Câmpus de São José do Rio Preto RAFAEL ENRICO CARVALHO BRAGUETO REMOÇÃO DE ARSÊNIO POR OXIDAÇÃO SOLAR (SORAS) SÃO JOSÉ DO RIO PRETO 2020 RAFAEL ENRICO CARVALHO BRAGUETO REMOÇÃO DE ARSÊNIO POR OXIDAÇÃO SOLAR (SORAS) Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Química, junto ao Programa de Pós-Graduação em Química do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Financiadora: CAPES Orientador: Prof. Dr. Mario Henrique Gonzalez. SÃO JOSÉ DO RIO PRETO 2020 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto. Dados fornecidos pelo autor. Essa ficha não pode ser modificad RAFAEL ENRICO CARVALHO BRAGUETO REMOÇÃO DE ARSÊNIO POR OXIDAÇÃO SOLAR (SORAS) Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Química, junto ao Programa de Pós-Graduação em Química do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Financiadora: CAPES COMISSÃO EXAMINADORA Prof. Dr. Mario Henrique Gonzalez (UNESP/São José do Rio Preto – SP) Orientador Prof. Dr. Edilene Cristina Ferreira (UNESP/Araraquara – SP) Prof. Dr. Andrea Pinto de Oliveira (UFPR/Curitiba – PR) SÃO JOSÉ DO RIO PRETO 3 de julho de 2020 AGRADECIMENTOS À Deus, pela saúde e graças concedidas para que a realização deste trabalho fosse possível. Aos meus pais, minha família e amigos, que se fizeram presentes tão quanto possível, que celebraram os momentos bons e ofereceram suporte nos momentos de maior dificuldade. Ao meu orientador, professor doutor Mario Henrique Gonzalez, pela convivência, pelo aprendizado e que mesmo frente a adversidades no decorrer do trabalho, nunca deixou de confiar em mim e sempre me ajudou para que eu pudesse fazer o meu melhor. Ao IBILCE, funcionários e grupo de pesquisa, pela estrutura, pelo companheirismo e pelo saber adquirido durante o período em que estive vinculado à instituição. À Luciana, minha esposa, que esteve ao meu lado nesta jornada incrível, a qual chamamos de vida, exemplo de pessoa, de profissional e que me deu o maior e mais desafiador dos presentes, nosso filho Arthur. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior – Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP – processos 19/22113-8; 17/18531-3 e 15/08873-9) e do Instituto Nacional de Tecnologias Alternativas para Detecção, Avaliação Toxicológica e Remoção de Micropoluentes e Radioativos - INCT- DATREM (Fapesp – 14/509454 e CNPq 465571/2014-0). “Sic Parvis Magna” (NAUGHTY DOG et.al., 2016) RESUMO O arsênio é um elemento que pode estar presente em diversas regiões e em alguns destes locais sua ocorrência pode ser natural, presente em minérios e por atividade geogênica, ou pela ação antropogênica pelo emprego de pesticidas, preservantes de madeira e rejeitos de mineração. Os grandes e médios centros urbanos geralmente contam com um sistema de tratamento de água eficiente, que fornece um produto de qualidade para os habitantes, porém há locais remotos ou com menor infraestrutura, que não dispõem destas tecnologias e podem apresentar águas destinadas ao consumo humano com níveis de arsênio acima do recomendado (10 µg L-1) por diversos órgãos de fiscalização e controle, tais como Organização Mundial de Saúde (OMS), e Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Diante do problema exposto, faz-se necessário o desenvolvimento de métodos e processos alternativos de tratamento de água que sejam eficientes e acessíveis, de modo a garantir o acesso universal a água de qualidade. Este trabalho teve como objetivo a avaliação e otimização do processo empregando a radiação solar para remoção de arsênio conhecido por SORAS (Remoção de Arsênio por Oxidação Solar) e também de um método alternativo, empregando uma câmara de foto oxidação com lâmpada simulando a radiação solar. Inicialmente, foi realizada a triagem das quatro variáveis envolvidas: concentrações de ferro e de citrato, fonte de citrato e ângulo de incidência solar através de um planejamento fatorial completo 24. O ajuste fino do sistema foi realizado por meio de planejamento Doehlert, sendo que as melhores condições determinadas para remoção de As foram 8 mg L-1 de Fe e 32 mg L-1 de citrato com um ângulo de incidência solar de 90 graus. Sob condições otimizadas, foram realizadas a validação do modelo proposto e a aplicação em amostras reais com o uso de radiações solar e artificial, alcançando-se remoções de 100% em amostras sintéticas e de aproximadamente 79% em amostras reais, após um único período de irradiação. A espectrometria de massas com plasma indutivamente acoplado (ICP- MS) mostrou-se eficiente na determinação de arsênio nas amostras avaliadas neste projeto, apresentando boa precisão e exatidão, confirmados pelas análises do material de referência certificado (MRC) NIST1640a. Palavras chave: Remoção de arsênio; Fotocatálise; Química Verde; Planejamento fatorial; ICP-MS. ABSTRACT Arsenic is an element that may be present in several regions and in some of these locations it happens by natural sources, in ores and by geogenic activity, or by anthropogenic activity by the use of pesticides, wood preservatives and mining tailings. The great and medium urban centers generally have an efficient water treatment system, that supplies high quality water to the population, however, there are remote places or those with less infrastructure, that doesn’t possess those technologies, might present drinking water with arsenic levels above the recommended (10 µg L-1) by several fiscalization and control institutions, such as World Health Organization (WHO) and Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Facing the exposed problem, it is necessary to develop alternative, efficient and accessible water treatment methods, to ensure the universal access to high quality water sources. This study aimed to optimize the arsenic removal method known as SORAS (Solar Oxidation and Removal of Arsenic) and also an alternative method using a photo oxidation chamber with a lamp simulating the solar radiation. Initially, a screening of the four variables were made: iron and citrate concentrations, citrate source and solar radiation incidence angle through complete factorial planning 24. The fine adjustment was performed by Doehlert planning and the best conditions to As removal were 8 mg L-1 of iron and 32 mg L-1 of citrate with solar radiation incidence angle of 90 degrees. Under optimized conditions, the proposed model validation and application in real samples were done, with solar and artificial radiations, achieving 100% removal in synthetic samples and approximately 79% in real samples, after a single irradiation period. The Inductively coupled plasma mass spectrometry (ICP-MS) was efficient in the total arsenic determination in the samples evaluated in this project, showing great precision and accuracy, confirmed by reference certified material (RCM) NIST 1640a analisys. Keywords: Arsenic Removal; Photocatalysis; Green Chemistry; Factorial planning; ICP-MS. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Principais espécies de arsênio. .................................................................. 16 Figura 2. Espécies de ácido arsenioso de acordo com o pH em ambientes redutores. .................................................................................................................................. 17 Figura 3. Espécies de ácido arsênico de acordo com o pH em ambientes oxidantes. .................................................................................................................................. 17 Figura 4. Número de publicações por ano sobre “Arsenic Removal” na base de dados Web of Science. ............................................................................................. 21 Figura 5. Países com maior número de publicações sobre “Arsenic Removal” que constam na base de dados Web of Science. ............................................................ 22 Figura 6. Mapa bibliométrico de co-ocorrência de palavras chave a partir dos 3155 resultados. ................................................................................................................. 23 Figura 7. Principais processos e reações envolvidas no processo SORAS. ............. 26 Figura 8. Espectro solar no topo da atmosfera da Terra e bandas de luz UV, visível e IV. .............................................................................................................................. 30 Figura 9. Incidência Solar Global do Estado de São Paulo. ...................................... 33 Figura 10. Irradiação das amostras na do planejamento fatorial completo. .............. 39 Figura 11. Demonstração esquemática dos ângulos de incidência de irradiação 0; 45 e 90 graus. ................................................................................................................ 41 Figura 12. (a) Projeto e (b) construção da câmara de foto oxidação. ........................ 42 Figura 13. Radiação Solar Global (W/m²) nos dias de irradiação de amostras. ........ 46 Figura 14. Curvas de calibração das etapas (a) planejamento fatorial completo 24, (b) avaliaçã do modo KED, (c) planejamento Doehlert e (d) validação do modelo e aplicação em amostras reais, com suas respectivas equações e coeficientes de correlação (R2). ......................................................................................................... 47 Figura 15. Formação dos precipitados após (a) o período de irradiação e (b) o período de repouso da primeira otimização. ............................................................. 49 Figura 16. Gráfico dos efeitos padronizados do planejamento fatorial completo 24. . 51 Figura 17. Formação de precipitado após irradiação/repouso. ................................. 52 Figura 18. Precipitados formados pela adição de FeCl3 (a) e Fe(NH4)2(SO4)2.6H2O (b). ............................................................................................................................. 53 Figura 19. Mecanismo proposto das reações que ocorrem no processo SORAS no presente estudo. ........................................................................................................ 54 Figura 20. Configuração do experimento Doehlert para as três variáveis avaliadas. 56 Figura 21. Gráfico de superfície traçado a partir do planejamento fatorial do tipo Doehlert. .................................................................................................................... 59 Figura 22. Gráfico da concentração de ferro total em solução versus tempo nas três condições. ................................................................................................................. 60 Figura 23. (a) Amostras Irradiadas pela luz solar ao final do experimento e (b) destaque da formação de corpo de fundo na amostra. ............................................. 61 Figura 24. Amostras submetidas à condição Escuro ao final do experimento. ......... 61 Figura 25. Gráfico do pH versus tempo nas três condições. ..................................... 62 Figura 26. Gráfico da porcentagem de remoção de arsênio versus tempo nas três condições. ................................................................................................................. 63 Figura 27. Gráfico de paretos das concentrações de arsênio nos tempos iniciais e overnight após a irradiação em câmara de foto oxidação e luz solar. ....................... 65 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Comparação das técnicas utilizadas na remoção de arsênio. .................. 25 Tabela 2. Condições experimentais e resultados do processo SORAS empregadas em trabalhos publicados............................................................................................ 28 Tabela 3. Configuração dos 16 experimentos do planejamento fatorial completo 24. .................................................................................................................................. 37 Tabela 4. Parâmetros alterados nos experimentos intermediários. .......................... 39 Tabela 5. Configuração do planejamento Doehlert. .................................................. 40 Tabela 6. Parâmetros instrumentais e de aquisição de dados utilizados nas análises por ICP-MS. ............................................................................................................... 44 Tabela 7. LOQ E LOD calculados nas diferentes etapas de experimentos. ............. 48 Tabela 8. Taxas de remoção de arsênio nos modos padrão e KED utilizadas no teste t de Student. ..................................................................................................... 48 Tabela 9. Taxas de remoção de arsênio total (%) e variáveis avaliadas de acordo com o planejamento fatorial 24 .................................................................................. 50 Tabela 10. Taxas de remoção de arsênio a partir de diferentes fontes de ferro. ...... 53 Tabela 11. Taxas de remoção de arsênio total (%) das amostras do planejamento fatorial do tipo Doehlert. ............................................................................................ 57 Tabela 12. Taxas de remoção de arsênio previstas pelo modelo gerado e obtidas empiricamente. .......................................................................................................... 58 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária As(III) Arsenito As(V) Arseniato Cit Citrato CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente DMA Ácido dimetilarsínico DPR Desvio padrão relativo GIQAV Grupo de Inovação em Química Analítica Verde iAs Arsênio inorgânico ICP-MS Espectrometria de massas com plasma acoplado indutivamente IGAM Instituto Mineiro de Gestão de Águas INMETRO Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia KED Discriminação por energia cinética LOD Limite de detecção LOQ Limite de quantificação MMA Ácido monometilarsônico MQep Média quadrática do erro puro MQfaj Média quadrática da falta de ajuste MQR Média quadrática da regressão MQRes Média quadrática do resíduo OMS Organização Mundial da Saúde QV Química Verde R2 Coeficiente de determinação RASG Radiação Solar Global SORAS Remoção de arsênio por oxidação solar US EPA Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos USDA Departamento de Agricultura dos Estados Unidos SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................... 16 2.1 ARSÊNIO ......................................................................................................... 16 2.2 TRATAMENTO E REMEDIAÇÃO DE ARSÊNIO ............................................. 20 2.3 MÉTODOS ALTERNATIVOS DE REMOÇÃO DE ARSÊNIO – SORAS .......... 25 2.4 RADIAÇÕES NATURAL E ARTIFICAL – APLICAÇÕES NA FOTOQUÍMICA . 29 2.5 PLANEJAMENTO FATORIAL – Otimização do Processo ............................... 33 3 OBJETIVOS ........................................................................................................... 35 3.1 OBJETIVOS GERAIS ...................................................................................... 35 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................ 35 4 MATERIAIS E MÉTODOS...................................................................................... 36 4.1 PROCEDIMENTOS INICIAIS........................................................................... 36 4.2 TRIAGEM DAS VARIÁVEIS - PLANEJAMENTO FATORIAL COMPLETO 24 . 37 4.3 EXPERIMENTOS INTERMEDIÁRIOS ............................................................. 39 4.4 OTIMIZAÇÃO – PLANEJAMENTO FATORIAL DO TIPO DOEHLERT ........... 40 4.5 VALIDAÇÃO DO MODELO PROPOSTO – CINÉTICA, pH E CONCENTRAÇÃO DE FERRO TOTAL SOB RADIAÇÃO SOLAR E ARTIFICIAL 41 4.6 APLICAÇÃO DA METODOLOGIA EM AMOSTRAS REAIS ............................ 42 4.7 PRÉ TRATAMENTO DAS AMOSTRAS ........................................................... 43 4.8 DETERMINAÇÃO DE ARSÊNIO TOTAL NO ICP-MS ..................................... 43 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................. 46 5.1 INCIDÊNCIA SOLAR GLOBAL ........................................................................ 46 5.2 ANÁLISE DO ARSÊNIO TOTAL POR ICP-MS ................................................ 47 5.3 PLANEJAMENTO FATORIAL COMPLETO 24 ................................................ 49 5.4 EXPERIMENTOS INTERMEDIÁRIOS ............................................................. 51 5.5 GERAÇÃO DO MODELO MATEMÁTICO – PLANEJAMENTO DOEHLERT .. 55 5.6 VALIDAÇÃO DO MODELO PROPOSTO – CINÉTICA, pH E CONCENTRAÇÃO DE FERRO TOTAL SOB RADIAÇÃO SOLAR E ARTIFICIAL 59 5.7 APLICAÇÃO DA METODOLOGIA EM AMOSTRAS REAIS ............................ 64 6 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 67 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 69 12 1 INTRODUÇÃO A química está presente no cotidiano em inúmeras áreas, tais como a medicina, biotecnologia, energia e agricultura, gerando produtos e serviços em benefícios e comodidade para a sociedade. Apesar dos benefícios gerados, em determinadas situações há a possibilidade da formação de subprodutos tóxicos, o que pode acarretar na contaminação do meio ambiente e na saúde do próprio homem (PRADO, 2003). Especialmente no período após a segunda guerra mundial, observou-se um cenário de degradação ambiental, decorrente do alto consumo de bens e matérias primas, aliado ao crescimento rápido e sem planejamento das cidades (FARIAS, 2011). Diante do quadro apresentado, no início dos anos 90 surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável, que consistia em satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir as suas próprias demandas (SOUSA-AGUIAR et al., 2014). Neste mesmo período, houve o surgimento da Química Verde (QV), baseada na viabilização de novos processos tecnológicos sem o comprometimento do meio ambiente, redução dos riscos aos seres humanos pela redução do volume e toxicidade dos reagentes utilizados minimização da quantidade dos resíduos gerados (PRADO, 2003). A Química Verde pode ser descrita em doze princípios gerais (LENARDAO et al, 2003): i. Prevenção – Evitar a produção de resíduo; ii. Economia de átomos – Maximizar a eficiência; iii. Sínteses de produtos menos perigosos – Uso e geração de substâncias com menor ou nenhuma toxicidade à saúde humana e do meio ambiente; iv. Desenho de produtos seguros – Produtos devem realizar sua função sem que sejam tóxicos; v. Solventes e auxiliares mais seguros – Uso de substâncias inócuas; vi. Busca pela eficiência energética – Se possível, conduzir os experimentos em temperatura e pressão ambientes; vii. Uso de fontes renováveis de matéria-prima – Preferir fontes renováveis a não-renováveis; viii. Evitar a formação de derivados – Minimizar ou evitar a derivatização desnecessária pois há etapas adicionais que podem gerar resíduos; 13 ix. Catálise – Dar preferência a reagentes catalíticos a estequiométricos; x. Desenho para a degradação – Os produtos químicos degradados devem ser inócuos e não persistentes no ambiente; xi. Análise em tempo real para a prevenção da poluição – Desenvolvimento de metodologias de monitoramento e controle do processo; xii. Química intrinsecamente segura para prevenção de acidentes – Escolha de substâncias e seu uso de modo a minimizar acidentes. Quando há interesse da aplicação da Química Verde em um processo ou projeto, é muito difícil que todos os princípios supracitados sejam aplicados de uma só vez, no entanto é necessário que se tente empregar e abranger o maior número de princípios possíveis no trabalho a ser desenvolvido (ABDUSSALAM-MOHAMMED, et al, 2020). O alcance dos objetivos de segurança, prevenção, minimização da toxicidade e quantidade de rejeitos e otimização de energia, é um grande desafio para os profissionais das diversas áreas, e por esta razão, é necessário que haja uma aproximação dos setores industriais e acadêmicos (VACCARO, 2016). Há uma certa lentidão na transição da “química marrom” para a verde nos setores industriais e até acadêmicos. Na maioria dos casos, o alto custo inicial para implementação inibe a adesão das instituições, no entanto, há outros fatores que não impactam o setor financeiro e que contribuem para que esta transição não ocorra. Pode-se citar a resistência à alteração de processos (inércia), a falta de iniciativa e conscientização sobre a temática, o pensamento de “os fins justificam os meios”, a pouca informação e até a falta de políticas públicas que incentivem a adoção e aplicação do conceito de química verde (GREEN, 2016). Segundo Kosmas (2017), é possível discutir a importância da mudança comportamental de quem já aplica a química verde em suas atividades. O autor cita o “green chemistry fixed mindset”, que ocorre quando se aplica algum conceito de química verde, porém não há espaço para melhorias nos processos. Por outro lado, quando se fala do “green chemistry growth mindset”, há uma busca contínua por um processo mais verde. Os avanços na ciência mostram que apesar do esforço despendido para empregar a QV em suas práticas, é economicamente vantajoso para as indústrias, tendo em vista a redução dos gastos com armazenamento e tratamento de resíduos, a descontaminação de matrizes ambientais nos casos de acidentes, a qualidade de 14 vida dos funcionários, além dos benefícios ambientais (PRADO, 2003 e DE MARCO, et al, 2019). Apesar de todas as vantagens, ainda existem empresas que operam em desacordo com as ideias e princípios citados anteriormente. As mineradoras Samarco e Vale protagonizaram graves acidentes ambientais nas cidades de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), respectivamente, no estado de Minas Gerais. As barragens de rejeitos que se romperam atingiram grandes áreas, contaminando solo e água com diversas espécies tóxicas para animais e seres humanos, tais como mercúrio, arsênio, cromo e chumbo (Instituto Mineiro de Gestão de águas - IGAM, 2018), além das várias mortes ocorridas. Dentre as espécies citadas acima, os problemas decorrentes da exposição ao arsênio ganham destaque por conta da gravidade dos riscos associados e pela extensão global do problema. No ano de 2012, estimava-se que havia cerca de 14 milhões de pessoas expostas a águas com concentrações do metaloide superiores a 10 µg L-1 na América Latina (BUNDSCHUH, 2012). Sabe-se que a exposição/ingestão do arsênio está associada a diversos problemas de saúde para os seres humanos, tais como o espessamento e descoloração da pele, dores estomacais, náusea, vômito, diarreia, dormência nas mãos e pés, paralisia parcial, cegueira, além de diversos tipos de câncer (US-EPA, 2000). Acredita-se que a nível global mais de 100 milhões de pessoas possam estar em risco por utilizar águas com níveis elevados de arsênio. Devido à grande densidade populacional e por se tratarem de países em desenvolvimento, Bangladesh e Índia, mais especificamente a região de Bengala Ocidental, apresentam um grande número de pessoas com sintomas de exposição crônica ao metaloide (HENKE, K. R., 2009). No intuito de mitigar a exposição de suas populações a este contaminante, a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2011), o continente europeu (Directive 40/EC, 2003), os Estados Unidos (US-EPA, 2001) e outros países, incluindo o Brasil (Resolução 357/2005 CONAMA) adotaram o limite máximo de 10 µg L-1 de arsênio para água destinada ao consumo humano. Porém a legislação de outros países é mais branda, permitindo concentrações de até 50 µg L-1, como é o caso de Bangladesh (HUG, et al, 2001). Diante da quantidade de pessoas expostas ao arsênio e ao risco associado a essa exposição, são requeridas medidas urgentes, ambientalmente amigáveis, eficientes e de baixo custo para o tratamento das matrizes aquáticas contaminadas 15 por arsênio ao redor do globo. Neste contexto, no ano 2000, Wegelin e colaboradores propuseram um método de tratamento para a remoção do arsênio de águas contaminadas, chamado de SORAS (Solar Oxidation and Removal of Arsenic). O SORAS pode ser definido como um processo simples que, por meio da irradiação da luz solar, remove o arsênio presente por coprecipitação. Este tratamento possibilita a descontaminação de pequenas quantidades de água, com baixo custo e alta eficiência de remoção de As (WEGELIN et al, 2000). Diante do grande número de pessoas expostas a concentrações de arsênio há a necessidade de pesquisa, desenvolvimento e otimização de metodologias de tratamento alternativas para garantir o acesso a água tratada de modo universal e que possam ser amplamente empregadas com materiais e insumos de baixo custo. 16 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 ARSÊNIO O arsênio (75As) é o elemento de número atômico 33 e situa-se no grupo do nitrogênio. As valências mais comuns são -3, 0, +3 e +5 e o elemento pode apresentar- se na forma elementar, organoarsênica, arsenietos, arsenitos e arseniatos (Figura 1). O As(III) – trivalente – tende a ser mais tóxico que o As(V) – pentavalente – tanto nas formas orgânicas quanto nas formas inorgânicas, que são as mais abundantes em águas, solos e sedimentos (HENKE, K. R., 2009). As espécies inorgânicas apresentam níveis de toxicidade cerca de 100 vezes maiores em relação às orgânicas, que são as principais vias de excreção do metaloide em animais (MARTINEZ et al, 2011). Figura 1. Principais espécies de arsênio. FONTE: Autoria própria. Em ambientes redutores, é mais comum a presença do iAs (III), nas espécies H3AsO3; H2AsO3 -; HAsO3 2-; e AsO3 3- (Figura 2), enquanto em ambientes oxidantes a forma iAs (V) é a mais abundante nas espécies H3AsO4; H2AsO4 -; HAsO3 -2 e AsO4 3- (Figura 3), de acordo com o pH (potencial hidrogeniônico). As OH CH3 CH3 O As CH3 OHOH O As OH OHOH O As OH OHOH Arsenito(III) Arseniato(V) Ácido monometilarsônico (MMA) Ácido dimetilarsínico (DMA) 17 Figura 2. Espécies de ácido arsenioso de acordo com o pH em ambientes redutores. FONTE: Adaptado de HENKE, K. R., 2009. Figura 3. Espécies de ácido arsênico de acordo com o pH em ambientes oxidantes. FONTE: Adaptado de HENKE, K. R., 2009. A ocorrência natural do arsênio pode ser observada principalmente na composição de minérios (Brasil), em decorrência de atividade vulcânica (Chile e Argentina) (BUNDSCHUH, et al, 2012), ou em rochas e sedimentos (Bangladesh) (HUG, et al, 2001). Por outro lado, existem as contaminações por arsênio decorrentes de ações antropogênicas, principalmente pela aplicação de pesticidas, agentes H2AsO3 - H3AsO3 0 HAsO3 2 AsO3 3- % d a e s p é c ie d e a rs ê n io % d a e s p é c ie d e a rs ê n io H3AsO4 0 H2AsO4 - HAsO4 2- AsO4 3- 18 preservantes de madeira (CHOONG, et al, 2007) e rejeitos de atividades de mineração (BUNDSCHUH, et al, 2012). O trabalho de Figueiredo e colaboradores (2007) identificou diferentes fontes de arsênio no Brasil. Na região do Quadrilátero Ferrífero-MG houve a presença de As no ambiente como consequência da mineração de ouro, enquanto no Vale do Ribeira- SP e Santana-AP, a ocorrência de arsênio foi observada em solos e na mineração de rochas nas quais o elemento encontrava-se associado. Em um estudo recente, foi realizado o monitoramento de dezenove poços próximos ao rio Paraíba do Sul (RJ), no período de junho de 2016 a agosto de 2017. O metaloide foi detectado em 37 % dos poços, apresentando concentrações no intervalo de 0,13 a 38,8 µg L-1 – acima da recomendação de 10 µg L-1 do CONAMA e OMS - (MENEGUELLI-SOUZA, et al, 2020). Através da avaliação de sessenta e quatro estudos realizados entre 1985 e 2016 acerca do arsênio no Brasil, De Souza e colaboradores (2019) verificaram que o maior problema do país está associado ao uso indiscriminado de preservantes de madeira, herbicidas e o impacto causado pela mineração. A ação antropogênica, mais especificamente a mineração, tem sido responsável pela contaminação de águas superficiais em diversos países na América do Sul. Estudos mostram que as regiões de Ponce Enríquez, no Equador (APPLETON et al, 2001), do rio Pilcomayo na cidade de Potosí, na Bolívia (ARCHER et al, 2005) e nas regiões de Mendoza e San Juan, na Argentina (WILLIAMS, 2001), apresentaram problemas decorrentes da extração de ouro (Au), de estanho (Sn) e de minérios de chumbo-zinco (Pb-Zn), respectivamente. A partir dos anos 60, o Roxarsone, que é um composto organoarsênico, foi amplamente utilizado como aditivo alimentar para galinhas, perus, suínos e outros animais nos EUA, China e Áustria. Além do papel de aditivo alimentar, ele promovia o crescimento dos animais e inibia parasitas (FU et al, 2016). De acordo com o USDA, aproximadamente 8 bilhões de frangos criados para consumo humano foram alimentados com Roxarsone no ano de 2010, nos Estados Unidos. Grande parte deste aditivo alimentar é excretado pelos animais, no entanto pode vir a contaminar corpos hídricos e solos próximos aos locais de criação (CHEN et al, 2020). Em 2011, Dionísio e colaboradores realizaram a determinação de arsênio em amostras da cadeia produtiva de frangos de corte e constataram que, apesar de não haver presença de arsênio no produto final para o consumo humano, foram 19 detectadas concentrações compreendidas entre 6,06 ± 0,14 e 36,7 ± 1,96 mg kg-1 de arsênio nas camas de frango (mistura de substrato de excrementos, penas e restos de rações). Estas concentrações se mostraram preocupantes pois esse material pode ser empregado alimentação de ruminantes ou ainda como adubo agrícola, mesmo sendo proibido devido ao alto teor de ureia. Todavia, existem regiões nas quais há a exposição de populações ao arsênio por fontes naturais. WARREN e colaboradores (2005) destacaram a contaminação de águas subterrâneas, resultado da mobilização do arsênio pentavalente pela dessorção desta espécie dos oxihidróxidos, na província de Tucumán, Argentina. No deserto do Atacama, localizado no Chile, a atividade geogênica faz com que as águas geotermais da região de El Tatio apresentem concentrações de arsênio na ordem de 27000 µg L-1 (ROMERO et al, 2003). A solubilidade do arsênio depende de diversos fatores, tais como o pH, temperatura, ação de micro-organismos, força iônica, presença de matéria orgânica e a presença de outras substâncias no meio. Estes fatores contribuem para a fixação ou para sua mobilidade no ambiente. De maneira geral, o trivalente - As (III) é a mais solúvel no meio aquoso, enquanto o pentavalente - As(V) apresenta-se indisponível no meio por estar coprecipitada ou sorvida a compostos como o Ferro (Fe) e oxihidróxidos (CHOONG et al, 2007). Diversas ocorrências da contaminação por As em Bangladesh, Índia, Taiwan, Chile e Argentina (HENKE, K. R., 2009) foram descritas na literatura. A Argentina foi o primeiro país da América Latina a reportar a ocorrência do metaloide em águas subterrâneas no início do século XX em Bell Ville, localizada na província de Córdoba. As lesões na pele causadas pela presença do As na água usada para beber e no preparo de alimentos foi então chamada de doença de Bell Ville (BUNDSCHUH et al, 2012). Um outro país da América Latina que apresenta águas com alto teor de arsênio é o Chile. Acredita-se que cerca de 7% das mortes na região de Antofagasta durante os anos de 1989-1993 foram causadas pela ingestão de águas com concentrações de aproximadamente 500 µg L-1 (Smith et al, 1998). Podgorski e Berg (2020) criaram um mapa capaz de estimar quais regiões do planeta apresentam águas subterrâneas com concentrações de arsênio superiores a 10 µg L-1. O modelo considerou onze variáveis geoambientais e mais de cinquenta mil medições da concentração de arsênio ao redor do globo. Estima-se que cerca de 94 20 a 220 milhões de pessoas estão potencialmente expostas a águas com altas concentrações do metaloide. Neste aspecto, destaca-se a região da Ásia, que possui 64% da área e 94% da população afetada. Esta alta porcentagem decorre da grande densidade demográfica dos países deste continente, como Índia e China, e do grande número de pessoas nessas regiões que utilizam água sem tratamento prévio. Deste modo, para o monitoramento e avaliação dos níveis de arsênio e sua conformidade com a legislação vigente é necessário que as águas contaminadas sejam tratadas (CHOONG, et al, 2007), diminuindo os problemas de saúde humana e impacto ao meio ambiente. A pesquisa científica acerca do arsênio nos últimos 120 anos passou por mudanças no foco de interesse através dos tempos. No início do século XX até o final dos anos 60, o metaloide não despertou o interesse da comunidade científica, apesar de já identificado como causador de vários problemas de saúde. No final dos anos 60, os estudos se voltaram a aplicação industrial do arsênio e começou-se a identificar efeitos adversos em um maior número de pessoas. Já nos anos 90, observou-se um grande aumento no número de publicações sobre o tema, em especial sobre os problemas de saúde causados pelo envenenamento da população de Bangladesh e Bengala Ocidental, expostos a águas com altas concentrações do metaloide. No que se refere ao século 21, a pesquisa científica acerca do tema se voltou para temas relacionados a exposição, mobilização e acumulação do arsênio na natureza e nas formas de vida. Além disso, os pesquisadores também buscaram o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de métodos de detecção e de técnicas de remoção do arsênio (LI, et al, 2020). 2.2 TRATAMENTO E REMEDIAÇÃO DE ARSÊNIO O termo tratamento refere-se a ações de caráter preventivo, tais como coleta, manuseio, transporte e disposição de fontes de contaminação de maneira adequada, por outro lado, o termo remediação é designado para ações corretivas, nas quais já houve a contaminação. Devido às especificidades dos problemas de cada região, como fatores exógenos, espécies e fontes de arsênio, é difícil afirmar que uma tecnologia isolada resolva todos os casos. Geralmente uma remediação bem sucedida e eficiente é fruto de uma associação de técnicas distintas (HENKE, K. R., 2009). 21 A remoção do arsênio pode ocorrer por diferentes formas e mecanismos, como a coagulação/floculação, precipitação, filtração em membrana, adsorção e troca iônica (SARKAR, A., PAUL, B., 2016). No Brasil, os sistemas convencionais de tratamento de água removem o arsênio por meio da coagulação/floculação utilizando o sulfato de alumínio (Al2(SO4)3) ou outros coagulantes, seguido das etapas de decantação e de filtração (SABESP, 2020). Os sistemas convencionais de tratamento de água são eficientes para que os níveis de arsênio não ofereçam riscos à população dos grandes e médios centros urbanos. No entanto, os mais afetados são os moradores de comunidades afastadas, geralmente rurais, que utilizam águas não tratadas de cursos naturais e/ou poços (BUNDSCHUH, et al, 2012). Para este grupo de pessoas, faz-se necessário o desenvolvimento e aplicação de tecnologias alternativas para o tratamento de água. Por meio de pesquisa bibliométrica na base de dados Web of Science (WoS), no dia 11/05/2020 foi realizada uma busca pelo tópico “arsenic removal”, retornando 3155 resultados. Por meio das ferramentas da própria base de dados foi possível avaliar o número de publicações feitas por ano (Figura 4) e a quantidade de publicações por nacionalidade dos autores sobre este tema (Figura 5). Figura 4. Número de publicações por ano sobre “Arsenic Removal” na base de dados Web of Science. FONTE: Autoria Própria. 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 1 6 6 11 7 6 8 7 16 23 28 43 54 45 76 65 97 114128 148 184 194 181 224 225 277 262270 330 107 Número de Publicações / ano 22 A Figura 4 apresenta o número de trabalhos publicados entre 1991 e 2020, com o termo “Arsenic Removal” presente no título, resumo, ou palavra-chave dentro da base de dados Web of Science. Foi possível observar poucos trabalhos sobre este tema no início dos anos 90, no entanto, com o surgimento dos conceitos de desenvolvimento sustentável e de química verde, a pauta ambiental relacionada à qualidade de vida ganhou destaque. Desde então, verificou-se um aumento gradual na quantidade de publicações, indicando que a problemática do arsênio no mundo ainda é um tema que requer atenção e dedicação por parte dos governos, pesquisadores e órgãos sanitários. Ainda por meio da ferramenta disponibilizada pela base de dados do WoS, para esta mesma pesquisa, foi possível realizar um levantamento sobre a nacionalidade dos autores com o maior número de publicação de trabalhos científicos sobre este tema. Na Figura 5, foram elencados os 10 países que se destacam nesta categoria, além do Brasil, que ocupou a vigésima sétima posição. Figura 5. Países com maior número de publicações sobre “Arsenic Removal” que constam na base de dados Web of Science. FONTE: Autoria Própria. É possível afirmar que há correlação entre a nacionalidade dos autores que mais publicam sobre o tema “Arsenic Removal” (destacados no mapa da Figura 5) e as populações que estão expostas a alguma fonte de arsênio. China, Estados Unidos, Japão (HOANG, et al, 2019 e JAIN, et al, 2000), Índia (MAJUMDER, et al, 2013), Alemanha (FEISTEL, et al, 2016), Canadá (HU, et al, 2019), México (SARIÑANA- 23 RUIZ, et al, 2017) e Turquia (GUNDUZ, et al, 2015) apresentam fontes hídricas contaminadas por arsênio oriundos da própria natureza, enquanto a contaminação na Coreia do Sul (CHOI, et al, 2016) possui origem antropogênica, proveniente da atividade de mineração. Os autores brasileiros possuem 37 publicações na base de dados WoS, referentes à contaminação de águas e solos tanto por causas naturais (DOS SANTOS, et al, 2017 e MENEGUELLI-SOUZA, et al, 2020) quanto por causas antropogênicas, como atividades de mineração (DE SOUZA, et al, 2019). Através dos dados coletados a partir da pesquisa aplicados ao software VOSviewer®, foi criado um mapa bibliométrico a partir das 34 principais palavras chave encontradas na pesquisa (Figura 6). Figura 6. Mapa bibliométrico de co-ocorrência de palavras chave a partir dos 3155 resultados. FONTE: Autoria Própria. O tamanho de cada círculo é proporcional ao número de vezes em que a palavra chave em questão se repete na pesquisa. Os círculos que possuem correlação com os outros são ligados pelas linhas, que formam as redes e quando há 24 a correlação entre um grupo de palavras chave, formam-se os clusters, identificados pelas diferentes cores dos círculos e linhas (VAN ECK, N; WALTMAN, L. 2010). No mapa (Figura 6) foi possível observar que a pesquisa pelo termo “arsenic removal” apresentou três círculos visivelmente maiores do que os outros, sinalizando uma maior ocorrência das palavras chave “arsenic”, “arsenic removal” e “adsorption”. Além disso, verificaram-se círculos nos quais os rótulos indicam onde ocorre a contaminação, tanto geograficamente, representado por “Bangladesh”, como fisicamente, representados por ”groundwater”, “drinking water”, “wastewater” e “water”. Também apareceram na figura, ligados ao contaminante e às fontes de contaminação, alguns dos métodos de tratamento/remediação utilizados, como “coagulation”, “eletrocoagulation”, “nanofiltration”, “ion exchange”, “oxidation”, “bioremediation”, “adsorption”, “sorption” e “biosorption”. Wang e colaboradores (2019) realizaram estudos da remoção de arsênio(V) de soluções alcalinas lixiviadas da produção de ouro, por meio da precipitação com o ferro. A metodologia foi aplicada em temperatura ambiente e em diferentes razões molares de Fe:As e pHs, apresentando taxas de remoção de até 99,99%. Por meio da associação de técnicas, Chiavola e colaboradores (2019) descontaminaram águas subterrâneas localizadas na região central da Itália. O processo aplicado foi dividido em duas etapas: o pré-tratamento, por filtração com areia e a adsorção por uma resina de troca iônica comercial, feita com óxidos de ferro. Esta resina apresentou grande capacidade de adsorção e capacidade de ser regenerada, quando exaurida. O processo foi capaz de reduzir a concentração de arsênio de 1 mg L-1 para valores inferiores a 0,01 mg L-1, em acordo com a especificação local, a um custo de 0,50 €/m3 de água purificada. Por meio da biotransformação, o iAs foi convertido em glicerol-arsenoaçúcar e fosfato arseno-açúcar, e após a atividade microbiana, essas espécies foram transformadas em arsenobetaína, que apresenta toxicidade inferior às espécies inorgânicas. Por meio da manipulação genética da alga Chlamydomonas reinhardtii, verificou-se uma eficiência 3 vezes superior na capacidade de remoção do arsênio pentavalente, quando comparada à espécie nativa (RAMÍREZ-RODRÍGUEZ et al, 2019). Outra metodologia que garante a descontaminação de matrizes aquáticas sem a adição de reagentes químicos é o uso de membranas de nanofiltração e osmose reversa. A durabilidade das membranas e o fato de não haver a formação de 25 lamas, como no caso da coagulação, são as principais vantagens da técnica, além do alto rendimento alcançado (~100%) (FIGOLI, et al, 2020). A partir das diferentes técnicas observadas no mapa conceitual e resumidamente apresentadas acima, criou-se uma tabela comparativa dos trabalhos publicados e suas respectivas taxas de remoção de arsênio (Tabela 1). Tabela 1. Comparação das técnicas utilizadas na remoção de arsênio. Autor Técnica Utilizada Taxa de remoção (%) Concentração inicial de arsênio (mg/L) WANG, et al, 20191 Precipitação 23,63 1897,82 99,99 0,17 CHIAVOLA, et al, 2019 Filtração e Adsorção 99 ~1 RAMÍREZ- RODRÍGUEZ et al, 20191 Biotransformação 12,5 2,0 20 0,5 FIGOLI, et al, 20201 Nanofiltração 96 0,59 98 1,18 FONTE: Autoria Própria. 1 O trabalho em questão apresentou 3 ou mais resultados, sendo aqui retratado apenas os melhores e piores índices de remoção. A partir das diferentes técnicas e das diferentes concentrações iniciais de arsênio, na maioria dos trabalhos houve a ocorrência de altas taxas de remoção, alcançando os limites determinados pela OMS (10 µg L-1), tornando a matriz aquática remediada apta ao consumo humano, no que se refere à concentração de arsênio, exclusivamente. Além das técnicas mostradas no mapa conceitual e na Tabela 1, existem outros processos eficientes e de baixo custo aplicados no tratamento da água em diferentes locais, como o processo SORAS, aplicado inicialmente em Bangladesh. 2.3 MÉTODOS ALTERNATIVOS DE REMOÇÃO DE ARSÊNIO – SORAS Em 1997, foi estabelecido um procedimento de oxidação foto-assistida empregando a radiação solar em soluções com arsênio dissolvido, com posterior adição de sais de ferro para o tratamento de efluentes ácidos de atividades de mineração. A espécie oxidada poderia, posteriormente, ser tratada ou removida por meio de precipitação ou co-precipitação, desenvolvendo o processo SORAS. (KHOE, 26 et al. 1997). O SORAS é um processo simples que se baseia em irradiar luz solar sobre águas contaminadas introduzidas em recipientes transparentes ao UV-A, para reduzir os níveis de arsênio da água para o consumo humano. De maneira geral, a remoção ocorre em duas etapas: a primeira consiste na foto-oxidação do As(III) para As(V), seguida pela sua adsorção aos óxidos e hidróxidos de Fe3+. A segunda etapa acontece pela decantação dos óxidos e hidróxidos de ferro(III) no fundo do recipiente com o As(V) adsorvido na superfície destes sólidos (WEGELIN et al, 2000) (Figura 7). Figura 7. Principais processos e reações envolvidas no processo SORAS. FONTE: Autoria Própria. A eficiência de remoção de arsênio é extremamente dependente da composição da matriz química envolvida e das condições operacionais (CHOONG, 2007). Hug e colaboradores (1997) adicionaram ácido cítrico (Cit) às amostras como modelos de ácidos policarboxílicos e verificou-se que sua presença concomitante com sais de Fe(III) levaram a formação de complexos Fe-Citrato (Fe-Cit), que são fotolisados dando origem a radicais livres e íons Fe(II) (equações (1) e (2)). Fe3+ + Cit → Fe-Cit (1) As(III) → As(V) Oxidação do As Adsorção do As(V) FeOOH↓ + As(V) Compostos Iniciais Formação de complexo e irradiação UV-Vis Formação de radicais e espécies oxidantes Fe (II)/(III) As(III) C3H5O(COO-)3 Fe[C3H5O(COO-)3] + hν •O2 - •OH H2O2 27 Fe-Cit + hν → Fe2+ + Cit• + CO2 (2) Estudos sugerem que os radicais livres formados na fotólise do complexo (Fe- Cit) (equações (3) a (6)) oxidam o As3+ a As5+ (equações (7) a (9)) e reagem de forma mais rápida e eficiente do que na ausência do citrato (HUG, et al, 2001). Cit• + O2 → Cit- + O2•- (3) Fe2+ + O2 → Fe3+ + O2•- (4) Fe2+ + O2•- → Fe3+ + H2O2 (5) Fe2+ + H2O2 → Fe3+ + OH• + OH- (6) As3+ + O2•- → As4+ + H2O2 (7) As3+ + OH• → As4+ (8) As4+ + O2 → As(V) + O2•- (9) Os íons férricos em solução aquosa tendem a ser hidrolisados (equações 10 a 12) e precipitam, inicialmente na forma amorfa, que posteriormente se torna cristalina, geralmente na forma de goetita (equação 13) (GRUNDL, T., DELWICHE, J., 1993). Fe3+ (aq) + H2O ⇄ FeOH2+ (aq) + H+ (10) FeOH2+ (aq) + H2O ⇄ Fe(OH)2 + (aq) + H+ (11) Fe(OH)2 + (aq) + H2O ⇄ Fe(OH)3(aq) + H+ (12) Fe(OH)3(aq) ⇄ FeOOH(s) + H2O (13) Quando os fótons de radiação UV são absorvidos pelo ferro, além da redução da espécie férrica a ferrosa, há a produção de radicais hidroxila altamente reativos e não seletivos, produzindo mais espécies reativas de oxigênio, que convertem o arsênio trivalente a sua forma pentavalente, através de espécie intermediária As4+ (O’Farrell et al, 2016), conforme mostrado nas equações 7, 8 e 9. Visto que o processo tem por objetivo a melhoria na qualidade da água de populações afastadas dos grandes centros, a oxidação do As(III) a As(V) para posterior remoção deve se dar sem ajuste de pH ou adição de produtos químicos, utilizando-se apenas materiais de fácil acesso e disponíveis localmente. 28 Hug e colaboradores (2001) alcançaram remoções da ordem de 90%, por meio da radiação solar em garrafas PET e com adição de suco de limão como fonte de citrato. Neste trabalho, a concentração de arsênio foi de 500 µg L-1 e a de ferro 5 mg L-1, de modo a simular a concentração endógena do metal nas águas encontradas em Bangladesh. Posteriormente, Garcia e colaboradores (2004) voltaram as atenções para o entendimento das variáveis do processo, como as concentrações de ferro e do íon citrato, o tempo de irradiação, o mecanismo de formação do sólido de ferro, a taxa de oxidação do As(III) a As(V) e sua adsorção nos sólidos. Em seu trabalho, Majumder e colaboradores (2013), propuseram a substituição da fonte de ácido cítrico. O ácido cítrico foi extraído do limão, da lima (conhecida localmente na Índia como kagzi lebu) e do tomate, que apresentou o melhor resultado na remoção de arsênio. A Tabela 2 apresenta trabalhos sobre SORAS em diferentes condições experimentais e as taxas de remoção de As. Tabela 2. Condições experimentais e resultados do processo SORAS empregadas em trabalhos publicados. Autor [Fe] (mg L-1) [Citrato] (mg L-1) Fonte de Citrato (Suco) Tempo de Irradiação (h) Taxa de remoção de arsênio (%) Concentração inicial de arsênio (mg L-1) WEGELIN et al, 2000 5 7,7 - 15,4 Limão 3 90 0,5 LARA et al, 2006 1-9 1,92 - 9,6 Limão 4 97 0,5 GARCIA et al, 2004 3-9 0,058 Limão 3 100 0,277 MAJUMDER et al, 2013 2-6 24-48 Limão 4 73 0,5 22,9-45,8 Lima 4 50 17-50 Tomate 4 88 FONTE: Autoria própria. Por se tratar de um problema de extensão global, a contaminação por arsênio de cada região apresenta características singulares e o seu tratamento deve ser individualizado de modo a satisfazer as necessidades específicas da região afetada, portanto a busca por inovações tecnológicas eficientes e de baixo custo se faz necessária. 29 2.4 RADIAÇÕES NATURAL E ARTIFICAL – APLICAÇÕES NA FOTOQUÍMICA A luz pode ser definida como uma radiação eletromagnética. É uma onda que se propaga no espaço com componentes de campo elétrico e magnético e que possui comportamento como onda e como partícula, caracterizando a chamada dualidade onda-partícula (HAGE, et al, 2012). Uma das propriedades da luz em forma de onda é a sua frequência, que consiste no número de ciclos por segundo ou Hertz (Hz) e que está diretamente relacionada à energia. Já o comprimento de onda (λ) da luz é definido pela distância entre uma crista e outra e geralmente é expresso em nanômetros (nm) (HAGE, et al, 2012). A radiação ultravioleta, ou radiação UV, é aquela que possui comprimento de onda inferior a 400 nm e possui alta energia, já a radiação infravermelha (IV) possui comprimento de onda superior a 800 nm, com menor energia. A radiação visível, por sua vez, está compreendida entre as radiações UV e IV (ATKINS, 2012). A radiação Ultravioleta pode ainda ser subdividida em quatro regiões: UV vácuo (100-200nm), UV-C (200-280nm), UV-B (280-315nm) e UV-A (315-400nm) (FREITAS et al, 2012). A luz do Sol tem papel fundamental na vida do planeta, fazendo parte da fotoquímica atmosférica (principalmente raios UV), que mantêm o planeta aquecido e por meio da radiação visível, que estabelece processos vitais tais como a fotossíntese. O espectro da luz solar (Figura 8) abrange desde os raios UV até a região do IV (SOKOLIK, 2008). 30 Figura 8. Espectro solar no topo da atmosfera da Terra e bandas de luz UV, visível e IV. FONTE: Adaptado de SOKOLIK, 2008. Um dos maiores desafios da humanidade nos últimos anos é suprir a demanda energética de maneira limpa, ou sustentável. A energia solar, tem ganhado destaque nos últimos anos pelo fato de ser uma energia renovável, por ter apresentado um constante melhoramento de sua eficiência e redução em seus custos de produção (LIU, 2018). Em países em desenvolvimento que carecem de água potável, entretanto dispõem de radiação solar em abundância, o método SODIS (Solar Desinfection) se apresenta como uma tecnologia simples, eficiente e viável para a inativação de patógenos. O SODIS requer apenas que a água contaminada seja introduzida em recipientes transparentes, geralmente garrafas PET, e seja exposta à radiação solar por longos períodos de tempo (KEOGH, et al, 2015). Apesar da eficiência do SODIS, nem todos os contaminantes presentes em águas podem ser eliminados pela radiação solar isolada. Quando há uma contaminação severa, com toxicidade elevada e que não pode ser tratada biologicamente, pode-se recorrer aos Processos Oxidativos Avançados (POAs) para a descontaminação. Os POAs se baseiam na geração de fortes radicais oxidantes, como o radical hidroxila •OH (E0 = 2,8V), que se forma em uma reação fotocatalítica da energia solar na presença de oxigênio na solução. Esses radicais reagem com 31 compostos orgânicos, clivando ligações e transformando-os, gradativamente, em gás carbônico e água (BLANCO, et al, 2009). Quando complexos de Fe(III) são irradiados, ocorre a promoção de um elétron de um orbital centrado no ligante para um orbital centrado no metal, chamada de transferência de carga ligante-metal (ligand to metal charge transfer), que implica na redução de Fe(III) a Fe(II) e oxidação do ligante. São as chamadas reações do tipo foto-Fenton, representadas nas equações 14, 15 e 6 (NOGUEIRA et al, 2007). Fe3+ + H2O → Fe(OH)2+ + H+ (13) Fe(OH)2+ + hν → Fe2+ + •OH (14) Fe2+ + H2O2 → Fe3+ + OH• + OH- (6) Visto que os íons de Fe3+, produtos da reação representada na equação (6), são regenerados e podem ser reinseridos como reagentes na equação (13), verifica- se que um ciclo é estabelecido. O processo foto-Fenton destaca-se por apresentar alta eficiência na remoção de contaminantes orgânicos em meio aquoso atuando com pressão ambiente, baixas temperaturas e na presença de um catalisador de baixo custo (Fe). No entanto, o processo encontra limitações dada a necessidade de correção do pH antes e depois da oxidação (DIYA’UDDEEN et al, 2012). A máxima eficiência de degradação de compostos orgânicos por meio do processo foto-Fenton é observada em uma estreita faixa de pH (2,5 a 3,0). Em pH’s superiores a 3, verifica-se que há a precipitação do Fe(III), que diminui muito a interação com o peróxido de hidrogênio (e consequentemente a geração de •OH) e em valores abaixo de 2,5, as altas concentrações de H+ reagem com os radicais hidroxila (NOGUEIRA et al, 2007). Segundo Wang e colaboradores (2016), é possível estender o pH ótimo do processo foto-Fenton até a próximo da neutralidade, através da inibição da precipitação dos íons ferro por meio da complexação com ligantes como o oxalato, o citrato, o EDTA, dentre outros. A formação dos complexos de ferro ajuda na absorção de luz, pois estendem a banda de absorção para a região do visível e o aumento da carga orgânica no meio é irrelevante, pois geralmente estes compostos são totalmente mineralizados ao final do processo (NOGUEIRA et al, 2007). 32 Diversos trabalhos fazem o uso da radiação solar, que é uma fonte de energia limpa, renovável e gratuita, mas também é possível utilizar-se de fontes artificiais de radiação, tais como as lâmpadas de vapor de mercúrio, que possuem bandas específicas em seu espectro de emissão ou aquelas de espectro mais amplo, que simulam a radiação solar, como é o caso das lâmpadas de tungstênio. No trabalho de Shetty e colaboradores (2016), realizaram a degradação fotocatalítica do fármaco ciprofloxacino (CFX) através de irradiação solar e artificial, por meio do uso de lâmpada de tungstênio 400W (λ = 200-800nm). Os estudos cinéticos indicaram uma degradação de pseudo primeira ordem e na presença da irradiação solar a constante de velocidade apresentou-se 1,7 vezes superior quando comparada com a radiação artificial. No trabalho de Freitas e colaboradores (2012), o estudo cinético indicou que a radiação solar e artificial (UV-A – lâmpada de vapor de mercúrio) apresentaram eficiências de degradação do composto microcistina-LR muito similares. Durán e colaboradores (2018), desenvolveram um reator autônomo que utiliza a radiação solar e, quando necessário, radiação artificial através de lâmpadas de vapor de mercúrio (λ = 254nm) em um processo Solar/H2O2/TiO2. A utilização da radiação artificial pode superar algumas limitações, como a atenuação da luz solar. Através da combinação das duas radiações, alcançou-se até 85% de mineralização do composto anilina no período de 120 minutos. No que se refere a remoção de arsênio, o uso da radiação solar como fonte de energia pode ser dividido, em linhas gerais, em duas categorias: fotocatálise e a geração de energia elétrica como força motriz para o funcionamento de um sistema de tratamento. Otter e colaboradores (2017) desenvolveram um sistema de tratamento de água no qual a energia solar foi transformada em energia elétrica através de painéis solares. Essa energia elétrica foi utilizada para bombear a água contaminada pelo sistema e na geração de gás cloro em uma célula eletrolítica, visando oxidar o As(III) a As(V), para posterior co-precipitação e filtração (~100% de remoção). O sistema de tratamento de água desenvolvido por Gonzalez e colaboradores (2017), também movido a partir da energia elétrica oriunda da radiação solar, removeu o arsênio por meio da combinação das técnicas de troca iônica, e adsorção com um sistema de eletrodiálise (>99,9% de remoção). 33 Segundo a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (antiga Secretaria de Energia), a região de São José do Rio Preto é uma das regiões com maior incidência solar global média do Estado de São Paulo, conforme mostra Figura 9 e o desenvolvimento e otimização de métodos para remedição de contaminantes é altamente favorecida por este tipo de radiação. Figura 9. Incidência Solar Global do Estado de São Paulo. FONTE: Adaptado de GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2017. 2.5 PLANEJAMENTO FATORIAL – Otimização do Processo Segundo Pereira Filho (2018), a otimização de experimentos deve ser realizada a partir de fatos concretos, embasados de forma estatística, científica e matemática. Quando a maximização de resultados tenta ser alcançada a partir do empirismo, de forma negligente, há um desperdício de tempo, recursos e conclusões pouco confiáveis. Os planejamentos fatoriais são ferramentas que contribuem na otimização de processos em diversas áreas da pesquisa e do setor industrial. Tal ferramenta vai ao encontro dos princípios da Química Verde, pois possibilita a realização de um menor número de experimentos, quando comparado ao método univariado, gerando Paraná 34 economia de recursos (PEREIRA, 2018). Com o intuito de maximizar a resposta (resultado desejado), é possível realizar planejamentos fatoriais específicos que geram modelos matemáticos capazes de prever resultados em variadas condições, representados por gráficos de superfície (NOVAES, 2017). A triagem das variáveis, ou o entendimento preliminar do sistema, pode ser obtido através da execução de planejamentos fatoriais completos ou fracionários, de acordo com o número de variáveis avaliadas. Para realizar a otimização por meio de gráficos de superfície gerados por modelos matemáticos, é necessária a realização de um novo planejamento fatorial específico, que pode ser do tipo “Composto Central”, quando todas as variáveis apresentam igual grau de importância; do tipo “Doehlert”, quando há diferença na influência das variáveis ou do tipo “Box-Behnken”, quando condições extremas não podem ser testadas (PEREIRA, 2018). Por fim, os modelos matemáticos gerados devem ser avaliados no que diz respeito a capacidade de predição dos resultados e, se satisfatório neste quesito, deve-se proceder para a validação do modelo proposto, que consiste na realização de experimentos na condição apontada como ótima e verificar se o resultado predito corresponde ao resultado efetivamente obtido empiricamente (PEREIRA, 2018). Dada a necessidade de desenvolvimento e aprimoramento de metodologias alternativas para garantir o acesso universal à água com qualidade, a quimiometria e o planejamento fatorial são ferramentas que podem ser utilizadas na busca pelas melhores condições para remoção de arsênio das matrizes aquáticas. No trabalho de Lara e colaboradores (2006), utilizou-se o método de Box- Behnken aplicado ao processo SORAS, variando-se as concentrações de íons citrato, ferro e arsênio, alcançando-se inicialmente remoções de 20,00 a 97,31%. Após a otimização das condições, aproximadamente 95% do arsênio (V) foi removido de amostras de águas naturais contendo aproximadamente 1 mg L-1 após apenas 1h de irradiação solar. 35 3 OBJETIVOS 3.1 OBJETIVOS GERAIS O presente trabalho teve por objetivo principal o estudo e a otimização sistemática das variáveis envolvidas no processo SORAS para descontaminação de águas contendo arsênio inorgânico. 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Avaliação dos efeitos das variáveis e da interação entre elas na eficiência da remoção de arsênio inorgânico de águas sintéticas; • Obtenção de um gráfico de superfície para a determinação das condições ótimas de remoção do metaloide em amostras sintéticas por meio de planejamento do tipo Doehlert; • Validação do modelo proposto; • Concepção e construção de uma câmara de foto oxidação, para a aplicação do processo SORAS por meio de irradiação artificial; • Aplicação da condição otimizada para a remoção de arsênio em amostras reais. 36 4 MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 PROCEDIMENTOS INICIAIS Antes do uso, todas as vidrarias, tubos plásticos (Falcon®), ponteiras e frascos foram descontaminados e desmineralizados, por meio de lavagem com Extran® (detergente livre de metais), seguidos de imersão em banho ácido contendo ácido nítrico (HNO3) 10% por 24 horas e enxaguados com água ultrapura. Para o preparo das curvas analíticas de calibração, de concentrações 0,1; 0,5; 2; 5; 10 e 15 µg L-1, foi utilizado o padrão Fluka®Analytical traceCert® CRMs for ICP-MS lote BCBJ7866V, de concentração 1000 ± 2 mg L-1, por meio da diluição de soluções com concentrações intermediárias. As amostras sintéticas contaminadas por arsênio III e V foram preparadas a partir de soluções estoque, posteriormente diluídas, dos sais (meta) arsenito de sódio (NaAsO2, lote SLBP7487V, Sigma Aldrich®) e arseniato de sódio dibásico heptahidratado (Na2HAsO4.7H2O, lote SLBR9532V, Sigma Aldrich®), respectivamente. As soluções estoque de ferro II e III foram preparadas a partir dos sais de Sulfato Ferroso Amoniacal hexahidratado (Fe(NH4)2(SO4)2.6H2O, lote 150801, Synth®) e Cloreto de Ferro(III) (FeCl3, lote STBH4253, Sigma Aldrich®), respectivamente. O preparo da solução estoque de ácido cítrico (C6H8O7, lote MKBZ7078V, Sigma Aldrich®), assim como as demais, foi efetuado com água ultrapura. O material de referência certificado utilizado foi o NIST 1640a (trace elements in water), que possui valor certificado de arsênio total de 8,010 ± 0,067 µg kg-1 para otimização do método e avaliação da exatidão. As determinações de arsênio total foram realizadas em ICP-MS (Perkin Elmer, modelo NexIon 300X) operando nos modos padrão e KED, com os gases gerador de plasma (Argônio 99,999%) e colisional (Hélio 99,999%), obtidos junto à White Martins. Para que houvesse um acompanhamento mais específico da radiação incidente nas amostras foram usados dados da Incidência Solar Global diária na base de dados do Qualar (Qualidade do Ar – CETESB – estação São José do Rio Preto, localizada na Rua Jales 3055, a aproximadamente 5 km da Unesp) dos dias em que houve irradiação de amostras e foram executados os experimentos. 37 4.2 TRIAGEM DAS VARIÁVEIS - PLANEJAMENTO FATORIAL COMPLETO 24 Visando avaliar a taxa de remoção de arsênio em meio aquoso por meio do SORAS, executou-se um planejamento fatorial completo com quatro variáveis (24), no qual foram variados em dois níveis (-1 e 1) os parâmetros: ângulo de incidência de radiação (90 e 45 graus), concentrações de ferro (Fe) e de citrato (Cit3-) (4 e 10 mg L- 1) e duas fontes de citrato (sucos de limão e laranja), apresentados na Tabela 3. Tabela 3. Configuração dos 16 experimentos do planejamento fatorial completo 24. Experimento Ângulo de Incidência de radiação (º) [Fe] (mg L-1) [Citrato] (mg L-1) Fonte de Cit3- 1 90 4 4 Limão 2 45 4 4 Limão 3 90 10 4 Limão 4 45 10 4 Limão 5 90 4 10 Limão 6 45 4 10 Limão 7 90 10 10 Limão 8 45 10 10 Limão 9 90 4 4 Laranja 10 45 4 4 Laranja 11 90 10 4 Laranja 12 45 10 4 Laranja 13 90 4 10 Laranja 14 45 4 10 Laranja 15 90 10 10 Laranja 16 45 10 10 Laranja FONTE: Autoria Própria. As concentrações de ferro e de citrato empregadas foram estabelecidas a partir das concentrações utilizadas previamente nos trabalhos de MAJUMDER e colaboradores (2013) e GARCIA e colaboradores (2004) e mantendo as proporções determinadas como ótimas estabelecidas por LARA e colaboradores (2006). Determinou-se que o período de irradiação seria de 5 horas, que foi o tempo máximo de exposição no qual não haveria a ocorrência de sombras no local designado para a condução dos experimentos e acima do tempo descrito na literatura – por volta de 4 horas. Além disso, considerou-se o horário de verão (quando aplicável) e a distribuição de iguais períodos anterior e posteriormente ao momento de máxima 38 radiação solar, que foi constatado como sendo às 13 h através dos dados obtidos junto ao Qualar. No dia anterior à irradiação foram preparadas as soluções de arsênio trivalente 0,5 mg L-1 (NaAsO2) e de ferro (III) 1 g L-1 (FeCl3). Foi preparado uma solução de NaOH 0,1 mol L-1, padronizado por meio de titulação volumétrica com padrão primário biftalato de potássio, dessecado previamente, e fenolftaleína (fator de correção = 0,947). Essa solução de hidróxido de sódio foi utilizada para a determinação das concentrações de ácido cítrico nos sucos de laranja e limão, que foram previamente filtrados e homogeneizados antes da titulação. Cada um dos sucos foi preparado a partir de 5 unidades de cada fruta de modo a garantir uma maior representatividade na amostragem. A metodologia empregada para a determinação da concentração de ácido cítrico seguiu os métodos físico-químicos para análises de alimentos do Instituto Adolfo Lutz – “Determinação da acidez titulável por volumetria com indicador “- (Instituto Adolfo Lutz 310/IV, 2008, p.579). Neste primeiro experimento de irradiação 16 garrafas PET transparentes de 500 mL foram parcialmente preenchidas (2/3) pela adição 330 mL da solução 0,5 mg L-1 de arsênio (III) de maneira randômica. Foram adicionadas, volumetricamente, as quantidades de suco (de limão ou laranja) e solução de ferro de modo a atingir as concentrações previamente estabelecidas no planejamento fatorial, também de forma randômica. Foram preparados 2 brancos, um contendo limão e o outro laranja, de maneira idêntica ao preparo das amostras, diferindo-se apenas pela substituição da solução de arsênio 0,5 mg L-1 por água ultrapura. O pH das amostras foi mensurado antes e depois da adição dos reagentes. As amostras foram irradiadas dentro do câmpus do IBILCE (Figura 10) das 11 às 16 h e após o período de exposição as amostras foram deixadas em repouso, na posição vertical, no laboratório durante a noite. 39 Figura 10. Irradiação das amostras na do planejamento fatorial completo. FONTE: Autoria própria. 4.3 EXPERIMENTOS INTERMEDIÁRIOS Após a execução do planejamento fatorial completo, foram realizados experimentos intermediários, com alterações pontuais do sistema que visaram maximizar a taxa de remoção do arsênio das amostras através do aumento da quantidade de precipitados formados, do aumento do controle do sistema reacional e da comparação de diferentes fontes de ferro, conforme descreve Tabela 4: Tabela 4. Parâmetros alterados nos experimentos intermediários. Parâmetro modificado Inicial Final [As] 0,5 mg L-1 1 mg L-1 [Fe] 4 e 10 mg L-1 8 e 20 mg L-1 [Citrato] 4 e 10 mg L-1 8 e 20 mg L-1 Fonte de citrato Limão e Laranja Ácido Cítrico (reagente) Fonte de ferro Cloreto férrico (Fe3+) Sulfato ferroso amoniacal hexahidratado (Fe2+) FONTE: Autoria Própria Posteriormente à realização dos experimentos intermediários e observação dos resultados, foi possível determinar as condições experimentais para a realização da otimização do processo, por meio do planejamento fatorial do tipo Doehlert. 40 4.4 OTIMIZAÇÃO – PLANEJAMENTO FATORIAL DO TIPO DOEHLERT O ajuste fino dos parâmetros foi feito por meio da avaliação de um maior número de níveis das variáveis, distribuídos de maneira axial e repetições do ponto central, conforme mostrado na Tabela 5. Tabela 5. Configuração do planejamento Doehlert. Experimento [Citrato] (mg L-1) [Fe] (mg L-1) Ângulo de incidência 1.1 Ponto Central 45 45 45° 1.2 Ponto Central 45 45 45° 1.3 Ponto Central 45 45 45° 1.4 Ponto Central 45 45 45° 2 80 45 45° 3 62,5 80 45° 4 62,5 56,67 90° 5 10 45 45° 6 27,5 10 45° 7 27,5 33,33 0° 8 62,5 10 45° 9 62,5 33,33 0° 10 27,5 80 45° 11 45 68,33 0° 12 27,5 33,33 90° 13 45 21,67 90° FONTE: Autoria Própria. As concentrações de Cit3- e Fe avaliadas foram compreendidas no intervalo de 10 a 80 mg L-1, enquanto os ângulos de incidência foram de 0, 45 e 90 graus (Figura 11). 41 Figura 11. Demonstração esquemática dos ângulos de incidência de irradiação 0; 45 e 90 graus. FONTE: Autoria própria. 4.5 VALIDAÇÃO DO MODELO PROPOSTO – CINÉTICA, pH E CONCENTRAÇÃO DE FERRO TOTAL SOB RADIAÇÃO SOLAR E ARTIFICIAL Apesar do projeto ter sido conduzido na cidade de São José do Rio Preto, que apresenta vasta incidência solar, em determinados períodos do ano houve a necessidade de postergar as datas de experimentos devido a impossibilidade de irradiação solar das amostras pela presença de grande nebulosidade e de dias chuvosos. Além disso, as contaminações por arsênio podem ocorrer em regiões que não dispõem da mesma característica observada na região do noroeste paulista. Para que fosse possível conduzir experimentos voltados para a remoção de arsênio, semelhante ao SORAS, mas com uma fonte de radiação artificial, foi feita a aquisição de uma lâmpada especial (Ultravitalux® UV-A 300W), que através de descarga de mercúrio e filamento de tungstênio mimetiza o espectro de emissão da radiação solar. Esta lâmpada foi alocada em uma câmara construída em madeira e revestida com papel alumínio. Após a otimização das variáveis, as mesmas foram fixadas e iniciou-se um estudo univariado para avaliação das fontes de radiação natural, artificial e na ausência de radiação. Foram preparados três conjuntos de triplicatas que foram submetidas a três condições distintas: irradiação solar, irradiação na câmara de foto oxidação e referência (permanência em câmara escura – ausência de radiação). Para a realização dos experimentos com radiação artificial a concepção e construção de uma câmara de foto oxidação foi realizada. O projeto, feito através do 42 software Sketchup® (Figura 12a), consistiu na união de três pares de placas de madeira, com tamanhos de 50x50 cm, 50x52 cm e 54x54 cm. A construção, instalação dos componentes elétricos e recobrimento da superfície interna com papel alumínio foi realizada pelo próprio grupo de pesquisa (Figura 12b). Figura 12. (a) Projeto e (b) construção da câmara de foto oxidação. FONTE: Autoria própria. Com o intuito de monitorar os parâmetros pH, concentração de ferro total e concentração de arsênio total, foram retiradas alíquotas de 5 mL das amostras nos tempos 0, 30, 60, 120, 180, 240 e 300 minutos e após o período de overnight. O monitoramento destes parâmetros foi necessário para a compreensão do comportamento do sistema reacional, fornecendo informações sobre como e quando ocorrem tais modificações químicas. A determinação da concentração de ferro total foi realizada pelo método da o-fenantrolina, utilizando espectrofotômetro UV-Vis (λ = 508 nm). 4.6 APLICAÇÃO DA METODOLOGIA EM AMOSTRAS REAIS Nesta etapa do trabalho ocorreu a aplicação da metodologia SORAS, com os parâmetros já otimizados, em duas amostras reais distintas (Amostra Real 1 e Amostra Real 2), que continham altas concentrações das espécies de arsênio (III) e (V), oriundas de ensaios de bioacumulação desenvolvidos pelo Grupo de Inovação em Química Analítica Verde (GIQAV). Dois conjuntos de triplicatas de cada amostra foram irradiadas pela luz solar e na câmara de foto oxidação no período das 11 às 16h. (a) (b) 43 4.7 PRÉ TRATAMENTO DAS AMOSTRAS Todas as amostras foram filtradas em papel filtro quantitativo da Marca Quanty® (25µm) e tiveram suas fases aquosas e foram diluídas para um volume final de 10 mL, tendo sua concentração dentro da faixa linear de trabalho da curva analítica. 4.8 DETERMINAÇÃO DE ARSÊNIO TOTAL NO ICP-MS A quantificação de arsênio total foi realizada por espectrometria de massas com plasma acoplado indutivamente (ICP-MS) quadrupolar modelo NexION 300X (Perkin-Elmer), que dispõe de tecnologia de célula universal (Universal Cell TechnologyTM – UCT), possibilitando a análise nos modos padrão e no modo colisão. As análises iniciais foram executadas e avaliadas no modo padrão e no modo de colisão. Em cada uma das etapas de otimização fez-se necessário o preparo de uma nova curva de calibração, pelo fato de terem sido realizadas em datas diferentes. Os parâmetros operacionais do ICP-MS estão descritos no Tabela 6 e foram otimizados por Oliveira e colaboradores, 2017. 44 Tabela 6. Parâmetros instrumentais e de aquisição de dados utilizados nas análises por ICP-MS. Parâmetros Instrumentais Potência de Radiofrequência 1600W Vazão de gás no plasma 18 L min-1 Vazão de gás auxiliar 1,2 L min-1 Vazão de gás no nebulizador 1,0 L min-1 Taxa de Captação de amostra 0,7 mL min-1 Voltagem de entrada - 3,0 V Voltagem de saída - 32,0 V CROa - 15,0 V QROb - 12,0 V Parâmetros de Aquisição de Dados Número de Varreduras (sweeps) 50 Número de Leituras (readings) 1 Número de Replicatas 3 Tempo de espera (dwell times) 25 s Gás de colisão Hélio RPQc 0,25 V Vazão de gás Hélio 2,5 mL min-1 Faixa de Calibração 0,1 – 15 µg L-1 FONTE: Adaptado de OLIVEIRA et al, 2017. a CRO (Cell Rod Offset): Voltagem aplicada ao quadrupolo da célula de reação/colisão; b QRO (Quadrupole Rod Offset): voltagem aplicada ao quadrupolo analisador de massas; c RPQ: Parâmetro relacionado à voltagem aplicada nas hastes do quadrupolo para eliminação de interferências isobáricas. O ICP-MS pode operar em dois modos distintos na determinação de As: o modo padrão de análise, quando não há uso do recurso de remoção de interferentes poliatômicos por uma célula universal e no modo de colisão (KED), que consiste na introdução de um gás não reativo na célula de colisão, que separa os íons menores do analito dos íons maiores, geralmente os interferentes poliatômicos. O modo de colisão é simples e efetivo no que se refere ao aumento do limite de detecção em amostras com níveis moderados de interferência (PERKIN ELMER, Inc., 2011). O KED apresenta melhor performance na análise de íons com massa inferior a 80 (Selênio) e fornece um equilíbrio entre remoção de interferentes e performance do equipamento (PERKIN ELMER, Inc., 2013). Quando comparado ao modo padrão de análise, o modo KED apresenta perda de sensibilidade, apesar de apresentar valores de LOQ e LOD similares ao modo padrão. Essa perda na intensidade decorre do grande número de colisões, que aumenta de acordo com incremento no fluxo de gás aplicado (OLIVEIRA, et al, 2017) 45 O modo de colisão (KED) foi empregado com o intuito de avaliar possíveis interferências provenientes da associação 40Ar35Cl+ na detecção de arsênio total, em decorrência da adição do cloreto férrico nas amostras. A otimização se deu através da análise do método de adição de padrão e aplicação de diferentes fluxos de gás Hélio de modo a fornecer o equilíbrio entre uma remoção de interferentes satisfatória e uma sensibilidade adequada. 46 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 INCIDÊNCIA SOLAR GLOBAL Por meio de dados disponibilizados pelo Qualar foi possível monitorar a radiação solar global nos dias dos experimentos em que as amostras foram irradiadas (Figura 13). Figura 13. Radiação Solar Global (W/m²) nos dias de irradiação de amostras. FONTE: Autoria Própria. As otimizações foram realizadas nos anos de 2019 e 2020, em diferentes estações do ano. Foi possível observar a maior intensidade da radiação solar no verão quando comparadas às estações outono e inverno, como esperado. Por outro lado, na estação mais quente, foi comum a ocorrência de nebulosidade, o que diminuiu drasticamente a radiação solar incidente no dia da execução do planejamento fatorial completo 24. Nos períodos mais secos, outono e inverno, apesar da intensidade da radiação solar ser atenuada quando comparada ao verão, há uma maior regularidade devido à ausência de nuvens no céu (INPE/CPTEC, 2019). O planejamento Doehlert 0 200 400 600 800 1000 1200 06:00 07:00 08:00 09:00 10:00 11:00 12:00 13:00 14:00 15:00 16:00 17:00 18:00 19:00 20:00 R ad ia çã o S o la r G lo b al ( W /m ²) Horário Planejamento fatorial completo Planejamento Doehlert Validação do Modelo Aplicação em amostras reais 47 foi o único experimento realizado no inverno, enquanto as etapas de validação do modelo proposto e aplicação em amostras reais foram realizadas no outono. 5.2 ANÁLISE DO ARSÊNIO TOTAL POR ICP-MS As curvas analíticas foram preparadas em água ultrapura, apresentaram coeficientes de determinação (R²) 0,9997, conforme exibe Figura 14, e a partir de 10 medidas dos brancos analíticos e dos coeficientes angulares das curvas analíticas foi possível efetuar os cálculos dos limites de detecção (LOD) e de quantificação (LOD), mostrados na Tabela 7. Figura 14. Curvas de calibração das etapas (a) planejamento fatorial completo 24, (b) avaliaçã do modo KED, (c) planejamento Doehlert e (d) validação do modelo e aplicação em amostras reais, com suas respectivas equações e coeficientes de correlação (R2). FONTE: Autoria Própria. 48 Tabela 7. LOQ E LOD calculados nas diferentes etapas de experimentos. Etapa Planejamento fatorial completo 24 Modo KED Planejamento Doehlert LOD (µg L-1) 0,039 0,048 0,043 LOQ (µg L-1) 0,119 0,147 0,131 FONTE: Autoria Própria A exatidão do método foi avaliada por meio da análise de material de referência certificado NIST 1640-a que apresentou recuperações no intervalo de 70,5 - 109,9% no modo padrão e de 110,0% no modo KED, em conformidade aos limites estabelecidos (40-120%) (AOAC, 2016). Para avaliação das diferenças estatísticas entre os métodos de determinação de arsênio total por ICP-MS, foi aplicado o teste t de Student, a nível de 95% nos resultados observados nos modos de análise padrão e KED, mostrados na Tabela 8. Este teste foi realizado com 14 graus de liberdade e tcrítico tabelado de 2,14. Tabela 8. Taxas de remoção de arsênio nos modos padrão e KED utilizadas no teste t de Student. Taxa de remoção de As (%) Padrão KED 94,3 94,6 100,0 100,0 95,6 96,2 96,4 96,7 91,8 93,0 90,7 91,3 97,2 97,0 96,3 96,8 FONTE: Autoria própria. O resultado do teste indicou que não houveram diferenças estatísticas entre os resultados nas diferentes formas de detecção, a um nível de 95%. Levando em consideração as recuperações similares, a inobservância de interferências significativas na determinação de arsênio por ICP-MS, a economia de reagentes e a perda de sensibilidade, inerente à técnica de discrição de energia 49 cinética, optou-se por realizar as demais determinações apenas no modo padrão de análise. 5.3 PLANEJAMENTO FATORIAL COMPLETO 24 Previamente à irradiação das amostras, foi realizada a titulação em triplicata, para determinação da concentração, expressa em g / 100 mL, de ácido cítrico, de fórmula C3H5O(COOH)3 nos sucos de limão e laranja. As concentrações do ácido determinadas nos sucos de limão e laranja foram de 7,00 ± 0,06 e 0,63 ± 0,03 g / 100 mL, respectivamente. O pH dos 16 experimentos manteve-se em 6 antes e depois da adição das alíquotas de ferro e citrato. Após o período de irradiação das amostras observou-se a formação discreta de corpo de fundo (Figura 15a) e após o período de repouso observou-se apenas um pequeno acréscimo deste (Figura 15b). Figura 15. Formação dos precipitados após (a) o período de irradiação e (b) o período de repouso da primeira otimização. FONTE: Autoria Própria. A hidrólise do cloreto férrico (FeCl3) fornece um precipitado gelatinoso castanho avermelhado, o óxido de ferro hidratado, de fórmula Fe2O3 (H2O)n, no qual apenas parte deste precipitado é constituída de oxihidróxido de ferro (FeOOH) (LEE, 1999 p. 389). Deste modo, a concentração reduzida de oxihidróxidos de ferro (FeOOH) estaria, possivelmente, atuando como um agente limitante na remoção do arsênio nos experimentos. (a) (b) 50 As taxas de remoção de arsênio do planejamento fatorial completo (24) apresentaram grandes variações (26,7 - 98,8%), de acordo com as diferentes variáveis avaliadas (Tabela 9). Tabela 9. Taxas de remoção de arsênio total (%) e variáveis avaliadas de acordo com o planejamento fatorial 24 Experimento Ângulo de Incidência [Fe] (mg L-1) [Citrato] (mg L-1) Fonte de Citrato Taxa de remoção de As(III) (%) 1 90° 4 4 Limão 50,0 2 45° 4 4 Limão 33,9 3 90° 10 4 Limão 37,5 4 45° 10 4 Limão 64,3 5 90° 4 10 Limão 47,0 6 45° 4 10 Limão 54,5 7 90° 10 10 Limão 47,0 8 45° 10 10 Limão 79,5 9 90° 4 4 Laranja 26,7 10 45° 4 4 Laranja 33,7 11 90° 10 4 Laranja 32,6 12 45° 10 4 Laranja 71,9 13 90° 4 10 Laranja 98,0 14 45° 4 10 Laranja 98,8 15 90° 10 10 Laranja 58,3 16 45° 10 10 Laranja 70,2 FONTE: Autoria Própria. A partir dos resultados obtidos foi possível realizar os cálculos dos efeitos primários e secundários das variáveis para a remoção de arsênio (III) na matriz aquosa através do software Statistica® (Figura 16). Os efeitos primários referem-se aos efeitos decorrentes da variável por si só, enquanto os secundários representam os efeitos advindos da associação de duas variáveis. 51 Figura 16. Gráfico dos efeitos padronizados do planejamento fatorial completo 24. FONTE: Autoria própria. Ao analisar-se o gráfico de paretos verificou-se que a variável 3 (concentração de citrato) apresentou o maior efeito e considerado o único estatisticamente relevante para a remoção de arsênio, a um nível de confiança de 95%, com tcrítico de 2,13, com 15 graus de liberdade. Os efeitos primários “ângulo de incidência”, “concentração de ferro” e “fonte de citrato”, bem como os efeitos advindos das suas associações (secundários) não influenciaram na resposta tanto no nível baixo, quanto no nível alto, sob o olhar estatístico. 5.4 EXPERIMENTOS INTERMEDIÁRIOS Após a avaliação dos experimentos e resultados, foram realizadas três alterações pontuais, visando a melhoria do processo. A primeira alteração consistiu no aumento de 100% na concentração de As(III), de cloreto de ferro e de citrato, visando o aumento da quantidade de precipitado formada no processo, dada a pequena quantidade de corpo de fundo observada, conforme exibido na Figura 15. No 52 entanto, o resultado desejado não foi alcançado com esta intervenção, conforme mostra a Figura 17. Figura 17. Formação de precipitado após irradiação/repouso. FONTE: Autoria Própria Diante do resultado insatisfatório observado a partir da alteração das concentrações, buscou-se um maior controle do sistema a partir da eliminação de uma das variáveis triadas anteriormente: a fonte de citrato. De acordo com o gráfico de paretos exibido na Figura 16 a remoção de arsênio não foi alterada pela procedência dos íons citrato, deste modo, o suco de frutas foi substituído pelo ácido cítrico, de forma que somente as variáveis “ângulo de incidência”, “concentração de citrato” e “concentração de ferro” fossem avaliadas a partir deste momento. Outra medida tomada na busca de melhoria do processo foi a substituição da fonte de íons ferro, passando do cloreto de ferro (III) para o sulfato ferroso amoniacal hexahidratado. Após um período de 5 horas de irradiação solar, foi possível identificar diferentes perfis de corpos de fundo nas amostras, variando de acordo com a fonte de ferro adicionada, conforme mostra a Figura 18. 53 Figura 18. Precipitados formados pela adição de FeCl3 (a) e Fe(NH4)2(SO4)2.6H2O (b). FONTE: Autoria Própria. Visando avaliar a influência da fonte de ferro na resposta foram realizados novos ensaios, reproduzindo as condições experimentais anteriores, mas substituindo o emprego do cloreto férrico pelo sulfato ferroso amoniacal hexahidratado. A Tabela 10 descreve as variáveis estudadas e as remoções de As de acordo com a fonte de Fe empregada. Tabela 10. Taxas de remoção de arsênio a partir de diferentes fontes de ferro. Ângulo de Incidência [Fe] (mg L-1) [Citrato] (mg L-1) Remoção de As(III) (%) Sulfato ferroso Amoniacal Hexahidratado Cloreto Férrico 90° 8 8 94,3 67,6 45° 8 8 100,0 68,2 90° 20 8 95,6 69,9 45° 20 8 96,4 80,7 90° 8 20 91,8 78,0 45° 8 20 90,7 62,3 90° 20 20 97,2 91,0 45° 20 20 96,3 80,4 FONTE: Autoria própria. Além de originar a mudança no perfil do corpo de fundo, a substituição da fonte de íons ferro para a espécie Fe2+ nas amostras provocou um incremento de, em média, 20% nas taxas de remoção do metaloide. Deste modo, a execução do planejamento Doehlert apresentou o sulfato ferroso amoniacal hexahidratado como fonte de ferro. a b 54 Esse aumento pode ser justificado pela ocorrência do processo foto-Fenton, iniciado pela reação (4). Fe2+ + O2 → Fe3+ + O2•- (4) Com a geração do radical O2•-, que promove a formação de H2O2 por meio da oxidação do As3+ (reação 7). As3+ + O2•- → As4+ + H2O2 (7) Com a formação do peróxido de hidrogênio, tem-se o início do ciclo foto- Fenton (reações 6, 13 e 14). Fe2+ + H2O2 → Fe3+ + OH• + OH- (6) Fe3+ + H2O → Fe(OH)2+ + H+ (13) Fe(OH)2+ + hν → Fe2+ + •OH (14) Além disso, supõe-se que haja o desencadeamento de uma série de outras reações, mostradas no mecanismo proposto na Figura 19. Figura 19. Mecanismo proposto das reações que ocorrem no processo SORAS no presente estudo. FONTE: Autoria Própria 55 No mecanismo proposto, apresentado na Figura 19, observa-se que o íon ferroso possui uma tendência a se oxidar, hidrolisar e precipitar na forma de oxihidróxidos de ferro. No entanto, em presença do íon citrato, há a formação de um complexo que inibe esta precipitação, desencadeando um primeiro ciclo de reações, ilustrada na cor vermelha. Neste primeiro ciclo, é possível observar a fotólise do complexo, gerando a degradação (descarboxilação) do íon citrato e a redução do Fe3+ a Fe2+. Este íon ferroso, em presença de H2O2, viabiliza o início da cadeia de reações foto-Fenton, ilustrada na cor azul. Verifica-se que estas duas cadeias de reação atuam de forma sinérgica na produção de espécies e radicais oxidantes, que oxidam o As3+ a As5+, conforme reações 7, 8 e 9. As3+ + O2•- → As4+ + H2O2 (7) As3+ + OH• → As4+ (8) As4+ + O2 → As(V) + O2•- (9) Este sinergismo perdura até que a degradação do citrato impeça a formação dos complexos, permitindo que os íons de Fe precipitem na forma de oxihidróxidos, que adsorvem o arsênio pentavalente, promovendo a remoção do metaloide do meio aquoso através de filtração. 5.5 GERAÇÃO DO MODELO MATEMÁTICO – PLANEJAMENTO DOEHLERT Nesta fase de experimentos foi executado o planejamento fatorial do tipo Doehlert para o ajuste fino dos parâmetros por meio da avaliação de um maior número de níveis das variáveis, distribuídos de maneira axial e repetições do ponto central (Figura 20). 56 Figura 20. Configuração do experimento Doehlert para as três variáveis avaliadas. FONTE: Autoria própria. Os resultados obtidos nesta etapa possibilitam a geração de um modelo matemático e plotagem de gráficos de superfície, que descreveram o comportamento do sistema de acordo com as diferentes combinações das variáveis. Os gráficos são capazes de fornecer as condições que geram a melhor resposta, inclusive extrapolando os limites dos intervalos avaliados. O presente planejamento monitorou três variáveis simultaneamente, “concentração de citrato”, “concentração de ferro” e “ângulo de incidência”. As concentrações de ferro e de citrato foram avaliadas em 7 e 5 níveis, respectivamente compreendidos entre 10 e 80 mg L-1, enquanto o ângulo de incidência foi avaliado em 3 níveis distintos, 0, 45 e 90°. As diferentes associações dos níveis avaliados constituíram 12 amostras, excluindo ponto central, que foi repetido quatro vezes, totalizando 16 amostras, conforme Tabela 11) 57 Tabela 11. Taxas de remoção de arsênio total (%) das amostras do planejamento fatorial do tipo Doehlert. Experimento [Citrato] (mg L-1) [Fe] (mg L-1) Ângulo de incidência Taxa de remoção de As(III) (%) 1.1 Ponto Central 45 45 45° 98,4 1.2 Ponto Central 45 45 45° 97,9 1.3 Ponto Central 45 45 45° 98,5 1.4 Ponto Central 45 45 45° 100,0 2 80 45 45° 98,0 3 62,5 80 45° 97,3 4 62,5 56,67 90° 99,7 5 10 45 45° 80,9 6 27,5 10 45° 98,1 7 27,5 33,33 0° 98,8 8 62,5 10 45° 95,3 9 62,5 33,33 0° 98,9 10 27,5 80 45° 88,2 11 45 68,33 0° 98,7 12 27,5 33,33 90° 98,9 13 45 21,67 90° 99,7 FONTE: Autoria própria. A partir das condições monitoradas e dos resultados obtidos, remoções compreendidas entre 80,9 e 100,0% (Tabela 11), foram plotados gráficos de superfície, através de um modelo matemático. O modelo matemático gerado precisou ser ajustado, através da eliminação dos coeficientes considerados insignificantes, considerando-se na equação (Equação 15) apenas o termo linear e o quadrático referentes à concentração de citrato. Foi realizada uma análise de variâncias (tabela ANOVA), para verificar o modelo por meio da avaliação dos coeficientes de correlação e dos resíduos. O primeiro teste F aplicado baseou-se na razão da média quadrática da regressão, MQR, (175,8) pela média quadrática dos resíduos, MQres, (11,8), com 2 e 13 graus de liberdade, respectivamente. A razão Fcalc/Ftab = 3 significa que a (MQR) e a (MQres) são significativamente diferentes, ou seja, o modelo proposto foi capaz de prever de forma adequada a resposta monitorada (Tabela 12), com 95% de confiança. 𝑦 = 99,06 + 6,39(𝐶𝑖𝑡3−) − 11,21(𝐶𝑖𝑡3−)2 (15) 58 O segundo teste F realizado foi o proveniente da comparação das médias quadráticas da falta de ajuste, MQfaj, (32,2) e das médias quadráticas do erro puro, MQep, (8,1), com respectivamente 2 e 11 graus de liberdade. Este teste avalia se o modelo proposto apresenta falta de ajuste ou se as diferenças entre os resultados preditos e os obtidos empiricamente se confundem com o erro puro, referente às réplicas do ponto central. Este teste F do modelo proposto no presente trabalho apresentou Fcalc/Ftab = 0,7, ou seja, MQfaj e MQep foram estatisticamente iguais, de modo que a falta de ajuste se confunde com o erro puro. Tabela 12. Taxas de remoção de arsênio previstas pelo modelo gerado e obtidas empiricamente. Experimento Taxa de Remoção de As (%) Prevista Real 1.1 Ponto Central 99,1 98,4 1.2 Ponto Central 99,1 97,9 1.3 Ponto Central 99,1 98,5 1.4 Ponto Central 99,1 100,0 2 94,8 98,0 3 99,3 97,3 4 99,3 99,7 5 84,4 80,9 6 94,1 98,1 7 94,1 98,8 8 99,3 95,3 9 99,3 98,9 10 94,1 88,2 11 99,1 98,7 12 94,1 98,9 13 99,1 99,7 FONTE: Autoria Própria. Uma vez que a equação gerada foi comprovadamente confiável, pelo ponto de vista estatístico, foi plotado um gráfico de superfície de resposta (Figura 21) para este conjunto de dados apresentando coeficiente de correlação (R2) de 0,899, com a variável ângulo de incidência fixada em 90º. 59 Figura 21. Gráfico de superfície traçado a partir do planejamento fatorial do tipo Doehlert. FONTE: Autoria Própria. A região demarcada em vermelho escuro na Figura 21 apresentou as combinações de concentrações de citrato e ferro nas quais foram obtidas as melhores remoções de arsênio nos experimentos. Quaisquer combinações nestas regiões poderiam fornecer remoções próximas a 100 %. Entretanto, seguindo os preceitos de química verde de economia de átomos e de eficiência energética, para a etapa de validação do modelo proposto foram utilizadas as menores concentrações de reagentes que forneceram os melhores resultados, que consistiram em 8 mg L-1 de ferro e 32 mg L-1 de citrato, conforme região em destaque. 5.6 VALIDAÇÃO DO MODELO PROPOSTO – CINÉTICA, pH E CONCENTRAÇÃO DE FERRO TOTAL SOB RADIAÇÃO SOLAR E ARTIFICIAL Além de conferir se as condições determinadas na fase anterior confirmariam a resposta prevista, esta etapa do trabalho também incluiu o monitoramento dos 60 parâmetros pH, concentração de ferro e remoção de arsênio em intervalos determinados de tempo, com o intuito de descrever o funcionamento do sistema de maneira ainda mais aprimorada. Preparou-se uma nova batelada de amostras, constituída de três conjuntos de triplicatas, contendo em cada uma delas 330 mL de solução contendo As(III), ferro e citrato com concentrações de 1 mg L-1, 8 mg L-1 e 32 mg L-1 respectivamente. Essas triplicatas foram submetidas a diferentes condições: irradiação solar, irradiação em câmara de foto oxidação equipada com lâmpada (Ultravitalux® UV-A 300W) e permanência em câmara escura (referência). Foram realizadas determinações de pH, concentração de ferro e arsênio total nos intervalos 0, 30, 60, 120, 240 e 300 minutos, além do período chamado de overnight. As determinações de ferro total foram realizadas por meio do método da o- fenantrolina, em espectrofotômetro UV-Vis (λ = 508 nm) e os resultados são apresentados na Figura 22. Figura 22. Gráfico da concentração de ferro total em solução versus tempo nas três condições. FONTE: Autoria Própria. Através da observação do gráfico apresentado na Figura 22, foi possível afirmar que nas condições em que há irradiação, seja ela natural (solar) ou artificial (câmara de foto oxidação), ocorreu uma redução na concentração de ferro no meio. Conforme citado anteriormente, a presença de compostos/radicais oxidantes, tais como O2; O2•-; H2O2, gerados através da fotólise, promovem a oxidação do Fe2+ a 0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 6,00 7,00 8,00 0 60 120 180 240 300 [F e] ( m g/ L) Tempo (min) Escuro Câmara Sol 61 Fe3+. Estes íons recém formados de Fe3+ precipitaram na forma de oxihidróxidos de ferro observado nas Figura 23a e 23b. Figura 23. (a) Amostras Irradiadas pela luz solar ao final do experimento e (b) destaque da formação de corpo de fundo na amostra. FONTE: Autoria Própria. Já as amostras que permaneceram em câmara escura, sem radiação de qualquer tipo, não apresentaram precipitados visíveis, conforme mostrado na Figura 24, o que também pode ser confirmado gráfico da Figura 22 (-escuro), no qual há somente uma pequena redução nos níveis de ferro, com concentração inicial de 6,96 mgL-1 e após o período de overnight, de 6,54 mgL-1. Figura 24. Amostras submetidas à condição Escuro ao final do experimento. FONTE: Autoria Própria. (a) (b) 62 Outro parâmetro monitorado durante o experimento foi o pH das amostras. Os resultados indicaram um perfil semelhante, que consistiu em pequenas variações, compreendidas entre 3,49 e 4,24, considerando as três condições avaliadas, conforme exibe a Figura 25. Figura 25. Gráfico do pH versus tempo nas três condições. FONTE: Autoria Própria. De acordo com Lytle e colaboradores (2005), a coprecipitação do arsênio é altamente dependente o pH do meio em que está inserido. A remoção do metaloide decaiu de aproximadamente 100%, em pH 7 e para 30% quando o pH foi aumentado para 10. No presente estudo o pH manteve-se ácido durante o período monitorado e por se tratar de um meio reacional com características oxidantes, o arsênio trivalente foi oxidado a pentavalente, de modo que as principais espécies de arsênio são H2AsO4 - e H3AsO4, de acordo com a Figura 2. Ainda neste experimento, o arsênio total foi quantificado nas três condições previamente descritas, expressas em percentagens de remoção no decorrer do tempo do estudo, como mostra a figura 26. 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00 4,50 5,00 5,50 6,00 0 60 120 180 240 300 p H Tempo (min) Escuro Câmara Sol 63 Figura 26. Gráfico da porcentagem de remoção de arsênio versus tempo nas três condições. FONTE: Autoria própria. O gráfico exibido na Figura 26 indicou que as amostras irradiadas pelo Sol e pela lâmpada que mimetiza o espectro de emissão da luz solar apresentaram altas taxas de remoção. As que receberam radiação natural apresentaram remoções de 98,8% ao fim dos 300 minutos e após o período de overnight esse valor chegou a 100%. As amostras submetidas a irradiação artificial também apresentaram um incremento no resultado após o repouso na posição vertical no laboratório, passando de 95,7 para 96,8% de remoção. Por outro lado, as amostras submetidas à condição sem irradiação apresentaram resultados distintos das demais. Nos primeiros 120 minutos, nos quais houve remoção de cerca de 90% do As(III) nas amostras irradiadas, a concentração de arsênio manteve-se praticamente inalterada quando comparadas às amostras não irradiadas. A porcentagem de remoção obtida para estas amostras após o período de overnight foi de 38,8%, resultado este, abaixo dos obtidos nas outras condições abordadas no presente estudo. A partir das informações obtidas nesta etapa, foi possível afirmar que a incidência de radiação foi um fator imprescindível para a eficiência do processo, visto que ela proporciona a formação de radicais. Essas espécies oxidantes são responsáveis pela oxidação do arsênio (reações 1 a 3 – HUG et al, 2001) e do ferro (reações 4 a 8 - GRUNDL, T., DELWICHE, J., 1993), conforme demonstram as reações: 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 100,0 0 60 120 180 240 300 R em o çã o d e A s( II I) ( % ) Tempo (min)