ALEX DUARTE PEREIRA DA SILVA ASPECTOS RITMICOS E FORMAIS NO ÁLBUM TIME OUT DO DAVE BRUBECK QUARTET São Paulo 2021 Instituto de Artes ALEX DUARTE PEREIRA DA SILVA ASPECTOS RÍTMICOS E FORMAIS NO ÁLBUM TIME OUT DO DAVE BRUBECK QUARTET Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Bacharel em Composição. Orientador: Prof. Dr. Marcos José Cruz Mesquita São Paulo 2021 Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor. S586a Silva, Alex Duarte Pereira da, 1978- Aspectos rítmicos e formais no álbum Time out do Dave Brubeck Quartet / Alex Duarte Pereira da Silva. - São Paulo, 2021. 62 p.: il. Orientador: Prof. Dr. Marcos José Cruz Mesquita Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Música) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Música - Análise, apreciação. 2. Métrica e ritmo musical. 3. Forma musical. 4. Modernismo (Arte). I. Mesquita, Marcos José Cruz. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 781.224 Bibliotecária responsável: Laura M. de Andrade - CRB/8 8666 ALEX DUARTE PEREIRA DA SILVA ASPECTOS RÍTMICOS E FORMAIS NO ÁLBUM TIME OUT DO DAVE BRUBECK QUARTET Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Bacharel em Composição. Comissão Examinadora Prof. Dr. Marcos José Cruz Mesquita UNESP – Instituto de Artes – IA. Orientador Prof. Dr. Alexandre Lunsqui UNESP – Instituto de Artes – IA. São Paulo 03 de dezembro de 2021 Àqueles que, apesar de todas as adversidades, sempre acreditaram que eu seria capaz de atingir meus objetivos. AGRADECIMENTOS Aos meus pais... À minha família. Ao meu orientador Marcos José Cruz Mesquita. RESUMO O objetivo da pesquisa deste trabalho é o aprofundamento nos elementos rítmicos, métricos e formais das músicas do álbum Time Out do Dave Brubeck Quartet. Bem como investigar as possíveis influências e escolhas do compositor. Trazer tais elementos da polirritimia à tona através da análise das gravações e partituras do álbum, e, também, traçar paralelo com o momento histórico da época; sobretudo no contexto musical jazzístico, político e cultural. Além disso, investigar a influência da estética do Modernismo das artes e arquitetura na concepção artística do álbum. Palavras–chave: Dave Brubeck. Time out. Polirritimia. Métrica. Forma. ABSTRACT The research objective of this work is to deepen the rhythmic, metric and formal elements of the songs from the Dave Brubeck Quartet's Time Out album. As well as investigating the possible influences and choices of the composer. Bringing such elements of polyrhythmia to light through the analysis of the album's recordings and sheet music, and also drawing a parallel with the historical moment of the time; especially in the jazz musical context, political and the influence of the modernist movement in the arts and architecture in the artistic conception of the album. Keywords/ Palabras-claves / Mots-clés: Dave Brubeck. Time out. Polyrhythmia. Metrics. Form. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 1.1. O nascimento do Cool Jazz 13 13 2 ANTECEDENTES COMPOSICIONAIS 14 2.1 Brubeck, Milhaud e o Cool Jazz 14 3 BIOGRAFIA 16 3.1 Contexto cultural na época do Time Out 16 3.1.2 Dave Brubeck e o Modernismo 18 4 PRINCÍPIOS ANALÍTICOS 21 4.1 PICK UP THE STICKS 21 4.1.1 Métrica 4.1.2 Transição e recapitulação 4.2 KATHY’S WALTZ 4.2.1 Solo do piano 4.2.2 Reexposição 4.2.3 Sutileza na bateria de Joe Morello 4.3 BLUE RONDO A LA TURK 4.3.1 Métrica 4.3.2 Exposição 4.3.3 Reexposição 4.4 THREE TO GET READY 4.4.1 Forma na improvisação 4.4.2 Reexposição 4.5 TAKE FIVE 4.5.1 Forma 4.5.2 Métrica 4.5.3 Reexposição 4.6 STRANGE MEADOW LARK 4.6.1 Exposição 4.6.2 Recapitulação 24 25 27 29 30 32 34 33 34 37 38 42 45 45 46 47 47 48 49 49 53 4.6.3 A2 e Coda 56 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 56 REFERÊNCIAS 58 13 1 INTRODUÇÃO 1.1 O nascimento do Cool Jazz. O lançamento do disco Time Out do Dave Brubeck Quartet em 1959 é considerado pela crítica, ao lado de Kind of Blue de Miles Davis neste mesmo ano, um marco do período na história do Jazz que ficou conhecido como Cool Jazz. Surgido no final dos anos 1940, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, o Cool Jazz tinha como característica ser um estilo mais “relaxado”, e que muitas vezes utilizava elementos estéticos da música “erudita”, como polifonia e contraponto; especialmente nos grupos que não tinham piano em sua formação, ficando por conta dos sopros a harmonização. Foi descrito como uma reação contra os rápidos andamentos e complexas ideias melódicas do Bebop. Embora Miles Davis tenha aparecido primeiro em gravações bebop com Charlie Parker, foi no final dos anos 1940, ao lado do arranjador Gil Evans, que Miles liderou seu primeiro grupo. Um noneto que contava com sax barítono, sax alto, trompa, tuba, trombone, trompete, piano, baixo e bateria. Com arranjos de Gil Evans, Gerry Mulligan e John Lewis, o noneto realizou três sessões de gravação entre 1949 e 1950, e que mais tarde, em 1957, deram origem ao álbum The birth of the cool de Miles Davis. Dentre os principais músicos do Cool Jazz, estão os saxofonistas Stan Getz, Gerry Mulligan, Paul Desmond, Lee Konitz e o trompetista Chet Baker; além dos pianistas Dave Brubeck, Lennie Tristano, John Lewis, o vibrafonista Milt Jackson e o Modern Jazz Quartet. 14 2 ANTECEDENTES COMPOSICIONAIS 2.1 Brubeck, Milhaud e o Cool Jazz. Em 1946, após servir na 2ª Guerra Mundial, Dave Brubeck ingressou na Miils College onde cursou pós-graduação em composição, tendo como professor, e mais tarde tutor, o modernista francês Darius Milhaud, cujo estudo sobre bitonalidade certamente influenciou Dave Brubeck com o politonalismo. O compositor francês influenciou não apenas na estética composicional, mas também encorajou Brubeck a se tornar um músico de jazz e a incorporar elementos da música erudita às suas composições. Disse o pianista em entrevista se referindo às palavras de Milhaud (Brubeck, 2007): “(...) por que você desistiria do jazz, algo que você faz tão bem, e se tornar um compositor clássico? (...) não faça isso. Mantenha seu jazz e inclua-o na música clássica que você escreve.” (Dave Brubeck & Darius Milhaud, 1946) (Fonte: wikipedia) E assim surgiu o primeiro grupo liderado por Brubeck: Um Octeto, o qual cinco dos integrantes eram alunos da classe de Milhaud. Deste “laboratório de composição” fomentado por Milhaud, nasceu o álbum intitulado Dave Brubeck Octet. Com composições originais e releituras, os arranjos escritos para essa formação exploravam o uso da polifonia e contraponto, principalmente. Embora o álbum do Octeto tenha sido gravado entre 1946 e 1950, portanto, antes da gravação de The Birth of the Cool (1949), o Octeto não teve a masma notoriedade e ligação com o 15 “nascimento” do Cool Jazz que ao Noneto de Miles Davis fora atribuído. Uma explicação para isso talvez seja a de que Dave Brubeck produziu e gravou na Califórnia, além do fato de lhe ser atribuída a imagem de músico acadêmico de jazz; enquanto Miles Davis o fez em Nova York, considerado o berço da inovação e onde estavam os melhores músicos de jazz de então. A questão fundamental aqui é que Milhaud teve influência direta na, já latente, predisposição natural de Brubeck enquanto jovem compositor em busca de uma linguagem musical que lhe fosse própria. Capa do álbum Dave Brubeck Octet (1946-50) (Fonte: davebrubeckjazz.com) 17 3 BIOGRAFIA E CONTEXTO CULTURAL DA ÉPOCA A polirritmia e o politonalismo são elementos chave na música de Dave Brubeck. “(...) minha ideia em música é a sobreposição de ritmo sobre ritmo e harmonia sobre harmonia.” (The Guardian, 1958). Na verdade, Dave Brubeck começou trabalhar sua linguagem musical no começo dos anos 1940 com seu Octeto; sendo o disco Time Out com seu quarteto uma resultante deste trabalho cerca de 20 anos depois. Disse ele em 1994 sobre a crítica da época do disco: Quando você escuta o octeto (gravado entre 1946 e 1949), você encontra muita polirritmia... foi uma situação que hoje vejo com humor, porque a crítica dizia que nós não conseguíamos tocar juntos no mesmo andamento. De certo eles não estavam prontos para o que nós estávamos fazendo. (apud Fischer 1994, p.33). Nos anos de 1930 e 1940 o fluxo migratório de compositores, e também compositores professores vindos da Europa rumo aos EUA, tais como: Schoenberg, Krenek, Toch e Milhaud, principalmente no período em que estudou na Mills College (1942/1946-1949), que Dave Brubeck pôde absorver essa influência modernista em sua música. A crítica da época, de modo geral, associava a sua formação musical acadêmica e influência da música erudita com seu estilo de composição jazzístico demasiadamente “cerebral”. Muitas vezes apontando-o como um “jazzman intelectual”. Ou “um músico intelectual de jazz com uma pitada rítmica complexa de swing.”(Time 1954, p.67). Portanto, ao destacar sua educação musical formal como base de suas composições, a crítica começava a estabelecer uma distinção entre o jazz de até meados dos anos 1940, que tinha um caráter quase exclusivamente dançante ou de entretenimento – como, por exemplo, as Big Bands de Benny Goodman, Count Basie, e Glenn Miller, ou do trompetista e cantor de New Orleans, Louis Armstrong, no que ficou conhecido como a “Era do swing”, e o estilo jazzístico menos “quente”de Brubeck. Estabelecendo aí, portanto, um contraponto entre “corpo e mente”, ao classificar o jazz de Dave Brubeck demasiadamente cerebral. Como escreveu Arnold Shaw para a revista Esquire em 1954, distinguindo o estilo da música de Brubeck sendo uma oposição entre cognição e afeto. No lugar de aplausos, existe introspecção e apreciação. No lugar de suor e desfile artístico, existe um grupo plácido de músicos “pensantes.”No lugar de um espetáculo agressivo, temos um concentrado pensamento musical coletivo. No lugar de excitação, temos algo próximo ao repouso. Este poderia ser um recital do quarteto de cordas de Budapeste tocando 18 Beethoven. Mas não é. E sim o mais recente desenvolvimento em jazz instrumental.”(Shaw 1953, p52). Dave Brubeck e seu “cool jazz”, em seu suposto apelo ao intelecto e não às emoções, também corria o risco – para parte da crítica, ao menos – de negar ao público os prazeres afetivos e respostas espontâneas (como marcação do ritmo com os pés, ou estalar dos dedos nos tempos “2 e 4”, por exemplo) associados aos ouvintes deste estilo. E o que viria a se tornar um clichê do gênero mais tarde. (...) por trás de seus óculos de aro grosso está uma mente aguda, uma determinação de tocar apenas o que ele considera o melhor e um senso de humor seco. Voê pode ficar tentado a bater os pés. Por favor, não faça. (Kilgallon, 1959). Importante ressaltar que havia jazz de vanguarda e experimental sendo feito também no início dos anos 1940, porém com enfâse na improvisação livre, principalmente. Como em “Intuition”(1949) do sexteto do pianista Lennie Tristano, que viria a influenciar outros a explorar essa linguagem, como, o também pianista, Cecil Taylor em Jazz Advance (1956) e o saxofonista Ornette Coleman em The Shape Of Jazz (1959). Todos eles explorando o que viria mais tarde a ser conhecido como Avant-garde jazz. Também em 1956 o baterista e compositor Max Roach grava o album Jazz in 3/4 Time. Um disco inteiro com temas em 3/4, o que era pouco usual para a época. E, claro, sem mencionar a vertente do Bebop. Gênero jazzístico que também surgiu nos anos 1940, porém os principais conceitos aqui eram os andamentos rápidos e progressões harmônicas complexas, além da improvisação. Portanto, a linguagem estética bastante próxima ao Modernismo que Dave Brubeck buscava, era, no mínimo, contrastante com o que vinha surgindo no “Mainstream”, mas também no jazz de vanguarda das décadas de 1940 e 1950. O que, em parte, talvez explique o tipo de receptividade por parte da crítica ao jazz de Brubeck neste período. Os temas usados pela imprensa para construir Brubeck foram, é claro, uma resposta a muitas coisas, incluindo o próprio material publicitário de Brubeck e, mais importante, sua brancura. No entanto, no sentido de que Brubeck não era um professor universitário nem um músico clássico, esses artigos falham em resolver o problema de Brubeck. Este fracasso jornalístico e crítico é um indicador importante do fato de que a música de Brubeck não poderia ser totalmente entendida dentro dos discursos críticos existentes relacionados ao jazz. No entanto, ao mesmo tempo, há um sentido em que o foco da imprensa na diferença é uma tentativa de articular um contexto alternativo para a música de Brubeck, dentro do qual pode ser melhor 19 compreendido. Uma parte essencial desta diferença construída, sem dúvida, gira em torno da associação de Brubeck com o modernismo. (Birtwistle 2010, p.9) 20 3.1 Dave Brubeck e o Modernismo. (...) busco por algo novo dentro de uma forma antiga. (Dave Brubeck, 1958). A associação de Brubeck com o jazz é mediada pelo Modernismo, uma vez que sua técnica de composição no que se refere à forma e estruturação dos padrões rítmicos em camadas, principalmente, se assemelham com as abstrações geométricas de contornos rígidos característicos deste movimento. É possível encontrar ressonância entre Brubeck e o Modernismo em diferentes camadas: Em um primeiro plano e mais superficial, encontramos essa ligação através da escolha feita de obras modernistas para capa de uma série de cinco álbuns seus lançados pela gravadora Columbia entre as décadas de 1950 e 60, todos eles explorando o uso de fórmulas de compasso pouco usuais para o jazz da época; sendo “Time Out” o primeiro álbum desta série. No entanto, talvez a mais conhecida e indiscutivelmente a mais marcante de todas as capas desses álbuns foi o segundo da série, “Time Further Out – Miró Reflections” (1961), que apresenta uma tela de 1925 do pintor modernista espanhol Joan Miró, simplesmente intitulada “Painting”. Painting (Joan Miró, 1925) 21 Capa do disco Time Further Out – Miró Reflections (Dave Brubeck Quartet, 1961) Fonte: Google. Brubeck vê nas pinturas de Joan Miró uma expressão visual de sua práxis musical. Ele próprio reflete sobre a escolha dessa imagem e a relação entre a obra e sua música: Explicar a relação da pintura de Miró com a música não é tarefa simples. Posso apontar as ligações óbvias entre os números no canto superior direito da pintura e as marcas de tempo de cada peça do álbum. Há uma ligação mais tênue nas fomas abstratas de Miró, sugerindo figuras humas movendo- se em um ritmo visual que podeira ser interpretado como um quarteto de jazz. Porém, para além dessas relações objetivas de símbolos e figuras, sinto que na pintura de Miró ele expressou em termos visuais minha própria abordagem da música – ou seuja, uma busca por algo novo dentro de velhas formas, uma perspectiva inesperada, uma ordem surpreendente e interior equilíbrio que desmente a espontaneidade da composição. Brubeck explora o ritmo em uma dimensão vertical através do uso da sobreposição polirrítmica. Tal sobreposição interfere na percepção da estabilidade temporal. Aqui, por se tratar do ritmo e a pulsação estruturas fundamentais na construção da peça, podemos traçar um paralelo entre a utilização da polirritmia de Brubeck com obras do inicio do modernismo que, também, desafiaram fundamentalmente os conceitos existentes de espaço e tempo. Essa ressonância entre sua práxis musical e as características da arte modernista expressas na arquitetura e pintura, bem como a intencionalidade do compositor em utilizá-los em sua música, se fazem evidentes no comentário feito por ele no encarte do seu álbum de 1962 Countdown – Time Outer Space: 22 O conceito de música como a única arte que captura o tempo há muito me fascina. A música está tão preocupada com o tempo quanto a arquitetura com o espaço. O som estilhaça o tempo em fragmentos, que o músico organizou em padrões de periocidade que dizemos que a música tem ritmo. Quando esses padrões têm relações tão precisas entre si que parecem seguir uma lei natural, dizemos que a música tem pulso próprio. 23 4 PRINCÍPIOS ANALÍTICOS 4.1 Pick up the sticks O tema é escrito sobre uma forma blues de 12 compassos. Porém, não há movimento harmônico (cadências) característico do estilo, como progressões I7 – IV7 – V7, mas sim grande “pedal” harmônico sobre o acorde do I Grau (Bb7). O contra-baixo mantém o walking bass em ostinato usando as notas Sib, Re, Mib, Mi, Fa e Dób sugerindo o modo mixolídio em sib; enquanto a bateria acompanha o baixo na condução do prato, dando ênfase à marcação no 1º tempo de cada compasso com acentuação no bumbo. (Ex.1) Sobre esta base da seção rítmica, o piano entra com o tema, que aqui tem a particulariedade de não se tratar de uma melodia acompanhada, e sim estrutura polifônica de acordes em bloco. (Ex.2). O ritmo é um elemento recorrente na estruturação do tema, e será usado como motivo primário no contraste entre as seções, bem como no desenvolvimento do 24 discurso musical no improviso do piano. Embora a peça esteja escrita em uma estrutura de forma blues, podemos dividí-lo em duas seções: Seção A - do compasso 1 ao 8 (Ex.3). É a seção que inicia a peça e possuí seu motivo rítmico germinal. Podemos dividir a seção em duas frases de 4 compassos cada; onde a primeira (frase A) tem o motivo rítmico deslocado e reduzido no 4º compasso. O que acontece neste período: o compositor usa um motivo rítmico seis vezes (cc. 1-3 e 5-7), com variações melódicas, finaliza o antecedente com uma variação deslocada e reduzida deste motivo e finaliza o consequente com uma parte do motivo. (Ex.3) 25 Vale ressaltar ainda que, além de uma “blue note” (réb compassos 2 e 7) usado na blocagem da mão direita do piano, há também uma insistência em concluir o motivo na nota dó (compassos 1,3,4 e 6), e na nota mib, terça de dó (compassos 2,5 e 7). Portanto, devido a essa insistência na nota dó e em sua terça mib, há uma sugestão de polarização em dó menor; o que significaria polimodalismo. Sib no baixo e dó eólio na melodia. Seção B – do compasso 9 ao 12 (fig.4). Sendo esta uma variação rítmica do motivo principal da seção A, com a mesma intenção de evitar o tempo forte do compasso, porém com movimentação intervalar/harmônica descendente e resolvendo no acorde de sol menor (Vi). Além disso, o uso das tercinas de semínima sugere a possibilidade de um novo pulso, ou sobreposição métrica. O que, de fato, não ocorreu aqui. Mas em outras peças do disco, sim. Como em Three to get ready. Mostrando a intencionalidade do compositor em utilizar elementos motívicos germinais para dar coesão à obra. (Ex.4) 26 Interessante notar que a estrutura do tema inteiro tocado pelo piano é acéfala. Justatamente contrastando com a pulsação e afirmação constante do tempo forte feito pelo baixo e, principalmente, pela bateria. Sendo que a seção rítmica (baixo e bateria) e o piano se “encontram” no final do tema quando o piano “resolve” na cabeça do último compasso da exposição. 27 4.1.1 Métrica A peça está escrita em 6/4 (e 3/2), com a semínima bem definida pelo contrabaixo e a bateria, que mantém o ostinato do inicio ao fim sugerindo a seguinte acentuação: Num plano macro pode se pensar a pulsação métrica também em 3/2. Seguindo o esquema métrico do macro para o micro, temos: Em um breve momento de dois compassos, mas não sem intencionalidade, no trecho de transição do solo para a recapitulação, o piano sugere ainda a pulsação claramente ternária (fig.5). (Ex.5) 28 4.1.2 Transição e recapitulação. A transição se dá, principalmente, através da diluição rítmica e mudança do padrão das figuras rítmicas do ostinato para colcheias com acentos deslocados; semínimas e pausas. Somados ao decrescendo na dinâmica, tais elementos ajudam a criar a sensação de diluição e desaceleração. (Ex.6) Na recapitulação o tema é apresentado apenas uma vez, indo diretamente para a coda onde o material rítmico temático é, finalmente, desconstruído através do uso de hemíolas e decrescendo no piano; contrabaixo e, por fim, na bateria. 29 Hemíolas como recurso de desconstrução do discurso rítmico. (Ex.7) 30 4.2 Kathy’s Waltz A exposição do tema começa em anacruse e é aprensentado em compasso 2/2, porém com o piano e a bateria em pulsação quaternária indicando o tempo primo, enquanto o contrabaixo mantém a pulsação em 2/2 com a figuração rítmica de mínima. O contrabaixo exercerá papel fundamental como base para as variações métricas que virão no decorrer do tema e, principalmente, durante o improviso de piano. A exposição tem a seguinte forma: Sendo que nos dois últimos compassos do A2 ocorre a modulação métrica para 3/4 através das tercinas de semínima: (Ex.8) O piano, baixo e a bateria estabelecem essas tercinas como novo andamento em 3/4 (180 bpm), e a mínima do compasso 2/2 tocada pelo contrabaixo corresponde à mínima pontuada do compasso 3/4. Portanto, não houve alteração na pulsação do baixo, mas sim alteração de binário simples para composto. Na prática, a seção rítmica estabelece a valsa sugerida no título da música. Mantendo o mesmo padrão durante toda improvisação do sax e do piano. A forma durante o improviso é a mesma (16+8+12). 31 Base da seção rítmica (baixo e bateria) durante os solos e reexposição: (Ex.9) 4.2.1 Solo do piano. O solo do piano inicia claramente na sobreposição métrica de 6:4, usando como referencial o tempo primo em 4/4 (120 bpm) do início do tema, sobre a nova pulsação ternária (3/4 = 180 bpm) mantida pela seção rítmica. Em seguida, após usar uma nota longa como elemento pivot, o piano faz a transição imediata para a pulsação ternária junto com o contrabaixo e bateria. (Ex.10) Link para vídeo do trecho acima: https://youtu.be/TS44br_UPTk O piano então permanece na valsa até começar a romper novamente o pulso ternário ao sugerir uma acentuação métrica quaternária dentro do ternário, com ênfase nos tempos 2 e 4. 32 (Ex.11) Retomando, em seguida, o acento métrico ternário. O solo do piano continua a construção dessa alternância de pulsações, até que finalmente, no clímax do improviso, Dave Brubeck estabelece de vez o pulso quaternário sobre o ternário da seção rítmica, e segue nele até o final do solo. Porém agora de forma híbrida, onde a mão direita do piano faz um ostinato rítmico em 4/4, enquanto o baixo da mão esquerda pontua a harmonia de forma que sugere, em alguns momentos, a pulsação da valsa. (Ex.12) 33 Portanto, Dave Brubeck utiliza da variação e sobreposição métricas para criar contraste entre o piano e a seção rítmica, e também usa este recurso métrico como elemento estrutural para estabelecer forma; tanto na exposição e reexposição do material temático, como elemento retórico dentro do improviso. 34 4.2.2 Reexposição. Ao final do solo, o piano faz uma pequena transição do 4/4 (120 bpm) para o 3/4 (180 bpm) novamente utilizando uma nota longa como pivot. Na reexposição o piano retoma o tema, porém agora modificado para 3/4, e segue assim até a coda, onde o contrabaixo e a bateria param de tocar, e o piano diminui o andamento e a dinâmica. (Ex13) Link para o vídeo dos trechos acima: https://youtu.be/2ALN4aEQA44 Na coda a seção rítmica para de tocar, e o piano finaliza diminuindo o andamento e a dinâmica. (Ex14) 35 Interessante notar o elemento retórico desta modulação métrica no final da recapitulação temática, que estabelece simetria entre exposição em 4/4, desenvolvimento (improvisos do sax e piano) variando entre pulsações ternária e quaternária (tempo primo 120 bpm) e reexposição com todos tocando em 3/4. Criando, ao mesmo tempo, contraste e simetria entre as seções; estabelecendo uma grande forma ternária: 36 4.2.3 Sutileza na bateria de Joe Morello. O baterista do quarteto de Dave Brubeck, Joe Morello, faz uma condução bastante precisa usando as vassourinhas. Do início do tema até o final da reexposição, ele praticamente faz apenas condução usando caixa, chimbal e bumbo. Sem muito uso de pratos ou viradas, apenas preenchendo com curtas frases em resposta ao piano. Contudo, há uma sutileza na maneira como Joe Morello conduz o Jazz waltz: Normalmente, a condução do ritmo de valsa na bateria costuma ser feita apoiando o bumbo levemente no tempo 1, enquanto os tempos 2 & 3 são tocados com o chimbal utilizando o pé, enquanto a vassoura desliza na pele da caixa preenchendo o ritmo. Ou então omitindo a nota do chimbal no tempo 3. Segue dois exemplos de condução tradicional de valsa na bateria: (Ex.15) Contudo, a partir da modulação métrica do Jazz swing em 4/4 para o Jazz waltz, Joe Morello além de conduzir o ritmo apoiando o bumbo no tempo 1 junto com o contrabaixo, ele ainda propõe uma acentuação “irregular” dentro do compasso ternário, acentuando o chimbal com o pé esquerdo e a caixa usando vassouras a cada dois tempos. Sugerindo, mesmo que sutilmente, um desdobramento polirrítmico dentro da quiáltera de tercina que havia se tornado o novo andamento. Condução estilizada de Jazz waltz de Joe Morello: (Ex.16) 37 4.3 BLUE RONDO A LA TURK Em 1958, durante o período da guerra fria, Dave Brubeck e seu quarteto foram convidados pelo Departamento de Estado Americano a realizar uma turnê pela Eurasia, onde o objetivo principal era a propaganda da democracia americana em oposição ao comunismo. Foram 80 concertos em 14 países, como Polônia, Alemanha Oriental, Turquia, Afeganistão, Índia, Irã e Iraque. Questões políticas à parte, essa viagem ofereceu a Brubeck a oportunidade de vivenciar diferentes manifestações culturais e musicais. Durante a turnê, ele compôs algumas peças inspiradas pelos diferentes lugares por onde passou. Seis dessas peças resultaram inclusive no álbum Jazz Impressions Of Eurasia (1958), e, em especial, compôs também Blue Rondo A La Turk, após ouvir músicos tocando nas ruas de Istambul. Aquela música tradicional turca, obviamente executada de forma natural pelos músicos locais, tinha um padrão rítmico que soava estranho aos ouvidos do pianista crescido no norte da Califórnia. Certa manhã, caminhando por Istambul, Brubeck ouviu um grupo de músicos de rua tocando um ritmo exótico, rápido e sincopado. Era no tempo 9/8 - nove colcheias por compasso - um medidor muito incomum para a música ocidental…. Mais tarde naquele dia, Brubeck tinha uma entrevista agendada em uma estação de rádio local. Como muitas emissoras da época, a estação tinha sua própria orquestra sinfônica. Quando Brubeck chegou, os músicos estavam fazendo uma pausa no ensaio. Ele contou a alguns deles sobre o ritmo que tinha ouvido nas ruas e perguntou se alguém sabia o que era. Ele cantarolou a melodia e vários músicos começaram a tocá-la, acrescentando floreios e contrapontos, até improvisando nela. Era uma canção folclórica tradicional turca, amplamente conhecida - na Turquia. (The New Yorker, 2012) 38 4.3.1 Métrica. Blue Rondo A La Turk (Piano álbum 1, págs. 45-54) O compasso de 9/8 é subdividido em: 2+2+2+3 e 3+3+3. É usado também um padrão hipermétrico1 de 4 compassos: 3 compassos com subdivisão 2+2+2+3, e um compasso 3+3+3. Esse padrão hipermétrico prevalece até a pág. 49. Vale ressaltar que a invenção do termo hipermétrica é geralmente creditada a Edward T. Cone que primeiro o empregou em seu estudo Musical Form and Musical Performance (1968). Segundo Cone, a hipermétrica (bottom-up) se faz do plano micro para o macro. Partindo do nível mais superficial para o global através do agrupamento de compassos. Dessa maneira, consiste em olhar a métrica (forma) em certa distância; em perspectiva; atentando para um plano estruturador de maior escopo. 1""Hipermétrica:"uma"métrica"maior"que"a"métrica"local." 39 (Ex.17) A partir deste ponto, ocorrem ainda 2 compassos com subdivisão 2+2+2+3. Em seguida, prevalece a subdivisão 3+3+3, mas são usadas quiálteras de duas colcheias nas duas primeiras pulsações de três compassos e a subdivisão 3+3+3, criando um novo padrão hipermétrico, também de quatro compassos. (fig.) 40 (Ex.18) Este padrão hipermétrico ocorre somente duas vezes, sendo que, na segunda vez, o compasso 3+3+3 já ocorre no compasso 4/4, transformando-se em um “12/8” - entre aspas porque se trata de um compasso 4/4 com quiálteras de três colcheias. A pulsação do compasso 4/4 continua a mesma, ou seja, a semínima pontuada do 9/8 corresponde à semínima do 4/4. Após o compasso “12/8”, ocorre outro padrão hipermétrico cujo objetivo é fazer a transição para os chorus de improvisação que serão em 4/4; este novo padrão apresenta dois compassos em 4/4 e dois compassos 2+2+2+3; este padrão é apresentado três vezes. 41 (Ex.19) 42 4.3.2 Exposição. A exposição tem 90 compassos e apresenta a seguinte forma: A1 01-08 modelo de 4 compassos apresentado duas vezes (Fá maior). B 09-16 idem ao modelo A, porém transposto terça acima (Lá menor). A2 17-24 C 25-32 novo modelo usando a terça dos modelos A e B, mas invertida e em sequência ascendente (Lá menor) A3 33-40 modelo A em terças praralelas. D 41-48 melodia com notas repetidas e acordes “6/4” paralelos (Lá menor). A4 49-56 modelo A em terças paralelas. E1 57-70 modelo de 4 compassos, cada vez apresentado com variações, sendo o último ampliado: 4+4+6 (pode-se considerar também: 4+4+4+2), Lá menor com terça da Picardia. Enc 71-78 modelo com as quiálteras de dois, mencionado acima. Transição 1 79-90 modelo de 4 compassos, alternando e compassos de 4/4 em estilo de jazz swing e os 2 primeiros compassos de A. Seguem-se os chorus de improvisação em 4/4, em jazz swing usando a forma Blues (12 compassos). No songbook, os dois chorus escritos são tocados na gravação original pelo piano. 43 4.3.3 Reexposição. A reexposição tem 41 compassos, sendo: Transição 2 115-124. Agora, a função desta seção é de retransição, mas o modelo é o mesmo da transição (79-90), sendo que os compassos 4/4 são variados, mas os compassos 9/8 apresentam sempre os dois primeiros compassos de A; na última vez, em que esses compassos 9/8 são apresentados, eles já são parte da recapitulação de A. (Ex.20) 44 A5 125-132. O segundo modelo de 4 compassos é apresentado em terças paralelas. (Ex.21) E2 133-146. Como na exposição. 45 (Ex.22) Enc 147-155. Como na exposição, mas com um compasso a mais com o acorde de Lá maior. 46 (Ex.23) 47 4.4 THREE TO GET READY A exposição é bem diversificada: 1) O piano solo apresenta o tema em 3/4 – forma ternária incipiente com 12 compassos: A (3+3) B (3) A2 (3) (Ex.24) 48 A partir daqui, o tema é apresentado sempre em sua “2º versão”: O 3º compasso 3/4 de cada trecho é expandido para dois compassos 4/4. (Ex.25) 49 Seguindo essa forma (agora com 16 compassos) a exposição segue no seguinte esquema de tradings entre os instrumentistas: 2) O sax apresenta os compassos 3/4 e o piano preenche os compassos 4/4 com acordes. 3) O piano apresenta os compassos 3/4 e a bateria preenche os compassos 4/4. 4) O piano apresenta os compassos 3/4 e o sax preenche os compassos 4/4. 5) O sax apresenta os compassos 3/4 e o contrabaixo preenche os compassos 4/4. 50 4.4.1 Forma na improvisação. Interessante a escolha do compositor em manter nos chorus de improvisação essa forma “expandida” (3/4+ 3/4 + 4/4 + 4/4), onde os compassos 4/4 “perturbam”a estabilidade ternária e de 12 compassos da 1º exposição do tema pelo piano. Ainda assim, do ponto de vista formal, a estrutura A B A é mantida, mas agora com 16 compassos. E à medida em que os chorus de improviso ocorrem, essa estrutura fraseológica expandida passa a ganhar maior estabilidade, sobretudo quando a bateria deixa de acentuar as mudanças de fórmula de compasso, mantendo a marcação do chimbal a cada 2 tempos – ou seja, conduzindo em 4/4. Como ocorre a partir do trecho do link: https://youtu.be/_1d-Axi4mhY?t=1344 51 4.4.2 Reexposição. A reexposição apresenta: 1) O piano apresenta os compassos 3/4 e o sax preenche os compassos 4/4. 2) O piano solo apresenta o tema em sua versão “original”em 3/4. 3) Coda: se considerarmos o último compasso da seção anterior uma elisão, a coda tem 8 compassos. (Ex.26) 52 4.5 TAKE FIVE “Take Five, o single que colocou o LP em segundo lugar na parada da Billboard no início dos anos 1960, está entre os discos mais icônicos do jazz.” (The new york times, 2020). O tema foi escrito pelo saxofonista do quarteto, Paul Desmond, e entrou no disco com a intenção de ser usado para o solo de bateria, atendendo aos pedidos de Joe Morello que gostaria de experimentar improvisar em 5/4. Embora a autoria da música seja atribuída a Desmond, houve também contribuição dos outros integrantes do quarteto. (...) Paul veio com dois temas (A B) não relacionados, eu coloquei tudo junto como uma melodia e fiz uma forma.” (BRUBECK, 1999). O fato é que a faixa menos pretensiosa, e que quase não entrou no álbum, acabou se tornando um dos temas mais conhecidos da história do jazz. 53 4.5.1 Forma. 54 4.5.2 Métrica. A estrutura rítmica da melodia reforça o padrão 3+2 em ostinato. Ao destacarmos na melodia de A as notas “pilares”, sem levar em consideração os ornamentos, este padrão fica evidente. O mesmo ocorre na parte B. (Ex.27) Após a exposição, o sax faz apenas dois chorus de improvisação (24 comp.) sobre a harmonia de A em “vamp” (Ebm – Bbm7), e então entrega para a bateria que faz solo livre, enquanto o piano mantém o ostinato inicial em 5/4. 55 4.5.3 Reexposição. Após o solo da bateria, o baixo retorna à seção rítmica, que repete a introdução de 4 compassos. O sax retoma o tema como na 1º exposição e segue para coda, onde a última frase é expandida e repetida 3 vezes antes de resolver novamente na nota mib. (Ex.28) 56 4.6 STRANGE MEADOW LARK A peça mais “pianística” do álbum, onde o tema é apresentado de modo bastante livre apenas pelo piano; contraindo e alargando o tempo. Brubeck faz uso também de arpejos ascendentes como recurso de ligação entre as frases. 57 4.6.1 Exposição. A exposição tem 52 compassos e conta com a seguinte forma: A1 – Mib Maior (10 compassos). Frase 1 (4+4), sendo: Estrutura fraseológica de 4 compassos e começando em anacruse; seguida de repetição da mesma frase, porém transposta 3º abaixo. (Ex.29) 58 Frase 2 (2 compassos). Se trata, na verdade, de um prolongamento da dominante. Ocorre então a repetição de A; porém a 2º frase sofre alteração com modulação direta para Sol Maior. (Ex.30) B1 - Sol Maior (8 compassos). O compositor manteve a mesma idéia estrutural da letra A. Ou seja: Estrutura fraseológica de 4 compassos e começando em anacruse; seguida de repetição da mesma frase, porém transposta 3º abaixo. 59 (Ex.31) B2 - Repetição dos 8 compassos do B1, porém agora com pequena variação rírtmica e maior densidade harmônica. O compositor retoma ao A e à tonalidade de Mib Maior através de cadência ii – SubV (de Mib) nos 2 últimos tempos do último compasso. (Destacado no quadrado) 60 (Ex.32) A2 – Mib Maior (16 compassos). Na reexposição de A, a forma é alterada: Se mantém os 8 compassos da 1º frase; porém, a 2º frase é reduzida a apenas um compasso, seguindo para uma codeta - ou “ponte” - que serve de preparação para os chorus de improvisação que virão na sequencia. 61 (Ex.33) 62 4.6.2 Recapitulação. A recapitulação do tema (após os solos) ocorre de modo híbrido, onde o final do improviso do piano e o material temático (A) se fundem. A estrutura métrica (AABA) é preservada, porém Brubeck recapitula a melodia com notas alteradas e maior variação rítmica. Além disso, diferentemente da exposição, na recapitulação o contrabaixo e a bateria acompanham o piano nas seções AAB, e somente no último A é que o piano volta a apresentar o tema solo e em sua versão original. (Ex.34) Assim como na exposição, aqui também ocorre modulação direta para Sol Maior na seção B, porém agora com variação rítmica na primeira frase (4 compassos); e variação melódico/rítmica na segunda frase. Neste trecho ocorre também tonicização entre Sol Maior e Dó eólio (destacado no retângulo). 63 (Ex.35) Nos oito compassos seguintes (B2) o padrão rítmico se mantém, porém agora com a melodia construída sobre a escala blues de sol, sobretudo considerando a sequência harmônica nos 4 últimos compassos; além de finalizar a melodia na nota sol. (Ex.36) 64 4.6.3 A2 e Coda. A partir da reexposição do último A, volta a orquestração do inicio, ou seja: o piano solo e em rubatto; e seguindo direto para Coda, onde após breve tonicização em Mi Maior, finaliza a peça em Mib. (Ex.37) 65 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O assunto polirritmia e seus desdobramentos, como a sobreposição métrica em diferentes andamentos, são elementos presentes em toda a obra de Dave Brubeck. Para o compositor, ritmo e harmonia recebem o mesmo grau de importância. Seja no álbum analisado neste trabalho, ou nos demais álbuns gravados pelo compositor, ou mesmo em performances ao vivo, o ritmo aparece sempre como forte elemento de coesão das idéias temáticas e, portanto, da forma nas composições; bem como parece ser a “cola” que mantém os demais integrantes do quarteto “orbitando” seu piano durante os improvisos. Portanto, esse trabalho teve como objetivo principal desvendar – sobretudo para o próprio autor – qual o pensamento por trás daquelas polirritmias que, à primeira escuta, ao menos, possa causar estranhamento. Trazer à compreensão como o compositor trata o ritmo como elemento estético de criação, tensão e resolução. O “swing” (e aqui me refiro não apenas ao estilo que era predominante em sua época, mas também o “swing” enquanto entidade métrica da divisão rítmica causador deste efeito sinestésico de “bater” os pés nos tempos 2 e 4). Esse também está presente no Quarteto, mas vai além, colocando o jazz swing em camadas sobrepostas de polirritimia entre o piano, baixo e a bateria. Com isso, ao sobrepor tais elementos, o compositor oferece ao ouvinte a possibilidade de diferentes formas de escuta em uma mesma peça. Uma escuta ora ternária, ora quaternária, ou ainda a resultante de ambas. Como método de investigação foi usado simplesmente a análise das partituras e, principalmente, do disco. Tenho como hipótese de que a percepção do ritmo se dá melhor quando este é reproduzido, de alguma forma, através do corpo. Ou seja, percutindo-o corporalmente. Istó é evidente quando se trata de pulso métrico regular e subdivisão rítmica, por exemplo. Que seria a camada superficial e mais perceptível. A partir dessa referência pôde-se então chegar às demais camadas da polirritimia e estabelecer suas relações métricas. A segunda etapa foi investigar como o compositor trabalhou esses elementos dentro da formação do quarteto. Entender a função desempenhada por cada instrumentista na manutenção dos ostinatos, contrapontos e sobreposição métrica. Aqui, o melhor caminho que encontrei durante a análise do disco, foi usá-lo como um “playalong”. Ou seja, literalmente toquei bateria junto com a gravação. Assim, o 66 processo analítico aliado à prática junto ao meu instrumento foram as ferramentas que dispunha para a elaboração deste trabalho. Por fim, após a escuta da discografia e de várias performances ao vivo do Dave Brubeck Quartet, ficou evidente o controle rítmico, métrico e formal do pianista em suas composições e arranjos. Gostaria de ter experimentado tocar as músicas do disco “ao vivo” com outros músicos, como uma forma de poder analisar coletivamente e in loco os aspectos rítmicos e formais do Time Out. Quem sabe isso possa vir a ser um desdobramento deste trabalho. 67 REFERÊNCIAS BRUBECK, H. Dave Brubeck piano álbum 1.transcribed and Edited by Howard Brubeck. Derry Music Company, 1965. The Dave Brubeck Quartet, Time Out. Columbia, CL 1397. 1959. The art of Dave Brubeck - archive. The Guardian, 1958. www.theguardian.com/music/2017/feb/17/dave-brubeck-jazz-interview-1958 SHAW, A. The cool generation. maio.1954, p.52. BIRTWISTLE, A. Marking time and sounding difference: Brubeck, temporality and modernity. Birtwistle 2010, p.9. SUTTON, S. Brubeck oral history Project. University of the Pacific. California, USA. 2007. www.schorlarlycommons.pacific.edu/brubeck-oral-history-project LAMB, E. Uncommon Time: What makes Dave Brubeck’s unorthodox jazz styling so appealing? Salt Lake City, Utah. Dez. 2012. www.scientificamerican.com/article/uncommon-time-dave-brubeck ROTHMAN, J. Profiles: Dave Brubeck. New York, 2012. www.newyorker.com/books/double-take/profiles-dave-brubeck NASTROS, M. Dave Brubeck Octet. www.davebrubeckjazz.com/Recordings/Detail/Dave-Brubeck--Octet/002 GROSS, T. Celebrating the life and music of jazz pianist and composer Dave Brubeck. NPR, 4.dez. 2020. www.npr.org/2020/12/04/942949661/celebrating-the-life-and-music-of-jazz-pianist- and-composer-dave-brubeck