unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP GEISIBEL CRISTINA ANDRADE NASCIMENTO EPÊNTESE VOCÁLICA EM ENCONTROS CONSONANTAIS POR FALANTES BRASILEIROS DE INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA ARARAQUARA – S.P. 2015 GEISIBEL CRISTINA ANDRADE NASCIMENTO EPÊNTESE VOCÁLICA EM ENCONTROS CONSONANTAIS POR FALANTES BRASILEIROS DE INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa. Linha de pesquisa: Análise Fonológica, Morfossintática, Semântica e Pragmática. Orientador: Prof. Dr. Daniel Soares da Costa ARARAQUARA – S.P. 2015 GEISIBEL CRISTINA ANDRADE NASCIMENTO EPÊNTESE VOCÁLICA EM ENCONTROS CONSONANTAIS POR FALANTES BRASILEIROS DE INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título Mestre em Linguística e Língua Portuguesa. Linha de pesquisa: Análise Fonológica, Morfossintática, Semântica e Pragmática. Orientador: Prof. Dr. Daniel Soares da Costa MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Orientador (a): Prof. Dr. Daniel Soares da Costa Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP Examinador (a) 1: Profa. Dra. Gladis Massini-Cagliari Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP Examinador (a) 2: Profa. Dra. Renata Maria Moschen Nascente Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara Aos amantes da linguagem. Agradecimentos Em primeiro lugar, agradeço a Deus pelo dom da vida, por todas as oportunidades e por todas as bênçãos. Ao meu orientador, Prof. Dr. Daniel Soares da Costa, pela confiança, pela dedicação, companheirismo, incentivo, competência e pela oportunidade de ter aprendido tanto ao longo desses dois anos de trabalho. Agradeço ao meu esposo Johnny, pelo carinho e por ser meu incondicional incentivador e companheiro. À minha mãe, Cirlei, pelo amor, pela dedicação e pela luta para nos proporcionar, a mim e à minha irmã, o melhor que podia e pela formação pessoal que hoje temos. À minha irmã, Geysiane, pelo incentivo e apoio. À minha sogra, Maura, por todo carinho, incentivo e apoio que sempre me ofereceu. A todos os meus familiares que de alguma forma me apoiaram. Agradeço aos professores que compuseram minha banca de qualificação, Profa. Dra. Sandra Mari Kaneko Marques e Prof. Dr. Luiz Carlos Cagliari, pelas valiosíssimas e pertinentes observações, contribuindo para um melhor desenvolvimento do meu trabalho, além de uma redação mais clara e objetiva desta dissertação. À Profa. Dra. Gladis Massini-Cagliari, pelos conhecimentos compartilhados em sala de aula, com indiscutível competência. Ao Departamento de Linguística e à Seção de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da FCL, que sempre atenderam às minhas solicitações com atenção e eficácia. Aos alunos que participaram desta pesquisa e tornaram possível a realização deste trabalho. Aos meus colegas da pós-graduação que também foram importantes nessa caminhada e com quem aprendi coisas que levarei para sempre. A persistência é o caminho do êxito. Charles Chaplin Resumo Esta dissertação de mestrado tem por objetivo analisar a inserção de vogal epentética em encontros consonantais na pronúncia da língua inglesa por aprendizes brasileiros. A questão trabalhada nesta pesquisa se refere à dificuldade que os alunos de língua inglesa apresentam em produzir os sons consonantais, especialmente aqueles que não fazem parte do sistema fonológico de sua língua materna, o português brasileiro, ou que não são usados da mesma forma. Como corpus, foram utilizadas palavras que possuem, em posição de onset e/ou coda, segmentos ou sequências de segmentos diferentes daqueles encontrados no português brasileiro com o intuito de verificar como os aprendizes de inglês os produziriam. Foram selecionadas 46 palavras que foram retiradas do Longman Comunication 3000, uma lista das 3.000 palavras mais utilizadas em inglês. Pediu-se a 30 informantes, estudantes de inglês de diferentes níveis de proficiência (básico, intermediário e avançado), que lessem as palavras selecionadas em voz alta. A leitura foi gravada, e a partir das gravações foram feitas transcrições fonéticas da realização dos informantes para cada palavra. A partir dessas transcrições, foi possível fazer uma análise a respeito das produções de cada informante. Foi feita uma análise estatística para verificar a frequência da utilização da inserção de vogal epentética na correção das estruturas da língua inglesa não familiares ao aprendiz, ou seja, diferentes daquelas com as quais ele já está familiarizado, que fazem parte da sua língua materna. Em seguida, os dados foram analisados considerando a Teoria da Otimalidade para verificar como as restrições se comportam na aprendizagem de uma língua estrangeira. Constatou-se que a inserção da vogal epentética é uma estratégia frequentemente utilizada na pronúncia de palavras do inglês que possuem segmentos e/ou sequências de segmentos em onset e/ou coda diferentes daqueles encontrados no português brasileiro. Entretanto, não é a única. A palatalização das oclusivas /t/ e /d/ também foi amplamente verificada, assim como a aspiração das oclusivas /p/, /t/ e /k/. Considerando a Teoria da Otimalidade, verificou-se que as restrições consideradas (inicialmente as restrições ligadas à língua materna) pelo aprendiz se movimentam durante o processo de aprendizagem de uma nova língua. As restrições de marcação que inicialmente proíbem a produção de determinado segmento em determinada posição são demovidas em favor das restrições de fidelidade, o que possibilita a pronúncia dos novos segmentos e/ou sequências. Palavras-chave: Epêntese. Fonologia. Fonética. Língua inglesa. Pronúncia. Teoria da Otimalidade. Abstract This Master's thesis aims to analyze the insertion of epenthetic vowel in consonant clusters in the pronunciation of the English language by Brazilian learners. The aspect analyzed in this research refers to the difficulty that English language students have to produce the consonant sounds, especially those which are not part of the phonological system of their mother language, Brazilian Portuguese, or that are not used similarly. The corpus was composed by words, which contain, in onset and/or coda position, segments or sequences of segments that are different from those found in Brazilian Portuguese in order to check how English learners would produce them. We selected 46 words from Longman Communication 3000, a list of the 3,000 most repeated words in English. We have asked 30 English students, from different levels of proficiency (basic, intermediate and advanced) to read the selected words aloud. The reading was recorded and, from the recordings, phonetic transcriptions of the informants’ pronunciation were done for each word. From these transcriptions, it was possible to make the analysis about the production of each informant. A statistical analysis was done to verify the frequency of the insertion of the epenthetic vowel in order to correct the structures of the English language, which are not familiar to the learner, i.e., those ones that are not part of their mother language. After that, the data were analysed considering the Optimality Theory to see how the constraints behave in a foreign language learning. We concluded that the insertion of the epenthetic vowel is a strategy that is frequently used in the pronunciation of English words that has segments and/or sequences of segments in onset or coda position which are different from those that are found in Brazilian Portuguese. However, the epenthesis is not the only one. The palatalization of /t/ and /d/ and the aspiration of /p/, /t/ and /k/ were frequently used too. Considering the Optimality Theory, we verified that the constraints considered by the learners (in the beginning, the constraints related to the mother language) move during the learning process. The markedness constraints that initially prohibit the pronunciation of some segments or sequences of segments are downgraded in favor of the faithfulness constraints, what makes possible the pronunciation of these segments or sequences. Keywords: Epenthesis. Phonology. Phonetic. English language. Pronunciation. Optimality Theory. Lista de figuras Figura 1: Representação esquemática da área vocálica ...................................................... 21 Figura 2: Vogais quanto ao ponto de articulação e altura .................................................. 22 Figura 3: Exemplo de tela do PRAAT ................................................................................ 92 Figura 4: tela do PRAAT mostrando a pronúncia de uma palavra em inglês com a consoante fricativa /s/ em posição de onset ........................................................................ 104 Figura 5: tela do PRAAT mostrando a pronúncia de uma palavra em inglês com a consoante fricativa /s/ em posição de coda ......................................................................... 104 Figura 6: produção da palavra speak de forma aspirada ................................................... 117 Lista de quadros Quadro 1: As vogais do PB em posição tônica ................................................................... 23 Quadro 2: Vogais do PB em posição pretônica ................................................................... 23 Quadro 3: Vogais postônicas não-finais .............................................................................. 24 Quadro 4: Vogais átonas finais ........................................................................................... 24 Quadro 5: Vogais do Inglês ................................................................................................. 26 Quadro 6: Consoantes do português brasileiro .................................................................... 28 Quadro 7: Quadro de consoantes do inglês ......................................................................... 29 Quadro 8: Escala universal em relação à força consonantal ............................................... 34 Quadro 9: Escala de sonoridade .......................................................................................... 41 Quadro 10: Escala de sonoridade proposta por Hogg e McCully ....................................... 41 Quadro 11: Padrões silábicos do PB ................................................................................... 43 Quadro 12: Grupos de consoantes permitidos no ataque em PB ........................................ 45 Quadro 13: Estrutura silábica do inglês .............................................................................. 46 Quadro 14: Os ditongos decrescentes do PB ....................................................................... 51 Quadro 15: Ditongos crescentes do PB ............................................................................... 52 Quadro 16: Ditongos nasais do PB ...................................................................................... 52 Quadro 17: Ditongos do inglês ............................................................................................ 53 Quadro 18: Os tritongos do inglês ....................................................................................... 54 Quadro 19: Sequências consonantais em que ocorrem epêntese em português .................. 56 Quadro 20: Exemplos de palavras que sofrem epêntese ..................................................... 59 Quadro 21: Exemplos de epêntese inicial ........................................................................... 60 Quadro 22: Direcionalidade e epêntese ............................................................................... 61 Quadro 23: Clustes sC e sCC do inglês ............................................................................... 64 Quadro 24: Clusters do inglês propensos a inserção de vogal epentética medial ............... 67 Quadro 25: Clusters com dois segmentos em posição de coda em inglês .......................... 68 Quadro 26: Clusters com três ou mais segmentos em posição de coda em inglês .............. 69 Quadro 27: Ranking de restrições o PB ............................................................................... 80 Quadro 28: Epêntese medial: clusters analisados ............................................................... 88 Quadro 29: Segmentos em posição final de palavra ........................................................... 89 Quadro 30: Palavras utilizadas na gravação ........................................................................ 89 Quadro 31: Relação de tempo de estudo do inglês e o número de informantes .................. 94 Lista de gráficos Gráfico 1: Ocorrência de epêntese – total ............................................................................ 99 Gráfico 2: Ocorrência de epêntese de acordo com o nível de proficiência ......................... 99 Gráfico 3: Realização de epêntese inicial .......................................................................... 100 Gráfico 4: Epêntese inicial em cada nível de proficiência ................................................. 101 Gráfico 5: Realização de epêntese medial ......................................................................... 106 Gráfico 6: Epêntese medial em cada nível de proficiência ................................................ 106 Gráfico 7: Ocorrência de epêntese final ............................................................................ 109 Gráfico 8: Epêntese final em cada nível de proficiência ................................................... 110 Gráfico 9: Palatalização de [t] e [d], sem epêntese ............................................................ 114 Gráfico 10: Palatalização de [t] e [d], sem epêntese, em cada nível de proficiência ......... 115 Gráfico 11: Aspiração dos segmentos oclusivos desvozeados em posição de coda .......... 118 Gráfico 12: Ocorrência de aspiração em cada nível de proficiência ................................. 120 Gráfico 13: Paralelo entre epêntese, aspiração e palatalização nos três níveis de proficiência ......................................................................................................................... 121 Lista de tabelas Tabela 1: Epêntese em cada nível de proficiência, se considerada a palatalização sem realização da vogal epentética Ocorrência de aspiração em cada nível de proficiência ..... 116 Lista de Tableaux Tableau 1: Representação de tableau na TO ........................................................................ 74 Tableau 2: Tableau sobre epêntese em PB ........................................................................... 82 Tableau 3: Restrições em PB ............................................................................................... 83 Tableau 4: A restrição de onset ............................................................................................ 84 Tableau 5: Representação da pronúncia da palavra “skirt” seguindo o ranqueamento do PB ............................................................................................................................................. 128 Tableau 6: Pronúncia da palavra “skirt” após a reorganização do ranking de restrições .. 129 Tableau 7: Representação da pronúncia da palavra “scratch” seguindo o ranqueamento do PB ........................................................................................................................................ 130 Tableau 8: pronúncia da palavra “scratch” após a reorganização do ranking de restrições ............................................................................................................................................. 131 Tableau 9: representação da pronúncia da palavra “admit” de acordo com o ranking do PB ............................................................................................................................................. 133 Tableau 10: Pronúncia da palavra “admit” após a reorganização do ranking de restrições ............................................................................................................................................. 135 Tableau 11: produção da palavra “myself” de acordo com o ranqueamento do PB .......... 135 Tableau 12: produção da palavra “myself” após a reorganização das restrições ............... 136 Tableau 13: produção da palavra “contact” seguindo o ranking do PB ............................ 137 Tableau 14: produção da palavra “contact” após a reorganização das restrições .............. 138 Lista de abreviaturas Aff – africada C – consoante Co - coda Coda-Cond – condição de coda Contig – contiguidade DEP – restrição que proíbe inserções Fric – fricativa HLE – hierarquia da língua estrangeira HLM – hierarquia da língua materna I/O – input/ output LE – língua estrangeira L1 – língua 1 ou língua materna L2 – língua 2 ou língua estrangeira Lpa - limite periférico anterior da articulação das vogais Lpi - periférico inferior da articulação das vogais Lpp - limite periférico posterior da articulação das vogais MAX – restrição que proíbe apagamentos NOCODA – codas são proibidas Nocomplex – onsets e/ou codas complexos são proibidos Nuc – núcleo Nu – núcleo OnsetCondition- Condição de onset Palat – palatalização PB – Português Brasileiro R – rima sC – s + consoante s+CC – s + consoante + consoante Sonor – sonoridade Stop – oclusiva TO – Teoria da Otimalidade V – vogal Lista de símbolos Símbolo Classificação Exemplo Transcrição Fonética p consoante oclusiva bilabial desvozeada pata ['pata] b consoante oclusiva bilabial vozeada bala ['bala] t consoante oclusiva alveolar desvozeada tapa ['tapa] d consoante oclusiva alveolar vozeada data ['data] k consoante oclusiva velar desvozeada capa ['kapa] g consoante oclusiva velar vozeada gata ['gata tʃ consoante alveopalatal desvozeada tia ['tSia] dʒ consoante alveopalatal vozeada dia ['dʒia] f consoante fricativa labiodental desvozeada faca ['faka] v consoante fricativa labiodental vozeada vaca ['vaka] s consoante fricativa alveolar desvozeada sala ['sala] z consoante fricativa alveolar vozeada casa ['kaza] ʃ fricativa alveopalatal desvozeada chá ['ʃa] ʒ fricativa alveopalatal vozeada já ['ʒa] m nasal bilabial vozeada mala ['mala] n nasal alveolar vozeada nada ['nada] ɲ nasal palatal vozeada banha ['baɲa] l lateral alveolar vozeada lata ['lata] ʎ lateral palatal vozeada malha ['maʎa] θ fricativa dental desvozeada thin ['θɪn] ð fricativa dental vozeada they ['ðeɪ̯] ŋ nasal velar vozeada king ['kɪŋ] ɹ retroflexa alveolar vozeada mar ['maɹ] h fricativa glotal desvozeada rata ['hata] ɾ tepe alveolar vozeado cara ['kaɾa] j vogal anterior alta não-arredondada não- silábica you ['jʊ] w vogal posterior alta arredondada não- silábica wear ['wer] a vogal central baixa não-arredondada saco ['sakʊ] e vogal anterior média-alta não-arredondada seco ['sekʊ] ɛ vogal anterior média-baixa não- arredondada seco ['sɛkʊ] i vogal anterior alta não-arredondada silo ['silʊ] o vogal posterior média-alta arredondada soco ['sokʊ] ɔ vogal posterior média-baixa arredondada soco ['sɔkʊ] u vogal posterior alta arredondada suco ['sukʊ] ɪ vogal anterior meio-alta não-arredondada bit ['bɪt] æ vogal anterior baixa não-arredondada bad ['bæd] ɑ vogal posterior baixa não-arredondada hot ['hɑt] ʌ vogal posterior média-baixa não- arredondada cut ['kʌt] ʊ vogal posterior meio-alta arredondada book ['bʊk] ə vogal média central não-arredondada about ə'baʊ̯t] ͪ Aspirada ~ marca de nasalização ̯ vogal assilábica em um ditongo ❀  Candidato simpático Candidato simpático eliminado * Violação ou proibição *! Violação fatal ☞ Candidato ótimo Sumário INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 18 1 AS DIFERENÇAS ENTRE O PORTUGUÊS BRASILEIRO E O INGLÊS ....................... 21 1.1 As vogais do português ................................................................................................... 21 1.2 As vogais do inglês ......................................................................................................... 26 1.3 As consoantes do português e do inglês ......................................................................... 28 1.4 A sílaba ........................................................................................................................... 32 1.4.1 A sílaba na fonologia ............................................................................................... 33 1.4.2 A questão da sonoridade na formação das sílabas ................................................... 40 1.4.3 A sílaba no português brasileiro ............................................................................... 43 1.4.4 A sílaba no inglês ..................................................................................................... 46 1.4.5 Os ditongos em português e em inglês ..................................................................... 50 1.5 Epêntese .......................................................................................................................... 55 1.5.1 A ocorrência de epêntese na aquisição de LE .......................................................... 64 1.6 Teoria da Otimalidade ..................................................................................................... 73 1.6.1 A Teoria da Otimalidade e a aprendizagem de língua ............................................. 75 1.6.2 Formalização das restrições ..................................................................................... 79 1.7 Considerações Finais ...................................................................................................... 85 2 METODOLOGIA .................................................................................................................. 86 2.1 Instrumentos e procedimentos de coleta de dados .......................................................... 86 2.2 Os informantes ................................................................................................................ 90 2.3 Transcrição e levantamento dos dados ........................................................................... 92 2.4 Análise dos dados coletados ........................................................................................... 93 2.5 Considerações finais ....................................................................................................... 93 3 DISCUSSÃO SOBRE DADOS ESTATÍSTICOS ................................................................ 94 3.1 Análise dos dados obtidos por meio do questionário ...................................................... 94 3.2 Análise dos dados obtidos por meio da gravação ........................................................... 98 3.2.1 Epêntese inicial ...................................................................................................... 100 3.2.2 Epêntese medial ..................................................................................................... 105 3.2.3 Epêntese final ......................................................................................................... 109 3.2.4 Palatalização e aspiração ........................................................................................ 112 3.2.4.1 Palatalização ..................................................................................................... 113 3.2.4.2 Aspiração.......................................................................................................... 116 3.3 Considerações finais ..................................................................................................... 122 4 DISCUSSÃO DOS DADOS PELA TEORIA DA OTIMALIDADE (TO) ........................ 123 4.1 Restrições consideradas nas análises ............................................................................ 124 4.2 Questões relacionadas ao onset e a epêntese inicial ..................................................... 127 4.3 As questões relacionadas à coda e os casos de epêntese medial e final ....................... 132 4.4 Considerações finais ..................................................................................................... 138 CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 140 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 143 APÊNDICES .......................................................................................................................... 149 Apêndice A: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .............................................. 149 Apêndice B: Questionário para informações sobre o aluno colaborador ........................... 150 Apêndice C: Corpus da pesquisa ........................................................................................ 151 18 INTRODUÇÃO O presente estudo tem por objetivo analisar o processo de inserção de vogal epentética em encontros consonantais por aprendizes brasileiros de inglês como língua estrangeira. Esta pesquisa surgiu em complementação aos estudos feitos para o trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras, em que foram estudadas algumas das dificuldades relacionadas à aprendizagem de pronúncia encontradas por falantes de português brasileiro ao aprenderem inglês como língua estrangeira. Neste trabalho, focalizamos mais especificamente os casos de epêntese, ou seja, a inserção de vogais antes ou após segmentos consonantais visando a facilitar a pronúncia de certas palavras. A relevância desta pesquisa reside no fato de se poder ter um panorama mais explícito da frequência com que a epêntese ocorre na produção oral em inglês e em que condições isso ocorre para que, dessa forma, seja possível elaborar estratégias de ensino que visem a melhorar o aprendizado de pronúncia desses aspectos sonoros que apresentam problemas. Aprender uma língua estrangeira não é tarefa fácil. Envolve a aquisição de novas estruturas, novos sons, novos padrões e regras, nova gramática. No caso do inglês, que é o objeto do nosso estudo, temos sons que não fazem parte do inventário de fonemas do Português Brasileiro (doravante, PB) que precisam ser adquiridos pelo aprendiz. A aprendizagem desses novos fonemas requer tempo, prática e, sobretudo, uma boa instrução. O tema desta pesquisa foi escolhido a partir da observação do comportamento dos alunos de língua inglesa em sala de aula, diante do fato de terem que produzir oralmente algumas estruturas presentes no inglês, mas que não fazem parte do português, língua materna dos aprendizes. Percebemos que, para a pronúncia dessas novas estruturas, algumas estratégias eram empregadas, tais como o apagamento de algum segmento, a pronúncia incorreta dos fonemas /θ/e /ð/ como /t/ e /d/ ou /tʃ/ e /dʒ/, respectivamente, e a inserção de um segmento vocálico, quando a sequência de sons que compõem o onset ou a coda silábica da palavra não fosse familiar, ou seja, que não pertencesse ao PB. Essas são apenas algumas estratégias utilizadas para lidar com esses novos padrões e estruturas. Resumidamente, o termo epêntese refere-se à inserção de um segmento dentro da palavra (CAGLIARI, 1981; LEE, 1993; COLLISCHONN, 1996; MASSINI-CAGLIARI, 2000, 2005; MIGLIORINI E MASSINI-CAGLIARI, 2011). Essa adição pode acontecer no início da palavra, sendo que o termo mais específico para definir esse processo é prótese, como em [es'tadu] (stadu); se o acréscimo ocorrer no meio da palavra, o termo mais específico é anaptixe, como em [kõ'pakito] (compacto); se o acréscimo ocorrer no final da 19 palavra, o termo mais específico é paragoge, como em ['õngi] (ONG). No caso do PB, a vogal epentética é, em geral, um [i] átono e breve que também pode se realizar com uma qualidade mais baixa e mais central do tipo [ə] sempre que ocorrer uma oclusiva velar precedendo-a e sendo seguida por uma oclusiva alveodental surda ou por uma nasal alveodental (CAGLIARI, 1981, p.107). Esse problema se mostrava bastante recorrente entre os alunos de todos os níveis de proficiência, em maior ou menor escala. Em função da observação do uso dessas estratégias, decidimos trabalhar com a verificação da ocorrência de epêntese em segmentos consonantais, no momento da produção dessa nova língua e como os alunos lidam com as novas estruturas à medida que os estudos do idioma avançam. Dessa forma, nossa pesquisa visa a investigar a inserção da vogal epentética na produção do inglês pelos aprendizes brasileiros nas posições inicial, medial e final, como em spring /sprɪŋ/ > [ɪs.'pɹĩ ɡɪ], em que temos uma inserção em posição inicial e uma em posição final; e feedback /'fɪ:dbæk/ > [fi.di.'bɛ:.kɪ], em que temos uma inserção na posição medial e outra na posição final. Além disso, é importante ampliar os conhecimentos acerca dos aspectos fonéticos e fonológicos da língua portuguesa e inglesa, afim de entender os motivos pelos quais ocorrem as mudanças consonantais que levam à produção inadequada das palavras da língua-alvo. Trabalhamos com a hipótese de que a inserção seja realizada a fim de se corrigir uma estrutura silábica mal formada e, principalmente, aquelas que são diferentes daquelas possíveis na língua materna. A presente dissertação encontra-se estruturada a partir de quatro seções. A primeira traz uma revisão bibliográfica sobre o assunto estudado, mostrando algumas diferenças entre o português brasileiro e o inglês. Foi feito um levantamento dos fonemas vocálicos e consonantais do PB e do inglês, bem como da estrutura silábica das duas línguas, para termos uma visão mais clara dos padrões de ambas, permeando, também, alguns estudos já realizados sobre o tema. Nessa mesma seção apresenta-se um levantamento das possibilidades silábicas do PB e do inglês, isto é, quantas e quais as consoantes podem ocupar as posições de onset (início) e coda silábica (travamento) em cada uma das línguas, uma vez que as diferenças na estrutura silábica podem motivar a inserção de vogal epentética para adequar a palavra à estrutura silábica do PB. Ainda na primeira seção é apresentada a definição do que é epêntese, bem como alguns trabalhos já realizados sobre o tema, inclusive sobre a ocorrência de epêntese no processo de aprendizagem de inglês como língua estrangeira. Também nesta seção, apresenta- 20 se uma introdução sobre a Teoria da Otimalidade, alguns conceitos principais e a aplicação da teoria no estudo da aprendizagem de línguas. A segunda seção trada da metodologia usada para a coleta e a análise de dados. O corpus utilizado foi constituído por palavras da língua inglesa que apresentam segmentos ou sequências de segmentos em posição de onset e/ou coda silábica diferentes daqueles presentes nas palavras do português brasileiro. A coleta de dados se deu por meio de um questionário, cujo objetivo foi traçar um perfil dos informantes, e da gravação da leitura, feita pelos participantes, de uma lista de palavras em inglês. Selecionamos alunos de diferentes níveis de proficiência para que fosse possível verificar se a epêntese é um fenômeno que tende a diminuir, aumentar ou permanecer estável com a evolução da aprendizagem da língua-alvo. Na terceira seção, faz-se um levantamento estatístico a respeito da ocorrência de inserção de vogal epentética a partir das gravações da leitura realizada pelos informantes da lista de palavras. Os dados são aprensentados em gráficos e discutidos. Na quarta seção é desenvolvida uma análise dos dados obtidos, tendo como embasamento teórico a Teoria da Otimalidade (PRINCE; SMOLENSKY, 1993), levando em consideração as restrições de marcação e, principalmente, as restrições de fidelidade para verificar como o ranqueamento dessas restrições se comporta na produção da língua-alvo, no caso, o inglês. A análise dos dados permitiu concluir que a epêntese é uma estratégia de reparo silábico bastante utilizada na pronúncia de palavras do inglês em que há a presença de segmentos e/ou sequências de segmentos consonantais em posição de onset e/ou coda silábica e que não figuram nessas posições em PB. Outras contribuições que podem ser citadas são as análises da aspiração das consoantes /p/, /t/ e /k/ e da palatalização de /t/ e /d/ também como estratégias para facilitar a pronúncia das oclusivas em posição de coda silábica. A palatalização e a aspiração também foram discutidas nas análises. 21 1 AS DIFERENÇAS ENTRE O PORTUGUÊS BRASILEIRO E O INGLÊS O português e o inglês possuem várias diferenças e semelhanças no que diz respeito ao seu inventário de fonemas (o inventário de vogais e de consoantes), à formação silábica, a questões relacionadas a acento, ritmo, entre outros. Portanto, cabe descrever algumas das características da língua portuguesa e da língua inglesa para compreendermos melhor essas adaptações feitas pelos aprendizes, principalmente no momento da produção oral, muitas vezes motivadas pelas diferenças entre o sistema linguístico da língua materna e o da língua estrangeira. 1.1 As vogais do português Cagliari (1981, p. 34) afirma que “os sons vocálicos são pronunciados com um estreitamento dos articuladores orais de tal modo aberto que a corrente de ar, passando centralmente por ele, não produz fricção local”. A forma de pronunciar as vogais é diferente da forma de pronunciar as consoantes, o que faz com que elas se diferenciem entre si. O autor descreve que as vogais são pronunciadas com a ponta da língua abaixada e a superfície em forma convexa, assim, o corpo da língua não pode se mover tanto quanto a ponta. O movimento do corpo da língua para frente vai até certo ponto. Ela também pode se abaixar, juntamente com a mandíbula, mas também até certo ponto. Esses limites de movimento da língua são chamados de “limite periférico anterior da articulação das vogais (lpa) e limite periférico inferior da articulação das vogais (lpi)”, respectivamente. Afastando progressivamente, será encontrado um ponto conhecido como “limite periférico posterior (lpp) da articulação das vogais”. A junção desses pontos delimita a área de produção das vogais que, esquematicamente, pode ser representada por um trapezoide. Figura 1 - Representação esquemática da área vocálica lps lpa Área Vocálica lpp lpi Fonte: Cagliari (1981, p.35). 22 Ainda de acordo com Cagliari (1981), as vogais pronunciadas muito próximas possuem, em geral, timbres muito semelhantes, mas, se compararmos sons que são pronunciados mais distantes entre si, podemos perceber melhor a diferença de qualidade entre eles. Alguns desses pontos são considerados cardeais pelos foneticistas e, por isso, recebem uma atenção especial porque “são usados como pontos de referência articulatória e auditiva para se descrever adequadamente as vogais das línguas e independentemente delas, seguindo (...) as possibilidades articulatórias do homem” (CAGLIARI, 1981, p. 35-36). As vogais podem ser classificadas quanto à altura desde a mais fechada (mais alta) até a mais aberta (mais baixa) dentro da área vocálica, e também quanto à presença ou ausência de protrusão labial. A figura a seguir apresenta esses parâmetros classificatórios e os símbolos das correspondentes vogais cardeais. Figura 2: Vogais quanto ao ponto de articulação e altura Anteriores Centrais Posteriores i y ɨ ʉ ɯ u Fechadas ɪ ɣ ʊ e ø ɤ o Meio-fechadas ə ɵ ɛ æ ʌ ɔ Meio-abertas ɐ a ɶ ɑ ɒ Abertas Fonte: Cagliari (2002, p.208). Câmara Jr. (1989 [1970]) pontua que há sete fonemas vocálicos no português que se multiplicam em alofones pelo fato de serem realizados foneticamente de formas diferentes. Exemplos: saco ['sakʊ], seco ['sekʊ], seco ['sɛkʊ], soco ['sokʊ], soco ['sɔkʊ], silo ['silʊ], suco ['sukʊ]. 23 Quadro 1: As vogais do PB em posição tônica Fonte: Câmara Jr. (1989 [1970], p. 43). As vogais /ɛ/ e /ɔ/, quando em um radical, ao receberem um sufixo que as desloque para a posição pretônica, passam a se realizar como médias-altas e não mais como médias- baixas. Como exemplo, podemos citar c[ɛ]rto e c[e]rteza, m[ɔ]le e m[o]leza. Pode ocorrer também o alçamento das vogais médias-altas para vogais altas em algumas palavras como em m[e]nino – m[i]nino e c[o]stume c[u]stume. Sendo assim, em posição pretônica, teremos apenas cinco vogais com função distintiva. Quadro 2: Vogais do PB em posição pretônica Altas /i/ /u/ Médias /e/ /o/ Baixa /a/ Anteriores Central Posteriores Fonte: Câmara Jr. (1989 [1970], p. 44). Em posição postônica não-final, Câmara Jr. (1989 [1970]) afirma que as possibilidades são ainda menores. O número de vogais com função distintiva, nessa posição, cai para apenas quatro, pois as vogais [o] e [u] se neutralizam sendo realizadas como [u]. Desta forma, em posição postônica não-final, teremos: Altas /u/ /i/ Médias /o/ /e/ 2° grau Médias /ɔ/ /ɛ/ 1° grau Baixa /a/ Posteriores Central Anteriores 24 Quadro 3: Vogais postônicas não-finais Fonte: Câmara Jr. (1989 [1970], p.44). Em posição postônica final, há a ocorrência de apenas três vogais distintivas. As vogais médias-altas e as altas se neutralizam em favor das altas. Temos, então: Quadro 4: Vogais átonas finais Altas /i/ /u/ Baixa /a/ Anteriores Central Posterior Fonte: Câmara Jr. (1989 [1970], p. 44). Segundo Câmara Jr. (1989 [1970], p. 46), “a língua portuguesa se caracteriza, entre as línguas românicas, por uma emissão nasal para as vogais muitas vezes”. O autor entende que, em português, as vogais nasais não existem em nível fonológico, o que há é um travamento por um segmento nasal, representado pelo arquifonema /N/, que poderá se realizar como [m], caso a sílaba seguinte se inicie com uma consoante labial, ou como [n], caso a sílaba seguinte se inicie com uma consoante anterior nas mesmas condições, e ainda como o alofone [ɲ], posterior, diante de vogal posterior. Câmara Jr. (1989 [1970], p. 58-59), citando um artigo de Oskar Nobiling, pontua que [...] baseado na pronúncia de São Paulo, subsiste o elemento nasal consonântico posvocálico diante de pausa (Nobiling 1904). Esse elemento costuma ser interpretado como o de uma ditongação, que tem sido especialmente posta em relevo para /eN/ final, entendido como um ditongo nasal ([bēī]). Ora, a semivogal é para Nobiling a consoante /n/. O único argumento contra a exixtência fonética da consoante nasal e a consequência da presença fonológica de um arquifonema nasal /N/, a rigor, é que na vogal nasal portuguesa nós “sentimos” a nasalidade que envolve a vogal e “não sentimos” o elemento consonântico pósvocálico imediatemente seguinte. [...] Altas /i/ /u/ Médias /e/ - Baixa /a/ Anteriores Central Posterior 25 A nasalidade pura da vogal não existe, aliás, fonologicamente, porque por meio dela não se cria oposição em português entre vogal pura envolvida nasalidade e vogal seguida de consoante nasal pósvocálica. A nossa situação, neste particular, é diversa do francês, onde uma vogal puramente nasal como em /bõ/, escrito bon, se supõe ao feminino de /bon/ escrito bonne. Em virtude disso, o autor prefere assumir uma postura de existência do arquifonema /N/, que acarretará um traço de ressonância nasal à vogal, e ainda afirma que “a sílaba com a vogal dita nasal se comporta como uma sílaba travada por consoante” (CÂMARA JR, 1989 [1970], p. 59). Isto pode ser provado, segundo ele, por três fatos: (i) a repugnância à crase ou à degeminação entre dois vocábulos, como em lã azul, em detrimento ao que acontece em janela azul; (ii) o fato de que, após vogal nasal, só se realiza /r/ forte e nunca o /r’/ brando1 típico de posição intervocálica, como em honra, genro; (iii) a inexistência, em português, de hiatos nasalizados, havendo o desaparecimento da nasal ou o deslocamento do consonântico nasal para a sílaba seguinte. Outro aspecto abordado por Câmara Jr. (1989 [1970]) acerca das ditas vogais nasais é a questão da assimilação. Segundo o autor, a vogal diante de uma consoante nasal tende a assimilar seu traço de nasalidade. Neste caso, não há oposição distintiva entre as possíveis pronúncias de uma mesma palavra com a vogal nasalisada ou não nasalisada. Um exemplo é a palavra camarada que pode ser pronunciada como [kɐ̃ma'ɾada] ou como [kama'ɾada]. Independentemente da nasalisação ou não da vogal [a] na primeira sílaba, não há oposição de significado entre as duas palavras, ele continua o mesmo. Por isso, Câmara Jr. (1989 [1970], p.42) afirma que “a vogal nasal fica entendida como um grupo de dois fonemas, que se combinam na sílaba – vogal e elemento nasal” e que elas podem ser transcritas fonemicamente como /aN/, /eN/, /iN/, /oN/ e /uN/ (CÂMARA JR., 1989 [1970], p. 52). 1.2 As vogais do inglês O sistema vocálico do inglês apresenta algumas diferenças em relação ao do português. Enquanto o português possui sete fonemas vocálicos, o inglês possui quatorze. Algumas dessas vogais apresentam semelhança com a realização fonética das vogais do português como é o caso de /ʊ/, /e/, /i/. Entretanto, há outras que são específicas do inglês, tais como /ʌ/, em cut e /ɜ:/, em bird. A seguir, apresentamos o quadro relacionando as vogais do inglês: 1 r forte corresponde a /x/ ou /h/ e r brando corresponde a /ɾ/ no IPA. 26 Quadro 5: Vogais do Inglês Fonema Exemplo Transcrição /ɪ/ Sit /sɪt/ /e/ Get /get/ /æ/ Sad /sæd/ /ɒ/2 Pot /pɒt/ /ʌ/ Nut /nʌt/ /ʊ/ Cook /kʊk/ /ə/ Above /ə'bʌv/ /i/ Jelly /'dʒeli/ /u/ Mannual /'mænjuəl/ /a/ Loud /laʊd/ /i:/ See /si:/ /ɑ:/ Father /fɑ:ðər/ /ɔ:/ Bought /bɔ:t/ /u:/ Shoot /ʃu:t/ /ɜ:/ Third /θɜ:rd/ Fonte: Adaptado de OXFORD (2010, versão CD-ROM). Roach (1998) aponta que o inglês possui uma variedade grande de sons vocálicos e que as vogais podem ser breves (short vowels) ou longas (long vowels) e podem ter durações diferentes, dependendo do contexto. As vogais breves são /ɪ/ (como em [bɪt]), /œ/ (como em [bœt]), /e/ (como em [bet]), /ʌ/ (como em [bʌt]), /ʊ/ (como em [pʊt]) e /ɒ/ (como em [pɒt]). Outra vogal curta é a vogal central conhecida como schwa, /ə/, muito presente no inglês, em palavras como about [əbaʊt] e perhaps [pər'hæps]. As vogais longas são cinco: /i:/ (como em beat [bi:t]), /ɑ:/ (como em pass [pɑ:s]3), /ɔ:/ (como em horse [hɔ:rs]), /u:/ (como em food [fu:d]) e /ɜ:/ (como em bird [bɜ:rd])4. Roach (1998, p.19) afirma que 2No inglês americano, o fonema /ɒ/ é realizado como /ɑ/. 3[pɑ:s] é a forma de pronúncia britânica. No inglês americano seria [pæs] 4 O fonema /ɹ/ é transcrito como /r/, e /ɛ/ como /e/ nos dicionários consultados. 27 these five long vowels are different from the six short vowels […] not only in length but also in quality. If we compare some similar pairs of long and short vowels, for example ɪ with i:, ʊ with u:, œ with ɑ:, we can see distinct differences in quality (resulting from differences in tong shape and position, and lip position), as well as in length”.5 (ROACH,1998, p.19). Assis (2007) pontua que, quando há a ocorrência dessas vogais, o falante de PB sente dificuldades em reproduzi-las em virtude da diferença de timbre entre a vogal em questão e as vogais com as quais ele está acostumado, ou seja, que fazem parte do sistema fonético- fonológico da sua língua materna. Com a ausência desse fone distintivo, o aprendiz de língua inglesa tem dificuldades para distingui-lo dos fonemas semelhantes e acaba por percebê-los como variantes de um mesmo fonema, neutralizando o contraste entre algumas palavras como bad [bœd] e bed [bɛd]; o fonema /œ/ é percebido, no português, como /ɛ/. O mesmo acontece com outras palavras como cheap [tʃip] e chip [tʃɪp]; beat [bit] e bit [bɪt], em relação às quais o aprendiz não consegue fazer a distinção entre a vogal mais longa /i/ e a mais breve /ɪ/. O mesmo acontece com outras vogais semelhantes como /u/ (em pool [pul]) e /ʊ/ (pull [pʊl]) e também com o fonema /ɑ/ e /ɔ/. O primeiro não faz parte do inventário vocálico do português e aparece, no inglês, em palavras como hot [hɑt]. O fonema /ɔ/, por sua vez, aparece entre as vogais do português em palavras como avó [avɔ] e também no inglês em palavras como caught [kɔ:t]. Pelo fato de este último fonema ser comum às duas línguas, o falante do PB tende a perceber e produzir, em ambos os casos, o fonema /ɔ/, não conseguindo distingui-los. Outra vogal que comumente é substituída é o schwa /ə/. Como também não é uma vogal típica do português, ela acaba sendo substituída por outras, dependendo da palavra em que aparece. Em inglês, o schwa é tido como vogal neutra. O termo vogal neutra para o schwa [ə] é usado porque o dorso da língua não se desloca de sua posição de repouso e a mandíbula se abre um pouco, alcançando uma posição intermediária àquela requerida para vogais altas e à necessária para vogais baixas. No português, a vogal considerada neutra é o /e/. Lee (1993, p.851) pontua que /e/ é o segmento não-especificado na representação de base e, por isso, os valores dos traços não o especificam e que, se fôssemos representá-lo, de acordo com a Teoria da Subespecificação (Underspecification), conforme descreve o autor, teríamos /e/ como um segmento [-alto], [-baixo], [-rec], [-arre].6 7 5 Essas cinco vogais longas são diferentes das seis vogais curtas (...) não somente em duração, mas também em qualidade. Se compararmos alguns pares similares de vogais longas e curtas, por exemplo, ɪ com i:, ʊ com u:, œ com ɑ:, podemos ver tanto diferenças distintivas em termos de qualidade (resultado de diferenças da posição e forma da língua, e posição dos lábios), quanto em termos de duração.5 (ROACH,1998, p.19 - tradução nossa) 6 A Teoria da Subespecificação foi desenvolvida por Archangeli (1984). 7 Maiores detalhes sobre traços distintivos, ver Cagliari (1997a; 1997b; 2002). 28 Sendo assim, em algumas palavras inglesas que apresentam o schwa, o falante de português acaba produzindo-o como /e/, por exemplo internet: em inglês /'ɪntəɹnet/, em português /inteɹ'nɛtʃi/. Em outras palavras, o schwa é substituído por outras vogais talvez devido à grafia da palavra como em about: em inglês /ə'baʊt/, é produzido por falantes nativos de PB como /a'bɑʊtʃi/; e ainda crystal: em inglês /'krɪstəl/, é produzido como /kɾis'taʊ/. De acordo com Lee (1993), a vogal neutra do português é a usada nos casos de epêntese, como veremos melhor adiante. 1.3 As consoantes do português e do inglês De acordo com Cagliari (1981, p. 101), “o som é uma consoante quando nas cavidades supraglotais ocorre um bloqueio à corrente de ar ou um estreitamento do canal de tal modo que a corrente de ar ao passar por ele produz fricção local”. Câmara Jr. (1989 [1970], p. 48) afirma que o português constitui-se de 19 fonemas consonânticos, conforme o que se apresenta no quadro abaixo: Quadro 6: Consoantes do português brasileiro /p/ roupa /b/ rouba /t/ rota /d/ roda /k/ roca /g/ roga /f/ mofo /v/ movo /s/ aço /z/ azo /ʃ/ acho /ʒ/ ajo /m/ amo /n/ ano /ɲ/ anho /l/ mala /ʎ/ malha /R/ erra /ɾ/ era Fonte: Adaptado de Câmara Jr. (1989 [1970], p. 48). O inventário de fonemas consonantais do inglês é expresso no quadro a seguir. 29 Quadro 7: Quadro de consoantes do inglês Fonema Exemplo Transcrição Fonema Exemplo Transcrição /p/ Patient /’peiʃnt/ /ʃ/ ship /ʃɪp/ /b/ Bat /bæt/ /ʒ/ treasure /’treʒər/ /t/ Take /teɪk/ /h/ horse /hɔ:rs/ /d/ Day /deɪ/ /x/ loch /lɑ:x/ /k/ Key /ki:/ /tʃ/ chair /tʃer/ /g/ Gate /geɪt/ /dʒ/ jazz /dʒæz/ /f/ Fact /fækt/ /m/ mother /’mʌðər/ /v/ vocal /vəʊkl/ /n/ snack /snæk/ /θ/ Thin /θɪn/ /ŋ/ going /’goʊɪŋ/ /ð/ This /ðɪs/ /w/ walk /wɔ:k/ /s/ Salt /sɔ:lt/ /r/ rent /rent/ /j/ young /jʌŋ/ /l/ small /smɔ:l/ /z/ zebra /zi:brə/ Fonte: Adaptado de OXFORD (2010, versão em CD-ROM). Pela comparação dos dois quadros é possível perceber que, enquanto o português possui 19 fonemas consonânticos, o inglês possui 25. Isso faz com que os aprendizes de língua inglesa façam adaptações no momento da produção desses fonemas devido ao não conhecimento deles, uma vez que não fazem parte do inventário de fonemas de sua língua materna. Em virtude disso, é que o aprendiz também não consegue distinguir a oposição fonológica que há entre alguns fonemas semelhantes, tratando-os como alofones de um mesmo fonema. Cagliari (2002, p. 28) também discute esta questão: é interessante notar o que acontece quando uma pessoa encontra-se diante de uma língua estrangeira. Quando ela desconhece o funcionamento do sistema fonológico desta língua, sua tendência é julgar o que encontra em função do sistema fonológico de sua própria língua. Dessa maneira, o estrangeiro tende a considerar como alofones dos fonemas daquela língua, pela simples razão que, em sua língua, aqueles sons não estão em oposição fonológica. Por exemplo, um falante de Português, que não conhece a Língua Inglesa, pode confundir os fonemas [s] e [θ] ou [z] e [ð], achando que existe oposição apenas entre [s] e [z], como acontece na Língua Portuguesa. 30 Câmara Jr. (1989 [1970], p. 35) defende que o grande problema de quem fala uma língua estrangeira não é a rigor a má reprodução dos alofones, mas o de emitir os verdadeiros traços distintivos dos fonemas, sem insinuar, sem sentir os traços distintivos dos fonemas mais ou menos semelhantes da língua materna, às vezes com confusões perturbadoras e cômicas. Muitos desses sons consonantais representam um grande problema para falantes de PB. Adaptações podem ser observadas na produção da fricativa dental desvozeada /θ/ e na fricativa dental vozeada /ð/. Essas consonantes normalmente são substituídas por outras similares presentes no PB. No caso de /θ/, em início de palavras, como think e thing, a adaptação é feita com a oclusiva alveolar desvozeada [t], talvez por influência da grafia; em alguns casos, pela fricativa labiodental desvozeada [f] ou ainda pela fricativa alveolar [s]. Dessa forma, as pronúncias, que deveriam ser /θiŋk/ e /θiŋ/, acabam sendo realizadas como [ti͂ki] e [ti͂gi] ou [fi͂ki] e [fi͂gi] ou ainda [si͂ki]. Como os falantes do PB não estão acostumados com palavras terminadas com a consoante [ɡ] e [t], há também a tendência de inserir a vogal epentética /i/ no final da palavra (discutiremos melhor os casos de epêntese mais adiante). Quando o fonema /θ/ aparece em final de palavra, o mais comum é que este som seja produzido como a fricativa labiodental desvozeada [f]. Em palavras como bluetooth ['blu:tu:θ], atualmente muito utilizada também no português, a pronúncia ocorre como [blu'tufi]. Neste caso, também há a inserção da vogal epentética /i/. Outro exemplo de sons problemáticos são as fricativas [s] e [z]. No inglês, elas estão em oposição em final de palavras, ou seja, são responsáveis pela alteração de significado entre uma palavra e outra. As palavras house [haʊs] (substantivo) e house [haʊz] (verbo), por exemplo, apresentam oposição entre si. A primeira, [haʊs], significa “casa, habitação, domicílio, o espaço físico destinado à moradia”; já a segunda, [haʊz], significa “abrigar, morar, viver, habitar”. As duas formas são usadas em contextos semelhantes, mas o que vai distinguir se o falante está pronunciando o verbo ou o substantivo é o fonema final /s/ ou /z/. Em PB, esses fonemas, em final de palavra, não estão em oposição, como nos processos de sandi. Ao pronunciar “mês de agosto”, por exemplo, o /s/ da palavra “mês” é produzido como /z/ por assimilação do traço de vozeamento da consoante /d/, ficando “/mezdiagostʊ/”. O fonema /s/, inclusive, pode se realizar também como [ʃ] e [ʒ], em alguns contextos, como em [meʃ] para “mês”, e como em [meʒmʊ] para “mesmo”, no dialeto carioca. SILVA (2001, p. 146) aponta que 31 /s, z, ʃ, ʒ/ são fonemas do português (pois estes dados são pares mínimos que demonstram o contraste fonêmico). A perda de contraste fonêmico entre /s, z, ʃ, ʒ/ em português ocorre apenas em posição final de sílabas e consiste de um caso de neutralização que justifica o fato de /S/ não constar da tabela fonêmica. Podemos citar, como exemplo desse caso, as palavras mais e trás, que podem ser pronunciadas de maneiras diferentes, mas não têm seu significado alterado. No dialeto carioca, por exemplo, temos [maɪ̯ʃ] e [tɾaɪ̯ʃ]; enquanto que, em outros dialetos, é mais comum [maɪs] e [tɾaɪs]. Em contextos em que aparece uma vogal após o fonema /s/, este é pronunciado como /z/, por causa do processo de ressilabificação como, por exemplo, em “mais amada” [maɪ̯za'mada], “mais emocionante” [maɪ̯zemosio'nɐ̃tʃɪ]. Outro fonema que apresenta diferenças de pronúncia em PB e inglês é o fonema /r/. Em inglês, em palavras com esse fonema (representado pelo grafema ), independentemente da posição em que ele apareça (início, meio ou final de palavra), ele será pronunciado como a consoante retroflexa [ɹ]. Em PB, o mais comum é que esse fonema seja pronunciado como uma fricativa, principalmente em início de palavras. A consoante retroflexa aparece em alguns dialetos no PB, mas ela ocorre principalmente em posição de coda (travamento silábico), aparecendo em posição de onset apenas em alguns dialetos como o de Piracicaba/SP, por exemplo. Mesmo em palavras inglesas utilizadas no dia a dia, (como rock, por exemplo), a opção que se faz é pelo uso da fricativa em início de palavra: [xɔk] ou [hɔk]. O fonema /ŋ/ também não faz parte do inventário de fonemas do PB. Então é comum que os estudantes de inglês o interpretem como o arquifonema /N/, em palavras como going /’goʊɪŋ/, por exemplo, e o tratem como uma forma de nasalização da vogal anterior, o que é mais comum na língua portuguesa. Os fonemas /n/ e /m/ apresentam um comportamento semelhante em ambas as línguas. Em início de sílabas, o comportamento é igual. Há que se chamar a atenção para o comportamento do fonema /m/ em final de palavras. Em PB, o que acontece é a nasalização da vogal anterior, por isso o falante produzirá o som dessa vogal com uma qualidade mais nasalizada. Em inglês, entretanto, a produção deste fonema se dá de forma diferenciada neste contexto, não havendo nasalização, e deve ser pronunciado de modo a finalizar com os lábios totalmente fechados, como em madam /'mædəm/ e macadam /mə'kædəm/. Além dos fonemas típicos de cada língua, é preciso também observar como é o comportamento das estruturas silábicas em cada uma delas, uma vez que essa estrutura 32 também influenciará a pronúncia dos aprendizes da língua estrangeira. Este será o próximo assunto abordado. 1.4 A sílaba Na subseção anterior, apontamos algumas diferenças encontradas em relação aos fonemas da língua portuguesa e da língua inglesa. Agora, abordaremos a questão da estruturação silábica em ambas as línguas. Essa abordagem se faz necessária, devido ao fato de que as estruturas das sílabas, em inglês e em português, apresentam diferenças bem marcantes, sendo que algumas estruturas existentes no inglês não são permitidas no português, e a inserção de segmentos normalmente é feita com o objetivo de “consertar” essa estrutura silábica inexistente na língua materna. A sílaba pode ser definida, do ponto de vista fonético, como o resultado de movimentos musculares que ocorrem quando os músculos do sistema respiratório se adaptam ao processo da fala. O ar não sai dos pulmões de maneira contínua, mas em pequenos jatos, correspondentes às sílabas, que formam o suporte para os outros parâmetros da fala, sendo o primeiro parâmetro articulatório a ser ativado na produção de qualquer enunciado (CAGLIARI, 1981, p. 99). Assim, a sílaba pode ser interpretada como o resultado de um esforço muscular que se intensifica até atingir seu limite máximo e depois reduz progressivamente em cada sílaba. Isso possibilita a interpretação da sílaba como tendo três partes, sendo duas periféricas e uma central ou nuclear que podem ter duração variada conforme a duração de cada segmento que a compõe. Normalmente, a parte central da sílaba é preenchida por um segmento vocálico e as periferias por segmentos consonantais, a menos que não haja segmento vocálico na sílaba. (CAGLIARI, 1981, p. 100). Câmara Jr. (1989 [1970], p. 53) afirma que a sílaba consiste em um movimento de ascensão, ou crescente, que culmina em um ápice, ou centro silábico, que é seguido por um movimento descendente. A vogal funciona como o centro dessa estrutura, na maioria das línguas, embora algumas consoantes não estejam excluídas dessa posição, em particular as chamadas “soantes”. De acordo com Collischonn (1999, p. 108), no caso do PB, “o ápice é constituído por uma vogal. O aclive é constituído por uma ou duas consoantes. O declive é constituído por uma das seguintes consoantes /S/, /R/, /l/ ou pela semivogal /j,w/”. 33 1.4.1 A sílaba na Fonologia No modelo da Fonologia Gerativa Padrão, a sílaba ficou em segundo plano, já que o foco principal da análise linguística era o componente sintático da língua. A abordagem gerativa relacionada à fonologia foi baseada principalmente na proposta apresentada por Chomsky e Halle, no clássico livro The sound pattern of English, comumente chamado de SPE, lançado em 1968, que busca descrever os princípios que regulam os sistemas sonoros, com o intuito de compreender os mecanismos que articulam a gramática universal, responsável pela facilidade com que o ser humano, mesmo em idade tão tenra e de maneira tão rápida, seja capaz de adquirir a sua língua materna. Segundo Silva (2001, p.190), “a inovação do modelo gerativo do ponto de vista teórico e metodológico refere-se à noção transformacional de geração de estruturas gramaticais e quanto ao relacionamento explícito que passa a ser definido entre a linguagem e o mecanismo psicológico que a gera”. A autora ainda aponta que a fonologia gerativa padrão propõe-se a formalizar as oposições e distribuições presentes nos sistemas sonoros de maneira a expressar as generalizações atestadas empiricamente. Assume-se que processos fonológicos expressam as alternâncias segmentais. Processos fonológicos são formalizados por regras fonológicas. Regras fonológicas são elaboradas na forma A -> B/ C___D (sendo que ABCD são categorias opcionais. O símbolo A corresponde à descrição estrutural, o símbolo B corresponde à mudança estrutural e C e D correspondem aos ambientes. Os ambientes podem preceder a mudança estrutural para C ou podem segui-la, como é o caso de D. Uma regra do tipo A->B/ C__D implica que uma sequência do tipo CAD será transformada em CBD. As novas regras geram novas estruturas por meio de transformações. (SILVA, 2001, p.191) Ao mesmo tempo em que o modelo gerativo foi revolucionário, também recebeu várias críticas, inclusive por não tratar do status da sílaba. Entretanto, o SPE foi uma base para a elaboração das novas teorias fonológicas que se seguiram, servindo para incorporar estudos referentes à sílaba, acento e tom, estudados de maneira mais linear na fonologia gerativa padrão. Hooper (1976) considera a sílaba uma sequência de segmentos cuja representação é puramente linear. Sua representação não possui ramificações internas, sendo os elementos dispostos linearmente. A autora defende que a estrutura CV é a sílaba ótima, já que é permitida em todas as línguas e, inclusive, algumas delas permitem somente esta estrutura silábica. 34 Hooper (1976) ainda defende a questão da força silábica8 e que as relações de força exercem influência na formação da sílaba e na posição das consoantes dentro dela. Consoantes fortes preenchem posições fortes na sílaba, enquanto consoantes fracas preenchem oposições fracas. A força da consoante determina sua posição em relação ao núcleo e sua posição em início ou final de sílaba, sendo que a posição inicial é mais forte que a posição final. Em relação à força consonantal, Hooper (1976) propõe uma escala universal e as fronteiras das sílabas são atribuídas com base na força dos segmentos adjacentes. Quadro 8: Escala universal em relação à força consonantal Glides Líquidas Nasais Contínuas Sonoras Contínuas Surdas Oclusivas Sonoras Oclusiva Surda 1 2 3 4 5 6 Fonte: Hooper (1976, p. 206). Após o lançamento de The Sound Pattern of English (SPE), de Chomsky e Halle (1968), a fonologia se desenvolveu bastante. Várias teorias foram surgindo em reação a esse modelo gerativo proposto pelos autores. Nele, as descrições fonológicas eram caracterizadas por uma organização linear dos segmentos e suas regras de aplicação tinham seus domínios definidos em termos de fronteiras contidas na estrutura superficial dos constituintes morfossintáticos (MASSINI-CAGLIARI, 1999, p. 71). Com esse desenvolvimento da fonologia, surgiu a ideia de que o componente fonológico é caracterizado por um conjunto de sistemas que são organizados hierarquicamente e interagem entre si, cada um sendo governado por seus próprios princípios, fazendo com que o componente fonológico seja um sistema heterogêneo. A partir de então, surgiu o que chamamos, hoje, de Fonologia Não-Linear. Nos modelos fonológicos não- lineares, a sílaba passa a ser o foco das discussões e vários trabalhos foram apresentados sobre ela, como os de Selkirk (1980; 1982). Collischonn (1999, p.91) afirma que o modelo apresentado por Kahn (1976), inspirado na fonologia autossegmental, “pressupõe camadas independentes, uma das quais representa as 8 O que Hooper (1976) trata como força silábica ou força dos segmentos é o que tratamos hoje por escala de sonoridade, ou seja, os elementos consonantais e vocálicos são organizados em uma escala de acordo com a sonoridade. 35 sílabas (indicadas pela letra grega σ) às quais estão ligados diretamente os segmentos” como mostra o exemplo a seguir retirado de Collischonn (1999, p. 91). (1.1) σ p a r Como descreve Schneider (2009, p.22), no modelo proposto por Kahn, para que se estabeleça a associação entre os segmentos e as sílabas, devem ser respeitadas algumas convenções universais: 1) Cada segmento [+silábico] é associado a exatamente uma sílaba. 2) Cada segmento [-silábico] é associado a pelo menos uma sílaba. 3) As linhas que associam sílabas e segmentos não podem se cruzar. A partir desses princípios, torna-se possível a formação de mais de um tipo de sílaba com os mesmos segmentos e a aplicação de determinadas regras (universais ou particulares a cada língua) permite ou proíbe a formação de um tipo de sílaba ou outro. A convenção 2 permite que um segmento esteja ligado a mais de uma sílaba, enquanto que a terceira convenção permite uma dupla associação de um segmento somente a sílabas vizinhas, não sendo permitido que um segmento seja associado a sílabas intercaladas. Kahn (1976, p.41) cita como exemplo a palavra inglesa pony, para mostrar o compartilhamento de um mesmo segmento por duas sílabas, ou ambissilabicidade. (1.2) p o n i S1 S2 Os estudos de Kahn, entretanto, não foram suficientes para abordar todas as possibilidades de se estudar a sílaba, recebendo, inclusive, críticas porque abordava a sílaba, mas não tratava de alguns aspectos relevantes como a distinção de segmentos nucleares e periféricos e as possibilidades de ressilabificação possíveis em algumas línguas. 36 Como um complemento aos estudos de Kahn, teve-se a proposta apresentada por Selkirk (1982). Com base na fonologia métrica, os elementos que constituem as sílabas foram estruturados em forma de árvore. A estrutura silábica, então, seria: (1.3)9 f l a w n s onset peak coda rhyme syllable Na estrutura acima representada, o que se chama de onset também é chamado de ataque, em português. Qualquer uma das categorias apresentadas acima pode ser vazia, com exceção do núcleo. A partir desse novo padrão de representação da sílaba, é possível representar estruturas mais simples e/ou mais complexas, além de se poder definir contextos e fazer regras fonotáticas (CAGLIARI, 2002, p.119). Cagliari (2002, p. 119) afirma que a essa estruturação das sílabas dá-se o nome de planilha silábica e que vários fenômenos fonológicos estão ligados a isto, como a ambissilabicidade, elementos flutuantes, peso silábico, extrametricidade, entre outros. O modelo proposto por Selkirk permite também que se estabeleça uma diferenciação entre sílabas leves e sílabas pesadas por meio do constituinte ‘rima’. As sílabas que possuem um elemento ligado à coda (ou coda preenchida) são chamadas de sílabas travadas e pesadas (CVC), enquanto uma sílaba com rima simples, que possui apenas o elemento do núcleo (a coda fica vazia), é denominada sílaba leve (CV). Há, entretanto, uma divergência de opiniões 9 Exemplo retirado de Selkirk (1982, p. 338). 37 a respeito dos ditongos decrescentes10. Alguns autores, como Câmara Jr. (1989 [1970]), defendem que o glide11 (ou semivogal) faz parte do núcleo da sílaba, pressupondo uma sílaba leve. Por outro lado, há autores, como Bisol (1989), que defendem que o glide faz parte da coda silábica, pressupondo, portanto, uma sílaba pesada. Essa questão de peso silábico é um fator importante no estudo do acento, uma vez que as sílabas pesadas tendem a atrair o acento da palavra. A proposta de Selkirk foi muito importante para se estabelecer não um conjunto de regras para a formação das sílabas, mas um conjunto de condições de boa formação que devem ser aplicadas na formação de uma sílaba. Essas condições de boa formação podem ser universais ou próprias de cada língua. Dessa maneira, podemos dizer que elas podem nos ajudar a entender alguns processos fonológicos, como a epêntese, por exemplo, na língua portuguesa, e também na aprendizagem de línguas estrangeiras. Liberman e Prince (1977) desenvolvem a Fonologia Métrica, no final dos anos de 1970, e já defendem a ideia de que a sentença possui uma estrutura hierárquica (sílaba, pé, palavra prosódica) que organiza os segmentos. A sílaba é composta por constituintes cujos elementos são binários como representados nos exemplos abaixo. As relações entre as sílabas são determinadas em função de suas saliências, definidas como sílabas fortes (s – strong) e sílabas fracas (w – weak). Essas saliências, em um enunciado, podem ser representadas em forma de árvore ou em forma de grade (CAGLIARI, 2002, p. 120). (1.4) w s w s w s s w s w s w s w mi nha che fe foi a Sou sas 10 Os autores aqui citados, Câmara Jr. (1989 [1970]) e Bisol (1989), compartilham a ideia de que não há ditongo crescente. 11 Crystal (2008, p.211) define glide como: 1) um termo usado em fonética para se referir a um som de transição em que os órgãos vocais se movem em direção ou para longe de uma articulação; 2) também em fonética, o termo é usado para uma vogal em que há mudança audível de qualidade. Ditongos e tritongos são, ambos, exemplos de glides; 3) nos estudos de entoação, o termo é usado, às vezes, para descrever um tom que envolve mudança no nível de entoação. 38 (1.5) x x x x x x x x x x x x x x x Mi nha che fe foi a Sou sas À semelhança de Kahn (1976), Clements e Keyser (1983) acreditam na estrutura plana da sílaba. Entretanto, propõem uma estrutura intermediária entre o nível do segmento e o nível da sílaba, que chamaram de CV. Essa nova camada define algumas posições dentro da sílaba no que diz respeito a fenômenos como comprimento, peso, mora e complexidade de segmentos. A função dos elementos dessa nova camada é distinguir o pico silábico e a margem, onde V seria considerado o pico e C, a margem da sílaba. Dessa forma teríamos12: (1.6) σ Nível 1: sílaba C C V C C Nível 2: CV s t a w t Nível 3: segmental Além da camada CV, Clements e Keyser (1983) também propõem a existência de um outro nível silábico, o núcleo (V) que pode ser composto por uma vogal longa ou ditongo ou uma vogal curta e uma consoante. Este nível seria o responsável por distinguir as sílabas leves e pesadas (o que Selkirk faz, propondo essa diferenciação devido à presença ou ausência da coda na rima). A sílaba leve seria aquela composta por apenas um elemento no núcleo ou núcleo simples (V). Já a sílaba pesada seria aquela composta por um núcleo complexo ou ramificado, ou seja, com dois elementos (VV ou VC). Para Pereyron (2008, p.23), “a camada do núcleo (nucleus tier) forma um diferente plano da sílaba, isto é, uma unidade prosódica independente em um plano separado de representação”. Outro aspecto proposto por Clements e Keyser (1983), em relação à sílaba, é a noção de extrassilabicidade. Para os autores, durante o processo de derivação, as linhas de 12 Exemplo retirado de Clements e Keyser (1983, p.19). 39 associação entre os elementos de CV e σ são dissociados para depois se reassociarem. Na reassociação, alguns elementos podem permanecer desassociados a σ para se associarem à sílaba adjacente por meio das regras de afiliação. Como exemplo, os autores citam a palavra francesa petit. Na língua francesa, não são permitidas obstruintes em codas silábicas. Sendo assim, em palavras como petit garçon, o segmento /t/ final não é realizado. Entretanto, se o segmento imediatamente posterior a /t/ for uma vogal, /t/ se associa a ela funcionando como onset da nova sílaba formada. É o caso de petit enfant que se realiza como [petitãfã]. Itô (1986) desenvolveu um estudo da sílaba como um constituinte prosódico (dentre os quais estão também o pé métrico, a palavra fonológica, grupo entoacional, entre outros.) já introduzido pela Fonologia Prosódica, na qual os constituintes são organizados hierarquicamente. Essa hierarquia presente na Fonologia Prosódica segue os preceitos do Licenciamento Prosódico, em que todas as unidades fonológicas devem pertencer a estruturas fonológicas superiores (exceto os elementos extraprosódicos); da Localidade, que trata das condições de boa formação de uma estrutura prosódica; e da Direcionalidade, que determina o direcionamento na ordem do mapeamento prosódico. A autora, assim como Clements e Keyser (1983), adota a existência da camada intermediária CV na representação da sílaba e defende que a silabação é regida por restrições fonotáticas e não regras específicas. Além disso, adota também as regras de boa formação e o molde silábico para a estruturação silábica, pois são eles que determinarão como cada sequência fonológica será dividida em sílabas. Hogg e McCully (1991, p.36) também concordam que a sílaba possui uma organização hierárquica. Os autores afirmam que the syllable has an internal hierarchy of is own which determines possible CV sequences. We can claim that the syllable is composed of three parts, namely an initial consonant sequence or onset, a sequence of nonconsonantal segments, the nucleus, and a final sequence of consonantal segments which is called the coda13. (HOGG e McCULLY, 1991, p.36) Ainda sobre sílaba, Blevins (1995, p.206-207) afirma que: Just as the feet of metrical theory supply rhythmic organization to phonological strings, syllables can be viewed as the structural units providing melodic organization to such strings. This melodic organization is 13 […] a sílaba tem uma hierarquia interna própria que determina possíveis sequências CV. Podemos afirmar que a sílaba é composta de três partes, ou seja, uma sequência de consoante inicial ou onset, uma sequência de segmentos não consonantais, o núcleo, e uma sequência final de segmentos consonantais que é chamada coda. (HOGG; McCULLY, 1991, p.36 – tradução nossa). 40 based for the most part on the inherent sonority of phonological segments, where the sonority of a sound is roughly defined as its loudness relative to other sounds produced with the same input energy (i.e., with the same length, stress, pitch, velocity of airflow, muscular tension, tec.). Hence, melodic organization of a phonological string into syllables will result in a characteristic sonority profile: segments will be organized into rising and falling sonority sequences, with each sonority peak defining a unique syllable. The syllable then is the phonological unitwhich organizes segmental melodies in terms of sonority; syllabic segments are equivalent to sonority peaks within these organizational units14. (BLEVINS, 1995, p. 206- 207) A autora ainda aponta que falantes nativos têm intuições claras do número de sílabas presentes em uma palavra e alguns têm ainda a intuição de onde a quebra da sílaba ocorre. A sílaba, então, passa a ocupar lugar de destaque como unidade importante na Linguística e constitui um campo amplo de pesquisa. Ela é a unidade básica para a compreensão do sistema sonoro das línguas e como as sequências se organizarão para formar o ritmo, a melodia da fala. 1.4.2 A questão da sonoridade na formação das sílabas As possibilidades estruturais para a formação de sílabas podem variar de uma língua para outra, isto é, uma estrutura que é plenamente possível em uma língua, pode ser inadmissível em outra. A vogal é o núcleo da sílaba, porém, determinar as fronteiras da sílaba em uma palavra, quantos e quais segmentos são possíveis, em suas margens esquerda (onset) e direita (coda), não é tarefa fácil. Quando se analisa línguas diferentes, percebe-se ainda que, nessas fronteiras silábicas, os segmentos possíveis na coda e no onset e sua sequenciação podem variar bastante entre elas. A combinação dos fonemas que formam as sílabas não se dá de forma aleatória, mas de acordo com uma hierarquia de sonoridade que determinará quais fonemas ficarão mais próximos às margens ou ao núcleo da sílaba. Para Collischonn (1999, p.101), 14 assim como os pés da teoria métrica fornecem organização rítmica a sequências fonológicas, as sílabas podem ser vistas como as unidades estruturais que proporcionam organização melódica a essas sequências. Essa organização melódica é baseada, em grande parte, na sonoridade inerente de segmentos fonológicos, em que a sonoridade de um som é aproximadamente definida como a sua intensidade em relação a outros sons produzidos com a mesma entrada de energia (isto é, com a mesma duração, acento, entoação, velocidade do fluxo de ar, tensão muscular, etc.). Por isso, a organização melódica de uma sequência fonológica em sílabas resultará em um perfil de sonoridade característico: segmentos serão organizados em sequências de sonoridade subindo e descendo, com cada pico de sonoridade definindo uma sílaba única. A sílaba é, então, a unidade fonológica que organiza melodias segmentais em termos de sonoridade; segmentos silábicos são equivalentes aos picos de sonoridade dentro dessas unidades organizacionais. (BLEVINS, 1995, p.206-207- tradução nossa) 41 a escala de sonoridade tem um papel importante na estrutura silábica, porque se pode correlacionar a sonoridade relativa de um segmento com a posição que ele ocupa no interior da sílaba. Em primeiro lugar, o elemento mais sonoro sempre ocupará o núcleo da sílaba, ao passo que os elementos menos sonoros ocuparão as margens (ataque e coda). Em segundo lugar, quando há sequências de elementos dentro do ataque ou da coda, estas apresentam sonoridade crescente em direção ao núcleo. A autora propõe a seguinte escala de sonoridade: Quadro 9: Escala de sonoridade Vogal > Líquida >Nasal >Obstruinte Fonte: Collischonn (1999, p.101). Hogg e McCully (1991) também propõem uma escala de sonoridade, de forma mais detalhada: Quadro 10: Escala de sonoridade proposta por Hogg e McCully Sons Valores Exemplos Vogais baixas 10 /a,ɑ/ Vogais médias 9 /e,o/ Vogais altas 8 /i,u/ Flepes 7 /r/ Laterais 6 /l/ Nasais 5 /n,m, ŋ/ Fricativas sonoras 4 /v, ð, z/ Fricativas surdas 3 /f, θ, s/ Oclusivas sonoras 2 /b, d, g/ Oclusivas surdas 1 /p, t, k/ Fonte: Hogg e McCully (1991, p.33). Blevins (1995) também defende esse princípio de sequenciação relacionado à sonoridade. Para a autora, ““between any member of a syllable and the syllable peak, a 42 sonority rise or plateau must occur” 15 ( BLEVINS, 1995, p. 210). A autora (p.111) ainda propõe uma escala de sonoridade universal: (1.7) segment [-cons] [+cons] [+low] [-low] [+son] [-son] [-high] [+high] [-nas] [+nas] [+cont] [-cont] [+voice] [-voice] [+voice] [-voice] Para explicar essa escala, Blevins (1995, p. 211-212) defende que for each node, the left branch is more sonorous than the right branch, and sonority relations for a given feature are only defined with respect to segments with the feature specification of the mother node. The sonority scale […] is organized in terms of binary relationships, with the left branch more sonorous than the right branch. The relationships are intended to be absolute; thus, for example, we will find no language where non-low vowels are more sonorous than low vowels. The fine-grainedness of the scale is determined by available. evidence; as far as I know, for instance, there are no languages which display clear sonority rankings for place of articulation features within the class of [+consonantal]”16 (BLEVINS, 1995, p. 211- 212). A escala de sonoridade traduz a tendência de um crescimento de sonoridade das margens em direção ao núcleo silábico. De acordo com essa escala, quando temos um segmento com grau de sonoridade alto, tem-se o núcleo da sílaba. E quando o segmento apresentar um grau de sonoridade baixo, tem-se os segmentos que estão na margem da sílaba: 15 “entre qualquer membro da sílaba e o pico silábico, um aumento de sonoridade ou plateau deve ocorrer” (BLEVINS, 1995, p. 210 - Tradução nossa). 16 para cada nó, o ramo esquerdo é mais sonoro do que o ramo direito, e as relações de sonoridade para um determinado traço só são definidas com relação a segmentos com a especificação de traço do nó-mãe. A escala de sonoridade [...] é organizada em termos de relações binárias, com o ramo esquerdo mais sonoro do que o ramo direito. Espera-se que as relações sejam absolutas; assim, por exemplo, não encontraremos nenhuma língua em que as vogais não-baixas sejam mais sonoras do que as vogais baixas. A boa estrutura da escala é determinada pela evidência disponível; até onde eu sei, por exemplo, não há línguas que apresentam rankings sonoridade claros para traços de ponto de articulação dentro da classe de segmentos do tipo [+ consonantal] (BLEVINS, 1995, p. 211-212 – tradução nossa). 43 no onset ou na coda. Os segmentos soantes (nasais, líquidas e glides), que evidenciam uma sonorização maior, ocorrem preferencialmente mais próximos do núcleo do que os obstruintes (fricativos, oclusivos e africados). 1.4.3 A sílaba no português brasileiro Câmara Jr. (1989 [1970]) afirma que a sílaba na língua portuguesa é formada por um centro, ou ápice, e as margens, o aclive e o declive, que podem aparecer em torno do centro. Segundo o autor, V é o centro da sílaba e C é um elemento marginal, podendo ser do tipo V (sílaba simples), CV (sílaba complexa crescente) e VC (sílaba complexa decrescente). Conforme a presença ou ausência do elemento marginal e a posição que ele ocupa (antes do elemento vocálico ou depois), poderemos ter sílabas abertas, ou livres (V e CV), e sílabas fechadas, ou travadas (VC ou CVC). Câmara Jr. (1989 [1970]) observa que, no aclive simples, todas as consoantes da língua portuguesa podem acontecer. Caso ocorram duas consoantes no aclive, a segunda sempre será /r/, /l/ ou um glide. O declive, por sua vez, será preenchido pelas consoantes /S/, /R/, /l/ ou pelos glides /y/ ou /w/. Há também a possibilidade da ocorrência de uma consoante nasal no declive, uma vez que o autor considera as vogais nasais como vogal fechada por consoante nasal /N/. Collischonn (1999, p.107), após estudar diferentes propostas para a estrutura silábica do PB, relaciona os seguintes padrões silábicos para a língua: Quadro 11: Padrões silábicos do PB V é CCVC três VC ar CCVCC transporte VCC instante VV aula CV cá CVV lei CVC lar CCVV grau CVCC monstro CCVVC claustro CCV tri Fonte: Collischonn (1999, p.107). 44 No caso das palavras “instante”, “monstro” e “transporte”, a autora considera a sílaba travada por consoante. Entretanto, na superfície, a vogal é nasalizada. Câmara Jr (1980 [1970]), como já apresentamos anteriormente, defende a existência de um arquifonema nasal /N/ que acarretará esse traço de ressonância nasal à vogal, mas considera que a sílaba é travada por consoante. Bisol (1999, p. 702-703) defende que, na maioria das línguas, as vogais ocupam o núcleo da sílaba, embora algumas também admitam soantes e, em casos especiais, como o Berber, qualquer consoante. No caso do PB, somente as vogais constituem o núcleo silábico. A autora, ao examinar a estrutura da sílaba do PB à luz da Teoria da Sílaba proposta por Selkirk (1982), identifica que o núcleo vocálico é um elemento obrigatório, podendo ser ou não seguido pela coda. O ataque, assim como a coda, também não é um elemento obrigatório na sílaba da língua portuguesa. Sendo assim, o molde silábico defendido por Bisol (1999, p. 703) é expresso a seguir: (1.8) σ (A) R N (Cd) (C) (C) V (C) [+soa] [+soa] ou /S/ [-nas] A partir desse molde silábico, pode-se dizer que a estrutura da sílaba do PB é binária, representada pelos constituintes ataque e rima, em que somente a rima é obrigatória. O ataque poderá conter até duas consoantes, sendo que a segunda poderá ser uma soante não-nasal. A rima também representa uma estrutura binária, sendo composta pelo núcleo e pela coda, sendo apenas o núcleo um elemento obrigatório. O núcleo sempre será composto por uma vogal e a coda por uma soante ou /S/. 45 De acordo com Bisol (1999, p. 717-722), o português apresenta algumas restrições silábicas. O ataque, assim como qualquer constituinte silábico da língua, compreende, no máximo, apenas dois elementos e devem ser constituídos de obstruintes não-contínuas ou contínua labial, combinadas com líquida, vibrante simples ou lateral, excluindo-se os grupos /dl/ e /vl/. Os grupos permitidos em PB são apresentados a seguir, exceto /vl/ e /dl/ que aparecem em alguns (poucos) nomes próprios, como Adler e Vladimir (p.718): Quadro 12: Grupos de consoantes permitidos no ataque em PB pr prato pl plátano fl flanco br braço bl bloco fr franco tr trato tl atlas vl - dr drama dl - vr livro kr cravo kl clamor gr grama gl glosa Fonte: Bisol (1999, p. 718). Os grupos /tl/ e /vr/ também não aparecem em início de palavras, somente em posição medial. O grupo /tl/, em posição inicial, aparece apenas em alguns elementos onomatopaicos, tais como tlim-tlim, por exemplo. Na posição de ataque, os grupos permitidos, em primeira posição, são consoantes [-contínua] ou [+contínua, labial] e, na segunda, uma soante não-nasal. Essas condições são representadas por Bisol (1999, p. 718), segundo a Condição Positiva do Ataque Complexo, que recusa grupos como sr, sl, zr, zl, ʃr, ʃl, ʒr, ʒl, xl e xr. (1.9) Ataque C C [-cont] [+soa, -nas] [+cont, lab] De acordo com Silva (2001, p. 156), os fonemas /ɲ/, /ʎ/ e /ɾ/ só ocorrem em posição intervocálica. Entretanto, os vemos em palavras como nhoque e lhama, que são empréstimos e, segundo a autora, “geralmente apresentam uma pronúncia alternativa em que a vogal [i] 46 precede a consoante inicial: [i]nhoque e [i]lhama”. Desse modo, /ʎ/, /ɲ/ e /ɾ/ só ocorrem em posição intervocálica e os demais fonemas que iniciam uma sílaba podem aparecer precedidos de sílabas com vogal nasal ou oral ou terminadas em consoante posvocálica. Bisol (1999) também trata da condição de formação da coda da sílaba na língua portuguesa. De acordo com a autora, essa posição pode ser ocupada por qualquer soante (como em mar, mel) ou por /S/ (como em mês). A única obstruinte [-soante] admitida em posição de coda é /S/. Há, entretanto, algumas palavras que fogem a essa regra e apresentam segmentos oclusivos, por exemplo, em posição de coda. É o caso de acne e apto. Esses casos, normalmente, são salvos por epêntese, como será discutido mais adiante. 1.4.4 A sílaba no inglês A estrutura da sílaba da língua inglesa apresenta algumas diferenças em relação ao português brasileiro. Uma das principais diferenças se refere ao número de segmentos permitidos na posição de onset (ataque) e coda de cada língua. Essas diferenças podem fazer com que os falantes façam adaptações no momento de pronunciar tais palavras. Uma sílaba em inglês pode admitir até seis segmentos. No quadro a seguir, apresentamos uma descrição dos padrões silábicos existentes na língua inglesa com base nos estudos de Hogg e McCully (1991, p. 35). Quadro 13: Estrutura silábica do inglês id /ɪd/ VC I /aɪ/ VV bad /bæd/ CVC isle /aɪl/ VVC bread /bred/ CCVC bye /baɪ/ CVV band /bænd/ CVCC bide /baɪd/ CVVC brand /brænd/ CCVCC bind /baɪnd/ CVVCC bride /braɪd/ CCVVC grind /graɪnd/ CCVVCC Fonte: adaptado de Hogg e McCully (1991, p.35). Os exemplos citados no quadro acima se referem aos monossílabos tônicos. Há ainda três possibilidades para monossílabos átonos: a (V), an (VC) e the (CV) (ASSIS, 2007, p.88). 47 Collischonn (1999, p. 98) traz o modelo de sílaba do inglês proposto por Selkirk (1982) - (1.10). Assim como no português, o onset e a coda, no inglês, são elementos opcionais enquanto que o núcleo é obrigatório. O segundo elemento do núcleo, assim como do onset e da coda também são opcionais. A seguir, apresentamos o molde silábico do inglês e os elementos que podem ser associados a cada posição. (1.10) Este molde prevê a existência da maioria das sílabas da língua, porém algumas restrições são necessárias para dar conta de sílabas que são possíveis de acordo com o molde, mas que não aparecem no quadro de estruturas silábicas da língua. É o caso de palavras como gnaw, pernk e padb17. De acordo com Collischonn (1999, p. 99), “precisamos, além do molde, de outras restrições que permitam gerar as sílabas existentes no inglês e somente estas. Estas condições adicionais irão restringir as sequências de segmentos no interior de cada constituinte. São geralmente apresentados em forma de filtros”. São as chamadas “condições negativas de estrutura da sílaba” propostas por Clements e Keyser (1983). Segundo Selkirk (1982, p. 346), o molde do onset pode ser constituído por, no máximo, duas consoantes e, se composto por duas consoantes, a segunda deve ser uma sonorante, como na palavra clip. Se houver um segundo elemento consonantal no onset, ele deve ser sonorante e o primeiro uma obstuinte. Outra restrição do onset, quando é composto por duas consoantes, é que somente consoantes oclusivas e fricativas desvozeadas são permitidas na primeira posição, como em clip e three. Na segunda posição, j não é permitido. Em relação às consoantes m e n, quando em posição inicial, somente a alveolar s pode antecedê-las como nas palavras small e snow. W não ocorre em posição anterior a consoantes labiais, ʃ, ou antes do cluster “st”. A consoante r não é aceita após s ou h; l não ocorre antes de t, d, ʃ, h e do cluster “sk”. Em onsets constituídos de apenas uma consoante, o molde permite que qualquer consoante possa ocupar essa posição, com exceção de ʒ e ŋ. Se os 17 Exemplos retirados de Collischonn (1999, p.99). 48 clusters se iniciam com s, o onset deve possuir, como segunda consoante, uma oclusiva, como nas palavras stay e sky. Em casos de cluster de três consoantes, essa mesma restrição será aplicada, como em split e scream. A autora ainda trata da questão dos clusters iniciais compostos por mais de três segmentos consonantais, já que o molde silábico do inglês só permite duas. Ela coloca que a solução não é alterar o molde, mas criar um molde auxiliar e afirma que a combinação da consoante s e obstruintes formam uma obstruinte única em inglês. Dessa forma, s não é considerada um terceiro elemento no cluster. O molde auxiliar é apresentado a seguir: (1.11) Selkirk (1982, p. 348) defende que o núcleo da sílaba é formado por um ou dois elementos. Se for um núcleo simples, pode ser constituído por uma vogal como em pat ou kiss ou por uma consoante sonorante silábica como em stir ([str]) ou muddle ([mʌdl]). Se o núcleo for composto por dois elementos, podem figurar, nessa posição, os ditongos (como [aj] em kite, [aw] em cow e [ɔj] em toy), os glides j e w das vogais longas, como em beet e boot; as consoantes sonorantes r, l e o arquifonema N, em alguns casos mais restritos. Em relação à coda, a autora pontua que a sílaba, em inglês, aceita coda com uma consoante (como em dog) e duas consoantes, caso o segundo elemento seja uma obstruinte (como em fifth). Os clusters formados por s + consoante obstruinte são considerados como uma única consoante. Desse modo, é permitida coda também com três consoantes como em text [tekst]. Há, entretanto, na língua, palavras com mais de três consoantes na coda. É o caso de texts ([teksts]), por exemplo. Em relação a essas palavras, a autora coloca que codas com mais de três elementos devem ser excluídas. Uma solução para esses casos é, segundo a autora, 49 considerá-las como terminações flexionais, uma vez que elas são externas à silabação, a qual se dá na raiz. Em palavras como texts, -s é um morfema flexional (de número) e pode aparecer ou não, dependendo de como a palavra é empregada (no singular ou no plural). Dessa forma, a palavra tem, em posição de coda, apenas três elementos ([tekst]) em sua forma original. Além disso, embora seja necessária uma investigação mais aprofundada a esse respeito, esse padrão silábico não aparenta ser produtivo na língua, portanto, não há motivos para se excluir a terminação flexional de codas com quatro elementos, já que representam as excessões na língua, e não as regras. Pereyron (2008), em seu levantamento, aponta que, se houver uma segunda consoante na coda, a primeira não poderá ser b, g, v, tȓ, dʒ, ʃ ou ʒ. A segunda consoante deverá ser uma coronal, como em apt ([apt]). Codas constituídas de b, g e v, em posição de primeira consoante, só são possíveis se seguidas por um sufixo coronal (como em grabbed [grabd], lagged [lagd] e caves [keivz]). O mesmo acontece tʃ, ʃ e dʒ (como em matched [matʃt], wished [wiʃt] e waged [weidʒd]). A autora ainda coloca que o molde silábico da língua inglesa estrutura as soantes líquidas /l/ e /r/ e as nasais /m/, /n/ e / ŋ/ no núcleo da sílaba junto à vogal. Essa estruturação só é possível se a vogal for simples e ocupar a primeira posição no núcleo. Em caso de vogais complexas, como em ditongos e vogais ditongadas, as consoantes líquidas e nasais devem ser tratadas como parte da coda. Como exemplo, são citadas as palavras while [wajl], wire [wajr] e wine[wajn], que consistem do núcleo complexo aj e uma consoante na coda - l, r e n. As palavras Paul ([pɔl]), pour ([pɔr]) e pawn ([pɔn]), compostas por vogais simples, podem receber duas análises: i) como contendo um núcleo complexo, ausente de coda; ou ii) como