contemporâneo, com muitos dos sistemas característicos dos ambientes arquitetônicos. Projetadas para fornecer ao usuário um sentido de refúgio e um grau de proteção contra a violência urbana, conferem maior funcionalidade por meio dos materiais e dispositivos tecnológicos e ampliam a mobilidade do corpo, na medida em que permitem a interação com seus sistemas (QUINN, 2009). Não deixam de ser, estruturas itinerantes. O espaço, objeto de planejamento do design de moda e da arquitetura, que se concretiza em forma é, portanto, tridimensional e intermediador das relações humanas, experienciado e compartilhado por ambas as áreas. 1.3 O Processo que Projeta o Espaço Para que o planejamento cumpra sua finalidade ordenadora do espaço, o ato projetivo se reveste da dimensão perceptiva, que deflagra processos associativos e instiga o exercício visual reflexivo, capaz de flagrar novas possibilidades de apropriação e uso deste espaço. Afinal, “uma das dificuldades essenciais e fascinantes de projetar é a necessidade de adotar tantos tipos diferentes de pensamento e conhecimento” (LAWSON, 2011, p.24-25), na busca de novas direções e de resultados inovadores. Para Mello (2010), ao projetarem ambientes que são habitados pelo espaço corpóreo, moda, arquitetura e urbanismo podem ser compreendidos como um todo, uma vez que têm como finalidade essencial promover a adequação do indivíduo em relação ao seu ambiente através dos espaços para ele idealizados. Projetam e constroem estruturas formais que delimitam espaços habitáveis e são definidas pelos planos do vestuário ou, por outro lado, da edificação ou das áreas urbanas, e ocupadas pelo corpo habitante. Souza (2006) afirma, que tanto a conformação da vestimenta, quanto a construção de um edifício, estão atreladas à natureza dos materiais utilizados e às soluções estruturais que permitem, definindo o modo como se articulam ao redor do corpo que ali habita. 25 Suas escalas de produção são diferentes, adverte Hodge (2007): designers de moda criam vestuário para corpos humanos, enquanto arquitetos criam edifícios suficientemente grandes para muitos corpos habitarem simultaneamente. Independente da escala, contudo, o ponto de origem das práticas é o corpo: ambas abrigam e protegem, além de buscarem um equilíbrio entre funcionalidade, estética e conforto. Os profissionais dessas áreas possivelmente desenvolvem estudos sobre as mesmas questões: a espacialidade, a ergonomia, a forma, a função, as técnicas construtivas, entre tantas outras. Influenciados pelos mesmos cânones, comunicam-se por meio de uma linguagem estética semelhante, compartilham fundamentos ideológicos e teóricos, e convivem com as inovações tecnológicas – aspectos que se refletem nas vestimentas e nas edificações. Observam-se pontos congruentes entre a concepção de produtos de moda e o projeto arquitetônico, confirmam Geisel e Souza (2012). Aspectos relevantes para o desenvolvimento de edificações, tais como: as necessidades dos habitantes com relação à construção, as condições do terreno e o entorno, podem ser – na moda, comparados à importância de conhecer o corpo do usuário, suas demandas e o meio no qual se insere. No próprio vocabulário e nas expressões usadas, encontram-se analogias: segundo Lawson (2011, p.160), o famoso arquiteto britânico do século XX, Sir Basil Spence, referia-se ao arquiteto como um “alfaiate que mede o magro e o gordo e deixa os dois confortáveis”. O conforto é uma rede de inter-relacionamento que se conecta com as características do sujeito, do objeto e do ambiente, em determinado contexto (SILVA, 2010). Para desenvolver um projeto arquitetônico que atente para o conforto térmico do usuário, alguns aspectos devem ser observados, como a orientação quanto à insolação, o aproveitamento da ventilação natural e o sombreamento da fachada, entre outros. Torna-se possível importar o conceito de conforto térmico da arquitetura para o campo da moda, estabelecendo um diálogo entre os dois campos do saber. A arquitetura é responsável pela criação de espaços confortáveis, assim como a moda é 26 responsável pelo conforto do usuário na sua relação com o traje. Neste sentido, justifica-se o paralelo estabelecido entre as estruturas arquitetônicas que garantem o conforto térmico nas edificações e os recursos empregados na construção do produto do vestuário de moda que interferem diretamente no conforto térmico do usuário. O conforto trata da comodidade e do bem-estar: considerando que a vestimenta é o primeiro habitat do corpo – como uma segunda pele – ela afeta diretamente a qualidade e o modo de vida do usuário, interferindo nas suas sensações e percepções (SOUZA, 2006). A arquitetura busca a harmonização das construções ao clima e às características locais, transformando os espaços construídos em espaços confortáveis, utilizando-se de recursos que favoreçam a iluminação e ventilação naturais. A construção pressupõe a existência de um projeto que a antecede. O processo projetual gera um conjunto de especificações e representações que permite construir o produto. Na trajetória percorrida, amplia-se a precisão com que a ideia inicial vai sendo representada até chegar ao resultado final, onde concretiza-se a forma. Segundo Lessa (2009), ela determina a condição de existência do produto ou artefato de design, e a variedade obtida, leva naturalmente a uma diferenciação e a uma diversidade entre equacionamentos formais. Qualquer que seja, o resultado está atrelado a decisões tomadas com relação à: materiais, função, esquemas de construção e efetivação produtiva. Cross (2007) enfatiza a importância das questões formais, ao vincular a linguagem da forma – núcleo do design – a uma linguagem da modelagem, na qual afirma ser possível adquirir habilidade, comparável às aptidões com números ou com palavras, em outras ciências. No desenvolvimento do produto de moda, a modelagem é a técnica responsável pela execução das formas da vestimenta, transformando materiais têxteis em produtos do vestuário. Refere-se à primeira etapa de materialização do produto. Flusser (2007) também aborda as questões formais quando afirma que o design é um dos métodos de dar forma à matéria. No entanto, distingue dois modos de ver e de pensar, que conduzem igualmente a duas maneiras de projetar: a material e a formal. A material refere-se às representações; a formal produz modelos. 27 As representações, portanto, orientam a construção. Cada nova tentativa de representação é iniciada para dar solução tridimensional a um aspecto do problema: são relações espaciais possíveis, compatibilidades ou incompatibilidades, sugestões formais. O modo de representar e de especificar varia de acordo com os instrumentos do processo, mas a finalidade é produzir uma descrição do produto para ser compreendida e aceita por terceiros e principalmente pelos executores, para ser posteriormente materializada. As indicações presentes no conjunto padrão de um projeto arquitetônico – plantas, seções, elevações, bem como desenho de detalhes – são também encontrados nos moldes de produtos do vestuário, afirma Hodge (2007). Nestes, dispositivos gráficos sinalizam a colocação de costuras, piques, e meios de fixação, além das formas dos vários componentes que são cortados e montados em um produto acabado. De modo similar, arquitetos desenvolvem plantas para mostrar a disposição dos vários compartimentos de uma edificação, indicando a localização de paredes, portas, janelas, pontos de água e energia, e até mesmo móveis. Para Mello (2010), por vezes, as representações gráficas bidimensionais dos produtos de arquitetura e de moda apresentam traços projetuais tão semelhantes, que dificulta a sua identificação de forma imediata, a ponto de confundir moldes do vestuário com cartas topográficas ou com mapas territoriais e urbanos. Não existe trajetória única pelo processo de projeto: existem muitas. É fato que o processo tem início com algum tipo de problema e termina com algum tipo de solução. Mas como os projetistas transitam entre os dois extremos? Para Saltzman (2011) essa trajetória é uma grande aventura: uma experiência que se constrói pouco a pouco e que implica na surpresa de um resultado que não estava previamente pensado. Trabalha-se com diferentes técnicas: o desenho, a representação técnica e digital, os modelos tridimensionais. No caso da moda, é possível desenvolver as maquetes têxteis – modelos para estudo, diretamente sobre o manequim técnico, o corpo suporte. Os arquitetos desenvolvem uma série de modelos em escala e raramente constroem protótipos, devido a grande dimensão das edificações e aos custos e tempo necessário para a construção. 28 Nesse sentido pode haver um condicionamento dos resultados pelos meios de representação utilizados. No que se refere ao produto de moda, a linguagem empregada para representar produtos de três dimensões sobre superfícies de duas dimensões, aquela que alude ao espaço bidimensional do papel, certamente trará limitações, se comparada às representações que remetem a um espaço de fato tridimensional, como por exemplo, as elaboradas na técnica da moulage. Para Martinez (2000), referindo-se ao contexto da arquitetura, mas integralmente aplicável ao design de moda, é preciso flexibilizar a idealização: trabalhar simultaneamente com diversas representações equilibrando de certo modo as limitações e as deformações próprias de cada uma delas. Algo como “refletir na realidade uma arquitetura que imagina tal qual os edifícios que conhece.” (MARTINEZ, 2000, p.50). Em 1966, Sydney Gregory, um dos precursores da metodologia de projeto, já afirmava que independente do que se pretende projetar – seja a construção de uma catedral, uma refinaria de petróleo ou a redação da Divina Comédia de Dante – o processo de projeto é o mesmo. Lawson (2011), no entanto, apesar de concordar que a formação de projetistas tem algumas características muito comuns, adverte que é preciso cautela ao pressupor que todos os campos da atividade de projetar dividem o mesmo terreno. Existem algumas diferenças, em especial no que se refere ao conhecimento tecnológico requerido para alcançar os objetivos previstos. Os projetistas não decidem apenas o efeito que querem obter, mas precisam saber como obtê-lo: o arquiteto deve, por exemplo, entender as propriedades estruturais do concreto e do aço, enquanto o designer de moda tem que ter competência para avaliar os vários tecidos. Nesse sentido, continua o autor, com as tecnologias cada vez mais especializadas que pressupõem conhecimentos específicos de cada área, é preocupante que cada um esteja condicionado pela sua formação e pela tecnologia de processo que conhece, porque tal condição pode restringir, ao invés de aprimorar o pensamento criativo, essencial à projetação. Por outro lado, para os inúmeros projetistas que se interessam por outros campos, utilizar a tecnologia que domina ou o material que conhece, de modo não 29 habitual, isto é, se apropriando de práticas advindas de outras áreas, que não a sua, pode render bons resultados. Da mesma forma, projetar produtos de outro segmento, utilizando os conhecimentos inerentes à própria área pode gerar novas possibilidades. Lawson (2011) ilustra tal aspecto quando relata que os projetistas de móveis costumam afirmar que conhecem as cadeiras projetadas por arquitetos. “Isso porque a maioria dos arquitetos está acostumada a manejar a madeira numa escala e num contexto diferentes e, portanto, já desenvolveu uma ‘linguagem da madeira’ com um sotaque arquitetônico perceptível.” (LAWSON, 2011, p.60). As solicitações para se resolverem os problemas arquitetônicos que envolvem a madeira não são as mesmas requeridas pelo projeto de móveis. Apesar de não ser comum ver cadeiras de tijolos e nem edificações de polipropileno, continua o autor, ambas são possíveis. Justamente nisto reside o diferencial propiciado pelas conexões estabelecidas entre os diversos campos. Conforme Coppola quando conduz o mesmo pensamento, embora se referindo a áreas correlatas: [...] associar moda e [...] [arquitetura], e pensar [...] a tecnologia envolvida nesse processo de criação, apesar dessas áreas possuírem estruturas diversas, apesar de se desenvolverem separadamente, é perceber que seus caminhos no mundo contemporâneo se fazem de modo paralelo, podendo permear-se entre si, produzindo objetos inusitados, proporcionando experimentações novas. (COPPOLA, 2010, p.36). No processo projetual, áreas diferentes percebem problemas e soluções de formas diferentes. Distintos graus de importância são conferidos aos vários aspectos do problema, que é abordado pelo arquiteto ou pelo designer de moda levando em consideração suas motivações, crenças, valores, isto é, sua bagagem intelectual e cultural, e sua maneira peculiar de projetar. Esse conjunto, seja ele traduzido por uma série de ideias desarticuladas ou por um coerente método de projeto, é denominado por Lawson (2011) de princípios condutores – aqueles que direcionam e conduzem o processo projetual de cada um. Em determinados contextos, constituem-se verdadeiras estratégias construtivas, e como tal, cumpre discuti-las posteriormente de forma ampla, conferindo ao tema a devida relevância. Em outros, podem surgir como resposta a uma necessidade gerada por uma restrição de projeto. No processo projetual, depara-se com restrições de toda a natureza. As 30 práticas, confirma Lawson (2011 ), são aquelas relacionadas à realidade de produzir ou construir, e responder pelo desempenho durante o uso. Para os arquitetos, pode se tratar da capacidade de resistência de um terreno ou mesmo da qualidade dos materiais usados na obra. A edificação deve se manter sólida, resistir às intempéries e oferecer o conforto necessário. Para o designer de moda, pode significar selecionar o material têxtil e aviamentos adequados à situação de uso solicitada, a fim de garantir a durabilidade do produto em condições adequadas durante o tempo de utilização previsto. “As restrições práticas são terreno fértil para princípios condutores. Para os projetistas fascinados pela materialidade e pelo processo de fazer coisas, essas restrições práticas podem dar ao projeto, importantes ideias geradoras.” (LAWSON, 2011, p.162). De um lado, os princípios condutores influenciam e determinam a trajetória de cada processo. Do outro, como o aprendizado do projeto está na experimentação do seu fazer, cada problema solucionado permite ao projetista lidar com as diversas naturezas das restrições, e aprender mais sobre elas, de modo a materializar as suas ideias com clareza cada vez maior. Reconhecendo que a resposta criativa a um problema de projeto é aquela que se desvincula dos elementos convencionalmente estabelecidos, cumpre afirmar, que as intersecções que se confirmam entre moda e arquitetura promovem mudanças e apontam para uma trajetória de inovação. Existem, no entanto, aqueles que ainda nutrem posicionamentos equivocados a este respeito. Segundo Renzi (2011, p.7), “a relação entre moda e arquitetura vem sendo recentemente usada pela grande mídia para combinar e confundir tudo que seja criativo, do design ao corporativo,[...] forçando a ideia de um atolamento compositivo constante, refinado apenas nos gestos de um gosto dominante.” Mas na verdade, adverte o autor, a realidade deste cenário que envolve muita organização e planejamento é completamente outra: são períodos de intenso trabalho projetual e construtivo, constantemente atualizado pelo processo de escolha, seja dos espaços ou dos materiais, onde a capacidade de criação se manifesta na atmosfera produzida. 31 2 RECURSOS CONSTRUTIVOS 2.1 Elementos da Construção Em se tratando de design de moda, a forma que se projeta é a do vestuário, que é, fundamentalmente, uma forma têxtil. A construção da forma está atrelada à combinação de vários elementos: o corpo-suporte, a silhueta, o material têxtil, os recursos construtivos e o próprio espaço. O corpo é a estrutura base que confere sustentação ao produto. Faz-se necessário conhecer sua anatomia e suas possibilidades de movimento, as proporções entre as diversas partes e o alcance das articulações. Como a superfície do corpo não é uniforme, Saltzman (2004) afirma que o têxtil se relaciona com a sua topografia e se redefine em cada saliência, reentrância, convexidade, concavidade e articulação. Assim sendo, a atitude corporal determina ou influencia a conformação da vestimenta, e o material têxtil participa da morfologia corpórea. A silhueta é a configuração morfológica e volumétrica ao redor do corpo, que define seu contorno, também chamada de formato ou shape. Apesar do conceito de silhueta pressupor uma representação plana, a vestimenta requer sua projeção tridimensional. Existe uma estreita relação entre o material proposto e a silhueta pretendida. Os têxteis constituem-se importantes elementos de construção, ampliando as possibilidades de reestruturação do corpo. Por outro lado, apresentam propriedades distintas de elasticidade, rigidez, durabilidade, entre outras, que limitam seu emprego para determinados usos. A importância do tecido está vinculada às suas potencialidades técnicas que determinam distintas aplicações; o talhe é outro elemento essencial que igualmente se relaciona com as qualidades técnicas do têxtil. Ao pensar na estrutura e configuração do material sobre o corpo, Souza (2006) e Saltzman (2008) concordam que a sustentação é aspecto relevante. Ela é atributo da prática construtiva e se processa de várias formas:  naturalmente pelo apoio da vestimenta nas partes extremas superiores do corpo como ombros e cabeça;  pelo traçado da modelagem que retraça a anatomia corpórea e encaixa 32 saliências e reentrâncias de modo a priorizar regiões do corpo que favorecem o apoio;  pelas próprias características do tecido que promovem a aderência ao corpo;  pela intervenção na superfície têxtil de forma a facilitar a sua adaptação ou por torná-la autoportante;  por ajuste ou pressão, mediante a inserção de elementos independentes;  pela contribuição dos mecanismos de abertura e fechamento; ou  pelo emprego de tantos outros recursos que exerçam a função de sustentar. Para Souza e Menezes (2010), estes elementos que permitem estruturar a forma do produto (utilizados de modo isolado ou combinados entre si), podem ser denominados de recursos construtivos, na medida em que promovem sustentação e ajustamento ou configuram volumes que garantem o equilíbrio requerido. Na relação estabelecida entre o corpo e o têxtil, tem-se mais um elemento a ser considerado, que é o espaço. Ao modelar, intervém e se apropria desse espaço, criando com o corpo e com o entorno, relações de proximidade ou de afastamento, de compressão ou extensão, entre outras, conforme a construção pretendida e a intenção. Revela, insinua, conforma, reinventa ou, ao contrário, oculta a anatomia corporal. Envolve a questão da espacialidade que determina a configuração da silhueta. A resolução de cada uma das partes é uma tomada de partido sobre o corpo. Diferentes projetos são desenvolvidos a partir do mesmo partido. Um mesmo conjunto de elementos de composição pode resultar em diversos partidos, na dependência da maneira como são combinados. O pensamento construtivo aliado às técnicas de modelagem viabilizam as estruturas. Nesse sentido, os produtos podem ser caracterizados por volumes, planos ou linhas. São trajetos e percursos traçados sobre a topografia do corpo. Podem ser elementos de intervenção e qualificação da superfície, criar texturas ou efeitos de luz e sombra. Segundo Saltzman (2004), traçar as linhas construtivas é decidir onde o plano se apoia, se aproxima, se adere ou se projeta no espaço, desenvolvendo o vestuário segundo o esquema do corpo e de sua mobilidade. Para a autora, o volume é obtido pela articulação de planos ao redor do corpo, definindo sua forma e delimitando seu 33 espaço interior. Os planos ficam determinados pelas linhas construtivas do produto. Dependendo da resolução empregada, pode se valorizar os planos por contraste, a linha como articulação, optar pelo predomínio da linha sobre o plano ou vice-versa. Linhas podem retraçar o esquema corporal alterando suas formas. Na conformação do produto pode se optar por enfatizar a continuidade da superfície dos volumes, ou seus elementos compositivos – linhas e planos. 2.2 Geometria Nas formas geométricas simples é possível reconhecer imensa gama de possibilidades construtivas. Neste sentido, aborda-se a aplicabilidade do circulo e do triângulo como recursos de construção no desenvolvimento do produto de moda. Investiga-se o emprego destes elementos na estruturação de vários produtos e posteriormente são relatadas experiências nas quais se aplicam técnicas de modelagem tridimensional para explorar novas configurações derivadas da simplicidade das referidas formas. Apesar do princípio geométrico ser o mesmo, em cada situação ele é abordado de uma maneira diferente, dependendo do resultado pretendido. 2.2.1 Círculo2 Segundo Wong (2001), a forma geométrica em questão é constituída por um centro fixo e um raio, que unidos formam uma linha contínua que divide o espaço que circunda, do espaço circundante a ela. Não possui angulosidade, nem direção. Quando considerada apenas em fragmentos recebe o nome de arco, apresentando extremidades. Ambas as formas de visualização podem ser sobrepostas, unidas ou tocadas, e então, adquirem novas configurações. O círculo também pode ser definido como uma curva contínua, na qual os pontos possuem a mesma distância quando referenciados a um ponto central. A partir dele é possível que diversas outras formas se originem, assim como outros formatos e 2 O conteúdo deste tópico é resultante de pesquisas desenvolvidas com Renata Gomes Secco, bolsista de iniciação científica (PROART) no período compreendido entre 1/08/2011 a 31/07/2012 e que gerou publicação na II Conferência Internacional de Integração do Design, Engenharia e Gestão para inovação- IDEMi 2012. 34 padrões. Dentre estas tantas possibilidades, a esfera é a representação do círculo enquanto volume, o que remete à ideia de relevo e de uma terceira dimensão. O círculo serve como base para a estruturação do babado, elemento encontrado na composição de uma variedade de produtos de moda. Permite grande variação de volume vinculada ao traçado mais aberto ou mais fechado da circunferência que o originou (Figura 8). Quando se alteram suas larguras, por vezes é possível criar uma falsa impressão de aumento ou diminuição deste mesmo volume (Figura 9). Figura 8: Variação de volume Fonte: Própria, 2013 Figura 9: Variação de largura Fonte: Própria, 2013 35 Aldrich (2007) confirma tais questões , quando demonstra a importância de reconhecer que, quanto menor o círculo interior – para ser usado, por exemplo, para uma manga – maior é o ângulo da forma resultante e menor o número de ondulações que se formam. Também admite alteração no que se refere ao comprimento: quanto mais longo, mais ondulações, conforme mostra a Figura 10. Figura 10: Variação de volume e comprimento Fonte: ALDRICH, 2007, p. 21 Distintos efeitos de caimento são gerados conforme o tipo de aplicação do babado: seja em linha reta horizontal (A), em linha curva fechada (B), em linha curva aberta (C), ou em linha reta vertical (D) – neste caso, com opção de traçado em espiral, como ilustrado na Figura 11. Novas formas podem ser criadas a partir da combinação de diferentes volumes, larguras e aplicações de babados. 36 Figura 11: Variação de aplicação e efeitos de caimento Fonte: Própria, 2013 Diante de uma infinidade de criações, nas quais a forma circular é utilizada como base para o processo construtivo, é possível observar diferentes abordagens adotadas no desenvolvimento de cada produto, o que permite valorizar aspectos distintos. Pode ser identificada em produtos de moda usuais, como por exemplo, na saia godê, com uma gama de possibilidades que se vinculam a sua variação de volume; ou em construções mais complexas como a saia mostrada na Figura 12, projetada por Balenciaga, cuja solução de modelagem poderia ser a que está sugerida na Figura 13. Figura 12: Saia Balenciaga Fonte: VOGUE, 2012 37 Figura 13: Modelagem plana da saia Fonte: Própria, 2012 Ainda que as formas complexas por vezes despontem no contexto do processo construtivo do produto de moda, alguns criadores que apresentam resultados aparentemente complexos, mostram que formas básicas nortearam seus princípios geradores. É o caso do vestido de Isabel Toledo (Figura 14) produzido a partir de dois círculos de tecidos costurados juntos que contemplam furos para a passagem da cabeça, braços e pernas. Na planificação a simplicidade da geometria é visível, mas quando vestido no corpo, sob a ação da gravidade, sua forma se altera e a geometria inicial que a gerou torna-se invisível, aparentando grande complexidade. Figura 14: Composição de círculos: frente, costas e planificação. Fonte: HODGE, 2007 38 Junya Watanabe (Figura 15) explora inovação de corte e técnicas de modelagem tridimensional para elaborar os vestido compostos por centenas de camadas de poliéster ultraleve costuradas à mão para formar complexas estruturas circulares de células de favo de mel. Os resultados remetem a intrincadas formas de criaturas marinhas. Figura 15: Estrutura circular com sobreposição de camadas Fonte: HODGE, 2007 Na Figura 16, na blusa com dobraduras em forma de sanfona, o circulo é empregado por Junya Watanabe como recurso para a geração de volume. Neste caso, procede a afirmação de Souza (2006) de que o volume pode ser obtido pela articulação de planos ao redor do corpo, com grande probabilidade de resultados formais inovadores. Pode se afirmar também que o produto remete à criação de um volume a partir da base de uma esfera – que é a representação do círculo enquanto volume. 39 Figura 16: Estrutura circular para gerar volume Fonte: HODGE, 2007 Na célebre coleção Afterwords outono/inverno 2000-01, Hussein Chalayan adota a forma circular e mescla princípios de moda e arquitetura para conduzir seu trabalho. Distingue-se dos demais por aplicar o círculo para gerar formas que se encaixam em um movimento de abrir e fechar conforme mostra a Figura 17. A estratégia consiste em proporcionar a ampliação e a diminuição do produto, obtido por estruturas circulares que aumentam de tamanho gradativamente, da cintura até os pés, e se encaixam entre si. Para Souza (2008) os mecanismos estão vinculados às funções dos produtos e remetem às ações simples como abrir e fechar, apertar e soltar, entre outras que podem determinar o vestir e o desvestir. Figura 17: Estrutura circular para gerar encaixes Fonte: HODGE, 2007, p.17 40 Como exemplo de aplicação da modelagem plana para criação de produtos diferenciados, cabe citar o trabalho desenvolvido por Tomoko Nakamichi , mostrado nos volumes I e II de Pattern Magic, respectivamente lançados em 2005 e 2007. De acordo com Mariano (2011), a autora utiliza-se da desconstrução de bases usuais da modelagem para a reconstrução de novas estruturas, tanto para criar volumes, quanto para proporcionar a sensação de profundidade. Entre os exemplos de produtos propostos, muitos deles utilizam-se de formas circulares básicas para gerar inovações, como é o caso da manga mostrada na Figura 18. Figura 18: Estrutura circular no produto e na modelagem plana Fonte: NAKAMICHI, 2005, p.13 e p.33 A forma circular também pode ser empregada como artifício para alterar os contornos do corpo com o intuito de salientar determinadas áreas. Na coleção primavera/verão 1997 de Rei Kawakubo para Comme des Garçons – Body Meets Dress, Dress Meets Body – este aspecto é levado ao extremo e, como uma brincadeira, formas extremamente volumosas de várias dimensões transitam por partes inesperadas do corpo, transformando-o (Figura 19). 41 Figura 19: Contornos circulares alteram a silhueta Fonte: FUKAI et al., 2010, p.164-165 2.2.1.1 Experimentando o Círculo A repetição foi o recurso compositivo selecionado para orientar a experimentação da aplicação do círculo – por meio de técnicas de modelagem tridimensional – com o intuito de explorar estratégias já conhecidas, bem como descobrir novas possibilidades formais e estruturais passíveis de aplicação no desenvolvimento do produto de moda. Repetição, segundo Wong (2001), consiste em utilizar uma forma semelhante mais de uma vez em determinada composição. Uma vez unidas, podem derivar outros formatos, descaracterizando a forma inicial. Para o autor, existem várias tipos de repetição: de formato; de tamanho; de cor; de textura; de direção; de posição e de espaço. Algumas delas são aqui experienciadas. Para a experimentação, considera-se o círculo completo, isto é, tanto na forma positiva – quando percebido ocupando o espaço – quanto negativa – quando percebido como espaço vazio circundado pelo espaço ocupado. Arcos e segmentos de círculos também são contemplados no processo experimental: tais elementos, pelo recurso compositivo da repetição geram formas que caracterizam o círculo propriamente dito, ou possibilitam a criação de sua forma descaracterizada, caso essa 42 seja a intenção. O processo apropria-se da abordagem da linearidade da repetição, trazendo-a para uma forma mais orgânica, visto que as uniões dos planos gerados são articulados sobre o manequim técnico. O estudo inicia-se com a repetição da forma circular de raio 7,5 cm traçada sobre um tecido retangular, em sequência linear, com distanciamento aproximado de 0,5cm entre círculos. Após o traçado e posterior recorte, obtém-se uma vasta extensão do tecido com registro do contorno dos círculos, nessa etapa, já suprimidos. A partir de então, o processo se repete: novos círculos são traçados, dessa vez com raio de 17 cm, como procedimento inicial, conforme mostra a Figura 20. Figura 20: Traçado circular. Forma circular positiva. Forma negativa. Segundo módulo Fonte: Santos e Souza, 2012 O processo de construção sobre o corpo inicia-se a partir dessa fase, quando esse segundo círculo gerado está composto. Os círculos, tanto os extraídos da forma negativa quanto os da positiva, são colocados sobre o suporte do manequim escala 1:2 (Figura 21), a fim de encontrar possibilidades construtivas, a partir da experimentação propiciada pelo uso de técnicas de modelagem tridimensional. A Figura 22 mostra os 43 círculos retirados da estrutura – forma positiva – trabalhados também sobre a superfície plana. Figura 21: Forma Circular Negativa Fonte: Santos e Souza, 2012 Figura 22: Forma circular positiva Fonte: Santos e Souza, 2012 Após a realização de inúmeras experimentações selecionam-se as propostas mais interessantes: a gola, a manga e a estrutura que cobre o busto, construídos a partir da união das partes positivas que foram extraídas do retângulo inicial; e a parte negativa originada no tecido retangular do qual as partes positivas foram suprimidas. A forma da gola torna-se um diferencial de volume, no qual são contemplados aspectos funcionais e estéticos. Por meio das partes positivas dos círculos, unidos por 44 costura, forma-se uma estrutura rígida que configura um espaço que acomoda o pescoço sem prejudicar o conforto. De modo diferente do convencional a construção é estruturada pelos círculos para reproduzir a chamada gola alta. A manga é originada de uma experiência que desde o inicio visa à descaracterização da forma circular, isto é, o círculo é o recurso construtivo utilizado, mas torna-se imperceptível quando o produto está em situação de uso. Para tanto, algumas partes positivas são costuradas ao meio e unidas, formando uma estrutura franzida que gera um volume diferenciado. O esquema desenvolvido para a manga pode ser perfeitamente adaptado para vestir outras regiões do corpo como, por exemplo, o busto, evidenciando a sua versatilidade. A parte negativa do círculo possibilita a construção de novos volumes e nova textura de superfície (Figura 23). Figura 23: Detalhes da gola, manga e busto. Volume da parte circular negativa em superfície plana Fonte: Santos e Souza, 2012 Constata-se, portanto, que o círculo está presente na estruturação de diversos produtos, com as mais distintas abordagens. A diferenciação está sempre vinculada à maneira como a forma é empregada para estruturar. Em determinados contextos gera volume, em outros, configura espaços formais diferenciados, e por vezes, viabiliza mecanismos. 2.2.2 O Triângulo Os triângulos são polígonos de três arestas e três vértices, os quais abrigam ângulos internos cuja soma resulta em 180˚. De acordo com suas variantes podem ser classificados como equilátero, isósceles ou escaleno. 45 O equilátero, na sua composição de três lados iguais e três ângulos iguais, é considerado a forma mais estável e, por conseguinte, encontrado em muitas estruturas complexas, inclusive na natureza, em organismos minerais e vegetais. O triangulo é uma das três formas básicas, juntamente com o círculo e o quadrado. Munari (2010b) afirma que com um grande número de triângulos equiláteros em contato uns com os outros em determinada superfície, gera-se um campo estruturado, no qual existe a possibilidade de construir infinitas variações de formas combinadas entre si, como constatado em muitos estilos da arte decorativa. Para Wong (2001), ao aplicar triângulos como faces, unindo-os entre si, torna-se viável a configuração de sólidos geométricos como a pirâmide ou o tetraedro, estruturas consideradas de grande rigidez. Inúmeras construções clássicas e contemporâneas são baseadas na estrutura triangular e nos módulos originados a partir dela. Os egípcios utilizaram os princípios do triangulo, principalmente nas construções das pirâmides; os romanos aplicaram na tesoura dos telhados para gerar estruturas estáveis, capazes de sustentar vãos livres de aproximadamente 20 metros; os persas modernizaram o método de construção de cúpulas, ao identificarem que elas poderiam ser facetadas em oito formas triangulares curvas, posicionadas sobre uma base quadrada. A construção modular facilmente possibilitada pelo emprego da estrutura triangular proporciona vantagens econômicas e práticas no que se refere as questões de transporte e montagem, entre outras. Segundo Munari (2010b), o conhecimento dessa forma básica e fundamental, em todos os seus aspectos e suas possibilidades formais e estruturais, é de grande ajuda ao projetista. No campo do ensino, continua o autor, a experimentação acerca de formas e estruturas triangulares é amplamente praticada nas escolas de design, nas quais resultados coerentes são obtidos na forma de modelos. No que se refere ao desenvolvimento do produto de moda a referida forma se presta a diferentes funções. Triângulos resultantes da divisão de circunferências podem ser aplicados em locais determinados do produto, conferindo volume à área na qual houve a inserção, conforme mostra a Figura 24. 46 Figura 24: Triângulo gera volume localizado Fonte: Própria, 2013 Triângulos podem ser recortados e suprimidos de estruturas planas para criar volumes tridimensionais viabilizados pela união dos lados dos triângulos retirados (vazados). A Figura 25 ilustra tal questão. Figura 25: Triângulos suprimidos geram volume tridimensional Fonte: WOLFF, 1996, p.273 47 Triângulos originados de cortes e desmembramentos de moldes planos podem ser inseridos para conferir volume a própria estrutura do produto, em geral, alterando sua silhueta. A Figura 26 mostra o produto inicial, o processo de transformação da modelagem plana pela inserção dos triângulos e o novo produto gerado. Figura 26: Inserção de triângulos gera volume e altera silhueta Fonte: NAKAMICHI, 2005, p. 66 e p.77 O desmembramento mencionado na situação anterior também pode ser aplicado com a intenção de gerar pequenos volumes, o que pode ser obtido controlando os espaços abertos entre os moldes, não só no que se refere as suas dimensões, mas aos sentidos e direções em que se abre. Neste caso, resultados diferenciados podem ser obtidos como o ilustrado na Figura 27. Figura 27: Manipulação de triângulos gera diferenciação Fonte: NAKAMICHI, 2005, p. 81 e p.53 48 O triângulo se revela recurso importante para geração ou supressão de volumes, quer por intermédio de soluções simples como a pence, elemento presente nos mais variados moldes, quer por meio de complexos sistemas estruturais, confirmando o seu grande potencial de aplicação no desenvolvimento de produtos de moda. Para Duarte e Saggese (2009), trata-se de um recurso simples, mas eficaz, utilizado para moldar o tecido conforme os volumes do corpo. Independente e desvinculada da função, a forma triangular também pode ser percebida nas silhuetas configuradas pelos produtos ou pela composição deles. Em geral a chamada silhueta ‘’A” , também conhecida como trapézio, remete a figura do triangulo, bem como aquela que se intitula triangulo invertido, mostradas na Figura 28. Neste sentido, cabe mencionar as anquinhas e crinolinas, exemplos de estruturas desenvolvidas para serem usadas sob as roupas, que marcaram um período histórico do vestuário feminino. Figura 28: Silhuetas de Isabel Toledo Fonte: THE MUSEUM AT FIT, 2009 2.2.2.1 Experimentando o Triangulo3 A experimentação tem foco diferenciado e fundamenta-se no estudo e investigação de dois trajes que datam do período Antigo: a partir da análise da modelagem do Kalasiris egípcio e do casaco do povo Cita, identificam-se possíveis 3 O conteúdo deste tópico está vinculado às pesquisas desenvolvidas com Betina Groser Martins, bolsista de iniciação científica (PROIC- Fundação Araucária) no período compreendido entre 1/08/2011 a 31/07/2012 e que gerou publicações no Cimode e P&D 2012. 49 funções e empregos da forma triangular na elaboração de moldes. Em vista da extrema simplicidade e praticidade formal das modelagens primitivas dos povos da antiguidade (KÖHLER,2005), as quais refletem de modo explícito a aplicação de formas geométricas em suas construções, elas são definidas como o ponto inicial da pesquisa pela busca do produto a ser estudado. Para Aldrich (2007) o traje histórico é excelente referência para estudos a cerca de moldes. Afirma que as vestimentas mostram formas geométricas engenhosamente compostas com ideias simples que podem ser desenvolvidas numa variedade de produtos do vestuário. Muitos destes exemplares ainda podem ser vistos nos museus do traje. Com base na obra de Carl Köhler, intitulada História do vestuário – que retrata a evolução dos trajes desde os egípcios até o final do século XIX, acompanhada de textos descritivos, imagens, desenhos e também dos moldes das vestes – procedeu- se à verificação de vários modelos de diferentes povos, com o intuito de identificar os mais adequados, considerando os objetivos da pesquisa. Após inúmeras tentativas, selecionou-se o Kalasiris egípcio e o Casaco Cita, cujas configurações, além de conterem triângulos facilmente identificáveis, em primeira análise, parecem detentoras de considerável potencial inovativo. O processo de experimentação inicia-se com a análise da modelagem apresentada por Köhler, em relação à aplicação do triangulo na sua construção. Elaborada em escala 1:2 para se adequar ao suporte, é cortada em tecido plano e em malha, para confirmar a possibilidade de uso. Uma vez montada e posicionada sobre o manequim – o corpo suporte – a peça submete-se a uma análise ergonômica onde são apontados e discutidos aspectos positivos e negativos. Posteriormente empregam-se técnicas de modelagem tridimensional, visando corrigir os aspectos negativos e potencializar os positivos, por meio da aplicação de triângulos, em busca da diferenciação. Realizam-se várias análises até a planificação da modelagem, após as alterações necessárias. Experimentam-se também formas de uso e manipulação dos moldes, e por fim, elabora-se uma interpretação de modelo como forma de confirmar o seu uso. 2.2.2.1.1 Experimentação do Kalasiris Segundo Köhler (2005), o Kalasiris data de cerca de 1000 a.C., após o 50 estabelecimento do Novo Império Egípcio, e trata- se de uma túnica usada por ambos os sexos (Figura 29). O autor descreve algumas variações do traje, mostrando que podem ser curtos ou longos, amplos ou justos e ter mangas ou não, sendo estas, curtas e estreitas ou longas e amplas, cortadas em separado e costuradas à peça, ou adaptadas à forma do traje. Além disso, constatam-se duas maneiras de confeccionar o kalasiris: tricotando-o ou cortando partes e unindo-as pela lateral. Figura 29: Homem grego vestindo Kalasiris Fonte: KÖHLER, 2005, p. 61 A modelagem selecionada para a experimentação está representada na Figura 30. A linha central – imaginária – indica a divisão entre as partes da frente e das costas, tendo o retângulo, o dobro do comprimento desejado para o traje, e sendo o círculo, o orifício que exerce a função de decote. Por meio da inserção de dois triângulos perpendicularmente ao retângulo formam-se as mangas; o decote circular é originado da supressão de quatro triângulos. Figura 30: Modelagem do Kalasiris evidencia a aplicação de triângulos Fonte: Martins e Souza, 2012a 51 A experimentação tem início com o traçado e cort