1 Unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP JULIANA APARECIDA PEREIRA COSTA EEEDDDUUUCCCAAAÇÇÇÃÃÃOOO SSSEEEXXXUUUAAALLL EEE OOO CCCOOOMMMBBBAAATTTEEE ÀÀÀ CCCUUULLLTTTUUURRRAAA DDDOOO EEESSSTTTUUUPPPRRROOO NNNAAASSS IIINNNFFFÂÂÂNNNCCCIIIAAASSS FFFEEEMMMIIINNNIIINNNAAASSS::: PPPRRROOOPPPOOOSSSTTTAAA EEEDDDUUUCCCAAATTTIIIVVVAAA AAA PPPAAARRRTTTIIIRRR DDDEEE PPPRRROOODDDUUUÇÇÇÕÕÕEEESSS CCCIIINNNEEEMMMAAATTTOOOGGGRRRÁÁÁFFFIIICCCAAASSS ARARAQUARA – S.P. 2024 2 JULIANA APARECIDA PEREIRA COSTA EEEDDDUUUCCCAAAÇÇÇÃÃÃOOO SSSEEEXXXUUUAAALLL EEE OOO CCCOOOMMMBBBAAATTTEEE ÀÀÀ CCCUUULLLTTTUUURRRAAA DDDOOO EEESSSTTTUUUPPPRRROOO NNNAAASSS IIINNNFFFÂÂÂNNNCCCIIIAAASSS FFFEEEMMMIIINNNIIINNNAAASSS::: PPPRRROOOPPPOOOSSSTTTAAA EEEDDDUUUCCCAAATTTIIIVVVAAA AAA PPPAAARRRTTTIIIRRR DDDEEE PPPRRROOODDDUUUÇÇÇÕÕÕEEESSS CCCIIINNNEEEMMMAAATTTOOOGGGRRRÁÁÁFFFIIICCCAAASSS Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Educação Sexual da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação Sexual. Exemplar apresentado para exame de defesa. Linha de pesquisa: Sexualidade e Educação Sexual: interfaces com a história, a cultura e a sociedade. Orientadora: Raquel Baptista Spaziani ARARAQUARA – S.P. 2024 3 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. C837e Costa, Juliana Aparecida Pereira Educação Sexual e o combate à cultura do estupro nas infâncias femininas: Proposta educativa a partir de produções cinematográficas / Juliana Aparecida Pereira Costa. -- Araraquara, 2024 99 p. Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientadora: Raquel Baptista Spaziani 1. Educação Sexual. 2. Cultura do estupro. 3. Infâncias femininas. 4. Artefatos culturais. 5. Proposta educativa. I. Título. 4 JULIANA APARECIDA PEREIRA COSTA EEEDDDUUUCCCAAAÇÇÇÃÃÃOOO SSSEEEXXXUUUAAALLL EEE OOO CCCOOOMMMBBBAAATTTEEE ÀÀÀ CCCUUULLLTTTUUURRRAAA DDDOOO EEESSSTTTUUUPPPRRROOO NNNAAASSS IIINNNFFFÂÂÂNNNCCCIIIAAASSS FFFEEEMMMIIINNNIIINNNAAASSS::: PPPRRROOOPPPOOOSSSTTTAAA EEEDDDUUUCCCAAATTTIIIVVVAAA AAA PPPAAARRRTTTIIIRRR DDDEEE PPPRRROOODDDUUUÇÇÇÕÕÕEEESSS CCCIIINNNEEEMMMAAATTTOOOGGGRRRÁÁÁFFFIIICCCAAASSS Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós em Educação Sexual da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação Sexual. Exemplar apresentado para exame de defesa. Linha de pesquisa: Sexualidade e Educação Sexual: interfaces com a história, a cultura e a sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Raquel Baptista Spaziani Data da defesa: 05/02/2024 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Profa. Dra. Raquel Baptista Spaziani UNESP – Universidade Estadual Paulista – Campus Araraquara Membro Titular: Prof. Dr. Rinaldo Correr UNESP – Universidade Estadual Paulista – Campus Araraquara Membro Titular: Profa. Dra. Marcela Pastana Instituto Municipal de Ensino Superior de São Miguel Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara 5 Dedico esse trabalho à minha filha, as meninas/mulheres da minha família e a todas as infâncias femininas! 6 AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus por me conduzir e me sustentar até aqui. Aos meus pais que nunca mediram esforços para proporcionar aos filhos/as uma educação, não apenas de valores e caráter, mas também de estudos, fazendo questão da nossa formação no Ensino Superior. Ao meu irmão e a minha irmã que sempre torceram e vibraram pelas minhas conquistas. Especialmente à minha filha Elisa, hoje com seis anos, porém desde os quatro anos teve que aprender a dividir minha atenção com todo esse processo acadêmico. Posso dizer que, apesar dos seus momentos de choro e reivindicação materna, ainda assim, sua compreensão e paciência foram superiores. Ao meu esposo Clesiomar que sempre e em todos os momentos acreditou na minha capacidade, muitas vezes antes que eu mesma acreditasse. Por suportar minhas crises existenciais nesse processo do mestrado. Ver hoje o resultado é muito gratificante, mas o caminho percorrido nem sempre foi gentil e muitas vezes foi insano! Mas chegamos! Às minhas parceiras e amigas de trabalho do CRAS Marina, Viviane e Roberta e, também, ao meu gestor e amigo Rafael que me incentivaram, me ouviram e, principalmente, colaboraram muito para que eu chegasse até aqui. Ao Instituto Taquaritinguense de Ensino Superior que me deu a oportunidade de entrar no mundo acadêmico como docente e almejar por mais conhecimento. Em especial meu coordenador e amigo Caio que em 2023 praticou a empatia e me ajudou a deixar o processo mais leve. Aos professores do programa em Educação Sexual que compartilharam tanto conhecimento. Aos amigos que encontrei mesmo no virtual: quantas histórias, quantos conhecimentos, quantas inspirações! À minha orientadora Raquel Baptista Spaziani, pelo acolhimento, pelas reflexões e construções acerca desse trabalho, bem como, as advertências necessárias para a retomada. À minha banca de qualificação, Dr. Ricardo Desidério da Silva e Marcela Pastana, pelas palavras e contribuições que enriqueceram esse trabalho. À minha banca de defesa, Dr. Rinaldo Correr, Marcela Pastana, bem como as suplentes Denise Maria Margonai Favaro e Gabriella Rossetti Ferreira, pela disponibilidade e atenção. Enfim, agradeço aos amigos, colegas, familiares, conhecidos e desconhecidos que de alguma forma contribuíram, muitas vezes sem saber, para o resultado e conclusão dessa etapa. O MEU, MUITO OBRIGADA! 7 “A gente luta por uma sociedade em que as mulheres possam ser consideradas pessoas, que elas não sejam violentadas pelo fato de serem mulheres. Quando as pessoas entendem que a gente está lutando por justiça social, por equiparação e por equidade, não tem motivo para não ser feminista. Se você é uma pessoa inconformada com injustiças e com as desigualdades, você é uma pessoa feminista e talvez não saiba que seja. Não tem nenhum bicho de sete cabeças. O que a gente quer, na verdade, é uma sociedade livre de desigualdades e violência”. Djamila Ribeiro (2018) 8 RESUMO A violência é um fenômeno que atinge os corpos femininos desde a infância. Compreendido no campo dos direitos humanos como uma ameaça do direito à vida e à saúde, pode ser de natureza física, psicológica, sexual, por negligência ou simbólica. Tratando-se de corpos femininos, considera-se ainda, uma cultura do estupro: mentalidade cultural complacente e tolerante com o estupro, de difusão e aceitação na sociedade, cujos comportamentos associados a esta cultura são, dentre outros, a culpabilização das vítimas pela violência sofrida, a objetificação sexual das mulheres, a banalização ou negação da violência sexual, a recusa em reconhecer os danos emocionais e físicos oriundos da violência sexual; são comportamentos, falas e atitudes de depreciação, opressão, objetificação, simplesmente por serem meninas/mulheres. Nesse contexto essa pesquisa propõe um trabalho em Educação Sexual e conscientização à cultura do estupro às infâncias femininas a partir de produções cinematográficas para o público infantil com protagonistas meninas e mulheres da plataforma de streaming da Disney lançados entre os anos de 2019 e 2023 para que possam conhecer seus direitos e reconhecer quando estão sendo violadas sem que se sintam constrangidas ou envergonhadas em questionar ou denunciar quaisquer tipos de violações, assim como investir em formas de prevenção para que o número de violência contra meninas seja erradicado. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e propositiva, do tipo documental. Qualitativa pois responde a questões muito específicas, bem como atua com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Descritiva e propositiva pois tem como objetivo descrever as características fílmicas relacionadas à Educação Sexual e a cultura do estupro e propor um trabalho em Educação Sexual e enfrentamento à cultura do estupro a partir dos filmes analisados. Documental na medida em que se trata de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa. Seguindo as etapas da análise de conteúdo, selecionou-se 15 filmes que foram assistidos a princípio de forma flutuante e posteriormente de forma demasiada, o que resultou em duas categorias propositivas: (i) propostas reflexivas para crianças sobre representatividade feminina a partir das produções cinematográficas e (ii) propostas educativas para a infância em Educação Sexual e enfrentamento à cultura do estupro a partir de produções cinematográficas. O ser humano é constituído na relação com o meio social e cultural e a percepção que ele tem sobre essas relações, portanto inserir a educação sexual no processo de ensino-aprendizagem, seja no contexto escolar, seja em contextos socioeducativos, permite espaços de diálogo. Nesse sentido, as produções cinematográficas podem ser um importante instrumento disparador para essas reflexões mesmo que não tenham sido produzidos para essa finalidade. Desenvolver estratégias lúdicas e criativas com crianças para o desenvolvimento de uma Educação Sexual Emancipatória e de enfrentamento à cultura do estupro é de fundamental importância para que ocorra a desnaturalização de comportamentos e de pensamentos sexistas, pois quanto mais cedo e coletiva as propostas, maiores as possibilidades de transformações. Palavras – chave: Educação Sexual; cultura do estupro; infâncias femininas; artefatos culturais; proposta educativa. 9 ABSTRACT Violence is a phenomenon that affects female bodies since childhood. Understood in the field of human rights as a threat to the right to life and health, it can be of a physical, psychological, sexual, negligent, or symbolic nature. In the case of female bodies, it is also considered rape culture: a cultural mentality that is complacent and tolerant of rape, widespread and accepted in society. The behaviors associated with this culture are, among others, blaming victims for violence suffered, the sexual objectification of women, the trivialization or denial of sexual violence, the refusal to recognize the emotional and physical damage arising from sexual violence; These are behaviors, speeches and attitudes of depreciation, oppression, objectification, simply because they are girls/women. In this context, this research proposes work on Sexual Education and awareness of rape culture among female childhoods based on cinematographic productions for children with female and female protagonists from the Disney streaming platform released between 2019 and 2023 so that they can know their rights and recognize when they are being violated, without feeling embarrassed or ashamed to question or report any types of violations, as well as investing in forms of prevention so that the number of violence against girls is eradicated. This is qualitative, descriptive, and propositional research, of a documentary type. Qualitative, as it answers specific questions, as well as working with the universe of meanings, motives, aspirations, beliefs, values, and attitudes. Descriptive and propositional, as it aims to describe the filmic characteristics related to Sexual Education and rape culture, as well as proposing work on Sexual Education and confronting rape culture based on the films analyzed. Documentary, as far as it deals with materials that have not yet received analytical treatment, or that can still be reworked according to the research objects. Following the content analysis steps, 15 films were selected that were initially watched in a fluctuating way and later in an excessive way, which resulted in two propositional categories i) Reflective proposals for children on female representation from cinematographic productions (ii) Educational proposals for children in Sexual Education and combating rape culture based on cinematographic productions. The human being is constituted in the relationship with the social and cultural environment and the perception he has about these relationships, therefore, inserting sexual education in the teaching-learning process, whether in the school context or in socio-educational contexts allows spaces for dialogue. n this sense, cinematographic productions can be an important trigger for these reflections even if they were not produced for this purpose. Developing playful and creative strategies with children to develop Emancipatory Sexual Education and combat rape culture is of fundamental importance for the denaturalization of sexist behaviors and thoughts to occur, as the sooner and more collectively the proposals are made, the greater the possibility of transformation. Keywords: Sexual Education; rape culture; female childhoods; cultural artifacts; educational proposal. 10 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Informação fílmica: Descendentes 3 54 Quadro 2 Informação fílmica: Frozen 2 55 Quadro 3 Informação fílmica: Kim Possible 56 Quadro 4 Informação fílmica: A Dama e o Vagabundo 57 Quadro 5 Informação fílmica: Noelle 58 Quadro 6 Informação fílmica: A extraordinária garota chamada Estrela 59 Quadro 7 Informação fílmica: A galinha Turuleca 60 Quadro 8 Informação fílmica: Escola de Magia 61 Quadro 9 Informação fílmica: Zombies 2 62 Quadro 10 Informação fílmica: Encanto 63 Quadro 11 Informação fílmica: Flora e Ulysses 64 Quadro 12 Informação fílmica: Desencantada 65 Quadro 13 Informação fílmica: Hora de Brilhar 66 Quadro 14 Informação fílmica: Red Crescer é uma fera 67 Quadro 15 Informação fílmica: Zombies 3 68 Quadro 16 Elementos observados 69 11 LISTA DE ABREVIAURAS E SIGLAS ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente ONU – Organização das Nações Unidas AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida IST – Infecções Sexualmente Transmissíveis PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais 12 SUMÁRIO 14 16 19 29 39 46 51 51 51 52 52 52 52 71 72 72 78 87 89 1 Apresentação 2 Introdução 3 Cultura do estupro e questões de gênero 4 Articulações entre cultura do estupro e violência sexual contra meninas 5 A Educação Sexual como enfrentamento à cultura do estupro e seus efeitos na vida de meninas 6 Filmes como artefatos culturais e recurso educativo 7 Objetivos 7.1 Objetivo Geral 7.2 Objetivos Específicos 8 Método 8.1 Natureza do Estudo 8.2 Objeto de Estudo 8.2 Procedimentos 9 Resultados e discussões 9.1 Categorias de análise 9.1.1 Propostas reflexivas para crianças sobre representatividade feminina a partir das produções cinematográficas 9.1.2 Propostas educativas para a infância em educação sexual e enfrentamento à cultura do estupro a partir das produções cinematográficas 10 Considerações finais Referências Audiovideos 98 13 1 APRESENTAÇÃO A minha relação com a presente pesquisa iniciou-se por meio de diferentes episódios pessoais e profissionais que motivaram a busca por conhecimento acerca dessa temática. Tenho lembrança de uma aula durante a graduação em Psicologia (2005-2010) em que foi mencionado um caso de violência sexual contra crianças, o que me causou repulsa e náuseas. Naquele momento, tive certeza de que buscaria atuar em uma área em que não tivesse que lidar com esse tipo de problemática. Com a inexperiência da época, acreditei que simplesmente não deveria atuar no contexto jurídico (como se fosse o único lugar que tivesse que enfrentar esses tipos de casos). Para minha surpresa, o primeiro trabalho em Psicologia, como responsável técnica no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) em 2016, tratou-se de um caso de violência sexual contra uma criança e, no decorrer de minha profissão, pude perceber que não seria o único. Nesse período, já tinha conhecimento sobre o Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual e comecei a ter maior contato com as temáticas relacionadas, principalmente pelo meu esposo que em 2015 iniciou como mestrando do programa e compartilhou muito dos saberes, inclusive contribuiu para que em 2016 eu assumisse uma disciplina de Psicologia do Desenvolvimento e Educação Sexual, no Instituto Taquaritinguense de Ensino Superior (ITES), no curso de Psicologia. Em 2017 me tornei mãe da Elisa, o que despertou ainda mais o interesse em obter conhecimento para aplicar a Educação Sexual desde a infância, respeitando sua idade, na sua rotina. Dessa forma, as experiências profissionais e o contato cada vez maior com a Educação sexual foram aumentando o meu repertório e compreensão acerca da violência sexual e da cultura do estupro, inclusive para identificar violências que vivencie, enquanto criança e ainda enquanto adulta. Entre 2018 e 2019 descobri que uma pessoa do meu vínculo afetivo e familiar foi vítima de violência sexual quando criança, fato que repercutiu emocionalmente, principalmente a sensação de culpa por não ter percebido ou compreendido nenhum comportamento ou sinal. Diante desses episódios constatei que era preciso olhar para essas vivências negativas que causavam dor, angústias, náuseas e transformá-las em algo positivo e construtivo; foi quando surgiu a ideia do curso de extensão “Sexualidade e Prevenção ao Abuso Infantil” em parceria com o ITES no segundo semestre de 2020 e algumas ações mais pontuais no contexto de prevenção no CRAS em que atuo. No ano seguinte, na busca por me apropriar ainda mais desse conhecimento participei do processo seletivo para o Programa de Pós- 14 Graduação em Educação Sexual, no qual fui aceita pela minha orientadora Raquel Baptista Spaziani, a quem tenho muita admiração e respeito pelo seu trabalho. Inserida no referido programa, constatei que embora quisesse muito trabalhar a prevenção à violência sexual infantil, inclusive para aplicar a minha prática profissional, emocionalmente seria penoso, pois ao iniciar a leitura da literatura, e ter acesso aos dados estatísticos, bem como as aulas do referido Programa, percebi que seria um processo doloroso e de enfrentamento que não sabia se estava realmente preparada para lidar. Ademais durante o percurso soube que a mesma pessoa que mencionei anteriormente foi vítima de mais duas pessoas durante a infância, sem contradizer os números, pessoas muito próximas, o que me desestabilizou e dificultou ainda mais a continuidade da pesquisa. Entretanto, pela minha filha, pelas crianças da minha família e pela infância feminina procuro formas de não desistir e contribuir socialmente na formação de pessoas, buscando materiais e propostas que visam à prevenção à violência sexual contra crianças e a desnaturalização da cultura do estupro aos corpos femininos. 15 2 INTRODUÇÃO Os corpos femininos enfrentam diversos tipos de violência desde a infância. Nesse sentido, a violência não pode ser entendida apenas como violação de normas, regras ou leis, mas sim como uma relação hierárquica de desigualdade, com o objetivo de dominação, exploração e opressão, com impacto no silêncio da agredida (Chauí, 1985). Esse fenômeno é compreendido no campo dos direitos humanos como uma ameaça do direito à vida e à saúde e pode ser de natureza física, psicológica, sexual, por negligência/abandono ou ainda simbólica. Tratando-se de corpos femininos, é possível considerar, ainda, a cultura do estupro a partir de uma “lente de gênero”. Expressão surgida em estudos feministas nos Estados Unidos – hoje amplamente utilizado pela militância feminista, inclusive no Brasil –, entende-se a existência de uma mentalidade cultural complacente e tolerante com o estupro, de difusão e aceitação na sociedade, cujos comportamentos associados a esta cultura são, dentre outros, a culpabilização das vítimas pela violência sofrida, a objetificação sexual das mulheres, a banalização ou negação da violência sexual, a recusa em reconhecer os danos emocionais e físicos oriundos da violência sexual (Andrade, 2017). Dessa forma, a cultura do estupro é um conjunto de violência aos corpos femininos, ou seja, são comportamentos, falas e atitudes de depreciação, opressão, objetificação, simplesmente por serem meninas/mulheres. Atualmente, mesmo que essas tenham conquistado direitos nas diferentes esferas da sociedade, ainda assim, muitas vezes, são desrespeitadas desde a infância (Lima, 2017). De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, em seu artigo 18: É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los. Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se: I – Castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: a) sofrimento físico; ou b) lesão; 16 II – Tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que: a) humilhe; ou b) ameace gravemente; ou c) ridicularize (Brasil, 2017, p.17). Em relação à violência sexual, a vítima é coagida e submetida aos desejos de alguém com mais poder do que ela (Spaziani, 2020). Já a simbólica, entende-se como algo dado pela sociedade, mantido e perpetuado a partir da ideologia de uma cultura dominante, não se opondo ao opressor por considerar natural e inevitável (Bourdieu & Passeron, 2001). Compreende-se, nesse contexto, que os artefatos culturais (mídias, propagandas, músicas, filmes, programas de TV, entre outros) desempenham papel fundamental nos processos de naturalização e ou questionamentos de comportamentos, crenças de uma dada cultura. Diante disso, a pesquisa tem o intuito de problematizar a naturalização da cultura do estupro aos corpos femininos, com ênfase na infância. Objetiva-se propor um trabalho em Educação Sexual e conscientização à cultura do estupro às infâncias femininas a partir de produções cinematográficas para o público infantil com protagonistas meninas e mulheres da plataforma de streaming da Disney lançados entre os anos de 2019 e 2023. Isso considerando a necessidade de emancipar meninas para que possam conhecer seus direitos e reconhecer quando estão sendo violadas, sem que se sintam constrangidas ou envergonhadas em questionar ou denunciar violações de qualquer uma das categorias de violência supracitadas, bem como investir em formas de prevenção para que o número de violência contra meninas seja erradicado. É importante ressaltar que o trabalho de prevenção à cultura do estupro, nessa pesquisa, terá como premissa o trabalho em Educação Sexual, considerando que a orientação e o esclarecimento sobre a cultura do estupro à criança e ao adolescente será eficiente se houver diálogo aberto sobre sexualidade. Nesse sentido, justifica-se a importância dessa pesquisa para contribuir no conhecimento acerca da cultura do estupro, bem como apresentar materiais cinematográficos que permitem formas articuladas de trabalhar essa temática como estratégia de prevenção na infância feminina. Esse estudo será apresentado da seguinte forma: na seção 2 discorreu-se sobre a cultura do estupro e as relações de gênero que influenciam o comportamento social que naturalizam, muitas vezes, atitudes agressivas e opressivas dos corpos femininos ou, ainda, a submissão desses corpos ao masculino. Na seção 3 relacionou-se a cultura do estupro à violência sexual infantil, em que meninas são violadas de diversas formas, inclusive sexual e, na maior parte das vezes, essa 17 pessoa é um adulto do sexo masculino, parte das relações intrafamiliares da criança, em que se estabelecem relações de poder e de gênero perpetuados naturalmente no meio social. Apresentam-se também conceitos como pedofilização e erotização infantil, problematizando a exposição de meninas, cada vez mais personificadas como mulheres adultas com roupas, assessórios e poses sensuais nas diferentes mídias, sendo submetidas aos padrões de beleza, cada vez mais novas. Dessa forma, esse comportamento socialmente aceito, não seria também uma forma de violência à sexualidade infantil? No decorrer da seção 4 apresentou-se a Educação Sexual como estratégia de enfrentamento à cultura do estupro e seus efeitos na vida de meninas. Nesse sentido, discorreu-se sobre a Educação Sexual Emancipatória que possibilita abordar diferentes temáticas relacionadas à sexualidade de maneira reflexiva e respeitosa, bem como ações e movimentos bem-sucedidos de meninas contra a desigualdade e discriminação de gênero. Já na seção 5 abordou-se o filme como artefato cultural e recurso educativo, discorrendo como esse artefato apresenta maneiras de ser e de se comportar, bem como produz significados no que diz respeito à família, sexualidade, gênero, dentre outros contextos sociais. Nesse sentido, considera-se a influência na naturalização de regras sociais, assim como nas transgressões delas, constatando que o filme vem ocupando um importante poder educativo, já que possibilita a reflexão acerca dos diferentes conceitos explorados no enredo fílmico. Na sexta e sétima seções são apresentados, respectivamente, os objetivos desse estudo e o método, destacando o tipo de estudo e o procedimento de análise dos dados. Em seguida, na última seção, apresentaram-se os resultados e discussões, descrevendo num primeiro momento as características do material analisado, sendo 15 filmes lançados no streaming da Disney para o público infantil do ano de 2019 a 2023, em seguida, apresentou-se as categorias temáticas e, também, as análises relacionadas. 18 3 CULTURA DO ESTUPRO E QUESTÕES DE GÊNERO As mulheres conquistaram e conquistam espaços e direitos na sociedade, principalmente com os movimentos e lutas feministas nos seus diversos formatos e configurações. Tais como, direito ao voto, ao divórcio, ao trabalho. Assim como lutas que ainda estão sendo enfrentadas, como a liberdade sobre o seu corpo e sua sexualidade, o enfrentamento à desigualdade de gênero, o enfrentamento ao machismo e à cultura do estupro, fenômeno observado nesse estudo. A cultura do estupro por ser estrutural revela um modo de organização social para que haja a naturalização e a banalização de violências contra mulheres, passando despercebidas diversas violações que mulheres e meninas vivenciam em sua trajetória, simplesmente por serem do sexo feminino. Esse termo foi utilizado pela primeira vez nos anos 70 pelo Movimento Feminista norte-americano, explicitando valores, leis, normas e costumes que favoreciam a violência sexual contra as mulheres (Lima, 2017), denunciando a desigualdade de gênero e as relações de poder estabelecidas e historicamente disseminadas dos homens em relação às mulheres (Santos & Barcellos, 2018). Lima (2017) compreende que as relações de gênero na sociedade ocidental trazem heranças do patriarcado, modelo social em que mulheres eram propriedades do pai ou do esposo, sendo eles quem tomavam toda e qualquer decisão relacionada à vida e corpos dessas mulheres. Nesse período, as mulheres socialmente ocupavam papéis de subordinação e submissão aos homens, inclusive sexual. Sendo possível, ainda hoje, observar comportamentos que foram se naturalizando em relação aos seus corpos, sendo esses objetificados e, muitas vezes, vítimas de violência nas diferentes esferas sociais. Considera-se, também, como cultura do estupro as violências naturalizadas e sofridas por mulheres e meninas cotidianamente, não só por homens, mas por um coletivo que compartilha valores e práticas da masculinidade hegemônica (Ipea, 2017), tais como atribuir ao universo feminino características como fragilidade, medos, conflitos, cuidados e, ao masculino, virilidade, força, coragem; e, mesmo que haja uma iniciativa de reconstrução desse modelo, com possibilidades diversas e plurais de “ser homem” e de “ser mulher”, há ações maciças de reprodução do modelo hegemônico pela família, pela igreja, amigos, escola, entre outros ambientes sociais, impossibilitando, muitas vezes, uma efetiva reflexão e transformação desses valores construídos culturalmente (Costa Júnior, 2014). Diante disso, a cultura do estupro está inserida nas interpretações e nos julgamentos aos comportamentos femininos em relação ao masculino e naturaliza a superioridade 19 masculina em relação às meninas/mulheres. Ademais, no que diz respeito à violência de gênero, tem como característica a culpabilização da vítima pelas agressões sofridas, e implica em sentimentos misóginos e machistas, banalizando a violência existente contra as mulheres (Lima, 2017). O crime de estupro pode ser entendido como qualquer ato sexual realizado sem o consentimento de uma das partes envolvidas, previsto no Código Penal desde 1940, no artigo 213, contendo a seguinte descrição: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (Brasil, 2009). A partir da atualização da lei em 2009, compreende-se como ato libidinoso, outras práticas além da penetração, tais como sexo oral e anal, masturbação, beijo, entre outros. É possível constatar a cultura do estupro nas diferentes esferas de interpretação e julgamento desse crime, seja no judiciário, seja nos diversos espaços sociais que os corpos femininos habitam. Existe uma cultura do estupro que questiona o comportamento da vítima, “onde estava?”, “qual o horário?”, “com quem estava?”, “como era o movimento desse lugar?”, “usou bebida alcoólica?”, de modo a buscar indícios de que houve uma provocação ou descuido por parte da vítima, justificando a ação do agressor. Enfim, uma série de questionamentos que dificilmente se volta ao comportamento do perpetrador. Existe a crença de que a mulher, por algum motivo, é responsável pelo estupro, seja pelo seu comportamento, seja pela vestimenta (Scarpat et.al. 2014), muitas vezes, interpretada como comportamento de sedução e sensualidade. Entretanto ao observar dados estatísticos, constata-se que não só mulheres são vítimas de estupros como também crianças desde os seis meses de idade (Campos et.al. 2017). Ademais, a sensualidade da mulher não é prerrogativa para acontecer ou não o estupro. Nesse contexto, no ano de 2016, o tema cultura do estupro ganhou repercussão devido à violência sofrida por uma jovem de 16 anos, vítima de violência sexual coletiva com a participação de 33 homens, no Rio de Janeiro (Nielsson & Wermuth, 2018; Ipea, 2017), fato que chamou atenção no período, infelizmente não pela monstruosidade do ato, que foi filmado sendo recurso de provas suficiente do crime que a menina sofreu, mas pela forma com que a justiça atuou, visto que interrogou a jovem com perguntas relacionadas ao seu comportamento, tais como se havia bebido, se costumava fazer sexo naquelas circunstâncias, se fazia uso de drogas, e ainda se teria como provar que havia ocorrido o estupro, buscando justificar o crime de 33 homens a partir do comportamento e atitudes da menina, ou seja, 20 pautado na cultura do estupro e na cultura machista, a vítima teria provocado o próprio estupro. Como enfrentamento a essa cultura, tem-se a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como a Lei Maria da Penha que, entre outras violências, contempla a violência sexual contra mulheres, denominada violência doméstica e familiar. Em seu artigo 5º explicita que a violência doméstica e familiar contra a mulher é caracterizada por qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Conseguinte em seu artigo 7º apresenta os tipos de violência doméstica contra a mulher de forma específica e detalhada, I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (Brasil, 2006). A Lei Maria da Penha mostra-se um importante instrumento de enfrentamento à violência, porém é preciso investir na formação de desnaturalização da cultura do estupro nas instituições responsáveis por acolher e julgar essas demandas, desde a porta de entrada, como delegacias, até juízes e juízas, para que de fato a lei seja recurso de proteção às mulheres e meninas e que a interpretação da mesma não sofra interferência de crenças culturais e estruturais que julgam e condenam o comportamento feminino. Observa-se, que a cultura do estupro foi sendo moldada no decorrer da história por meio de um contexto social e cultural, estabelecendo normas intrínsecas e muitas vezes 21 cristalizadas no senso comum, sendo assim, não raras vezes, o crime será julgado pelo viés da cultura do estupro, em que o comportamento social da mulher será vigiado e questionado e, para além do seu comportamento, terá a prevalência do julgamento machista. Nesse sentido, existe no senso comum a crença de que o “instinto masculino” sobressai e impede o homem de ter consciência sobre seus atos (Scarpat et.al. 2014), justificando a sua sexualidade na “fraqueza da carne” e no seu comportamento viril, tido como incontrolável e quase “animalesco”. Outro aspecto bastante perpetuado pela cultura do estupro em torno do perpetrador, é associar o seu comportamento a uma patologia relacionada à falta de discernimento mental, muitas vezes representados como “doentes”, “loucos” ou na “figura desumanizada de “monstro”, nesse sentido, atribui-se uma patologização, acarretando a não responsabilização do agressor (Melo, 2020). Considerando os índices levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022), entre março de 2020 e dezembro de 2021, foram 100.398 casos de estupro, entre esses de vulnerável com vítimas do sexo feminino e os homens como perpetradores. Nesse contexto, a violência sexual pode ser compreendida como uma violência de gênero e estrutural dos homens contra as mulheres, já que se trata de um fato em que a maioria dos perpetradores é homem e a maior parte das vítimas são mulheres/meninas. É importante mencionar que não se trata de impulso ou desejo sexual incontrolável, mas a manifestação de poder e força dos homens em relação às mulheres para a manutenção da subordinação e do controle social (Andrade, 2018). Sobre a manutenção de poder e a subordinação da mulher em relação ao homem, pode-se denunciar a cultura do estupro nos casos que envolvem violência física para forçar as relações sexuais. Segundo estudos realizados por Kelly (1998 citado por Andrade, 2018), muitas violências vivenciadas por mulheres eram entendidas como “sexo selvagem” ou, ainda, que as mulheres diziam “não” querendo dizer “sim”. Culturalmente, acredita-se que o homem tem uma sexualidade ativa e agressiva, enquanto mulheres têm uma sexualidade retraída e passiva, sendo entendido como natural o homem forçar o sexo com a mulher, já que, erroneamente, acredita-se que a mulher não possui uma predisposição ao sexo. Também existe a ideia popularizada da mulher se fazer de “difícil” para ser valorizada e conquistada pelo homem, portanto, “naturalmente” a mulher diz “não” quando quer dizer “sim”. Constatou-se na divulgação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022) que em 2021 foram registrados cerca de um estupro a cada dez minutos no Brasil. No mesmo documento explicitou-se que diferente do imaginário social da população, a violência sexual 22 no Brasil, na maior parte das vezes, é um crime perpetrado por algum conhecido da vítima, parente, colega ou mesmo parceiro íntimo. Assim, de cada 10 casos registrados, oito foram de autoria de um conhecido, o que torna o crime ainda mais complexo, já que a denúncia se torna um desafio ainda maior para a vítima. Há uma intersecção da cultura do estupro à questão racial, é possível evidenciar a violência duplamente sofrida por mulheres negras vítimas de estupro. bell hooks (2014) já chamava atenção para a hierarquia social, sobre a desigualdade de direitos entre mulheres negras e brancas, exemplificando que, se uma mulher branca é violentada por um homem negro tem repercussão diferenciada de uma mulher negra violentada por um homem branco. Segundo a autora, há uma desvalorização da mulher negra, resultado da exploração sexual desses corpos durante o período da escravatura. Nesse contexto, além da objetificação da mulher, há uma violência simbólica em que os corpos negros são hipersexualizados e ideologicamente demarcados. A cultura do estupro também perpassa por violências homofóbicas, a exemplo, o estupro “corretivo” em que mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais sofrem violência sexual devido à orientação sexual, nesses casos o perpetrador tem o objetivo de convertê-la à heterossexualidade, ele compreende que a mulher faz uma escolha consciente sobre a sua orientação e consequentemente poderá ser revertida por meio de uma educação punitiva e homofóbica (Pereira & Tafarello, 2019). De acordo com os autores supracitados, durante o ato de violência nos casos de estupro corretivo, é comum o perpetrador utilizar de falas constrangedoras como “agora você vai virar mulher de verdade”, “você vai aprender a gostar de homem”, sendo assim, a mulher novamente é considerada culpada e o homem seria o defensor dos bons costumes da sociedade, aquele que vai adequar a mulher ao papel social que lhe cabe, por meio do “processo educacional” de estupro. Em relação às consequências, Andrade (2018) entende que são diversas na vida de mulheres e meninas vítimas de violência sexual, podendo ser física, emocional, social, psicológica, ou ainda, a combinação de várias delas. No entanto, é preciso considerar que mesmo não tendo nenhuma consequência na vida da vítima, é uma violência, uma invasão ao corpo, portanto uma violação de seus direitos. Nesse sentido, a violência sexual contra os corpos femininos pode ser visível: lesões físicas, infecções sexualmente transmissíveis e a gravidez fruto da violência sexual, ou menos visível: transtornos emocionais, transtornos alimentares, distúrbios sexuais e de humor, tendência maior ao uso de substâncias lícitas e ou ilícitas, enfim, as consequências podem 23 repercutir de diferentes formas na vida das pessoas que sobrevivem a esse tipo de violência (Anuário Brasileiro De Segurança Pública, 2022). Em relação à gravidez fruto da violência sexual, é previsto no Código Penal Brasileiro o aborto legal, Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I – Se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II – Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. No entanto, a discussão sobre o aborto atravessa as esferas moral, política e religiosa, e, muitas vezes, torna-se a discussão central, no lugar da violência sofrida1. Em 2020, no Estado do Espírito Santo, uma menina de 10 anos engravidou do tio, consequência de violência sexual, porém só conseguiu realizar o aborto legal no Recife, com autorização da justiça. Passou por procedimento para interrupção da gravidez, o que causou revolta em determinados grupos que tentaram impedir a decisão, a vítima precisou alterar identidade e endereço após a repercussão do aborto2. No mês de setembro de 2022 foi divulgada uma reportagem sobre uma menina de 11 anos no estado do Piauí, vítima de violência sexual, grávida pela segunda vez, caso que teve repercussão nacional, tanto no primeiro episódio, quando a menina tinha 10 anos, como no episódio atual. No último fato o perpetrador não foi identificado, e os responsáveis pela criança optaram pela continuidade da gestação3. O que essas duas ocorrências possuem em comum a tantos outros casos que não tomam repercussão nacional? A cultura do estupro, já que o perpetrador e a violência provocada parecem ser ignorados, evidencia-se somente a vítima; o sentimento, o cuidado e o acolhimento, quando aparecem, permanecem em segundo plano. 1O dia 12 de outubro de 2023 foi marcado por manifestações contra o aborto nas capitais e em várias cidades do Brasil com o slogan “Caminhada pela vida e contra o aborto” https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/manifestacoes-contra-o-aborto-acontecem-em-diversas- cidades-do-brasil/ 2Reportagem pelo Portal G1 de 17 de agosto de 2020 https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/08/17/menina-de-10-anos-estuprada-pelo-tio-no-es-tem- gravidez-interrompida.ghtml 3Reportagem pelo Portal G1 de 11 de setembro de 2022 https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2022/09/11/crianca-de-11-anos-vitima-de-estupro-esta-gravida-pela- segunda-vez-em-teresina.ghtml https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/08/17/menina-de-10-anos-estuprada-pelo-tio-no-es-tem-gravidez-interrompida.ghtml https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/08/17/menina-de-10-anos-estuprada-pelo-tio-no-es-tem-gravidez-interrompida.ghtml 24 Nesse contexto relacionado à violência sexual, constatou-se que os corpos femininos são a maior parte das vítimas. Na última pesquisa publicada pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022) as mulheres representam 88,2% das vítimas, sendo a maioria em todas as faixas-etárias. Nesta mesma pesquisa, a faixa-etária que mais sofre de violência sexual são crianças e adolescentes de 10 a 13 anos, sendo 31,7%, seguido das crianças de 5 a 9 anos com 19,1%. Portanto, o anuário identificou que o público entre 0 e 13 anos representa mais da metade das vítimas de violência sexual com 61,3%. Nessa perspectiva, além de se tratar de uma violência de gênero é também uma violência etária, embora a mulher sofra esse tipo de violência em qualquer idade, há uma prevalência na fase infantojuvenil. Questão que será retomada e aprofundada no próximo capítulo. Nesse sentido, o crime de estupro de corpos femininos, propriamente dito, juntamente aos desdobramentos aqui apresentados e discutidos, materializa parte do que se entende por cultura do estupro, a outra parte desse fenômeno desdobra-se em representações simbólicas estereotipadas e baseadas na desigualdade entre homens e mulheres que atravessam suas relações e comportamentos nos diferentes contextos: sociais, políticos, culturais, institucionais e nos diversos artefatos: livros, filmes, novelas, revistas, propagandas, músicas, redes sociais, meios de comunicação. Diariamente é possível identificar comportamentos que expõem a figura feminina à cultura do estupro. Quando utilizam roupas curtas e pejorativamente são chamadas de vadias e prostitutas, inclusive é importante ressaltar que as profissionais do sexo também são vítimas de estupro quando não há o seu consentimento. Quando no contexto de seu trabalho, chefes se sentem autorizados a tocá-las e ameaçá-las de perder o cargo, caso não ceder às investidas dele, nas redes sociais quando sofrem preconceitos relacionados ao corpo que não segue o padrão e normas estabelecidos pelo mundo da moda, quando esposo, namorado, companheiro, pai, padrasto se sentem proprietários de seus corpos e agem de forma autoritária e agressiva. A cultura do estupro pode assumir ainda formas mais sutis, como nas histórias infantis. A princesa indefesa e bela, resgatada pelo príncipe corajoso, que não passará pela desonra de ficar solteira e viverá feliz para sempre. Há mais de cinquenta anos, os estúdios Disney reproduzem o mesmo discurso para as meninas por meio de suas princesas: “a centralidade do casamento e da concretização do amor romântico” (Ferreguet, 2014, p.63). Para além do ideal de casamento, veicula padrões de beleza:- corpo magro, cabelos lisos e, quando utilizam personagens negras, idealizam modelos de branquitude, em que a pele e o 25 cabelo são apresentados o mais próximo da cultura branca. Ademais, devem ser sempre belas e obedientes para que possam ter o privilégio de serem escolhidas. Nas brincadeiras, a elas se destinam os brinquedos relacionados à maternidade e ao âmbito doméstico – tais como berços, carrinhos de bebê e bonecas com suas roupinhas, fraldas e mamadeiras, as panelinhas, vassourinhas, minicozinhas e ferros de passar – e ainda o embelezamento – identificáveis nas unhas postiças, maquiagens, fantasias de princesa e aparatos para enfeitar e colorir os cabelos (Ramos, 2013), tudo o que uma menina precisa para aprender a cuidar e servir o futuro marido. Embora alguns brinquedos considerados masculinos tenham chegado à mão das meninas, ainda assim, o investimento maior é na generificação dos brinquedos. Nessa perspectiva, constata-se que a cultura do estupro vai se naturalizando em discursos, atividades e brincadeiras, que se olhadas superficialmente são consideradas inocentes para o público infantil, mas que, na sua essência, se caracterizam extremamente violentos, em que meninos vão aprendendo a serem agressivos contra as meninas, enquanto meninas vão aprendendo a serem submissas aos meninos e esses modelos vão sendo reproduzidos de diversas formas até a vida adulta com enredos cada vez mais complexos. Nesse sentido, é possível observar que há um grande investimento nas diversas esferas sociais para demarcar diferenças entre pessoas do sexo masculino e pessoas do sexo feminino, um investimento que nos faz acreditar que nossos corpos universalmente vivem da mesma forma, esquecendo seu caráter construído e concedendo-lhe a aparência de natural” (Louro, 2019). Na sociedade contemporânea a ideia de gênero atravessa a vida das pessoas desde o período gestacional, desde o momento em que se sabe a genitália do bebê. Essa descoberta possibilita que mães, pais e familiares criem milhares de representações e projeções sobre como será a vida dessa criança. Observa-se que, em muitos casos, esses planos trilham caminhos diferentes a partir da genitália, pois o que se sonha e projeta para uma criança com pênis, é diferente do que se sonha e projeta para uma criança com vulva. Para Felipe e Guizzo (2003), desde muito cedo as famílias e a escola, um dos principais espaços de influência na formação de identidade das crianças passam a interditar experiências com certos brinquedos e brincadeiras, ou a “manifestarem determinados gostos e comportamentos, sendo conduzidas sutilmente a se adequarem as normas de gênero estabelecidas socialmente” (p.48). Afirmam ainda que há um forte investimento na educação de meninos que alimenta o desprezo a tudo que possa ser considerado do “mundo feminino”, 26 esse comportamento vai sendo instalado desde a infância repercutindo nas várias formas de violência contra as mulheres. Seja por meio dos artefatos culturais, seja pela convivência familiar e social, os modelos hegemônicos de feminilidade e masculinidade são difundidos e facilmente estabelecidos como padrões a serem seguidos, as pessoas que se afastam desses modelos atentam contra a ordem e o bem-estar social. Por outro lado Rosa et. al (2022) traz a expressão scripts de gênero, conceituado por Jane Felipe para se referir aos roteiros que Fundamentam e potencializam as discussões sobre gênero e sexualidade, assim como articulam outros estudos sobre tais expectativas que se estabelecem em torno das feminilidades e masculinidades. É importante observar e tensionar o fato de que tais identidades são delineadas a partir de um corpo biológico, ou seja, é a partir da anatomia dos órgãos genitais que se nomeia o sujeito como menino ou menina e daí se cria expectativas em torno das expressões de gênero. Caso essas não sejam seguidas, podem ocorrer sanções e práticas excludentes, marginalizando e tratando sujeitos como “anormais” a partir de suas possíveis diferenças, transformadas em desigualdades. [...] O conceito de scripts de gênero (Felipe, 2016; 2019) também opera em contraposição aos problemáticos termos de “estereótipos” e “papéis” de gênero, uma vez que a ideia de um roteiro, ao mesmo tempo em que tenta conduzir as ações das pessoas, também permite, de certa forma, possibilidades de rompimentos, negociações e subversões desses scripts (Rosa, et. al. 2022, p.75-76). Como mencionado, as pessoas relacionam o comportamento e os papéis sociais que a criança deve ocupar, partindo, muitas vezes, do determinismo biológico. Em contrapartida, constata-se que esses papéis e suas relações ao longo do tempo foram sofrendo alterações, já que alguns papéis antes ocupados apenas por pessoas com pênis ou vulva, hoje são ocupados por ambos. Se antes mulheres eram responsáveis pela casa e pelos filhos, hoje muitas estão exercendo diferentes profissões no mercado de trabalho que eram consideradas exclusivamente masculinas. Louro (2019) argumenta que são diversas as imposições culturais que criamos e investimos nos nossos corpos, tais como: critérios estéticos, higiênicos, morais, dos grupos que pertencemos, as imposições de saúde, vigor, vitalidade, juventude, beleza, força, são significadas de formas diversas e distintas nas variadas culturas. Nesse sentido, Scott (1995) compreende que existe uma série de significados sociais e culturais que representam os gêneros e as relações hierárquicas e de poder entre eles, que sistematiza e organiza essas relações. Nessa mesma perspectiva, Louro (2019) considera que os gêneros, masculino e feminino são construídos e marcados pelo contexto da cultura que se está inserida. 27 Portanto, os códigos e condutas considerados na sociedade acompanham determinada cultura e essa mesma cultura pode reorganizar esses modelos no decorrer do tempo. Dessa forma, esses modelos são possíveis de mudanças, mesmo nos formatos mais cristalizados, porém é preciso compreender quais modelos sociais estão sendo priorizados e investidos nessa cultura. 28 4. ARTICULAÇÕES ENTRE CULTURA DO ESTUPRO E VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MENINAS No Brasil, a Constituição Federal de 1988 (em vigência) em seu artigo 227 reconhece direitos e estabelece que a família, a sociedade e o Estado têm como dever prioritário oferecer proteção integral as crianças e adolescentes. Nesse contexto de garantia de direitos foi estabelecido em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, principal instrumento normativo do Brasil, que completou 33 anos em vigor e tem como diretriz apresentar os direitos e deveres para faixa-etária, considerando sempre a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. A consciência da particularidade infantil e o nascimento de um “sentimento da infância” vão surgir por meio de uma distinção progressiva entre o mundo das crianças e o mundo dos adultos. Este processo de diferenciação entre um e outro implicará em um correlativo processo de identificação daquilo que pertence aos infantis e daquilo que pertence aos adultos, de modo a criar duas categorias distintas, marcadas não apenas pela idade biológica, mas por uma série de investimentos culturais visíveis no vestuário, nos hábitos e nas atividades cotidianas (Ramos, 2013, p.3). Ramos (2013) apresenta que a idade não é apenas uma marcação cronológica, mas também define, delimita, descreve e controla os papéis e as relações sociais que desempenhamos na sociedade, são mecanismos que utilizamos para demarcar, por exemplo, as gerações, a maioridade, a entrada no mercado de trabalho, a aposentadoria. Nesse sentido, culturalmente, por vezes por meio de legislação, utiliza-se a marcação etária para regular as ações nos diferentes contextos sociais, demarcar comportamentos aceitáveis ou questionáveis, o que consegue ou não fazer, o que pode ou não fazer no decorrer da vida relacionado a outras categorias identitárias. De acordo com o artigo 2° do ECA, criança é a pessoa com até 12 anos incompletos. “A legislação brasileira e a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecem a criança como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, que deve ser tratada como sujeito de direitos legítimos e indivisíveis e que demanda atenção prioritária por parte da sociedade, da família e do Estado” (Moreschi, 2018). Ainda, de acordo com o ECA, adolescente é o indivíduo entre 12 e 18 anos incompletos. Considerando o desenvolvimento biológico, não se pode afirmar quando começa e termina a adolescência, o Estatuto considerou o critério etário pois este não implica 29 juízo sobre maturidade, capacidade ou discernimento (Morechi, 2018). Assim a adolescência passa a ser compreendida como uma etapa intermediária do desenvolvimento humano, entre a infância e a fase adulta. É um período marcado por diversas transformações corporais, hormonais e até mesmo comportamentais (Moreschi, 2018). Destarte, a infância que conhecemos é fruto de uma construção social, conectada ao constante processo de ressignificação e transformação. Seus significados podem variar de acordo com o tempo, a classe social, o gênero e a cultura em que as crianças estão inseridas (Felipe & Guizzo, 2003 p.121). Na cultura ocidental é comum encontrar ideias voltadas ao adultocentrismo em que a criança se encontra numa posição subalterna em relação ao poder do adulto, em que os diálogos são baseados na crença de incompletude da criança, na falta de experiência, na imaturidade. Em contrapartida, os discursos dos adultos são considerados ideias supostamente verdadeiras, complexas, científicas e organizadas. Nesse sentido, a relação da criança é pautada na disciplina, obediência e na subordinação ao adulto (Tomás, 2007). Diante do contexto supracitado é interessante retomar os dados relacionados ao perfil dos perpetradores, que embora não seja somente provocado por homens, ainda assim, é a maioria, sendo 79,6% dessas violências provocadas em relações intrafamiliares (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2022). Tais índices reforçam o debate sobre o quanto as relações de gênero estão envolvidas nas relações de poder não somente entre homens e mulheres, mas entre adultos e crianças e o quanto estas se “acirram quando se trata da própria família, na medida em que os homens se sentem no direito de abusar das mulheres e meninas de sua própria casa, como se estas fossem sua propriedade” (Felipe, 2006, p.210). Nesse contexto, observa-se um paradoxo, já que as regras sociais consideram a instituição familiar como o primeiro núcleo de socialização de um espaço que transmite valores, usos e costumes que formam a personalidade e a interpretação a respeito de como funciona o mundo (Moreschi, 2018) um espaço de proteção e segurança. Por outro lado, essa mesma instituição é apontada pelas estatísticas como a maior perpetradora da violência na infância. É cada vez mais forte a ideia de que a infância não é vivida da mesma forma por todas as crianças, sendo assim, não existe uma única infância, mas infâncias, devido à pluralidade de situações e especificidades culturais (Tomás, 2007). No entanto, independentemente de quais infâncias as meninas estão tendo acesso, historicamente, em diferentes culturas, em diferentes contextos sociais, elas vivenciam a violência sexual (Pedersen & Grossi, 2009). As estatísticas atuais mostram que os seus 30 corpos estão sendo violados de diversas formas, inclusive para o prazer sexual adulto. Em 2020 foram registradas 96,2 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Sendo 4.225 abusos sexuais4 físico; 8.519 estupros; 1.677 explorações sexuais (Brasil, 2021). De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022) foi possível identificar desde 2019 a prevalência de crime de vulnerável com uma taxa de 53,8% contra meninas com menos de 13 anos. Em 2020 verificaram-se uma taxa de 57, 9% e em 2021, 58,8%, números que alertaram para a preocupação de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, verificando que de 2019 a 2021 houve um aumento de 35.735 vítimas do sexo feminino. Conceitualmente, a violência sexual de crianças e adolescentes pode ser entendida como uma prática sexual em que a vítima é coagida e submetida aos desejos de alguém com mais poder do que ela. Esse tipo de violência pode ocorrer sem contato físico, por meio de assédio, verbalização de conteúdos obscenos, exibicionismo, voyeurismo e exposição à pornografia e com contato físico, por meio de carícias, tentativas de relações sexuais, masturbação, sexo oral, penetração vaginal e anal (Spaziani, 2020). No Código Penal brasileiro, o artigo 217-A traz em sua redação que estupro de vulnerável é ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos (BRASIL, 2009). Considerando a criança como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento que deve ser tratada como sujeito de direitos legítimos e indivisíveis e que demanda atenção prioritária por parte da sociedade, da família e do Estado. No ECA, em seu artigo 5ºestabelece que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, explora ção, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (Brasil, 1990). Em consonância ao Estatuto foi realizado um encontro de 15 a 17 de junho no ano 2000 para elaboração do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infantojuvenil, contou com a participação de representantes da esfera nacional, estadual e municipal, governamentais e não governamentais, órgãos de defesa, conselheiros etc. Esse documento teve como objetivo estabelecer ações articuladas de intervenção técnico-política e financeira, 4 Segundo Bortolozzi (2022) o termo “abuso sexual” não é mais utilizado, pois dá o sentido de que haveria algum tipo de “uso” permitido. Hoje, o termo utilizado é violência sexual. 31 propondo metodologias e estratégias em rede de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes (Brasil, 2002). O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil tem como objetivo ser referência no enfrentamento à violência sexual contra crianças, oferecendo uma síntese metodológica para a implementação de políticas, programas e serviços de prevenção e proteção às crianças e adolescentes envolvendo as diferentes esferas: educação, saúde e assistência social. Esse documento estabelece diferentes diretrizes e eixos para serem desenvolvidos nos âmbitos nacional, estadual e municipal. É importante enfatizar que, por se tratar de uma cultura com fortes raízes patriarcais, o investimento ao combate à cultura do estupro e à violência sexual de meninas precisam ser contínuos e efetivos em todas as esferas, porém ainda é possível encontrar diversas violações aos corpos femininos nas diferentes instituições que deveriam proteger. Nesse sentido, Belizário (2020) denuncia o quanto meninas do ensino médio são vítimas de assédio e outras violências em uma instituição escolar, não só pelos colegas, mas também por professores do sexo masculino, e o quanto a escola se apresenta morosa nas providências, já que, apesar de diversas denúncias relacionadas a um professor específico, nada foi feito, segundo as alunas que participaram da pesquisa. Teve uma menina que reclamou de assédio de professor e a primeira coisa que o coordenador perguntou foi: ‘ela estava de blusinha, ou estava de uniforme?’ […]. Eles tampam os olhos totalmente para as nossas reclamações sobre assédio, sempre tentando justificar o professor, sempre tentando justificar a roupa que você estava […]. Uma mãe falou esses dias: ‘vocês estão esperando o quê? Que o professor passe a mão na bunda de uma menina, que abuse da menina dentro da sala? Aí vocês vão tomar alguma providência?’. Então assim, eles tratam como se não fosse nada, um professor mexe com as alunas há vinte anos. ‘Ah vocês precisam de mais provas, ah vocês precisam de mais disso’. Gente, há vinte anos que as alunas estão reclamando o tempo inteiro de um professor, e eles não fazem absolutamente nada? (Fernanda – 11/09/2014) (Belizário, 2020, p.298). [...] Deste professor que eu disse. ‘Veio de blusa cortada para mostrar o quê? Quer que todo mundo fique olhando o que você tem para mostrar?’ Quando as meninas estão muito juntas, ele fica chamando as meninas de lésbica e fala que isso atiça os meninos. Isso ajuda a reproduzir o preconceito entre os próprios alunos, o preconceito, o machismo. Eu acho que é isso, o dever dele não é esse, o dever dele é fazer que isso não aconteça. O professor de [aqui ela disse a disciplina do professor que é o mesmo citado por Lara em seu depoimento] que assedia todo mundo, quando eu passo de costas, ele fala: ‘nossa, hoje você está bonita hein?’. Mas com aquele ‘comentariozinho’ bem sarcástico, olhando para o bumbum. Ele já falou de mim para outros meninos: ‘ah, você reparou nela hoje? Como ela está bonita’. Só de piadinhas deste tipo. (Maria Flor – 10/09/2014) (Belizário, 2020, p.301). 32 Nesse mesmo estudo, Belizário (2020) constatou situações em que ocorreu a violência sexual, mas a menina sofreu retaliações dos próprios pares, consequência de uma cultura do estupro em que meninas/mulheres não se apoiam, segue a fala de uma das entrevistadas. [...] E quando aconteceu no primeiro ano, o abuso fora da escola, os meninos ficaram zoando o que aconteceu e ficavam falando: ‘ah, você gostou, você queria’. E o das garotas é bem pior do que os meninos. Acho que por as meninas não conhecerem muito o feminismo e o que ele tem a falar, elas falam muito. Eu conto essa minha história para muitas pessoas, para ser um exemplo do que pode acontecer com você, e eu ouço muito: ‘você mereceu, você estava de saia, menina que fica bêbada não tem o que cobrar dos outros’. Eu já ouvi até que, por eu ter cabelo grande, eu não posso reclamar dos meninos mexerem comigo. É o cúmulo! E, porque eu ando com muitos amigos meninos, eu deixo todos se aproveitarem de mim. Os xingamentos das meninas são muito piores do que os dos meninos, porque parece que cria uma competição. Os meninos, mesmo, acham legal essa competição entre as meninas e botam fogo pra ver quem é a melhor assim. (Maria Flor – 10/09/2014) (Belizário, 2020, p.304). A mídia vem exercendo forte influência na vida das pessoas com o surgimento da TV, essa influência foi se popularizando cada vez mais e nos anos 1960 as crianças passaram a ser público-alvo nas diversas áreas de investimentos deixando de ser apenas espectadoras e passando a ser protagonistas de programações infantis. Na década de 1980 disseminou-se os programas com a participação das crianças em gincanas e, junto com isso, a exibição de vários produtos infantis, nos intervalos das programações veicularam propagandas de guloseimas e até roupas e acessórios que levavam o nome das apresentadoras desses programas (Xuxa, Angélica, Mara Maravilha). Viu-se nesse público forte influência ao consumo (Felipe, 2006). Beck (2017) tem entendido a mídia como as diversas formas nas quais pessoas e instituições vêm estabelecendo a comunicação, o entretenimento e a educação. Compreende que “a mídia se posiciona como espaço pedagógico ensinando adultos e crianças, modos de ser, viver, conviver, agir, estando cada vez mais próxima desses sujeitos” (p.37-38). Nesse contexto, considera a mídia como uma das principais instâncias que hoje produzem uma polissemia de significados na vida das pessoas, educando-as. Utilizando-se de imagens, artefatos, símbolos, produtos, sujeitos, ícones e programas como instâncias pedagógicas por onde circulam múltiplos ensinamentos. 33 As crianças, imersas nesse cenário cultural, a partir de determinado momento social e histórico, passaram a ser compreendidas como consumidoras, tornando-se motivo da criação dos mais variados produtos e, nesse processo, protagonistas de constantes propagandas e campanhas publicitárias [...] A proliferação de materiais de bens de uso e consumo infantil intensifica, cada vez mais, a perspectiva proposta pelo mercado. Assim, por serem concebidas como poderoso veículo de consumo, também perfazem, as próprias crianças, o seu objeto de desejo (Beck, 2017 p.48-49). Com o advento da internet houve uma revolução ainda maior, que possibilitou ter acesso a informações em tempo real, rompendo as barreiras do tempo e do espaço. Dessa forma, foi se criando fenômenos mundiais de mídia, figuras que transitam naturalmente nas diversas culturas conforme o gerenciamento de corporações, de acordo com o que melhor consideram responder ao mercado e, dentre os diferentes produtos, o corpo compõe esse espaço, em especial o corpo feminino e jovem (Nunes, 2009). Além do acesso à informação, a internet possibilitou novas formas das pessoas se relacionarem e novas formas de violações contra crianças e adolescente. Para Prestes e Felipe (2015) é um espaço sem fronteiras, bastando um clique para se abrir inúmeros artefatos (imagens, sites, blogs, vídeos) nos quais o corpo e a sexualidade estão presentes e estarão exposto para qualquer pessoa, independentemente da idade nas mais variadas formas (erótica, sexual, pornográfica e/ou artística). Segundo dados da SaferNet Brasil (2021), associação civil de promoção e defesa dos Direitos Humanos na Internet, houve aumento nas denúncias relacionadas à pornografia infantil de 33,45% entre o ano de 2020 e 2021; de janeiro a abril de 2021 foram removidas 7.248 páginas por indício de crime. Dados dessa mesma associação divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (2022) apontam que são realizadas cerca de 366 denuncias de crimes cibernéticos sendo a maioria das vítimas crianças e adolescentes. Ademais, o relatório “Segurança online de crianças e adolescentes: minimizando o risco de violência, abuso e exploração sexual online” (2020) identificou que de uma a cada cinco crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos vê material inadequado online, e 25% deles relataram sentir medo ou angústia. Esse relatório também apresenta problemas que dificultam a luta contra as várias formas de violações e violências online contra crianças e adolescentes. Dentre outras questões, inconsistência nas leis protetivas, a falta de tecnologia para detectar essas violações no ambiente online e o que estamos explorando ao longo desse trabalho, “atitudes sociais e outros fatores comportamentais que, em alguns países e culturas, facilitam que os agressores vitimizem crianças e adolescentes e não sejam detectados” (p.14); o que faz parte da cultura 34 do estupro. Ademais se constatou nesse relatório a violência de gênero em que 78% dos materiais sexuais envolvendo crianças e adolescentes retratavam meninas. Nesse contexto, Felipe (2006) observa que a partir dos anos 1990, houve um aumento de leis, planos e ações em nível nacional visando o cuidado, a proteção e o bem-estar de crianças e adolescentes. Em contrapartida, alerta que ao mesmo tempo em que se criaram leis de proteção à infância, também se incentivou a exibição dos corpos infantojuvenis como objetos de desejo e sedução, denominando esse paradoxo de pedofilização. O conceito de pedofilização caracteriza-se pelas contradições existentes na sociedade atual, que busca criar leis e sistemas de proteção à infância e adolescência contra a violência/abuso sexual, mas ao mesmo tempo legitima determinadas práticas sociais contemporâneas, seja através da mídia – publicidade, novelas, programas humorísticos –, seja por intermédio de músicas, filmes, etc., onde os corpos infanto-juvenis são acionados de forma extremamente sedutora. São corpos desejáveis que misturam em suas expressões gestos, roupas e falas, modos de ser e de se comportar bastante erotizados (Felipe, 2006, p.216). Esse conceito, propriamente dito, começou a ser difundido pela pesquisadora Jane Felipe em 2002 para se referir as práticas contemporâneas de erotização dos corpos infantis, não apenas à exposição das crianças como objetos de desejo e consumo, como também o comportamento, a forma de se vestir, andar e se maquiar das crianças, principalmente das meninas, mas para além, problematiza a exploração do universo infantil, como material erótico de fetiche e sedução por mulheres adultas, quando utilizam adornos infantis ou se fantasiam de menininhas para ensaios sensuais ou ainda submetem-se a procedimentos corporais para se aproximarem da ideia do corpo infantil (Rosa, et. al. 2022). A pedofilização se desdobra em três aspectos:- (i) a contradição existente entre as leis que visam proteger as crianças e a lógica do consumo que as visibiliza como sendo corpos desejáveis eroticamente; (ii) a exploração do universo considerado “infantil” com certo potencial erótico e a infância operada como fetiche para a prática da sedução; e a partir de 2016 (iii) uma violência, uma vez que tal erotização dos corpos infantis funciona como uma espécie de preparação e normalização do assédio, abrindo caminho para a violência sexual em forma de abuso e exploração (Rosa, et. al. 2022, p.74-75). Nesse sentido, a cultura do estupro atravessa vidas femininas desde a infância de diversas formas, por meio de diferentes artefatos: mídias, redes sociais, propagandas, músicas, filmes, livros, até mesmo os brinquedos, que cada vez mais buscam reproduzir o mundo adulto como bonecas com salão de beleza, maquiagens, diferentes figurinos, salto 35 alto, instigando o culto à beleza. É cada vez mais precoce a preocupação excessiva com o corpo e a aparência, com o comportamento que expressa sensualidade socialmente compreendido como feminilidade. Para Spaziani (2020), esses investimentos sociais são violações que preparam a menina para a violência sexual, na medida em que são tratadas como objetos sexuais. A autora supracitada se debruça na reflexão acerca de quais aspectos da construção social referentes a masculinidades estão relacionadas à violência sexual de crianças e de que maneira são produzidos e reforçados o modelo de homem agressivo e autor de violências. A pesquisadora aponta que a centralidade na masculinidade hegemônica na nossa cultura ocidental coloca o homem em posição de privilégio em relação às outras identidades, essa assimetria de poder pode produzir situações de violência, que se analisadas de maneira individualizada esse fenômeno será compreendido de forma superficial e simplista, enquanto que se o fenômeno for colocado na posição central e relacionado aos aspectos sociais e culturais, como o “adultocentrismo, modelos de feminilidade e masculinidade valorizados socialmente, as relações desiguais de gênero decorrentes desse processo, bem como o uso de imagens erotizadas de meninas para fins comerciais e a infantilização de mulheres adultas contribuem na naturalização de violências contra a criança” (Spaziani, 2020); principalmente meninas, como constatado anteriormente (Rosa et.al., 2022). Nesse sentido, Silva e Silva (2019), apoiados no conceito de pedofilização compreendem que os modelos de infância estão sendo construídos atualmente pela lógica capitalista e de consumo, pois as crianças, principalmente meninas, estão sendo expostas de forma erótica e sensual e ao mesmo tempo frágil e indefesa nos diferentes meios de comunicação. Ademais, Felipe (2006) ressalta que esses modelos de infância não são um modo de representação dirigido somente para homens, mas para a própria infância, já que as meninas subjetivamente aprendem que para serem valorizadas devem comportar-se de acordo com os modelos divulgados pelas mídias, que constantemente relacionam o poder da mulher à sua capacidade de sedução. Nesse sentido a pesquisa de Knupp e Ripoll (2017) constata uma preocupação das meninas influenciadas pelas mães/responsáveis e pelos produtores de concursos de beleza desde pequenas a se preocuparem com a produção corporal e investimentos em processos de embelezamento adultocêntricos, tais como, 36 Hidratação, bronzeamento, depilação de sobrancelha, busto e perna, alisamento dos cabelos, massagem, escovas, próteses e clareamentos dentários, maquiagens, cílios, unhas postiças e pintadas, seios e bumbuns postiços. Todos esses recursos estéticos, antes inimagináveis, são oriundos das representações de beleza que emergem na contemporaneidade (p.86-87). Os autores problematizam como essas infâncias têm sido acionadas dentro dos concursos infantis, impregnados da cultura do estupro. Esses concursos valorizam o “espetáculo, o consumismo, a competição desenfreada e a exposição dos corpos” (p.83), enfatizando o comportamento sedutor e muitas vezes eróticos de meninas/mulher. Em busca da “perfeição”, as meninas são submetidas a esconder, atenuar ou disfarçar marcas, pintas e cicatrizes, utilizar-se de truques de maquiagem para dar o formato esperado à boca das participantes que devem ser carnudos, os dentes sob efeito do clareamento, além de procedimentos estéticos e intervenções cirúrgicas nas diferentes partes do corpo. Inclusive na pesquisa destacou-se um caso, nos Estados Unidos, em que a mãe perdeu a guarda da filha Britney, de oito anos, por aplicar toxina botulínica para ajudar a menina a ganhar títulos em concursos de beleza (Knupp & Ripoll, 2017). Nesse contexto, o mundo dos concursos de beleza naturaliza a busca incessante pelo corpo perfeito e investe no paradigma da representação de pureza e ingenuidade da infância, ao mesmo tempo, que se aproxima da sensualidade e erotização das misses adultas. Vale destacar que esses comportamentos não findam nos concursos de beleza, já que as misses aparecem em campanhas publicitárias, programas televisivos, apresentações de dança, desfiles de moda, eventos estratégicos para divulgar o concurso (Knupp & Ripoll, 2017). Dessa forma, observa-se que esses concursos, juntamente com o mercado da beleza, investem socialmente para ditar padrões corporais e produtos a serem adquiridos em nome da beleza. Muitas vezes desenvolvendo na menina/mulher o sentimento de insatisfação intensa com o corpo ou, ainda, o comportamento que é treinado para agradar e seduzir os jurados e o público. Condição semelhante às ideias vendidas nos filmes das princesas da Disney, em que as candidatas ao casamento devem ir ao baile produzidas e, ao mesmo tempo, serem delicadas para que sua beleza chame atenção do príncipe e em uma dança consiga seduzi-lo e ser escolhida para tornar-se sua princesa. Em um estudo desenvolvido por Lourenço, Artemenko e Bragaglia (2014) em que se discute o tema “objetificação” feminina na publicidade, problematizam a forma como os corpos femininos são vendidos, valorizando mais os atributos corporais do que o seu poder intelectual. Retratando a mulher de forma estereotipada e angariando compradoras cada vez 37 menores. Nesse estudo, as autoras comentam o possível alcance desses estereótipos às crianças ao analisar a linguagem infantil adultizada de alguns anúncios e exemplifica com a propaganda da marca Couro Fino, veiculada em 2013, em que é exibida a foto de uma menina pequena usando fralda completamente maquiada e produzida em acessórios e poses “de adulto” – com a seguinte frase: “Amo brincar com os sapatos CouroFino da mamãe”. A propaganda teve repercussão e a mãe da criança declarou ser “uma tempestade em copo d’água”. Nesse sentido, as autoras comentam o “quão introjetado se encontra a estereotipização feminina no próprio público feminino, que não vê nada de errado no fato de uma criança ser associada a uma imagem erotizada e adulta” (Lourenço et. al. 2014 p.7-8). Nessa mesma perspectiva, de Andrade (2010) buscou problematizar como meninos e meninas eram representados nas publicidades veiculadas na Revista Veja, quais modelos de meninos e meninas estavam sendo conectados aos consumidores. Nesse estudo, constatou-se que a publicidade se utilizava de estereótipos de gênero, bem determinados, em que os meninos eram retratados em publicidades que evocavam inovação, tecnologia, poder de conquista e a masculinidade heterossexual. As meninas, por sua vez, em publicidades que evocavam pureza, docilidade, cuidados, educação, maternidade, embelezamento, além de serem bastante exploradas em publicidades erotizadas com frases ambíguas e imagens de “pequenas sedutoras”. Ao final do estudo a autora pontua que a veiculação desses estereótipos dificulta a quebra e a superação dos discursos e das representações de gênero cristalizados na nossa sociedade. Felipe e Guizzo (2003) problematizam a representação de meninas nas propagandas impressas, questionando a abominação da relação sexual de um adulto com uma criança, sendo considerado na nossa sociedade um ato grave de violência sexual, porém nessa mesma sociedade naturaliza-se a erotização de garotinhas nas propagandas. Nesse contexto, as autoras indagam se a erotização precoce não seria também uma grave violência contra meninas pequenas. Nesse sentido, Felipe (2006) pontua a importância do aprofundamento das discussões em torno das representações de criança, infância e sua respectiva educação e de que forma tais representações têm sido veiculadas e objetificadas nas diferentes mídias, principalmente no que se refere às questões de gênero e sexualidade. Após mais de uma década do que foi apontado pela pesquisadora Jane Felipe, constata-se que o aprofundamento relacionado a essas temáticas continuam se fazendo necessário no atual contexto, já que esses assuntos continuam sendo considerados tabus pela nossa sociedade. 38 5. A EDUCAÇÃO SEXUAL COMO ENFRENTAMENTO À CULTURA DO ESTUPRO E SEUS EFEITOS NA VIDA DE MENINAS Educação Sexual é uma ciência que envolve diferentes contextos, desde os mais difundidos socialmente, como o biológico-higienista, com ênfase normalmente no determinismo biológico entre homens e mulheres, mais centrados na promoção de saúde, na reprodução humana, ISTs etc. (Furlani, 2016), bem como, o contexto sócio-histórico, cultural, político e ético. Figueiró (2013) traz pelo menos dois conceitos básicos e fundamentais dessa ciência, sendo esses sexo e sexualidade, muitas vezes compreendidos como sinônimos, na verdade contemplam significados diferentes. O sexo envolve o prazer sexual e as sensações táteis agradáveis, enquanto a sexualidade inclui o sexo, mas também está relacionado ao carinho, afetividade, prazer, comunicação e principalmente os valores e normas morais e culturais sobre o comportamento sexual de determinada sociedade. Nessa perspectiva, a sexualidade está presente em todos os lugares, como ressalta Ribeiro (2020). As crianças e adolescentes estão rodeadas desses conteúdos, seja nas redes sociais, na TV, na música, nas conversas, nos gestos, nos diferentes ambientes. Ademais, não é possível garantir que estão tendo acesso às informações de maneira adequada e cuidadosa. É importante salientar que em diferentes momentos da história da Educação Sexual no Brasil houve a tentativa de inserir o assunto no currículo escolar. No entanto, a estrutura política, moral e religiosa que se organizou durante séculos para o controle social acarretou o silenciamento da sexualidade nesse espaço, melhor dizer, falso silenciamento, já que cotidianamente surge não só no espaço escolar, mas também em outros espaços situações relacionadas à sexualidade. Nesse contexto Figueiró (2009) menciona que a nossa cultura se formou carregando tabus, preconceitos e sentimentos, muitas vezes, negativos, em relação ao sexo. O caminho que a Educação Sexual desbravou é repleto de marcos histórico. A década de 1980 tem esse destaque, por apresentar na mídia discussões sobre questões sexuais, principalmente com a descoberta da AIDS, assunto que repercutiu no contexto educacional e, junto com a gravidez na adolescência, passou a ser abordado a partir de projetos preventivos nas escolas públicas paulistas (Gagliotto, 2014). Inácio (2018) ressalta que as preocupações em relação às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e à gravidez na adolescência fizeram com que os projetos em sexualidade nas escolas ficassem voltados para a educação em saúde, o que reverbera, em 39 muitos casos, até os dias de hoje. Por outro lado, o século XX foi de notórios acontecimentos para uma abordagem mais abrangente da temática, por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), elaborado em 1997 com o objetivo de oferecer ensino e aprendizagem de temas emergentes com conteúdos específicos no currículo escolar. Nesse contexto, Maia e Ribeiro (2011) defendem um trabalho em Educação Sexual na escola, organizado, planejado e intencional, com metodologia e didática, para oferecer aos estudantes, não só orientação e informação, mas, acima de tudo, promover a discussão e reflexão sobre os valores e as concepções desses indivíduos acerca da sexualidade. Por isso, defendem a importância de uma intervenção realizada por profissionais formados e capacitados em Educação Sexual, para que as intervenções não recaiam em concepções do senso comum. É importante salientar que existem diferentes concepções no que se refere à sexualidade, dentre elas, a religiosa, a médica, a pedagógica e a emancipatória. A religiosa tradicional tem como base a formação cristã, em que o sexo é consentido ao casal heteroafetivo após o casamento; a concepção médica preocupa-se com a saúde sexual com ações terapêuticas e programas preventivos de saúde pública; a pedagógica foca no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos básicos relacionados à sexualidade, para que o indivíduo possa viver bem sua sexualidade; e a emancipatória, defendida nesse trabalho, compreende a educação sexual como um compromisso de transformação social, que busca refletir sobre as relações de poder, aceitação e respeito pelas diferenças, bem como resgatar a visão positiva da sexualidade (Brittos et al, 2013). Constantemente o trabalho nessa área é questionado, principalmente por representantes mais conservadores. Nesse sentido, é importante mencionar que existem documentos nacionais e internacionais que evidenciam e respaldam o trabalho em Educação Sexual. Citando alguns desses documentos, Ribeiro (2020) menciona o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, de 2003, revisado em 2006, Educar em direitos humanos é fomentar processos de educação formal e não formal, de modo a contribuir para a construção da cidadania, o conhecimento dos direitos fundamentais, o respeito a pluralidade e a diversidade sexual, étnica, racial, cultural, de gênero e de crenças religiosas (Ribeiro, p.19, 2020). Ribeiro (2020) apresenta também o documento da Organização Mundial de Saúde (OMS), que afirma que a sexualidade humana forma parte integral da personalidade de cada um, e que a sexualidade é, 40 (...) energia que motiva encontrar o amor, contato e intimidade, e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas, e como essas são tocadas (...) A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e integrações e, portanto, a saúde física e mental (Ribeiro, p.19, 2020). A lei 9.394 de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), também apresenta elementos que podem ser subsídios para o trabalho em educação sexual no contexto escolar. Logo em seu artigo 1º é apresentado, A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (Brasil, 2017). Portanto, por meio desses documentos, é possível viabilizar possibilidades do trabalho em Educação Sexual para o desenvolvimento positivo da sexualidade dos indivíduos desde a infância, na escola como também em outros espaços. Brittos, Santos e Gagliotto (2013) compreendem que a Educação Sexual que visa uma educação emancipatória busca a transformação social, por meio do desenvolvimento da autonomia com questões ligadas aos valores e comportamentos sexuais e que construam uma liberdade sexual, sem culpa e opressão, buscando suprimir o autoritarismo, eliminar os preconceitos sexuais, as desigualdades e as violências sexuais. Furlani (2016) apresenta oito princípios que torna a Educação Sexual possível desde a infância: 1º A Educação Sexual deve começar na infância e, portanto, fazer parte do currículo escolar. Nesse aspecto a autora defende que se o ensino prioriza a educação integral de crianças e jovens, naturalmente é preciso abordar assuntos sobre sexualidade, desde a educação infantil, do contrário, o ensino será parcial (Furlani, 2016, p.67). 2º As manifestações da sexualidade não se justificam apenas pelo objetivo da “reprodução”. A sexualidade tem a ver com autoconhecimento, com as sensações que o indivíduo vai experimentando desde a infância, a descoberta corporal, afetiva, as sensações prazerosas que o indivíduo vivencia, consigo mesmo, nas relações e socializações com o outro (Furlani, 2016, p.67). 3º A descoberta corporal é expressão da sexualidade. Nesse sentido, é comum crianças na etapa da educação infantil manipular seus genitais, isso é parte do desenvolvimento, a escola pode contribuir positivamente, não negando e punindo, mas 41 educando as crianças para aprender noções de intimidade, privacidade e consentimento, favorecendo para uma vida sexual saudável e responsável (Furlani, 2016, p.68). 4º Não deve haver segregação de gênero nos conhecimentos apresentados para meninos e meninas; portanto, a prática pedagógica da Educação Sexual deve acontecer sempre em coeducação. Ou seja, o ensino deve ser misto, priorizando a convivência entre meninos e meninas, proporcionando atividades pedagógicas coletivas nas quais compartilhem experiências subjetivas e materiais que trabalhem o respeito entre os gêneros, além de proporcionar experiências que questionem o sexismo, o machismo e a misoginia (Furlani, 2016, p.68). 5º Meninos e meninas devem/podem ter os mesmos brinquedos. A função do brinquedo e das brincadeiras é proporcionar à criança aptidões como coordenação motora, reflexos, visão lateral, também desenvolve a noção espacial que contribui para a organização e desenvoltura no trânsito, controle das emoções, resolução de conflitos, iniciativa, segurança, assertividade, responsabilidade, e, ainda, experimentam diferentes papéis sociais adultas de ser mãe, pai, professor, professora, irmão, irmã, responsável, etc. (Furlani, 2016, p.69). 6º A linguagem plural, usada na Educação Sexual, deve contemplar tanto o conhecimento científico quanto o conhecimento familiar/popular/cultural. Aqui o saber popular e científico se encontram. Na Educação Sexual é importante aprender a nomear as partes do corpo, inclusive as genitais, com o nome científico, sem descaracterizar a aprendizagem popular e familiar em relação às essas nomenclaturas (Furlani, 2016, p.69). Por exemplo, há muitos apelidos para a vulva: perereca, periquita, pepeca, etc.; e também para o pênis: pipi, torneirinha, etc. 7º Há muitos modos de a sexualidade e o gênero se expressarem em cada pessoa; é preciso ressignificar o sentimento de preconceito e discriminação e buscar desenvolvimento de forma positiva, buscando uma sociedade mais igualitária, de paz e solidariedade, menos violenta, pautando-se no reconhecimento dos direitos humanos (Furlani, 2016, p.69). 8º A Educação Sexual pode discutir valores como respeito, solidariedade, direitos humanos. As atividades pedagógicas devem levar as crianças a questionar e refletir sobre a importância do outro, nesse sentido trabalhar temáticas que façam reflexões sobre sexismo e machismo; misoginia e transfobia; racismo; etnocentrismo; homofobia, lesbofobia; e xenofobia (Furlani, 2016, p.70). Nessa perspectiva, a Educação Sexual assume um viés emancipatório e, de forma afetiva, a criança reconhece a si própria e a diversidade das outras pessoas do seu convívio, 42 possibilitando que seja ouvida por meio das reflexões, discutindo as relações de poder entre os gêneros e buscando sanar dúvidas em torno do tema sexualidade, além de desconstruir tabus, ensina autoproteção, consentimento, sentimentos bons e ruins, diferenças entre conversas desconfortáveis e toques abusivos de afeto. O diálogo sobre sexualidade respeitando as fases do desenvolvimento traz benefícios tanto na saúde física como na saúde emocional e é fundamental para a proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual (Silva, et. al. 2022) e pode-se dizer também no enfrentamento à cultura do estupro. Hoje, existem iniciativas e movimentos liderados por meninas nas próprias escolas, em busca do processo de emancipação feminina, como é possível constatar na reportagem “As meninas estão mudando a escola”, publicada da revista Nova Escola (2016). A reportagem destaca pequenos grupos de meninas em suas respectivas escolas fazendo reivindicações e lutas com bases feministas. A primeira história que a reportagem menciona é de um grupo de meninas que queria jogar futebol, mas os meninos dominavam a quadra e não as deixavam jogar e a partir desse episódio, meninas do 5º ano fizeram um protesto: entraram na quadra e gritaram “poder feminino” e desafiaram os meninos, conquistando o espaço para jogar. Outra história contada nessa reportagem trata-se de um coletivo de meninas de uma escola do Rio de Janeiro que foram assediadas na rua devido ao uniforme (saia e meia ¾). Em 2015 houve uma denúncia de violência sexual, em que a escola expulsou três alunos autores da violência e lançou uma nota responsabilizando os pais pela educação de seus filhos, esse episódio gerou protesto do coletivo, cobrando da escola um trabalho mais efetivo em relação ao que havia acontecido e não apenas transferir o problema. A reportagem também destacou um projeto chamado “NativasDigitais” que teve o intuito de conscientizar e quebrar barreiras das meninas em relação às profissões de exatas. Foi possível, neste contexto, perceber que os acontecimentos do dia a dia nas escolas, em questão, foram geradores desses movimentos. Entretanto, quando falamos de Educação Sexual e gênero, não necessariamente é preciso esperar que surjam situações-problemas para a intervenção, pois já é constatada a importância desse trabalho para o desenvolvimento humano e considerando a cultura do estupro (questão estrutural), constata-se a necessidade de desenvolver um trabalho de prevenção e que anteceda essas situações-problemas. Pesquisadores como Figueiró (2009), Maia & Ribeiro (2011), Gagliotto (2013), Ribeiro (2020), Furlani (2016), entre outros, defendem a Educação Sexual Emancipatória na escola, ainda que enfrente resistências pela camada mais conservadora da sociedade. 43 Botton e Strey (2018) salientam a importância de se trabalhar essas temáticas desde a infância, devido à plasticidade cerebral ser maior do que em qualquer outra fase de desenvolvimento, sendo assim, as aprendizagens cotidianas e as aprendizagens formais reorganizam o sistema nervoso da criança, provocando mudanças cerebrais e, consequentemente, no comportamento. As autoras defendem que os programas de empoderamento de meninas e mulheres e de promoção da igualdade de gênero sejam realizados desde a infância e não apenas na fase adulta. Educação essa que se pauta nos “critérios da igualdade entre os gêneros e na não discriminação, na valorização da diversidade, a fim de que mulheres e homens possam crescer conscientes que tem – e agir para realmente ter – os mesmos direitos e deveres em qualquer contexto social que se encontrem” (Botton & Strey, 2018, p.59). Ressalta-se que o empoderamento, nesse contexto, está relacionado às estratégias individuais e coletivas que promovam mudanças na situação de submissão feminina construída historicamente. Convergindo nesse pensamento, Ribeiro (2019) traz a contribuição de diferentes pesquisadores para o contexto educativo de crianças, adolescentes, adultos, pais, enfim, os diversos atores do universo escolar, em uma perspectiva de trabalhar a igualdade e equidade de gênero na escola com atividades simples de serem executadas, mas que promovam reflexões profundas. Como, por exemplo, abolir divisões de grupos pautadas em classificações binárias e sexistas, buscar acervos que valorizem e destaquem mulheres na ciência, considerando que, historicamente, as mulheres foram apagadas no que se referem a descobertas e conquistas de desenvolvimento e tecnologia. Em destaque, esse livro busca alcançar a formação continuada de professores, mas o seu conteúdo e propostas podem ser utilizados por diferentes profissionais, nos diferentes contextos que objetivam refletir sobre as relações de gênero e avançar no tratamento mais igualitário e de respeito entre as pessoas. Nessa perspectiva, existem alguns projetos que contribuem na formação emancipatória de meninas e meninos, como é o caso do projeto “Princesas de capa, heróis de avental: empoderando meninas e construindo masculinidades positivas” realizada no interior de Goiás em parceria com o Instituto CORES de forma lúdica, o projeto tem como objetivo estimular o pensamento crítico, enfrentar o machismo, as desigualdades e as violências, criar metodologias acessíveis para reflexão com crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos, buscando desconstruir estereótipos da princesa submissa e do herói agressivo e dominador, quebrando a lógica das violências de gênero e problematizando o que acorre em algumas histórias infantis. Na história “A Bela Adormecida”, por exemplo, é possível pensar se o beijo recebido do príncipe é uma expressão de afeto ou uma investida sem consentimento ou 44 em “A Bela e a Fera”, a Bela poderia realmente mudar o comportamento da Fera ou se trancar a princesa no castelo é um ato violento? Enfim, são problematizações que ativam a criticidade para romper o olhar romantizado para situações de violência (Arcari, 2019). Outro projeto, “Mulheres Inspiradoras”, idealizado por Gina Vieira Ponte de Albuquerque, professora de português, no Distrito Federal vem sendo implementado desde 2013. O projeto tem como objetivo fazer com que os alunos conheçam a biografia de 10 mulheres da literatura para apresentar aos demais, depois ir atrás de mulheres inspiradoras na vida deles (mães, avós, tias, vizinhas). Esse projeto ganhou prêmios nacionais e internacionais, está como programa piloto de políticas públicas em todas as escolas da rede pública do Distrito Federal (Vieira, 2017). Diante do exposto, evidencia-se a Educação Sexual como necessária e cientificamente potente desde a infância, já que nesse período são constantes as vivências e as descobertas relacionadas à sexualidade, que, aliás, não ficará estagnada, mas seguirá o seu percurso no processo de desenvolvimento do sujeito ao longo de sua vida. 45 6. FILMES COMO ARTEFATOS CULTURAIS E RECURSOS EDUCATIVOS A cultura por meio de diversos artefatos como propagandas, jornais, revistas, programas de TV, novelas e filmes diariamente apresentam maneiras de ser e de se comportar nos diferentes contextos sociais, além de produzir significados a respeito de família, sexualidade, gênero, etnia, justiça, consumo, enfim, elementos qu