Campus de Presidente Prudente FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA Jerson Joaquim da Silva COOPERATIVISMO E REDES SOCIAIS: A Organização do Trabalho na Cooperlix de Presidente Prudente. Presidente Prudente (SP) 2007 2 Jerson Joaquim da Silva COOPERATIVISMO E REDES SOCIAIS: A Organização do Trabalho na Cooperlix de Presidente Prudente Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia UNESP – Presidente Prudente, para obtenção do título de Doutor. Orientador: Prof. Dr. Antonio Cezar Leal Co-orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Jr. Presidente Prudente (SP) 2007 3 Ficha catalográfica S586c Silva, Jerson Joaquim. Cooperativismo e redes sociais: a organização do trabalho na Cooperlix de Presidente Prudente / Jerson Joaquim da Silva. – Presidente Prudente : [s.n.], 2007. 190. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Estadual Paulista - UNESP – Faculdade de Ciência e Tecnologia: Presidente Prudente – SP, 2007. Bibliografia 1. Palavras chave. I. Título. 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a todos os cooperados da Cooperlix, que contribuíram para esta tese, por terem enriquecido minha vida pessoal e profissional. Devo um agradecimento especial a minha família, sem a qual não haveria nenhuma jornada, aos meus pais que me ensinaram sobre liderança, pelo modo como viveram suas vidas, que me ajudaram a encontrar coragem para fazer quase tudo. 5 AGRADECIMENTOS Mesmo antes de sentar para escrever esta tese eu sabia que ela seria fruto da colaboração de muitas pessoas. Não foi possível citar, aqui, todos que me apoiaram em minha própria jornada para a concretização desta tese, mas gostaria de agradecer publicamente às pessoas que foram importantes para mim neste trabalho. Ao meu orientador, Prof. Dr. Antonio Cezar Leal, que ofereceu-me sua competência, paciência, solidariedade e estímulo, orientando-me habilidosamente ao longo do processo desta pesquisa. Ao meu co-orientador Prof. Dr. Antonio Thomaz Junior, que inspirou-me a pensar de uma nova maneira sobre o sentido do trabalho. Aos meus amigos e colegas de trabalho, Alba Arana, Luis Darben, Nancy Okada, Edilene Mayume, Maristela Moraes, Irene Caíres, Fábio Nogueira, que me apoiaram com palavras de encorajamento e sugestões. Ao amigo e professor Valdecir de Melo que colaborou nas traduções que ajudaram a compor o escopo desta tese. A Dra. Gessy Feltrin na revisão dos textos deste trabalho. A bibliotecária Mara Magalhães na formatação e revisão técnica. Ao Prof. Edson Buoro pelas contribuições na revisão de texto A Maria Cristina Santamaría pelo auxílio na organização da tese. Ao Gustavo Sitta pela cooperação dispensada na finalização da tese. A Profa. Sônia Emília Rocha Bertoli da Silva pela revisão ortográfica. 6 Somente quando o homem, em sociedade, busca um sentido para sua própria vida e falha na obtenção deste objetivo, é que isso dá origem à sua antítese, a perda de sentido. LUKÁCS, Ontologia do ser social-1990 7 LISTA DE ABREVIATURAS ABIQ – Associação Brasileira de Indústria Química. ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. ACAMAR – Associação de Catadores de Material Reaproveitável de Capão Bonito. ACI – Aliança das Cooperativas Internacionais. ANTEAG- Associação de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias e Participação Acionária. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. APA – Agência de Proteção Ambiental. ASMARE – Associação dos Catadores de Papel, Papelão, e Material Reaproveitável-Belo Horizonte-MG CCQ - Círculos de Controle de Qualidade. CEADEC – Centro de Estudos e Apoio ao Desenvolvimento, Emprego e Cidadania de Sorocaba. CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem. CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes. CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. CNC – Conselho Nacional do Cooperativismo. CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear. CONAMA – Conselho Nacional do Meio-Ambiente. COOCICLA – Cooperativa de Reciclagem de Santo André. COOPAMARE – Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Recicláveis –SP. COOPERA-EMBU – Cooperativa de Produção e Reaproveitamento de Embu. COOPERLIX – Cooperativa de Trabalhadores de Produtos Recicláveis de Presidente Prudente. CORESO – Cooperativa de Reciclagem de Sorocaba. EPI – Equipamento de Proteção Individual. FACIC – Faculdade de Administração e Ciências Contábeis. FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. FATES – Fundo de Assistência Técnico Educacional e Social. 8 FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia. FENASCON – Federação Nacional dos Trabalhadores em Serviços, Asseio e Conservação, Limpeza Urbana, Ambiental e Áreas Verdes. FGTS – Fundo de Garantia de Tempo de Serviço. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IDEC – Instituto de Desenvolvimento Econômico. INCOOP - Incubadora Regional de Cooperativas Populares. INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social. IQR – Índice de Qualidade de Aterros. ITCP- Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares. NBR – Normas Brasileiras de Resíduos. OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras. OCEs – Organização das Cooperativas Estaduais. OMS – Organização Mundial de Saúde. ONGs – Organizações Não Governamentais. PIS – Programa de Integração Social. PRODESAN – Progresso e Desenvolvimento de Santos. PRUDENCO - Companhia Prudentina de Desenvolvimento. SEMAN – Secretaria do Meio Ambiente. SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária. SESCOOP – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo. SIEMACO – Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços, de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de Presidente Prudente. UFSCar – Universidade Federal de São Carlos. UNESP – Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho. UNOESTE – Universidade do Oeste Paulista. 9 LISTA DE FOTOS Foto 1 – Primeira reunião fora do lixão com os trabalhadores catadores para a apresentação do projeto, 2002..........................................................................45 Foto 2 – Cooperados na divulgação no Bairro Ana Jacinta em Presidente Prudente .....49 Foto 3 – Aplicação do questionário no lixão de Presidente Prudente.............................50 Foto 4 – Fachada da Cooperlix em Presidente Prudente.................................................61 Foto 5 – Caminhão da Prudenco cedido à Coleta Seletiva .............................................62 Foto 6 – Veículo doado pela Diocese de Presidente Prudente para a Coleta Seletiva....63 Foto 7 – Veículo doado pelos Rotarys de Presidente Prudente à Cooperlix...................64 Foto 8 – Lixão de Presidente Prudente ...........................................................................65 Foto 9 – Baias de resíduos reciclados e separados da Cooperlix....................................77 10 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Produção mensal de resíduos sólidos pela Cooperlix.............................. 54 Gráfico 2 – Identificação dos Cooperados da Cooperlix quanto ao gênero ............... 68 Gráfico 3 – Estado Civil dos integrantes da Cooperlix. ............................................. 69 Gráfico 4 – Faixa Etária dos integrantes da Cooperlix............................................... 70 Gráfico 5 – Grau de Escolaridade dos integrantes da Cooperlix................................ 71 Gráfico 6 – Tempo de associado na Cooperlix........................................................... 72 Gráfico 7 – Principais problemas detectados na Cooperlix........................................ 73 Gráfico 8 – Retirada mensal dos cooperados no ano de 2007.................................... 75 Gráfico 9 – Entendimento sobre cooperativismo pelos cooperados........................... 91 Gráfico 10 – Se prefere trabalhar com carteira assinada ou como cooperado............ 92 Gráfico 11 – Condições de Moradia dos Cooperados .............................................. 102 Gráfico 12 – Número de filhos por família dos cooperados..................................... 104 Gráfico 13 – Atividade Profissional anterior à Cooperlix ........................................ 129 Gráfico 14 – Tempo de Trabalho no Lixão .............................................................. 132 Gráfico 15 – Comprometimento quanto às Atribuições de seus Cargos. ................. 133 Gráfico 16 – Motivo que o levou a ser Cooperado................................................... 150 Gráfico 17 – Expectativas em relação à Cooperlix ................................................. .152 Gráfico 18 – Motivos de Permanência dos Cooperados na Cooperlix..................... 157 Gráfico 19 – Se o Cooperado se arrependeu de ter se associado à Cooperlix.......... 158 Gráfico 20 – Se a Cooperlix Sobrevive sem os Apoiadores e Parceiros .................. 163 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Tipologia da Pesquisa-ação.........................................................................23 Quadro 2 – Bairros e Condomínios com Coleta Seletiva ..............................................51 Quadro 3 – Produção mensal de material reciclado pela Cooperlix ..............................54 Quadro 4 – Relação nominal dos integrantes da Cooperlix ...........................................58 Quadro 5 – Diferenças entre Associação e Cooperativa ................................................90 Quadro 6 – Procedência dos cooperados .......................................................................99 Quadro 7 – Comparativo entre os Programas de Reciclagem de Resíduos Sólidos e as ações da Cooperlix.....................................................................................117 Quadro 8 – Comparação entre Sociedades Cooperativista X Mercantil X Cooperativas de Resíduos Sólidos.........................................................118 Quadro 9 – Divergências entre as Cooperativas Pesquisadas por Magera e COOPERLIX.............................................................................................119 Quadro 10 – Comparação na Forma de Gestão entre a Cooperlix e Outras Cooperativas ............................................................................................120 Quadro 11 – Atual Estrutura Organizacional da Cooperlix – 2007 .............................164 12 LISTAS DE FIGURAS Figura 1 – Localização de Presidente Prudente no Estado de São Paulo.......................48 Figura 2 – Mapa da Coleta Seletiva em Presidente Prudente.........................................53 Figura 3 – A localização da Cooperlix em Prudente......................................................60 Figura 4 – Organograma funcional da Cooperlix...........................................................67 Figura 5 – Esquema Ilustrativo das Etapas do Processo de Incubação ........................149 13 SILVA, J.Jerson. Cooperativismo e Redes Sociais: A Organização do Trabalho na Cooperlix de Presidente Prudente. Presidente Prudente: FCT, UNESP, 2007. 193 f. Tese (doutorado) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, 2007. Resumo: A nossa participação como parceiro foi fundamental para a compreensão dos problemas, contradições e possibilidades que vivem os integrantes da Cooperlix no dia-a-dia de seu trabalho. Essa vivência da condição dos cooperados ajudou-nos, portanto, na delimitação de nossas indagações acerca das condições do processo organizativo do trabalho cooperativo e da nossa condição de pesquisador e parceiro. Isso levou-nos a focar a forma de trabalho cooperativo desempenhado pelos cooperados e a entender a atuação dos parceiros e apoiadores na rede solidária de apoio à Cooperlix visando à inclusão social e a geração de renda através do trabalho cooperativo organizado. Sob a ótica da pesquisa quanti-qualitativa, usamos como prática a pesquisa-ação, buscando elementos que propiciassem a compreensão dos objetivos propostos dentre os quais: averiguar a motivação que levou os parceiros e apoiadores a se envolverem com a Cooperlix; compreender o que a Cooperlix representa no imaginário dos cooperados em nível de satisfação e expectativas e analisar a trajetória profissional de cada cooperado até sua inserção como cooperado. A presente pesquisa questiona como os cooperados que conviveram com o modelo de relacionamento de poder-submissão, de patrão-empregado, de mando-obediência, podem no dia-a-dia sobrepor esses conceitos com o trabalho cooperativo? Assim, partimos da hipótese de que a Cooperlix possui uma característica própria, que por vezes pode distingui-la da empresa privada individual, pela especificidade gerada por seu próprio modelo organizacional, por suas características de gestão e pela organização do trabalho. Baseado nessas proposições é que acreditamos que, a Cooperlix se insere na condição de cooperativa de trabalho, mesmo contando com o apoio da uma rede solidária de parceiros, a mesma se insere como geradora de renda para os cooperados, de meio de inclusão de catadores no trabalho cooperativo e no movimento nacional de catadores. Palavras-chaves: Cooperativismo, Redes Sociais, Trabalho, Resíduos Sólidos, Solidariedade. 14 SILVA J.Jerson. Co-operative and Social Branches: The Organization of the Work in the Cooperlix of President Prudente: FCT, UNESP, 2007. 192 f. These (doctorate) - College of Sciences and Technology, Universidade Estadual Paulista, 2007. Abstract Our participation was fundamental for the understanding of the problems, contradictions and possibilities that the co-operative members live their day by day work routine in order to make their objective concrete and see their firm as self productive. This experience of the co-operative conditions helped us in the delimitation of our indignation about the psycho-social conditions of the self made organized process, and the partnership conditions. This research has had its main focus in the work of the co-operative and in the social networks, as its main central points, all of which come together allowing the understanding of these. This means that the social inclusion and its relations with organized work within the co-operative system. Therefore, the proposal of this work was to analyze it over the analytical quantitative and qualitative research sphere, taking into consideration the research practice, looking for elements that would enlighten the comprehension of the proposed objectives among whose: verify the motivation that led the workers and supporters to get involved in the Cooperlix. Understand what the Cooperlix represents in the workers imaginary based on satisfaction and expectancies and analyze the professional trajectory of each worker up to their insertion as a participant. The current research questions as the workers lived with the model of relationship power-submission of boss-employees; demanding-obedience can day by day overcome these concepts with cooperative work. Thus, we take it for granted that Cooperlix has its own characteristics that can be distinguished from the individual private sector because of its generated specificity own organizational model of work. Based on these propositions, we believe that even submitted to a network, sometimes informal commercialization, but with assisted acts by the supporters and partners, Cooperlix is entitled to a condition of cooperative and in the national movement of solid residual of paper collectors. Key words: Cooperatives, Social Networks, Work, Solid Wastes, Solidarity. 15 SUMÁRIO 1 – INTRODUÇÃO .......................................................................................................18 1.1 – Objetivos.................................................................................................................21 1.2 – Fundamentação Metodológica................................................................................22 1.3 – Metodologia Aplicada na pesquisa.........................................................................23 1.4 – Objeto da pesquisa..................................................................................................25 2 – OS RESÍDUOS SÓLIDOS COMO ALTERNATIVA DE TRABALHO E DE GERAÇÃO DE RENDA.........................................................................................29 2.1 – Classificação dos resíduos sólidos..........................................................................34 2.2 – Disposição final dos resíduos sólidos.....................................................................38 2.3 – A Produção de resíduos e o agente ecológico ........................................................40 3- A ORGANIZAÇÃO DA COOPERLIX E SUA TRAJETÓRIA DE SONHOS DE LUTAS E DE CONQUISTAS..............................................................44 3.1 – A Cooperlix e sua trajetória histórica .....................................................................56 3.2 – Identificação dos cooperados..................................................................................58 3.3 – Dificuldades apresentadas pelos cooperados..........................................................73 3.4 – A dinâmica do trabalho na Cooperlix.....................................................................76 4- COOPERATIVISMO: UMA ALTERNATIVA DE GESTÃO DE TRABALHO.......................................................................................................80 4.1 – Aspectos legais das Cooperativas...........................................................................84 5- MOBILIDADE SÓCIO-ESPACIAL DOS INTEGRANTES DA COOPERLIX .....................................................................................................................................96 6- EXPERIÊNCIAS EM PROJETOS DE COLETA SELETIVA DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM OUTRAS LOCALIDADES ....................................108 6.1 – A coleta seletiva em Diadema-SP ........................................................................109 6.2 – Experiência com coleta seletiva em Embu-SP .....................................................110 6.3 – Programas de coleta seletiva de resíduos sólidos em Santos-SP..........................111 16 6.4 – O papel da COOP CIDADE LIMPA E COOPCICLA em Santo André-SP........113 6.5 – A CORESO e a coleta seletiva em Sorocaba-SP..................................................114 6.6 – O Papel da Associação Reciclando Vida de Álvares Machado-SP......................115 7 – A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO NA COOPERLIX ATRAVES DO COOPERATIVISMO ............................................................................................125 7.1 – Os impactos do desemprego no Brasil .................................................................130 8 – O PAPEL DOS PARCEIROS E APOIADORES NA COOPERLIX ATRAVÉS DAS REDES SOCIAIS ......................................................................138 8.1 – As redes sociais dos parceiros ..............................................................................141 8.2 – A ação do Poder Público Municipal à Cooperlix .................................................143 8.3 – Papel dos Apoiadores em Relação à Cooperlix....................................................145 8.4 – Depoimentos de Parceiros e Apoiadores ..............................................................154 8.5 – O papel dos Parceiros e dos Apoiadores sob a ótica dos cooperados...................159 9 – CONCLUSÕES......................................................................................................167 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................175 APÊNDICE A Questionário .................................................................................................................184 APÊNDICE B Questionário aplicado em março de 2004 e novembro de 2006....................................186 17 A questão do lixo em Prudente é de responsabilidade de todos. Temos que retirar esse pessoal daquele lugar (lixão) e colocar em um local higiênico. Dom José Maria Libório Bispo Diocesano de Presidente Prudente 18 1. INTRODUÇÃO Na presente pesquisa apresentamos como foco o trabalho, o cooperativismo e as redes sociais como aspectos centrais, os quais se entrelaçam nos possibilitando reflexões sobre as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores envolvidos na Cooperativa de Trabalhadores de Produtos Recicláveis de Presidente Prudente (COOPERLIX), em meio às condições da sociedade de consumo. Nosso trabalho de doutorado está comprometido em desvelar essa experiência do cooperativismo, não somente na sua expressão organizacional, tampouco à sua simples função econômica, mas possibilitando o avanço para além das relações capitalistas, tornando-se inevitável à organização do trabalho numa psicosfera de solidariedade, através das redes sociais e do relacionamento cotidiano dos cooperados. Tal relacionamento pode ser compreendido através da vivência sistemática, efetuada pelo pesquisador, o qual se inquietou não apenas com as temáticas principais, ou seja, o trabalho, o cooperativismo e as redes sociais, mas também com temas interligados na multiplicidade de fatores que envolvem a busca por respostas para questões, como a inclusão social e suas relações com o trabalho organizado no sistema cooperativista. Portanto, este trabalho resulta de indagações, logo adiante referenciadas, advindas de nossa inserção no Projeto de Políticas Públicas iniciado em 2001. Essa inserção começou, pelo fato de fazermos parte como parceiro desse projeto, a partir de 2003, com iniciativa da UNESP, da UNOESTE, da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente e de apoiadores como sindicatos e autarquias. Durante a sua implantação, criou- se a COOPERLIX. Naquela oportunidade, convivemos com professores, pesquisadores, alunos de pós-graduação e, principalmente, com os integrantes da COOPERLIX. Visando capacitar os cooperados, participamos como colaboradores em treinamentos, abrangendo temas como: cooperativismo, trabalho em equipe e conflitos interpessoais, fatores de difícil assimilação por parte dos cooperados, pelo fato de, previamente, terem tido experiências como catadores no lixão e de, também, vivenciado o modelo empregado-empregador. Embasados na literatura que contempla esses questionamentos, procuramos desvendar essas inquietações sob a forma de pesquisa-ação, partindo-se do princípio de que a organização do trabalho assistido é um meio eficaz de gerar renda e de despertar a auto-estima nos cooperados, ainda que sob a tutela do capital vigente. 19 A nossa participação, como parceiro e pesquisador foi fundamental para a compreensão dos problemas, contradições e possibilidades que os integrantes da COOPERLIX vivem em seu cotidiano de trabalho para concretizarem o objetivo de verem sua Cooperativa como sustentável e autogestionária. Essa vivência com os cooperados ajudou-nos, portanto, a delimitar nossas indagações acerca das condições psicossociais do processo organizativo autogestionário. Com a apropriação dos fatos observados, buscamos na doutrina cooperativista subsídios que nos orientassem a obter possíveis respostas a tais indagações, fazendo o mesmo com outras áreas como a das redes sociais e a organização do trabalho que, reunidas, auxiliaram a conformar o campo teórico dos processos organizativos, voltados à compreensão da autogestão cooperativista de resíduos sólidos. Entendemos que as novas relações sociais, provocadas pelo cooperativismo, também fomentam um novo espaço para homens e mulheres excluídos social e economicamente, já que o espaço limitado pelas próprias dificuldades é substituído por espaços em que os mesmos se identificam como sujeitos, logo, cidadãos. Portanto, os catadores de materiais recicláveis organizados em uma cooperativa são sujeitos de sua própria história, ou seja, possuem a capacidade de reorganizar a relação dos mesmos com espaço e assim formarem uma nova realidade sócio-espacial. Isto é importante, pois: O mérito do conceito de formação sócio-espacial, ou simplesmente formação espacial, reside no fato de se explicar teoricamente que uma sociedade só se torna concreta através de seu espaço, do espaço que ela produz e, por outro lado, o espaço só é inteligível através da sociedade. Não há, assim, por que falar em sociedade e espaço como se fossem coisas separadas que nós reuniríamos a posteriori, mas sim de formação sócio-espacial. (CORREA, 1997, p. 26-27). Portanto, o espaço ocupado pela COOPERLIX toma outras feições e assim sendo, as pessoas envolvidas buscam conquistar melhoras nas relações sociais e espaciais através do engajamento pela sua inclusão. Por isso, na pesquisa compreende-se o espaço, não como palco, mas como possibilidade constante de modificações, ou seja: 20 O espaço não pode ser reduzido apenas a uma localização ou às relações sociais de posse de propriedade – ele representa uma multiplicidade de preocupações sociomateriais. O espaço é uma localização física, uma peça de bem imóvel, e ao mesmo tempo uma liberdade existencial e uma expressão mental. O espaço é ao mesmo tempo o local geográfico da ação e a possibilidade social de engajar-se na ação. Isto é, num plano individual, por exemplo, ele não só representa o local onde ocorrem os eventos (a função de receptáculo), mas também significa a permissão social de engajar-se nesses eventos (a função da ordem social). (CORREA, 1997, p. 32). Nesse sentido, Santos (1996, p.77) evidencia a importância em buscar compreender constantemente a diferenciação espacial e sua perpétua movimentação dialética, quando aponta que: “podem as formas, durante muito tempo, permanecer as mesmas, mas como a sociedade está sempre em movimento, a mesma paisagem, a mesma configuração territorial, nos oferecem, no transcurso histórico, espaços diferentes” Portanto, a proposta deste trabalho foi pesquisar a COOPERLIX sob a ótica da pesquisa quanti-qualitativa. Para tanto, usamos como prática a pesquisa-ação, através de entrevistas, questionários e observação participante, buscando elementos que propiciem a compreensão dos objetivos propostos, para verificar com que representação a COOPERLIX insere-se no imaginário de cada cooperado e de seus principais apoiadores. A pesquisa teve uma lógica dedutiva por entendermos que o caso estudado pode ser aplicado em outros lugares em contextos semelhantes. Também visamos entender como as modificações na relação direta dos cooperados com a sociedade e, conseqüentemente, com o espaço, ou seja, através da cooperativa uma nova inserção sócio- espacial fez-se presente no cotidiano dos cooperados e também no cotidiano das pessoas envolvidas na viabilidade da mesma1. O contato freqüente com a organização do trabalho cooperativo da COOPERLIX, permitiu-nos a proximidade necessária em relação à organização do trabalho na cooperativa, bem como os estudos temáticos das outras questões, as quais nos auxiliaram a formular as seguintes indagações em relação à forma de gestão, a organização do trabalho e, sobretudo, a contribuição dos apoiadores à COOPERLIX, para a estruturação dos objetivos desta pesquisa: 1 A viabilidade da cooperativa provém do apoio de instituições municipais e estaduais, empresas, inclusive de famílias em suas residências, separando o material reciclável visando a doação do mesmo aos cooperados, através da coleta seletiva. 21 a- A rede social pode ser um caminho para o cooperativismo assistido? b- Como a organização do trabalho na COOPERLIX contribui para a transformação social dos cooperados? c- O cooperativismo é uma alternativa viável para os excluídos em nossa sociedade. Portanto, investigamos a hipótese que a COOPERLIX é uma cooperativa de trabalho, conservando seus princípios e objetivos pautados no cooperativismo rochedaleano, com a particularidade de seus cooperados, antes excluídos pelo capital, se sentirem inclusos, tanto social, como economicamente, fruto, também, do trabalho despendido pela redes de apoiadores. 1.1 Objetivos Na pesquisa estabeleceu-se o seguinte objetivo geral: - Analisar a organização do sistema cooperativista na COOPERLIX e seus componentes que vão desde a organização do trabalho, seus projetos idealizados como cidadãos inclusos socialmente, à forma como os apoiadores a assistem e às motivações de cada apoiador com referência ao trabalho despendido à COOPERLIX. E como objetivos específicos, foram estabelecidos: a- Averiguar a motivação que levou os parceiros e apoiadores a se envolverem com a COOPERLIX, através das redes sociais. b- Diagnosticar a situação sócio-econômica dos integrantes da COOPERLIX. c- Compreender o que o trabalho cooperativo na COOPERLIX, representa no imaginário dos cooperados em nível de satisfação e expectativas. d- Estudar como é internalizado pelos cooperados o trabalho despendido pelos apoiadores em relação à COOPERLIX. e- Compreender a trajetória profissional de cada cooperado até sua inserção na COOPERLIX. 1.2 Fundamentação metodológica 22 Presumimos que toda pesquisa implica o levantamento de dados de variadas fontes, (LAKATOS, 2001). Nessa pesquisa foi utilizada a pesquisa-ação, através de observação direta intensiva (observação e entrevista) e também observação direta extensiva (questionário). Foi nesse sentido que buscamos colher subsídios que oferecessem melhores condições de compreensão, decifração, interpretação, análise e síntese qualitativa gerada a partir de uma postura investigativa. Nesse processo investigativo, a argumentação se manifestou de modo particularmente significativo no decorrer das deliberações relativas à interpretação dos fatos, das informações ou das ações dos diferentes atores sociais. Assim, buscamos fundamentos teóricos e metodológicos em Thiollent (2004), Dubost (1987) e Morin (2004), autores que tratam a pesquisa-ação como a resolução de um problema coletivo, no qual o ator pesquisador e os atores sociais, envolvidos, estão integrados de modo cooperativo ou participativo. No âmbito da COOPERLIX a pesquisa-ação também visou compreender e contribuir para a resolução de problemas, ou seja, um novo método de trabalho, isto é, a forma de trabalho em equipe, seus conflitos, métodos, planejamento, enfim, sobre a organização do trabalho executado pelos cooperados, tanto interna como externamente. Obtivemos informações disponíveis sobre os cooperados, através de pesquisas de campo realizadas anteriormente (no mês de março de 2004, julho de 2006, novembro de 2006 e abril de 2007), incluindo dados sobre a situação sócio-econômica, tipo de atividade, faixa etária, renda, condições de moradia, nível educacional, etc. Vista como pesquisa inserida na ação, a pesquisa-ação comporta três aspectos simultâneos, conforma aponta Thiollent (2004, p. 37): Pesquisa SOBRE os atores sociais, suas ações, transações, interações, cujo objetivo é a explicação. Pesquisa PARA dotar de uma prática racional as práticas espontâneas, cujo objetivo é a aplicação. Pesquisa POR, ou melhor, PELA ação, isto é, assumida por seus próprios atores (autodiagnóstico) tanto em suas concepções como em sua execução e seus acompanhamentos, cujo objetivo é a implicação (Thiollent 2004, p.98). Isso leva-nos a crer que a simultaneidade desses três aspectos (sobre, para e por) impede que a pesquisa-ação seja confundida como “simples observação participante”, que se limita a uma pesquisa SOBRE. A dinâmica da articulação da pesquisa com a ação e com diferentes formas de participação é apresentada no quadro 1. 23 Quadro 1: Tipologia da Pesquisa-ação Pesquisa de explicação Pesquisa de aplicação Pesquisa de implicação Tipo de participação SOBRE a ação dos atores sociais PARA a ação e seus atores sociais POR ou PELA ação e seus atores sociais Integral + + + Aplicada + + _ Distanciada + _ + Informativa + _ _ Espontânea _ _ + Usuária _ + _ Militante _ + + Ocasional _ _ _ Fonte: Thiollent (2004, p. 105) Percebemos nesse quadro proposto por Thiollent (2004), que a pesquisa-ação, possibilitou-nos perceber as várias formas de atuação, sendo que a que foi usada na pesquisa na COOPERLIX foi a pesquisa-ação aplicada por entender que é sobre e para ação dos atores sociais envolvidos que ela se desenrolou. 1.3 Metodologia aplicada na pesquisa Elaboramos um plano de ação que foi desenvolvido desde o início de 2004, quando ingressamos no programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP, visando definir quem são os atores ou as unidades de intervenção, como se relacionam os atores e as instituições: convergência, atritos, conflito aberto, etc., como são tomadas as decisões, quais são os objetivos ou metas tangíveis da ação e os critérios de sua avaliação, como dar continuidade à ação, apesar das dificuldades e como assegurar a participação dos cooperados e a maneira como incorporar suas sugestões. Finalmente, como controlar o conjunto do processo e avaliar os resultados. 24 O trabalho de campo foi dividido em várias etapas, ou seja: pesquisa realizada junto aos cooperados, a fim de averiguar a situação sócio-econômica de cada integrante da COOPERLIX. Esta pesquisa foi feita como parte do levantamento de dados que contemplou o Projeto de Políticas Públicas, realizada no mês de março de 2004, com aplicação de questionário com 31 cooperados, feito pelos alunos do Curso de Administração da UNOESTE, pelos alunos do curso de Pós-graduação em Geografia da FCT/UNESP e com a nossa participação. Em julho de 2006, realizamos pesquisa com 31 cooperados, com o intuito de averiguar a percepção que eles têm sobre o cooperativismo, sobre a organização do trabalho na COOPERLIX e sobre a opinião a respeito do trabalho que os apoiadores desenvolveram no decorrer da trajetória da existência da COOPERLIX. Foi aplicado questionário semi-aberto juntamente com entrevista e observação. Em novembro de 2006, reaplicamos a mesma pesquisa com os cooperados, desta vez com 25 dos 26 cooperados, com o intuito de fazer uma comparação sobre os dados levantados. Foi usado o mesmo questionário aplicado em março de 2004, conforme modelo em apêndice. Em abril de 2007, realizamos pesquisa com os apoiadores para investigar os motivos que os levaram a se engajarem na assistência à Cooperativa e uma outra pesquisa, de cunho qualitativo, para levantar a trajetória de vida de cada cooperado. Foi importante analisar o papel dos apoiadores para entender toda trajetória na qual estiveram envolvidos, cada qual com sua participação, no sentido de colaborar com a organização, a gestão de conflitos e otimização do trabalho cooperativo. Fizemos uso do método quanti-qualitativo, método este que associa análise estatística à investigação dos significados das relações humanas, privilegiando a melhor compreensão do tema a ser estudado (FIGUEIREDO, 2004). Segundo Polit e Hungler (1995, p.51) a abordagem quanti-qualitativa é aquela que “permite a complementação entre palavras e números, as duas linguagens fundamentais da comunicação humana”. 25 1.4 Objeto da pesquisa Os sujeitos das pesquisas foram os integrantes da COOPERLIX, devidamente cadastrados. Também são sujeitos dessa tese os parceiros e os apoiadores que estiveram envolvidos na assistência à COOPERLIX. A coleta de dados da pesquisa de campo obedeceu a algumas etapas. Primeiramente, contatamos os cooperados da COOPERLIX, visando cadastrá-los para entrevista futura a qual foi semi-estruturada. Num segundo momento, efetuaram-se as entrevistas. Após ter-se levantado um perfil sócio-econômico dos cooperados, através de questionários, fez-se uso de entrevistas e observação participante, em que procuramos obter informes contidos nas falas dos atores sociais. Realizamos as entrevistas de forma individual, visando obter dados objetivos e subjetivos. Estas foram semi-estruturadas, porque entendemos que essa técnica possibilita uma investigação mais ampla e profunda dos dados, além de fornecer a oportunidade ao entrevistado de discorrer sobre assuntos correlatos, sobre sua vida, expectativas, seus desejos pessoais e profissionais. Também, fundamentamos em Eiguer (1989, p.73), psicanalista francês que aponta que “a entrevista possibilita que explicações ocorram livremente, assim como, questionamentos para esclarecer pontos obscuros”. Neste sentido, pontos importantes que ocorreram dentro da relação da entrevista, como: verbalizações, comportamentos explícitos e implícitos foram anotados para compor relações com o verbalizado pelos entrevistados. Analisar e interpretar a entrevista, como prática discursiva, “é perceber a ação situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da realidade (SPINK, 2000, p.186). Enfim, realizadas as entrevistas, efetuamos uma leitura global das mesmas, “visando apreender seus aspectos dinâmicos e interativos e identificar temas que emergem e que estão em consonância com os objetivos da pesquisa” (SPINK, 2000, p.95). Concomitantemente, durante a participação como pesquisador, e também como apoiador, lançamos mão da observação que se fez presente em todos os contatos que tivemos com o ambiente da Cooperativa e com a organização do trabalho realizado pelos cooperados. 26 Portanto, nossa tese está organizada em nove capítulos. Na introdução, apresentamos o problema que nos levou à pesquisa, as hipóteses, os objetivos e uma breve descrição sobre o processo metodológico utilizado, além da caracterização dos sujeitos. A perspectiva histórica do lixo e da coleta seletiva como alternativa de geração de renda foi tratada no Capítulo 2, no qual abordamos a temática sobre resíduos sólidos e a sua coleta. Nesse capítulo são discutidos os referenciais teóricos sobre a produção de resíduos sólidos e o papel dos catadores de lixo, além do fator econômico envolvido, verificando o papel da COOPERLIX nessa cadeia produtiva do lixo e como está se mantendo com a coleta para sua sobrevivência. O capítulo 3 tratou da organização da COOPERLIX e sua trajetória de sonhos, de lutas e de conquistas, a forma como ela surgiu, como seu trabalho foi organizado e a caracterização de seus cooperados. Nesse Capítulo, também foram analisados o quadro funcional, a parte organizacional, a importância da COOPERLIX para Presidente Prudente em relação à coleta seletiva e, com isso, comparar se a COOPERLIX está num ritmo adequado de desenvolvimento enquanto empresa cooperativa. O Capítulo 4 abordou sobre o cooperativismo como uma alternativa de gestão de trabalho através da solidariedade, enfatizando seus princípios, bem como sua história, além dos aspectos legais das cooperativas. Nesse Capítulo, também, evidenciamos as bases conceituais para compreendermos o significado da forma cooperativista de trabalho, a sua organização e a solidariedade entre seus membros. Para entender o perfil migratório dos integrantes da COOPERLIX, analisamos a mobilidade ocupacional até tornarem-se cooperados, produzimos o Capítulo 5 que retrata sobre origem migratória dos integrantes da COOPERLIX. Visando dar sentido à nossa pesquisa, produzimos o Capítulo 6 que tratou sobre experiências em projetos de coleta seletiva de resíduos sólidos em outras localidades, comparativamente, com a atuação da COOPERLIX. No Capítulo 7, focamos a organização de trabalho da COOPERLIX, em que traçamos um paralelo com a forma de organização de trabalho de um sistema cooperativista e o modelo capitalista de produção. A autogestão da COOPERLIX através do cooperativismo e das redes sociais, enfatizando o papel dos apoiadores e parceiros à Cooperativa, foi abordada no Capítulo 8. Nesse capítulo, foi abordada a relação entre a sustentabilidade sócio-econômica, a forma 27 de trabalho da COOPERLIX, bem como, entender a relação entre a gestão organizacional, o significado e a forma como os cooperados se relacionam com a reciclagem e a auto- imagem dos catadores. Concluindo, no capítulo 9, apontamos dados conclusivos da tese, assim como, o papel da COOPERLIX na cidade de Presidente Prudente, no que tange à coleta seletiva. 28 O que me prende na Cooperativa é o amor que tenho pelos cooperados e pelo trabalho que todos fazemos juntos. Eu fico aqui porque eu tenho necessidade de trabalhar e porque a gente aprende a gostar do que faz e do pessoal em geral, apesar de as barreiras serem pesadas. Eva de Assis dos Santos Presidente da Cooperlix 29 2. OS RESÍDUOS SÓLIDOS COMO ALTERNATIVA DE TRABALHO E DE GERACÃO DE RENDA A rigidez das leis trabalhistas, adotadas em nosso país2, somada ao desemprego, provocado pelo sistema capitalista neoliberal vigente, além da notável centralização de renda, tem levado a nação a expandir a força de trabalho por meio de sociedades de emprego. Tais sociedades (cooperativas) já representam 7% da força de trabalho e chegam a mais de 5 milhões de pessoas ou um terço dos autônomos do Brasil, (IBGE, 2004). Devido à inclusão na Consolidação das Leis do Trabalho, (CLT), no ano de 1995, de um artigo que veio permitir que o cooperado/cooperativa preste serviço a uma empresa, sem vínculo empregatício, propiciou condições favoráveis para que as cooperativas de trabalho se firmassem em todo território nacional. Estas cooperativas, conforme aponta Boschi (2000, p.73), Formadas pelo “manto” da geração de um desenvolvimento sustentável, preservação ambiental, proporcionando com sua formação a criação de trabalho aos catadores e desempregados, considerados por esta própria sociedade como cidadãos de segunda classe, trazem em seu bojo, princípios de exploração nas relações de trabalho e, o pior, trabalho precarizado. A criação de cooperativas de catadores de materiais recicláveis só pôde ocorrer no meio urbano visto que é no urbano, que as maiores contradições sócio-espaciais são identificadas e, portanto, reais. Todavia, não podemos esquecer que as contradições impostas pelo sistema capitalista ocorrem, sobretudo, do espaço geográfico. Destas contradições do espaço, as questões e conceitos recentemente surgidos, a saber, no meio ambiente, os desperdícios, o esgotamento dos recursos, a destruição da natureza, dão apenas versões atenuadas, mostram exclusivamente manifestações fragmentares, mascarando o problema global: o de todo o espaço, da produção e da gestão. (LEFEBVRE, 1973, p. 19). 2 Entendemos que a rigidez está relacionada principalmente às pequenas e médias empresas que detêm pouco capital e são enquadradas identicamente as grandes empresas quanto as encargos trabalhistas. 30 Percebemos, portanto, que a construção do espaço vincula-se às necessidades lucrativas dos capitalistas, visto que os espaços são construídos por interesses provindos da própria lógica capitalista; assim, a imbricação de tal lógica no cotidiano de todos fornece- nos, ideologicamente, sua óptica como natural, ou seja, muitos crêem definitivamente que o espaço é assim construído e não há alternativas espaciais. Diante disso, constatamos que a própria lógica cooperativista, empregada na COOPERLIX, não visa uma tentativa de estruturação espacial e sim a própria lógica espacial capitalista de domínio de fornecedores e clientes. Santos (1996) escreve que o homem, enquanto viver, criará espaços e os mesmos sempre estarão subordinados à lógica dominante do momento, no nosso caso o capitalismo. Assim, as cidades são moldadas conforme a orientação do capital, por meio de investimentos e especulações imobiliárias. Na maioria das cidades consideradas modernas, mas ao mesmo tempo caóticas, a ocupação do solo ocorre de forma descontrolada. Os impactos ambientais, levados a efeito no processo de urbanização, são os mais variados e afetam diretamente a qualidade de vida dos cidadãos (GUERRA, 2001). A relação do homem com o meio ambiente sempre foi determinante na vida dos seres vivos e do planeta como um todo. É recente, entretanto, a consciência da necessidade de sua preservação e, mais ainda, de que os aspectos naturais e sócio-culturais estão intimamente relacionados (LEAL et al, 2004). A sociedade está, cada vez mais, sendo submetida a uma série de campanhas de comunicação que visam a mudança de hábitos e de atitudes em relação ao meio ambiente. Diante disso, constatamos que, por meio da lógica capitalista, o modo de vida do cidadão urbano é um fator determinante da degradação ambiental e do comprometimento crescente da qualidade de vida, principalmente nos países de economia periférica, chamados de emergentes. Segundo Santos (2002), a dinâmica da construção espacial está na aceleração da inovação de objetos com significados quase nulos, a não ser como fetiches, por intermédio do capitalismo. Concluímos que o modus vivendi contemporâneo mundial é necessariamente urbano, atrelado sempre às vontades do capital e, assim, às conseqüências para a sociedade e a natureza são as mais negativas. Deste modo, Santos (2002, p. 63) explica as relações e a produção do próprio espaço: 31 O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes [...] Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma. Uma parcela significativa de novos objetos e produtos lançados no mercado não são, efetivamente, indispensáveis para assegurar uma boa qualidade de vida – eletrodomésticos, automóveis, computadores, etc. - constantemente acrescidos de novos acessórios ou sofisticações tecnológicas de maneira a tornarem os modelos anteriores obsoletos. Isso tem provocado o excesso de embalagens descartáveis que é um dos fatores geradores de resíduos. Evidentemente, o processo de degradação ambiental inicia-se na produção; da extração da matéria-prima ao descarte, notando-se procedimentos de alto impacto não só na natureza, mas também na saúde humana. A atividade de catador de material reciclável no Brasil remonta há mais de 50 anos e somente no final do século passado é que ganhou destaque. Embora tenha sempre sido realizada, informalmente, há pouco tempo os catadores começaram a se organizar, seja na formação de cooperativas e associações, seja na luta para o reconhecimento dessa atividade como profissão (BAPTISTA, 2004). Segundo dados fornecidos pelo IBGE (2004), apenas seis milhões de pessoas são atendidas no Brasil com a coleta seletiva de resíduos sólidos, que corresponde a menos de 0,5% da população brasileira. Nesse sentido, apesar de Presidente Prudente não contar ainda com um destino viável ao lixo produzido, ou seja, aterro sanitário, destaca-se em relação aos demais municípios da região, pois atende em torno de 65% de sua população urbana com a coleta seletiva, diária, de resíduos. Embora o lixo fosse uma questão preocupante desde a Idade Média, caracterizado por ser ainda praticamente orgânico, conforme Rossi (2005,) a primeira vez que se ouviu falar de sua retirada dos centros urbanos data de 1779. É por volta do século XIX que o trabalho como “lixeiro” surge na França, mas foi só em 1846 que o lixo passou a ser considerado algo que demandasse orçamento e cuidados próprios. Os cuidados próprios para com os resíduos sólidos partiram e ainda são, majoritariamente 32 responsabilidade do poder público local, no caso a Prefeitura Municipal de Presidente Prudente. Os problemas relacionados com a produção e a disposição final dos resíduos sólidos afetam direta e principalmente o poder público municipal, já que é a prefeitura municipal a responsável pelo destino último dos resíduos sólidos. Destarte, o poder público municipal responsabiliza-se pela produção e consumo de produtos variados por particulares, carregando-o com um grande fardo que pode ser fitado pela degradação ambiental, social e econômica do município. Assim, o consumidor gera os resíduos e esses geram preocupações para o poder público municipal, tendo a maioria da população não conhecedora das conseqüências, apenas consomem e lançam o “lixo” fora. (FERNANDES, 2001, p. 164). A lógica do capital providencia o consumismo, ao mesmo tempo em que exclui inúmeras pessoas do seu modo de produção e lançam as mesmas para áreas periféricas do sistema capitalista. Simultaneamente, as formas de consumo exageradas (consumismo) geram lixo e os mesmos são lançados para os locais de deposição final – muitos destes locais são inadequados e são, assim, chamados de lixões. Nos lixões, muitas pessoas excluídas sócio-economicamente garimpam, no meio dos resíduos sólidos, sua sobrevivência. Objetivando pôr fim ao quadro humano, tão desumano em inúmeros municípios brasileiros, a organização de cooperativas foi fundamental para retirar parte das pessoas que sobrevivem do lixo (ABREU, 2004). Notamos, porém, que a organização desse movimento não parte sempre dos catadores, fato desse movimento ou dos, diretamente, interessados na atividade econômica da catação, mas da ação direta de entidades não governamentais, (ONGs), Sindicatos e Universidades, que procuram auxiliar, na tentativa de organização desses catadores, dando suporte em relação à saúde, capacitação, gestão empresarial e com programas de valorização da auto-estima. O trabalho cooperativo produziu e produz, ainda que não muito satisfatório, confiança mútua entre os cooperados, tendo efeitos positivos, não apenas na convivência entre os pares mas também, no relacionamento interpessoal com a sociedade e parceiros. Isso, muitas vezes, resulta na eficiência das operações do processo de reciclagem, que usualmente, no lixão são lentas, desconexas e conflitosas, no que tange ao círculo informal da reciclagem de resíduos sólidos. 33 Por outro lado, destaca-se nesse processo de consolidação das cooperativas, a dificuldade dessas se tornarem viáveis economicamente, auto-sustentáveis e auto-geridas, Existe tendência permanente de receberem apoio de universidades, de entidades não governamentais, de sindicatos e de entidades religiosas na sua gestão, em virtude de concorrerem com empresas mercantis, já consolidadas no mercado e com tradição e conhecimento técnico no setor de sucatas. Apesar de haver regulamentações a respeito do lixo muito antes do século XIX, segundo Fernandes (2001), somente com o aumento populacional é que ele começa a ser levado a sério; ou seja, os depósitos de lixo foram sendo afastados dos grandes centros urbanos. Com o advento da Revolução Industrial é que o lixo deixa de ser produzido em pequena quantidade pelas famílias e seu acúmulo começa a gerar uma grande quantidade de resíduos nas áreas urbanas. A partir da década de 1960 instaura-se a “era dos descartáveis”, em que a produção de resíduos vai se dar com tamanha rapidez, levando a uma escassez de locais para o seu armazenamento (FOLADORI, 2001 e 2001b). Apesar da reciclagem, ou aproveitamento, ter surgido como alternativa econômica ao problema do lixo acumulado (principalmente embalagens), tal prática não é tão recente. Ela já havia sido implantada por empresários no século XIII em Roma, que lucravam não só ao garantirem a limpeza das ruas, como também ao comercializarem os dejetos humanos e animais como adubo (FERNANDES, 2001). Notamos que a atividade de catador tem permitido que uma considerável parcela da população brasileira se veja inserida no mercado, mesmo que ainda informal. No Brasil, segundo Freire (GUERRA, 2001), um terço dos moradores de rua da cidade de São Paulo sobrevivem da coleta de resíduos sólidos. O CEMPRE (2004) calcula que cerca de 150 mil pessoas, no Brasil, sobrevivem da catação de latas de alumínio e um tanto ainda maior, da de papel e papelão. Poucos são, entretanto, os municípios brasileiros que possuem um programa de coleta seletiva. São Paulo é o estado com maior número de programas de coleta seletiva (FOLADORI, 2001, p.87). Sendo o Brasil um país com mais de 5.650 municípios, somente 3,5% desse universo possuem algum programa de coleta seletiva (idem). Segundo o IBGE (2005), o número de municípios brasileiros que até o ano de 2004 são atendidos pela coleta seletiva, correspondendo em torno de 6,5% dos municípios. 34 Da totalidade de municípios brasileiros, apenas 431 têm coleta seletiva. Outro fato, não menos relevante sobre o lixo no Brasil, é o destino do lixo urbano produzido diariamente, pois somente 15% têm seu destino em aterros sanitários; em aterros controlados são depositados 13% desse total, os outros 67% vão para lugares a céu aberto e menos de 5,0% acabam sendo reciclados, (IBGE, 2004). Esse volume é conseqüência da migração urbana, verificada nos últimos anos. 2.1 Classificação dos resíduos sólidos A palavra resíduo deve ser compreendida como aquilo que é inservível, ou melhor, qualquer objeto descartado sem utilidade para seu proprietário é, por si, um resíduo. Nesse sentido, a OMS (Organização Mundial de Saúde) define resíduo como lixo, equivocadamente, as palavras resíduo e lixo são interpretadas como sinônimos, entretanto, lixos são objetos descartados e inservíveis sem qualquer possibilidade de retorno, contrário a isso os resíduos, quando descartados, são objetos inservíveis, num primeiro momento, para seus primeiros proprietários e, posteriormente, poderão – de alguma forma – ter alguma utilidade. Segundo Pinto e Almeida, (2002, p. 79) pela Resolução CONAMA 05/1993 considera-se resíduos sólidos a definição fornecida pela NBR 10004 elaborada em 1987 e reorganizada por meio de maior rigor técnico a partir de 2004 são considerados resíduos sólidos: Resíduos nos estados sólidos e semi-sólidos, que resultam de atividades da comunidade de origem: industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpo de água, ou exijam para isso soluções técnicas e economicamente inviáveis em face à melhor tecnologia disponível. (NBR 10004: 2004, p. 01). Para Logarezzi (2004) deve-se denominar o lixo de resíduo inservível, uma vez que essa denominação possibilita um maior esclarecimento quanto à diferença existente entre lixo e resíduo, pois grande parte das pessoas considera o resíduo lixo como lixo e não conseguem distinguir as características próprias e fundamentais de cada objeto. 35 Os resíduos sólidos também são líquidos, conforme a ABNT (NBR 10004), pois o legislador em consórcio com os aparatos técnicos entendeu que os resíduos são, necessariamente, aquilo que toma volume no espaço, por outro lado os gases não são considerados resíduos sólidos visto que os mesmos não ocupam local físico imediato ou seja, estão em suspensão atmosférica e não interferem, volumosamente, quanto ao espaço físico. Outra norma da ABNT – NBR 12807:1993 – entende que os resíduos sólidos são, definitivamente, objetos e materiais desprovidos de utilidades para o estabelecimento gerador, o que a norma não define e, consequentemente, o que permite é uma interpretação com base na própria norma NBR 10004:2004 de que os resíduos sólidos podem ser reaproveitáveis e servíveis por outros estabelecimentos, dentre os possíveis, os que estão envolvidos na cadeia da reciclagem dos resíduos sólidos. Todavia, não podemos considerar todos os resíduos sólidos como pertencentes ao mesmo grupo, assim; a norma ABNT 10004 em conformidade com as Resoluções CONAMA 05/1993, 307/2002, 257/1999 e com as normas da ANVISA garantem a diferenciação dos resíduos sólidos e seus respectivos tratamentos e adequação, conforme o grau de perigo para a saúde e para o meio ambiente. Os resíduos sólidos mais perigosos são, de acordo com Logarezzi (2004), classificados como especiais, dentre os quais as baterias, pilhas, lâmpadas, tintas, solventes, remédios vencidos, tecido humano, agulhas de injeções, seringas, resíduos radioativos, resíduos industriais, resíduos laboratoriais e demais que possam prejudicar a normalidade da saúde humana e do meio ambiente. Para isso, as Resoluções CONAMA, citadas anteriormente, garantem a classificação dos resíduos sólidos em domiciliar, industrial, da construção civil, hospitalar, varrição e galhadas (ou da limpeza urbana) comerciais e resíduos provenientes dos serviços públicos municipais – que podem ser classificados, também, como os demais. Diante da referida classificação é necessário compreendermos cada um dos diferentes tipos de resíduos sólidos, pois os mesmos terão impactos diferenciados no meio ambiente e na saúde humana e animal, conforme a Resolução CONAMA 001/1986. Os resíduos sólidos são classificados conforme Resolução CONAMA 05/1993, conforme o risco a saúde pública e o impacto que poderá causar no meio ambiente; desse modo a Resolução CONAMA 001/1986 - que trata das definições de impactos ambientais 36 – complementa a legislação posterior. Por isso, a classificação dos resíduos é fundamental para a sua adequabilidade e a subtração de qualquer perigo para o ser humano. Conforme a ABNT 10004:2004 são considerados elementos passíveis de periculosidade: a- Risco à saúde pública, provocando ou acentuando, de forma significativa, um aumento de mortalidade ou incidência de doenças, e/ou b- Riscos ao meio ambiente, quando o resíduo é manuseado ou destinado de forma inadequada. Na mesma norma na página 2 tem-se a classificação dos resíduos: a- Resíduos classe I - perigosos b- Resíduos classe II – não-inertes c- Resíduos classe III – inertes 6 Os resíduos classe I, conforme norma e Resolução CONAMA 05/1993, são assim classificados por apresentarem maior grau de periculosidade. Segundo Fiorillo (2003) para classificar um resíduo como perigoso deve o mesmo ter características químicas, físicas e biológicas que prejudiquem temporariamente ou definitivamente o ser humano e o meio ambiente. De acordo com a NBR 10004:2004 classificam-se os resíduos, como perigosos, a partir do grau de possíveis prejuízos sócio-ambientais, ou seja, se o resíduo apresenta características inflamáveis, corrosivas, reativas, tóxicas e patogênicas (NBR 10007) 3 poderão, conforme suas características físico-químicas, prejudicar o ser humano. Dessa maneira, a mesma resolução encaminha a deposição final adequada para cada um dos grupos. Os resíduos sólidos são, definitivamente, agentes poluidores e degradantes do meio ambiente, por isso, o legislador e as câmaras técnicas possuem a máxima cautela quanto aos mesmos, daí as Resoluções CONAMA 07/1994 e 08/19914 são importantes para a preservação e conservação do território nacional, restringindo o problema ao âmbito nacional. Conforme aponta a Resolução CONAMA 05/1993 a classificação quanto aos resíduos sólidos, dá-se da seguinte forma: 3 ABNT – NBR 1007 – que trata da amostragem de resíduos e procedimentos. 4 Ambas as resoluções tratam da proibição da entrada de qualquer espécie de resíduos no território nacional. 37 GRUPO A: resíduos que apresentam risco potencial à saúde pública e ao meio ambiente devido à presença de agentes biológicos. Enquadram-se neste grupo, dentre outros: sangue e hemoderivados; animais usados em experimentação, bem como os materiais que tenham entrado em contato com os mesmos; excreções, secreções e líquidos orgânicos; meios de cultura; tecidos, órgãos, fetos e peças anatômicas; filtros de gases aspirados de área contaminada; resíduos advindos de área de isolamento; restos alimentares de unidade de isolamento; resíduos de laboratórios de análises clínicas; resíduos de unidades de atendimento ambulatorial; resíduos de sanitários de unidade de internação e de enfermaria e animais mortos a bordo dos meios de transporte, objeto desta Resolução. Neste grupo incluem-se, dentre outros, os objetos perfurantes ou cortantes, capazes de causar punctura ou corte, tais como lâminas de barbear, bisturi, agulhas, escalpes, vidros quebrados, etc, provenientes de estabelecimentos prestadores de serviços de saúde. GRUPO B: resíduos que apresentam risco potencial à saúde pública e ao meio ambiente devido às suas características químicas. Enquadram-se neste grupo, dentre outros: a) drogas quimioterápicas e produtos por elas contaminados; b) resíduos farmacêuticos (medicamentos vencidos, contaminados, interditados ou não-utilizados); e, c) demais produtos considerados perigosos, conforme classificação da NBR 10004 da ABNT (tóxicos, corrosivos, inflamáveis e reativos). GRUPO C - rejeitos radioativos: enquadram-se neste grupo os materiais radioativos ou contaminados com radionuclídeos, provenientes de laboratórios de análises clínicas, serviços de medicina nuclear e radioterapia, segundo Resolução CNEN 6.05. GRUPO D: resíduos comuns são todos os demais que não se enquadram nos grupos descritos anteriormente. Uma vez delimitado o problema, fica a cargo dos legisladores e dos responsáveis pelo meio ambiente nacional, resolver as negatividades resultantes dos resíduos sólidos. Cada um dos grupos de resíduos sólidos precisa de tratamento diferenciado, de acordo com sua adequabilidade física e química, assim; nos Grupos A, B e C os cuidados deverão ser maiores desde o descarte dos materiais, o armazenamento dos mesmos e a deposição final. Quanto ao Grupo D parece, num primeiro momento, inofensivo quanto aos demais, todavia esse grupo é o de maior volume e um dos maiores problemas, visto que os mesmos são, geralmente, dispostos de forma inadequada, consequentemente, poluem o meio ambiente e provocam doenças para os seres humanos. O quadro que temos da adequação legal e sanitária é preocupante, visto que grande parte dos resíduos sólidos tem destinação incorreta e inadequada. Prevalece, portanto, no Brasil aquilo que é considerado pior para os especialistas quanto à disposição 38 final de resíduos: os lixões – que são amontoados de resíduos sólidos, sem qualquer cobertura, sem qualquer cuidado sanitário e ambiental e responsável direto pela contaminação de lençóis freáticos e superfícies aquáticas. Nesse sentido, nossa próxima análise será a verificação das formas adequadas de disposição final dos resíduos sólidos. 2.2 Disposição final dos resíduos sólidos Os resíduos sólidos terão sua disposição final em aterros, incineração, lixão e compostagem. Entende-se por aterro área com maior adequação sanitária e ambiental, tendo procedimentos de armazenamento cautelosos como a impermeabilidade do solo e uma distância considerável das áreas urbanas, conforme indica a NBR 8419. Quanto aos tipos de aterros temos: aterro controlado e aterro sanitário. A diferença de ambos está no rigor técnico e nos procedimentos operacionais, assim, conforme a NBR 8419 os aterros sanitários são áreas destinadas para a disposição final de resíduos sólidos domiciliares, com periculosidade mínima, conforme o Grupo D da Resolução CONAMA 05/1993, porém possuem grande rigor para o armazenamento e possível tratamento físico-químico dos resíduos e dos chorumes. Para Logarezzi (2004) o aterro controlado é mais simplificado que o aterro sanitário, pois não é um sistema fechado e nem possui um grande rigor técnico para o tratamento dos resíduos e seus efluentes. Já que a maior exigência está na cobertura diária com terra sobre os “novos” resíduos que são armazenados cotidianamente, bem como a distância de 200 metros de qualquer superfície de água; a impermeabilidade estrutural da base é praticamente nula; com isso, é possível à contaminação e poluição de águas que estão localizas em lençóis freáticos. Ainda de acordo com Logarezzi, (2004) o aterro sanitário possui, obrigatoriamente, tratamento dos efluentes (chorume) e controle dos gases que são emitidos pelo processo de decomposição dos resíduos sólidos. Para que, realmente, seja eficiente – no sentido sanitário e ambiental - a disposição final dos resíduos sólidos a Associação Brasileira de Normas Técnicas elaborou a ABNT/NBR 8.418/83 - que trata da apresentação de projetos de aterros de resíduos 39 industriais perigosos – e a ABNT/NBR 8.419/92 – que trata a apresentação de projetos de aterros sanitários de resíduos sólidos. Os aterros são, periodicamente, vistoriados e consequentemente, classificados de acordo com sua qualidade de armazenamento e potencialidade de subtração das negatividades sanitárias e ambientais, para isso, a CETESB elaborou uma metodologia capaz de averiguar com maior exatidão a situação dos aterros sanitários e controlados, conhecido como Índice de Qualidade de Aterros de Resíduos (IQR). De acordo com a CETESB (2002) o IQR proporciona uma maior compreensão e visibilidade dos problemas sanitários e ambientais ocorridos nos aterros e com essa ferramenta metodológica é possível cobrar, do poder público local, os problemas ocasionados a partir da inadequabilidade do IQR. (Índice de Qualidade de Aterros de Resíduos). Nesse sentido, entendemos que a moblilização dos três poderes brasileiros em consórcio com as instituições financeiras possibilitaram os primeiros passos para a mudança paradigmática quanto à relação público-privado no sentido dos objetos inservíveis para os particulares, ou seja, referente à situação degradante em que se encontram inúmeros municípios brasileiros, quanto à problemática do lixo. Conforme aponta Singer, (2002, p.9): Há um interesse público no reaproveitamento do lixo, que se soma às vantagens privadas. O reconhecimento deste fato levou a que prefeituras, como responsáveis locais pelas condições ambientais, passassem a se interessar na coleta seletiva do lixo e no apoio à reciclagem. Essa nova ordem limita a reciclagem de resíduos sólidos como uma alternativa às questões problematizadas da falta de recursos naturais e o excesso de lixo no planeta, acompanhado da crescente preocupação da sociedade contemporânea com as questões ambientais. Assim, temos que a reciclagem de resíduos sólidos é de suma importância às futuras gerações do planeta, por se apresentar nas principais áreas de decisões com relevância ambiental, econômica e social, com muitos desdobramentos fragmentados, mas interdependentes entre si: organização espacial, preservação e uso racional dos recursos naturais, conservação e economia de energia, geração de empregos, desenvolvimento de 40 produtos, finanças públicas, saneamento básico, geração de renda e redução de desperdício (CALDERONI, 1996, p.9). Bensen (2006, p.82) aponta que: A reciclagem vem se apresentando como uma alternativa social e econômica à geração e concentração de milhões de toneladas de lixo produzido diariamente pelos grandes centros urbanos espalhados pelo mundo; entretanto sua maior importância se dá no campo do desenvolvimento sustentável, visto que proporciona uma economia de recursos naturais do planeta, com 74% a menos de poluição do ar; 35% a menos de poluição da água, um ganho de energia de 64%. A reciclagem, como solução para a diminuição de resíduos, apresenta muitos aspectos a serem melhor elucidados, não só quanto aos seus reais benefícios, mas quanto ao escoamento dos resíduos recicláveis. Se todos os resíduos produzidos, mundialmente, fossem inteiramente recuperados, não se teria, hoje, um parque industrial reciclador para absorvê-los, (CALDERONI, 1996). Pelo lado econômico, quanto pelo ambiental, é necessário que se realizem estudos mais aprofundados dos processos de reciclagem, antes de intensificar a separação de resíduos domésticos. As iniciativas políticas, ao introduzirem sistemas de coleta seletiva de lixo, ou mesmo as empresas que fazem o marketing da reciclagem para neutralizar o impacto da produção de resíduos, merecem atenção da sociedade. 2.3 A produção de resíduos sólidos e o agente ecológico Sabemos que a reciclagem de resíduos sólidos é necessária por várias razões: ecológicas, sanitárias, econômicas, políticas, etc. e apresenta-se como uma das alternativas relevantes de geração de emprego ou renda, principalmente, por meio de cooperativas de reciclagem de lixo. O ator principal envolvido nesse cenário é o catador de resíduos sólidos que recebe várias denominações como: andarilho, rampeiro, margarida, xepeiro, badameiro e bóia-fria do lixo (LEGASPE, 1996). A afirmação de Abreu (2004, p.30) vem elucidar com melhor propriedade esse ator que, sem espírito ambientalista algum, na verdade “[...] está apenas lutando por sua 41 própria sobrevivência nessa floresta urbana, onde sua matéria-prima é abundante e gratuita e muitas pessoas pagam para se livrar dela”. Os catadores representam apenas um elo, nessa cadeia, que possibilita resgatar parte dos recursos aproveitáveis disponíveis no lixo das cidades, mas possuem um papel importante, pois é com seu trabalho que tem início todo um processo de reciclagem de lixo em nosso país. Estima-se que os catadores sejam responsáveis por mais de 60% do papel e papelão reciclado, no Brasil, bem como 90% do material que alimenta as indústrias de reciclagem de alumínio, fazendo do país um dos maiores recicladores deste produto do mundo, (BRITO, 2001). Tais catadores submetem-se a uma rotina diária de trabalho que, muitas vezes, ultrapassa doze horas ininterruptas e que geralmente são explorados pelos donos de depósitos de sucata (sucateiros). Esse monopólio comercial do sucateiro representa a espoliação desses “agentes ambientais” e sua perpetuação em condições de degradação humana. Como já mencionamos, uma das alternativas apresentadas para fortalecer os catadores e deixá-los mais independentes é a formação das Cooperativas de Reciclagem de Material Reciclável, apoiadas por Organizações Não Governamentais, Igrejas, Universidades, Sindicatos, Instituições Sociais, Prefeituras e também pelo governo estadual em conjunto com o Instituto de Pesquisa Tecnológicas. Segundo Singer (2002, p.78), “a cooperativa representa os catadores perante o poder público e dele reivindica espaço protegido para armazenar e separar o material recolhido e financiamento para processar parte do material separado, agregando-lhe valor”. É interessante lembrar o que aponta Singer sobre o resgate da humanidade. Os catadores sofrem muito com a rejeição social, visto estar, freqüentemente, em contato com o lixo, sua matéria-prima principal, encontrada em lixões, lixeiras, nas ruas e guetos, onde negociam e são os locais em que muitos moram. Entretanto, mesmo os catadores formando cooperativas, para fugirem da exploração econômica, estes continuam à mercê de tal exploração, porque as indústrias que compram os materiais reciclados são poucas, exigem grandes volumes para negociar e estes volumes só são alcançados, muitas vezes, por sucateiros que estão há mais tempo no mercado e financiados pela própria indústria. É importante salientar que uma parte desse material não reciclado, considerado, aqui, teoricamente como se fosse para os aterros, é retirado por catadores informais, os 42 chamados “garimpeiros do lixo” que atuam nos lixões de várias cidades. Em Presidente Prudente existem cerca de 100 pessoas (homens, mulheres, crianças e idosos) encontram- se “garimpando” produtos recicláveis no depósito de lixo do município para seu sustento e o de sua família (LEAL et al, 2004). Hoje em dia, em Presidente Prudente, a coleta de resíduos sólidos, para a separação dos materiais que têm mercado para reciclagem, é uma atividade desenvolvida por catadores de papéis, de latinhas, que labutam diariamente nas ruas da cidade e, também, pelos integrantes da COOPERLIX. São pessoas pobres, excluídas socialmente e que se dedicam a esse tipo de trabalho, às vezes em condições precárias, colaborando, indiretamente, com a limpeza pública que seria de responsabilidade do poder público municipal. O que se fazer com o lixo urbano, tem levantado vários questionamentos por parte da sociedade e de autoridades e várias alternativas são sugeridas conforme o interesse e a percepção de cada um. Uma delas é o reaproveitamento do lixo por meio da coleta seletiva e reciclagem dos materiais que assim podem ser transformados, pois dependem também do interesse da relação de compra de empresas especializadas. Concluímos, portanto, que o não reaproveitamento dos resíduos sólidos está ligado à falta de incentivo econômico, pois quando se trata de latinhas de alumínio é quase total, porque é lucrativo para as empresas fabricantes. No próximo capítulo abordamos a maneira como a COOPERLIX foi constituída, o perfil sócio-econômico de seus integrantes e a forma de trabalho executada pelos cooperados. 43 Cooperativismo é ter união pra desenvolver o trabalho. Se não tiver o trabalho não tem o dinheiro. Ademar L. de Oliveira Cooperado 44 3 A ORGANIZAÇÃO DA COOPERLIX E SUA TRAJETÓRIA DE SONHOS, DE LUTAS E DE CONQUISTAS O presente capítulo aborda a relação entre a sustentabilidade sócio-econômica, a forma de trabalho, a cultura e o seu significado em organizações com atividades ligadas à gestão de resíduos sólidos, no caso a Cooperativa de Trabalhadores de Produtos Recicláveis de Presidente Prudente, COOPERLIX. Desta forma, estabelecemos algumas relações sobre essas questões, a partir de um diagnóstico sócio-econômico realizado com os cooperados da COOPERLIX, visando entender a relação entre a gestão organizacional, o significado e a forma como os cooperados se relacionam com a reciclagem e a auto-imagem do catador. Enfocamos neste capítulo que a implantação bem sucedida de uma cooperativa de catadores, associada a um programa de coleta seletiva, exige uma intensa participação da sociedade em todas as fases de seu desenvolvimento. O motivo mais óbvio é que caberá à população separar do lixo e fornecer, voluntariamente, os materiais que constituirão a matéria-prima do trabalho da cooperativa. Com o propósito de resgatar famílias, que sobreviviam do lixão de Presidente Prudente, um grupo de professores da UNESP engendrou a idéia de se criar uma cooperativa para retirar as pessoas que labutavam no lixão e incluí-las no sistema cooperativista, dando suporte na organização de uma cooperativa de reciclagem de resíduos sólidos. Com esse objetivo, depois de várias tentativas, os catadores que trabalhavam no lixão foram convidados a participarem de uma reunião, em 2002, no SENAC de Presidente Prudente. Na ocasião, estiveram presentes 78 trabalhadores e lhes foi apresentada a proposta de se criar uma cooperativa de catadores de resíduos sólidos. 45 Foto 1: Primeira reunião fora do lixão com os catadores para a apresentação do projeto, 2002. Fonte:Leal et al, 2004. Essa e outras reuniões sempre foram marcadas pela tensão entre os proponentes do projeto e os catadores, demarcado aí um elemento importante nesse processo, que era o fato de que o projeto não teve origem dentro do grupo de trabalhadores, mas deveria incluí-los, o que levou à longas negociações até concretizar a participação do grupo interessado5. Em relação às dificuldades de se criar uma cooperativa de catadores de resíduos, Gonçalves (2006, p. 76) aponta que: Para a organização e realização do trabalho da coleta seletiva são necessários, no entanto, equipamentos, por exemplo, um caminhão, que permitam que toda a atividade seja realizada com o melhor rendimento possível. Do contrário, a quantidade coletada não resultará em um rendimento que justifique o empreendimento. 5 Nessa reunião foi dado um importante passo no sentido organizativo dos catadores: foi formada uma comissão de representantes dos catadores que iria discutir a situação com o prefeito municipal. 46 No caso de Presidente Prudente, a Prefeitura Municipal foi responsável por parte dessa infra-estrutura. Essa ação do poder público acaba por ser fundamental, pois os trabalhadores catadores não conseguiriam adquiri-la por conta própria. Se o fizessem, ficariam com o rendimento do trabalho totalmente comprometido pelo endividamento. Anteriormente, outras reuniões foram realizadas, com os catadores de resíduos do lixão de Presidente Prudente, com professores e alunos da UNESP e representantes da Secretaria de Assistência Social do Município de Presidente Prudente-SP, em um barracão abandonado, nas proximidades onde, hoje, está localizada a sede da COOPERLIX, (Foto 1).As reuniões se transformaram em momentos de reconhecimento mútuo, de planejamento das ações a serem desenvolvidas, objetivando a organização dos catadores do lixão de Presidente Prudente (GONÇALVES, 2006). Todavia, no desenrolar das discussões entre o grupo de trabalho e pesquisa e o grupo de catadores, resolveu-se, também, visitar cidades com experiências semelhantes, o que possibilitou conhecer soluções aplicadas aos problemas vivenciados. A primeira experiência conhecida foi a da cidade de Penápolis (SP)6. Cantoia (2007, p.45), em relação à reticência por parte dos catadores de resíduos, aponta: Quando se conversa com os trabalhadores do lixão, percebe-se que existe a vontade de mudança de vida: com certeza, não existe catador que queira ficar até o fim da vida sobrevivendo dos restos; porém, devido ao tempo em que permanecem nessa atividade, eles não percebem com clareza as mazelas do local. Acostumaram-se, mas não se conformaram com a situação em que se encontram, tanto que buscam e/ou emprego em outros locais que não sejam os lixões. A falta de perspectiva em relação ao emprego formal, faz com que os catadores continuem labutando no lixão, pois na disputa com outros catadores, sempre angariam algum valor pelo que é separado, coletado e negociado. Cantóia, aponta, ainda que: 6 A cidade de Penápolis está situada a noroeste do Estado de São Paulo. O município tem aproximadamente 55.000 habitantes. 47 Os catadores são excluídos das relações cotidianas, pois não recebem assistência médica nem aposentadoria, garantidas por lei a todos os cidadãos brasileiros. Assim os excluídos desses direitos básicos, se incluem dentro de um outro modo de vida, criam laços de amizade, respeito e de compreensão, identificando-se com pessoas que passam e vivem as mesmas necessidades. Isso os identifica dentro do mesmo modo de viver e eles se encontram, sem vergonha de se assumirem, sem vergonha de dizerem que mesmo não sendo compreendidos pelo restante da sociedade, eles são indivíduos que vivem, lutam e sonham. (2007, p.44) Sobre a colocação da autora, a psicologia social apregoa que a identidade entre os pares se dá em situações de crises, de similaridade de problemas e na conjunção de objetivos comuns. Isso se deu com os cooperados, pois vêem no outro um incentivo para que não desista, e o trabalho em equipe e em forma cooperativa favorece esse vínculo. A cidade de Presidente Prudente7, localizada no Oeste do Estado de São Paulo, (Figura 1), enfrenta problemas de degradação ambiental, conseqüência de uma expansão 7 Presidente Prudente, está localizada no Oeste do Estado de São Paulo, possui 201 mil habitantes (IBGE, 2004), com índice pluviométrico altíssimo. As poucas áreas planas deste município, bastante recortado, estão ocupadas por núcleos humanos, (IBGE, 2004); tem aproximadamente 60 mil residências em sua zona urbana e está buscando alternativas para o gerenciamento dos resíduos sólidos produzidos pela cidade. (Figuras 1). 48 P A R A N Á M A T O G R O S S O D O S U L R i o P a r a n a p a n e m a FONTE: INSTITUTO GEOGRÁFICO E CARTOGRÁFICO- IGC/2001 R i o d o P e i x 21° 23° 52° 51° 50° ESCALA Km10080604020020 R i o P a r a n á ROSANA EUCLIDES DA CUNHA PAULISTA TEODORO SAMPAIO PRES. EPITÁCIO CAIUÁ MARABÁ PTA PIRAPOZ TARABAI SANDOVALINA ESTRELA DO NORTE NOVA GUATAPORA MONTE CAS S.JOÃO DO PAU D’ALHO TUPI PAULISTA DRACENA OURO VERDE J EMIL RIB. DOS INDIOS PANORAMA PAULICÉIA SANTA MERCEDES NARA MIRANTE DO PARANAPANEMA PRES. VENCESLAU PIQUEROBI SANTO ANASTÁCIO PRES. BERNARDE ALVARES MACHADO Figura 1: Localização de Presidente no Estado de São Pau Fonte: Acervo da Unesp, 2007. Figura: 01 Localização de Presidente Prudente no Oeste do Estado de São Paulo 49 urbana que desconsiderou a perspectiva de planejamento e, principalmente, os aspectos ambientais nas ações de promoção do desenvolvimento. A coleta seletiva em Presidente Prudente começou no Bairro Ana Jacinta, atravé de uma campanha de porta-em-porta pelos integrantes da COOPERLIX, (Foto 2). Foto 2: Cooperados no lançamento da coleta seletiva no Bairro Ana Jacinta em Presidente Prudente, 2003. 50 Fonte:Marcelino Andrade Gonçalves, 2006. No ano de 2004, professores e alunos da UNESP (Curso de Geografia) e da UNOESTE (alunos dos Cursos de Administração e Gestão de Negócios), percorreram mais de 50 bairros onde a coleta seletiva estava sendo implantada, realizando pesquisa a fim de saber a percepção que a população tinha sobre o destino do lixo que ela produzia e sobre o conhecimento do papel da COOPERLIX em relação à coleta seletiva de resíduos sólidos, para através dos resultados obtidos, verificar as dificuldades da implantação para que isso pudesse ser extrapolado para outros bairros, posteriormente (Foto 3). Nesse sentido, os cooperados se inseriram em um novo cenário de trabalho, que não mais no lixão, e sim de porta em porta na coleta seletiva, com horários e trajetos determinados pela organização do trabalho cooperativo entre eles. Sobre isso, Cantóia (2007, p. 51), aponta que: Além da nova função na organização dos trabalhadores, havia aqueles que iriam coletar os resíduos descartados seletivamente pelos moradores, acompanhando o caminhão coletor, os que teriam que separa os resíduos coletados. Esses como já eram acostumados no lixão, ficavam apenas como um elemento novo na organização em um espaço menor e diferente das regras do lixão. Entretanto, o montante conseguido é dividido igualmente entre todos, independente da atividade por eles realizada. Foi nesse sentido, que as redes de parcerias foram tomando forma operacional, para dar apoio, sustento e validade às ações dos cooperados. 51 Foto 3: Aplicação do questionário no lixão de Presidente Prudente em 2003. Fonte: Marcelino Andrade Gonçalves, 2006. Feito isso, uma segunda etapa foi lançada e contou com verbas da FAPESP para que a COOPERLIX tivesse equipamento para poder processar a triagem e o enfardamento do material coletado através de caminhão cedido pela PRUDENCO. Nesse sentido, o grupo de apoiadores procurou criar mecanismos de informação que permitiram a discussão do projeto, criando capilaridade junto à comunidade e tornando-o conhecido por parte da população e dos órgãos públicos. Com o intuído de dar credibilidade foram realizados seminários, mesas redondas e outros tipos de fóruns para discussão com o intuito de tornar conhecida a COOPERLIX e a ação por ela realizada junto à coleta de resíduos sólidos, no município de Presidente Prudente. Simultaneamente à divulgação, foram criados materiais ilustrativos e informativos, os quais foram distribuídos nas Redes Municipal e Estadual de Ensino, na cidade de Presidente Prudente-SP. Várias reuniões e palestras foram realizadas com o intuito de divulgarem e incentivarem professores a aderirem a essa campanha. 52 Quadro 2: Bairros e condomínios que contam com trabalho de coleta seletiva em Presidente Prudente. Fonte: Leal et all (2004), atualizado em março de 2007. Na fase de divulgação sobre a coleta seletiva, vários integrantes da diretoria da COOPERLIX, estiveram presentes em escolas, Universidades, falando sobre o papel da Cooperativa e da importância da separação dos resíduos sólidos de outros tipos de material descartável. As escolas – dos respectivos bairros, citados no Quadro 2 - mereceram destaque no programa de sensibilização da comunidade, pois têm grande poder de multiplicação da informação junto à população composta não somente por alunos, funcionários e professores, mas pelas famílias e comunidade situadas ao seu redor. Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira Vila Formosa Ana Jacinta Jd Sabará Sta Eliza Pq. Imperial Jd. Higienópolis Mario Amato Pq Cedral Bela Vista R. Maré Mansa Chácara Macuco Res. M. Carlo Monte Alto Cecap Jd. V.Verde Alto B.Vista Anita Tiezzi Jequitibás I, II Cohab Pq. Shiraiwa Dhama II João Paulo II P. Furquim Jd. Santa Paula Jd. Servantes I Nova Prudente Pq Cerejeiras V.Furquim Jd. São Geraldo Jd. Vale do Sol Central Park Jd. Colina V.Marcondes São Geraldo Jd. Tropical Vila Cel.Goulart Jd.Cinquentário Jardim Paulista Res.Central Park Jd. Universitário Vila Lessa Jd das Rosas Jardim Balneário Jd. Morumbi Jd. Vila Real Vila São Pedro Jd. Icaray Jd. Itapura II Vila Iti Jd. Sta Fé Vila Boa Vista Jd Cambuí Pq. Alvorada Vila Luso J.N.Bongiovani Vila Prudente Jd. Petrópolis Jd. Itatiaia Vila Brasil Jd. Carandá Vila Machadinho Campo Belo Jd. São Domingos Jd. São Paulo Jd.Mediterrâneo Bairro Bosque Jd Satélite Vila Geni Jd. Itapura I Vila Maristela Marupiara Cidade Jardim Vila Verinha Jardim Rio 400 Inocoop Jd. Antuerpia Vila Centenário Jardim Aviação Jd. B.Horizonte Jd. Duque de Caxias Vila Mendes Jd. Bongiovani Jd. Santa Olga Jd.América Jd. Santa Clara Jd. Barcelona Sítio São Pedro Parque São Lucas Jd. Iguaçu Jd. São Mateus Jd. Regina 53 Henares (2006, p.111) relata que: A criação da COOPERLIX ampliou a possibilidade de mobilização social, participação e desenvolvimento das ações de educação ambiental nas escolas e em demais entidades, visto que, representa a oportunidade de, efetivamente, implantar a coleta seletiva no município, com o repasse do resíduo reciclável aos cooperados. Portanto, a COOPERLIX está desempenhando um papel importante no sentido de envolver a sociedade a internalizar a noção de ter motivação para separar o descarte seletivo. Essa sensibilização torna-se imprescindível para a manutenção e fortalecimento da COOPERLIX, que depende desse produto (resíduos sólidos) para geração de renda de seus cooperados. Como já foi citado, a coleta seletiva de resíduos sólidos, atinge 73% dos bairros da cidade de Presidente Prudente (pesquisa de campo, março de 2007) e é realizada por integrantes da COOPERLIX e vários concorrentes que se apropriam desse material separado antes e concomitantemente com os cooperados (Figura 2). Com a doação do caminhão pelos Rotarys de Presidente Prudente, quinze novos bairros passaram a ser atendidos com a coleta seletiva. O aumento da coleta seletiva em bairros urbanos de Presidente Prudente só foi possível com a doação dos caminhões pela Diocese de Presidente Prudente e pelos Rotarys, aumentando em mais de 50% o número de bairros atendidos com a coleta seletiva. 54 Figura 2: Mapa da coleta seletiva no perímetro urbano de Presidente Prudente Fonte: Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Presidente Prudente-SP, 2007. Notamos, através da Figura 2, que a coleta é feita em 94 bairros e condomínios de Presidente Prudente, de segunda a sexta-feira das 07h30m às 17h30m, (Quadro 3), coletando aproximadamente 65 toneladas de resíduos sólidos por mês. No ano de 2007, a média mensal de produtos reciclados pela COOPERLIX foi de 58,5 toneladas, (Quadro 3 e o Gráfico 1). Quadro 3: Produção mensal de material reciclado pela Cooperlix. 01.07 02.07 03.07 04.07 05.07 06.07 07.07 08.07 09.07 10.07 11.07 56 t 55 t 54 t 62 t 61 t 64 t 58 t 65 t 67 t 70 t 71 t Fonte: Pesquisa de campo, abril de 2007. Gráfico 1: Produção Mensal de Material Reciclado pela Cooperlix, (toneladas). 0 10 20 30 40 50 60 70 80 01.07 02.07 03.07 04.07 05.07 06.07 07.07 08.07 09.07 10.07 11.07 Fonte: Trabalho de Campo, abril de 2007. Nesse sentido, vários bairros foram agregados na coleta seletiva, e naqueles em que já havia, foi intensificado um trabalho mais qualitativo, isto é procurar coletar mais resíduos na mesma viagem. Vários esforços, como conscientização nas ruas, nas emissoras de rádio, nas igrejas, foram intensificados a fim de internalizar na população a importância da coleta seletiva e o seu destino mais plausível. Sobre isso, Gonçalves (2006, p.73) aponta que: A implantação do programa de coleta seletiva sempre foi entendida como peça fundamental de estruturação da cooperativa dos catadores em Presidente Prudente, que pretendiam deixar a catação no lixão. A partir do momento em que se concretizou a organização do grupo de trabalhadores catadores, a implantação da coleta seletiva tornou-se fundamental, pois, sem a sua efetivação, não haveria outra forma de os trabalhadores cooperados obterem os resíduos recicláveis e garantia de renda. Portanto, para a efetivação da coleta seletiva foram necessários equipamentos que, conforme apontamos, foram adquiridos com verbas da FAPESP e veículos para a coleta nas ruas, os quais foram doados pela Igreja Católica, Rotarys e um veículo cedido pela PRUDENCO; sem esses equipamentos, dificilmente a coleta seletiva através da COOPERLIX seria concretizada, mesmo que parcialmente. 3.1 A COOPERLIX e sua trajetória histórica. A Cooperativa de Trabalhadores de Produtos Recicláveis de Presidente Prudente foi criada em fevereiro de 2003, posteriormente, denominada de “COOPERLIX”. Ela se iniciou com 38 cooperados, todavia, nos primeiros dias de funcionamento, ainda sem a sede atual, 19 pessoas desistiram de ser cooperados. Como apontamos, a Cooperativa surgiu através de iniciativa de um grupo de professores da Unesp que se mobilizou e conseguiu com que a Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, representada pelas Secretarias Municipais da Assistência Social, Meio Ambiente, Educação; Companhia Prudentina de Desenvolvimento (PRUDENCO); Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE) se integrassem em uma ação conjunta e elaboraram um Projeto de Políticas Públicas/FAPESP (Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) intitulado “Educação Ambiental e Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos em Presidente Prudente – São Paulo”. O Programa de Pesquisa em Políticas Públicas foi lançado pela FAPESP em agosto de 1998, tendo como finalidade financiar atividades de pesquisa que pudessem beneficiar a formulação e implementação de políticas públicas de significativa importância social e projetos de pesquisa desenvolvidos em parceria com organizações responsáveis pela implementação de políticas públicas, cujos resultados tenham impacto no Estado de São Paulo. O Programa reunia institutos de pesquisa, universidades e organismos do setor público estadual (secretarias estaduais e municipais, empresas estatais e prefeituras), do setor público federal e organismos do terceiro setor (fundações e organizações não governamentais). O pressuposto básico do programa evidenciava a formação de parceria que garantia a utilização dos resultados da pesquisa na implementação de políticas públicas, socialmente relevantes. A FAPESP financiou as atividades da pesquisa e, em contrapartida, as instituições parceiras participaram da elaboração, da execução e da implementação efetiva dos resultados. Os principais objetivos do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, segundo a FAPESP (2007), são: a- Apoiar pesquisas interdisciplinares; b- Identificar obstáculos e dificuldades enfrentados na área da ação social do poder público, estadual, municipal ou federal, de modo a permitir a formulação de políticas públicas que respondam às necessidades de desenvolvimento econômico, cultural e social; c- Produzir análises sobre formas de gestão e políticas públicas inovadoras, que subsidiem a formulação de políticas públicas criativas e viáveis; d- Elaborar metodologias padronizadas e acessíveis de avaliação de políticas públicas, inclusive mediante a transferência de tecnologias apropriadas; e- Sistematizar, disseminar, avaliar e fazer o balanço dos trabalhos acadêmicos que acumulam conhecimento nas áreas de atuação pertinentes às políticas públicas; f- Divulgar experiências passadas bem sucedidas e formar e capacitar agentes de programas de Organizações Não Governamentais. Em relação à COOPERLIX, o Projeto de Políticas Públicas da FAPESP colaborou no sentido de retirar catadores do lixão e organizá-los em forma de Cooperativa de trabalho, onde através dos recursos obtidos os cooperados puderam ter condições de exercerem seus trabalhos de forma cooperativista. Para tanto a FAPESP, através do Projeto de Políticas Públicas forneceu equipamentos, como prensa, esteira, geladeira, fogão e equipamentos de informática para pesquisa. Atualmente, a Cooperativa está instalada em um barracão, cedido pela Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, na Zona Leste de Presidente Prudente, na Rua Sebastião Salustiano, 466, no Parque Industrial I, longe do centro da cidade e próximo ao lixão da cidade. (Fig. 3). O barracão possui refeitório e vestiário, para melhor acomodação dos cooperados (foto 4). Projeto de Pesquisa em Políticas Públicas de Educação-Ambiental e Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos de Presidente Prudente, atendeu aos objetivos elencados pelo Programa de Políticas Públicas da FAPESP e com isso viabilizou o funcionamento da COOPERLX no fornecimento de equipamentos e treinamento de seus cooperados. 3.2 Identificação dos cooperados Quando foi fundada, a COOPERLIX era constituída por 38 cooperados e em abril de 2007 esse número chegou a 32 cooperados. Seus integrantes são ex-catadores do lixão, ou que viviam da catação de resíduos nas ruas da cidade. Após vários encontros, viram a necessidade de se organizarem a fim de obterem mais força ou poder de barganha, para negociarem seus produtos com sucateiros e indústrias do segmento de reciclagem de lixo, (Quadro 4). O quadro 4 revela que 43% do quadro de cooperados é do sexo feminino, sendo que os integrantes da diretoria, em sua maioria, são constituídos por mulheres. 43% dos cooperados encontram-se há mais de 3 anos como integrantes da COOPERLIX e 40% estão desde a fundação da Cooperativa. Desse número, um cooperado encontra-se afastado por motivo de doença. Este, por ser cooperado