Minieditorial Influência do Tratamento com Doxorrubicina no Metabolismo da Heme em Cardiomioblastos: Estudo In Vitro Influence of Doxorubicin Treatment on Heme Metabolism in Cardiomyoblasts: An In Vitro Study Mariana Gatto1 e Gustavo Augusto Ferreira Mota1 Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista - Unesp,1 Botucatu, SP - Brasil Minieditorial referente ao artigo: Os Efeitos da Doxorrubicina na Biossíntese e no Metabolismo do Heme em Cardiomiócitos Correspondência: Mariana Gatto • Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho- Campus de Botucatu Faculdade de Medicina - Rua Prof. Armando Alves, s/n. CEP 18618-687, Rubião Júnior, Botucatu, SP – Brasil E-mail: mariana.gatto@unesp.br Palavras-chave Doxorrubicina/uso terapêutico; Antraciclinas; Miócitos Cardíacos; Heme; Hemoglobina E/metabolismo. As últimas décadas vem sendo marcadas com potencial avanço no diagnóstico e terapia contra o câncer, gerando queda acentuada na mortalidade e aumento da sobrevida dos pacientes.1 A doxorrubicina é um fármaco que pertence à família das antraciclinas, uma classe de drogas anticâncer extraídas da estreptomicina.2 Embora o mecanismo de ação deste fármaco no câncer seja complexo, sabe-se que ele interfere na síntese de DNA e RNA além de induzir a produção de radicais livres que prejudicam a membrana celular e o DNA.3 Entretanto, muitos dos quimioterápicos utilizados no protocolo de tratamento das neoplasias induzem diversos efeitos colaterais, entre eles a toxicidade cardíaca e repercussões negativas no sistema vascular como isquemia trombolítica, hipertensão arterial, disfunção ventricular e insuficiência cardíaca.1,4 O efeito cardiotóxico da doxorrubicina é dose-dependente e o principal mecanismo de toxicidade é a indução de estresse oxidativo no miocárdio, com produção elevada de espécies reativas do oxigênio (ROS) e nitrogênio (RNS) que engatilham danos no DNA e desregulação de vários processos intracelulares.5 A molécula heme medeia a disponibilidade do ferro e é essencial para inúmeros processos biológicos nos organismos aeróbicos. No sistema cardiovascular desempenha papel crucial na defesa antioxidante, transdução de sinal, transporte de oxigênio, estocagem de hemoglobina e transporte de elétrons mitocondriais.6 No metabolismo da heme participam quatro enzimas mitocondriais e quatro citoplasmáticas. Para a síntese da heme, a glicina e a succinil coenzima A são condensadas no ácido δ-aminolevulínico (ALA) pela enzimas sintases de ácido aminolevulínico (ALAS), conhecidas como ALAS1 e ALAS2.7 Já a degradação da heme é realizada por enzimas denominadas heme oxigenase (HOX), que produzem monóxido de carbono, biliverdina e ferro. A isoenzima HOX-1 regula condições fisiológicas normais enquanto que a isoenzima HOX-2 protege células do estresse oxidativo.8 Por outro lado, estudos experimentais mostraram que elevação dos níveis da proteína heme estão relacionados com aumento do estresse oxidativo e toxicidade em cardiomiócitos.9,10 No entanto são escassos na literatura trabalhos que verificaram a influência das antraciclinas no metabolismo da proteína heme em cardiomiócitos. Nesse sentido, o estudo publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia desta edição teve como finalidade explorar as mudanças na biossíntese da heme em linhagem de cardiomiócitos tratados com doxorrubicina.11 Para isso os autores avaliaram mudanças no perfil proteico e gênico das enzimas ALAS1, ALAS2, HOX-1 e HOX-2 em culturas de cardiomiócitos H9C2 tratadas com diferentes concentrações do fármaco por 24 horas.11 Os autores demonstraram que o tratamento com doxorrubicina aumentou significativamente os níveis de heme e que as enzimas ALAS1 e ALAS2 se comportaram de maneiras distintas. Menores doses de doxorrubicina inibiram a expressão de ALAS1 nos cardiomiócitos H9C2 e os autores sugerem que seja um mecanismo de feedback negativo, para prevenir a toxicidade celular induzida por níveis elevados de heme. Quando a dose do fármaco foi aumentada, a expressão de ALAS1 também aumentou, resultado corroborado por estudo prévio.12 Os níveis de ALAS2 foram decaindo conforme a dose da doxorrubicina era aumentada e os autores propuseram que este mecanismo é um efeito para contra regular o elevado nível de heme. Em relação às enzimas HOX-1 e HOX-2, ambas apresentaram o mesmo comportamento a nível gênico, com expressão aumentada em relação ao controle quando doses maiores do fármaco foram utilizadas. A nível proteico foram detectados níveis aumentados de HOX-1 somente com as doses mais elevadas do medicamento enquanto HOX-2 apresentou aumento dos níveis de maneira dose- dependente.11 Os pesquisadores sugeriram que os resultados relacionados ao perfil proteico de HOX-1 e HOX-2 pode ser devido a diferenças nos mecanismos de regulação dessas enzimas. Além disso, existem poucos estudos que verificaram a relação de HOX-2 e doxorrubicina em cardiomiócitos. Embora a doxorrubicina seja amplamente utilizada, muitos dos seus mecanismos cardiotóxicos permanecem incertos. A pesquisa em que se baseia esse minieditorial mostrou que o tratamento com esse medicamento em cardiomiócitos modula de maneira distinta os níveis gênicos e proteicos de enzimas cruciais da síntese e degradação das proteínas heme. Estudos futuros são necessários para elucidar o exato papel dessas enzimas em cardiomiócitos sob o tratamento com doxorrubicina. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200662 323 https://orcid.org/0000-0002-3115-0795 https://orcid.org/0000-0001-8103-3338 mailto:mariana.gatto@unesp.br Minieditorial Gatto e Mota Influência da doxorrubicina na heme em cardiomiócitos Arq Bras Cardiol. 2021; 116(2):323-324 1. Cappetta D, De Angelis A, Sapio L, Prezioso L, Illiano M, Quaini F, et al. Oxidative Stress and Cellular Response to Doxorubicin: A Common Factor in the Complex Milieu of Anthracycline Cardiotoxicity. Oxid Med Cell Longev. 2017;2017:1–13. 2. 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Referências Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da licença de atribuição pelo Creative Commons 324