FI LO SO FI A M A TE M Á TI CA ED UC A ÇÃ O III SEMINÁRIO AVANÇADO EM FENOMENOLOGIA ANAIS DO Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). UNESP- Instituto de Ciência e Tecnologia Sorocaba -SP 10, 11 e 12 de abril de 2024 Organizadores Caroline Santos de Azevedo Fabiane Mondini Joel Gonçalves dos Santos Lais Cristina Pereira da Silva Ronaldo Araújo de Souza Coordenadora do grupo Fenomenologia em Educação Matemática (FEM) Maria Aparecida Viggiani Bicudo Rosa Monteiro Paulo Coordenadora do Evento Fabiane Mondini ANAIS DO III SEMINÁRIO AVANÇADO EM FENOMENOLOGIA SOROCABA Campus de Sorocaba – Instituto de Ciência e Tecnologia 2024 REALIZAÇÃO Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Ciência e Tecnologia, Sorocaba. Todos os direitos reservados O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610). Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S471a Seminário avançado em fenomenologia: uma filosofia fenomenológica da Educação Matemática (3. : 2024 : Sorocaba) Anais do III Seminário avançado em fenomenologia [recurso eletrônico], 10 a 12 de abril de 2024 / organizadores Caroline Santos de Azevedo ... [et al.]. – Sorocaba : ICTS/UNESP, 2024. 1.070kb; PDF. Disponível on-line ISBN 978-65-89682-06-6 1. Matemática – Estudo e ensino. 2. Fenomenologia. 3. Educação. I. Azevedo, Caroline Santos de. II. Título. CDD 510.7 Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Biblioteca e Documentação do Instituto de Ciência e Tecnologia (Câmpus de Sorocaba) – UNESP Sabrina Luana da Silva Gonçalves – CRB-8/10851 Agradecimentos O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - processo 403181/2023-2. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 III SEMINÁRIO AVANÇADO: UMA FILOSOFIA FENOMENOLÓGICA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Atualmente, o grupo de pesquisa Fenomenologia em Educação Matemática (FEM) está envolvido em uma investigação cujo objetivo é apresentar uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática, estruturando as concepções de mundo, de realidade, de conhecimento, sua constituição e produção, os modos de convivência em comunidades e sociedades contextualizadas histórica e culturalmente, assim como as atividades didático-pedagógicas voltadas ao ensino e à aprendizagem. Com o propósito de dar continuidade a essa investigação, iniciada em 2020, o grupo realizou o III Seminário Avançado em Fenomenologia: Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática. Coordenado pela Profa. Dra. Maria Aparecida Viggiani Bicudo e pela Profa. Dra. Rosa Monteiro Paulo, o encontro teve como objetivo apresentar os resultados alcançados pela pesquisa até o momento. O evento contou com a participação de 35 pesquisadores de diferentes instituições de ensino superior, situados em diversos estados brasileiros. Neste documento, expõem-se as compreensões dos participantes desta edição por meio de resumos expandidos, que contêm sínteses do pesquisado, além de resumos de pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado em desenvolvimento no grupo. O encontro orientou avanços da investigação em torno da temática central considerada pelo grupo, voltada ao desenvolvimento de uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 Sumário SEÇÃO 1: REALIDADE, MUNDANEIDADE E CORPO VIVENTE ......................... 7 PROCESSO INVESTIGATIVO COM-A-REALIDADE-AUMENTADA NO ESTUDO DE GEOMETRIA DESCRITIVA .................................................................................... 7 MUNDANIDADE E CORPO-VIVENTE NE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: COMPREENSÕES PARA E NO FAZER COM TD ....................................................... 13 SEÇÃO 2: CORPO, MOVIMENTO E GEOMETRIA ................................................ 20 SENTIDOS E SIGNIFICADOS EMERGENTES DE UMA EXPERIÊNCIA ENVOLVENDO SIMETRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA ............................................ 20 GEOMETRIA E FENOMENOLOGIA: AVANÇANDO EM COMPREENSÕES E BUSCANDO UMA PEDAGOGIA FENOMENOLÓGICA .......................................... 25 SEÇÃO 3: PERCEPÇÃO, INTUIÇÃO E FORMALIZAÇÃO ................................... 32 SOBRE A NOÇÃO DE AMPLITUDE DE INTERSUBJETIVIDADE: UM ESBOÇO 32 SEÇÃO 4: SIGNIFICAÇÃO, REPRESENTAÇÃO E SEMIÓTICA .......................... 37 TRAJETÓRIA FENOMENOLÓGICA DE ANÁLISE DO ATO DE SIGNIFICAR A ESTRUTURA DE ANEL ............................................................................................... 37 A REPRESENTAÇÃO NO SENTIDO FENOMENOLÓGICO E CONSEQUÊNCIAS DIDÁTICO-FILOSÓFICAS PARA A MODELAGEM MATEMÁTICA ..................... 43 ALGUMAS COMPREENSÕES E REFLEXÕES SOBRE AS RAÍZES DA SEMIÓTICA DE HUSSERL.......................................................................................... 49 SOBRE A VARIAÇÃO EIDÉTICA NOS CONTEXTOS DA MATEMÁTICA E DA LÓGICA ELEMENTAR ................................................................................................ 55 SEÇÃO 5: ÁLGEBRA: COMO COMPREENDÊ-LA ................................................. 60 DA INTUIÇÃO À FORMALIZAÇÃO: UM DIÁLOGO COM AS OBRAS DE EDMUND HUSSERL .................................................................................................... 60 PROJETO “EDUCAÇÃO MATEMÁTICA FUNDADA NA ATITUDE FENOMENOLÓGICA: ENSINO E APRENDIZAGEM DE ÁLGEBRA NO MUNDO DA ESCOLA POR MEIO DE ATIVIDADES DIDÁTICAS MULTICULTURAIS” .... 66 ELO ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA NO ENSINO DA ÁLGEBRA: UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO SOBRE AS CONCEPÇÕES EXPLICITADAS POR PROFESSORES DE MATEMÁTICA E PROFESSORES EM FORMAÇÃO ............. 71 SEÇÃO 6: ANÁLISE MATEMÁTICA: COMO COMPREENDÊ-LA ...................... 75 IDEIAS ESSENCIAIS DA ANÁLISE MATEMÁTICA E ABERTURAS VISUALIZADAS PARA O SEU ENSINO .................................................................... 75 SEÇÃO 7: EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DA PESSOA .............................................. 79 A FORMAÇÃO DA PESSOA HUMANA EM COMUNIDADES INDÍGENAS: O POVO BOE .................................................................................................................... 79 III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 A POSTURA FENOMENOLÓGICA COMO POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DA GÊNESE DAS IDEIAS MATEMÁTICAS NAS ETAPAS INICIAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA .................................................................................................. 86 A DOCÊNCIA NA FORMA/AÇÃO COMO UM CONTÍNUUM EDUCACIONAL: APONTAMENTOS DA PESQUISA NO ÂMBITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ .................................................................................. 91 POR UMA ORIENTAÇÃO FENOMENOLÓGICA DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA.............................................................................................................. 97 A HERMENÊUTICA SCHLEIERMACHIANA COMO FUNDAMENTAÇÃO GERAL DAS GEISTESWISSENSCHAFTEN ............................................................................ 103 PROFESSOR DE MATEMÁTICA EM FORMA-AÇÃO ........................................... 107 III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 7 SEÇÃO 1: REALIDADE, MUNDANEIDADE E CORPO VIVENTE PROCESSO INVESTIGATIVO COM-A-REALIDADE-AUMENTADA NO ESTUDO DE GEOMETRIA DESCRITIVA Raissa Samara Sampaio1 Rosa Monteiro Paulo2 Resumo Este texto apresenta um recorte da pesquisa de doutorado em que se destaca a investigação com-a- Realidade-Aumentada ao explorar Geometria Descritiva, enfatizando o movimento do aluno. Assumimos uma perspectiva fenomenológica realizando as tarefas com alunos do 1° ano do curso de Licenciatura em Matemática, na disciplina de Desenho Geométrico e Geometria Descritiva, em uma universidade pública. O GeoGebra AR foi eleito para fazer projeções em Realidade Aumentada. Enquanto exploravam, os alunos gravavam a tela de seus dispositivos com imagem e som. O movimento requerido para investigar com o aplicativo permite discutir a percepção e sua relevância para a constituição de conhecimento. Palavras-chave: Fenomenologia; GeoGebra AR; Percepção; Educação Matemática. Tecnologias e Constituição do Conhecimento Geométrico O avanço tecnológico é notório na contemporaneidade. Segundo Mousa, Ymai e Camargo (2017), as tecnologias móveis, como smartphones e tablets, estão cada vez mais difundidas, consolidando-se como recursos primordiais para entretenimento e comunicação global. Além disso, os autores destacam as possibilidades de elas virem a ser consideradas para o ensino e a aprendizagem. A relevância da sua presença no contexto educacional é discutida por vários estudiosos e destacada em documentos curriculares desde os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) até o mais recente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Estes documentos sublinham a transformação do conhecimento ao longo do tempo, e apontam a tecnologia como um dos principais impulsionadores desse processo. Dentre as tecnologias que vêm sendo estudada por diversos autores, se mostrou relevante para nós, a Realidade Aumentada (RA). A RA é uma tecnologia que integra 1 Doutoranda em Educação Matemática, Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Câmpus de Rio Claro. Professora de Matemática no Instituto São José, São José dos Campos - SP. E-mail: raissa.samara@unesp.br. 2 Doutora em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Câmpus de Rio Claro. Professora do Departamento de Matemática da Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Câmpus de Guaratinguetá e do Programa de Pós - Graduação em Educação Matemática (PPGEM) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Câmpus de Rio Claro. Email: rosa.paulo@unesp.br. mailto:raissa.samara@unesp.br mailto:rosa.paulo@unesp.br III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 8 elementos virtuais ao ambiente físico, proporcionando uma experiência imersiva e interativa para os usuários. De acordo com Kirner e Kirner (2009, p. 100), a RA " trouxe os objetos virtuais para o ambiente do usuário, facilitando sua atuação no mundo real com dispositivos de visualização mais simples" do que, por exemplo, os óculos de realidade virtual ou Hedsets. Os aplicativos de Realidade Aumentada, além de serem mais acessíveis, possibilitam a sobreposição de informações digitais como imagens, vídeos, gráficos e objetos tridimensionais no ambiente físico, utilizando apenas a câmera de um smartphone ou tablet. Apesar de não ser uma tecnologia tão recente, ainda é pouco usada em sala de aula. Nos últimos anos, houve um avanço tecnológico impulsionado pela popularização de dispositivos móveis, como smartphones e tablets, que viabilizaram o acesso à RA, disseminando-a, segundo Souza et al. (2016), em jogos eletrônicos, publicidade e entretenimento. Para fazer investigações em matemática a Realidade Aumentada (RA) despertou nosso interesse, pois no contexto do ensino e aprendizagem é essencial considerar a autonomia do aluno, permitindo que ele atue como protagonista de seu conhecimento, envolvendo-se em investigações e sendo capaz de tirar suas próprias conclusões. Em uma perspectiva fenomenológica, assume-se que o sujeito ao estar-com-TD é um sujeito que se coloca intencionalmente na busca da compreensão daquilo que faz. Essa intencionalidade não é sinônimo de propósito ou de objetivo. Como afirma Bicudo (2022, p. 129) a intencionalidade é uma atividade que pervade o corpo todo, de modo dinâmico e no fluxo da temporalidade dos seus atos do corpo-vivente, e, concomitantemente se estende ao mundo circunvizantente. Noematicamente, se dirige ao objeto; noeticamente, ela opera os modos pelos quais ele lhe é dado, por exemplo, pelas sensações de frieza sentida no corpo ao tocar uma pedra de gelo. A consciência é sempre situada na carnalidade do corpo e, ao mesmo tempo, pela intencionalidade, ela se estende para além dele. Pela sua própria característica de ser intencional e, portanto, de se esticar para além de si, ela intenciona mais do que é dado no sentir sensorial, transcendendo os contornos do corpo (Körper). Assim, a intencionalidade permeia todo o nosso ser, estendendo-se ao enlace do que está no ambiente que nos cerca, direcionando-se aos objetos em busca de compreensão. Ao investigar com-a-RA o sujeito se dirige ao objeto interrogando-o. O sujeito direciona-se para o que se apresenta a ele em um contexto de possibilidades e potências de transformação. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 9 Conforme Baldini e Moran (2022) destacam, a Geometria é uma disciplina escolar que possibilita o desenvolvimento de habilidades essenciais para a aprendizagem matemática. Assim, ela pode ser um ambiente propício para a investigação e a exploração, contribuindo para envolver os alunos na elaboração de conjecturas, na proposição de hipóteses, na avaliação de teorias e na verificação ou refutação dos argumentos apresentados, promovendo uma autonomia intrínseca ao processo de aprendizagem. Compreendemos, segundo a perspectiva fenomenológica, que a exploração e investigação propiciada nesta pesquisa ao estar-com-a-RA, se desenvolve no mundo da vida, onde o sujeito concentra sua atenção em busca de uma compreensão mais aprofundada do objeto em estudo. Essa é a busca pelo sentido que se manifesta na dimensão espacial e temporal, sendo influenciada por uma série de questionamentos e reflexões que são experienciados de forma subjetiva pelo sujeito e baseiam-se em conexões pré-predicativas, ou seja, da sua experiência de vida. A constituição do conhecimento geométrico “diz da articulação dos dados sensórios, sentidos que se fazem no corpo-encarnado e que vão se articulando na própria carnalidade desse corpo, e no movimento dessa articulação vai definindo unidades, percebendo fenômenos e articulando e expressando compreensão” (Rosa, Bicudo, 2018, p. 42). Assim, na constituição do conhecimento há compreensão, pois o sujeito revela e sintetiza informações durante a experiência vivida. Na comunicação que estabelece com o outro, colega ou professor, essa compreensão inicialmente subjetiva desdobra-se em interpretações e passam a ser articuladas na intersubjetividade. Expondo-se pela linguagem adquire objetividade podendo ser expressa e compartilhada com outros indivíduos. Em nossa pesquisa de doutorado, a RA se mostrou relevante pelas oportunidades de investigação que proporciona ao sujeito. O aluno, por meio das construções realizadas no software GeoGebra, desenvolveu suas próprias estruturas geométricas e as projetou em RA para explorá-las com o software e testar suas conjecturas. A pergunta que norteia nossa pesquisa é: “Quais compreensões são explicitadas por alunos que investigam Geometria Descritiva com realidade aumentada?”. Com ela colocamos o foco nas explorações que são realizadas, nos discursos entre os sujeitos que revelem os métodos pelos quais eles interpretam as informações que lhes são apresentadas e nos modos pelos quais constroem argumentos e os validam ou refutam. Nesse processo de busca vai sendo revelado modos de compreender geometria com Realidade Aumentada. Desenvolvimento da pesquisa e análise preliminar III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 10 O estudo foi conduzido em uma instituição de ensino superior pública localizada em uma cidade do interior do estado de São Paulo, com estudantes do primeiro ano do curso de Licenciatura em Matemática, durante a disciplina de Desenho Geométrico e Geometria Descritiva (DGGD). Esta disciplina, de duração semestral, tem dois encontros semanais com duração de 100 minutos cada. Em acordo com o docente da disciplina, as tarefas de cunho exploratório com RA foram realizadas às quartas-feiras e envolveram temas de Geometria Descritiva. O professor acompanhou todas as aulas ministradas pela pesquisadora, oferecendo suporte aos alunos durante o processo. Havia 20 alunos matriculados na disciplina e os encontros de quarta-feira ocorriam no Laboratório de Ensino de Matemática, um espaço que possibilitava a movimentação dos alunos, pois é amplo. As mesas neste ambiente foram organizadas de modo a permitir que os alunos trabalhassem em grupos de quatro integrantes, o que favorece a interação e colaboração. Para realizar as tarefas com RA foram disponibilizados aos alunos 8 iPads da Universidade, adquiridos com recursos provenientes de um projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)3. Durante as explorações, as telas desses dispositivos foram gravadas (áudio e vídeo) para que, posteriormente, fosse feita a transcrição e análise dos dados. Neste resumo expandido, não iremos aprofundar as análises. Porém, podemos explorar uma categoria aberta que, na análise, se evidencia. Essa categoria expõe o Processo investigativo com-a-Realidade-Aumentada. Durante as atividades, a partir das interações dos alunos, vimos que havia um profundo envolvimento no processo investigativo. Utilizando os iPads, os alunos buscavam respostas para suas indagações e, em algumas ocasiões, precisavam se deslocar até o objeto para examiná-lo minuciosamente e identificar suas características. Esta dinâmica de investigação corroborou com a perspectiva de Ponte (2003) de que a investigação é um processo em constante movimento, onde “realizamos uma investigação quando formulamos as nossas próprias questões e procuramos responder-lhes, de modo tanto quanto possível fundamentado e rigoroso” (Ponte, 2003, p. 3). Esse processo investigativo com a RA revela o corpo em movimento; o corpo que se direciona para compreender aquilo que lhe chama a atenção. A motricidade do corpo não é apenas um instrumento com o qual me movimento no espaço; aliás, não há sequer um 3 Processo 2019/16799-4. Projeto A constituição do conhecimento matemático com Realidade Aumentada (2019-2022). Coordenadora: Profa. Dra. Rosa Monteiro Paulo. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 11 movimento no espaço, há, antes, um “movimento gerador de espaço” (Merleau-Ponty, 1999, p. 158), pois o movimento é “intencionalidade original, uma maneira de se relacionar ao objeto” (Merelau-Ponty, 1999, p. 158) que dá possibilidade para realizar a investigação. Vê- se que esse movimento do corpo, investigando com-a-RA cria um ambiente propício para o diálogo, a discussão e a articulação das percepções, promovendo uma abordagem particular na compreensão dos objetos em estudo. A percepção, conforme Merleau-Ponty (1999), se dá no mundo que está aberto, em torno de nós, “não como um sistema de objetos dos quais fazemos a síntese, mas como um conjunto aberto de coisas em direção às quais nós nos projetamos.” (Merleau-Ponty, 1999, p. 518). Essa síntese realizada pelo corpo próprio, enfatizada pelo autor, é o que fundamenta a constituição dessa categoria, pois, por meio da investigação, vê-se que os alunos se percebem em movimento e direcionando-se ao objeto que interrogam querendo compreender; eles expressam o compreendido, se colocam em diálogo e vão constituindo conhecimento com-RA. Referências BALDINI, Loreni Aparecida Ferreira; MORAN, Mariana. Geometria: práticas e aprendizagens. São Paulo: Livraria da Física, 2022. BICUDO, Maria Aparecida Viggiani. O corpo-vivente: centro de orientação eu-mundo-outro. MEDICA Review - Revista Internacional de Humanidades Médicas. v. 10, n. 2, p. 119-135, 2022. KIRNER, Claudio; KIRNER, Tereza Gonçalves. Realidade Virtual e Realidade Aumentada potencializando as ações do usuário no mundo real. Diálogo, Canoas, n. 14, p. 99-122, jan-jun. 2009. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2 ed, 1999. MOUSA, Ahmad Hassan; YMAI, Leandro Hayato; CAMARGO, Sandro da Silva. GráficosRA: Um Aplicativo baseado em Realidade Aumentada para Ensino de Cálculo. Revista CCEI - URCAMP, Bagé, v. 22, n. 37, 2017. PONTE, João Pedro da. Investigação sobre investigações matemáticas em Portugal. Investigar em Educação, Lisboa, v. 2, p. 93-169, 2003. Disponível em: < https://repositorio.ul.pt/handle/10451/4071 >. Acesso em: 03 abr. 2024. ROSA, Maurício. BICUDO, Maria. Aparecida. Viggiani. Focando a constituição do conhecimento matemático que se dá no trabalho pedagógico que desenvolve atividades com tecnologias digitais. In.: PAULO, R. M.; FIRME, I. C.; BATISTA, C. C. Ser professor com tecnologias: sentidos e significados. São Paulo, Editora da UNESP, 2018 https://repositorio.ul.pt/handle/10451/4071 III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 12 SOUZA, Wendson de Oliveira; ESPINDOLA, Giovana Mira de; PEREIRA, Alessandro Rhadamek Alves; SÁ, Lucilene Antunes Correia Marques de. A Realidade Aumentada na apresentação de produtos cartográficos. BCG – Boletim de Ciências Geodésicas, Curitiba, v. 22, n. 4, p. 790-806, out-dez. 2016. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/bcg/a/9k6CHcBLT9fjNnKZz9cQ5HC/?lang=pt> . Acesso em: 03 abr. 2024. https://www.scielo.br/j/bcg/a/9k6CHcBLT9fjNnKZz9cQ5HC/?lang=pt III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 13 MUNDANIDADE E CORPO-VIVENTE NE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: COMPREENSÕES PARA E NO FAZER COM TD Rosa Monteiro Paulo4 Maurício Rosa5 Resumo Neste texto se apresentam aspectos relativos à concepção de mundanidade e corpo-vivente como compreendidos nas pesquisas que temos realizado para debater um modo de fazer matemática(s) com Tecnologias Digitais (TD). Nesse modo de fazer, as TD não são instrumentos, objetos ou ferramentas de uso, mas estão presentes no processo de significação como o que “está à mão” e se deixa descobrir na manualidade para fazer junto. Em particular, a tecnologia de Realidade Aumentada com o recurso de projeção de objetos digitais no ambiente físico, fazendo-os coexistirem com os demais objetos e pessoas, abre possibilidades investigativas pelo movimento, que não é um toque de tela ou um deslocamento da pessoa no espaço. É um movimento intencional que visa às coisas por meio do corpo e permite fazer explorações mantendo-se no mundo como ser ativo, capaz de tomar decisões e perceber limites e potencialidades. É o movimento do corpo-vivente que se volta para si procurando organizar um modo próprio de existir e compreender o que lhe vem ao encontro. Assim, nos assumimos como “cyborgs”, ou seja, misturas transgressivas do ser, pensar e fazer com TD e avançamos em diálogo com o porvir que já se materializa com a Inteligência Artificial (IA) e transpomos problemas, problematizando o que se mostra como problema na mundanidade com IA. Palavras-chave: Fenomenologia; Educação Matemática; Tecnologias Digitais. Mundanidade: o que se mostra? No terceiro capítulo da primeira parte de Ser e Tempo, Heidegger (1995) trata o conceito ontológico-existencial da “mundanidade do mundo”, sendo esse o título deste capítulo, como caráter próprio do existente humano. Segundo o autor, a compreensão é um existencial fundamental do Dasein, pois é no compreender que ele (o Dasein) projeta o seu ser para as possibilidades significativas do mundo. Nessas possibilidades abrem6-se modos de poder ser que vão se revelando na ocupação. Ou seja, a ocupação é a “via de acesso” às significações. Na vivência se articulam as experiências do e no mundo e o que vem ao nosso encontro (no mundo circundante, isto é, próximo, cotidiano) aparece em significações e 4 Doutora em Educação Matemática. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp. Professora Associada da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp, Guaratinguetá. Email: rosa.paulo@unesp.br. 5 Doutor em Educação Matemática. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp – Rio Claro. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática (PPGEMAT). Email: mauriciomatematica@gmail.com. 6 Heidegger faz questão de enfatizar que “‘Abrir’ e ‘abertura’ são termos [...] que serão empregados [...] no sentido de ‘des-trancar’. ‘Abrir’ jamais significa, portanto, algo como ‘concluir através de mediações’” (Heidegger, 1995, p. 118). mailto:rosa.paulo@unesp.br mailto:mauriciomatematica@gmail.com III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 14 requer modos de interpretação em determinado “contexto”. Ou seja, os entes que nos vêm ao encontro mostram-se em uma dada situação (na ocupação). Isso que se mostra na ocupação pode, então, ser entendido como um conhecimento da prática que se tem com as “coisas” no mundo; logo não se trata de uma compreensão teórica, mas sim “ocupacional”. Na ocupação o ser dos entes se abre em possibilidades de o Dasein compreendê-los no mundo em situações variadas que permitem uma rede de interpretações. Essa “situação ocupacional” (ou manualidade) é o que constitui a “mundanidade do mundo” ou, dito de outro modo, a compreensão que é própria do Dasein se abre no modo de lidar cotidiano com os entes no mundo das ocupações. Aqui, o ente não é objeto de um conhecimento teórico do ‘mundo’ e sim o que é usado, produzido, etc. [...] visualizado pré-tematicamente por um ‘conhecimento’ que, sendo fenomenológico, [...] não é [...] propriedades entitativas dos entes, mas uma determinação da estrutura do seu ser. [...] O ente fenomenologicamente pré- temático, ou seja, o usado, o que se acha em produção, torna-se acessível [na ocupação]. (Heidegger, 1995, p. 108). O que vem ao encontro na abertura compreensiva “tem com o ser que ele é algo junto. O caráter ontológico do manual é conjuntura. Na conjuntura se diz: algo se deixa e faz junto. Essa remissão de ‘com ... junto’” (Heidegger, 1995, p.128) possibilita compreender o mundo como o “contexto em quê (Worin) da compreensão referencial, enquanto perspectiva de um deixar e fazer encontrar um ente no modo de ser da conjuntura.” (Heidegger, 1995, 129, grifos do autor). A mundanidade, pois, garante ao Dasein ser isso que ele é e sua estrutura (da mundanidade) encontra-se vinculada à relação que ele (o Dasein) tem com o mundo. Quando nos voltamos para as Tecnologias Digitais (TD) considerando-as como um ente no modo de ser da conjuntura, revela-se o para quê primordial que “é um estar em função de [...] deixar e fazer em conjunto [...] descobrir, em sua manualidade, o que já ‘é’ e, assim, deixar e fazer vir ao encontro [...] liberando o ente para uma totalidade conjuntural” (Heidegger, 1995, p. 129-130). As TD, como as temos considerado, têm importância não apenas por se ter tecnologia e saber como usá-la (Mocrosky, Mondini, Orlovski, 2018), mas por ser-com, pensar-com e saber-fazer-com essa tecnologia (Rosa; Bicudo, 2018), um fazer em conjunto que libera o que com ela se mostra sobre esse modo de fazer. Particularmente, com um aplicativo de Realidade Aumentada - o GeoGebraAR – fazendo explorações matemáticas na sala de aula, temos visto que os alunos se ocupam dessa tecnologia como modo de III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 15 familiarizar-se com o mundo. Os objetos projetados em RA através da câmera de um smartphone passam a fazer parte do mundo circundante7, abre-se com a RA determinado modo de compreensão. À medida que as explorações vão se dando, há familiaridade com o aplicativo e com o que com ele se faz e os alunos passam a significar o que vivenciam. Com Heidegger (1995) afirmamos que na sensibilidade algo se mostra em seu próprio modo de ser. Na percepção sensível há “possibilidade de se apreender em seu ser o ente dado nessa percepção” (Heidegger, 1995, p. 143). Essa percepção sensível é o que se evidencia com a RA e, com ela, se constitui uma região entendida como um “para onde da possível pertinência instrumental [...] [em que] todos os onde são descobertos e interpretados na circunvisão, através das passagens e caminhos no modo de lidar cotidiano, e não constatados e enumerados numa leitura de medições do espaço.” (Heidegger, 1995, p. 151). Nessa mundanidade, o corpo-vivente é veículo na percepção como primado do conhecimento (Rosa, 2023). Corpo-Vivente na Educação Matemática Com a RA, por exemplo, o sentido do que é explorado “se faz para cada um no contato corpóreo de sua existência e, em um mundo sensível”. (Santos, 2016, p. 140). O movimento é expressão significativa da singularidade do percebido. Movemos nosso corpo, abrimos uma região na qual os objetos são passíveis de serem explorados, elegemos a perspectiva sob a qual desejamos ver. Somos conscientes e, como tal, não apenas elaboramos ações para o movimento, mas compreendemos os significados com nosso corpo, corpo em movimento, corpo vivente, que é nosso meio de inserção no mundo e que não está apenas “implicado em um meio concreto, [...] aberto apenas para as situações reais, mas [...] está aberto às situações verbais e fictícias que pode escolher” (Merleau-Ponty, 1995, 156). Com isso, o autor evidencia que o corpo pode situar-se no virtual, pois ele “conta com o possível que [...] adquire um tipo de atualidade” (Merleau-Ponty, 1995, p. 158, grifos do autor). O fundo do movimento não é dado (ou motivado) pelas coisas, mas é imanente a ele. “Não é nunca nosso corpo objetivo que movemos, mas nosso corpo fenomenal [...] enquanto potência de tais e tais regiões do mundo, que se levantava em direção aos objetos a pegar e que os percebia” (Merleau-Ponty, 1994, p. 154). O movimento, então, ao se estar 7 Lembrando que, com Heidegger (1995, p. 150), entendemos que “a multiplicidade de locais do que está à mão é o que constitui o circundante, isto é, o fato de os entes que de imediato vêm ao encontro [...] estarem em torno de nós”. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 16 com um aplicativo de RA é do corpo-próprio que instaura uma região na qual se estabelecem relações significativas e compreende o que vem ao encontro no mundo circundante. O corpo em movimento não é um objeto que se desloca no espaço procurando ver, tocar, explorar. Não tenho um corpo que se movimenta, mas “eu sou um corpo”, situado corporalmente no mundo. Destarte, para Merleau-Ponty (1994, p. 199), “habituar-se a um chapéu, a um automóvel ou a uma bengala é instalar-se neles ou, inversamente, fazê-los participar do caráter volumoso de nosso corpo próprio”. Isto é, tanto a pessoa cega com sua bengala, quanto a pessoa com a pena em seu chapéu unem “[...] a si um novo núcleo significativo” (Merleau-Ponty, 1994, p. 203), deixando de serem consideradas, em cada caso, dois corpos- objetos e tornam-se corpo-próprio, pois é um corpo fenomenal, um corpo enquanto potência, um corpo como movimento, percepção, linguagem e experiência-vivida. Nesse sentido, também nós, assumimos as TD hoje como intrínsecas à carnalidade, existente em um habituar-se a um smartphone, à conexão gerada com ele com a internet, aos aplicativos e dispositivos que essas conexões circundam e a todo aparato tecnológico que é criado, inventado e atualizado diariamente. Educar matematicamente ou pela(s) matemática(s) com TD, perfaz nossa intencionalidade enquanto corpos-viventes com TD. Nesse sentido, a intencionalidade de cada pessoa com as TD, [...] justamente [perfaz] o fenômeno do hábito [e] convida-nos a remanejar nossa noção do ‘compreender’ e nossa noção do corpo. Compreender é experimentar o acordo entre aquilo que visamos e aquilo que é dado, entre intenção e a efetuação – e o corpo é nosso ancoradouro em um mundo (Merleau-Ponty, 1994, p. 200). No caso, o mundo cibernético é o atual mundo em que cada pessoa se ancora e suas interfaces, as TD, são flexíveis e adaptáveis à cada forma de pensar, assim como seus recursos também são meios de revelação desses modos. Não obstante, o avatar, assim como a bengala, também é incorporado, torna-se participante do caráter volumoso do corpo próprio que é veículo dos modos de ser no jogo eletrônico, com a RV, com a RA, com a IA, agindo, pensando, explorando, experienciando, vivendo em tela. Nesse sentido, nossa transgressão de corpo-vivente com TD é entendida por nós pelo sentido dado à expressão “cyborgs”. Ou seja, já somos cyborgs na e com o devaneio da mistura de materialidade e idealidade, naturalidade e artificialidade, ser humano e máquina do corpo como veículo no mundo. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 17 Cyborgs como antevisão – debatendo a IA como projeção de educação matemática Cyborg com “y” para intensificar a ideia original em inglês, de cybernetic organism (organismo cibernético), uma expressão que sustenta, a nosso ver, o modo de ser com a rede cibernética que hoje é mundialmente adotada enquanto TD. A rede aqui é concebida com todo o aparato tecnológico digital conhecido. Nesse caso, nos enlaçamos ao que Haraway (2009, p.36) revela: Um ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e organismo, uma criatura de realidade social e também uma criatura de ficção. Realidade social significa relações sociais vividas, significa nossa construção política mais importante, significa uma ficção capaz de mudar o mundo. Nesse sentido, nossa antevisão argumenta sobre já sermos cyborgs, ou seja, já não conseguimos viver e nos imaginar sem o aparato tecnológico conectado aos nossos modos de ser, de pensar, de fazer. Nesse caso, incluindo os modos de educar e educar(-se) matematicamente e pela(s) matemática(s). Nessa perspectiva, “O hábito exprime o poder que temos de dilatar nosso ser no mundo ou de mudar de existência anexando a nós novos instrumentos [...]” (Merleau-Ponty, 1994, p. 199). Destarte, em um futuro que já se materializa, as técnicas de aprendizagem profunda, abrangidas pela Inteligência Artificial, como mencionado em textos de ciências da computação, perpassam formas de leitura de outros textos e posicionamentos na rede de computadores e a expressão nítida de um novo texto sobre a temática inquerida. Nesse sentido, a IA assume a criação de um produto, seja texto, imagem, resposta, informação... e, nesse devir, ela pode ser considerada como veículo de ser neste mundo cibernético? Ela assume um corpo? Se sim, que corpo é esse? “Que corpo a máquina assume? Um corpo que não tem intencionalidade? Ou um corpo cuja intencionalidade é programada?” (Rosa, 2023, p. 201). Na beira dessas questões, não podemos esquecer a outra ponta da bengala, isto é, as pessoas que são desenvolvedoras desse tipo de tecnologia, a generativa, assim como, seus usuários. A semelhança ao pensamento humano é admirável, mas esse pensamento não é livre do humano. Há um movimento intencional e diferentes materialidades que sustentam tanto a IA quanto outras tecnologias como a RA e a RV de alta imersão. O senso estético com a percepção dessas tecnologias é, de longe, implacável, uma vez que a própria estética e a experiência vivenciada com elas se referem aos nossos afetos e aversões, similarmente ao modo pelo qual o mundo atinge nosso corpo em suas superfícies sensoriais (ROSA, 2021). Todas essas TD são mundo e têm por base a ação humana, logo, a simbiose com elas perfaz o corpo-próprio, o qual continua sendo visto como uma totalidade (Rosa, 2023, p. 202). III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 18 Assumir-se como cyborg, também com IA, perfaz os atos de ser-com, pensar-com e saber-fazer-com-TD, compreendendo que os índices quantitativos de violência, morte, preconceito, agressão, nos revelam a necessidade de compreender a matemática (supostamente objeto) de suas tecnologias (também objeto) não mais em separação do humano (ser). A matemática é processo, ela é entendida “[...] como linguagem, como ferramenta e/ou campo de estudo” (Rosa, 2018, p. 271) e, desse modo, ainda enlaça a ideia de que se presentifica por meio da corporeidade, que atualmente assumimos como um modo de “ser” conectado. Por isso, então, afirmamos que a constituição do conhecimento matemático com as TD pode acontecer por meio da interação eu-outro-mundo-cibernético, ou seja, no ser cyborg. Logo, o processo de constituição de conhecimento matemático resulta na própria matemática, que é entendida por nós como modos de conhecer, isto é, criar métricas, mensurações, comparações, projeções... ampliando a compreensão da mundanidade do mundo que nos constitui. Mundo esse com TD, com RA, com RV, com IA em que, fenomenologicamente, já somos aí-no-mundo-com. Somos e estamos cyborgs com outras possibilidades se ampliando e projetando. Somos agora cyborgs com IA, com uma ampla possibilidade de acesso a inúmeras bibliotecas, arquivos, produções textuais, sob uma rápida velocidade de conexão, de seleção e construção generativa de novos textos e imagens. Assim, inventar e reinventar estão sendo atos matemáticos a ponto de, inclusive, criar recursos para uma possível previsibilidade das coisas e para estimar motivos de mudanças nunca antes vistas. Referências HARAWAY, D. J. Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In.: TADEU, T. (Org.) Antropologia do Ciborgue. As vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009, p. 33-118. HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Trad. Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1995. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994. MOCROSKY, L. F.; MONDINI, F.; ORLOVSKI, N. A quem interessar possa. In: PAULO, R. M.; FIRME, I. C.; BATISTA, C. C. (Orgs). Ser Professor com Tecnologias: sentidos e significados. 1. ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2018. p. 41-54. Disponível em: https://www.academia.edu/38181508/Ser-professor-com-tecnologias.pdf. Acesso em: 3 abr. 2024 ROSA, M. Corpo-próprio, Tecnologias Digitais e Educação Matemática: percebendo-se cyborg. In.: BICUDO, M. A. V.; PINHEIRO, J. M. L. (Org.). Corpo-vivente e a constituição de conhecimento matemático. São Paulo: Livraria da Física, 2023. https://www.academia.edu/38181508/Ser-professor-com-tecnologias.pdf III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 19 ROSA, M. Tessituras teórico-metodológicas em uma perspectiva investigativa na Educação Matemática: da construção da concepção de Cyberformação com professores de matemática a futuros horizontes. In: OLIVEIRA, A. M. P. de; ORTIGÃO, M. I. R. (Org.). Abordagens teóricas e metodológicas nas pesquisas em educação matemática. 1ed. Brasília: SBEM, 2018, p. 255-281. Disponível em: http://www.sbembrasil.org.br/files/ebook_.pdf. Acesso em: 08 jun. 2021. ROSA, M.; BICUDO, M. A. V. Focando a constituição do conhecimento que se dá no trabalho pedagógico que desenvolve atividades com tecnologias digitais. PAULO, R. M.; FIRME, I. C.; BATISTA, C. C. (Orgs). Ser Professor com Tecnologias: sentidos e significados. 1. ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2018. p. 41-54. Disponível em: https://www.academia.edu/38181508/Ser-professor-com-tecnologias.pdf. Acesso em: 3 abr. 2024. SANTOS, L. A. M. O corpo-próprio como princípio educativo: a perspectiva de Merleau-Ponty. Curitiba: Appris, 2016. http://www.sbembrasil.org.br/files/ebook_.pdf https://www.academia.edu/38181508/Ser-professor-com-tecnologias.pdf III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 20 SEÇÃO 2: CORPO, MOVIMENTO E GEOMETRIA SENTIDOS E SIGNIFICADOS EMERGENTES DE UMA EXPERIÊNCIA ENVOLVENDO SIMETRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA Luana Milagres Fernandes8 Marli Regina dos Santos9 Resumo: Neste texto, apresentamos uma proposta de pesquisa de mestrado, que está em andamento, a qual se volta para o ensino e a aprendizagem de simetrias na Educação Básica. O objetivo é destacar e interpretar os sentidos e significados emergentes, ao estarmos com os alunos do 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual desenvolvendo atividades junto à recursos manipulativos. Palavras-chave: Simetria; Geometria; Fenomenologia. Introdução Conforme Paulo (2006), durante o percurso de uma pesquisa, a inquietação que move o pesquisar é submetida a questionamentos, revelando suas nuances e ambições, até que, finalmente, é estruturada como uma pergunta, que direciona o olhar investigativo do pesquisador. Diante disso, destacamos brevemente neste texto algumas experiências, indagações e inquietações que levaram à formulação da pergunta orientadora que direciona a proposta de pesquisa aqui apresentada. Ao longo de sua graduação, dentre as diversas áreas da Matemática, a pesquisadora desenvolveu uma forte afinidade com a Geometria, o que também ocorreu ao longo de suas vivências como estudante na Educação Básica. Nesse sentido, sempre recorria à Geometria para encontrar soluções para os problemas propostos e buscava interpretar geometricamente os problemas algébricos para compreendê-los e abordá-los melhor. Mas, ainda que tenha se atentado à Geometria e sua importância formativa, no âmbito educacional, por outro lado, a pesquisadora percebeu, em suas vivências práticas nas escolas onde atuou, uma lacuna quanto ao ensino e aprendizagem desse conteúdo. Instalou-se assim, em seu pensar, uma 8 Mestranda em Educação Matemática pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). E-mail: luana.fernandes@aluno.ufop.edu.br. 9 Doutora em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Câmpus de Rio Claro. Professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). E-mail: marliresg@gmail.com. mailto:luana.fernandes@aluno.ufop.edu.br mailto:marliresg@gmail.com III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 21 inquietação quanto ao ensino e aprendizagem de Geometria e certa insatisfação com o modo como era abordado ou tratado em sala de aula. Dentre os diversos conceitos geométricos abordados na Educação Básica, a observação cuidadosa dos documentos orientadores e de alguns livros didáticos despertou na pesquisadora uma preocupação e descontentamento em relação ao ensino e à aprendizagem de simetria, conteúdo este previsto e destacado na Base Nacional Curricular Comum (BNCC). A inclusão do conceito de simetria na Educação Básica foi, segundo Veloso (2012)10, uma iniciativa positiva. Ele destaca que o estudo desse tópico no contexto da Geometria pode se tornar um fator relevante para o desenvolvimento matemático e cultural dos alunos para sua formação. Por outro lado, ele ressalta que esse conteúdo, ao ser inserido na Educação Básica, recebeu um tratamento limitado e superficial. No contexto brasileiro, tanto as orientações curriculares quanto os livros didáticos também abordam o tema com uma interpretação ingênua e frequentemente anacrônica, muitas vezes sem conhecimento desse anacronismo (Pasquini; Bortolossi, 2015). É comum evidenciar uma confusão persistente entre os conceitos de simetria e isometrias. Frequentemente, associamos a ideia de simetria às isometrias sem uma análise mais aprofundada das relações entre ambas. Um dos motivos que segundo Bastos (2006) e Veloso (2012) colabora com confusões a respeito da analogia entre simetria e isometria é o fato de se terem adotado, em português, as designações simetria axial e simetria bilateral para as transformações geométricas que deveriam antes chamar-se reflexões. Além disso, conforme Pasquini e Bortolossi (2015), grande parte das confusões pode derivar dos diversos significados e usos que a palavra simetria adquiriu ao longo da história, evidenciando sua natureza polissêmica. Nesse sentido, Veloso (2012) destaca a importância de nos empenharmos para abandonar a prática de denominar a transformação reflexão como simetria axial ou bilateral. Essa prática tem se revelado como o principal fator de dificuldades na introdução do tema na Educação Básica, uma vez que a palavra simetria está reservada, em Matemática, para um conceito muito bem delineado. 10 Eduardo Veloso (1928-2022), nascido em Lisboa, dedicou-se ao estudo e à exploração da Geometria e da Arte ao longo de sua vida, deixando um legado valioso de textos destinados a auxiliar professores em sua prática. Entre suas obras, Simetria e Transformações Geométricas (2012) destaca-se como uma valiosa contribuição ao ensino e aprendizado de simetria. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 22 Assim, na pesquisa aqui apresentada, buscaremos uma abordagem para o ensino de tema que inclua explicitamente as relações e conexões entre as transformações geométricas isométricas e a simetria, valorizando características e propriedades particulares a cada uma. Visamos, assim, promover uma discussão focada nas conexões entre os temas que possa contribuir para que os alunos possam transitar de forma fluida entre esses diferentes conceitos, atribuindo sentido e significado a cada um deles. Para esta investigação, assumimos a pesquisa qualitativa desenvolvida segundo abordagem fenomenológica, visando o dar conta da pergunta orientadora: “Quais sentidos e significados são explicitados por alunos de uma turma do 8º ano do Ensino Fundamental em meio à realização de uma proposta de atividades envolvendo simetrias?”. Dessa forma, este estudo busca destacar e interpretar os sentidos e significados emergentes de um trabalho com foco no ensino de simetria na Educação Básica, a partir das interações e manifestações ocorridas durante os encontros com os alunos. No próximo item, considerando a polissemia da palavra simetria, torna-se necessário explicar, ainda que de forma sucinta, o entendimento matemático adotado. Após, apresentamos os procedimentos planejados para a pesquisa. O Conceito Matemático de Simetria Simetria11 de uma figura é toda isometria do plano que deixa a figura invariante. Dessa forma, não deve ser possível distinguir a figura original da final, seja em termos de forma, tamanho, posição ou cor. Assim, o conceito de simetria está sempre vinculado à análise de uma figura. Ao buscar as simetrias de uma figura, busca-se identificar as isometrias do plano que a mantêm inalterada. Utilizaremos um exemplo com um triângulo equilátero ABC para ilustrar o conceito de simetria em figuras planas. Podemos girar o triângulo em torno de seu centro, no sentido horário, em diferentes ângulos. Contudo, o resultado dessa rotação pode variar a posição original do triângulo no plano, dependendo do ângulo escolhido. Observe na figura (1) abaixo a rotação (a) de centro O e ângulo de 90º, e a rotação (b) de centro O e ângulo de 120º. Figura (1) (a) Rotação de centro O e ângulo 90º (b) Rotação de centro O e ângulo 120º 11 Essa definição de simetria de uma figura plana é adotada por Rita Bastos (2006), Eduardo Veloso (2012) e por outros autores com os quais dialogamos em nosso estudo. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 23 Fonte: autoria da pesquisadora Enquanto no primeiro caso a imagem da figura não se sobrepôs à original, no segundo caso a sobreposição foi perfeita. Isso não significa que os pontos da figura, no segundo caso, não tenham se movido. O que ocorre é que a isometria foi tal que, no final, as figuras ficaram sobrepostas, tornando-se indistinguíveis. Assim, a rotação (b) se constitui como uma simetria do triângulo equilátero, enquanto a rotação (a) não. Procedimentos da pesquisa Ao realizar uma pesquisa em fenomenologia, buscaremos investigar a experiência vivida a fim de compreender, de modo particular, aquilo que investigamos. Portanto, no âmbito da nossa investigação, nossa preocupação é olhar e ver o que está sendo manifestado pelos sujeitos, em sua vivência na sala de aula, relacionados ao conceito de simetria. Nessa perspectiva, “não se assume uma definição prévia do que será observado na percepção, mas fica-se atento ao que se mostra” (Bicudo, 2011, p. 19). Portanto, é primordial que o pesquisador se envolva com o ato de pesquisar, pois os dados da pesquisa não existem a priori, mas se constituem na experiência do sujeito que os vivencia. Portanto, o pesquisador é um importante “instrumento” da investigação, na qual se mostra necessário o seu contato direto, atento e prologado com o campo de estudo, visando captar os significados dos comportamentos observados. Assim, visando dialogar com a questão orientadora, para a pesquisa de campo, foram organizados encontros com uma turma composta por 32 alunos do 8º ano do Ensino Fundamental, em uma escola pública estadual, durante os horários regulares das aulas de Matemática. Durante esses encontros, está sendo implementada uma proposta de atividades sobre simetrias, concebida e elaborada pela pesquisadora, com o objetivo de evidenciar os sentidos e significados manifestados pelos participantes ao longo de sua execução. Nossa abordagem busca introduzir o conceito de simetria por meio de uma variedade de atividades III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 24 e experimentos, utilizando materiais como malha quadriculada, papel vegetal, quadro de cortiça, espelhos mágicos, entre outros recursos. As técnicas e instrumentos que nos permitirão obter descrições que constituirão em nossos dados da pesquisa serão registros em áudio e vídeo dos encontros, registros fotográficos, registros escritos das atividades realizadas e um diário de campo da pesquisadora com anotações e percepções quanto às interações e diálogos entre os participantes. Avanços na pesquisa e próximas ações Estamos atualmente na fase de execução do estudo de campo da pesquisa relatada, que teve início em fevereiro deste ano. Até o momento, foram realizados quatro encontros com os alunos, com duração de uma hora e quarenta minutos cada. Os encontros estão sendo registrados por meio de filmagens e posterior transcrição, visando elaborar uma descrição abrangente que destaque os aspectos mais significativos. Tal descrição contemplará todos os registros, incluindo as falas, entonações, dúvidas, expressões, gestos e momentos de silêncio, apresentando uma análise detalhada das interações ocorridas. Após o estudo de campo, com base nessa descrição detalhada, será realizada a análise qualitativa fenomenológica dos dados. Referências BASTOS, R. Notas sobre o Ensino da Geometria: Simetria. Educação e Matemática, Lisboa, n. 88, p. 9-11, 2006. BICUDO, M. A. V. (Org.) Pesquisa Qualitativa segundo a visão fenomenológica. São Paulo: Cortez, 2011. PASQUINI, R. C. G.; BORTOLOSSI, H. J. Simetria: história de um conceito e suas implicações no contexto escolar. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015. PAULO, R. M. O significado epistemológico dos diagramas na construção do conhecimento matemático e no ensino de matemática. 2006. 192 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2006. VELOSO, E. Simetria e transformações geométricas. Lisboa: APM, 2012. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 25 GEOMETRIA E FENOMENOLOGIA: AVANÇANDO EM COMPREENSÕES E BUSCANDO UMA PEDAGOGIA FENOMENOLÓGICA Adlai Detoni12 José Milton Lopes Pinheiro13 Lais Cristina Pereira da Silva14 Luana Milagres Fernandes15 Marli Regina dos Santos16 Resumo: Neste texto apresentamos algumas articulações realizadas no âmbito do subgrupo Geometria-FEM quanto ao conhecimento geométrico em seus aspectos existencial, formal e pedagógico. Para isso, apontamos pesquisas de membros do subgrupo, e de outros autores que se voltam para a temática, destacando ações propostas e implementadas nas pesquisas que sinalizam para especificidades (e possibilidades) de uma pedagogia fenomenológica. Buscamos assim uma compreensão mais ampla entrelaçando tais pesquisas, em sintonia com uma discussão teórica que retoma temas importantes à obra de Husserl, sinalizando posturas pedagógicas em sintonia com a visão de mundo fenomenológica. Palavras-chave: Geometria; Corpo-Próprio; Espacialidade; movimento. Introdução O que é isso, a pedagogia? Se não respondida de modo ingênuo, tal pergunta levanta inúmeras compreensões, que podem convergir ou divergir, provocando a diversidade e segmentação da educação, conforme afeição a determinada concepção de pedagogia. Há quem defenda uma pedagogia nova, em detrimento de uma pedagogia dita tradicional, ou uma pedagogia da autonomia, em detrimento de uma pedagogia conservadora, dita autoritária, da mesma forma, há a disputa entre a pedagogia religiosa e a laica. O desafio que se impõe a quem busca tal compreensão é evidenciar, no âmbito das muitas reflexões, o que se mostra como invariante, concepções sem as quais não se possa dizer de pedagogia. Essa busca é a que se realiza com o método fenomenológico, que se 12 Doutor em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, Rio Claro. Professor da UFJF. E-mail: adlai.detoni@ufjf.br. 13 Doutor em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, Rio Claro. Professor da UEMASul. E-mail: jose.pinheiro@uemasul.edu.br. 14 Mestre em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, Rio Claro. Professora de Matemática do Ensino Fundamental Anos Finais II e Ensino Médio. E-mail: lais.pereira@unesp.br. 15 Mestranda em Educação Matemática UFOP, email: luana.fernandes@aluno.ufop.edu.br. 16 Doutora em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, Rio Claro. Professora da UFOP. E-mail: marliresg@gmail.com. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 26 direciona ao fenômeno assumindo desconhecê-lo, para que ele possa se manifestar em seu modo de ser e de se fazer presente na vivência, podendo, assim, mostrar seus estruturantes, o que não varia mesmo diante das muitas configurações de percepções e de pensamentos sobre ele. Toma-se, aqui, a pedagogia como fenômeno, para com isso pensar e expor uma compreensão de pedagogia fenomenológica e, com mais atenção, esta pedagogia voltada ao ensino e aprendizagem de geometria. No entanto, o texto que aqui apresentamos constitui- se como parte de um movimento investigativo, que ainda não nos permite a compreensão que buscamos, mas que nos coloca no caminho de uma explicitação justificada e consistente. Embora se diversifiquem as concepções de pedagogia, os estudos prévios nos permitem compreender que uma concepção generalizada se evidencia, como sendo um modo de realizar a educação, precisando, para tanto, de uma estrutura que prevê a epistemologia com a qual se pensa o fazer, os modos de realização (estratégias) e os objetivos. Tal concepção subentende a relação entre teoria e prática, bem como entre aquele que realiza a educação e aquele para quem se direcionam os atos da educação, corroborando o conceito de pedagogia que vem da Grécia antiga, definindo-a como o modo de formação (agodé) da criança (paidós) para a vida, constituído por uma fundamentação proveniente do pensar filosófico que acentua a atividade educativa e a perspectiva empírica e prática inerente ao aspecto metodológico presente na própria etimologia da palavra. Embora se fale da estrutura epistemologia-metodologia-praxeologia, não se está fixando ou restringindo o conceito de pedagogia, que como foi dito, se diversifica, é amplo e complexo. A estrutura generalizada possibilita esta diversidade, pois são muitas as epistemologias, as metodologias e as praxeologias. Por exemplo, Paulo Freire parte da epistemologia de uma educação da libertação (ou educação problematizadora), que se baseia na indissociabilidade dos contextos e das histórias de vida na formação de sujeitos, que ocorre por meio do diálogo e da relação entre alunos e professores. Como metodologia, que deve ir ao encontro da epistemologia, Freire propõe a ação-reflexão-ação, tendo como objetivo o conhecimento, que se constitui junto a ação e que conduz as ações do sujeito que aprende. Com este exemplo podemos pensar no movimento de compreensão da pergunta que direciona este estudo, qual seja: como se constitui uma pedagogia fenomenológica? Para tal compreensão, buscaremos evidências em estudos do Grupo Fenomenologia da Educação Matemática - FEM que se voltaram à geometria, entendendo que a partir deles se possa tecer compreensões mais amplas sobre uma pedagogia fenomenológica. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 27 Pensando a estrutura epistemologia-metodologia-objetivo para uma pedagogia fenomenológica Do exemplo da pedagogia de Paulo freire, e da estrutura epistemologia-metodologia- objetivo, propomos pensar inicialmente no objetivo, que é a constituição de conhecimentos, que só de afirmarmos aqui como constituídos vamos de encontro a muitas teorias, entre as quais as construtivistas. Compreendendo a constituição de conhecimento na Fenomenologia, podemos pensar como ela pode se realizar como correlata a uma prática metodológica. Entendemos em Husserl (2006) que junto à intencionalidade e percepção de um corpo-vivente (Leib), avança um pensar articulador, que vai constituindo compreensões que eclodem em expressão pela linguagem, explicitando sobre isso que se mostra junto ao ato de perceber, sobre as propriedades sensíveis das coisas (os plena), sobre as quais se reflete e compartilha na intersubjetividade de cossujeitos que se voltam ao que é dito, compreendendo o expresso e dele pondo-se a falar, trazendo contribuições, concordando, discordando e evidenciando articulações possíveis, aperfeiçoando-as. Assim se constitui um movimento de formalização, que vai ao encontro de uma idealidade objetivada da objetualidade na e pela linguagem, mediante a expressão do compreendido como o que se mantém como nuclear da ideia articulada. A constituição das idealidades dos objetos vai se materializando na repetição de compreensões expressas pelos cossujeitos (de uma mesma época, cultura, sociedade ou não) e práticas bem sucedidas. O dito acima sintetiza o movimento de constituição de conhecimento, evidenciando termos relevantes com os quais possamos tecer compreensões sobre a metodologia que subjaz uma pedagogia fenomenológica. Destaca-se: intencionalidade, percepção, os plena, reflexão, expressão pela linguagem, intersubjetividade, formalização e idealidade. A Intencionalidade se trata do modo pelo qual o corpo-próprio, ou corpo-vivo, se estende para o mundo, acolhendo e abarcando o sentido. A consciência intencional das ações que efetuamos carrega o sentido de dar-se conta de, em um movimento que envolve diferentes atos como os sensoriais, psicológicos e espirituais. Assim, a intencionalidade liga, de modo invisível, a direção de nosso olhar indagador para onde quer que ele se volte. O objeto visado é o correlato intencional de uma subjetividade que o visa. Trata-se de um encontro no qual a subjetividade foca justamente isso e não aquilo, dessa forma e não de outra. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 28 E como ser dá o encontro entre consciência intencional e objeto intencionado? Dá- se pela percepção, que se trata “de um ver imediato, entendido como intuição do que é isto que é visto. É um ver com sentido, uma vez que o visto é compreendido em sua totalidade, isto é, em sua figura, ou núcleo, e fundo, seu em torno, ou contexto. Não se trata de um raciocínio relacional, mas de uma compreensão do todo/parte” (BICUDO, 2010, p.30). Os plena são as propriedades sensíveis das coisas, dadas às intuições vividas junto a elas. Na busca de dar ao mundo da ciência o estatuto de completude compreensiva sobre o mundo empírico, a matematização dos plena passa a ser uma questão a se enfrentar. Uma longa tradição matemática, dos gregos clássicos até a atualidade, passando por Descartes, propõe, notadamente por abstrações, lidar-se com aquilo do espaço e tempo que se identificam como quantidades imediatamente mensuráveis por linhas e marcações cronológicas. Husserl lembra que a técnica matemática desde sempre, com mais profundidade a partir da modernidade, mensuram propriedades em geral por correlações e analogias: tons sonoros são comprimentos de corda, por exemplo. Os atos perceptivos solicitam desdobramentos, a serem (ou não) efetuados pela consciência intencional, numa retomada desses atos, na busca do sentido, avançando, na direção dos processos cognitivos, dentre eles a reflexão, a recordação, a imaginação etc. A consciência (...) é por si um movimento que atualiza, efetua os atos, e que articula o sentido desses atos, ou seja, efetua o processo reflexivo. É o movimento de dar-se conta, de se estar atento ao que fazemos e ao que ocorre. É um movimento que enlaça o ato de perceber, bem como o ato de refletir, abrindo espaço para refletir sobre si mesma, ou seja, sobre a consciência e seus atos, sobre quem efetua esses atos, ou seja, sobre o ser humano e sobre os modos pelos quais o produto das operações desses atos é comunicado, isto é, sobre a comunicação entre pessoas (BICUDO, 2011, p. 31). A linguagem tem a dupla tarefa de possibilitar a manifestação da expressão, e trazer consigo camadas de sentido (dadas pela tradição) que possibilitem que as significações ocorram. Ou seja, traz a possibilidade de desdobramentos na direção da constituição intersubjetiva de núcleos noemáticos. Diz-se, aqui, da linguagem que não se reduz ao seu ser gramatical, mas que se estrutura como um campo semântico e, se vivida, não serve como registro final do objeto, mas como um reabrir perceptivo (...) há um mundo lingüístico aberto, cujos significados e significantes têm uma história. Não usamos simplesmente de uma linguagem, habitamo-la, o que quer dizer que, a cada uso, revivemos sua história desde os sentidos primeiros que permitiram seus significados (DETONI, 2001). III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 29 A intersubjetividade, na abordagem fenomenológica, não se refere um coletivo de subjetividades e a objetividade não é uma determinação exata e externa a uma consciência que a intenciona. A intersubjetividade se constitui nas experiências vividas entre seres humanos, vivências essas passíveis de darem-se na experiência empática que realiza o ato de abertura ao outro, visto e assumido como semelhante, constituindo-o cossujeito que, mediante compreensões e expressões possibilitadas pelo estabelecimento de modos de comunicação, comungam ideias, ações, valores etc. O âmbito intersubjetivo ao mesmo tempo em que se mantém na organização histórica e cultural da tradição também sustenta essa organização. De uma certa forma, formalizar responde por um último anseio de cientificidade à matemática, quando, para muitos, o sintático enfim superaria o semântico. Husserl aponta uma característica da matemática moderna na intenção formalizadora associada ao processo tradicional de abstração, na busca de apreender propriedades e também organizá-las de modo a pertencerem a um ser universal, um ente mais geral. Quer-se, na modernidade, enfim, matematizar a natureza, o que se torna uma questão (Galileu). A ideia de que a matemática é uma multiplicidade se projeta, pois que, adianta Husserl, o mundo vivido é uma multiplicidade, o Espaço é uma multiplicidade. Possíveis modos de ser pluralizam a tarefa da formalização. A questão se põe: sobre a multiplicidade, ter-se uma ciência universal, pautada na unicidade objetiva, em essencialidades válidas para todos. Husserl vê essa tarefa possível na historicidade da compreensão humana, que caminha desejando esse possível: O mundo é pré-cientificamente dado, na experiência sensível cotidiana, de modo subjetivo-relativo. Cada um de nós tem as suas aparições [...]. Interiorizamos há muito, nas nossas relações recíprocas, esta discrepância entre as nossas validades do ser. Não julgamos por isso, todavia, que haja muitos mundos (HUSSERL, 2012, p. 17). Em crítica à Galileu, Husserl lamenta o apego a uma obviedade metodológica que é ingênua na crença da evidência da absoluta validade universal e que termina permitindo um caminho extravivencial esquematizado em elementos formais e simbólicos. O entendimento pedagógico do dito acima é que a formalização é o estágio capital da formulação da ciência em sua universalidade, sua abrangência maior. Ela ratifica a ideia de multiplicidade matemática (a matemática é uma multiplicidade, matemática), dispondo, por exemplo, a ideia e estrutura de um espaço genérico, que permite e abriga n-espaços. Diz-se, de espaços mais formais. Então, como se garantir que os formais deem conta da natureza? Para resposta, na citação acima, em nós, desde nossa visita ao mundo pré- III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 30 cientificamente dado, já há a semente do subjetivo-relativo, lidamos com discrepâncias de apreensões, somos talhados para acolher e estar-junto do formal. Segundo, com atenção pedagógica, o formal não deveria ser objeto educacional posto como acabado. O processo de formalização é o objeto educacional, quando se deve fugir da ´obviedade´ de que as ciências correspondem ao mundo natural e evitar que o domínio do simbólico seja o campo inicial da compreensão da multiplicidade matemática. Estas são Compreensões importantes na Fenomenologia, e nos permitem explicitar que a idealização, os conhecimentos que agora são apresentados nos diferentes meios, dentre os quais o científico, nascem na/da experiência perceptiva. Como exemplo, o conceito do movimento browniano, amplamente complexo, interpretado matematicamente por Langevin e levado às teorias da física por Einstein, tem como primado uma experiência perceptiva de Robert Brown, cuja intencionalidade voltada ao movimento de partículas de pólen suspensas em água lhe deu a percepção de um movimento incessante e imprevisível, “aparentemente caótico”. Com esta explicitação quer-se enfatizar a relevância da experiência perceptiva do movimento para constituição dos conhecimentos, que aqui explicitamos como o objetivo da pedagogia fenomenológica. Com isso, podemos conjecturar sobre uma metodologia da pedagogia fenomenologia, que deve propor a experiência perceptiva para aprendizagem, permitindo que os dados sensíveis do conhecimento se mostrem, para que possam ser discutidos e formalizados. Para tanto, a metodologia propõe uma postura, que deve ser a fenomenológica, com a qual professores e alunos se põem sempre em situação de estar aberto para..., de voltar-se a..., sempre atento ao que se mostra na vivência, doando-se em atos perceptivos e deixando que as percepções lhe cheguem como dados percebidos, ou seja, dados não pressupostos, mas que se mostram a ele junto ao seu ato de pôr-se na humildade de assumir o não saber, buscando saber o como se dá, e não de imediato determinar esse como. A postura fenomenológica “solicita atenção com as coisas que estão no campo de percepção, não as tomando como verdades apodíticas, mas compreendendo que o que aí está pode ser entendido subjetivamente e constituído intersubjetivamente com o outro” (Venturin, 2015, p. 19). Com esta postura e metodologia, o conhecimento aprendido passa a ser aquele que se mostra na originalidade da vivência, podendo ser formalizado à posteriori, em discussões promovidas com este intuito, visando atribuir a formalidade científica, conforme as leis que a rege, porém, sem desprezar o movimento perceptivo, que mostrou os elementos sobre os quais se busca o revestir científico. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 31 O objetivo e a metodologia que delineamos para uma pedagogia fenomenológica nos permite agora pensar na epistemologia, solo sobre o qual avança a metodologia que visa a constituição de conhecimentos. Ela corresponde ao ato filosófico de retornar ao mundo vivido aquém do mundo objetivo já que é nele que poderemos compreender tanto o direito como os limites do mundo objetivo, restituir à coisa sua fisionomia concreta, aos organismos sua maneira própria de tratar o mundo, à subjetividade sua inerência histórica, reencontrar os fenômenos, a camada de experiência viva através da qual primeiramente o outro e as coisas nos são dados, o sistema ‘Eu-outro-as coisas’ no estado nascente. Bibliografia BICUDO, M. A. V. Filosofia da educação matemática segundo uma perspectiva fenomenológica. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Fenomenologia da Educação Matemática: fenomenologia, concepções, possibilidades didático-pedagógicas. 1 ed. São Paulo: Editora UNESP, 2010. p. 23-47. BICUDO, M. A. V.; GARNICA, A. V. M. Filosofia da Educação Matemática. 4 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. HUSSERL, E. Ideias para uma Fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica: introdução geral à fenomenologia pura/Edmund Husserl. Trad. Marcio Suzuki. 5 ed. Aparecida Ideias & Letras, 2006. HUSSERL, E. A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental: uma introdução à filosofia fenomenológica. Trad. Diogo Falcão Ferrer. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012. VENTURIN, J. A. A educação matemática no Brasil da perspectiva do discurso de pesquisadores. 2015. 541p. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, 2015. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 32 SEÇÃO 3: PERCEPÇÃO, INTUIÇÃO E FORMALIZAÇÃO SOBRE A NOÇÃO DE AMPLITUDE DE INTERSUBJETIVIDADE: UM ESBOÇO Orlando de Andrade Figueiredo17 Resumo A partir da noção de "esforço de intersubjetividade", mostra 3 dimensões de amplitude de intersubjetividade. Destaca o mais intenso, que é assim caracterizado: a) repudia o engessamento do mundo (pronto, acabado e fechado), abrindo-se; b) coerentemente, valoriza uma linguagem ampla e amplificada como canal de expressão das vivências subjetivas em detrimento de uma concepção restrita de linguagem; c) evita recair na concepção das coisas como isoladas e separadas, buscando as conexões subterrâneas entre elas; d) favorece e requer o discurso metacognitivo, mormente a fenomenologia. Diferencia a interlocução sobre intuição nas dimensões de amplitude propostas, assim como formalização, percepção, generalização, antepredicação. Apresenta a ideia como chave de análise de discurso fenomenológico. Palavras-chave: Intersubjetividade; Esforço de intersubjetividade; Fenomenologia. Introdução O adepto da Fenomenologia como metodologia de inquérito científico e/ou filosófico, e mesmo como fundamentação epistemológica e/ou ontológica, comumente se percebe incompreendido. Desde sua origem, a Fenomenologia se caracteriza por certos assuntos que aborda, como a intuição, que são subjetivos. Isso não é uma casualidade, mas uma ligação natural e essencial. A Fenomenologia se propõe a ser um corpo de conhecimento voltado para a experiência de forma mais ampla e profunda, e, coerentemente a isso, não pode ser furtar a tratar daquilo que é a origem mesma da experiência — o espaço subjetivo —, e, como tal, inexpressável, pois antepredicativo. A analogia natural desse quadro é a reconhecida impossibilidade de se explicar experiências sensoriais a quem possui capacidades diferenciadas de ver, ouvir ou sentir cheiro. Essa reconhecida impossibilidade deveria ser reconhecida também, em transposição, nas coisas mais comezinhas, como a experiência de escrever em papel com uma caneta. No entanto, esse ato de escrever se passa como facilmente compartilhado entre os sujeitos, o que não é o fato, visto que os aspectos subjetivos ali envolvidos prosseguem privados. É 17 Doutor em Educação Matemática, PPGEM/IGCE/Unesp. Professor Assistente Doutor do IGCE/Unesp. E- mail: orlando.a.figueiredo@unesp.br. mailto:orlando.a.figueiredo@unesp.br III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 33 desse recanto particular e inacessível que boa parte do arcabouço da Fenomenologia trata, e eis a razão de dificuldades. Um contestador da Fenomenologia ainda iniciante apelaria para o argumento do solipsismo, segundo o qual a radicalidade com a qual a Fenomenologia toma a subjetividade reduz o sujeito a uma condição de isolamento. Nada mais ingênuo, pois é a Fenomenologia que irá construir, a partir do reconhecimento da subjetividade, uma das melhores caracterizações de como se dá isso: o encontro entre dois sujeitos. Pois a Fenomenologia não nega que há, sim, ligações entre indivíduos, e a comunidade, mas os detalhes de como isso se dá podem e devem ser examinados a partir de uma análise fenomenológica. A Fenomenologia não nega, apenas suspende. Suspende para entender. E, então, surge a noção de intersubjetividade, isto é, a topografia dos atos de consciência mediante os quais a perspectiva de um outro se abre na subjetividade, e ocorre alguma forma de encontro. Portanto, de forma coerente com esse arcabouço de conhecimento, isto é, ciente da condição intersubjetiva da vida em comum, o próprio fazer fenomenológico (as descrições) deveriam ser caracterizadas por um esforço de intersubjetividade. O falar das coisas subjetivas não deveria se dar sem o reconhecimento da dificuldade intrínseca da intersubjetividade, e ainda mais quando as coisas faladas são a própria Fenomenologia e seus conceitos, inclusive a subjetividade e a intersubjetividade mesmas. O presente ensaio é um breve exemplo de um discurso que reconhece suas dificuldades, se observa, se analisa fenomenologicamente, e se expressa como esforço de intersubjetividade. A chave de análise é a própria noção de esforço de intersubjetividade, mais claramente entendido a partir da noção de dimensão de intersubjetividade. A dimensão de maior esforço de intersubjetividade Grosso modo, três são as dimensões de intersubjetividade: a) o discurso quotidiano; b) o discurso científico; c) o discurso filosófico-fenomenológico. O foco do presente ensaio é o último, e os demais poderão vir à tona como contraste. Bom seria que nem nome lhe tivesse sido dado (o que aconteceu na enunciação de abertura deste parágrafo). Vamos fingir esquecê-lo e adotar, em vez dele, a expressão "dimensão de mais amplo esforço de intersubjetividade". Nas vivências que ocorrem na dimensão de mais amplo esforço de intersubjetividade, podemos reconhecer certas características intrínsecas, a saber: III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 34 1) Abertura de mundo Quando se encontra um interlocutor que dá indícios de contar demais com que haja um mundo comum entre as partes, algo se perde. O esforço de intersubjetividade começa no reconhecimento que estão ali dois mundos possivelmente estranhos entre si, e de que há pouco — muito pouco — com que eles podem contar como comum. A analogia é de dois castelos enormes que se ligam por pouquíssimas pontes. Essas pontes são o ponto de partida para um ir e vir que se desdobrará como a construção de pontes e mais pontes, no que virá a ser, mais à frente, uma intersubjetividade mais ampla. O tempo dessa interlocução e construção precisa ser, portanto, longo (não necessariamente no sentido cronológico): uma tarde, um ano, uma vida de convivência. Dificilmente, um artigo, uma palestra, uma aula possibilitam tal interlocução. O ir e vir é desejável, mas mesmo a interlocução com um texto fechado pode ser caracterizada pelo esforço aqui descrito. Certamente caberá ao leitor a identificação e a construção de pontes, mas isso será facilitado se o autor conscientemente tentou fazer a sua parte. Assim, há textos mais ou menos favoráveis à interlocução de mais ampla intersubjetividade. Um contraexemplo está em certos trabalhos que trazem historicidade. Um egiptólogo pode parecer muito taxativo e muito cheio de certezas sobre certas afirmações, como se nossa reconstrução atual sobre o Egito antigo fosse algo consolidado. Ao contrário, um historiador que a todo tempo mostra a fragilidade do que conhece, e busca deixar claro na interlocução como certas conclusões são feitas, faz o esforço. Como exemplo positivo, trago meu próprio ensaio sobre o sentido da computação (Figueiredo, 2014), que abre com a constatação do fascínio evidente das pessoas com esculturas realistas ao extremo ou autômatos. Eu reconheço ali que estou partindo de poucas interseções com o outro, mas quando reconheço a mim mesmo no espanto que o outro demonstra frente às esculturas. Esse reconhecimento mútuo é o pouco de que disponho de mundo comum evidente. 2) Concepção ampla e ampliada de linguagem Quando o interlocutor aponta divergências no emprego de palavras, ele desconhece que palavras se acoplam na subjetividade de cada um por caminhos possivelmente distintos. A renegociação da semiótica das palavras é parte natural do esforço de intersubjetividade. Em minha tese de doutorado (Figueiredo, 2010), precisei começar a III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 35 argumentação negociando a semiótica da palavra sentido. Mas, não é só isso. Quem explora a subjetividade encontrar vivências para as quais não há palavras associadas. O que acontece é que ele reconhece essas vivências parciais de outras vivências. Daí vem a necessidade de fazer analogias, que se expressam muitas vezes de forma figurada. Uma linguagem rica em figuração é sinal disso. Hofstadter e Sander (2013) elaboram sobre a analogia como acontecimento cognitivo primordial, assim como Lakoff já havia feito com metáforas. Em suma, as dificuldades de se expressar sobre a subjetividade a partir do texto literal é tremenda, e naturalmente esse esforço de expressão precisa recorrer a outros recursos como literatura, arte em geral, etimologia factual, etimologia criativa, e a já mencionada linguagem figurada. 3) Tudo está em contexto Na raiz das vivências, há essa propriedade da experiência humana de abraçar as coisas recortando-as de tudo: de sua história, de sua causalidade, dos diversos fatores que as influenciam. Se estou diante de um copo, facilmente esqueço de que foi feito por alguém, de que foi comercializado e transportado por alguém, de que foi usado por alguém, de que existe um contexto histórico e cultural, de como aprendi desde criancinha a entendê-lo, etc. Para dar contar do vivido, nosso ser evoluiu para abraçar os fenômenos de forma mais direta. Esse é um nó górdio em praticamente todo o conhecimento científico, inclusive as ciências humanas. É preciso muito esforço para recolocar as coisas em suas infinitas conexões. Boa parte da contribuição da Fenomenologia reside em buscar os elos subterrâneos que sustentam a experiência. 4) Metacognição Por fim, é inevitável que a própria interlocução seja tema de si mesma, pois assim também é a análise da subjetividade. Quando o mais amplo esforço de intersubjetividade é feito, a fim de que seja completo, e, portanto, honesto, ele fala de si, de suas possibilidades e limitações. Em Fenomenologia, diversos temas mostram esse caráter, como a ontologia (o é do ser), metalinguagem (semiótica da semiótica, p.ex.), a percepção percebida, etc. Assim é a própria Fenomenologia, que é tema de si mesma em tantas de suas mais notáveis obras. Falando de intuição e formalização nas diferentes dimensões Há a dimensão do discurso científico, seja na produção científica, seja na própria produção filosófica, e há também em muitos leitores de Fenomenologia. O leitor que não III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 36 passou pelo extenso esforço de intersubjetividade para renegociar os sentidos de intuição, formalização, percepção, generalização e antepredicação não se encontrará “na mesma página” do autor que ali escreveu sobre essas vivências. Por exemplo, generalização como intuição é uma coisa, e como formalização é outra, e, de forma evidente embora misteriosa, elas se encontram, se alinham e se superpõem, compondo, assim, o fenômeno generalização. Para tanto, é preciso que as partes da interlocução se esforcem para convergir nos elementos envolvidos (intuição, idealidade, abstração, etc.). Outras considerações O presente arcabouço é um exemplo daquilo de que trata, de forma coerente com o que apresenta, em alguns aspectos e não em outros. Como aspecto atendido está o caráter metacognitivo e metalinguístico que, como dito, brota no esforço intersubjetivo. Como aspecto negligenciado, está a brevidade da interlocução. Essa proposta pode ser aplicada como chave na análise do próprio discurso fenomenológico. Frente a um texto que se recebe ou que se produz, podemos perguntar: começa de um ponto comum mínimo ou considera que é entendido prontamente? Requer que certas palavras tenham acepções estritas ou negocia significados? Expressa- se de forma figurada? Trata de si próprio na análise? Abre conexões ignoradas? Longe de ser prescritivo, o presente ensaio buscou tematizar a intersubjetividade no próprio fazer fenomenológico (descrições). Vale menos como diagnóstico determinístico de um quadro que está dado na vida acadêmica do que como provocação precária e possível em espaço breve. Referências FIGUEIREDO, O. A. Sentidos de percepção e educação matemática: geometria dinâmica e ensino de funções com auxílio de representações dinâmicas. Rio Claro: Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2010. FIGUEIREDO, O. A. A questão do sentido em computação. In: BICUDO, M. A. V. (Org.) Ciberespaço: possibilidades que se abrem ao mundo da educação. Editora Livraria da Física, 2014 HOFSTADTER, D. R., SANDER. E. Surfaces and Essences: Analogy as the Fuel and Fire of Thinking. New York: Basic Books, 2013. III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 37 SEÇÃO 4: SIGNIFICAÇÃO, REPRESENTAÇÃO E SEMIÓTICA TRAJETÓRIA FENOMENOLÓGICA DE ANÁLISE DO ATO DE SIGNIFICAR A ESTRUTURA DE ANEL Verilda Speridião kluth18 Tiago Nunes Castilho19 Paola Andrea Gaviria Kassama20 Carlos Alberto T. D. Filho21 Resumo: O intuito do texto é apresentar e pôr em discussão o alcance da análise da Rede de Significação para se compreender o ato de significar implícito no encontro de licenciandos de um curso de ciências ao estarem na presença de uma apresentação matemática descritiva e simbólica da estrutura anel, que posteriormente será interpretado à luz da Semiótica de Husserl. Palavras-chave: estruturas da álgebra; rede de significação; ato de significar. Introdução O intuito do texto é apresentar e pôr em discussão o alcance da análise da Rede de Significação para se compreender o ato de significar implícito no encontro de licenciandos de um curso de ciências ao estarem na presença de uma apresentação matemática descritiva e simbólica da estrutura anel, que posteriormente será interpretado à luz da Semiótica de Husserl. Para a reflexão fenomenológica da constituição do conhecimento matemático numa perspectiva do ato de significar, tomou-se as disciplinas matemáticas e a historicidade de seus objetos como tradição, como realizações humanas, cuja constituição é estabelecida numa primeira aquisição originada por uma atividade subjetiva criadora possibilitada por uma evidência de mundo. 18 Doutora, Unesp. Professora Associada, Unifesp. E-mail: kluth.verilda@unifesp.br e verilda@nlk.com.br. 19 Doutor, Unicamp. Professor Adjunto, Unifesp. E-mail: tncastilho@unifesp.br. 20 Doutora, Usp. Professora Adjunta, Unifesp. E-mail: andrea.gaviria@unifesp.br. 21 Mestre, Unifesp. Professor, Prefeitura Municipal de São Paulo. E-mail: carlos.atdf@gmail.com. mailto:kluth.verilda@unifesp.br mailto:verilda@nlk.com.br mailto:tncastilho@unifesp.br mailto:andrea.gaviria@unifesp.br mailto:carlos.atdf@gmail.com III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 38 Ao se interrogar a primeira aquisição, desencadeia-se uma sucessão de sínteses onde o sentido das aquisições anteriores fica preservado. Desta forma todas as aquisições remetem-se a uma mesma evidência originária, retomável em qualquer tempo e lugar, o que dá às aquisições uma singular atemporalidade, caracterizando-as como objetos ideias. Sob esta perspectiva, as estruturas da álgebra, segundo kluth (2005) mostram-se no fluxo de sua maduração como noções estruturais, objetos de estudos, que têm a finalidade de reunir todos os tipos de uma mesma estrutura e seu por vir como estrutura da álgebra. Este foram os principais alicerces para o desenvolvimento de uma atividade22 a ser aplicada para compreendermos o ato de significar a estrutura anel. Nosso estudo se concentrou no estágio em que a estrutura anel é tomado como objeto de estudo em seu caráter integrador regido pelo propósito de reunir todos os possíveis anéis. Sobre a atividade A atividade é composta de três momentos: Apresentação e interpretação da estrutura de anéis; compreender a utilização das propriedades de anési - fundamentos para a extensão desta estrutura e extensão da estrutura de anéis para a estrutura de corpo. Os três momentos da atividade são constituídos de leitura sobre o conteúdo matemático, solicitação de respostas sobre o lido; sequência de encaminhamentos a serem compreendidos e tarefas a serem cumpridas, assim como também a solicitação de um depoimento: 1) Descreva com palavras e expressões matemáticas como chegou às respostas das perguntas, destacando as articulações e procedimentos que utilizou. A atividade foi implementada nas turmas vespertina e noturna da disciplina “Introdução às Estruturas Algébricas", disciplina do oitavo semestre do último ano da licenciatura. Onze (11) alunos participaram da atividade. Após receber os alunos com uma calorosa boas-vindas, detalhar o cronograma de atividades e introduzir o material guia, iniciou-se a explanação sobre a atividade proposta, frisando que esta era fruto do trabalho realizado no grupo de pesquisa GPE-Femic, e que havia recebido o aval do Comitê de Ética e Pesquisa da Unifesp. Por isso, ao final da 22 Atividade completa encontra-se em Kluth, et al., 2022 III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 39 atividade, convidou-se os alunos que se sentissem à vontade a assinar o termo de compromisso. A aplicação da atividade deu-se de tal modo que os alunos respondiam suas tarefas de modo autônomo. Após a aplicação de cada momento da atividade, o professor da disciplina realizava uma roda de conversa para sanar dúvidas e certificar-se da compreensão dos alunos. A atividade, juntamente com as respostas dadas pelos licenciandos, constituem o solo para a compreensão do ato de significar a estrutura anel. A rede de significação Através da trajetória Rede de Significação, inspirada na concepção de linguagem de Merleau-Ponty (2002), apoiada em outras modos de organização de depoimentos Bicudo (2011) e desenvolvida por kluth (1997, 2001, 2020), aprendemos o nuclear essencial do que está sendo afirmado, oralmente ou por escrito, por aquele que vivencia algo. Nesta abordagem, a linguagem é vista como experiência da expressão. Ela não é analisada na perspectiva da linguística, que estuda as significações léxicas e gramaticais, mas abre-se a uma concepção específica de significação que ¨/.../ só me aparece como pensamento sem nenhuma mistura de linguagem graças exatamente à linguagem que me orienta para o exprimido¨ (Merleau-Ponty, 2002, p. 53), ou seja, os signos se esvaem, permanecendo o sentido transmitido pela expressão via significado. Há para Merleau- Ponty (2002) duas linguagens: a linguagem falada que se esvai diante do sentido que veicula e a linguagem falante aquela que se faz no momento da expressão na passagem do signo ao sentido. Para kluth (2020), a redução fenomenológica que se dá na Rede de Significação vai a partir da linguagem falada ao encontro das significações da fala falante que vão em direção às coisas mesmas. Trajetória de análise Aqui faremos uma breve descrição de como foi o processo pelo qual as respostas fornecidas pelos estudantes foram analisadas e interpretadas utilizando a metodologia da Rede de Significação. São duas as fases principais de análises componentes desse método, a saber, a fase da “Análise Ideográfica” e a da “Análise Nomotética”. Durante as etapas recorremos ao uso de tabelas para sistematizar e examinar as informações coletadas dos III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 40 relatos dos participantes. Na primeira fase, as tabelas foram utilizadas como um meio para organizar e analisar os depoimentos dos sujeitos da pesquisa, levando em conta a explicitação da linguagem do sujeito - a linguagem falada e a formação de asserções articuladas em direção à linguagem falante. A seguir exemplos da análise ideográfica. Discurso T-1-V - Atividade de Estruturas da Álgebra (Parte 1) Parte I - Apresentação e Interpretação da Estrutura anel Análise do questionamento: Descreva com palavras e expressões matemáticas como chegou às respostas das perguntas, destacando as articulações e procedimentos que utilizou Pergunta Norteadora: Como se dá o ato de significar Linguagem do sujeito Explicitação da linguagem do sujeito Asserções Articuladas Lógica e alguns conhecimentos anteriores das matérias Lógica - Modo pelo qual se encadeiam naturalmente as coisas ou os acontecimentos. INFORM Maneira pela qual instruções, assertivas e pressupostos são organizados num algoritmo para viabilizar a implantação de um programa. Sequência coerente de ideias: Conhecimento - Ato ou efeito de conhecer. Conjunto de informações e princípios que o homem aprendeu. Anterior - Que existiu, sucedeu ou se fez antes. Matérias - Conteúdo de algo específico que se constitui em objeto de ensino; disciplina: O ato de significar se dá mediado por um encadeamento de instruções assertivas e princípios de uma disciplina. Discurso T-1-V – Atividade de Estruturas da Álgebra (Parte 1) Análise das Respostas dos Questionamentos da Atividade Pergunta Norteadora: Como se dá o ato de significar no contexto das perguntas da atividade? Perguntas da Atividade Respostas do Depoente Explicitação da Linguagem do Sujeito sob a perspectiva da Mat. Articulação Asserções Articuladas no Contexto da Atividade Podemos dizer que as operações de soma e a multiplicação dos naturais e dos inteiros são as mesmas nos dois conjuntos? Justifique sua resposta em termos de propriedades dos conjuntos numéricos. Sim, pois apenas altera o conjunto que um são os naturais e no outro os inteiros Conjunto: MAT Conceito primitivo, de difícil precisão e definição, que corresponde à ideia intuitiva de reunião, coleção ou agrupamento de objetos ou elementos, determinados e diferenciáveis, próprios da realidade exterior ou oriundos das construções do pensamento. Embora o relativo ao conceito de conjunto esteja correto, o aluno não articulou sua resposta corretamente conforme solicitado pela pergunta O ato de significar propriedades matemáticas ocorre subsidiada pela compreensão do conceito de conjunto, que não se refere diretamente às propriedades que III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 41 classificam o conjunto numérico. Na segunda fase, as tabelas foram utilizadas visando organizar e analisar as asserções articuladas provenientes da Análise Ideográfica. As setenta e sete (77) asserções articuladas foram codificadas de tal forma que possibilitasse a volta aos dados iniciais da análise e agrupadas pela comparação duas a duas seguindo as seguintes diretrizes: A - quando se refere a mesma coisa; B- quando expressam a mesma ideia; C- quando externam um encaminhamento de raciocínio ou transcendência (quando se fala de um mesmo objeto sob perspectivas diferentes). A partir daí buscou-se os núcleos de significação das asserções articuladas. Chegou-se a 3 núcleos: I – Ato de significar a estrutura da álgebra- anel; II- Ato de significar os elementos da estrutura da álgebra – anel (Sobre as operações; sobre as propriedades; sobre as definições; sobre as comprovações (demonstrações e outros); sobre a simbologia das estruturas da álgebra) III- Atos de significar conceitos da matemática (Sobre conjunto matemático). Deixamos aqui um exemplo: Núcleo II- Ato de significar os elementos da estrutura da álgebra – anel Sobre as operações Asserção Articula nuclear D [A1R2-2] O ato de significar operações de diferentes conjuntos numéricos se dá por meio da lembrança de conceitos anteriores. A [A1R2-2] O ato de significar operações de diferentes conjuntos numéricos se dá por meio da lembrança de conceitos anteriores. [A1R5-6] O ato de significar as operações em diferentes conjuntos se dá por meio de uma comparação dos elementos dos conjuntos [J1R2] O ato de significar as operações dos conjuntos pode se realizar com base em propriedades, assumindo que as operações são as mesmas em diferentes conjuntos. B [A1R3-3] O ato de significar propriedades entre conjuntos numéricos que contém os inteiros se dá por meio de uma análise comparativa. [F1R5]O ato de significar e comparar conjuntos numéricos perpassa a percepção de que as propriedades são atributos ontológicos dos conjuntos numéricos. C [C1R2] O ato de significar e comparar operações pode não perpassar a percepção de que as propriedades são atributos ontológicos dos conjuntos numéricos. Perguntas emanentes .... III Seminário Avançado em Fenomenologia Uma Filosofia Fenomenológica da Educação Matemática 10/04/2024 –12/04/2024 42 Dos quadros apresentados destacamos que o ato de significar a estrutura – Anel é mediada por um encadeamento de instruções assertivas e princípios de uma disciplina cuja a remissão que ocorre na construção do conhecimento matemático está intimamente ligada à ideia de expressão posta por Husserl em sua Semiótica, a qual realiza uma remissão com qualidade estrutural. Vemos esta remissão refletida na asserção: O ato de significar propriedades matemáticas ocorre subsidiada pela compreensão do conceito de conjunto, nesta asserção vemos mais uma vez que o entrelaçar estrutural de conceitos matemáticos não é uma mera intersecção construída e motivada a posteriore ou externa ao corpo de conhecimento. No ato de significar as operações põe-se à mostra que a lembrança está presente neste ato. Qual é o papel da lembrança? Seria a própria lembrança um ato ou um pano de fundo do aparecer? Neste ato também se alude à comparação. O que devemos entender por comparação de coisas que estão no por vir? Coisas, que sabemos que se sucedem, mas nem sempre temos clareza do porquê da sucessão? Referências BICUDO, Maria Aparecida Viggiani (org). Pesquisa Qualitativa – segundo a visão fenomenológica, São Paulo: Cortez editora, 2011. KLUTH, V. S. O que acontece no encontro Sujeito-Matemática? (Dissertação e mestrado). Instituto de Geociências e Ciências exatas, Unifesp, Rio Claro, 1997. KLUTH, V.S. A Rede de significação: Um pensar metodológico de pesquisa. In: Pesquisa Qualitativa – segundo a visão fenomenológica. Maria Aparecida Viggiani Bicudo (org), São Paulo: Cortez editora. p. 75-98, 2001. KLUTH, V.S. Metodologia de Pesquisa Fenomenológica em Educação Matemática: