UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA ARTES E COMUNICAÇÃO- FAAC CAMPUS BAURU JONAS SULURICO DOS SANTOS LIÃO O MERCADO DE ARTE: QUESTÕES SOBRE AUSÊNCIA E PRESENÇA DA ATIVIDADE EM TERRITÓRIO BRASILEIRO BAURU 2018 JONAS SULURICO DOS SANTOS LIÃO O MERCADO DE ARTE: QUESTÕES SOBRE AUSÊNCIA E PRESENÇA DA ATIVIDADE EM TERRITÓRIO BRASILEIRO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Artes e Representação Gráfica, como requisito para aprovação e obtenção do título de bacharel no curso de Artes Visuais, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Orientação: Prof. Dr. Luiz Fernando da Silva BAURU 2018 JONAS SULURICO DOS SANTOS LIÃO O MERCADO DE ARTE: QUESTÕES SOBRE AUSÊNCIA E PRESENÇA DA ATIVIDADE EM TERRITÓRIO BRASILEIRO Aprovado em ___/___/___ Banca examinadora ____________________________________ Prof. Dr. Luiz Fernando da Silva Orientador ____________________________________ Prof. Dr.ª Luana Maribele Wedekin ____________________________________ Prof. Dr.ª Regilene Aparecida Sarzi Ribeiro DEDICATÓRIA Dedicado à história de todos aqueles que não têm história. AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a meus pais, Eulélia Sulurico dos Santos e Luciano Carneiro Leão, por tamanha oportunidade e apoio para realização da planejada educação de ensino superior. Ao professor orientador Luiz Fernando da Silva, por sua enorme oferta de paciência, liberdade e acolhimento, ao longo deste projeto. E assim como a colegas e professores que tanto contribuíram, direta e indiretamente, para esta conclusão. Um salve a universidade pública, gratuita e de qualidade. Obrigado a todos. “Um dos fatos mais significativos sobre nós pode ser finalmente que todos nós começamos com o equipamento natural para viver mil tipos de vida, mas no fim acabamos vivendo apenas uma”. (GEERTZ, 1973, p. 45). RESUMO O presente trabalho teve por objetivo, a análise do mercado de arte no Brasil. Tendo como foco aspectos de seu desenvolvimento e funcionamento, que culminam na sua concentração geográfica, principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Para tanto utilizou estudos de campo, na investigação de ambientes concretos do comércio de obras de arte e sua própria auto denegação. Passando pela elaboração de um histórico de sua formação, dessa atividade comercial, e sua relação imigrante e abastada no Brasil. Aplicou conceitos teóricos de Pierre Bourdieu, na sua observação e no levantamento de hipóteses, e considerou como essencial, o mapeamento social, no tempo e espaço, de tal atividade no país. Assim pretendeu entender seu desdobramento geográfico atual. Utilizando ainda da análise e reunião de dados, qualitativos e quantitativos, sejam governamentais ou não, que observam este cenário de consumo no país. Um trabalho que se estabeleceu na forma de uma monográfica, no entanto relacionando-se com um aspecto próprio de elaboração, no modo de sua escrita, mais próxima e pessoal. Palavras-Chave: Mercado de Arte. Consumo Cultural. Bens simbólicos. Sociologia de arte. Arte Brasileira. ABSTRACT The present research has the objective, the analysis of the art market in Brazil, focusing on aspects of its development and functioning, which consequently end up concentrating, in São Paulo and Rio de Janeiro. Therefore investigating with field studies, specific trade environments of the art market and your own self denegation. Presents a history of its formation, of this commercial activity, and its rich and immigrant relationship in Brazil. Applied theoretical concepts of Pierre Bourdieu, in observation and hypothesis, considering social mapping as essential, in time and space, of this activity in the country. Thus, intending to understand his present geographical situation. Using qualitative and quantitative data and analyzes, both governmental and non-governmental, that observe this scenario of consumption in the country. A work that was established in the form of a monograph, but related to a particular aspect of the elaboration, in the sense of his writing, closer and personal. Keywords: Art Market. Cultural Consumption. Symbolic goods. Sociology of art. Brazilian Art. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Foto frente e verso do crachá de identificação ........................................................ 17 Figura 2 - Vista para o Térreo do pavilhão Ciccillo Matarazzo ............................................... 37 Figura 3- Mapa da Feira Parte .................................................................................................. 41 Figura 4- Imagem de esquema da pesquisa do PSCB .............................................................. 70 Figura 5- Rio de Janeiro do Castelo ......................................................................................... 91 Figura 6- Rua do Ouvidor Rio de Janeiro (Detalhe) ................................................................ 97 Figura 7- Pietro M. Bardi e Assis Chateaubriand na inauguração do MASP- 1947 .............. 109 Figura 8- Juscelino Kubistchek e Yolanda Penteado na Quinta Bienal de São Paulo ........... 114 Figura 9- Vista aérea da cidade de São Paulo (Detalhe) ........................................................ 118 Figura 10- Esquema gráfico do Campo de Produção Artístico .............................................. 141 Figura 11- Aspectos que caracterizam o habitus .................................................................... 142 Figura 12 – Henri de Toulouse-Lautrec defecando na praia de Crotoy ................................. 145 Figura 13- Eles me recusaram isso... Os ignorantes!! ............................................................ 146 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo%20Corrigindo%20para%20entregar-2%20ed.docx%23_Toc529992215 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo%20Corrigindo%20para%20entregar-2%20ed.docx%23_Toc529992216 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo%20Corrigindo%20para%20entregar-2%20ed.docx%23_Toc529992217 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo%20Corrigindo%20para%20entregar-2%20ed.docx%23_Toc529992218 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo%20Corrigindo%20para%20entregar-2%20ed.docx%23_Toc529992219 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo%20Corrigindo%20para%20entregar-2%20ed.docx%23_Toc529992220 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo%20Corrigindo%20para%20entregar-2%20ed.docx%23_Toc529992221 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo%20Corrigindo%20para%20entregar-2%20ed.docx%23_Toc529992222 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo%20Corrigindo%20para%20entregar-2%20ed.docx%23_Toc529992223 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo%20Corrigindo%20para%20entregar-2%20ed.docx%23_Toc529992224 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Tem o hábito de frequentar/praticar segundo o PSCB ............................................. 67 Tabela 2 - Mais gostam de frequentar/ praticar segundo o PSCB ............................................ 67 Tabela 3 - O que mais frequenta/ prática segundo o PSCB ..................................................... 68 Tabela 4 - Atividades que realizou fora de casa no último ano segundo o PSCB .................. 69 Tabela 5- Relação elaborada de rendimentos e despesas médias familiares por cidade ....... 131 file:///C:/Users/Jonas%20Sulurico/Desktop/Projeto%20TCC/TCC/TCC%20Completo.docx%23_Toc525776245 SUMÁRIO Introdução ............................................................................................................................................ 13 Capítulo 1 ............................................................................................................................................ 15 O encontro: A primeira vez no mercado ......................................................................................... 15 Galerias em Debates ................................................................................................................. 17 A SP-Arte ................................................................................................................................. 37 A Feira Parte ............................................................................................................................. 41 Considerações ........................................................................................................................... 48 Capítulo 2 ............................................................................................................................................ 52 A correspondência: Os números da geografia do mercado ........................................................... 52 Distribuição e investimento cultural no Brasil ......................................................................... 53 A análise econômica do campo de produção artístico .............................................................. 71 Considerações ........................................................................................................................... 74 Capítulo 3 ............................................................................................................................................ 78 A ocorrência: O mercado de arte e seu histórico ............................................................................ 78 Aspectos de desenvolvimento do estado atual ......................................................................... 79 França 1860: As condições de formação de um mercado de arte ............................................ 80 O Pós-Guerra: O desenvolvimento de um mercado em nível global ....................................... 84 O mercado de arte no Brasil ..................................................................................................... 90 As artes no segundo império brasileiro .................................................................................... 91 Na república: 1889 a 1920 ........................................................................................................ 97 A Europa de um Brasil sem Europa: 1930 a 1947 ................................................................. 103 Instâncias de consagração um negócio a se consagrar: 1947 a 1960 ..................................... 109 As condições de desenvolvimento do mercado artístico brasileiro: 1960 a 1980 .................. 114 A profissionalização e o surto do mercado de arte no Brasil ................................................. 118 Considerações ......................................................................................................................... 128 Capítulo 4 .......................................................................................................................................... 134 O impacto: Subsídios teóricos em Bourdieu para análise do mercado de arte no Brasil ........ 134 O processo de autonomização do campo Artístico ................................................................. 134 Conceitos de Bourdieu ........................................................................................................... 137 A boêmia e sua polarização .................................................................................................... 142 Os desdobramentos da boêmia: A lógica interna do mercado de arte ................................... 146 Considerações Finais: Subsídios sobre a concentração geográfica do mercado de arte nacional ................................................................................................................................................ 166 APÊNDICE — Conteúdo extra ...................................................................................................... 193 ANEXO A — Falas, menções e referências da palestra “Marcos Legais” de Celso Grisi em Galerias em Debates: mudanças e oportunidades ........................................................................ 194 ANEXO B — Mapa da localização do comércio de arte em São Paulo a 1980 ...................... 211 ANEXO C — Mapa da localização de galerias de arte no Guia Arte e Cultura São Paulo 2017 ................................................................................................................................. 212 ANEXO D — Mapa da Feira SP-Arte 2017 ................................................................................. 213 13 Introdução A frequente recorrência de duvidas acerca do mercado de arte, sejam de recém interessados nessa produção, sejam daqueles que pretendem produzir, foi o marco inicial da elaboração deste trabalho. Confrontado em ambiente universitário, a posse deste tipo de informação e conhecimento, se mostrara literalmente custosa e barrada. Tanto uma aversão à finalidade econômica, por interessados do meio artístico, quanto uma distância espacial, e como entenderemos social, desmobilizavam qualquer clareza de observação, quanto a tal atividade. Desta forma, este comportamento e posição resultavam em uma orientação de estudantes universitários, rumo as capitais, paulista e carioca. Aqui, questionados ambientes entendidos como promotores de esperança futura nesse meio de produção, únicos no cenário nacional. Assim esse trabalho constituiu-se em pesquisa acerca do mercado de arte e suas principais características. Procurando delas, perceber seus mais relevantes aspectos em território nacional. Tal trabalho teve nesta intenção, o objetivo principal de explorar o mercado primário de obras de arte no Brasil, e o melhor entendimento de sua distribuição neste território. Para isto utilizou não só referências bibliográficas que tratam do tema, mas também dados e pesquisas governamentais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do SalicNet do Ministério da Cultura e do Atlas Econômico da Cultura Brasileira; assim como de pesquisas panorâmicas sobre o meio de produção cultural no Brasil, caso do Panorama Setorial da Cultura Brasileira em seus dois primeiros volumes. Contribuições que favoreceram um olhar, voltado às condições nacionais, tanto econômicas como culturais desse meio de produção. Nos seus objetivos ainda se encontrou, a busca do entendimento da presença e do atual estado do mercado de arte em território nacional. Deste modo buscando observar a relevância de movimentados meios do mercado de arte no país, como São Paulo e Rio de Janeiro, perante o silêncio de funcionamento fora deles. O que justifica a procura de indícios que constroem esta forma de percepção, dando mais concretude às análises e enfoques a sua investigação. Para tanto além do já mencionado, um histórico a respeito do mercado foi elaborado, do desenvolvimento internacional à trajetória nacional, principalmente a partir dos autores, Pierre Bourdieu, Anne Cauquelin, Raymond Moulin, Alain Quemin, Carlos Durand, 14 Ana Letícia Fialho e Maria Lúcia Bueno. Somam-se ainda, pesquisas de campo que proporcionam experiências concretas e dados primários, seja da prática comercial, seja de alguns de seus cenários de funcionamento no país. O trabalho foi realizado nos anos de 2017 e 2018. Iniciando com uma pesquisa bibliográfica introdutória sobre o mercado de arte, com Raymond Moulin, seguido de inserções a campo, observação panorâmica de dados de seu consumo, historicização da atividade, e conclusão da análise de tais processos pelo emprego de conceitos teóricos de Pierre Bourdieu. As pesquisas de campo, foram realizadas em território nacional na capital paulista. Estas contaram com registros, escritos e de gravação sonora em aparelho inteligente de telefonia celular; foram às feiras comerciais de arte, SP-Arte, Feira Parte, e o evento Galerias em Debate, os ambientes dos episódios pesquisados, todos do ano de 2017. Duas entrevistas além dos depoimentos recolhidos em campo, também foram realizadas em 2018, para a presente pesquisa, porém sua pequena quantidade não possibilitou uma análise comparativa sobre o território nacional. A estrutura deste trabalho confere-se em caráter próprio, por causa da relação que pretendeu caracterizar com o objeto de pesquisa, o mercado de arte. Nele apesar da condução em forma de uma monografia, os títulos de cada capítulo, pretendem demonstrar parte do processo de elaboração da pesquisa, assim como o contato entre pesquisador e objeto pesquisado. Dinâmica que procura conduzir o leitor, a passos e descobertas, que se assemelham a aquelas realizadas pelo pesquisador no transcurso de sua investigação. Daí sua estrutura nos seguintes títulos: O encontro, A correspondência, A ocorrência e O impacto. Trabalhando sua especificação de modo mais abrangente a partir dos subtítulos de cada capítulo. O caráter um tanto ensaístico ainda leva em conta, as considerações finais deste trabalho, que relega a construção de hipóteses muitos de seus importantes desdobramentos. 15 Capítulo 1 O encontro: A primeira vez no mercado Perante o tema de análise, o mercado de artes visuais no Brasil e suas relações com cidades de referência, como São Paulo e Rio de Janeiro, foram organizadas pesquisas de campo localizadas, para obtenção de experiências e dados mais específicos. Estas pesquisas aconteceram mediante viagens, que, partindo da cidade de Bauru, levaram a estadias na capital paulista, para observação e coleta de informações, sobre as relações entre os agentes desse mercado, em eventos específicos da área. O evento de palestras Galerias em Debates, dedicado à discussão do galerismo e as feiras de Arte, SP-Arte e Feira Parte, ambientes de negociações, são as participações que são analisadas nesse capítulo, a partir da captação de expectativas profissionais, conversas sobre estratégias e hipóteses sobre o mercado, concedidas por tipos variados de atores e entusiastas deste meio. A Seleção desta amostra de eventos, se deu na delimitação da observação do mercado primário de obras de arte1, investigando as formas de atuação de seus agentes e as possíveis estratégias realizadas, no ambiente da capital paulistana. Esta foi uma medida, que se voltou à busca da não generalização, ocorrida por vezes em análises deste meio. A pesquisa de campo ocorreu em grande parte da realização do trabalho, orientando-se a partir da agenda de eventos programados no ano de 2017. Sendo realizada entre os dias 27 de Março e 10 de novembro. Assim esta pesquisa se caracterizou principalmente como uma observação sistemática, em condições controladas com a participação do pesquisador. Dividido por eventos, este capítulo conta com três partes, mais considerações finais a respeito da etapa de análise. Nelas são galeristas, marchands, curadores, artistas visuais, pesquisadores e até designers, os produtores que demonstram falas e discursos, prontos a destaques formais ou pejorativos do próprio ofício e modo de atuação. Ali em ambientes distintos, dedicados ao consumo cultural de um público alvo, que, ainda nada parece ter de popular, se sobressaem, as diferentes relações e formas de realização que promovem os eventos e as produções neste meio. Pessoas e apoiadores recorrentes, vistos em mais de um, 1 Mercado primário ou secundário se referem a modelos de negócio praticado. O Mercado primário é formado por galerias que representam artistas em atividade, se ocupando de obras que estão sendo comercializadas pela primeira vez (FIALHO, Ana Letícia, 2014, p.37). 16 se não em todos os eventos. O que gera uma possível referência vaga ou indireta, sobre possível concentração desse campo de atividades no Brasil. Tal pesquisa de campo, focando nas contribuições que os eventos selecionados, garantiriam a observação de seu tema, também analisou as relações entre atores do mundo da arte e suas formas de negociação de valor, tanto estético quanto econômico. Neste capítulo, o principal objetivo é retratar e demonstrar, a partir das experiências em campo, os ambientes ligados à comercialização de obras de arte e suas características. Serão transcrições de discussões e preocupações apresentadas em momentos diversos dos eventos, tanto por parte do autor como de seus participantes. Como complemento, o capítulo ainda conta com anexo, que amplia temas e fatores mais técnicos, de palestra e exposições, isto a partir da transcrição de evento participado. Notadamente o capítulo também envolverá informações do referencial teórico. Na intenção de oferecer os subsídios que guiaram e que possam guiar o olhar sobre as experiências desse campo de produção. Neste aspecto, referenciais que possibilitaram visualizar a transposição de conceitos e ideias, a partir de outros referenciais primários e experiências, mas que acabaram por se mostrar redundantes, colocados de modo separado deste capítulo. Autores que possam em passagens, apresentar um breve histórico e informações úteis que completem a experiência observada. 17 Galerias em Debates Figura 1 - Foto frente e verso do crachá de identificação Fonte: Digitalização do próprio autor A primeira inserção no trabalho de campo foi nos dias 27 e 28 de março de 2017. Um corpo de palestras e mesas redondas foram preparadas pelo Projeto Latitude2, uma parceria entre a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (ABACT) e a Agência Brasileira de Promoção e Exportações (Apex-Brasil). Sendo uma parceria já apontada por autores, como Ana Letícia Fialho, testemunha da crescente importância econômica da atividade no país (FIALHO, 2014). Com o nome de Galerias em Debate: Mudanças e Oportunidades; o evento foi anunciado, como o primeiro do galerismo no Brasil. Essa modalidade de evento é dedicada à reflexão da atividade, sendo muito comum fora do país, conforme nos relatou participantes no evento. Este primeiro contato real com formas organizativas do mercado de arte, no evento Galerias em Debate, possuía um clima que era menos o formal e mais o “corporativo”. 2 De seu Website: “Latitude - Platform for Brazilian Art Galleries Abroad, é um programa desenvolvido para promover a internacionalização do mercado brasileiro de arte contemporânea. Criado em 2007, o programa conta hoje com 51 galerias de arte do mercado primário, localizadas em sete estados brasileiros, representando mais de 1000 artistas contemporâneos. Desde 2011, Latitude é uma parceria firmada entre a ABACT (Associação Brasileira de Arte Contemporânea) e a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos)”. Acesso em: < http://www.latitudebrasil.org/sobre-nos/apresentacao/>. http://www.latitudebrasil.org/sobre-nos/apresentacao/ 18 Estando em período comercial, dia útil da semana, no evento o deslocamento constante de malas executivas, smartphones e computadores pessoais em uso, apesar de banal, aqui aparentavam certa ansiedade das geralmente duplas de pessoas, que esperavam o início do evento. Nele, como próprio de sua intenção, as presenças eram em grande parte, novos galeristas de pequeno e médio porte, associados ou não à ABACT. Em sua divulgação, o Galerias em Debate, situar-se-ia na proposta de abordar ferramentas concretas de trabalho, de modo inspirador e informativo para os profissionais desse mercado, especialmente em relação às as novas mudanças do cenário, a curto e médio prazo. No entanto no decorrer do mesmo, ainda por meu pouco entendimento sobre a lógica do mercado, tudo acabou parecendo formas de apoio moral e incentivo; entregues a partir de relatos, experiências e aforismos calorosos. Perfil que parece habitual nas falas dos eventos de arte visitados. Exemplo: “E por último, sigam os artistas”; disse Jonathan T. D. Neil- diretor global de desenvolvimento comercial da Sotheby’s Institute of Art3- ao fim de sua palestra no Galerias em Debate, como incentivo e orientação . O evento ocorreu no prédio do Itaú Cultural localizado na Avenida Paulista. São seis e meia da manhã do dia 27 de Março e ali, além dos seguranças, se encontram pessoas responsáveis pela limpeza e algumas poucas pela organização do evento. Eu estava bastante adiantado, pois o evento teria seu início somente às 10h 30min. Encontro o ambiente ainda em predominante deserto. O pé direito do local não é exatamente alto, mas a sala do térreo é de alongada profundidade, arejada e cheia de luz natural. Não se apresenta grandiosa, nem opressiva. O espaço, ambiente já dedicado à promoção cultural, visando ser referência na valorização e na articulação de experiências do tipo4, apresenta a montagem de algumas exposições. Fechadas no dia, porém também negligenciadas pelo evento quando abertas. Perto das nove e meia volto a esse ambiente, existia relativo número de pessoas e um credenciamento acontecia para obtenção de crachás. Neles, informações como nome, e instituição de ofício eram apresentados de peito aberto, sem nenhum constrangimento. Além destas informações, uma interminável troca ocasional de cartões pessoais, acontecia entre os participantes. O controle de pessoas, atribuição de crachás e convites em eventos aqui 3 Sotheby’s é uma das maiores casas de leilões do mundo. Com sede na Inglaterra, fundada em 1744 por Samuel Baker, empreendedor, editor ocasional e livreiro. Hoje é constituída por uma rede global. São 80 escritórios e um o volume de vendas anual que ultrapassa os 4 bilhões de dólares. Sotheby’s Institute of Art- se trata de um programa de ensino na área do mercado de arte desenvolvido a partir 1969, na casa de leilões Sotheby's. 4 Disponível em Acesso em: 06 Dez. 2017 19 descritos, com frequência é dispensado. Se prestando a rigor, somente em momentos indiscretos, do contato com outros públicos, a onde o ambiente deixava de ser reservado, onde existiam mais pessoas do que só as participantes. O controle de horários e a formalização das programações, não me pareceram em diversas ocasiões, a preocupação mais estrita de eventos de arte, sem grandes convenções e regras rigorosas, sempre é possível se encaixar qualquer coisa aqui ou ali. Tudo se encontra movimentado perto do início do evento, que sem muito atraso, às 10h40min tem sua abertura. À meia luz, em clima temperado e som de fundo tocado durante todo e qualquer intervalo, uma série de realizadores vai ao palco agradecer e celebrar a realização. A presidente da ABACT, Luciana Brito, o coordenador de projetos setoriais da Apex Brasil, Frederico Miranda Silva e Silva e o diretor do Itaú Cultural Eduardo Saron. Momento que acaba por promover a si mesmo e as entidades que representam. A primeira palestra do evento Galerias em Debate é de Jonathan T D Neil, o já comentado diretor global de desenvolvimento comercial da Sotheby’s Institute of Art, com o tema: “O papel das Galerias no atual e Futuro sistema das Artes”. As galerias enquanto promotoras dos artistas que representam, recorrem a meios de trabalho que lhes ofereçam visibilidade, como as exposições, isto acaba por agregar na quantidade de eventos de arte (MOULIN, 2007). Com esse modo de atuação, entendem-se no papel de “Agente Cultural”, pela realização de tais eventos (MOULIN, 2007). Não só aqui nestas palestras, mas em outros eventos visitados, desdobramentos de como se lidar e atuar com tal atribuição, sempre é abordado. Atribuição esta, tratada como espécie de compromisso com a sociedade, que “heroicamente” galeristas pensam como realizar. Uma constante forma de divulgação da atuação dos galeristas, que pude testemunhar e que se observará mais adiante. A palestra de Jonathan T D Neil, voltou-se inteiramente para relevância das novas tecnologias, enfatizando a importância de usar a experiência em tela, das obras de arte exibidas na internet como forma de divulgação. O uso da internet é fator recorrente em eventos de arte em busca de aplicação. Ainda a esse respeito, ele declara: “Novos artistas, novos públicos, novos colecionadores 5 ”, uma referência, a artistas que usam novas tecnologias em produções de obras de arte e a necessidade de adaptação de toda a lógica do 5 Uma considerável quantidade de falas de palestrantes está descrita neste capítulo. São o fruto de gravações sonoras e anotações realizadas, durante as pesquisas de campo. Feitas a partir de aparelho inteligente de telefonia celular. 20 sistema artístico para tanto (BOURDIEU, 1996; MOULIN, 2007). Jonathan incentiva o uso do aplicativo de celular Instagram pelas galerias, baseando em sua experiência e em dados do Source: Art Basel and UBS: The Art Market 2016, relatório anual sobre o mercado internacional de artes. Onde pontua que, 7% das vendas globais de arte são representadas por vendas via internet. Após iniciar apresentação com panorama de aspectos novos, relacionados a vendas via internet e suas possibilidades e consequências no sistema artístico, Jonathan contextualiza historicamente as formas expositivas e suas relações com o espaço. Para assim chegar ao espaço que é a internet, ao ciberespaço. Deste modo destaca que galerias, devem ser mais sensíveis ao que chama experiências 2D, em duas dimensões, na tela dos celulares, aos discursos das obras, que segundo ele, não necessitam estar in loco para fruição. Plataformas digitais como forma de apreciação de obras de arte e Marketing. Onde destaca que, o ator norte americano Leonardo di Caprio, já comprou obras pelo aplicativo Instagram. Salvo considerações a respeito das formas comunicativas pela internet, as interações via rede social entre público e galeria, mas ainda sim relacionado pelas formas recentes de atuação e produção artística, usando novas tecnologias. Em algumas falas aqui descritas, é instigante que perguntas, neste e outros eventos, para os palestrantes, quase sempre culminam em: “O que é arte? E como tratá-la?” Ao fim da palestra de Jonathan, aberta a poucas perguntas pela falta de tempo, o sentido dessas, sempre parece o mesmo, coisas como: “Mas qual a fronteira entre experiências 2D e 3D?” “Como lidar com obras digitais e suas vendas?” Questionamentos de, “quando é e quando não é algo?”, “quando pode e quando não pode algo?” cada vez mais incisivo e direto dependendo de quem é questionado, uma autonomia sempre em negociação. No caso de artistas, o público de iniciados parece sempre à espreita, à procura de um voto de minerva, de um rumo a avaliar, negociar e talvez até questionar. As características de perguntas da plateia e suas consequências quando ignoradas ou interpretadas da maneira “errada”, pode ser visto no desenrolar da segunda programação, primeira mesa do evento Galerias em Debate. O tema discutido foi “Galerias como Agentes Culturais”, entre os convidados e a mediação, estavam, Francisco Salas, diretor e proprietário da galeria espanhola PM8, Pamela Echeverria, sócia fundadora da galeria mexicana Labor, Shifra Shalit, diretora da Galeria Dvir, de Bruxelas e Israel, e a mediadora Jaqueline Martins, sócia fundadora da galeria paulista Jaqueline Martins. 21 Como agente cultural, os três convidados internacionais eram galeristas que, já nos modos de vestir, comportar e falar, apresentavam um ar de desinteresse “formal”, negação do fim econômico, e de naturalidade em seus ofícios. Diferença contrastante da palestra anterior, que mantinha rígida aparência de negócios, com seu palestrante Jonathan T D Neil sobriamente vestido, com um ar motivacional e direto. A mesa que inicia, tem uma recorrência de falas dos convidados, que situam as vantagens como grandiosas, perante as dificuldades desprezíveis, que é o de trabalhar com arte. O tempo passava e os participantes, nos davam informações a respeito de seu estado de espírito e expectativas, para a formação de seus negócios. De maneira que anunciavam, que hoje atuavam em um trabalho “recompensador” que somente a arte poderia proporcionar. E como levar este trabalho a meios mais amplos e a sociedade, era gratificante. Exemplo da negação do fim econômico que abrange a atividade, e que será esclarecida em capítulo posterior (BOURDIEU, 1996; MOULIN, 2007); porém neste momento, muito ligada, a atribuição “heroica” de agente cultural. Para não dizer que estratégias comerciais e de atuação não foram abordadas aqui, foi mencionado a necessidade de coerência no programa das galerias6 (o artista a que representar, os tipos de obras a se exibir, exemplos de curadoria a se produzir e convidar, regularidade de exposições e eventos), para se gerar certa coerência. No entanto, a pequena passagem não atendeu as expectativas. O público, ao que parece, esperava ouvir aspectos de gestão e operação por parte dos palestrantes. Orientação esta que seguiu o sentido das perguntas, pois questionavam quais eram as estratégias e os modos de trabalho como agentes culturais. No entanto as respostas caminhavam se configurando a partir de valores subjetivos do tipo: “A estratégia é gostar do que se faz, gostar da arte e de todo o seu potencial”. Uma das convidadas chegou, a expressar a seguinte resposta: “Eu não tenho estratégia nenhuma, eu não preciso ir até o público ou colecionadores, eles veem até a mim” disse Pamela Echeverria. Os motivos pelos quais perguntas e respostas são apresentadas, não são claramente declarados. As reações, são de indignação por parte da plateia. Um público exaltado, mesmo a própria mediadora da mesa, Jaqueline Martins, indignada não acreditou na ausência de estratégias. 6 Referente à programação de eventos e exibições dos estabelecimentos. 22 Perante tenso clima no auditório, após manifestações indignadas, os convidados da mesa com voz mais branda e empática, iniciam respostas, digamos aceitáveis sobre suas atuações: Eu disse que não tinha estratégias. Mas não é necessariamente isso... Ainda dos anos de faculdade em HARVARD, trago alguns aprendizados. Algumas estratégias, modos específicos de falar sem ter contato com certos públicos... Desses anos anteriores, que acabam por atrair esses tipos de pessoas. Revelou Pamela Echeverria, sócia fundadora da galeria mexicana Labor. A diretora da galeria Dvir, Shifra Shalit apresentou: “Existem estratégias de interlocução... Para colocar artistas em locais como museus, e locais de visibilidade de colecionadores”. No entanto a primeira reação, precipitada em resposta a agitação, imediatamente indignada antes do silêncio, é declarada por Francisco Salas, diretor e proprietário da galeria PM8: “Já somos chamados de mais para falar sobre este tipo de coisa! Pensei que o que se queria aqui era falar sobre arte, sobre seu potencial, sua capacidade, suas maravilhas, sobre o que é ser um agente cultural. Não sobre isso”. Uma observação interessante sobre os eventos pesquisados é a resistência ao comentário das estratégias financeiras e operacionais; mais forte por parte de figuras internacionais, ao passo que para os brasileiros, apresenta-se como necessária dependendo de sua condição financeira e de seu prestígio nesse campo de produção. Para melhor se entender parte do que ficou subentendido nas respostas de Pamela Echeverria, Shifra Shalit e na indignação de Francisco Salas e do público, observe que esse mercado funciona muitas vezes de modo internacional, modo como ocorre sua promoção cultural e a carreira profissional de inúmeros de seus agentes. A partir dos anos de 1960 e 1970, o mercado de arte acontece em lugares de grande movimentação comercial, possuindo um setor de arte contemporânea, estruturado por galerias Leaders (MOULIN, 2007). Estas são galerias que contribuem para balizar o território artístico e as tendências dominantes, tendo, que a partir do momento que monopolizam uma determinada tendência ou artista, se tornam os possuidores da oferta -“o vendedor de um quadro, é um vendedor único de um quadro único” (MOULIN, 2007, p. 14)- precisam então formular uma demanda suscetível. Para isso operam com técnicas e estratégias de promoção comercial e difusão cultural, na lógica própria do meio artístico. 23 Assim estas galerias Leaders, atuam em relação a outros atores. Onde podem mobilizar em nível internacional, uma importante rede de pares, outras galerias, estabelecendo uma espécie de coalizão informal. Estes negociantes de arte combinam para, cada um a sua esfera, promover uma mesma inovação artística (MOULIN, 2007). Como se testemunhou pela resposta de Shifra Shalit. Estas formulações de acordos informais, compreendem uma atitude de período curto, levando junto a galeria Leader, outros atores e agentes, tanto econômicos como culturais, agirem rapidamente e de comum acordo para inserção de artistas em lugares necessários a sua promoção; grandes revista, museus, coleções, grandes manifestações culturais internacionais, entre outros (MOULIN, 2007). A segunda mesa, terceira programação, apontou possíveis condições peculiares de atividade do campo artístico nacional. As declarações a respeito de modos de trabalho, rumo à conquista do sucesso financeiro, nela, mostram uma reflexão diferente. Algo como uma condição lamentavelmente existente. Nas falas do curador independente Ivo Mesquita, da sócia e fundadora da galeria Fortes D’Aloia & Gabriel, Márcia Fortes e da colaboradora do Ateliê 397, Thais Rivitti, a mesa mediada pelo artista Beto Shwafaty, trazia como proposta, a pergunta sobre deslocamentos da função habitual ou imaginada de atores e agentes do mundo da arte. Tendo o mediador, argumentado que, o museu, a galeria e o espaço independente, definidos como espaço de consagração, comercialização e experimentação, não mais abrange o número de propostas dos mesmos. Elencado o objetivo inicial, Beto Shwafaty diz: “O mundo da arte não se limita somente ao mercado da arte, mas sim é constituído por longas cadeias de cooperações. Sendo importante sempre frisar que, o trabalho de todos está linkado e articulado pelas práticas artísticas”, argumentando que sem elas nada existiria. A primeira a falar, a galerista Márcia Fortes, da Fortes D’Aloia & Gabriel, disse que pensar um caso que desafie as definições usuais de sua atuação, seria pensar o cotidiano de trabalho em sua galeria. Já que, muitas vezes a visão externa lhe parece limitadora. Decide por isto, não responder a pergunta e sim elencar 12 agentes que ela chama de “circuito da arte contemporânea”, modo como consegue segundo ela, entender o que faz. Nós afirmando que se nega a usar a palavra mercado, diz: “Primeiro acho que não existe nada no vácuo, por isso nunca usei a palavra Mercado, mas Circuito, e nós aqui somos agentes do mesmo circuito”. Listados, ela apresenta sua seleção, composta por artista, museus e centros culturais, espaços independentes, críticos e curadores, galeria como mercado primário, marchand como mercado secundário, leilões de arte, colecionador e consultor, bienais e panoramas, feiras de arte, 24 editores como periódicos e monografias, e por fim o público. Disse que pode haver mais, mas é como consegue construir e costuma apresentar o circuito. Ao explicar cada um dos atores e agentes respectivamente selecionados, procura deixar claro, a partir do artista, motivo primordial de todas as coisas para ela, que o objetivo final das atuações nunca é estritamente financeiro. Principalmente em seu empreendimento, a galeria. Nesse caso segundo ela, pouco justificaria as concessões e apoio, a ideias que artistas lhe propõem, que para ela, pouco se pagam e pouco parecem possíveis de se vender. Como forma de argumento para tanto, Márcia Fortes relatou a existência de obras grandes de mais para residências, e mostra imagens da obra do artista Carlito Carvalhosa (obra de arte de caráter conceitual, mostrando buracos nas paredes da galeria Nara Roesler). Como ressalva, Márcia Fortes relata que o seu trabalho na galeria, cobre uma série de atividades que não são essencialmente comerciais: A venda de uma obra de arte é consequente de todo um trabalho que, passa por publicações, por representações junto a instituições, por estar dentro do ateliê conversando com o artista, enfim participando dos desdobramentos da obra do artista. Para onde o trabalho vai, para onde ele se encaminha. [...] Esse transitar é o meu trabalho, é o que me sustenta, eu não posso ter outro tipo de apoio que não a venda dos trabalhos, para fazer tudo isso. Da pergunta inicial, sobre desvios na área de atuação no mundo das artes, Márcia, fala de detalhes como, o fato de museus e centros culturais, muitas vezes não serem só o lugar da consagração, mas também o primeiro lugar onde artistas estagiam. Conferiu a existência de projetos desse tipo, como o caso do “Rumos”, do próprio Itaú Cultural. “Projetos de artistas que muitas vezes nem mesmo são representados por galerias”, comenta em sua fala. Existem também segundo ela, colecionadores que viram galeristas e ao contrário também, até mesmo pequeno colecionador que vira diretor de museu público, entretanto sem citar casos concretos. Reclama que galerias são sempre vistas como entidade diabólica, tendo em vista o comercial, para ela, Márcia Fortes, um pensamento retrógrado e separatista. Pois alega que não conhece bienal que tenha acontecido sem apoio de galerias, e que muito por causa delas tem acontecido, e que tal apoio nunca está nos agradecimentos. Uma série de explanações de Márcia Fortes, insistem em negar o fim econômico. No entanto, se apresentam muito curiosas, por causa da plateia de ouvintes, outros galeristas, 25 reunidos para discussão de sua atividade. Não só essa aversão ao sucesso financeiro, mas também as declarações de amor incondicional pela arte, mesmo em eventos dedicados ao comércio, fazem parte da lógica própria deste meio de produção (BOURDIEU, 1996). Louvor à arte que toma lugar de qualquer estratégia e modo concreto de atuação, podendo ser visto e revisto nos relatos da pesquisa de campo. Orientação que melhor poderá ser entendida em capítulo posterior. Em sua exposição, Márcia também afirma particularidades de exercer a função de galerista em território nacional, propondo que estamos na condição de periferia do mundo. Onde vê o contexto de globalização como ingênuo. Longe de tudo, admite, que não se pode ficar à espera, que uma galeria em São Paulo vai ser vista por todos, e prescreve: “Tem que ir às feiras! [...] Não dá para não participar, achar que pode ser uma galeria importante sem participar de uma feira. [...] Não dá para ser assim e estar presente, sendo considerada no circuito”. A feira é um lugar que julga cruel, a todos que trabalham e até mesmo as obras, já que os custos do espaço nas paredes são altos, e não vale só uma obra, completa. Ainda menciona que fica surpresa olhando o número de pessoas nas exposições da galeria. Relata que são poucas, e espera saber, o que fazer para aumentar esse número de visitantes. Exposições gratuitas, mas que acha, que as pessoas se sentem intimidadas, e não entram. Assim, diz que anseia trazer possibilidade de diálogo com outros públicos, já culturais, como o do cinema e do teatro, mas que ainda não vão às exposições. Anseio este comum a grande parte deste meio de produção. Por essa passagem, Márcia lembrou do que uma vez lhe disse o galerista Jay Jopling7, da White Cube, com espaço em São Paulo de 2012 a 2015. Questionado por Márcia Fortes, ele diz que o fechamento se deu menos pelo imposto de importação e mais pelo público, pois para ele ninguém ia, relatando 150 pessoas num sábado. A galerista Márcia Fortes, reincorpora a surpresa com 150 pessoas num sábado: “Era um sucesso!” E nos diz que para Jay Jopling era pouquíssimo, pois segundo ela, imagina que em Londres passam 500 ou mais pessoas por dia. Confessa que Jay Jopling disse: “Mas mora tanta gente em São Paulo”; e ela responde a ele e a todos nós: “É, mais é muito reduzido, o alcance das artes plásticas na nossa cultura, na nossa sociedade”. Na seleção dos doze agentes da arte, a galerista Márcia Fortes, considera os espaços independentes, como locais de funcionamento diverso, onde existem interseções e não se 7 Galerista inglês fundador da galeria White Cube de 1993 em Londres. Uma das mais famosas galerias do mundo. Disponível em: Acesso em: 13. Dez. 2017. http://www.jayjopling.co.uk/ 26 conta com contribuintes, verba pública ou acervo, “dinâmica mais do aqui e agora” segundo ela. Definição que diverge na fala da próxima convidada. A participante Thais Rivitti, colaboradora do Ateliê 397, espaço independente, começou com um olhar um tanto diferente às atribuições anteriores, elencadas por Márcia Fortes. No seu caso o ateliê que representa, segundo ela, não começou com uma vocação totalmente pública, mas com o tempo foi sendo adaptado para tanto. Para arrecadação financeira, acha problemático o nome de espaço independente, porque sempre dependem da verba alheia, de incentivos e de editais públicos de financiamento. Thais, diz que o lugar funciona para suprir demandas do uso artístico. Em uma dinâmica de organização, da troca de horas de serviços no espaço público do local, por acesso a lugares como o ateliê, no piso de cima do espaço independente. O espaço procura fomentar a, exposição e circulação, sendo simpósios, exposições, residências e cursos que acontecem ali para isto, com certa regularmente. Ainda, promovem eventos e proposta para esta vocação pública, que acabam repercutindo também em ganhos financeiros; propostas como paródias de leilões e de lojas de souvenir em museus. Acontecimentos que ganham certa popularidade no meio artístico mais localizado e acabam atraindo pessoas para o local. Segundo Thais Rivitti, eventos realizados no espaço independente do Ateliê 397, como o Surprise, espécie de leilão às cegas, onde não sabemos quem são os artistas produtores das obras, a relação com galerias e outros agentes do sistema artístico, nem sempre é amistosa. Ela disse que possui histórias de galeristas que desaconselham ou impedem, a participação de artistas em exposições no local, “pois não pega muito bem”. E também de agentes a mando de galerias, que procuram comprar toda produção do leilão, a preços baixos em propostas alternativas, na expectativa de valorização futura. Relatos deste tipo raramente são vistos em eventos de arte, como se pode observar nos estudos de campo; o que entusiasma grande parcela da plateia que irrompe em discretas gargalhadas, mas que também fere pelo mesmo efeito de vergonha alheia, certa condição artística de integridade dos modos de produção. O interessante do espaço independente, diz Thais Rivitti, é poder propor, experimentar nas exposições, ocupar um ambiente, pois para ela a universidade muitas vezes não consegue abarcar a discussão contemporânea. Estas exposições, que nem sempre são de artistas de São Paulo, são realizadas a partir de pesquisas fora do estado. Sempre com “uma grana muito precária”, diz ela. Desejam, trabalhar o artista e sua produção, ir testando no espaço 27 independente e vendo o que dá certo. Os simpósios contam com agentes profissionais de áreas diversas, e as exposições sempre tem texto crítico, com a atuação da própria palestrante. Tudo isso é o que declara auxiliar nos modos de formação. Thais manifesta preocupação quanto à gestão autônoma, onde a programação deve dar conta de sua gestão, não sendo coisas separadas. Para ela, podendo ser capaz de mostrar de onde vem o dinheiro e de onde não vem, se vai ou não pagar, e o porquê vale a pena realizar. Reclama que estão muito sujeitos a variáveis como crises políticas e econômicas, e que o dinheiro, revela, vem muito de verbas públicas, de editais de financiamento como o PROAC8 e a Funarte9. Alguma coisa vem da verba privada, nos melhores anos 30% da receita, que utilizam numa economia comunitária. Pensam também em lançar um clube de assinaturas, com no máximo de 12 membros, ao estilo dos museus. A assinatura garante obras de múltiplos10, periodicamente por 4000 reais anuais. Em meio à agradecimentos de praxe, a representação dos museus, dos espaços institucionalizados e até da bienal, o curador independente, Ivo Mesquita, inicia dizendo que acha curioso: “Como cria dos anos 80”, que a arte contemporânea se tornara o centro do circuito das artes, e não mais a arte antiga, do passado. O curador independente relatou que, até 1980, os artistas tinham que criar os trabalhos e os meios de circulação, que era uma produção meio marginal: “Nos museus, não que não tivesse essa preocupação ou esse espaço da arte contemporânea, não que não houvesse programas. Havia! Mas não era esse centro de tudo, de feiras, bienais, programas de cooperação cultural, institucionais, do colecionismo”. Nesse campo da formação de valores artísticos, até a rotulação “arte contemporânea” presta-se a função mercadológica. Não ligado a referências cronológicas ou a obra de artistas vivos –mesmo sendo levado em conta por especialistas- a atribuição ganha peso em 1980, 8 Programa de Ação cultural implementado pela Secretaria de Estado da Cultura do Estado de São Paulo a partir da Lei nº 12.268, de 20 de fevereiro de 2006. Constituído pelas seguintes receitas contadas no Artigo 3º. I – recursos específicos, fixados pela Secretaria de Estado da fazenda, e consignados no orçamento anual da Secretaria de Estado da Cultura, aqui denominados “Recursos Orçamentários”; II – recursos do Fundo Estadual de Cultura criado pela Lei nº 10.294, de 3 de dezembro de 1968; III – recursos provenientes do Incentivo Fiscal de que trata o artigo 6º da presente Lei (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2006). 9 Criada em 1975 a Funarte - Fundação Nacional de Artes é o órgão responsável, no âmbito do Governo Federal, pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo. (BRASIL, 2010). 10 “Termo que é utilizado, principalmente a partir da década de 1960, para designar trabalhos artísticos que, sem serem gravuras ou esculturas moldadas, são concebidos com o intuito de serem reproduzidos em grande ou, às vezes, ilimitado número de cópias”. Acesso em: . Apesar da definição, em eventos frequentados, a atribuição se aplica também a diferentes tipos de gravuras, fotografias e impressões. 28 meio a mudanças do cenário artístico, onde a perícia de obras contemporâneas, não se voltará à autenticidade do verdadeiro autor, mas sim da obra enquanto arte. O que não é independente da legitimidade de seu autor enquanto artista (MOULIN, 2007). Estas mudanças destacadamente de 1960 a 1980, do mercado artístico ao meio estético, entre as mais relevantes estão, o apogeu das galerias líderes, a internacionalização da arte dita contemporânea, a proliferação de exposições bienais, o aparecimento das grandes feiras, a consolidação das grandes casas de leilão e seus recordes, crescimento de políticas públicas e o consequente crescimento e especificação do mercado do mercado de arte (MOULIN, 2007). Sobre o museu, Ivo disse não ser uma mudança de função como atribuem, o que vemos agora. Define ser o acréscimo de uma nova, pois para ele, o mesmo não escapa a funções de consagração artística, de tradutor da visualidade, da arte, do simbólico. Diz ser o museu quem fomenta um processo midiático, publicitário da arte, à movimentação de centralização do contemporâneo. Onde o público não mais é atraído pela história da arte, mas pela arte contemporânea, última produção, vista em propaganda, talvez de feiras, bienais ou coleções. Comenta que museus encomendam obras de temas específicos, para mostras temáticas, e o que fica em evidência não é mais, a pertinência e a propriedade do museu sobre a história, mas sua utilidade em função social, “revelando o grau de consciência da sociedade sobre si mesma”, explica Ivo Mesquita: “A arte já não é um tema em si, foi transformado ao contrário num desfile de temas culturais contemporâneos; confissões de minorias, memórias traumáticas ou conflitos sociais”. Em sua contextualização histórica, o que acontece com o museu, conta Ivo, decorre, a partir dos anos 1970, dos movimentos de liberação, e do olhar pós-colonial que gera uma perspectiva diferente sobre centro e periferia. Argumento, comenta, para o desejo de uma representação mais global, e para proliferação de bienais ao redor do mundo. Museus que para ele, acabam querendo contar uma macro história, com a incorporação de cânones diversos e outras narrativas. No entanto assim, lançando um desafio a museus menores, sem tais condições em um mundo globalizado, que se voltam adequadamente a particularidades da cultura local, ao seu entorno em relação ao mundo. Para ele apesar de serem construídos como catedrais a função dos museus devem ser de igrejas paroquiais. A respeito de experiências em museus, Ivo conta que em projeto na pinacoteca de São Paulo, prédio histórico, tombado, o que seria para ele o museu de belas artes da cidade, onde foi convidado a ocupar o espaço com arte contemporânea, não foi algo simples, houve 29 desafios. “O interesse, era promover e fomentar a produção contemporânea, e não só exibi-la, por parte do museu. Mas sem necessariamente adquirir, comprar a obra, esse era o projeto octógono”. Exemplo concreto que mostras as novas relações entre museu e arte contemporânea. Tudo como ele diz, feito sobre uma série de condições e problemáticas, que vão de materiais, na ausência da rubrica no orçamento do estado, a sociais, na recepção diversa que públicos diferentes têm. Sobre o mercado e a questão econômica que circunda os museus, com influência não negligenciável, toma que: “Eu não acredito que o mercado seja o vilão do sistema da arte, nem tudo é perfeito. Como tudo que é criado por nós, tem seus riscos, seus erros”. Comenta que entre as mudanças, provocadas pela centralização da arte contemporânea, uma foi à criação de uma economia que subsidia diversos atores e atividades, não tão grande quanto em outros países, mas figurada por iniciativas importantes. Relaciona ainda, que devemos entender que a história dos museus está relacionada com a história da aristocracia. Admite, “não existiriam dissociados destas pessoas, dessa classe, por mais que o estado tente”, dando como exemplo o caso russo e sua relação à época com a arte de vanguarda, agora em vias de recuperação. E o caso chinês, com a crescente aquisição de obras nacionais no mercado internacional, junto à construção de numerosos museus pelo país. Interrompe neste instante e complementa a galerista da mesa Márcia Fortes, em comparação com a China: “Enquanto isso o governo brasileiro cobra 48% de imposto sobre a importação, para trazer de volta obras de artistas brasileiros para o território nacional, é meio ao contrário. E cobra 4%, do valor da obra comprada em doação”. Retomando o curador Ivo Mesquita conclui que, é normal a influência de colecionadores em museus, já que estes são membros de conselhos e por vezes diretores. E a questão está nas relações, na transparência e na ética da governança dessas instituições. Adiciona que o mesmo vale para galeristas, já que em seu ponto de vista, assume que nem tudo pode ser explicado pelo ganho pessoal, pois aquelas pessoas são as principais interessadas no florescimento de tais instituições. Na participação em eventos, observa-se que os mais variados tipos de atores, possuem uma ideia que logo se mostra vaga, sobre a atuação de seus pares, outros atores desse mundo da arte. Mesmo com atribuições específicas, sobre suas formas de atuação, estratégias possíveis sempre são lançadas para manutenção de empreendimentos. Existência de atores e definição de seu exercício, circunscrita aos meios da atuação, sendo raro fora dele, o entendimento de tal presença. 30 A última palestra e programação deste dia, trata das relações entre âmbito público e privado no fomento da cultura. Quais as melhores maneiras de articulação e financiamento da área, com o tema “Esferas Públicas e Privadas: Gestão e Cooperação”. Trazendo para tal, duas pesquisadoras familiarizadas com o tema, Ana Letícia Fialho e Gisele Jordão. As duas, com experiência à frente da coordenação da pesquisa setorial do projeto LATITUDE, que investiga o setor primário do mercado de arte nacional. Iniciando a palestra, Ana Letícia e Gisele comentam sobre a esfera pública, às iniciativas promovidas pelo governo, para promoção da cultura no país. Mostram, que os incentivos e os fomentos em cultura, são feitos a partir de editais, chamamentos públicos e com mais força nas leis de incentivo fiscal11 . Por estas formas de atuação do governo, revelam que o país, não vê potencial de grandes lucros ou negócios rentáveis, em investimentos culturais. Uma visão comum, tanto na esfera pública como na privada. Desse modo dizem que a produção cultural em território nacional, é de certa maneira mal articulada, já que a sociedade brasileira, a vê como iniciativa filantrópica. Isso acarreta a falta de produtores e articulações com outros meios culturais de produção. Condição que justifica a criação da Secretaria de Economia da Cultura12, que observa tais relações, pesquisando planos estratégicos e de negócios, em olhar panorâmico do cenário cultural e de empresas da economia da cultura. Uma série de dados quantitativos ainda nos foi apresentados. Por exemplo, 63% dos artistas no Brasil não vivem de sua receita mensal, deixando de se qualificar para tanto. As pesquisadoras chamam a atenção para questões do tipo: Como fomentar um artista a longo prazo? E o retorno? Investimentos são caros, e acabam escoando para o mercado secundário. Que gera fomento e promoção às obras, mas não à produção, no caso ao artista. O que é necessário para a obra de arte dar o retorno à galeria? Quais instâncias que ela precisa passar? 11 Trata-se aqui de programas como a Funarte, o ProAC, e a lei Rouanet. Sendo a lei Rouanet, a instituição do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), implementado a partir do Fundo Nacional da Cultura (FNC), dos Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e do incentivo a projetos culturais, desde 1991. O incentivo a projetos culturais, com correlatos municipais e estaduais, consiste na opção de pessoas físicas ou jurídicas aplicarem parcelas de seu Imposto sobre a Renda, a título de doações ou patrocínios, a projetos culturais (BRASIL, 1991). 12 Secretaria atribuída à nova estrutura organizacional do Ministério da Cultura a partir do decreto N° 8.837, de 17 de agosto de 2016, decretado no exercício do cargo de presidente da república, o vice-presidente da república, Michel Temer (BRASIL, 2016). 31 Questões, determinadas como importantes para reflexão do galerista. Mencionam o setor econômico dos museus, de grande movimentação financeira com transportes, logística, seguros e outros; entretanto é uma questão que preferem não abordar no momento, dizendo a deixar ao IBRAM- instituto brasileiro de museus. O segundo dia começa com a inscrição dos participantes na sessão do “Tira-dúvidas”, no mesmo local onde anteriormente ocorria o credenciamento. Esta refere-se ao período de dez minutos, junto a algum profissional de especialidade diversa: logística, tributação, feira internacional ou Incentivo Fiscal. Relacionando esta sessão à oportuna ocasião para coleta de dados e contatos, minhas inscrições foram em logística, e incentivos fiscais para projetos Culturais. Nelas procurava por contribuições, que pudessem expor os meios disponíveis na cidade de São Paulo, fontes de investimento e arrecadação, para o sistema artístico local. São aproximadamente 10h30min e de modo incrível, o público mudou neste dia, tornou-se menor e menos agitado. Algumas pessoas compareceram novamente, outras não. Existem novos rostos, e palestrantes hoje também são plateia. A primeira programação do dia é a palestra da artista Rosângela Rennó e o tema é, “Quanto pode valer uma obra de arte?”. A artista, a partir de pesquisas para suas obras, aborda a questão do valor, focando sua participação na Bienal de São Paulo, com a obra “Menos Valia leilão”. Esta obra é a proposta de um leilão na 30º edição da bienal, onde atravessa terreno delicado usando a ressalva de constituir-se de uma ação performance13, envolvendo várias pessoas e não propriamente a venda de objetos de arte. A proposta e o processo de seu leilão foram apresentados em detalhes, frutos e produtos oriundos do mesmo também, mas é a evidência de investimentos e formas de trabalho cooperativo, com predominância na capital paulista, que acompanham aqui, os interesses da pesquisa. Continuando, a artista Rosângela Rennó, pontuou que a venda dos objetos e o ganho do lucro, foram meras consequências de uma estratégia de ação coletiva dentro da bienal. E que sem nenhuma garantia de sucesso, do envolvimento da plateia, que justificasse os variados tipos de investimentos, em preparar e organizar o evento, nos relata, lendo escritos preparados, que a proposta foi considerada ousada. 13 Refere-se aqui a “forma de arte que combina elementos do teatro, das artes visuais e da música. [...] A performance deve ser compreendida a partir dos desenvolvimentos da arte pop, do minimalismo e da arte conceitual, que tomam a cena artística nas décadas de 1960 e 1970. [...]As relações entre arte e vida cotidiana, assim como o rompimento das barreiras entre arte e não-arte constituem preocupações centrais para a performance”. Acesso em: . http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3646/performance 32 O questionar da valorização de objetos, no caso, promovido sobre os do mercado de segunda mão, era o projeto proposto da obra “Menos Valia Leilão”. Apresentado em trecho pela artista Rosângela Rennó, retirado de livro subproduto da mesma obra, diz que: Por meio de um longo processo de seleção, recomposição e selecionamento, transformação, recontextualização e exposição. Estas peças passaram por sucessivas agregações de valor material e simbólico, até o seu destino final. Um leilão dentro do espaço institucionalizado da arte. [...] Cada comprador recebeu um certificado de posse de uma parte do projeto “Menos Valia Leilão” e desta maneira a incluiu em sua coleção de arte. Comenta que este final do texto é de caráter irônico, mesmo parecendo ser sério: “mais ele não é” diz ela revelando sua atitude Duchampiana14 de ironia. Artista este, presente entre suas referências. O processo também gerou um relatório, editado e publicado como livro de artista, contando com lançamentos especiais em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Em São Paulo na galeria que a representa, a Vermelho, houve exposição de objetos e do livro em versão especial, que presenteou quem se inscreveu no leilão. Ali, somou-se ainda, uma série de debates gerados sobre o projeto e textos do livro lançados sobre as paredes na curadoria. Desdobramentos oriundos da obra produzida. Disse Rosângela que para melhor garantir o sucesso do Leilão, envolveu a galeria que a representa no Brasil, o contrato de um leiloeiro profissional e a organização da proposta como um todo: incluindo Divulgação, documentação, logística geral, equipe organizativa da bienal e seu o curador. Ainda, utilizou-se estratégias já conhecidas e frequentes no mercado de arte, como convidar colecionadores, produzir catálogos online com valores iniciais, dar lances combinados para subir os preços e até mesmo adquirir objetos menos disputados. No momento do leilão, tudo acontece com à apresentação prévia desses objetos durante meia hora e então o convite, para que os participantes se dirijam a um mezanino, destinado ao acontecimento do leilão. “A transformação do objeto em mercadoria, a sua comodificação, talvez seja a parte mais cruel do processo pros artistas”, transcorre Rosângela Rennó. Diz em metáfora que é 14 Referência a atitudes semelhantes a do artista francês Marcel Duchamp (1887-1968), que em 1912 realiza o seu primeiro Ready-made, artigo de uso cotidiano produzido em massa, selecionado sem critérios estéticos e expostos como obras de arte em espaços especializados. Que entre outras coisas apresenta aspectos de ironia. Acesso em: . http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo5370/ready-made 33 como a mãe que após o parto, recebe inocentemente, limpo, catalogado e já inserido em uma estrutura, o seu bebê. Para ela “esses objetos, esses ‘bebês’, ganham uma espécie de autonomia, em uma estrutura de um sistema, onde não mais importância tem a mãe parideira”, no caso o artista. Argumentando ser verdade: “Artista bom é artista morto”. Considerando sua plateia no momento, galeristas do mercado primário, prontos a afirmar promoção, se não devoção aos artistas (e não as suas obras), as sentenças proferidas, parecem reverberar a criação própria de seu valor peculiar... heroico, marginal, romântico. No caso dos artistas, em vários momentos, o próprio meio de produção parece dar sinais de fomento ao seu olhar de escárnio para si. De modo que aconselha, que os artistas se concentrem na própria tarefa de produção, que de modo paradoxal, exige que não se concentrem somente em si mesmos, mas em uma série de confluências externas, aliadas de preferência as suas crenças, estas muitas vezes exigidas e cobradas. Meio de produção, que será explicitado em capítulo posterior, formado por um sistema de crenças, aqui em pesquisa de campo por vezes sinalizado (BOURDIEU, 1996). Comentando sobre um artigo da revista semanal americana, The New York Magazine, a palestrante Rosângela, conta que foi desaconselhada a usar referência da mesma em seu livro, pelo diretor de sua editora, Cosac Naify. O exemplar da revista, diz, trazia uma grande matéria em tom irônico, sobre como e o que fazer para ter sucesso no mundo da arte, segundo ela um guia de regras. “Mas como um artista se beneficiaria de um guia de regras para ser bem sucedido na arte e na vida, se tudo que ele mais valoriza e deseja é ser visto como artista autêntico e original”. Ainda comenta: “[...] O diretor da ARCO (Feira de arte contemporânea mais importante da Espanha), Carlos Urroz, comentou durante uma entrevista para agência Efe15 de notícias, sobre a edição de 2017. Os colecionadores que vem a essa feira, no caso a ARCO, buscam ‘artistas emergentes, latino americanos, espanhóis, português ou sexys’. Bom eu não sei o que ele quis dizer com artistas sexys, mas eu discordo um pouco do diretor né... No caso, por que é um amor de pessoa inclusive. Artistas não precisam ser sexys, precisam apenas ser bons artistas, uma boa dose de ética também é recomendada”. 15 Disponível em: . https://www.efe.com/efe/espana/cultura/carlos-urroz-el-coleccionista-busca-en-arco-al-artista-emergente-o-sexy/10005-3183928 https://www.efe.com/efe/espana/cultura/carlos-urroz-el-coleccionista-busca-en-arco-al-artista-emergente-o-sexy/10005-3183928 34 Neste momento, abre se uma sessão de perguntas. Rosângela tem uma condição, “o que quiserem desde que não seja sobre mercado”. Perante tal condição, silêncio... E então em vão, algumas perguntas se relacionam de modo abrangente com a comercialização de arte: “Como vocês atribuem valor às obras? Já que hoje, são além do material, no contemporâneo. Quanto custa estas instalações16?” Alguém pergunta. Ela responde: — Olha esse é o tipo de coisa que eu não posso responder sozinha inclusive. Por que na verdade é o seguinte, eu não precifico nada sozinha, eu não tomo nenhuma decisão sem as galerias que me representam estarem envolvidas [...] é claro isso também está amarrado no histórico, na trajetória do artista. Você não decide ok agora um trabalho meu vai custar 500 mil reais, não é assim né. As coisas têm camadas. As perguntas continuam, e a apesar da condição, não se falar sobre mercado, após grandes introduções, estas acabam sendo: — Se estiver faltando partes de uma obra, ainda é a obra? — No que você vai trabalhar, enquanto próximo trabalho? — Sobre seleção que agregou ao acervo de um museu, (o MASP) você entende que sua ação de alguma forma nessa curadoria, tenha agregado valor a esse acervo? Perguntas que de certo modo, acabavam reverberando ao mercado e suas relações com o mundo da arte. A palestra final do evento tem início, o sócio de um escritório paulista de advocacia, Celso Grisi, especializado em tributação. É a penúltima programação, antes do Workshop de boas práticas para galeristas. O advogado com experiência em transações de obras de arte, explana a partir do tema “Marcos Legais”, uma série de formas diferentes de negociar as obras e seus encargos tributários. Por mais estranho que possa parecer a mim, recente observador desse meio de produção, o foco do palestrante foi à necessidade de regularização das galerias, cumprindo assim, seus deveres tributários. O que gera uma série de consequências e cuidados extras, na cadeia produtiva das galerias, como se vê adiante. 16 Referente à modalidade de obra nas artes visuais. Termo incorporado ao vocabulário das artes visuais na década de 1960, atribuído à composição de objetos ou ambiente construído em espaços de museus e galerias. Acesso em: . http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3648/instalacao 35 Em primeiro lugar, Celso Grisi, apresenta que é impossível para galerias, estarem de acordo com a legislação tributária ou com o compliance17 , se os fornecedores dela não estiverem, neste caso os artistas. A estes, os artistas, foi prescrito que devem assim como as galerias, serem regularizados. Forma pela qual realizará negociações de forma legal. Disse que dentro dos regimes tributários18 as galerias podem optar por estar no Lucro Simples, o mais usual segundo ele, ou no Lucro Presumido19. No chamado Lucro Real, nunca trabalhou com nenhuma, diz ter ouviu falar de uma, mas não a conhece realmente. Com vantagens em importação ou exportação, prestação, contrato ou importação de serviços, redução de encargos trabalhistas, melhores modos de gestão e diferentes formas de negociação, cada regime diversamente tributado tem vantagens particulares em relação à empresa. Porém não se prescreve aqui, nesta pesquisa, o interesse formal em suas análises, senão para a contínua demonstração da série de contatos profissionais, relacionados e articulados ao mercado de arte. Em anexo associado ao presente capítulo, é possível observar em mais detalhes, tais fatores específicos. De forma geral, os conselhos e as sentenças proferidas em sua palestra, à loucura que disse conhecer, “galerias que tem sete mil obras no acervo, por exemplo,” se apresentam da seguinte maneira: “Basicamente é o seguinte, não existe mais aquele mundo em que uma pessoa vai a sua galeria e você não a conhece; primeiro, número um, recomendação, tem que ter um CRM20. Se tem que saber quem é o seu comprador, se compra habitualmente. Tem que ter o cadastro completo dos seus compradores, eu sei que nas galerias grandes isso existe, não sei se em todas as galerias isso existe. Dois, apareceu um cara comprando, mandando você entregar no endereço da casa dele, mas dizendo que um motoboy, um portador, vai vir entregar o cheque ou dinheiro, ou para você emitir a nota para um terceiro, isso não existe mais e é 17 Certo número de condutas, auxiliadas por profissional da área, a forma de um programa específico a cada empresa, com o objetivo de operar negócios interna e externamente de modo legal, dentro das leis. Acesso em: . 18 Regimes tributários são as formas possíveis de adoção pelo contribuinte, que regem o modo de tributação do imposto de renda. No caso, sobre pessoas jurídicas- IRPJ, estes são o Lucro Presumido, o Lucro Arbitrário e Lucro Real-Estimativa, além do lucro simples o simples nacional. Acesso em: . 19 Estatuto Nacional de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, instituído pela lei complementar N° 123, d e 14 de dezembro de 2006 e atualizada em posteriores. Garantindo tratamento diferenciado e favorecido a ser dis pensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrit o Federal e dos Municípios. Disponível em: . 20 Customer relationship management (CRM), é um processo estratégico de relacionamento com clientes, market ing de relacionamento (DEMO et al., 2015). Acesso em: https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Compliance&oldid=53011300 http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-demonstrativos/ecf-escrituracao-contabil-fiscal/perguntas-e-respostas-pessoa-juridica-2017-arquivos/perguntas-e-respostas-irpj-2017v2.pdf http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-demonstrativos/ecf-escrituracao-contabil-fiscal/perguntas-e-respostas-pessoa-juridica-2017-arquivos/perguntas-e-respostas-irpj-2017v2.pdf http://www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/ http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-69712015000500127&lang=pt http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-69712015000500127&lang=pt 36 bastante sério. Não estou brincando com vocês, eu respondi alguns ofícios da operação Lava Jato 21 , sobre obras compradas e ouve investigação. Não há nenhum dano a galeria, nenhuma que eu tenha ouvido falar, mas houve já um começo de questionamento... Então tomar cuidado para você não se solidarizar no crime de outra pessoa, entendeu, lavagem de dinheiro e daí por diante.” Das palestras e mesas realizadas no Galerias em Debates: Mudanças e oportunidades, esta foi a com maior quantidade de perguntas. Incentivadas pelo próprio palestrante, artistas, galeristas e funcionários, se apresentavam ávidos e preocupados, em perguntar as melhores formas de realizar suas operações de maneira legal. As ocorrências ilegais, por conta das irregularidades, dos estabelecimentos, e das formas de negociação e transação, assustam um pouco. Surpreende-me tal aspecto deficiente na gestão de galerias, com tantos anos de desenvolvimento do mercado de arte nacional. Nesta palestra, algumas perguntas ganharam o status de ridículas, por outros galeristas, em reações brandas de certo modo inofensivas, já outras apresentaram o caráter de perspicácia diante das implicações burocráticas. Um campo de discussões que parece prolífero para galeristas. 21 Lava Jato é a maior operação de combate à corrupção e lavagem de dinheiro na história do Brasil. Em fases diversas de sua operação, iniciada em 2014, a compra de obras de arte como forma de lavagem de dinheiro, é critério de investigação, no caso de Suzana Neves, ex-mulher de Sérgio Cabral, e provado no de Raul Henrique Srour, operador financeiro, e no do ex-diretor da Petrobras Renato de Souza Duque, caso de maior repercussão. Acesso em: . http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato 37 A SP-Arte Figura 2 - Vista para o Térreo do pavilhão Ciccillo Matarazzo Fonte: Foto de Jéssica Mangaba no website da SP-Arte, 2017 A maior feira de arte da América Latina. Estando pela primeira vez em uma Feira de arte, a impressão inicial que tenho é de estar em uma festa. O evento acontece no Pavilhão Ciccillo Matarazzo localizado no parque Ibirapuera, mesmo prédio já visitado em Bienal de São Paulo. Destacadamente, nele, tapumes o cobrem toda a extensão, sendo impossível de fora, ver o que se passa por dentro. O prédio todo com paredes laterais em vidro, na ocasião possui uma única região de acesso e saída, onde se trocava convites, por pulseiras de acesso em fila junto a seguranças. A feira aconteceu dos dias 5 a 9 de abril, sendo o primeiro dia uma prévia, somente para convidados. A quantidade de obras é enorme. Distribuídos nos 25 mil metros quadrados do pavilhão Ciccillo Matarazzo, a feira SP-Arte ocupa os três pavimentos do prédio com hierarquia própria. Alojados em categorias específicas, os estandes de galerias, são separados em Show Case, Geral, Solo, Japan House e Repertório. Cada um com sua particularidade e preço de locação. Ainda para além deles, existe uma mostra de galerias de design no último pavimento, e uma série de estandes e ambientes específicos que se espalham na programação. Essas feiras de arte, geralmente são 38 espaços de comercialização de obras de arte, que gozam de benefícios fiscais, isenção de impostos. Onde galerias alugam espaços em paredes de Drywall22, para exibirem seus artistas. A sensação de estar em uma festa, apesar da ausência de música, se deve além de toda a restrição de acesso ao local, principalmente aos seus visitantes. Aqui, desde o primeiro dia de abertura ao grande público, o comportamento destes que transitam entre os estandes, é diferente do esperado. Não é a contemplação estática e complacente, confidenciada e retraída a ver as ofertas, o que vemos aqui. De modo inesperado, o que vejo são grupos de duas a três pessoas, com o olhar agitado, em conversas empolgadas, bebendo alguma bebida, esta servida às vezes pela própria galeria, junto às obras de arte. O ar de confraternização em ambiente lotado, parece muito mais o interesse das pessoas que se olham constantemente, vestidas de modo elegante. O público que encontrei nesta feira era composto quase que exclusivamente por adultos, sendo difícil a observação de crianças ou idosos no local. Por sua aparência, os julgaria em idade aproximada de 19 a 50 anos, divididos entre jovens e pessoas de média idade. Este público majoritariamente branco, contido e lustrado, nos modos de vestir e se comportar, são aparentemente das classes média e alta. Nos estandes em serviço, é massivo o número de mulheres e no público em geral também é relativamente à maioria. Fora estes e os artistas que fazem performances no espaço da feira, cobrindo o evento, existem colunistas de alguns meios de comunicação, como revistas eletrônicas e canal de TV especializado. Na Sp-Arte os estandes não são só de galerias, juntamente as 135 galerias de arte e às 25 de design, estão presentes também estandes de editoras, museus, revistas, projetos, patrocinadores, apoiadores, bancos e pontos de alimentação. A maioria destes oferecendo produtos a venda, por preços nada populares. Assim como no evento anterior, Galerias em Debate, a distribuição de cartões nos estandes aqui é frequente, tendo cada funcionário o seu próprio cartão associado à galeria. Junto a isto, ainda há uma série de que pequenos “brindes” dados nos estandes de museus, projetos e patrocinadores, coisas como sacolas, revistas, mapas, catálogos, adesivos, guias, folders, anúncios e até garrafas de água, tudo como forma de publicidade. 22 Drywall, em tradução literal, “parede seca”, é painel constituído geralmente por Sulfato de cálcio hidratado. Acesso em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Placa_de_gesso>. https://pt.wikipedia.org/wiki/Placa_de_gesso 39 No espaço da feira tudo está à venda. De modo diferente talvez as performances artísticas, que acontecem em locais específicos, e agregam no agitado ambiente sem muito alarde. Até mesmo na categoria Repertório, dedicada à apresentação de artistas brasileiros e internacionais, segundo a programação, fundamentais para a compreensão das práticas artísticas contemporâneas, havia a precificação. O preço das obras, quando à mostra, se apresenta junto à ficha técnica ao seu lado, quando não, é necessário solicitar ao responsável pelo estande. Estes, geralmente um funcionário e os próprios galeristas, se mostraram atenciosos e ansiosos. Uma grande quantidade de negócios e fechamento de aquisições parece acontecer em momentos onde ninguém está nos estandes, onde os galeristas estão a sós, agitados ao telefone. O preço médio das obras de arte mais baratas na SP-Arte, eram em torno dos vinte mil reais. Os preços, em fichas técnicas como descrito, traziam um limite de valor, apesar de ver artistas caros no mundo da arte como Damien Hirst23 por oitocentos dólares, valores muito elevados não constam nas etiquetas, sendo necessário solicitar aos funcionários. A feira em grande parte trazia a venda de obras de arte, modernas e contemporâneas, uma grande quantidade de bandeirolas de Alfredo Volpi24, em galerias diversas me surpreende. Certos tipos de obra aparecem em alta, mostrado com frequência, concretismo, neoconcretismo, OP arte e Arte Cinética, se misturam pela repetição, em um panteão geométrico de arte abstrata25. Além destas, pinturas de caráter moderno como Candido Portinari 26 e obras de teor contemporâneo, readymades, vídeo artes, fotografias, conceitualismo e pinturas neoexpressionistas27, é como consigo descrever o que a feira aparenta oferecer. Nada antes do século XX parece ter lugar aqui. A moeda também tem caráter de status. Dólar e Libra, reafirmam certa superioridade internacional e dimensionam o grau de aposta da galeria nacional. Nestes estandes 23 Damien Hirst, artista britânico nascido em Bristol, 1965. Famoso por obras como, Pelo Amor de Deus (2007), crânio humano cravejado de diamantes e a Impossibilidade Física da Morte na Mente de Alguém Vivo (1991), tubarão em um tanque de formol. Acesso em: . 24 Alfredo Volpi (1896 - 1988) pintor brasileiro, nascido na Itália, membro do grupo artístico paulista Santa Helena. Conhecido por pinturas abstratas, que lembram bandeirolas, realizadas a partir 1950. Acesso em: . 25 Concretismo, Neoconcretismo, OP arte e Arte Cinética, se referem a diferentes formas de expressão artística, tendências de caráter abstracionista do século XX. Acesso em: < http://enciclopedia.itaucultural.org.br/>. 26Candido Portinari (1903 -1962) famoso pintor brasileiro nascido em Brodósqui-SP, responsável pelos painéis Guerra e Paz na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), inaugurados em 1956 em Nova York. Acesso em: . 27 Readymades, vídeo artes, fotografias, conceitualismo e pinturas neoexpressionistas, referem-se em grande parte a formas de expressão artística, usualmente ligadas com a arte contemporânea. Disponível em: . http://whitecube.com/artists/damien_hirst/ http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1610/alfredo-volpi http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10686/candido-portinari http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ 40 internacionais, contendo artistas famosos globalmente, como Yayoi Kusama 28 na galeria David Zwirner, não existe preocupação em falar Português, atendimento somente em Inglês. Praticamente na totalidade dos estandes, máquinas de cartão repousam ao chão, no canto recarregando a bateria, onde galeristas estão sempre apostos a gentilmente saca-las para fechar negócios. Por vezes, com caras não tão gentis, estão os participantes da feira, que abrem espaço e se desviam no ambiente abarrotado, que contém até skatistas como proposição. Ação performance da artista paulista Aline Tima, adaptada ao evento. Os museus não estão isentos de negócios financeiros na feira. Logo a direita da entrada, instituições, fundações e museus, estão distribuídos em declive em uma rampa de acesso ao térreo. Em estandes estão às instituições MAM-SP, MASP, Pinacoteca de São Paulo, Instituto Tomie Ohtake, Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Fundação Iberê Camargo, Museu Lasar Segall e o IAC: instituto de arte contemporânea; onde ora comercializam obras como gravuras, fotografias e esculturas, ora oferecem formas de assinaturas de clubes e colaborações- também chamados de “amigos”- o que garante obras de arte daquele tipo como benefício. As instituições aqui, sem fins lucrativos, se utilizam do espaço da feira e do fomento ao colecionismo, para promoção de meios de arrecadação financeira, para sua manutenção. No ano de 2017, a feira SP-Arte, começou a se anunciar como recém consolidado festival de arte. Em publicidades, como festival e não como feira, utilizou como argumento, uma série de programas promovidos por ela; palestras, debates, lançamentos editoriais, prêmios, eventos pela cidade, além das já comentadas performances. Na saída do auditório no subsolo, onde acontecia às quatro palestras, TED Talk’s29 do evento, ingressos de acesso à feira, eram distribuídos gratuitamente. Estas palestras durante a feira, em sua terceira edição, possuem o objetivo de trazer “reflexões sobre a cena artística”, neste ano com os temas, “Arte como resistência, Design, Coleção nas Américas, e A cidade como espaço de arte”. Aspectos e acontecimentos que autores descrevem como, uma forma de gerar um caráter mais formal e 28 Artista nascida em Matsumoto no Japão, em 1929, ganhou visibilidade em Nova York na década de 1960, como representante de vanguarda. Seu trabalho abrange pinturas, performances, instalações, entre outras modalidades. Acesso em: . 29 “A TED é uma organização sem fins lucrativos dedicada à divulgação de idéias, geralmente sob a forma de conversas curtas” os chamados Talk’s. Começando em 1984 a TED, hoje é propriedade da Fundação Sapling, uma fundação privada sem fins lucrativos, criada em 1996 por Chris Anderson. Acesso em: . https://www.davidzwirner.com/artists/yayoi-kusama/biography https://www.ted.com/about/our-organization 41 intelectual, ao ambiente dedicado exclusivamente ao comércio (MOULIN, 2017; THORNTON, 2010, 2015). A Feira Parte Fonte: Organização da Feira da Parte. Acontecendo no salão Marc Chagall do Clube Hebraica em São Paulo, o evento ocorreu entre os dias 9 e 12 de novembro de 2017. A Feira Parte, é uma feira de arte com proposta alternativa, segundo uma de suas idealizadoras, Lina Wurzmann30, em palestra na fundação Getúlio Vargas, uma feira que está a parte dos grandes eventos do tipo. Que procura suprir a demanda, de jovens artistas e galeristas que gostariam de viver de arte, mas ainda não conseguem. O local recluso, a sombra de grandes e velhas edificações à margem do rio pinheiros, dava a dimensão do evento realizado. Localizado ao fim da rua, com portas de metal, pé direito baixo e sem aberturas externas, o salão Marc Chagall, no momento em que cheguei era quase desabitado. Se comparado à SP-Arte suas expectativas talvez sejam bem mais modestas. 30 Em participação na semana de artes da fundação Getúlio Vargas em 2016. Depoimento dado em mesa introdutória sobre o Mercado de Arte. Disponível em: . Figura 3- Mapa da Feira Parte https://www.youtube.com/watch?v=BFabYMFFodw 42 Os frequentadores desta Feira, que aos poucos foi ganhando visitantes, eram em sua maioria pessoas de média idade, que pela aparência julgaria entre os 28 e 50 anos. Entre estes, existem poucos jovens e negros, mais localizados enquanto funcionários, seja da própria feira ou de estandes de galerias, projetos ou revistas. No ambiente, apesar de atividade recreativa dedicada ao público infantil, “Caça ao Tesouro”, sua presença aqui, é tão pequena quanto na SP-Arte. Porém diferente da grandiosa feira anterior, nesta o silêncio se destaca ao menor som que o quebra. Nada de grandes filas, nada de grandes rituais de acesso, as também classes média e alta que circulam nesta feira, estão bastante quietas, pouco se olham e aparentemente não parecem em nada agitadas. Seus visitantes são mais quietos e concentrados, atentos a serem atendidos, bajulados e a observar as obras. Com luzes frias, escondidas em teto emoldurado por um estuque branco e grandioso sistema de refrigeração, que soluciona a falta de abertura externa; o salão principal de mil e quinhentos metros quadrados, estava pavimentado com 29 estandes de galerias e uma sessão solo ao centro, que agrupava outras quatro. Aqui dentro, as noções de dia e noite praticamente não existem. Ainda cinco projetos especiais, quatro coletivos de arte31, três escritório de artes e uma revista, possuíam cada, um estande na feira. Fora esses, praça de alimentação e banheiros, a feira contava também com um pequeno canto com 33 cadeiras, para realizar a chamada “Programação Cultural”. De certo modo, apesar do nome, alguns projetos especiais em feiras, muitas vezes tomam a configuração de anúncios de serviços e publicidade para negócios, de economia tanto financeira quanto simbólicas. Algo que se parece com um circuito de trocas de legitimação e valoração recíproca. Por vezes de coisas que nem mesmo ainda existem, como no caso do estande do Centro Cultural Veras, ainda por ser construído em Florianópolis, mas já contando com vendas na Feira Parte para tanto. A Programação Cultural, ambiente dedicado a uma série de palestras a respeito de arte, proporcionado pela fundação Marcos Amaro32, ora se encontrava pouco frequentado, ora com pessoas sentadas ao chão, de tão lotado. De fácil lotação, esse pequeno canto se encontra 31 Por depoimentos, se trata aqui de grupos de artistas, unidos com um propósito, geralmente de produção de obras de arte, compartilhando tais processos. Segundo um deles, na feira foram selecionados quatro destes, de 80, uma iniciativa própria da feira Parte. 32 “A Fundação Marcos Amaro é uma organização cultural privada sem fins lucrativos. Como missão, tem o intuito de pesquisar e difundir a obra do artista Marcos Amaro, incentivar a produção artística contemporânea, mostrar o acervo e produzir conteúdo crítico a fim de investigar e documentar a arte.” Disponível em: < https://fmarte.org/institucional-fundacao-marcos-amaro/>. https://fmarte.org/institucional-fundacao-marcos-amaro/ 43 ornamentado com duas obras de arte, uma de Lasar Segall33, Retrato de Esther Bessel de 1925 e outra de Iberê Camargo34, Carretéis de 1978. Ali, ainda aconteceu a abertura de um edital de ocupação35 da própria fundação Marcos Amaro e uma premiação, para Residência Kaaysá36, que se deu pela escolha de um artista comercializado na feira, naquele instante. Essa Programação cultural possuía seis diálogos, distribuídos em dois dias, eram Arte e Poesia, Fotografia Política, Acervo e Colecionismo, Arte em Formação, Territórios não Óbvios e Escultura no Espaço Atual. Contribuição esta para o aspecto cultural do evento. Entre seus palestrantes constavam figuras nacionais e internacionais, respondendo a perguntas de pessoas ávidas, que buscam maneiras de sempre se apreender um pouco, a respeito de arte. Constatação vinda das perguntas da plateia, formada principalmente por pesquisadores, colecionadores e entusiastas, que procuravam e reivindicavam um ambiente de elucidação sobre artes, fora de graduações na universidade. Nas palestras realizadas, é possível destacar falas que agregam na observação de expectativas desse meio de produção. Na mesa “Acervo e Colecionismo”, a palestrante museóloga Marilúcia Bottallo, revela que coleções advêm hora de fatores emocionais, preenchendo o ser humano que a detém, hora como forma de representação social, visto o prestígio que tais promovem. Comenta com certa sensação de resguardo, assim como o curador independente Ivo Mesquita, no Galerias em Debate, que vivemos um tempo curioso: “Já que, tínhamos que antes era colecionável o que era arte do passado, e hoje fazemos coleções de arte contemporânea, dinâmica que ainda devemos estudar”. Junto a Marilúcia Bottallo, Cecilia Machado também museóloga palestrante na mesa, discorrem a respeito das perguntas que surgem da plateia. Como comentários apontam que “no ambiente institucional o valor econômico é uma informação sigilosa”, e alerta, “que museu não vai fazer comércio de obras de arte”. De modo que pode parecer estranho nesse 33 Lasar Segall (1889- 1957). Pintor nascido na Lituânia, que viveu no Brasil e é famoso por suas obras caracterizadas como expressionistas. Disponível em: < http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8580/lasar- segall>. 34 Iberê Camargo (1914- 1994), importante pintor, gravador, desenhista, escritor e professor brasileiro. Disponível em: . 35 Edital de ocupação se refere aqui a premiação concedida a artistas, para ocupação de ambiente específico com realização de obras próprias, seja feitas no local ou somente instaladas. Exemplo, o próprio disponível em: . 36 A premiação de Residência se refere neste caso, a oferta de estadias a artistas por certo período de tempo, em locais que se esperam proporcionar, incentivos a produção dos mesmos. A residência Kaaysá, por exemplo, procura tal êxito a partir do contato com a Mata Atlântica brasileira, o mar, uma comunidade de pescadores e indígenas. Disponível em: < https://www.kaaysa.com.br/portugues>. http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8580/lasar-segall http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8580/lasar-segall http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1721/ibere-camargo https://fmarte.org/wp-content/uploads/2017/04/EDITAL_FMA.pdf https://www.kaaysa.com.br/portugues 44 caso, o meu testemunho de museus com estandes na SP-Arte realizando vendas de obras de arte, de forma direta e indireta. E citam de bom grado que, a legislação brasileira privilegia o público e não o privado, dando como exemplo que a baixa patrimonial para museus privados no país “é demoradíssima”. Já na palestra do curador Ricardo Resende da fundação Marcos Amaro, localizada em Itu, em antiga fábrica têxtil, este que mantêm uma postura que presta louvores ao ambiente onde trabalha atualmente, pinta em grande estima o idealizador e proprietário do projeto, Marcos Amaro. Apresenta que: “O empreendedorismo do proprietário da fundação é herdado do pai, Rolim Amaro, criador da TAM”. Ricardo ainda comenta sobre seu antigo trabalho, como curador do museu carioca, Bispo do Rosário Arte Contemporânea. Segundo ele, um trabalho simples, que procurava a alma de tal museu. Em comparação com o atual trabalho na Fundação Marcos Amaro, apresenta que a mesma, quer ser um “lugar libertário” e “não engessado como feiras, museus e outros espaços, um lugar que não condicione o artista a outro interesse se não as artes”. Neste ambiente, no recolhido canto da Programação Cultural, tudo parece ser feito de maneira suscetível, dentro das possibilidades. Sofrendo alterações, organizações e readequações com pouca formalidade no momento presente dos acontecimentos. Ali uma das diretoras da feira, Tamara Perlman, é também a mediadora, a anfitriã, quem leva os microfones, e ainda quem organiza e decide uma série de acontecimentos imediatos. Ela Comenta: “Aproveita que não é sempre que reunimos duas pessoas assim” diante do silêncio da plateia no momento das perguntas. Durante as palestras o público tira fotografias dos slides, e ao fim a organização da feira dos palestrantes, a frente de todos, antes do próximo palestrante, já posicionado ali, começar a falar. Nas palestras também vão se delineando os contatos, tudo remete a algo, propagandeando exposições, livros, trabalhos, artistas e galerias; poucas coisas são expostas de maneira realmente desconexa. A programação “Arte e Poesia” é um oferecimento do Programa Latitude e da ABACT..