Campus de Marília Andrea Oliveira Batista PROEDEO – Programa de estimulação para o desenvolvimento da escrita ortográfica para escolares do 1º ao 3º ano do ensino fundamental I: elaboração e estudo-piloto Marília 2024 Andrea Oliveira Batista PROEDEO – Programa de estimulação para o desenvolvimento da escrita ortográfica para escolares do 1º ao 3º ano do ensino fundamental I: elaboração e estudo-piloto Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Fonoaudiologia como parte das exigências para obtenção do título de Doutora em Fonoaudiologia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus Marília. Área de concentração: Distúrbios da Comunicação Humana. Linha de pesquisa: Prevenção, Avaliação e Terapia em Fonoaudiologia. Orientador (a): Profa. Dra. Simone Aparecida Capellini Marília 2024 B333p Batista, Andrea Oliveira PROEDEO - Programa de estimulação para o desenvolvimento da escrita ortográfica para escolares do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental I : elaboração e estudo-piloto / Andrea Oliveira Batista. -- Marília, 2024 159 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientadora: Simone Aparecida Capellini 1. Aprendizagem. 2. Educação. 3. Ensino. 4. Escrita. 5. Ortografia e silabação. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Impacto potencial desta pesquisa Esta pesquisa pode trazer alguns impactos potenciais para as áreas da Educação e da Saúde: primeiro, a elaboração do Programa de Estimulação para o Desenvolvimento da Escrita Ortográfica (PROEDEO) para escolares do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental I pode ser entendida como um elemento relevante uma vez que não se encontra na literatura nacional programas de estimulação específicos da escrita que abranjam os escolares do 1º ano. Segundo, o PROEDEO poderá trazer um impacto potencial no fazer acadêmico, auxiliando os profissionais da área da Educação, tanto professores alfabetizadores quanto fonoaudiólogos educacionais e psicopedagogos institucionais para uma condução inicial apropriada da relação ensino-aprendizagem da escrita, a partir de atividades estruturadas e sistematizadas com foco nos princípios alfabético, acrofônico e ortográfico, utilizando-se o programa como um incremento de recursos para a sala de aula e/ou sala de recursos, independentemente da metodologia de ensino adotada pela escola. Além do que já foi exposto acima, o PROEDEO poderá também impactar a atuação dos profissionais no contexto clínico, de forma individual, fonoaudiólogos e psicopedagogos poderão estimular a escrita de escolares de Ensino Fundamental I que apresentem dificuldades e/ou transtorno de aprendizagem da escrita. Qualquer que seja a modalidade de aplicação do PROEDEO, se coletiva ou individual, diversos impactos potenciais poderão ser observados no desenvolvimento educacional, cognitivo e emocional dos escolares. A melhoria na ortografia será certamente uma delas, uma vez que o estímulo dos padrões ortográficos corretos desde o início da alfabetização, poderá ajudar os escolares a internalizarem as regras ortográficas básicas, aumentando a precisão e acurácia da escrita. Como consequência, os escolares terão melhores recursos para expressar suas ideias de forma clara e correta, impactando a fluência na escrita e consequentemente a produção de textos escritos. O estímulo ao uso da letra manuscrita, minúscula e maiúscula, envolvendo habilidades de coordenação visomotora, percepção visual e coordenação motora fina, são apresentadas e reforçadas no PROEDEO com prática direcionada ao desenvolvimento da fluência escrita, impulsionando assim, o desenvolvimento geral das habilidades motoras e de organização viso-espaço da escrita dos escolares. Além disso, escrever regular e corretamente pode ajudar os escolares na expansão de seu vocabulário, na medida que procuram palavras adequadas para expressar suas ideias, contribuindo para um maior domínio lexical e enriquecimento da linguagem oral e escrita. Outro fator de impacto potencial importante é a íntima relação entre a escrita e a leitura. Dessa forma, estimular a escrita poderia despertar o interesse dos escolares por lerem mais, criando um ciclo de reforço positivo entre as duas habilidades. Para além dos impactos potenciais acadêmicos, o PROEDEO pode enfim, promover impactos positivos emocionais e sociais, considerando que uma aprendizagem da leitura e da escrita bem sucedida de início pode ser a base para progressivas aprendizagens, gerando nos escolares autoconfiança e mais segurança para todo seu desenvolvimento acadêmico futuro, rumo à sua formação integral. Potential impact of this research This research may bring some potential impacts to the areas of Education and Health: firstly, the development of the Program to Stimulate the Development of Orthographic Writing for students from the 1st to the 3rd year of Elementary School can be understood as a relevant element since there are no specific writing stimulation programs in the national literature that cover 1st year students. Secondly, the program may have a potential impact on academic work, helping professionals in the field of Education, including literacy teachers, educational speech therapists and institutional psychopedagogues, to provide an appropriate initial approach to the teaching-learning relationship of writing, based on structured and systematized activities focusing on alphabetic, acrophonic and orthographic principles, using the program as an increase in resources for the classroom and/or resource room, regardless of the teaching methodology adopted by the school. In addition to what has already been explained above, it may also impact the performance of professionals in the clinical context, individually, speech therapists and psychopedagogues may stimulate the writing of elementary school students who present difficulties and/or learning disorders in writing. Regardless of the method of application, whether collective or individual, several potential impacts can be observed in the educational, cognitive and emotional development of students. Improvement in spelling will certainly be one of them, since encouraging correct spelling patterns from the beginning of literacy can help students internalize basic spelling rules, increasing the precision and accuracy of writing. As a result, students will have better resources to express their ideas clearly and correctly, impacting their fluency in writing and consequently the production of written texts. The encouragement of the use of cursive letters, lowercase and uppercase, involving visual-motor coordination, visual perception and fine motor coordination skills, are presented and reinforced in the program with practice aimed at developing written fluency, thus boosting the general development of motor skills and visual- spatial organization of writing in schoolchildren. Furthermore, writing regularly and correctly can help students expand their vocabulary, as they look for appropriate words to express their ideas, contributing to greater lexical mastery and enrichment of oral and written language. Another important potential impact factor is the close relationship between writing and reading. Thus, encouraging writing could spark students' interest in reading more, creating a positive reinforcement cycle between the two skills. In addition to the potential academic impacts, the program can ultimately promote positive emotional and social impacts, considering that successful initial learning of reading and writing can be the basis for progressive learning, generating self-confidence and greater self-assurance in students for their future academic development, towards their comprehensive education. Andrea Oliveira Batista PROEDEO – Programa de estimulação para o desenvolvimento da escrita ortográfica para escolares do 1º ao e 3º ano do ensino fundamental I: elaboração e estudo-piloto Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Fonoaudiologia Área de concentração: Distúrbios da Comunicação Humana Linha de pesquisa: Prevenção, Avaliação e Terapia em Fonoaudiologia Banca Examinadora Profa. Dra. Simone Aparecida Capellini UNESP – Campus de Marília Orientadora Dra. Giseli Donadon Germano UNESP – Campus de Marília Profa. Dra. Andréia Osti UNESP – Campus de Rio Claro Dra. Adriana Marques de Oliveira UFSM – Santa Maria Marília, 26 de agosto de 2024 A todos os que realizam seus melhores esforços, cada um à sua maneira e possibilidade, para auxiliar os escolares em sua trajetória de aprendizagem acadêmica e de construção da sua cidadania. Agradecimentos À minha querida orientadora professora Dra. Simone Aparecida Capellini pela confiança depositada em mim para a realização deste estudo, pela disponibilidade para as supervisões, pelos muitos conselhos e pelas críticas exigentes nos momentos certos. Chegar tão longe só foi possível por suas altas expectativas em mim e seu constante incentivo. A relação orientadora-orientanda iniciou-se há muitos anos, quando eu ainda não tinha ideia do que era fazer pesquisa, só vontade! Então foram a paciência, a generosidade e todos os seus ensinamentos que me fizeram descobrir que sou muito mais capaz do que sempre imaginei. Meu agradecimento é eterno, pois suas qualidades como professora, pesquisadora, líder de grupo de pesquisa e, sobretudo, como ser humano são exemplos que quero seguir. Ao meu marido Paulo Eduardo, meu amor maior, amor da vida, meu companheiro de todas as horas, meu tudo. Seus estímulo, incentivo e auxílio sempre presentes, são fortalezas que me apoiam em todas as minhas ações, e não seria diferente nesses quatro anos. Sempre carinhoso e compreensivo, não faltaram momentos nessa jornada em que suas qualidades foram cruciais. Agradeço pela cumplicidade em mais esta etapa de nossas vidas. Aos meus pais Olavo (in memoriam) e Olga Maria, que me deram TUDO. Aos meus familiares, amados, meus irmãos Olavo e Luiz Fernando, minha cunhada Vanessa e minhas sobrinhas Vitória e Isadora; aos meus cunhados Beto e Analívia e meus sobrinhos Antônio e Francisco; ao meu filho postiço Bruno e minha nora Paulinha, à minha sogra Vera Lúcia (Veruska) e à minha mãe Olga Maria (Dona Olguinha), por suas existências completarem a minha. Ao meu Zeca, meu cãozinho, meu fiel companheiro de todo o tempo ao meu lado em meu escritório. Ao LIDA – Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem, representado pela Dra. Simone Aparecida Capellini, por mais esta oportunidade. Às amigas antigas, dessa jornada acadêmica no LIDA, mais que especiais e queridas, Adriana Marques de Oliveira, Verinha Cunha, Giseli Germano, Thaís Chiaramonte, Maíra Martins, Cláudia da Silva, Maria Nobre Sampaio e Graziele Kerges pela caminhada, pela ajuda pronta em todas as circunstâncias em que as solicitei, pelas trocas, pelas risadas, pelo afeto. E às amigas novas também, que trazem frescor e juventude ao laboratório. À amiga especial e querida Luciana Cidrim, pela afinidade de ideias, temas de pesquisa e de conduta de vida, que tanto me enriqueceram nos últimos anos. Aos eternos amigos do coração, Simone e Sidnei pela acolhida carinhosa e sem limites em sua casa de Bauru. Aos amigos-irmãos que a vida graciosamente me deu, Daniela e Gregório, Renata e Marcos, Silvia e Beto, Adriana e Sandro, Fernanda e Diego, pelos incontáveis momentos de alegrias, risadas, descontração e papos-cabeça, que alimentam a alma e deixam quentinho o coração. Às amigas queridas, Marcia Rossi, Maryse Fukuda e Raquel Facontti, pelo zelo e profissionalismo com que cuidaram da nossa clínica e de nossos pacientes, pois sem isto seria impossível minha ausência prolongada. À Secretaria de Educação do município de Londrina. Às diretoras, coordenadoras e professoras, por abrirem as portas das escolas e me apoiarem nos procedimentos da pesquisa. Aos escolares que tornaram a pesquisa possível. Desejo sucesso acadêmico e muitas alegrias em suas vidas. Aos membros da banca de qualificação e defesa. À Deus por me manter saudável e amparada nessa trajetória. “O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.” RESUMO INTRODUÇÃO: Estudos apontam que a instrução explícita sobre a correspondência fonema-grafema, necessária para a aprendizagem da escrita ortográfica, dentro de um sistema de escrita com base alfabética, pode não estar ocorrendo, tanto no ensino público quanto no particular, comprovado pelo elevado número de ocorrência de erros de ortografia natural; também há a verificação de que para ambos os ensinos, os escolares apresentam parco desempenho ortográfico, desde os anos iniciais de alfabetização, acarretando poucas chances aos anos mais adiantados de problematizar a escrita, pois a falta do ensino sistematizado não favorece a reflexão necessária sobre o uso das convenções ortográficas estabelecidas. O Brasil ainda carece de estudos com programas de estimulação e/ou intervenção com a escrita alfabética e a ortográfica. OBJETIVO: O objetivo dessa pesquisa foi elaborar e aplicar um programa de estimulação para o desenvolvimento da escrita ortográfica para escolares do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental I em um estudo-piloto. DELINEAMENTO METODOLÓGICO: Esta pesquisa foi dividida em duas fases. Na Fase 1 foi realizado um levantamento bibliográfico e a elaboração do programa de estimulação para o desenvolvimento da escrita ortográfica - PROEDEO. As atividades do programa foram construídas a partir de um banco de palavras preparado para essa pesquisa, atendendo aos princípios fonográficos e semiográficos da língua portuguesa do Brasil, com base na classificação das correspondências fonografêmicas. O PROEDEO foi composto por 33 atividades distribuídas em 27 encontros semanais, com aplicação coletiva para pequenos grupos de escolares. Na Fase 2 participaram 31 escolares com idades médias entre seis e nove anos, de duas escolas particulares e duas escolas públicas municipais da cidade de Londrina/PR, de ambos os sexos, divididos em três grupos e distribuídos em Grupo I (GI): composto por 11 escolares do 1º ano do ensino fundamental das escolas públicas e particulares, Grupo II (GII): composto por 11 escolares do 2º ano do ensino fundamental das escolas públicas e particulares, e por último, Grupo III (GIII): composto por 9 escolares do 3º ano do ensino fundamental das escolas públicas e particulares. Todos os escolares passaram pelos mesmos procedimentos de pré e pós-testagem com a aplicação das seguintes provas da Versão Coletiva do Pró-Ortografia – Protocolo de Avaliação da Ortografia para Escolares do Segundo ao Quinto Ano do Ensino Fundamental: Escrita das letras do alfabeto (ELA), Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), Ditado com figuras (DF) e Escrita temática induzida por figura (ETIF), com a finalidade de se obter informações acerca do nível de desenvolvimento da escrita e o desempenho ortográfico dos escolares. O PROEDEO foi aplicado em 27 encontros com duração de 60 minutos cada. A análise dos dados foi realizada por meio do Software Statistical Package for the Social Sciences (SPPS), versão 25.0, com a aplicação dos seguintes testes: Teste de Friedman, Testes dos Postos Sinalizados de Wilcoxon e Teste de Qui-quadrado para Proporções. RESULTADOS: Foi possível elaborar o programa de estimulação para o desenvolvimento da escrita ortográfica - PROEDEO na Fase 1 desta pesquisa, a partir da literatura consultada e do aporte teórico estudado. O estudo-piloto realizado na Fase 2 mostrou que o programa elaborado na Fase 1 é de fácil aplicação e manuseio, além de ter evidenciado o melhor desempenho dos escolares em situação de pós-testagem quando comparado a pré-testagem com diminuição de erros ortográficos, aumento de palavras produzidas e evolução nos Níveis de escrita. CONCLUSÃO: O programa - PROEDEO demonstrou ser eficaz pois gerou impactos positivos, com melhora das habilidades de correspondência fonema-grafema, conhecimento do alfabeto e traçado das letras, memória operacional fonológica e ortográfica, soletração e memória lexical ortográfica. Palavras-Chave: Aprendizagem. Educação. Ensino. Escrita Manual. ABSTRACT INTRODUCTION: Studies indicate that explicit instruction on phoneme-grapheme correspondence, necessary for learning orthographic writing, within an alphabetically based writing system, may not be occurring, either in public or private education, as demonstrated by the high number of occurrences of natural orthographic errors; it is also verifiable that for both types of teaching, students present poor orthographic performance, from the initial years of literacy, leading to fewer chances in the more advanced years to problematize writing, as the lack of systematized teaching does not favor the necessary reflection on the use of established orthographic conventions. Brazil still lacks studies with stimulation and/or intervention programs for alphabetic and orthographic writing. OBJECTIVE: The objective of this research was to develop and apply a stimulation program for the development of orthographic writing for students from the 1st to the 3rd year of Elementary School in a pilot study. METHODOLOGICAL OUTLINE: This research was divided into two phases. In Phase 1, a bibliographical survey was carried out and a program to stimulate the development of orthographic writing for schoolchildren from the 1st to the 3rd year of elementary school was developed. The program's activities were constructed from a word bank prepared for this research, in accordance with the phonographic and semiographic principles of the Brazilian Portuguese language, based on the classification of phonographemic correspondences. It consisted of 33 activities distributed across 27 weekly meetings, with collective application for small groups of schoolchildren. In Phase 2, 31 schoolchildren with an average age between six and nine years old participated, from two private schools and two public municipal schools in the city of Londrina/PR, of both sexes, divided into three groups and distributed in Group I (GI): composed of 11 students in the 1st year of elementary school from public and private schools, Group II (GII): composed of 11 students in the 2nd year of elementary school from public and private schools, and lastly, Group III (GIII): composed of 9 students in the 3rd year of elementary school from public and private schools. All students underwent the same pre- and post-testing procedures with the application of the following tests from the Collective Version of Pró-Ortografia – Spelling Assessment Protocol for Second to Fifth Grade Elementary School Students: Writing of the Letters of the Alphabet, Randomized Dictation of the Letters of the Alphabet, Dictation with Figures and Thematic Writing Induced by Figures, in order to obtain information about the level of writing development and the orthographic performance of students. The program was applied in 27 meetings lasting 60 minutes each. Data analysis was performed using the Statistical Package for the Social Sciences (SPPS) Software, version 25.0, with the application of the following tests: Friedman Test, Wilcoxon Signed-Rank Tests and Chi-square Test for Proportions. RESULTS: It was possible to develop the program to stimulate the development of orthographic writing for schoolchildren from the 1st to the 3rd year of elementary school in Phase 1 of this research, based on the literature consulted and the theoretical contribution studied. The pilot study carried out in Phase 2 showed that the program developed in Phase 1 is easy to apply and handle, in addition to having shown better performance of students in a post-testing situation when compared to pre-testing, with a reduction in orthographic errors, an increase in words produced and progress in writing levels. CONCLUSION: The program proved to be effective as it generated positive impacts, with improvements in phoneme-grapheme correspondence skills, knowledge of the alphabet and letter tracing, phonological and orthographic operational memory, spelling and orthographic lexical memory. Keywords: Learning. Education. Teaching. Handwriting. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Modelo de ciclo de alfabetização e letramento................................. 37 Figura 2 Processamento lexical e competências fonológicas e ortográficas... 42 Figura 3 Representação esquemática da arquitetura cognitiva funcional do sistema de produção escrita pela via sublexical................................ 48 Figura 4 Representação esquemática da arquitetura cognitiva funcional do sistema de produção escrita pela via lexical..................................... 49 Figura 5 Ilustração da capa do livro da Atividade 1......................................... 76 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Classificação dos níveis de escrita................................................... 32 Quadro 2 Classificação semiológica dos erros ortográficos............................ 54 Quadro 3 Pesquisas sobre intervenção/ensino para a ortografia..................... 60 Quadro 4 Estrutura do PROEDEO.................................................................... 73 Quadro 5 Atividades do PROEDEO por encontro............................................. 88 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Distribuição do percentual de escolares de acordo com a rede de ensino em cada grupo....................................................................... 83 Gráfico 2 Distribuição das provas ortográficas das Tabelas 1, 2 e 3 de acordo com o desempenho dos escolares do GI, GII e GIII..................................................................................................... 95 Gráfico 3 Distribuição da proporção de uso dos quatro formatos de letras dos escolares do GI, GII e GIII.......................................................... 105 Gráfico 4 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GII em cada nível de escrita em pré e pós-testagem..................................................... 112 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Distribuição da média, desvio-padrão e valor de p do desempenho dos escolares do GI nas provas do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem............................................................................ 93 Tabela 2 Distribuição da média, desvio-padrão e valor de p do desempenho dos escolares do GII nas provas do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem............................................................................ 93 Tabela 3 Distribuição da média, desvio-padrão e valor de p do desempenho dos escolares do GIII nas provas do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem............................................................................ 94 Tabela 4 Distribuição da média, desvio-padrão e valor de p da quantidade de erros cometidos pelos escolares do GII na prova de Ditado com figuras (DF) em situação de pré e pós-testagem.............................. 97 Tabela 5 Distribuição da média, desvio-padrão e valor de p da quantidade de erros cometidos pelos escolares do GIII na prova de Ditado com figuras (DF) em situação de pré e pós-testagem....................... 98 Tabela 6 Distribuição da média, desvio-padrão e valor de p da quantidade de erros cometidos pelos escolares GII na prova de Escrita temática induzida por figura (ETIF) em situação de pré e pós- testagem............................................................................................ 99 Tabela 7 Distribuição da média, desvio-padrão e valor de p da quantidade de erros cometidos pelos escolares GIII na prova de Escrita temática induzida por figura (ETIF) em situação de pré e pós- testagem............................................................................................ 100 Tabela 8 Distribuição da média, desvio-padrão e valor de p do número de palavras produzidas pelos escolares do GI, GII e GIII na prova de Escrita temática induzida por figura (ETIF) em situação de pré e pós-testagem..................................................................................... 101 Tabela 9 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII que utilizaram a letra no formato IMA e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós- testagem............................................................................................ 109 Tabela 10 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII que utilizaram a letra no formato IMI e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós- testagem............................................................................................ 103 Tabela 11 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII que utilizaram a letra no formato CMA e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós- testagem............................................................................................ 103 Tabela 12 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII que utilizaram a letra no formato CMI e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós- testagem............................................................................................ 104 Tabela 13 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII presentes no Nível 1 de escrita e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem........................... 106 Tabela 14 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII presentes no Nível 2 de escrita e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem........................... 107 Tabela 15 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII presentes no Nível 3 de escrita e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem........................... 108 Tabela 16 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII presentes no Nível 4 de escrita e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem........................... 108 Tabela 17 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII presentes no Nível 5 de escrita e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem........................... 109 Tabela 18 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII presentes no Nível 6 de escrita e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem........................... 110 Tabela 19 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII presentes no Nível 7 de escrita e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem........................... 110 Tabela 20 Distribuição do número de escolares do GI, GII e GIII presentes no Nível 8 de escrita e o valor de p referente a proporção dos escolares, nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF) do Pró-Ortografia em situação de pré e pós-testagem........................... 111 LISTA DE ABREVIATURAS AOS Alteração na ordem dos segmentos APIA Ausência ou presença inadequada da acentuação (acento agudo, acento circunflexo) C Consoante CAE Caderno de atividades do escolar CF_GDR Correspondência fonema-grafema dependente de regras (do contexto ou da morfossintaxe) CF_GIR Correspondência fonema-grafema independente de regras CF_GU Correspondência fonema-grafema unívoca / falhas de imageamento CMA Letra formato cursiva maiúscula CMI Letra formato cursiva minúscula CPFDR Correspondência a partir do princípio fonográfico dependente de regras CPFI Correspondência a partir do princípio fonográfico irregular CPFR Correspondência a partir do princípio fonográfico regular CPS Correspondência a partir do princípio semiográfico CV Consoante vogal CVC Consoante vogal consoante DF Ditado com figuras DRLA Ditado randomizado das letras do alfabeto ELA Escrita das letras do alfabeto ETIF Escrita temática induzida por figura IMA Letra formato imprensa maiúscula IMI Letra formato imprensa minúscula LP Língua Portuguesa N1_RDG Nível 1 rabiscos, desenhos, garatujas N2_EL Nível 2 escrita com letras N3_ESSVS Nível 3 escrita silábica sem valor sonoro N4_ESCVS Nível 4 escrita silábica com valor sonoro N5_ESA Nível 5 escrita silábica-alfabética N6_EA Nível 6 escrita alfabética N7_EAO Nível 7 escrita alfabética-ortográfica N8_EO Nível 8 escrita ortográfica NPP Número de palavras produzidas O Obtido AO Outros achados (letras com problemas de traçado/rasura/ilegibilidade; escrita de outra palavra; escrita de palavra inventada; escrita de números ou desenhos) OAS Omissão e adição de segmentos SJIP Separação ou junção indevida de palavras SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................27 2 REVISÃO DE LITERATURA..................................................................................30 2.1 Caracterização dos níveis de escrita................................................................30 2.2 Processamento ortográfico...............................................................................39 2.3 Ensinar e aprender a ortografia: a questão do erro ortográfico....................52 3 OBJETIVO..............................................................................................................57 4 DELINEAMENTO METODOLÓGICO......................................................................58 4.1 FASE 1 – Elaboração do PROEDEO – Programa de Estimulação para o Desenvolvimento da Escrita Ortográfica................................................................58 4.1.1 Objetivo...............................................................................................................58 4.1.2 Material e método...............................................................................................58 4.1.2.1 Levantamento bibliográfico em intervenção da linguagem escrita com ênfase na ortografia...............................................................................................................58 4.1.2.2 Critérios para a seleção dos estímulos linguísticos........................................68 4.1.2.3 Elaboração das atividades do PROEDEO – Programa de Estimulação para o Desenvolvimento da Escrita Ortográfica....................................................................71 4.2. FASE 2 – Desenvolvimento do estudo-piloto..................................................81 4.2.1 Objetivo...............................................................................................................81 4.2.2 Participantes.......................................................................................................81 4.2.2.1 Critérios para a seleção dos participantes.....................................................83 4.2.3 Procedimentos metodológicos..........................................................................83 4.2.3.1 Etapas do estudo-piloto...................................................................................84 4.2.3.1.1 Aplicação da pré e pós-testagem.................................................................85 4.2.3.1.2 Aplicação do PROEDEO – Programa de Estimulação para o Desenvolvimento da Escrita Ortográfica.....................................................................87 5 RESULTADOS........................................................................................................90 5.1 Resultados da FASE 1.......................................................................................90 5.2 Resultados da FASE 2.......................................................................................90 5.2.1 Descrição dos resultados obtidos em pré e pós-testagem pelos escolares nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA) e de Ditado com figuras (DF)...........................................................92 5.2.2 Descrição dos resultados em pré e pós-testagem a partir da quantidade de erros cometidos pelos escolares baseados na semiologia do erro ortográfico nas provas de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figura (ETIF).........................................................................................................................96 5.2.3 Descrição dos resultados em pré e pós-testagem a partir do número de palavras produzidas pelos escolares na prova de Escrita temática induzida por figuras (ETIF)............................................................................................................101 5.2.4 Descrição dos resultados em pré e pós-testagem a partir da quantidade de vezes que os diferentes tipos de letras, imprensa maiúscula (IMA), imprensa minúscula (IMI), cursiva maiúscula (CMA) e cursiva minúscula (CMI) foram utilizadas pelos escolares nas provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figuras (ETIF)........................................................................102 5.2.5 Descrição dos resultados em pré e pós-testagem a partir da quantidade de escolares presentes em cada nível de escrita, com a observação das provas de Escrita das letras do alfabeto (ELA), de Ditado randomizado das letras do alfabeto (DRLA), de Ditado com figuras (DF) e de Escrita temática induzida por figuras (ETIF).......................................................................................................................106 6 DISCUSSÃO.........................................................................................................114 7 CONCLUSÃO.......................................................................................................119 REFERÊNCIAS........................................................................................................120 APÊNDICES.............................................................................................................139 ANEXOS..................................................................................................................156 APRESENTAÇÃO Minha história com a leitura e a escrita iniciou-se quando ainda menina, brincava de escolinha com irmãos e primos e, claro sempre fui a professora. Esse anseio por ser alfabetizadora começou a se concretizar quando em 1985, entrei para cursar o Magistério. Contudo, no meio do curso, conheci a Fonoaudiologia através de uma revista sobre profissões. A identificação foi imediata! Estava resolvido... Seria fonoaudióloga. No ano de 1988 entrei para a primeira turma de fonoaudiologia da Unopar e em 1990 transferi minha faculdade para a Universidade do Sagrado Coração em Bauru. Lá estudei por dois anos, os quais foram os melhores em termos de formação na graduação. Retornei para Londrina e conclui o curso de fonoaudiologia em dezembro de 1992. Minhas áreas de atuação clínica sempre estiveram atreladas aos problemas de fala, linguagem, leitura e escrita. Assim, meus cursos e interesses, reiteradamente, se voltavam para essa direção. A vontade de fazer pesquisa surgiu por volta dos anos 2000 e gerava-me uma constante inquietação. Conheci a professora Simone quando uma amiga, coordenadora do Marista, levou-me para ver uma aula dela na disciplina do doutorado que cursava na Unesp de Marília, em 2006 ou 2007. Dessa data em diante, fui aluna ouvinte, aluna especial e regular do Mestrado em Educação e agora doutoranda em Fonoaudiologia; sempre sob a orientação da doutora Simone Capellini. Tenho grande apreço pela profissão e minha área de interesse, os transtornos de aprendizagem, me oportunizaram o atendimento à diversas idades, da Educação Infantil ao Ensino Superior, durante esses mais de 30 anos de prática profissional e, é inegável a contribuição da pesquisa em minha prática clínica fonoaudiológica. A escrita e mais precisamente a escrita ortográfica, é meu grande motor para os meus estudos fazendo com que as evidências observadas na pesquisa sejam aplicadas na minha atuação clínica. Agradeço minha orientadora por ter aceitado e abraçado comigo esta paixão. 27 1 INTRODUÇÃO Há décadas, há a constante preocupação com a qualidade de ensino em nosso país. Apesar das discussões políticas, pedagógicas e porque não dizer, as discussões de profissionais da área da saúde que se ocupam em pesquisar e compreender os mecanismos de aprendizagem típica e o impacto dos transtornos de aprendizagem da leitura e escrita, o sistema educacional do Brasil tem se deparado com o grande desafio de solucionar os problemas de aprendizagem que afetam todos os níveis de ensino, sobretudo o Ensino Fundamental I, por ser esse, o nível responsável pelo ensino básico da leitura, da escrita e da matemática. Os esforços para mitigar essa situação parecem ser inócuos, uma vez que a avaliação do PISA (Brasil, 2019) realizada em 2018 demonstrou que os estudantes brasileiros apresentaram baixa proficiência em leitura e matemática, as áreas básicas avaliadas, quando comparados com outros estudantes dos 78 países participantes da avaliação. Os desempenhos insatisfatórios dos escolares brasileiros nos últimos anos puderam ser verificados também nos resultados da avaliação do Saeb (Brasil, 2021), que compreende o principal termômetro da educação brasileira, revelando que os estudantes do 5º ano obtiveram uma média em seu desempenho em Língua Portuguesa de 215 pontos em 2019 e 201 pontos em 2021. No 9º ano, em 2019 a média foi de 260 pontos e em 2021 foi de 254,88 pontos. Houve, portanto, no período pós pandemia da COVID-19 decréscimo das notas. Entretanto, os resultados da avaliação do PISA (Brasil, 2019) indicaram que os índices estão estagnados desde o ano de 2009, confirmando que os problemas enfrentados com a qualidade do ensino e aprendizagem são bem anteriores ao acontecimento da pandemia de COVID-19. Esses dados são muito inquietantes, pois se os escolares não conseguem abstrair informações importantes das disciplinas básicas, como irão construir e consolidar novos conhecimentos e aprendizagens necessárias para seu desenvolvimento acadêmico? Essas apreensões se justificam, porquanto esses desempenhos irão repercutir no acesso ao conhecimento dos demais campos, na evolução da escolaridade e na inserção social e laboral futura desses escolares. 28 No que tange especialmente ao ensino e à aprendizagem da ortografia, o desassossego é grande. Para muitos professores a ortografia não é tema preferido, além de ocupar um lugar controvertido no debate pedagógico, há muito, percebe-se que a valorização do texto parece proibir qualquer ensino da escrita em outros níveis linguísticos, como o fonema, o morfema e mesmo a palavra. Consequentemente, essa postura gera muitas dúvidas em como ensinar e até em como corrigir a ortografia. As atenções do ensino apontam para um enfoque maior nos eixos da leitura e da produção textual, em detrimento do trabalho com a ortografia. A impressão que se tem, na realidade, é uma disposição da educação em postergar o trabalho com qualquer objeto de conhecimento de natureza mais normativa. Por estas razões, é preciso ensinar e corrigir a ortografia de forma deliberada e consciente para que a não, ou a pouca, familiaridade com a norma ortográfica torne o escolar de hoje, um adulto usuário da língua, vítima de estigma e de preconceito linguístico-social. Falar sobre o desenvolvimento da escrita ortográfica é necessariamente, reconhecer como a ortografia é ensinada em nosso país. É falar do processo de alfabetização, em que não há um método único, não há uma sistematização na implantação e aplicabilidade do método escolhido pelas escolas e, por último, não há, normalmente, a formação de professores do Ensino Fundamental I na direção das práticas em educação baseadas em evidência. Logo, as práticas de ensino ineficazes, associadas à falta de uma clareza por parte dos educadores a respeito do desenvolvimento e desempenho ortográfico de seus alunos, podem fazer com que a situação abordada acima se perpetue em nossa educação. A literatura nacional contempla um certo número de estudos que abordam programas de estimulação ou intervenção com habilidades metafonológicas e associação grafema-fonema, e até conhecimento do alfabeto, todavia a temática envolvendo a escrita ortográfica é escassa, evidenciando a necessidade de pesquisas dentro desse mote. A premissa desta pesquisa é a de que escolar algum escreve errado porque quer, e um programa de estimulação com atividades estruturadas com base no tipo de processamento bottom-up, com estratégias instrucionais de correspondência fonema-grafema, memória operacional fonológica, memória operacional viso- 29 construtiva, memória visual, soletração, formação de memória lexical ortográfica e mapa sensório-motor ortográfico, possa contribuir para a aprendizagem e desenvolvimento da escrita ortográfica dos escolares de 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental I. Partindo do fato de que há uma escassez de instrumentos de estimulação para o desenvolvimento da escrita ortográfica de escolares nos três primeiros anos de alfabetização, surge a necessidade de elaborar um programa de estimulação pautado na hipótese primeira de que os escolares se beneficiarão de um material sistematizado para o desenvolvimento da escrita ortográfica. A partir do exposto acima, esse estudo será apresentado em sete capítulos, sendo o primeiro capítulo referente à presente introdução, o segundo capítulo à revisão da literatura com a descrição dos estudos que fundamentaram a realização da pesquisa e, em seguida, a apresentação dos objetivos desta pesquisa no terceiro capítulo. Já o quarto capítulo refere-se a exposição do desenho metodológico e delineamento da pesquisa, dividida em duas fases, detalhando os procedimentos metodológicos para a elaboração do programa, os materiais e a descrição da realização do estudo-piloto. O quinto capítulo é alusivo a apresentação dos resultados. O sexto capítulo, referente a discussão dos achados e o sétimo capítulo é destinado à conclusão da tese. 30 2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Caracterização dos níveis de escrita As teorias de aquisição e processamento da escrita estão relacionadas fortemente às da leitura, pois são processos interdependentes. Mochizuki e Lucio (2021), a partir da teoria do desenvolvimento da pesquisadora Uta Frith, colocam que pode haver descompassos entre a leitura e a escrita, sendo que em alguns pontos da apropriação dessas habilidades, a leitura mostra-se mais aprimorada e favorece o desenvolvimento da escrita, enquanto em outras fases ocorre o contrário. A hipótese da discrepância entre as habilidades de ler e escrever, no processo inicial de aprendizagem da língua escrita, sugere que há a possibilidades de a criança escrever uma palavra que não consegue ler, pois a escrita se apoia no alfabeto e é mais fácil escrever do que ler no primeiro momento dessa aprendizagem (Bryant; Bradley, 1980), contudo, após a descoberta do princípio alfabético, a leitura se torna mais fácil que a escrita (Bradley; Bryant, 1983; ). Assim, ao aprender a ler a criança aprende a associar uma forma ortográfica à sua forma fonológica, mediante a utilização do sistema gerativo de memória para converter ortografia em fonologia, possibilitando a leitura de qualquer palavra regular que envolva a correspondência grafofonêmica (Vukovic; Siegel, 2006; Capellini et al., 2007; Silva; Fusco; Cunha, 2010; Scliar-Cabral, 2022). Soares (2020) corrobora essas afirmações, dizendo que existe interação com influência recíproca entre a consciência fonêmica e a aprendizagem do sistema de escrita alfabética, no momento em que a representação dos fonemas por letras, torna visível a palavra sonora / audível e então, suscita a sensibilidade fonêmica. Essa, no que lhe concerne, leva à compreensão das relações entre letras e fonemas, conduzindo para à consciência grafofonêmica. A consciência grafofonêmica é a capacidade de perceber auditivamente todos os fonemas de uma palavra e não, necessariamente, saber pronunciá-los, uma vez que são, segundo Scliar-Cabral (2022), impronunciáveis isoladamente, para então correlacionar esses fonemas aos respectivos grafemas. 31 Algumas teorias de aquisição ou aprendizagem se direcionam mais para o desenvolvimento da leitura (Gough; Larson; Yopp, 1995), outras se direcionam para o desenvolvimento combinado da leitura e da escrita (Coltheart et al., 1983; Frith, 1985; Ellis; Young, 1988; Seymour, 1990; Seymour; Aro; Erskine, 2003; Ellis, 1995), e há ainda as teorias que se direcionam preponderantemente para a escrita (Gentry, 1982; Ferreiro, 1987; Pontecorvo; Zucchermaglio, 1988; Ferreiro; Teberoski, 1999; Fijalcow; Liva, 1997). Esta pesquisa não verificou o desenvolvimento da leitura em pré-testagem e pós-testagem, por esta razão foi escolhida uma classificação dos níveis de desenvolvimento da escrita predominantemente ancorada na Conceitualização da Escrita descrita por Magda Soares (2020), realizada a partir de observações ecológicas dentro das salas de aula em situações reais de ensino-aprendizagem, nas atividades de alfabetização, para investigar as estratégias cognitivas e linguísticas usadas pelas crianças ao longo de suas construções do conceito da natureza da língua escrita. De forma menos influente, mas presente, os resultados descritos na teoria da psicogênese da escrita de Ferreiro e Teberoski (1999) e no trabalho de Branco (1989), forneceu-nos recursos adicionais para a compreensão da proposta de Conceitualização da Escrita. Diferentemente de Soares (2020), Ferreiro e seu grupo de pesquisa (1999), realizou seus estudos em interações individuais ou com pequenos grupos de crianças, utilizando o método clínico de observação piagetiano, com o objetivo de verificar como se dava a progressiva compreensão da escrita como um sistema de representação pelas crianças, que pudessem ulteriormente orientar as ações pedagógicas. Ainda assim, outros estudos críticos sobre a teoria da psicogênese (Pollo; Treiman; Kessler, 2015; Andrade; Andrade; Prado, 2017) também colaboraram com a nossa elaboração dos níveis da escrita, desde os mais primitivos e básicos até o nível da escrita ortográfica. Desta maneira, usamos uma categorização em oito níveis de desenvolvimento da escrita pelos quais os escolares passam em sua trajetória escolar. Reconhecemos que os níveis de desenvolvimento da escrita, estão atrelados ao desenvolvimento da leitura e, por esse motivo nas manifestações escritas das crianças não raramente ocorrerem justaposições de níveis de escrita, como se fossem níveis intermediários entre eles. Apesar disso, mantivemos a 32 classificação de forma rígida, sem a qual seria impossível a categorização dos dados obtidos no estudo-piloto. As idades indicadas em cada descrição de nível, fazem referência aos exemplos das escritas das crianças apresentadas por Soares (2020) em seu livro. O Quadro 1, baseado principalmente na Conceitualização da Escrita (Soares, 2020) mostra de forma sintetizada a classificação dos níveis de escrita modificada e utilizada nesta pesquisa. Quadro 1 – Classificação dos Níveis de Escrita, adaptação a partir de Soares (2020) SIGLA NOME N1_RDG Nível 1 Rabiscos, desenhos, garatujas N2_EL Nível 2 Escrita com letras N3_ESSVS Nível 3 Escrita silábica sem valor sonoro N4_ESCVS Nível 4 Escrita silábica com valor sonoro N5_ESA Nível 5 Escrita silábica-alfabética N6_EA Nível 6 Escrita alfabética N7_EAO Nível 7 Escrita alfabética-ortográfica N8_EO Nível 8 Escrita ortográfica Fonte: Elaborado pela autora No Nível 1 (N1_RDG), que acontece por volta dos quatro anos de idade, as crianças não têm a menor suposição de que escrever é representar os sons da fala. Representam o objeto real com desenhos, através da chamada escrita icônica, pois desenham acreditando que estão escrevendo. Para ‘inventar a escrita’ precisam de pseudoletras e rabiscos (escrita não-icônica). Dependendo das experiências e vivências, as crianças podem tentar, com rabiscos, imitar a letra cursiva, como fazem os adultos de seu convívio, sem ou com semelhança com traços retos e curvos das letras, sem ou com a linearidade da escrita, mas não usam as letras, pois definitivamente, não percebem a estabilidade das palavras e a necessidade de usá- las para a escrita. Há o surgimento da Hipótese do Nome, que se refere a presunção de que as formas globais das palavras são representações estáveis para o nome das coisas. As crianças não associam as letras como representantes de sons constituintes de 33 uma palavra, apenas memorizam rótulos de embalagens, logomarcas, que dão a impressão de que estão lendo. Quando as crianças atingem o Nível 2 (N2_EL), não diferenciam claramente letras, números e símbolos, mas em torno dos quatro anos e meio já sabem que não se usa o desenho do objeto real que deve ser representado, estabelecendo a diferenciação entre o desenho, escrita icônica, e a escrita com letras, representação não-icônica. A hipótese das crianças é a de que escrever significa produzir sinais gráficos, sem relação alguma com o nome da figura que pretendem escrever, dando um rótulo a uma imagem. Inicialmente, apresentam uma escrita com letras sem controle de quantidade ou ordem, ou usam uma letra aleatória por palavra, ou ainda podem encher uma linha ou página inteira com letras, ou seja, reconhecem o papel das letras para escrever. Desponta a Hipótese do Realismo Nominal, que traz a suposição de que a palavra que designa um ser, coisa ou objeto é proporcional ao seu tamanho, remetendo ao significado e não ao significante. Para isso, as crianças fazem a grafia da palavra como uma representação fiel das características dos objetos que a representa. Caso seja algo grande como um trem, usam muitas letras para escrever a palavra , e ao contrário poucas letras para escrever a palavra . Podem para a leitura, usar a lógica do realismo nominal antes mesmo dos quatro anos de idade, como por exemplo confundir, dentro da sala de aula, as fichas com os nomes e ; a criança de nome Yuri por ser maior que seu colega, queria a ficha com o nome Wellington. Normalmente utilizam sempre as mesmas letras, geralmente as do seu próprio nome, de forma linear (escritas fixas). Após perceberem que a escrita não é feita de desenho, mas sim de letras, as crianças começam a utilizar duas hipóteses para diferenciar o registro das palavras, a Hipótese da Quantidade Mínima e a Hipótese da Variação. Com o uso da primeira hipótese elas acreditam que um texto precisa ter algumas letras, normalmente entre três e quatro letras, e concluem que para a escrita de uma palavra as letras devem ser diferentes umas das outras, usando a segunda hipótese. Porém a variação das letras se dá dentro da palavra e não entre as palavras, pelo repertório, comumente pequeno de letras que as crianças do Nível 2 (N2_EL) têm. Via de regra as crianças utilizam para a escrita, letras com traçado inseguro, mal desenhadas e sem espaçamento adequado, com variação no tamanho delas, podendo ocupar a largura toda da linha ou da página. Poucas crianças podem 34 apresentar um traçado mais claro e um espaçamento entre uma letra e outra. A aproximação ao conceito de palavra pode ser percebida quando elas colocam na produção textual, os espaços entre os grupos de palavras e mantém a linearidade da escrita, e algumas podem até usar o ponto final. Segundo Soares (2020), ao final desse nível, evidencia-se a apropriação de dois atributos fundamentais da natureza do Princípio Alfabético da escrita. As crianças passam a entender que a escrita é arbitrária e se faz com a junção das letras e não com desenhos, caracterizando o primeiro atributo. O segundo atributo decorre do primeiro, para escreverem imitam a escrita dos adultos com letras malformadas e repertório mínimo de caracteres, sem valor sonoro. Justamente por isso, o Nível 2 (N2_EL) pode ser facilmente confundido com o Nível 3 (N3_ESSVS) pelos adultos leitores, quando as crianças enchem uma linha ou algumas linhas com letras na produção textual, mas a dúvida pode ser resolvida com a verificação da escrita de palavras isoladas. Então, as crianças percebem a lógica da escrita no Nível 3 (N3_ESSVS), intuindo que as palavras são constituídas por segmentos sonoros, portanto, serão esses segmentos os representados pelas letras. O Nível 3 (N3_ESSVS) pode ser considerado como a primeira tentativa das crianças de representarem na escrita os sons da fala, sem uma consciência explícita desse fato. Como ainda não possuem a capacidade de fonetização, ou seja, não percebem os fonemas das palavras, as crianças escolhem qualquer letra para representar uma emissão oral, geralmente correspondendo a uma sílaba, pois o segmento silábico é marcado em nossa língua. Apesar de a escrita não apresentar o valor convencional, apresenta o aspecto quantitativo. A criança pode escrever a palavra como , fazendo a correspondência entre uma emissão oral e um sinal gráfico. Entretanto, nas palavras monossilábicas, sem ou com valor sonoro, as crianças parecem considerar que somente uma letra é insuficiente, surgindo assim a Hipótese da Quantidade Mínima e então acrescentam mais uma ou duas letras para escrever a palavra monossílaba. Eventualmente, podem ser capazes de justificar/escrever a letra inicial de uma palavra numa escrita. Aproximadamente aos cinco anos de idade, as crianças entram no Nível 4 (N4_ESCVS) e há o fortalecimento da Hipótese da Sílaba, iniciada no Nível 3 (N3_ESSVS). Nesse momento, a letra representa a sílaba, e as crianças escrevem 35 utilizando uma letra para cada sílaba, elegendo àquela correspondente ao som que mais se destaca na pronúncia da sílaba, geralmente o som da vogal. Por ser esse o nível da escrita silábica com o valor sonoro, as crianças irão buscar a diferenciação qualitativa e quantitativa, recorrendo aos dois critérios de fonetização para a escolha da letra, o Critério Fonológico e o Critério Nome da Letra, dependendo da criança escritora. Sendo assim, pode-se observar como exemplos de escrita silábica com valor sonoro, as palavras , e , escritas somente com vogais , e , ou a escrita com vogais e consoantes que coincidam o seu nome e som (Princípio Acrofônico) , e . Uma observação oportuna é a de que ainda no Nível 4 (N4_ESCVS), muitas crianças até chegam a escrever pequenos textos, todavia o que difere os níveis de escrita 3 (N3_ESSVS) e 4 (N4_ESCVS) dos demais níveis subsequentes, é o fato de que elas não conseguem ler o que escrevem sem o apoio da figura. Diante de suas escritas são capazes somente de dizer o nome das letras que usaram, mas não pronunciam as sílabas formadas por elas. Com cerca de cinco anos e oito meses, pode ocorrer o início de transição para o Nível 5 (N5_ESA), quando algumas crianças começam a acrescentar na sílaba o fonema vocálico e o fonema consonantal, escrevendo para a palavra e para a palavra . Na etapa do Nível é o 5 (N5_ESA), a essa altura do desenvolvimento, a escrita das crianças se alterna entre os Níveis 4 (N4_ESCVS) e 6 (N6_EA). A progressiva compreensão da escrita como representação dos sons da fala leva-as, em torno dos seis anos de idade, a perceberem a presença de mais de um fonema nas sílabas e consequentemente, começam a praticar o uso de possíveis correspondências unívocas entre fonemas e grafemas, para representar essas unidades sonoras menores. No Nível 5 (N5_ESA) as crianças já têm certeza de que a escrita representa os sons da fala, no entanto ocorrem progressos e retrocessos em suas escritas, o que demonstra clara instabilidade e tentativa de reorganização na passagem para o Nível 6 (N6_EA), acontecendo de as crianças acrescentarem mais de um grafema para a sílaba já discriminada fonemicamente. Com essa percepção, dos fonemas intrassilábicos, há um avanço quantitativo e qualitativo, porém é esperado a omissão de grafemas dentro da sílaba, ou da sílaba dentro da palavra. Para as palavras e as seguintes 36 representações podem ser observadas: , , e . Muitas crianças reconhecem que há nas sílabas sons que não foram registrados por elas, mas dizem que não sabem ainda como representá-los. Também podem ocorrer confusões gráficas como para ou para . O nível 6 (N6_EA) inaugura a aprendizagem da invenção da escrita alfabética. Os escolares descobrem o Princípio Alfabético, em que a representação dos fonemas se dá pelas letras do alfabeto, e exclusivamente por elas. Isso quer dizer que um conjunto finito de fonemas é representado por um conjunto também finito de sinais gráficos, muito embora ainda não possam ser considerados como grafemas as letras utilizadas na escrita, pois o escolar não tem explicitamente essa consciência. É o domínio gradativo da percepção dos fonemas, frente as estimulações de ensino, que possibilita a emergência da consciência grafofonêmica, anteriormente explicitada. Quando a compreensão de que as menores unidades da palavra, as unidades sonoras que compõem a sílaba devem ser representadas, os escolares alcançarão o Nível 6 (N6_EA). Contudo, por ser a Hipótese Alfabética a dominante desse nível, a escrita se caracteriza fundamentalmente por ser fonética. Nesse momento, as conversões fonografêmicas são unívocas, de um fonema para um grafema. Como resultado, a escrita sofre forte influência da oralidade, e se uma criança pronuncia a palavra árvore como [avri], a escrita resultante será da mesma forma . Mesmo os fonemas não sendo pronunciáveis isoladamente, os escolares entendem que não apenas as vogais, mas também as consoantes, todas elas, representam fonemas, indispensáveis para completar a cadeia sonora das palavras. Soares (2020), reforça este ponto de desenvolvimento, afirmando que nesse Nível 6 (N6_EA) embora o escolar já tenha se apropriado do Princípio Alfabético e sabendo correlacionar fonemas e letras, ainda comete erros ortográficos ao escrever porque ainda falta a ele aprender a escrever de acordo com as regras e as irregularidades da ortografia de sua língua, apesar de estarem nos anos iniciais do Ensino Fundamental I. A partir dessa afirmação, a consideração que deve ser feita é a de que quando possível, segundo o nível de desenvolvimento cognitivo e linguístico da criança, regras ortográficas devem ser introduzidas e correspondências irregulares podem ser explicadas. A Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017, p. 27-31) 37 traz uma forma de progressão das aprendizagens, baseada na organização de seus conteúdos, conceitos e processos que dá possibilidades aos educadores de definirem um arranjo dos objetos de conhecimentos a partir das competências e habilidades de cada ano ou bloco de anos, fornecendo orientações para a elaboração de currículos adequados às necessidades dos diferentes contextos e características dos seus escolares, garantindo que as estimulações e o ensino explícito de determinado conteúdo, neste caso a ortografia, possa percorrer também diferentes anos do Ensino Fundamental, desde o seu início. A Figura 1 traz o ciclo de alfabetização e letramento (Soares, 2020), e mostra claramente essas questões como forma de sistematizar o conhecimento dos níveis de escrita, compreendendo a coexistência e correlação (grifo da autora) entre os níveis de escrita que foram anteriormente apresentados. Figura 1 – Modelo de ciclo de alfabetização e letramento Fonte: Soares, 2020, p. 137 Assim, os quadrados centrais fazem referência à pesquisa psicogenética, no contexto do ‘alfaletrar’, evidenciado por Soares (2020), que deve ocorrer dentro da sala de aula, entendido como a alfabetização e o letramento e reconhecido como processos simultâneos e interdependentes. Isto é, a alfabetização (aquisição da tecnologia da escrita) não precede e nem é pré-requisito para o letramento, mas deve acontecer concomitantemente, a aprendizagem da leitura e da escrita, com as 38 práticas de compreensão e produção de textos reais. Essa circunstância está representada no retângulo vertical. As setas superiores, da Consciência silábica e Consciência grafofonêmica, são representantes do desenvolvimento da sensibilidade aos sons da fala e às possibilidades de sua segmentação, dentro da perspectiva fonológica. Já o conhecimento das notações alfabéticas, as letras, está representado pelas setas inferiores. A observação da Figura 1 permite constatar que ao longo do tempo, os componentes do desenvolvimento da escrita ora coexistem ou se relacionam, ora se sucedem, levando os escolares à plena compreensão do Princípio Alfabético e à escrita alfabética. Com o exposto, avança-se para o Nível 7 (N7_EAO), com a escrita alfabética- ortográfica, em que os escolares são capazes de compreender e incorporar algumas regras básicas da ortografia, principalmente as contextuais, ainda no ciclo de alfabetização. São elas: os grafemas e para representar o fonema /k/; os grafemas e o para a representação do fonema /g/; o grafema e para os fonemas /r/ e /R/ respectivamente e, por último o grafema para o fonema /l/. Finalmente, os escolares alcançam o Nível 8 (N8_EO) da escrita ortográfica, em que se verificam um bom domínio das regras contextuais, com exceção da escrita das vogais nasais /eN/ e /oN/, que são as mais trabalhosas e que demandam maior atenção do escritor. Passam também a incorporar as regras morfossintáticas, cada vez mais presentes em suas escritas, com maior facilidade para o uso da semivogal /w/ para os verbos no passado, , ao passo que o uso do grafema para os verbos no infinitivo, , continuam sofrendo interferência da oralidade, ocorrendo com frequência a sua omissão. Nesse Nível 8 (N8_EO), próximo ao início do 4º ano, os escolares são plenamente capazes de empregar as irregularidades de alguns fonemas. O fonema /Ʒ/ que pode ser representado pelos grafemas e como nas palavras e ; o fonema /ʃ/ com as representações de e , com o uso desses grafemas em palavras como e . No caso do fonema /s/, os escolares já devem ser capazes de usar os grafemas e no início de palavras frequentes, e não usar apenas uma letra S entre duas vogais para representar o referido fonema. 39 Relevante nesse momento levantar a significância de que os Níveis 7 (N7_EAO) e 8 (N8_EO) são absolutamente dependentes de ensino ortográfico explícito (Cagliari, 2002; Soares, 2003, 2004) com a sorte de o erro ortográfico continuar sendo o causador de muitas angústias para o próprio professor (Batista, 2011). Algumas considerações são apontadas como importantes sobre a passagem dos escolares pelos níveis de escrita (Soares, 2018, 2020), e até justificam a necessidade de alguns escolares em alguns momentos dessa pesquisa, serem de anos diferentes, mas estarem juntos no mesmo momento da aplicação do estudo- piloto. O fato de haver crianças que progridem com maior celeridade que outras é a primeira consideração. Depois, existem as crianças que aparentemente ‘pulam’ níveis, evoluindo por exemplo, da escrita silábica com valor sonoro (N4_ESCVS) diretamente para a escrita alfabética (N6_EA). Também ocorrem eventuais retrocessos, quando uma criança volta ao nível anterior, o que é comum antes de se consolidar o nível de escrita alfabética. Ainda podem ser vistas crianças que estão simultaneamente em níveis diferentes, quando a demanda da escrita também é diferente, se produtiva, como escrita espontânea ou produção textual, ou reprodutiva, sendo a cópia ou ditado (Vega, 2009). 2.2 Processamento ortográfico Inicio esta seção com algumas considerações sobre o que é aprendido e o que é adquirido, por serem termos usados como sinônimos em relação a aprendizagem da leitura e escrita. Não são sinônimos, e não deveriam ser usados como tal, pelo fato de poder de induzir condutas errôneas por parte dos educadores. Segundo Ferreira (2004), o termo aprendido pode ser substituído por assimilado, compreendido, conhecido, descoberto, entendido, estudado, dentre outros; já a palavra adquirido tem como sinônimos os vocábulos obtido, colhido, achado, ganhado, angariado, atraído, contraído. Guardadas as possibilidades de uso desses sinônimos em diferentes contextos, chamo a atenção para o que a linguista e pesquisadora Scliar-Cabral (2022, p. 18) declara de forma categórica, “a fala é adquirida e a escrita é aprendida”. 40 De maneira tácita, vemos na bibliografia da área a expressão ‘aquisição da leitura e escrita’, e a usamos de forma corriqueira. Por compartilharem diversos aspectos, as competências de fala e escrita se incluem no campo da produção da linguagem verbal, especialmente por ser o nosso sistema de escrita o alfabético, e talvez a confusão resida nesse compartilhamento. Embora a fala seja adquirida utilizando o próprio corpo e de forma espontânea frente às interações da criança com interlocutores, em relação à escrita, a simples inserção da criança nesse mundo, não resultará na aprendizagem dela. A linguagem escrita é algo a ser aprendida e não adquirida (Scliar-Cabral, 2021; Avila, 2020). Há que se reconhecer, no mínimo, que a fala foi biopsicologicamente programada, tendo ao seu dispor a estrutura, o amadurecimento e o funcionamento do Sistema Nervoso Central e Periférico, garantido a comunicação oral da espécie humana e ao contrário da fala, a escrita se traduz como uma invenção cultural que surgiu de modo tardio na história dos homens, necessitando de técnicas e de artefatos para seu acontecimento (Scliar-Cabral, 2022). Desde muito tempo, um corpo substancial de evidências apontam para a correlação entre leitura e escrita e habilidades fonológicas, em pesquisas nacionais e internacionais (Cardos-Martins, 1991; Maluf; Barrera, 1997; Bradley; Bryant, 1983; Bowey, 1994; Cunha; Capellini, 2009; Andrade; Andrade; Capellini, 2014; Germano; Capellini, 2015; Fukuda; Capellini, 2018), especificamente, a sensibilidade fonológica, a capacidade de discriminar e manipular unidades de som de palavras faladas, prevendo fortemente o desempenho na leitura e aquisição de ortografia. No entanto, vários autores continuam suas pesquisas por achados que possam incluir a correlação entre as habilidades de leitura e escrita e a habilidade de processamento ortográfico (Ball; Blachman, 1991; Cunningham et al., 2002; Castles; Coltheart, 2004; Ehri; Saltmarsh, 1995; Share, 1999; Apel; Wolter; Masterson, 2006; Apel, 2011; Batista; Capellini, 2020; Batista, Chiaramonte, 2020; Cidrim et al., 2024). Sendo considerado como um constructo multidimensional, o processamento ortográfico, engloba a capacidade para adquirir, armazenar e recuperar as representações ortográficas, bem como o conhecimento das regras e convenções ortográficas e de aspetos visuais e holísticos da escrita, como memória para letras, padrões de letras e de palavras (Apel, 2011; Kirby et al., 2008). Dessa forma, discorrer sobre o papel desempenhado pelo processamento ortográfico na aquisição 41 e desenvolvimento da alfabetização e mais pormenorizadamente em relação à notação ortográfica é o objetivo desta seção. Em primeira instância, a análise de cada letra e a sua posição relativa na palavra pode ser considerada como uma parte do processamento ortográfico, constituindo a primeira etapa do processo de leitura (Badian, 2001; Roman et al., 2009). O processamento ortográfico possui três dimensões que são o Conhecimento Ortográfico (Share, 2008; Moreira, 2012), a Memória Ortográfica e a Aprendizagem Ortográfica (Matilde, 2014). Diversos autores as descrevem em diferentes estudos e todos baseiam-se na premissa de que essas dimensões estão fundamentalmente ligadas ao reconhecimento de padrões ortográficos, sendo esse reconhecimento imprescindível para as suas pesquisas, para além das dimensões fonológicas (Burt, 2006; Conrad; Levy, 2007; Conrad, 2008; Deacon; Benere; Castles, 2012; Rodrigues, 2016). O Conhecimento Ortográfico (Apel; Henbest; Masterson, 2018) é entendido como o conjunto de conhecimentos acerca da representação mental das palavras escritas, mobilizado para a escrita correta (Vale; Sousa, 2017; Vale et al., 2017). Abrange dois componentes, um designado Conhecimento Ortográfico Lexical e outro chamado de Conhecimento Ortográfico Sublexical (Apel, 2011; Hagiliassis; Pratt; Johnston, 2006). O conhecimento ortográfico lexical diz respeito ao reconhecimento de sequências dos padrões ortográficos/visuais específicos das palavras com irregularidades independentes do suporte fonológico, mas compatíveis com a ortografia da língua. O segundo componente, o conhecimento ortográfico sublexical, remete para os atributos gerais do sistema de escrita, como dependências sequenciais de grafemas e frequente localização na palavra, determinando as proibições no posicionamento de grafemas no conhecimento global de uma palavra. Refere-se então, ao reconhecimento de sequências de letras consistentes e aceitáveis de acordo com a ortografia geral da língua, considerando a probabilidade das letras ou o conjunto dessas reocorrerem em determinada posição nas palavras. Pode-se inferir que ambos os tipos do conhecimento ortográfico estão correlacionados à Memória Lexical Ortográfica (Batista, 2011; Capellini; Batista, 2011; Batista et al., 2014; Capellini; Batista, 2014; Fernandes; Murarolli, 2016), que refere a habilidade para usar de modo combinado o acesso ao léxico ortográfico e a 42 memória operacional fonológica e ortográfica, para a escrita correta das palavras. Essa habilidade demanda o bom funcionamento das funções executivas, a formação da memória de input visual mediante a leitura, a formação do léxico mental ortográfico e o conhecimento explícito das situações de regras e irregularidades do sistema ortográfico (Corrêa; Cardoso-Martins; Rodrigues, 2010; Barbosa et al., 2010; Batista; Capellini, 2018). Quanto à Aprendizagem Ortográfica e à Memória Ortográfica, segundo Rodrigues (2016) são as dimensões do processamento ortográfico que até então, receberam menor atenção por parte da comunidade científica, provavelmente, pela própria dificuldade em estudá-las de maneira isolada (Batista; Chiaramonte; Capellini, 2019). A Memória Ortográfica seria a formação das representações ortográficas/representações mnésicas conseguidas através das múltiplas exposições à palavra que o escolar decodifica com sucesso, desempenhando um papel crucial na aquisição de novas representações ortográficas (Burt, 2006), e a Aprendizagem Ortográfica seria a aprendizagem da ortografia específica dessa palavra, mediante a codificação adequada (Share, 2008). Por esse motivo, Share (2008) tem utilizado tarefas de aprendizagem ortográfica para sustentar sua teoria do autoensino, em que os leitores adquirem conhecimento ortográfico através da repetição de experiências bem sucedidas na decodificação ortográfica, ficando dessa maneira, o processamento ortográfico parcialmente dependente das competências fonológicas, na medida em que a decodificação de palavras com precisão leva ao estabelecimento da correlação entre o léxico fonológico e o léxico ortográfico (Harm; Seidenberg, 2004). A Figura 2 ilustra o funcionamento do processamento lexical (representação mental das palavras) interferindo nas competências fonológicas e ortográficas. Figura 2 – Processamento lexical e competências fonológicas e ortográficas Fonte: Elaborada pela autora, baseado em Rapp e Lipka (2011) 43 Tem-se o léxico semântico entendido como a representação do significado das palavras, o léxico fonológico como a representação da forma das palavras faladas (fonemas) e o léxico ortográfico como a representação da forma da palavra escrita (grafemas). Os léxicos semântico e fonológico que são parte essencial do sistema de linguagem oral (seta unidirecional) operam sendo recrutados para dar suporte à construção do sistema de linguagem escrita, ou seja na formação do léxico ortográfico. Este por sua vez, por sua interação constante (seta bidirecional) com os léxicos semântico e fonológico no início da aprendizagem ortográfica, vai reforçando a Memória Ortográfica, trazendo à competência ortográfica. Por ser específico da linguagem escrita, o léxico ortográfico pode ser manifestado através das formas de soletração, escrita manual e digitação (Wildes Amorim et al., 2016). A respeito da soletração, interessante foi verificar na literatura (Pacton; Fayol; Perruchet, 2005; Buchwald; Rapp, 2006; Apel; Wolter; Masterson, 2006; Apel, 2011; Treiman, 2018), que a capacidade para soletrar as palavras pode reforçar na escrita os padrões grafotáticos e as convenções ortotáticas (relativo às restrições posicionais nas sequências de grafemas usadas na palavra, isto é, não é uma regra de codificação, é uma convenção posicional; um exemplo da LP é que não se pode iniciar uma palavra pela letra Ç). As dimensões do processamento ortográfico estão presentes e se retroalimentam durante a fase de alfabetização até o final do Ensino Fundamental I, de tal modo a entretecer as habilidades do processamento fonológico com as habilidades do processamento ortográfico, facilitando a proficiência ortográfica, tanto para leitura quanto para a notação, em uma fase ulterior à alfabetização (Batista; Chiaramonte, 2020). Evidências de uma pesquisa recente, sugerem que o processamento ortográfico é o preditor mais significativo da escrita ortográfica tanto de aprendizes iniciantes, quanto avançados, pois a aprendizagem da escrita ortográfica é influenciada por múltiplas habilidades de processamento de informação linguística com diferenças ao longo do processo de desenvolvimento de seu aprendizado (Aquino, 2023). Estudos indicam que a percepção visual e a integração visomotora fazem parte do corpo de habilidades preditoras para o desenvolvimento do processamento ortográfico e, portanto, assumem um papel central na aprendizagem da escrita ortográfica. Antes, porém, Cardoso (2019) propõe que o desenvolvimento da percepção visual, que engloba habilidades visuais diferentes, inicia-se com a 44 exploração visual e o processamento da informação visual desde o nascimento, evoluindo rapidamente durante a infância, alcançando o nível esperado para o adulto por volta de 11 ou 12 anos de idade (Cardoso; Capellini, 2017). Dessa forma, as habilidades visuais contribuem fortemente para a aprendizagem da leitura e da escrita, integrando e combinando às capacidades percepto-viso-motoras. Essas capacidades requerem a atenção voluntária e a memória operacional, e é tão importante que a falta de estimulação e desenvolvimento dessas, pode trazer dificuldade para desenhar, copiar, ler e, consequentemente, escrever, com qualidade caligráfica e ortográfica, prejudicando o progresso e o rendimento acadêmico dos escolares (Souza; Capellini, 2011; Stenico; Capellini, 2013; Silveira, 2019). De acordo com Cardoso e Capellini (2017), os escolares podem apresentar problemas para reconhecer, organizar, interpretar e/ou recordar imagens visuais, tais como letras, palavras, números, diagramas, mapas, gráficos e tabelas, não por falha visual periférica, mas por áreas corticais e subcorticais responsáveis com hipofuncionamento, ou seja, apresentam falhas no modo como o cérebro processa as informações visuais. Do ponto de vista cognitivo, para Booth e colaboradores (2001, 2003), o reconhecimento visual de uma palavra inicia-se com a extração da informação visual detalhada acerca das letras, sendo então utilizada para acessar à fonologia e à semântica, ou melhor dizendo, antes de processar as informações fonológica, semântica e morfossintática, os leitores primeiro processam as características visuais elementares das letras constituintes das palavras, por meio da automaticidade e velocidade temporal na ordem dos milissegundos (Algozzine et al., 2008; Cardoso; Romero; Capellini, 2016). Essas conexões neurofuncionais do processamento ortográfico, assim denominadas e pesquisadas por Booth e colaboradores (2001, 2003), comprovam que nos anos finais da educação infantil e início da alfabetização, sucede a ativação do giro fusiforme – área visual da palavra – bilateralmente durante o reconhecimento de uma palavra, quer apresentada através de estímulos auditivos e/ou visuais, predominantemente quando diante da visualização de palavras de uso rotineiro com alta frequência. À medida que os escolares vão atingindo uma leitura mais acurada, passam a ser recrutados cada vez menos os neurônios do giro fusiforme direito e é intensificada a ativação do lado contralateral. Nos leitores proficientes, além de 45 ocorrer a ativação apenas do giro fusiforme esquerdo durante a apresentação de estímulos visuais, não se observam modificações/ativações funcionais por estímulos auditivos. A conclusão é que essa lateralização e participação mais imediata do giro fusiforme esquerdo, observada durante a primeira etapa do desenvolvimento da leitura infantil, está diretamente relacionada a uma maior capacidade de leitura que ocorre com o passar dos anos (Casella; Amaro; Costa, 2006). Esse acionamento do sistema visual para a leitura, só foi possível pela modificação e adaptação gradual nos seres humanos ocorridas devido às novas demandas de aprendizagem exigidas ao longo de sua evolução para a comunicação escrita, em virtude de o nosso cérebro não dispor de regiões específicas neurológicas para a leitura e a escrita inicialmente. Porém, com a reciclagem neuronal nichos neurais são criados durante o processo de alfabetização, quando uma parte dos neurônios que se situam no córtex visual do giro fusiforme na região occipitotemporal ventral esquerda1, se reciclam e se reorientam para as novas habilidades de leitura, escrita e matemática, contudo preservando a função original do sistema visual no reconhecimento de objetos, formas e faces com predomínio para o lado direito (Dehaene, 2012). Com a reciclagem (Dehaene et al., 2005; Dehaene; Cohen, 2007), os neurônios da Caixa das Letras aprendem a reconhecer os traços invariantes que distinguem as letras entre si, ou seja, elas mantém os mesmos valores independes de seu tamanho, da posição que ocupam na palavra ou da sua caixa, se maiúscula ou minúscula, da fonte, se imprensa, manuscrita, em itálico, em negrito, etc. Os modelos de dupla-rota têm sido utilizados para explicar o processamento da leitura e da escrita de palavras em crianças e em adultos com escrita normal (Houghton; Zorzi, 2003). A presente tese irá discutir o processamento da escrita a partir das representações dos Processos Centrais e Periféricos (Planton et al., 2013; Purcell et al., 2011; Purcell; Rapp, 2013) envolvidos na produção da Linguagem Escrita, com ênfase no processamento da produção escrita (Wildes Amorim et al., 2016). Os Processos Centrais específicos da escrita (Planton et al., 2013; Purcell et al., 2011; Purcell; Rapp, 2013) apresentam dois componentes com funções próprias: 1 Região denominada de Caixa das Letras, por Stanislas Dehaene (2012). 46 a. Memória de Longo Prazo Ortográfica: ou léxico ortográfico; estoque de grafias das palavras que o indivíduo está familiarizado. As informações contidas nesse componente podem ser recuperadas a partir do significado da palavra (extraído de uma figura) ou a partir da representação do som da palavra (audição do nome da figura). b. Conversão Fonema-Grafema: que constrói a grafia da palavra a partir da conversão fonografêmica pelo estímulo fonológico, que considera as correlações unívocas entre som-letra, gerando escritas possíveis para representar a cadeia sonora. As representações de letras aqui montadas são abstratas, pois não contém informações sobre a forma, tamanho ou planejamento motor. O componente c., definido como Memória de Trabalho Ortográfica ou graphemic buffer é um sistema de capacidade limitada responsável por manter ativas temporariamente as informações sobre a sequência abstrata das letras, sua identidade e a ordem dessas que serão selecionadas para a produção em série, com o posterior processamento dos componentes periféricos. Esse componente é usado tanto para o Processamento Central quanto para o Processamento Periférico da escrita. Há evidências consideráveis de que as representações guardadas na Memória de Trabalho Ortográfica não são simplesmente sequências de letras lineares, em vez disso, as representações são estruturadas internamente em composições silábicas e subsilábicas mais refinadas (Apel, 2010; Wolter; Apel, 2010; Apel et al., 2012; Dufor; Rapp, 2013). É o que Apel (2011) nomeou de ‘mental graphemic representations – MGRs’ – representação grafêmica mental, ou seja representação mental de padrões ortográficos específicos. Em relação aos Processos Periféricos (Planton et al., 2013; Purcell et al., 2011; Purcell; Rapp, 2013), são várias as etapas envolvidas desde a representação abstrata das letras na Memória de Trabalho Ortográfica até a correta ordenação e execução dos movimentos específicos dos efetores musculares necessários para expressar essas letras. Em suma, eles são responsáveis pela realização das ações motoras necessárias para a produção das palavras em uma variedade de formatos, como a soletração, a escrita manuscrita e a digitação, requisitando uma gama de habilidades cognitivas não linguísticas, como, orientação espacial, habilidades 47 construcionais e discriminação visuoespacial (Cardoso; Capellini, 2017). Os formatos que interessam à esta pesquisa são os da escrita manual e da soletração. Assim como nos Processos Centrais, para a escrita manual, também os Processos Periféricos específicos (Planton et al., 2013; Purcell et al., 2011; Purcell; Rapp, 2013) contam com dois componentes e funções particulares: d. Conversão Alográfica ou Conversão Formato da Letra: é o componente responsável pela conversão das letras abstratas guardadas na Memória de Trabalho Ortográfica em suas formas específicas das letras (ou alógrafos), que devem ser previamente selecionadas, se maiúsculas, ou minúsculas, de imprensa, ou cursiva etc. e. Planejamento Motor da Grafia Manual: sua função é a de armar os planos motores para produção das formas das letras após a conversão alográfica, especificando características tais como o tamanho e a sequência dos traços únicos de cada letra, em cada formato escolhido pelo escritor. Por exemplo a letra T = traço vertical + traço horizontal (Rapp; Caramazza, 1997; Dufor; Rapp, 2013; Purcell et al., 2011). Em seguida, a programação dos efetores motores específicos compila as instruções para a mão direita ou esquerda que será utilizada na realização das ações motoras. Os grafemas mais adiante da primeira sílaba são entregues ao sistema motor apenas durante ou após a produção dessa primeira sílaba, além disso, estudos mostram que a coocorrência de letras também desempenha um papel na produção de palavras escritas, sugerindo o envolvimento de rotinas automatizadas de memória motora (Kandel et al., 2011). Para a soletração os processos periféricos envolvidos a partir das bases de informações armazenadas na Memória de Trabalho Ortográfica abrangem primeiramente a recuperação, no estoque de palavras da memória de longo prazo fonológica (léxico fonológico), dos nomes das letras (por exemplo, eme, a, cê- cedilha, a) em sua ordem correta. Posteriormente, há o recrutamento dos processos de planejamento articulatório e fonético da fala para a produção oral dos nomes das letras. A Figura 3 mostra a escrita da palavra de forma incorreta, depois do acionamento de todos os processamentos centrais e periféricos, uma vez que representa a escrita pela rota fonológica, suscetível aos erros de ortografia, resultando na palavra escrita . 48 Figura 3 – Representação esquemática da arquitetura cognitiva funcional do sistema de produção escrita pela via sublexical (Modificado de Purcell et al., 2011) Fonte: Wildes Amorim et al., 2016, p. 7 Ao contrário, a Figura 4 apresenta a escrita correta da palavra , já que ilustra a rota lexical. O componente do sistema semântico acionado após a ativação da Memória de Longo Prazo Fonológica, que não aparece ativado na Figura 3, mas aparece aqui, justifica-se quando o escritor tem que decidir qual grafema usará para escrever palavras homófonas não homógrafas, como em ‘cede’ conjunção do verbo ceder e ‘sede’ significando lugar. 49 Figura 4 – Representação esquemática da arquitetura cognitiva funcional do sistema de produção escrita pela via lexical (Modificado de Purcell et al., 2011) Fonte: Wildes Amorim et al., 2016, p. 6 Foi visto nas Figuras 3 e 4, que o ato da escrita (grafia) normalmente se inicia por um estímulo visual ou auditivo, podendo ser a leitura, ou uma figura eliciando a palavra, ou ainda a escuta de palavras, mecanismo bottom up, ou é gerada internamente através de palavras significativas que se originam no pensamento, mecanismo top down (Bertran et al., 2015; Baus; Strijkers; Costa, 2013; Jerônimo, 2012). Posto que a aprendizagem da ortografia requer habilidades cognitivas complexas e com grande demanda de processamentos diferentes, tais como decodificação, conhecimento ortográfico prévio (Cunningham et al., 2002; Cunningham, 2006; Nation; Angell; Castles, 2007), processamento visual simultâneo e componente grafomotor (Bosse; Chaves; Valdois, 2014), seu ensino ou sua estimulação devem estar calcadas em procedimentos que tenham como base esses mecanismos de processamento de informação. Em analogia aos modelos de processamento da informação, Capellini e colaboradoras (2022), elaboraram e descreveram os processos de intervenção das dificuldades de leitura e escrita, baseadas em Kato (1985), Kleiman (1993) e Kleiman e Moraes (2002), em três tipos de processamento: Processamento Bottom- up (tipo Ascendente) ou ‘das partes para o todo’, Processamento Top-down (tipo Descendente) ou ‘do todo para as partes’ e Processamento Interativo. 50 O tipo de processamento Bottom-up contribui para a ocorrência da reciclagem neuronal. Segundo essa teoria, os neurônios presentes no sistema visual no giro fusiforme, da região occipito-temporal-ventral-esquerda se reorientaram para a aprendizagem da leitura, ou seja, se reorientam para cumprir uma nova função que é o de reconhecer a forma visual das palavras, para então depois fazer a conexão com as áreas da linguagem oral, que já são áreas pré-existentes. Desse modo, a capacidade para ler é resultado de um sofisticado processo evolucionário, não simplesmente fruto da plasticidade cerebral, que muitas vezes é considerada como uma propriedade inata do cérebro (Dehaene, 2012; Dehaene et al., 2015; Scliar- Cabral, 2008, 2013); afirmação reiterada por Battro (2008) quando pontua que é a cultura quem se adapta ao cérebro e não o contrário. O tipo de processamento Top-down surge em contraposição ao Botton-up, e o tipo de processamento Interativo refere-se à união entre os dois tipos, considerando que o fluxo da informação pode operar de modo descendente e ascendente, uma vez que os processos top-down e bottom-up ocorrem alternadamente ou ao mesmo tempo, dependendo das características do texto, do conhecimento prévio e da capacidade de previsão do leitor, da memória, da atenção e do domínio das estratégias de leitura (Jerônimo, 2012). Tendo em conta essas explicações, a escolha de procedimentos de remediação ou intervenção devem estar pautados no tipo de processamento a ser desenvolvido, Bottom-up para o desenvolvimento do mecanismo de conversão letra- som e formação do léxico mental ortográfico, ou Top-down para formação, o acesso e a recuperação dos léxicos mentais (Capellini et al., 2022). É consenso entre os pesquisadores, de que os problemas de aprendizagem são mais fáceis de prevenir do que remediar, e para tal, faz-se necessário intervenções precoces que reduzam de forma significativa as dificuldades de leitura e escrita (Vellutino et al., 2008; Fletcher; Vaught, 2009; Andrade; Andrade; Capellini, 2014; Fletcher et al., 2018). Estudos mais recentes (Bosse; Chaves; Valdois, 2014; Germano; Capellini, 2019) sugerem que a percepção visual e a integração visomotora, que compõem o processamento Bottom-up são habilidades preditoras para o desenvolvimento do processamento ortográfico e assumem um papel central na aprendizagem da escrita ortográfica, pois os padrões grafomotores e as características ortográficas visuais podem formar uma representação sensório-motora do conhecimento ortográfico na 51 memória, ou seja, os movimentos da escrita (caligrafia) estão envolvidos na memorização de letras. Esse aspecto da associação entre o movimento da escrita e a ortografia foi estudado anteriormente por van Galen (1991), a partir de um modelo de caligrafia que integrava os dois processos da escrita, já descritos nesta pesquisa, o central e o periférico. Isso permite-nos relembrar que os módulos linguísticos de ordem superior, quando iniciam o processo de escrita com a ativação de intenções, recuperação semântica e construção sintática, já fornecem informações de entrada para o módulo de ortografia (Vega, 2009; Scliar-Cabral, 2022). A correlação entre baixo desempenho acadêmico em escrita e baixo desenvolvimento motor, foi amplamente demonstrada na literatuta (Calvo; Pellegrini; Hiraga, 2007; Machado; Capellini, 2009; Silva; Beltrame, 2011), confirmando as dificuldades de aprendizagem apresentadas pelo corpus pesquisado, trazendo evidentes associações entre os problemas motores, até com algum nível de atraso motor (Andrade, 2014) e as dificuldades de escrita, seja na aprendizagem da codificação, assim como na elaboração de ideias para a produção textual. Apesar de o desenvolvimento motor ser constituído pelas habilidades motoras específicas de motricidade fina ou óculo manual, motricidade global ou coordenação motora, equilíbrio ou postura estática, esquema corporal ou imitação de postura e rapidez, organização espacial ou percepção do espaço, organização temporal ou linguagem e lateralidade das mãos, olhos e pés (Gallahue; Ozmun, 2001), a habilidade motora que melhor traduz esta correlação, é a coordenação motora fina, sugerindo que, portanto, escrever exige bom desenvolvimento da coordenação motora fina (Smits-Engelsman; Niemeijer; van Galen, 2001). Em consonância, Ajuriaguerra (1988) destacou que o ato de escrever está profundamente relacionado com a ação motora necessária para traçar cada letra e formar palavras corretamente, defendendo que várias habilidades motoras são cruciais para a aprendizagem da escrita, incluindo a coordenação fina para a precisão dos traçados e o domínio dos gestos e dos instrumentos. Para Germano e Capellini (2023) a realização dos gestos grafomotores pelo escolar, ou seja, a formação correta das letras e suas junções, demanda um controle cognitivo, uma precisão e uma orientação sensorial detalhada com alta concentração, sendo com a prática regular, desenvolvidos os mapas sensório- motores (Teulings; Thomassen; van Galen, 1983) ou programas motores, que ficam 52 armazenados na memória de longo prazo. O uso desses mapas permite um acesso mais rápido e reduz a dependência do feedback sensorial, aumentando a velocidade do movimento para a escrita das palavras. Finalizo essa seção sobre o Processamento Ortográfico, concluindo que para a escrita ortográfica, os aspectos cognitivos, linguísticos, perceptuais e motores finos/manuais têm seus papéis e relevância de forma interdependentes e entrelaçados às funções executivas de atenção, memória operacional e controle inibitório, desde a tenra idade das crianças, na Educação Infantil. Segundo Cameron e colaboradores (2012), seus estudos mostram que quando os escolares chegam ao ensino fundamental com automaticidade na coordenação das suas habilidades motoras finas, podem ter maior capacidade de processamento disponível para aprender conceitos simbólicos, incluindo letras e números. Mostram ainda que as crianças que podiam copiar bem os desenhos na Educação Infantil, tiveram a leitura, a escrita, a matemática e a ortografia mais bem avaliadas pelos professores até a 3ª série. Infelizmente, a despeito das várias pesquisas (Pereira; Araújo; Braccialli, 2011; Capellini; Giaconi; Germano, 2017; Carames; Irwin; Kofler, 2021) que já referiram a importância da escrita caligráfica, nosso sistema de ensino não privilegia o ensino explícito e o treino caligráfico, desconsiderando-os para a aprendizagem da escrita ortográfica e da leitura. 2.3 Ensinar e aprender a ortografia: a questão do erro ortográfico A ortografia pode ser considerada um tema paradoxal. Como já foi mencionado, desde muito vem ocupando um lugar secundário no sistema educacional, entretanto nos níveis social, cultural e laboral o que se vê é a elevada importância dada a ela, com a valorização na hora de elaborar currículos, dissertações, teses, dossiês, memorandos, relatórios etc. Confirma-se então, seu uso com domínio como um indicador de cultura, instrução e sabedoria. Para que um sistema de ensino de ortografia alcance seu intento, Manzano, Sans e Chocano (2006), sugerem que a ortografia seja estudada, agrupando-a em três tipos, a ortografia natural, a ortografia arbitrária e a ortografia regrada. 53 De forma simplificada, porém precisa, o primeiro tipo, da Ortografia Natural, refere-se a escrita baseada no funcionamento da rota fonológica (ou semântica) para a associação fonema-grafema, ou seja, as palavr