Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Campus Ilha Solteira Departamento de Matemática Saulo Portes dos Reis Logaŕıtmos: uma proposta de ensino. Ilha Solteira-SP 2014 Saulo Portes dos Reis Logaŕıtmos: uma proposta de ensino Dissertação apresentada à Universidade Es- tadual Paulista, Campus de Ilha Solteira- UNESP como parte dos requisitos necessários para a conclusão do Mestrado Profissional em Matemática (PROFMAT). Profa. Dra. Silvia Regina Vieira da Silva Orientadora Ilha Solteira-SP 2014 Saulo Portes dos Reis Logaŕıtmos: uma proposta de ensino Dissertação apresentada à Universidade Es- tadual Paulista, Campus de Ilha Solteira- UNESP como parte dos requisitos necessários para a conclusão do Mestrado Profissional em Matemática (PROFMAT). Banca Examinadora Profa. Dra. Silvia Regina Vieira da Silva UNESP-Ilha Solteira Orientadora Profo.Dro. Lúıs Antonio Fernandes de Oliveira. UNESP-Ilha Solteira Profa.Dra. Andréia Cristina Ribeiro UFMS-Paranáıba Ilha Solteira-SP 2014 Resumo O presente trabalho apresenta uma proposta para o ensino do conceito de logaritmos a partir do contexto histórico de sua evolução. São abordadas duas perspectivas: a origem do logaritmos motivada pela necessidade de simplificar cálculos; a relação logaŕıtmica presente no cálculo da área de uma faixa da hipérbole. Nosso objetivo principal é deixar para o professor do ensino médio que, embora os lo- garitmos, hoje em dia, não sejam usados como “instrumento simplificador de cálculos”, a compreensão desse conceito se faz importante por suas propriedades descobertas posteri- ormente a sua invenção. Palavras Chave: História da matemática. Napier. Quadratura da hipérbole. Abstract This paper presents a proposal for teaching the concept of logarithms from the historical context of its evolution. Two perspectives are addressed: the origin of logarithms moti- vated by the need to simplify calculations; the use of logarithmic relationship to calculate the area of a zone hypérbole. Our main goal is that the teacher high school understand the logarithms, that although not calculations simplify (nowadays), understanding this concept becomes important by presenting others properties. Keyword: History of mathematics. Napier. Quadrature of hyperbole. Sumário 1 Introdução 8 2 Contexto histórico 11 2.1 A Prostaférese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2.2 Os Logaritmos de Napier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.3 Interpretação Geométrica dos Logaritmos de Napier . . . . . . . . . . . . . 18 2.4 Logaritmos Comuns . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 3 A quadratura da hipérbole 24 3.1 Fermat e as Parábolas Generalizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 3.2 A quadratura da hipérbole e uma propriedade fundamental . . . . . . . . . 29 4 Os Logaritmos como Função 32 4.1 Função Exponencial de Base a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 4.1.1 Função exponencial com 0 < a < 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 4.1.2 Função exponencial com a > 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 4.2 Função Logaŕıtmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 4.2.1 A Inversa da Função Exponencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 6 4.3 Mudança de base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 5 Logaritmo Naturais 42 5.1 Calculando Áreas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 5.2 Propriedades fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 5.3 Mudança de base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 6 Considerações Finais 49 A Funções Inversas 50 B Soma dos infinitos termos de uma PG 51 C Demonstração do Lema 4.1.1 52 Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 7 Caṕıtulo 1 Introdução Para que estudar isso professor? Onde é que eu vou usar isso na minha vida? Quem inventou isso não tinha o que fazer? Essas são algumas das frases que ouvi, quase diariamente, ao longo de oito anos mi- nistrando aulas de f́ısica e matemática. Cada vez que ouvia um desses questionamentos pensava em buscar algum meio de responder a essas questões e tornar o conceito mais atraente. Mas, será que devemos realmente responder a esses questionamentos? Minha experiência profissional indica que responder a essas questões evidenciando tecnologias e aplicações práticas do conceito não colaboram para aumentar o entusiasmo do aluno. No entanto, notei que sempre que apresentava curiosidades relacionadas a história da ciência (f́ısica e matemática) conseguia uma maior empolgação dos alunos. Vários exemplos cotidianos evidenciam as aplicações práticas do logaritmos hoje em dia: calcular quanto tempo uma determinada quantia em dinheiro leva para atingir um valor desejado, sendo captada a juros compostos; presumir o tempo de degradação de um determinado material orgânico; calcular a quantidade total de radiação emitida por um material radioativo; dentre outros. A literatura é rica em exemplos de aplicação dos logaritmos, sendo assim, nosso foco será na conceituação teórica do fenômeno. Já está amplamente documentado que a história da ciência e da matemática é um agente motivador e facilitador da aprendizagem de um conceito. Gosto muito de um comentário de Florian Cajori, no livro “ Uma História da Matemática”, no qual diz que 8 nenhuma disciplina é mais prejudicada do que a matemática quando dissociada de sua história. Seguindo essa linha de pensamento escolhemos o tema História da Matemática para o desenvolvimento desse trabalho. Para a escolha do tema a ser estudado fizemos uma busca nos acervos de dois progra- mas de Mestrado Profissional em Matemática: PUC-SP e UNESP-Rio Claro. No acervo da PUC-SP foram pesquisadas 140 trabalhos entre teses e dissertações (16 em 2005, 15 em 2006, 56 em 2007, 31 em 2009 e 22 em 2011), das quais oito tratavam do tema história da matemática. No acervo da UNESP-Rio Claro, encontramos dois trabalhos com o tema. Nenhum dos trabalhos pesquisados apresentava o tema LOGARITMOS. Ao ler o livro ”Logaritmos”de Elon Lages Lima, fiquei muito impressionado e entusi- asmado com a diferente abordagem dada ao conceito. Li o livro inteiro em uma tarde. To- davia, notei que o livro fazia apenas alguns comentários sobre o desenvolvimento histórico do conceito, sem aprofundar nas discussões. Isso motivou a escolha do tema do presente trabalho. Para um estudante do curso de matemática a função logaŕıtmica é conhecida e ampla- mente utilizada. No entanto, a origem do número “e”, base nos logaritmos naturais, não é discutida e provavelmente não é compreendida. Confesso que realmente compreendi a origem do número “e”durante o desenvolvimento do presente trabalho. Os livros didáticos apresentam o conceito de Logaritmo como sendo o expoente de um número escrito em uma determinada base. Ou seja, loga(b) = x⇔ b = ax, e x é dito o logaritmo de b na base a. A partir dessa definição são demonstradas as propriedades dos logaritmos. Minha experiência em sala de aula, indica que as maiores dificuldades dos alunos se encontram na compreensão (e consequentemente na utilização) das propriedades dos logaritmos: loga(x.y) = loga(x) + loga(y) loga( x y ) = loga(x)− loga(y) logax = logbx logba . 9 Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo mostrar como se deu a construção e a evolução histórica dos logaritmos, bem como apresentar uma descrição matemática desse conceito, para que o professor tenha um maior embasamento teórico. Procuramos demonstrar todos os resultados com uma descrição minuciosa de todas passagens. Todos os resultados aqui apresentados se encontram nos livros pesquisados (os quais estão lista- dos nas referências), de modo que, apenas em alguns resultados indicamos diretamente a fonte utilizada. 10 Caṕıtulo 2 Contexto histórico Poucas vezes na história da ciência uma nova ideia foi recebida com tanto entusiasmo e aceitação como foi com a invenção dos logaritmos . Uma ideia simples, porém muito prática, que economizou muito tempo dos cientistas da época (principalmente os astrônomos). Essa economia de tempo pode ter sido uma das razões que motivou a rápida aceitação e utilização desse novo conceito. No presente caṕıtulo, daremos uma descrição histórica dos fatos que levaram a cons- trução desse conceito. 2.1 A Prostaférese Não existe nada mais tedioso para um estudante do que ficar fazendo cálculos e mais cálculos para conferir resultados. Por sorte, dispomos de modernas calculadoras e compu- tadores, imagine como devia ser em meados do séc XVII, quando todos os cálculos eram realizados a pena e tinta. O crescente desenvolvimento intelectual dos séc XVI e XVII, em diversas áreas do conhecimento (astronomia, f́ısica, navegação,etc), anseava pela realização de cálculos cada vez mais elaborados e consequentemente mais complexos e demorados. A demora na realização desses cálculos exigia muito tempo dos cientistas da época, o que impedia que suas mentes se ocupassem de outros pensamentos. Era preciso algum método de 11 simplificar os cálculos, alguma forma de torná-los mais rápidos, e um dos métodos mais utilizados da época era a chamada prostaférese . Essa ideia consistia em usar tabelas de senos e cossenos para realizar operações de multiplicação e divisão com mais rapidez, uma vez que as fórmulas do seno e cosseno da soma e subtração de arcos já eram bem conhecidos. A seguir uma ilustração da aplicação das fórmulas para o desenvolvimento do método da prostaférese. Ilustração: Consideremos: sen(a+ b) = sen(a).cos(b) + sen(b).cos(a) sen(a− b) = sen(a).cos(b)− sen(b).cos(a) Adicionando as duas equações obtemos: sen(a+ b) + sen(a− b) = 2.sen(a).cos(b) Vamos utilizar a equação acima para calcular o produto entre 68, 4 e 9, 877 . i- Como a tabela de senos contém apenas valores menores que 1, utilizamos as relações 68, 4 = 0, 684 · 100 e 9, 877 = 0, 9877 · 10. ii- Calculamos 0,684 2 = 0, 342. iii- Procuramos na tabela de senos e cossenos, quais dos ângulos têm como seno 0, 342 e cosseno 0, 9877. Assim obtemos que : sen(20o) = 0, 342 cos(9o) = 0, 9877 iv-Note que: 68, 4 · 9, 877 = 0, 684 · 100 · 0, 9877 · 10 = 1000 · 0, 684 · 0, 9877 = 1000 · 2 · 0, 684 2 · 0, 9877. Utilizando a relação 0,684 2 = 0, 342 temos: 68, 4 · 9, 877 = 1000·2·0, 684 2 ·0, 9877 = 1000·2·0, 342·0, 9877 = 1000 · 2 · sen(20o) · cos(9o) 12 v- Resta calcular 2 · sen(20o) · cos(9o). Utilizando as relações demonstradas acima, obtemos: 2 · sen(20o) · cos(9o) = sen(20o + 9o) + sen(20o − 9o) = sen(29o) + sen(11o). Ao consultar a tabela de senos obtemos, sen(29o) = 0, 4848 e sen(11o) = 0, 1908, assim: 2 · sen(20o) · cos(9o) = sen(29o) + sen(11o) = 0, 4848 + 0, 1908 = 0, 6756 Portanto: 68, 4 · 9, 877 = 1000 · 2 · sen(20o) · cos(9o) = 1000 · 0, 6756 = 675, 6 Esse resultado é muito próximo de 675, 5868 (obtido por uma calculadora). A diferença entre o resultado obtido pela calculadora e o resultado obtida pela prostaférese se deve a tabela de senos e cossenos utilizada. As tabelas de senos e cossenos utilizadas na época eram bem precisas (algumas com 14 casas decimais), assim sendo, posśıveis erros obtidos pelo uso da prostaférese não eram relevantes. Ou seja, esse método (prostaférese) consiste basicamente em associar um produto a uma soma, o próprio termo prostaférese vem do grego e significa somar e subtrair. No entanto, a prostaférese apresenta a limitação de não ser muito útil em agilizar multiplicação com 3 ou mais fatores e utilizá-la na divisão exige algumas iterações a mais do que a multiplicação. Diante desse contexto, se alguém criasse alguma técnica que simplificasse esses cálculos, economizaria muito tempo para os cientistas da época, que poderia ser utilizado em outras atividades mais criativas, descrever as órbitas dos planetas em torno do sol, por exemplo. Encerramos essa seção com uma frase da pessoa que se propôs a encarar esse problema, e que apresentaremos na próxima seção: o matemático, f́ısico, teólogo e astrônomo escocês: John Napier(1550-1617): “Já que não existe nada mais enfadonho, colegas matemáticos, na prática da arte matemática do que o grande atraso sofrido no tédio de extensas multiplicações e di- visões, de encontrar razões, e na extração de ráızes quadradas e cúbicas-e os muitos 13 erros traiçoeiros que podem surgir: eu estive pensando, que arte segura eu pode- ria ser capaz de aperfeiçoar para tais mencionadas dificuldades. No final, após muito pensar, finalmente descobri uma surpreendente maneira de abreviar os pro- cedimentos...e é uma tarefa prazerosa apresentar o método para o uso público dos matemáticos.”[1] 2.2 Os Logaritmos de Napier John Napier era um nobre escocês que se preocupava mais com assuntos religiosos do que com matemática. Aliás, Napier se interessava somente por algumas áreas da matemática. Várias histórias sobre a personalidade de Napier estão registradas; uma nos diz que ele andava sempre com um galo coberto com fuligem. Essa fuligem era utilizada para desco- brir qual de seus empregados o roubava. Napier trancava seus empregados em um quarto escuro e pedia-lhes que passassem a mão na cabeça do galo, assim poderia descobrir quem era o meliante. O culpado, temendo ser descoberto não passava a mão no galo e saia com as mãos limpas. Conta-se ainda, que Napier previu que no futuro criar-se-iam armas capazes de acabar com toda a vida num raio de 6,4Km, uma carruagem com uma boca móvel de fogo ardente que causaria destruição por onde passasse, e um aparelho capaz de navegar por debaixo d’água com o intuito de destruir o que pudesse. Protestante e grande cŕıtico da igreja católica, Napier defendia que o papa era o anti cristo e que o dia do júızo final estava entre 1688 e 1700. Essas ideias religiosas foram publicadas e ele tinha certeza que garantira seu nome na história (pelo menos até 1700). Porém, contrariando suas expectativas, a fama de Napier não veio pelo seu ativismo religioso, ou por suas previsões catastróficas, mas pela invenção de uma técnica que mi- nimizaria os esforços dos cientista de várias gerações, OS LOGARITMOS. Descreveremos agora as ideias básicas da criação dos logaritmos. A ideia de Napier era associar os termos de uma progressão geométrica, aos termos 1Eli Maor, “e:a história de um número” 14 de uma progressão aritmética. Observando as sequências a seguir, 1, 2, 3, 4, 5, 6, ... q1, q2, q3, q4, q5, q6, ... notamos que os termos da primeira sequência formam uma progressão aritmética (P.A) de razão 1, enquanto que os termos da segunda sequência formam uma progressão geométrica (P.G) de razão q. Assim para o termo n da P.A, associamos o termo qn da P.G. Sempre que uma grandeza variar em progressão aritmética e simultaneamente outra grandeza variar em progressão geométrica, diremos que a relação entre essas grandezas é logaŕıtmica. Mas, como esse processo facilita operações? Vejamos um exemplo ilustrativo. Ilustração: Tomemos q = 2 na P.G. Temos então: P.A 1 2 3 4 5 6 7 8 9 P.G 21 22 23 24 25 26 27 28 29 P.G 2 4 8 16 32 64 128 256 512 Tabela 2.1: Ilustração PA e PG Se desejarmos multiplicar 16 por 32, basta notar que 16 = 24 e 32 = 25. Assim 16·32 = 24 · 25 = 24+5 = 29. Uma consulta a tabela (1.1) nos indica que 29 = 512, ou seja, 16·32 = 512. Então, para realizar a multiplicação 16 ·32 associamos a adição 4 + 5 das potências desses números escritos na base 2. Assim como no método da prostaférese, para resolver uma multiplicação (no caso 16 · 32) associamos uma adição (4 + 5) para simplificar o cálculo. Com um abuso de linguagem, diremos que esses métodos “transformam”multiplicações em adições. Embora não tenha usado o conceito de base, esse conceito está intŕınseco na ideia de Napier, cuja essência era, “transformar”adição em multiplicação, uma vez que somar é uma tarefa mais simples do que multiplicar. Com o mesmo método, Napier transformava uma divisão em uma subtração. Por exemplo, 512 : 32 = 29 : 25 = 29−5 = 24, pela tabela (2.1), 24 = 16. 15 As tabelas também podiam ser estendidas para expoentes negativos, ou seja, no nosso exemplo, não conter apenas múltiplos inteiros de 2. P.A -6 -5 -4 -3 -2 -1 1 2 3 4 5 6 7 P.G 2−6 2−5 2−4 2−3 2−2 2−1 21 22 23 24 25 26 27 P.G 1 64 1 32 1 16 1 8 1 4 1 2 2 4 8 16 32 64 128 Tabela 2.2: Ilustração PA e PG Vamos destacar alguns conceitos que nos serão úteis no transcorrer do trabalho. i-A propriedade de transformar multiplicação em adição e divisão em subtração de- correm das conhecidas regras de potenciação, qx · qy = qx+y qx : qy = qx−y ii- Um fato que decorre imediatamente da propriedade qx : qy = qx−y, é que os expoentes de números proporcionais diferem do mesmo valor, isto é, se a b = c d . Então a diferença entre os expoentes de a e b é igual a diferença entre os expoentes de c e d (tomados na mesma base). Por exemplo: 64 16 = 8 2 ⇒ 26 24 = 23 21 ⇒ 26−4 = 23−1 Como 6 − 4 = 3 − 1, temos a ilustração da propriedade citada. Veremos na próxima seção, que essa propriedade permite uma interpretação geométrica dos logaritmos de Napier. iii- O método apresentado, embora engenhoso, não apresentaria um ganho de tempo na realização de todos os tipos de operações, uma vez que, os valores tabelados correspondem apenas a potências de 2. Não seria posśıvel, por exemplo resolver 45 · 57. Para resolver este problema duas alternativas seriam posśıveis: utilizar expoentes fracionários; encontrar uma base para a qual as potências crescessem lentamente, isto é, 16 uma base próxima de 1. Como os expoentes fracionários não eram conhecidos na época de Napier, a segunda opção foi utilizada. Mas quão pequena seria essa base? O fato de que tabelas de senos e cossenos eram muito utilizadas pelos astrônomos da época, provavelmente fez com que Napier adotasse um número menor do que 1. Depois de passar anos pensando no problema Napier chegou a conclusão que deveria utilizar o número 1− 10−7 como base. Porém, para evitar o uso de frações decimais Napier utilizou um artif́ıcio muito comum para os astrônomos da época: dividir o raio do ćırculo unitário em uma quantidade conveniente de partes (107 no caso). No nosso exemplo (tabela 2.1) todo número N é escrito como uma potência de 2, ou seja, N = 2L para algum L. No caso de Napier temos: N = 107 · (1− 10−7)L. O fator 10−7 era para evitar o uso de frações decimais. Dáı a ideia de dividir o raio do ćırculo unitário em 107 partes. Assim a “razão comum”de todos os números seria (1−10−7). O expoente L Napier chamou de logaritmo do número N . O termo logaritmo significa número da razão. Vale ressaltar que essa definição de Napier não transforma multiplicação em adição. Por exemplo: seja N1 = 107 · (1− 10−7)L1 e N2 = 107 · (1− 10−7)L2 , assim, N1.N2 = 107·(1−10−7)L1·107·(1−10−7)L2 = 1014.(1−10−7)L1+L2 ⇒ N1.N2 107 = 107·(1−10−7)L1+L2 Assim a soma dos logaritmos L1 + L2 é o logaritmo de N1.N2 107 ao invés de ser o loga- ritmo do produto N1.N2. Mas essa pequena diferença não interfere na essência da ideia de Napier, o fator 107 foi inserido para evitar frações decimais, conforme dito anterior- mente.Como ilustração vamos determinar o logaritmo de 107. 107 = 107 · (1− 10−7)L ⇒ 1 = (1− 10−7)L ⇒ L = 0 Assim notamos que 0 é o logaritmo de 107. O mesmo procedimento nos indica que 1 é o logaritmo de 107(1− 10−7) = 9999999. 17 O próximo passo talvez tenha sido o menos empolgante da história da matemática. Napier criou uma tabela contendo uma quantidade de valores de logaritmos de senos que simplificasse os cálculos. No entanto seu reconhecimento foi quase que imediato. Assim que surgiram as primeiras tabelas de logaritmos, os cientistas as utilizavam com frequência. Napier publicou seu trabalho em 1614 com o t́ıtulo “Uma descrição da ma- ravilhosa regra dos logaritmos”. 2.3 Interpretação Geométrica dos Logaritmos de Na- pier Vamos agora apresentar a interpretação geométrica dada por Napier para seu sistema de logaritmos. Logo após mostraremos que, embora Napier não tenha comentado sobre base de um sistema de logaritmos essa idéia é inerente a sua criação. São dados um segmento de reta que chamaremos, convenientemente, de segmento PG (por estar relacionado a progressão geométrica) de 107 unidades de comprimento e uma semirreta que chamaremos de −→ PA (relacionado a progressão aritmética). Imagine dois corpos que se movem sobre PG e −→ PA, sendo que o primeiro se move com velocidade proporcional a sua distância ao ponto G e o segundo se move com velocidade constante. Vamos esclarecer melhor. O corpo que se move sobre PG tem em P uma velocidade igual a 107 unidades de comprimento por unidade de tempo. Essa velocidade vai diminuindo a medida que o corpo se aproxima de G. Sejam G1, G2, G3, ..., Gn os pontos por onde o corpo passa, de modo que o intervalo de tempo entre as passagens por G1 e G2 é o mesmo que o intervalo entre G2 e G3, G3 e G4 e assim por diante. Sejam 107 unidades de comprimento por unidade de tempo a velocidade com que o segundo corpo se move sobre a semirreta dada. Sejam A1, A2, A3, ..., An os pontos pelos quais o corpo que se move sobre −→ PA, de modo que quando o primeiro corpo passa por Gk o segundo corpo passa por Ak. Assim quando o primeiro corpo percorre o segmento PG1, o segundo percorre o segmento PA1. Quando o primeiro corpo percorre o segmento 18 PG2, o segundo percorre o segmento PA2. De um modo geral, quando o primeiro corpo percorre o segmento PGk, o segundo percorre o segmento PAk. Napier definiu, então, que o segmento PAk é o logaritmo do segmento GkG. Então, como exemplo temos que o segmento PA2 e o logaritmo do segmento G2G. Veja a figura (2.1). Figura 2.1: Ilustração Utilizaremos conhecimentos atuais para explorar as ideias de Napier. Note que o ponto P do segmento de reta PG está relacionado ao ponto P da semirreta −→ PA, assim o logaritmo de PG é o comprimento PP . Ou seja, log(PG) = 0, e como PG = 107, o resultado concorda com a afirmação feita na seção anterior (log(107) = 0). Seja λ o intervalo de tempo entre Gi e Gi+1. Então o intervalo de tempo entre as correspondentes passagens por Ai e Ai+1 também vale λ. Ou seja, se o corpo percorre PA1 em um tempo λ, então PA2 é percorrido em um tempo 2λ, uma vez que estabelecemos que o movimento é em progressão aritmética. Assim se PA1 = r, então PA2 = 2r, PA3 = 3r e de um modo geral PAk = k.r. Lembramos que PA1 é o logaritmo deG1G. Assim log(G1G) = PA1, log(G2G) = PA2, log(G3G) = PA3. De um modo geral log(GkG) = PAk. Sabemos ainda que PG = 107 unidades de comprimento. Temos que GG1 = q.PG, onde q < 1, GG2 = q2.PG, GG3 = q3.PG. De um modo geral GGk = qk.PG. A partir de todas informações anteriores, temos: GGm GGn = GGp GGt ⇒ qm.PG qn.PG = qp.PG qt.PG ⇒ qm−n = qp−t =⇒ =⇒ m− n = p− t. 19 Temos ainda, qm−n · PG = GGm−n e qp−t · PG = GGp−t, portanto log(qm−n · PG) = log(GGm−n) = PAm−n = (m− n) · r log(qp−t · PG) = log(GGp−t) = PAp−t = (p− t) · r. Então, m.r − n.r = p.r − t.r. Mas m.r = PAm = log(GmG), n.r = PAn = log(GnG), p.r = PAp = log(GpG) e t.r = PAr = log(GtG). Reunindo todas as considerações feitas, temos: GGm GGn = GGp GGt ⇒ log(GmG)− log(GnG) = log(GpG)− log(GtG) Esse resultado corresponde a observação feita na seção anterior de que os logaritmos de números proporcionais diferem do mesmo valor. Descrição com conhecimentos atuais Mostraremos agora que, embora Napier não tenha mencionado sobre uma base para seu sistema de logaritmos, que esse conceito está impĺıcito, embora oculto, em sua teoria. Na ilustração abaixo, seja PAi = x e GiG = y. Então pela definição de Napier, x = log(y). Figura 2.2: Ilustração Notamos que PGi = 107 − y 20 e assim a velocidade do corpo no ponto Gi é portanto d(PGi) dt = −dy dt . Mas pela definição de Napier a velocidade do corpo no ponto Gi era proporcional a y, então: dy dt = −y. Resolvendo a equação e considerando que em t0 = 0 a posição é 107, obtemos: dy dt = −y ⇒ ln(y)|y107 = −t⇒ ln(y) = −t+ ln(107). Por outro lado, temos que a velocidade em −→ PA é constante e vale 107, assim dx dt = 107 ⇒ x = 107.t Como, por definição, x = log(y) (no sentido de Napier), temos que:[2] 2.4 Logaritmos Comuns Como afirmado anteriormente, os logaritmos de Napier tiveram uma aceitação muito rápida na comunidade ciêntifica. E um dos que mais se entusiasmaram com a nova técnica de simplificar cálculos foi o primeiro professor de geometria do Gresham College, em Londres, Henry Briggs (1561-1630). O que impressionou Briggs foi o fato de que os logaritmos transformavam multiplicação em adição. Ou seja, log(x · y) = log(x) + log(y). 2Usamos nessas passagens as seguintes propriedades de logaritmos: 1- loga(b) = −loga(b−1) 2- loga(b) = −log 1 a (b) log(y) = 107.t = 107.(ln(107)− ln(y)) = 107.ln( 107 y ) = −107.ln( y 107 ) = ... ... = 107.log 1 e (y.107). 21 Todavia, os logaritmos de Napier apresentavam um problema: como a base utilizada era menor do que 1 (1 − 10−7 = 0, 9999999), os logaritmos diminúıam a medida que N aumentava. Basta observar: N1 > N2 ⇒ (1− 10−7)L1 > (1− 10−7)L2 ⇒ L2 > L1. Briggs tentou solucionar o problema considerando uma base ligeiramente maior que 1. Para exemplificar vamos supor que Briggs tivesse adotado a base 1, 00001, e determinar log(1, 76) e log(17, 6) nessa base.Utilizando uma calculadora obtemos 1.76 = 1.00001log(1,76) ⇒ log(1, 76) = 56531, 66 17.6 = 1.00001log(17,6) ⇒ log(17, 6) = 286791, 32. Briggs notou que, embora 17, 6 = 10 · 1, 76 os seus respectivos logaritmos não apre- sentavam nenhuma relação. Isso acontecia por que em sua base log(10) = 230259, 66, pois 10 = 1, 00001log(10) ⇒ log(10) = 230259, 66. Assim, se uma base como essa (1, 00001) fosse adotada, a construção de uma nova tabela seria muito demorada. Briggs então propôs que se adotasse log(10) = 1, pois assim, teŕıamos, log(10 · x) = log(10) + log(x)⇒ log(10 · x) = 1 + log(x). A vantagem dessa convenção está no fato de que utilizamos base 10 em nosso sistema de numeração, sendo assim, os logaritmos de 1, 76 e 17, 6 iriam diferir em apenas uma unidade. A t́ıtulo de ilustração, apresentamos os valores de log(1, 76) e log(17, 6) na base 10. log(1, 76) = 0, 245512677 log(17, 6) = 1, 245512677 Note que essa convenção, obriga-nos a adotar log(1) = 0, pois, log(10) = log(10 · 1) = log(10) + log(1). 22 Briggs se encontrou com Napier em 1615. E após um longo peŕıodo de admiração mútua [3], Briggs apresentou suas ideias. Nasciam áı os chamados logaritmos briggsianos ou logaritmos comuns.Napier acatou as ideias de Briggs, porém, com uma idade avançada, não tinha mais energia para construir uma nova tabela. Briggs se encarregou do trabalho. E em 1617 publicou uma tabela com os os logaritmos comuns de 1 a 1000, cada um com uma precisão de quatorze casas decimais. Em 1624, ampliou sua tabela calculando, também com quatorze casas decimais, os logaritmos de 1 a 20000 e de 90000 a 100000. Outros matemáticos se encarregaram de completar a tabela, porém com uma precisão de 10 casas decimais. 3Conta-se que eles ficaram 15 minutos se olhando antes que a primeira palavra fosse dita 23 Caṕıtulo 3 A quadratura da hipérbole Quadratura refere-se ao ato de encontrar a área de uma figura a partir da área de figuras conhecidas. Por exemplo, encontramos a área de um trapézio retângulo decompondo-o em um triângulo e um retângulo. Dessa forma, é posśıvel fazer a quadratura de qualquer poĺıgono, uma vez que todo poĺıgono pode ser “decomposto”em triângulos. Mas, e para fazer a quadratura de uma cônica? Discutiremos nesse caṕıtulo uma questão que envolve a aplicação direta dos logarit- mos: A Quadratura da hipérbole. Um fato interessante é que, embora Arquimedes tenha conseguido quadrar a parábola no século II antes de cristo, a quadratura da hipérbole só foi obtida pelo jesúıta belga Saint-Vicent em 1647. Arquimedes empregara o método da exaustão para calcular a área de um segmento parabólico. O método da exaustão, devido a Eudoxo, consistia em obter o valor através de uma dupla redução ao absurdo. Uma observação: o uso do termo quadratura para esses casos é um abuso de lingua- gem, uma vez que a quadratura envolve finitos passos, e é feita com recursos puramente geométricos. 3.1 Fermat e as Parábolas Generalizadas Pierre de Fermat foi um matemático francês nascido em 1601. Teve contribuições sig- nificativas em diversas áreas da matemática, como a probabilidade, geometria anaĺıtica 24 e teoria dos números. Por vezes Fermat é citado como o maior matemático francês do séc XVII. A presente seção tem por objetivo apresentar um dos problemas atacados por Fermat: a quadratura das curvas que, em notação atual, se escrevem como f(x) = xn, para n ∈ Z. Os métodos utilizados por Fermat se baseavam na ideia dos indiviśıveis de Cavallieri [1], uma ideia precursora do cálculo integral. A essência da ideia de Fermat, consiste em escrever “a área abaixo de uma curva”como soma de retângulos cada vez menores. Em linguagem atual podemos dizer que é a soma de infinitos retângulos, com as medidas de suas bases tendendo a zero. Vamos mostrar como Fermat procedeu para encontrar a área desse tipo de curva. Para n ∈ N essas curvas são chamadas de parábolas generalizadas. Primeiro vamos estabelecer que por “área abaixo da curva”f(x) = xn, entenderemos que é a área limitada pela curva, o eixo y e a reta x = a. Figura 3.1: Ilustração Vale ressaltar que o método apresenta algumas diferenças do método da exaustão utilizado pelos gregos, e em particular, utilizado por Arquimedes para a quadratura da parábola. Enquanto os gregos se preocupavam em achar o valor da área, o método de Fermat não encontrava um valor numérico, e sim uma expressão anaĺıtica para o cálculo; enquanto os gregos utilizavam todos os tipo de figuras para preencher a área a ser calculada, Fermat utilizava apenas retângulos. 1Esse método consiste em obter o volume de um sólido a partir da soma de infinitas porções cada vez menores 25 Para calcular a área, primeiramente Fermat marcou pontos no eixo x em progressão geométrica. Ou seja primeiramente marcou o ponto a e após adotou uma razão q < 1 e marcou o ponto q · a. Após o ponto q2 · a, q3 · a e assim por diante. A figura (3.2) ilustra o procedimento adotado por Fermat. Figura 3.2: Ilustração Agora o processo consiste em calcular a área de cada retângulo e somar todas as áreas obtidas. 1o Retângulo: A base mede a − a · q = a · (1 − q) e a altura mede an. Assim, denotando por A1 a medida dessa área, temos: A1 = a · (1− q) · an = an+1 · (1− q). 2o Retângulo: A base mede a · q − a · q2 = a · q · (1 − q) e a altura mede (a · q)n. Denotando por A2 a medida dessa área, temos: A2 = a · q · (1− q) · (a · q)n = a · q · (1− q) · an · qn = an+1 · qn+1 · (1− q). 3o Retângulo: A base mede a · q2 − a · q3 = a · q2 · (1− q) e a altura mede (a · q2)n. Denotando por A3 a medida dessa área, temos: A3 = a · q2 · (1− q) · (a · q2)n = a · q2 · (1− q) · an · q2n = an+1 · q2·(n+1) · (1− q). 4o Retângulo: A base mede a · q3 − a · q4 = a · q3 · (1− q) e a altura mede (a · q3)n. Denotando por A4 a medida dessa área, temos: A4 = a · q3 · (1− q) · (a · q3)n = a · q3 · (1− q) · an · q3n = an+1 · q3·(n+1) · (1− q). 26 De um modo geral, temos: i-ésimo Retângulo: A base mede a · qi−1 − a · qi = a · qi−1 · (1− q) e a altura mede (a · qi−1)n. Denotando por Ai a medida dessa área, temos: Ai = a · qi−1 · (1− q) · (a · qi−1)n = a · qi−1 · (1− q) · an · q(i−1)n = an+1 · q(i−1)·(n+1) · (1− q). Assim a área de todos retângulos seria: Atotal = ∞∑ i=1 Ai = ∞∑ i=1 an+1 · q(i−1)·(n+1) · (1− q). Utilizando as propriedades de somatório, chegamos a: Atotal = an+1 · (1− q) ∞∑ i=1 q(i−1)·(n+1) = an+1 · (1− q) ∞∑ i=1 [q(n+1)]i−1. Seja λ = q(n+1), como q < 1, então λ < 1. Portanto o somatório ∞∑ i=1 λi−1 se reduz a soma dos infinitos termos de uma PG com razão menor do que 1, ou seja[2], ∞∑ i=1 λi−1 = 1 1− λ . Temos então: Atotal = an+1 · (1− q) ∞∑ i=1 [q(n+1)]i−1 = an+1 · (1− q) 1− q(n+1) Mas, 1− q(n+1) = (1− q) · (qn + qn−1 + qn−2 + ...+ 1), e portanto, Atotal = an+1 · (1− q) (1− q) · (qn + qn−1 + qn−2 + ...q1 + 1) = an+1 qn + qn−1 + qn−2 + ...q1 + 1 Fermat percebeu que Atotal se aproximava da área da curva a medida que q se aproxi- mava de 1. Se chamarmos a área abaixo da curva de Ac, na notação atual teremos, Ac = lim i→∞ Atotal = an+1 n+ 1 . Um estudante de cálculo reconhece a expressão encontrada por Fermat, uma vez que,∫ a 0 xn = xn+1 n+ 1 |a0 = an+1 n+ 1 . 2A demonstração desse resultado se encontra no apêndice B 27 Assim, Fermat encontrou de uma só vez uma expressão que permitia fazer a “quadra- tura”de uma famı́lia de curvas (no caso as parábolas generalizadas). Uma outra classe de curvas estudadas por Fermat, foram as hipérboles generalizadas. Essas são curvas do tipo y = x−n, n ∈ N. Essas curvas são diferentes das parábolas generalizadas, uma vez que seus valores funci- onais vem do infinito e vão decrescendo sem nunca interceptar o eixo x. Uma descrição detalhada do método empregado por Fermat foge aos objetivos desse trabalho, uma vez que o método é muito parecido com o empregado anteriormente. Sendo assim, pautaremos nos resultados obtidos e, principalmente nos problemas encontrados. Com uma sutil modificação no método empregado para as parábolas generalizadas, Fermat conclui que a fórmula Ac = an+1 n+1 também era válida para para as hipérboles generalizadas, no entanto duas ressalvas devem ser feitas: i- a área a ser determinada partia de um ponto x = a e se estendia para o infinito; ii- o valor obtido após aplicar a equação é negativo, no entanto a área era o módulo desse valor. Assim, se n ∈ N, então a área limitada pelas retas x = a, y = 0 e pela curva y = x−n seria dada por: Ac = − a−n+1 −n+ 1 Figura 3.3: Ilustração Ilustração:Vamos resolver para n = 2 e comparar com os métodos atuais. Assim, devemos calcular a área subtendida entre as retas x = a, y = 0 e a curva 28 y = x−2 = 1 x2 . De acordo com a expressão encontrada por Fermat, temos, Ac = − a−2+1 −2 + 1 = −a −1 −1 = 1 a Utilizando conhecimentos de cálculo integral temos: Ac = ∫ +∞ a x−2dx = lim k→∞ ∫ k a x−2dx = lim k→∞ ( −1 k − −1 a ) = 1 a A expressão também verificou-se válida para n ∈ Q, conforme analizado algum tempo depois por Fermat e o matemático britânico Jonh Wallis. Apesar de todo sucesso obtido pelas expressões de Fermat, havia um problema; a fórmula falhava para a curva y = x−1 = 1 x , uma vez que, se tentássemos aplicar os resultados de Fermat a essa curva obteŕıamos, Ac = − a−1+1 −1 + 1 = −1 0 . Essa curva (y = x−1) é uma hipérbole, curva a qual Arquimedes não conseguiu fazer a quadratura. Resolver esse problema coube a um padre jesúıta belga contemporâneo de Fermat: Gregory Saint-Vincent. 3.2 A quadratura da hipérbole e uma propriedade fundamental Gregory Saint-Vincent não é um nome muito conhecido entre os estudantes de ma- temática, sua principal atividade era quadrar ćırculos. No entanto, verificou-se que sua quadratura para esse caso era falsa. Ao tentar quadrar a hipérbole, Saint-Vicent percebeu que se construisse retângulos semelhantes aos usados por Fermat nas parábolas generali- zadas, esses retângulos possuiriam áreas iguais. [3]. Vamos analizar esse fato. Observando a figura (3.4) (fora de escala), vamos calcular as áreas dos retângulos apresentados. 3Não podemos afirmar que Saint-Vincent foi o primeiro a notar esse fato, uma vez que suas obras foram publicadas com certo atraso. 29 Figura 3.4: Ilustração 1o Retângulo: A base mede a−a ·q = a ·(1−q) e a altura mede 1 a . Assim, denotando por A1, a medida dessa área, temos: A1 = a · (1− q) · 1 a = 1− q. 2o Retângulo: A base mede a · q − a · q2 = a · q · (1− q) e a altura mede 1 a·q . Assim, denotando por A2 a medida dessa área, temos: A2 = a · q · (1− q) · 1 a · q = 1− q. 3o Retângulo: A base mede a · q2−a · q3 = a · q2 · (1− q) e a altura mede 1 a·q2 . Assim, denotando por A3 a medida dessa área, temos: A3 = a · q2 · (1− q) · 1 a · q2 = 1− q. 4o Retângulo: A base mede a · q3−a · q4 = a · q3 · (1− q) e a altura mede 1 a·q3 . Assim, denotando por A4 a medida dessa área, temos: A4 = a · q3 · (1− q) · 1 a · q3 = 1− q. De um modo geral, temos: i-ésimo Retângulo: A base mede a · qi−1 − a · qi = a · qi−1 · (1− q) e a altura mede 1 a·qi−1 . Assim, denotando por Ai a medida dessa área, temos: Ai = a · qi−1 · (1− q) · 1 a · qi−1 = 1− q. 30 Note que, conforme as distâncias no eixo x crescem em uma PG, a área total calculada cresce em PA. Para a figura (3.4) vamos considerar que a · q4 seja o primeiro termo de uma PG de razão 1 q > 1 (uma vez que q < 1). A esse termo associaremos o número 0. Assim, o segundo termo da PG seria a · q3, ao qual associamos a área do 4o retângulo. Ao próximo termo da PG associamos a soma das áreas do 3o e 4o retângulos, e ao próximo a soma das áreas do 2o, 3o e 4o retângulo, e assim sucessivamente. Colocamos os resultados na tabela a seguir: PG a · q4 a · q3 a · q2 a · q a Áreas associadas 0 1− q 2 · (1− q) 3 · (1− q) 4 · (1− q) Tabela 3.1: Ilustração PA e PG Portanto, partindo de um ponto de referência (no nosso caso a · q4) a distância a esse ponto cresce em PG, enquanto que as áreas associadas crescem em PA. Ou seja, existe uma relação logaŕıtmica entre as grandezas já citadas. Quem descreveu essa relação explicitamente foi um aluno de Saint Vincent, Alfonso de Sarasa. Essa foi a primeira descrição do uso do logaritmo como função, pois até então os logaritmos só eram utilizados como ferramentas de cálculo. Encerramos aqui a discussão histórica dos logaritmos, acreditamos que esse conhe- cimento pode facilitar o professor no entendimento das funções logaŕıtmicas, a seguir apresentamos duas descrições das funções logaŕıtmicas, a segunda (caṕıtulo 5) utiliza a ı́deia de área abaixo de uma hipérbole. Essa idéia permite o melhor entendimento dos chamados logaritmos naturais (os de base e). 31 Caṕıtulo 4 Os Logaritmos como Função Para descrevermos os logaritmos como função, necessitamos antes de apresentar outra função: a exponencial. A ideia central é apresentar a função logaŕıtmica como função inversa da função exponencial. Para isso o apêndice B faz uma breve descrição dos conceitos envolvendo funções inversas. 4.1 Função Exponencial de Base a Faremos nessa seção uma “construção”da função exponencial, partindo de três proprie- dades básicas. Sendo assim definimos, Definição 4.1.1 Seja a um número real positivo e diferente de 1. Chamaremos de função exponencial de base a, a função f : R −→ R+ que satisfaça as seguintes propriedades: i- f(1) = a ii-Para x, y ∈ R, f(x+ y) = f(x).f(y) iii-Para a > 1, x < y ⇒ f(x) < f(y); para 0 < a < 1, x < y ⇒ f(x) > f(y). 32 A definição dada acima implica que f(x) nunca se anula, pois se existisse algum n no domı́nio, para o qual f(n) = 0 a função se anularia em todos os pontos do domı́nio. Observe: f(x) = f(x+ n− n) = f(n+ x− n) = f(n).f(x− n) = 0.f(x− n) = 0. O ı́tem (iii) da definição é necessário para que possamos garantir f(x) existe para x ∈ R−Q (irracionais). Note que essa definição implica que a função exponencial “transforma”somas em mul- tiplicação, uma ideia contrária a de Napier ao criar os logaritmos. A definição dada acima nos permite reconhecer duas propriedades da função expo- nencial. No entanto, essa definição precisa ser mais explorada para que nos ofereça uma maneira de obter os valores funcionais de f . Bom, vamos por partes. 1a Parte: Cálculo de f(x) para x ∈ N. Para x = 1 temos f(1) = a pela própria definição. Para x = 2 temos f(2) = f(1 + 1) assim f(2) = f(1).f(1) = a2. Esses dois resultados sugerem a fórmula f(x) = ax para x ∈ N. Já vimos que a fórmula é válida para x = 1, então supondo que exista um k ∈ N tal que f(k) = ak, vamos calcular f(k + 1). f(k + 1) = f(k).f(1) = ak.a = ak+1. Assim, por indução, conclúımos que f(x) = ax para todo x ∈ N. Vamos admitir que a fórmula f(x) = ax seja válida em todo o domı́nio de f , e inter- pretar seu significado para cada subconjunto de R. 2a Parte: f(0) =? Seja x ∈ N. Note que f(x) = f(x+0) = f(x).f(0). Como por definição f(x) 6= 0 para todo x no domı́nio, segue que: f(0) = f(x) f(x) = 1, assim conclúımos que f(0) = a0 = 1. 33 3a Parte: Cálculo de f(x) para x ∈ Z. Como já resolvemos para os números naturais e o número 0, resta apenas definirmos para os inteiros negativos. Assim, seja x ∈ N, vamos calcular f(−x). Sabemos que f(0) = 1, assim: f(0) = f(x+ (−x))⇒ 1 = f(x).f(−x)⇒ f(−x) = 1 f(x) ⇒ f(−x) = a−x = 1 ax . 4a Parte: Cálculo de f(x) para x ∈ Q. Seja x = p q para p ∈ Z e q ∈ N. Consideraremos f(x) = ax e vamos interpretar o resultado. Assim: f ( p q ) = a p q . Consideremos k = a p q , então kq = ap. Como q é um número natural e ap > 0, podemos extrair a raiz q-ésima dos dois lados da equação, obtendo assim: k = q √ ap = f ( p q ) . 5a Parte:Cálculo de f(x) para x ∈ R−Q. Para esse caso, não existe uma expressão matemática para obter os valores funcio- nais de f , esses valores são obtidos por aproximação em programas computacionais. No entanto, o ı́tem (iii) da definição nos garante a existência de tal valor funcional. Para essa demonstração enunciaremos o lema a seguir, o qual está demonstrado no apêndice C. Lema 4.1.1 Fixado o número real a 6= 1, em todo intervalo de R+ existe alguma potência ar, com r ∈ Q Sem perda de generalidade vamos supor a > 1, assim supondo r, s ∈ Q temos: r < x < s⇒ f(r) < f(x) < f(s)⇒ ar < f(x) < as. Assim, conclúımos que f(x) é um número cujas aproximações por excesso são as e as aproximações por falta são ar. Ora, não existem dois números diferentes com essas pro- 34 priedades, pois caso existissem dois números, R, S(com R < S), com essas propriedades, o intervalo [R, S] não conteria nenhuma potência racional de a, contrariando o lema. 4.1.1 Função exponencial com 0 < a < 1 Seja f : R −→ R+, f(x) = ax com 0 < a < 1. Na figura 4.1 apresentamos o gráfico de um caso particular com a = 1 2 . A partir do gráfico visualizamos duas propriedades que Figura 4.1: Gráfico de f(x) = (1 2 )x assumiremos como verdadeiras sem demonstrá-las. - a função é monótona injetiva decrescente; - função é sobrejetiva. 4.1.2 Função exponencial com a > 1 Seja f : R −→ R+, f(x) = ax com a > 1. Na figura 4.2 apresentamos o gráfico de um caso particular com a = 2. Como no caso anterior, podemos visualizar duas propriedades, que assumiremos como verdadeiras sem demonstrá-las. São elas: - a função é monótona injetiva crescente; 35 Figura 4.2: Gráfico de f(x) = 2x - a função é sobrejetiva . O propósito desse trabalho é explorar os logaritmos, sendo assim, cesso aqui a discussão sobre funções exponenciais, visto que já temos todos os resultados necessários para atingir nossos objetivos. 4.2 Função Logaŕıtmica Partindo das ideias de Napier, construiremos uma função com a principal propriedade de “transformar”produtos em soma. Denotaremos essa função por L. Também mostraremos a sugestão que Briggs deu a Napier, de considerar o logaritmo de 1 como 0,será satisfeita. Definição 4.2.1 Chamaremos de função logaŕıtmica, a função L que satisfaça a propri- edade: L : R+ − {0} −→ R, L(x.y) = L(x) + L(y) Note que L(0) não está definido. A sugestão de Briggs é satisfeita, pois, L(1) = L(1.1)⇒ L(1) = L(1) + L(1)⇒ L(1) = 0 36 A definição acima permite que possamos estabelecer propriedades da função logaŕıtmica, assim, qualquer função definida dessa maneira apresentará essas propriedades. Apresen- taremos essas propriedades como um teorema. Teorema 4.2.1 Para todos x, y ∈ R+−{0} a função logaŕıtmica L, satisfaz as seguintes propriedades: i- L ( 1 x ) = −L(x) ii-L ( x y ) = L(x)− L(y) iii-L(xn) = n.L(x), para todo n ∈ R− {0} Demonstração: i- Sabemos que x.x−1 = 1, assim L(1) = 0⇒ L(x.x−1) = 0. Utilizando a propriedade dos logaritmos temos, L(x.x−1) = L(x) + L(x−1)⇒ L(x) + L(x−1) = 0⇒ L(x−1) = −L(x), mas x−1 = 1 x , assim L ( 1 x ) = −L(x) ii- Sabemos que x y = x.y−1. Assim, L(x y ) = L(x.y−1) = L(x) + L(y−1). Mas, pela propriedade (i) segue que L(y−1) = −L(y), então L ( x y ) = L(x)− L(y) . A demonstração do ı́tem (iii) é mais elaborada e será feita em três etapas. Primei- ramente consideraremos n como um número natural, após consideraremos n como um número inteiro e então entraremos no caso de n ser racional. A generalização para n irracional será feita com o argumento da completude dos números reais. 1o Caso n ∈ N: Vamos demonstrar pelo prinćıpio da indução. Ora, o resultado é óbvio para n = 1, uma vez que L(x1) = L(x) = 1.L(x). Seja k ∈ N um número tal que L(xk) = k.L(x). 37 Então L(xk+1) = L(xk.x) = L(xk)+L(x). Mas, pela hipótese de indução L(xk) = k.L(x), assim: L(xk+1) = L(xk) + L(x) = k.L(x) + L(x)⇒ L(xk+1) = (k + 1).L(x) Então está provado o resultado para n ∈ N. Vale ressaltar que essa demonstração exige uma abstração matemática que os alunos do ensino médio, em geral, não tem, uma vez que não trabalham com prinćıpio de indução nesse estágio. Sendo assim, proponho uma apresentação desse resultado da maneira a seguir. Ora, L(x1) = 1.L(x), L(x2) = L(x.x) = L(x) + L(x) = 2.L(x), L(x3) = L(x2.x) = L(x2) + L(x) = 2.L(x) + L(x) = 3.L(x). Note que essa apresentação do resultado não é uma demonstração matemática, no entanto, para compreendê-la o aluno deverá compre- ender e utilizar a propriedade que caracteriza a função logaŕıtmica, o fato de “transfor- mar”produtos em somas. 2o Caso n ∈ Z− {0}: Seja n ∈ N, então −n ∈ Z. Então, L(x−n) = L((x−1)n). Como n ∈ N temos que, L((x−1)n) = n.L(x−1). Assim: L(x−n) = L((x−1)n)⇒ L(x−n) = n.L(x−1) = n.[−L(x)]⇒ L(x−n) = −n.L(x) E o resultado é válido para todos números inteiros (exceto o 0). Note que essa demonstração necessita apenas de conceitos aprendidos no ensino médio, sendo de extrema importância o conhecimento das propriedades de funções exponenciais. 3o Caso n ∈ Q− {0}: Seja n = p q ∈ Q, onde p ∈ Z e q ∈ N. Temos que: L(xn) = L(x p q ) = p.L(x 1 q ). Precisamos agora caracterizar a expressão L(x 1 q ). Seja k = x 1 q , então kq = x. Então temos L(x) = L(kq) = q.L(k)⇒ L(k) = L(x 1 q ) = 1 q .L(x). Assim; L(xn) = L(x p q ) = p.L(x 1 q ) = p q .L(x) 38 Essa última propriedade nos mostra o “poder se simplificação”dos logaritmos, pois torna o cálculo de‘extração raizes em cálculo de multiplicações. Note por exemplo que √ 7 = 7 1 2 , assim L( √ 7) = L(7 1 2 ) = 1 2 .L(7). O caso em que x é um número irracional é tratado na próxima seção. Apesar de termos caracterizado a função logaŕıtmica, ainda não possúımos uma expressão para calcular seus valores funcionais, a próxima seção estabelecerá um teorema que torne posśıvel esse cálculo. 4.2.1 A Inversa da Função Exponencial Na seção anterior definimos a função exponencial de base a. Seja f tal função, então: f : R −→ R+ f(x) = ax. Lembrando que a > 0. Então vamos definir a função inversa da função exponencial e provar que ela é uma função logaŕıtmica. Denotaremos a inversa de f por loga. Então da definição de função inversa, temos que: loga : R+ −→ R loga(a x) = x Apresentaremos agora um teorema que relaciona funções logaritmos com a inversa[1] de uma função exponencial. Teorema 4.2.2 Seja g : R+ −→ R uma função monótona injetiva (isto é crescente ou decrescente),tal que g(x.y) = g(x)+g(y) para quaisquer x, y ∈ R+. Então existe um a > 0 tal que g(x) = loga(x) para todo x ∈ R+. 1O apêndice A faz uma breve descrição dos conceitos envolvendo funções inversas. 39 Demonstração:Vamos demonstrar o teorema considerando g crescente. O outro caso é análogo. Temos que g(1) = g(1.1) = g(1)+g(1)⇒ g(1) = 0. Vamos supor que exista um a ∈ R+ tal que g(a) = 1. Como g é crescente, temos que a > 1, pois g(a) = 1 > 0 = g(1). Seja f(x) = ax, a inversa de f é loga. Dado m ∈ N, temos que f(m) = am e loga(a m) = m, vamos calcular g(am). g(am) = g(a.a.a...a) = g(a) + g(a) + ...+ g(a) = m.g(a) = m, assim g(am) = m. Temos também que g(1) = g(am.a−m) = g(am) + g(a−m)⇒ g(1) = 0 = m+ g(a−m)⇒ g(a−m) = −m Assim g(ax) = loga(a x) para x ∈ Z. Vamos agora considerar x ∈ Q. Seja x = p q . Então q.x = p, assim; p = g(ap) = g(aq.x) = g((ax)q) = q.g(ax), assim, p = q.g(ax)⇒ p q = g(ax)⇒ x = g(ax). Podemos então concluir que g(ax) = loga(a x) para x ∈ Q. Ora como g(ax) = loga(a x) para todos os racionais, o lema 4.1.1 nos permite estender o resultado para os irracionais, assim embora não possúımos uma fórmula expĺıcita para o cálculo de logaritmos de números irracionais, sua existência é garantida. Vamos agora mostrar que a hipótese adicional de que deva existir um a tal que g(a) = 1, não é necessária. Comecemos supondo que exista uma função h : R+ −→ R, crescente que transforma produtos em somas, isto é, h(x.y) = h(x) + h(y), como h é crescente, temos que h(1) = 0 e h(2) = b > 0. Constrúımos então a função g(x) = h(x) b transforma produtos em somas e ainda g(2) = 1. Pelo exposto anteriormente, temos que g(x) = log2(x), então: g(x) = log2(x)⇒ x = 2g(x) ⇒ x = 2 h(x) b ⇒ x = (2 1 b )h(x), 40 se considerarmos a = 2 1 b temos que x = ah(x), ou seja, h(x) = loga(x), e o teorema está demonstrado. Então temos que os valores funcionais da função logaŕıtmica são obtidas através da inversa da função exponencial. 4.3 Mudança de base Esta seção destina-se a apresentar uma forma de mudar a base de um logaritmo. Seja logab = x, então a discussão precedente nos garante que ax = b. Como a função lo- gaŕıtmica é injetiva, pois é a inversa de uma função exponencial, temos que: ax = b⇒ logca x = logcb, para qualquer c > 0 e diferente de 1. Assim: ax = b⇒ logca x = logcb⇒ x.logca = logcb⇒ x = logab = logcb logca . Esse método é muito utilizado na resolução de equações diferenciais ordinárias, uma vez que ∫ 1 x dx = ln(x) + cte, onde ln(x) é o logaritmo em uma base “especial”, a qual passaremos a estudar. 41 Caṕıtulo 5 Logaritmo Naturais Daremos nesse caṕıtulo uma nova abordagem do conceito de logaritmos, usando os con- ceitos de área de uma faixa da hipérbole estudados por Saint Vincent e Alfonso de Sarasa. Antes vamos apresentar as notações que a serão utilizadas. Chamaremos de A(a, b) a área da região compreendida entre as retas x = a, x = b, y = 0 e a hipérbole y = 1 x . Figura 5.1: Área da região compreendida entre as retas x = a, x = b e a hipérbole y = 1 x 5.1 Calculando Áreas Essa seção destina-se a obter uma aproximação de A(1, 2) e de A(1, 3). A escolha desses intervalos não é aleatória e ficará mais clara no decorrer do trabalho. Dividiremos o processo em duas aproximações: por falta e por excesso. 42 Aproximação por excesso i- Intervalo (1, 2) Vamos começar dividindo o intervalo em retângulos de mesma base, escolhemos como base 0, 2, isto é xi+1 − xi = 0, 2. Assim teremos: x0 = 1, x1 = 1.2, x2 = 1, 4, e assim por diante, até x10 = 3. Como desejamos uma aproximação por excesso, tomamos a altura do retângulo como sendo f(xi), uma vez que f(xi) > f(xi+1). Vale notar que quanto menor a base tomada melhor será a aproximação, no entanto, apenas queremos exemplificar, e para esse propósito a consideração feita é suficiente. Figura 5.2: Aproximação por Excesso Vamos então calcular a área de cada retângulo apresentado e somá-las para assim obter a aproximação desejada. Denotaremos por Ai a área do retângulo que tem por altura f(xi) e por Aexcesso1 a soma das áreas de todos os retângulos no intervalo (1, 2) . Assim Ai = 0, 2 · f(xi). Então: Aexcesso1 = 4∑ i=0 Ai = 0, 2 · 4∑ i=0 f(xi)⇒ ... ...⇒ Aexcesso1 = 0.2 · (f(x0) + f(x1) + f(x2) + f(x3) + f(x4))⇒ ... ...⇒ Aexcesso1 = 0.2 · ( 1 1 + 1 1, 2 + 1 1, 4 + 1 1, 6 + 1 1, 8 ) ⇒ ... ...Aexcesso1 = 0, 7456 43 Então temos que A(1, 2) < Aexcesso1 = 0, 7456. ii- Intervalo (1, 3) Para obter a aproximação por excesso de A(1, 3) basta somar as áreas dos 5 retângulos restantes. Assim, denotando essa aproximação por Aexcesso2 temos: Aexcesso2 = Aexcesso1+ 9∑ i=5 Ai = Aexcesso1+0.2 ·(f(x5)+f(x6)+f(x7)+f(x8)+f(x9))⇒ ... ...⇒ Aexcesso2 = Aexcesso1 + 0, 2 · ( 1 2 + 1 2, 2 + 1 2, 4 + 1 2, 6 + 1 2, 8 ) ⇒ ... Aexcesso2 = 0, 7456 + 0, 4225 = 1, 1682 Então temos que A(1, 3) < Aexcesso2 = 1, 1682 Aproximação por falta O processo de aproximação por falta é análogo ao anterior, ou seja, tomaremos retângulos iguais de base 0, 2 calcularemos todas as áreas e somaremos. Porém, tomaremos como altura do retângulo f(xi+1). Figura 5.3: Aproximação por Falta i- Intervalo (1, 2) 44 Assim, designando por Afalta1 a soma das áreas dos retângulos e por Ai o retângulo que tem altura f(xi+1), teremos: Afalta1 = 4∑ i=0 Ai = 0, 2 · 4∑ i=0 f(xi+1)⇒ ... ...⇒ Afalta1 = 0.2 · (f(x1) + f(x2) + f(x3) + f(x4) + f(x5))⇒ ... ...⇒ Afalta1 = 0.2 · ( 1 1, 2 + 1 1, 4 + 1 1, 6 + 1 1, 8 + 1 2 ) ⇒ ... ...Afalta1 = 0, 6456 Então A(1, 2) > Afalta1 = 0, 6456. ii- Intervalo (1, 3) Para obter a aproximação por falta de A(1, 3) basta somar as áreas dos 5 retângulos restantes. Assim, denotando essa aproximação por Afalta2 temos: Afalta2 = Afalta1 + 9∑ i=5 Ai = Afalta1 + 0.2 · (f(x6) + f(x7) + f(x8) + f(x9) + f(x10))⇒ ... ...⇒ Aexcesso2 = Aexcesso1 + 0, 2 · ( 1 2, 2 + 1 2, 4 + 1 2, 6 + 1 2, 8 + 1 3 ) ⇒ ... Afalta2 = 0, 6456 + 0, 3892 = 1, 0348 Então temos que A(1, 3) > Afalta2 = 1, 0348. 5.2 Propriedades fundamentais Uma propriedade observada por Saint Vincent era que, na construção de retângulos para fazer aproximação das áreas, retângulos de bases proporcionais possúıam áreas iguais, ou seja, A(a, b) = A(k.a, k.b). A demonstração formal desse resultado foge aos objetivos do trabalho, uma vez que envolve somas de Rieemam, aqui vamos apenas utilizar o resultado para definir uma função relacionada a A(a, b). Da relação anterior, se tomarmos k = 1 a podemos concluir que: A(a, b) = A ( 1, b a ) . Note que, para qualquer c ∈ R, tal que 1 < c < a, temos: A(1, a) = A(1, c) + A(a, c)⇒ A(1, a) = A(1, c) + A ( 1, c a ) 45 Figura 5.4: A(1,a)=A(1,c)+A(a,c) Ora, vamos considerar a troca de variáveis, a = b · c, assim a relação anterior torna-se: A(1, a) = A(1, b.c) = A(1, c) + A ( a, b.c c ) ⇒ =⇒ A(1, b.c) = A(1, c) + A(1, b)⇒ A(1, b.c) = A(1, b) + A(1, c) O resultado obtido acima foi obtido por Alfonso de Sarasa, a relação entre a área abaixo da hipérbole y = 1 x e os valores no eixo x é uma função logaŕıtmica, uma vez que associa o produto b · c a soma b+ c, definimos então função logaŕıtmica natural ln, cujos valores funcionais são obtidos através da relação: ln(x) = A(1, x) Assim, para x, y ∈ R com x, y > 1 podemos escrever: ln(x · y) = ln(x) + ln(y) A(1, 1) = 0 = ln(1) Falta apenas definir ln(x) para x < 1. Seja c um número real maior do que 0 e menor do que 1. Então definimos: A(1, c) = −A(c, 1) = −A ( 1, 1 c ) Essa propriedade equivale a propriedade i do teorema 3.2.1 , pois: A(1, c) = −A ( 1, 1 c ) ⇒ ln(c) = −ln ( 1 c ) Assim ln é uma função logaŕıtmica, pois satisfaz todas as propriedades descritas no caṕıtulo anterior. A(1, x · y) = A(1, x) + A(1, y)⇒ ln(x · y) = ln(x) + ln(y) 46 A(1, 1) = 0⇒ ln(1) = 0 A(1, c) = −A ( 1, 1 c ) ⇒ ln(c) = −ln ( 1 c ) Todas as considerações acima permitem concluir que ln é uma função logaŕıtmica, então torna-se inevitável questionar: qual a base desse sistema de logaritmos? Uma outra formulação da mesma questão seria: se ln é uma função logaŕıtmica, então ela é a inversa de alguma função exponencial. Qual é a base dessa função exponencial? Briggs escolhera 10 como base para seus logaritmos, e uma consequência inevitável era que log(10) = 1 e 10x é a função exponencial inversa dos logaritmos brigssianos. Assim, a resposta aos questionamentos apresentados consiste em encontrar algum número real e, para o qual ln(e) seja igual a 1. Os resultados obtidos na seção anterior nos permitem concluir que: 0, 6456 < A(1, 2) < 0, 7456 1, 0348 < A(1, 3) < 1, 1682 Ora, a área A(1, 2) é menor do que 1, a área A(1, 3) é maior do que 1 então podemos concluir que o número real procurado se encontra entre 2 e 3. O número procurado é um número irracional é chamado número de Euller, seu valor aproximado é e = 2, 76. Uma discussão aprofundada do número e foge aos objetivos desse trabalho, e portanto queremos apresenta-lo apenas como uma base natural, obtida quando definimos o logaritmo como a área de uma faixa da hipérbole. 5.3 Mudança de base Estudamos até agora a hipérbole y = 1 x , no entanto, a equação y = k x também representa uma hipérbole, (onde k > 0). Ora, a escolha k = 1 é um caso particular e a mais natural posśıvel, dáı o nome logaritmos naturais. Ora, se fizermos a quadratura da hipérbole y = k x de modo similar ao feito anteriormente, a construção de retângulos irá diferir apenas na altura dos retângulos anteriores por um fator k,. Assim a área da hipérbole 47 y = k x também é uma função logaŕıtmica loga(x) para algum a que, obviamente, depende de k. Como a construção de retângulos na hipérbole k x irá diferir apenas na altura dos retângulos da hipérbole y = 1 x por um fator k, a área total também irá diferir desse mesmo fator k, ou seja, a área na hipérbole considerada é de k.ln(x). Assim, loga(x) = k.ln(x) Ora, loga(a) = 1, assim, k = 1 ln(a) , ou seja, loga(x) = ln(x) ln(a) . Assim, obtemos uma forma de obter o logaritmo em uma base qualquer, utilizando apenas a base e. 48 Caṕıtulo 6 Considerações Finais Durante os estudos para a realização desse trabalho, notamos que quanto mais me apro- fundávamos na história dos logaritmos, mais compreendia sobre o conceito, dessa forma, indicamos ao professor que utilize de uma abordagem histórica desse conceito. Entender os problemas que motivaram a invenção dos logaritmos (transformar multiplicações em adições) pode ser muito útil na utilização da propriedade: loga(x.y) = loga(x) + loga(y). Assim como entender que o logaritmo natural é a área de uma faixa da hipérbole pode favorecer a compreensão da origem da base “e”dos logaritmos naturais, bem como sua irracionalidade. Acreditamos que para uma melhor compreensão dos logaritmos, as duas exposições aqui tratadas (caṕıtulo 3 e 4) devem ser abordadas em sala de aula e exploradas pelo professor, uma vez que o ensino desse conceito permite um aprofundamento em outros conceitos da matemática, tais como: função inversa, áreas e números irracionais. Não exploramos aqui os fenômenos descritos pelas funções logaŕıtmicas (decaimento radioativo, crescimento populacional,etc) uma vez que a proposta desse trabalho não é apresentar um método de ensino e sim dar embasamento teórico para o professor. Enten- demos que esse trabalho deve ser usado como um material de consulta e um aux́ılio para a elaboração da aula. 49 Apêndice A Funções Inversas Uma função f : A −→ B possui uma função inversa g : B −→ A, se são satisfeitas as seguintes condições: i- f é injetiva, ou seja, x 6= y ⇒ f(x) 6= f(y) ii- f é sobrejetiva, ou seja, qualquer que seja y ∈ B, existe um x ∈ A tal que, f(x) = y iii- f(x) = y ⇒ g(y) = x. A grosso modo, a função inversa g, faz o “caminho inverso de f”. Ou seja, se a função f associa o valor b ao elemento a do domı́nio, então a função g atuando em b, terá seu valor funcional como a. Vamos discutir a necessidade de se impor as condições i e ii. Note que o contradomı́nio de f (conjunto B), é o domı́nio da função g. Assim, para que g esteja bem definida, g tem que atuar em todos os valores do conjunto B. Como g atua apenas nos valores funcionais de f , esses valores devem preencher todo o conjunto B, dáı a necessidade de se impor que f seja sobrejetiva. Se f não fosse injetiva, então existiriam a1 e a2 pertencentes ao conjunto A, tais que f(a1) = f(a2) = b. Todavia, se isso ocorrer, ao calcularmos g(b), dois valores funcionais seriam encontrados (a1 e a2 no caso), fato que contraria a hipótese de g ser função. 50 Apêndice B Soma dos infinitos termos de uma PG Consideremos uma P.G de razão q e primeiro termoa. Assim, seus termos são: a1 = a; a2 = a.q; a3 = a.q2; a4 = a.q3, ..., an = a.qn−1 Denotando por Sn a soma dos n primeiros termos da PG temos: Sn = a+ a.q + q2 + a.q3 + a.q4 + ...+ a.qn−1 (B.1) Multiplicando a equação (7.1) por q temos: q.Sn = a.q + q2 + a.q3 + a.q4 + ...+ a.qn−1 + a.qn (B.2) Subtraindo 7.2 de 7.1, Sn.(q − 1) = a.(qn − 1)⇒ Sn = a.(qn − 1) q − 1 (B.3) Para q < 1, lim n→∞ = a 1− q . Assim a soma dos infinitos termos de uma PG de razão menor que 1 vale a 1−q . 51 Apêndice C Demonstração do Lema 4.1.1 Lema: Fixado o número real a 6= 1, em todo intervalo de R+ existe alguma potência ar, com r ∈ Q Dados 0 < A < B,devemos encontrar r ∈ Q tal que A < ar < B. Sem perda de generalidade consideremos A e a maiores do que 1. Sabemos que para expoentes naturais, as potências de a são crescentes, uma vez que adotamos a > 1. Assim, existe algum natural M , tal que, A < B < aM . Também existe n ∈ N tal que: 1 < a < (1 + B − A aM )n Na ultima relação, elevando todos os membros da desigualdade a 1 n temos: 1 < a 1 n < 1 + B − A aM ⇒ 0 < aM(a 1 n − 1) < B − A. Assim, m n < M ⇒ 0 < a m n (a 1 n − 1) < B − A⇔ 0 < a m+1 n − a m n < B − a Assim, as potências a0; a 1 n , a 2 n , ..., aM são extremos de intervalos consecutivos, todos de comprimento menor do que B − A. Como [A,B] ⊂ [1, aM ], pelo menos um desses extremos, digamos a m n , está contido no intervalo [A,B]. 52 Referências Bibliográficas [1] Lima.E.L. Logaŕıtmos, (5a edição), Coleção do Professor de Matemática, SBM, 2013. [2] Lima. E. L., Carvalho P.C.P , Wagner. E., Carvalho. A.C A Matemática do Ensino Médio, Volume 1,(5aedição), Coleção do Professor de Matemática, SBM, 2000. [3] Lima. E.L Meu Professor de Matemática, (6a edição), Coleção do Professor de Ma- temática, SBM, 2012. [4] Maor. E. e: a história de um número, (7a edição),RECORD, 2012. [5] Stewart. I. Equações que Mudaram o Mundo, (3a edição), ZAHAR, 2010. [6] Cajobi. F Uma História da Matemática, Ciência Moderna, 2007. [7] Eves.H. Introdução a História da Matemática, (5a edição), Unicamp, 2010. [8] Roque.T, Carvalho. J.B.P Tópicos de História da Matemática, (1a edição), SBM, 2012. 53