Unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Campus de Franca - SP WESLEY WANDER DOS SANTOS FERRAREZI GINÁSIOS ESTADUAIS VOCACIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO (1962- 1969) E PEDAGOGIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTÉUDOS: CAMINHOS E POSSIBILIDADES FRANCA – S.P. 2022 WESLEY WANDER DOS SANTOS FERRAREZI GINÁSIOS ESTADUAIS VOCACIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO (1962- 1969) E PEDAGOGIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTÉUDOS: CAMINHOS E POSSIBILIDADES Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‘‘, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas – linha de pesquisa Política e Gestão Educacional. Orientadora: Profa. Dra. Vânia de Fátima Martino FRANCA – S.P. 2022 WESLEY WANDER DOS SANTOS FERRAREZI Ferrarezi, Wesley Wander Dos Santos F374g Ginásios estaduais vocacionais do Estado de São Paulo (1962-1969) e pedagogia crítico-social dos conteúdos : caminhos e possibilidades / Wesley Wander Dos Santos Ferrarezi. -- Franca, 2022, 91 p. + objeto educacional Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca Orientador: Vânia de Fátima Martino 1. Educação. 2. História da Educação. 3. Ginásios Estaduais Vocacionais. 4. Estado de São Paulo. I. Título. GINÁSIOS ESTADUAIS VOCACIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO (1962- 1969) E PEDAGOGIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTÉUDOS: CAMINHOS E POSSIBILIDADES Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. BANCA EXAMINADORA Presidente:______________________________________________________ Profa. Dra. Vânia de Fátima Martino - UNESP – Campus de Franca/SP 1º Examinador: ___________________________________________________ Profa. Dra. Alessandra David Moreira da Costa, PAPP - UNESP - Campus de Franca/SP 2º Examinador:____________________________________________________ Profa. Dr. Sauloéber Társio de Sousa, Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Uberlândia-MG. 1º Suplente: _________________________________________________ Profa. Dra. Profa. Maria Madalena Gracioli, PAPP-UNESP- Campus de Franca/SP. 2º Suplente: _________________________________________________ Profa. Dra. Profa. Ana Claudia da Silva, Universidade de Brasília/DF (UNB). Programa de Pós-graduação em Literatura Portuguesa. Franca, ____ de _____________ de 2022. AGRADECIMENTOS Desde criança carrego comigo um trecho da música ―A vida é um desafio‖ do grupo de Rap Racionais Mcs ‗‗é necessário sempre acreditar que o sonho é possível, que o céu é o limite e você, truta, é imbatível‘‘. Repleto do sentimento de felicidade gostaria de agradecer primeiramente a Deus que foi a minha Rocha nesses 34 anos de vida, que me iluminou quando eu estava na escuridão e bem distante dos meus sonhos, longe de qualquer formatura, mas bem perto do porta-malas de uma viatura. Digo isso, pois poderia, assim como 90% de meus amigos de infância estar em alguma penitenciária espalhada pelo Estado de São Paulo, porém hoje estou discutindo e debatendo ideias em uma Universidade pública, peço a Deus que meus amigos encontrem a saída desse labirinto. Acredito que neste percurso a vida me propiciou diversas experiências e tenho convicção de que cada qual trouxe ricos aprendizados, somando tudo o que vivi para chegar até aqui o que me define, é realmente quem eu sou. Gostaria de agradecer algumas pessoas que fizeram parte de todo esse processo: Aos meus pais-avós, Paulino e Aparecida, que me acolheram quando eu nasci e que me criaram como filho, me dando os melhores exemplos de vida, por todos os puxões de orelha e todas as surras por amor, pelo carinho e por me ensinar a lutar pelo que é justo. Obrigado aos meus pais, Hélio e Valéria (in memoriam), por todo respaldo, carinho e motivação, por sempre estarem do meu lado me apoiando nos meus sonhos. Agradeço aos meus irmãos de sangue e de criação Renato, Ronaldo, Elizângela, Matheus, Maraísa, Tamires, Júnior, Flávio, Maria Carolina e por toda nossa história juntos. Obrigado a minha esposa Francine com quem eu constituo uma família, minha companheira, guerreira e amiga, que desde o início esteve ao meu lado, me incentivando a correr atrás dos meus sonhos e me ajudando com os estudos. Obrigado, Noah, meu pequenino, meu besourinho, você é o meu maior sonho, você é a luz dos meus dias e é quem me traz esperança e alegria. Obrigado a todos os meus amigos que estiveram lado a lado nos momentos ruins e nos bons, porém gostaria de agradecer especialmente aos amigos professores, Edson Nardi, Robson Amaral, Alexandre Niotis e Yasmin Andrade, por todas as nossas conversas e reflexões juntos, pois para mim esse companheirismo de vocês foi fundamental neste processo. Infelizmente como estávamos vivenciando um estado pandêmico, ocorreram apenas duas aulas presenciais, mas ainda assim agradeço aos meus colegas de turma da pós-graduação, bem como a UNESP/ Franca, pela oportunidade de realizar um sonho. Obrigado a todos os docentes do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. E por último um obrigado especial para a professora Vânia de Fátima Martino, a quem eu agradeço por toda a atenção, ensinamentos e paciência, por acreditar desde o início em nosso projeto e por me transmitir a confiança necessária para trabalhar, sou infinitamente grato! Impossível citar todas as pessoas que fizeram parte desta longa caminhada, mais isso não quer dizer que eu não as carrego comigo. Gratidão é a palavra ideal para representar o que sinto. Obrigado a todos! Ferrarezi, Wesley Wander Dos Santos. Ginásios Estaduais Vocacionais do Estado de São Paulo (1962-1969) e Pedagogia crítico-social dos conteúdos: caminhos e possibilidades RESUMO Este trabalho tem por objetivo de estudo os Ginásios Estaduais Vocacionais -GEV (1962-1969), sua organização curricular e a possibilidade de interface com a educação básica, na atualidade. Para tanto tomamos como referência teórico-metodológica a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, no aspecto histórico, mas sobretudo como proposição para sugestão de inovações e reflexões a respeito do ensino e das políticas públicas educacionais. Os GEVs foram instituições educacionais consideradas ―inovadoras‘‘ que funcionaram em seis cidades do Estado de São Paulo (Americana, Batatais, Barretos, Rio Claro, São Caetano do Sul e São Paulo), entre 1962 e 1969. Pesquisas e relatos de diferentes autores tais como; Mascellani (2010), Chiozzini (2003), Oliveira (1986), Albergaria (2004), Albuquerque (2015), Balzan (2013), Tamberlini (2016) dentre outros, têm indicado que a experiência curricular desenvolvida pelos GEVs foi única e bastante relevante em diferentes aspectos, tanto pela forma como o currículo organizado, quanto pela ênfase nos conteúdos das humanidades que trazia a comunidade, os pais e os alunos a uma integração sólida e participativa nas decisões teóricas e práticas. Nosso objetivo geral, por conseguinte, é identificar e resgatar os aspectos mais significativos do currículo proposto e vivenciado nessas instituições escolares, sendo assim, será de suma importância discorrer sobre os ―Estudos Sociais‖ que embasaram e organizaram o currículo escolar dessas instituições em disciplinas e áreas de conhecimento, e os Estudos do Meio que possibilitavam aos alunos, ao longo dos 4 anos do ginásio, um aprendizado que transcendia a sala de aula, sob uma perspectiva crítica e abrangente de ensino. Para tanto, será necessário refletir sobre as sucessivas transformações pelas quais passou o Estado, durante a existência dos ginásios, ou seja, prescindimos de analisar as políticas públicas relacionando-as ao contexto social, político e econômico que caracterizam a vida da sociedade, pois é pela análise histórica que poderemos compreender os desdobramentos, os cursos e as concepções das políticas em questão. Diante do exposto, será investigado em que medida essas experiências e propostas podem ser recuperadas, incorporadas ou mesmo reelaboradas, no currículo atual em funcionamento no ensino fundamental, amparadas pela Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, tendo em vista uma pedagogia crítico- reflexiva e transformadora. Palavras-chave: ginásios estaduais vocacionais, currículo, educação básica, São Paulo, pedagogia crítico-social dos conteúdos. ABSTRACT This paper aims to study the Vocational State Gymnasiums (1962-1969), its curricular organization and the possibility of interfacing with the basic education nowadays. In order to do so, we take the Critical-Social Pedagogy of Contents as a theoretical and methodological reference, whether in the historical aspect, but mainly as innovations and reflexions’ suggestions about teaching and public educational policies. The GEVs were educational institutions considered “innovative” that operated in 6 cities in the São Paulo state (Americana, Batatais, Barretos, Rio Claro, São Caetano do Sul and São Paulo city) between 1962 and 1969. Research and reports fron diferente authors such as; Mascellani (2010), Chiozzini (2003), Oliveira (1986), Albergaria (2004), Albuquerque (2015), Balzan (2013), Tamberlini (2016) among others, have indicated that the curricular experience developed by the GEVs was unique and quite relevant in different aspects, both for the way that the curriculum was organized and for the emphasis on humanities content that brought the community, parents, and students to a solid and participatory integration in the theoretical and practical decisions. Our general goal, therefore, is to identify and collect the most significant aspects of the proposed and experienced curriculum in these school institutions, being extremely important to discuss the “Social Studies” that based and organized the school curriculum of these institutions in subject and areas of knowledge and the Molieu Studies that allowed students throughout 4 years of high school a learning that transcended the classroom, from a critical and comprehensive teaching perspective. Therefore, it will be necessary to reflect on the successive transformations that the State passed through, during the gymnasiums existence, that is, not to analyse the public policies related to the social, political, and economic context that characterize the society’s life, because it’s through historical analysis that we will be able to understand the developments, courses, and conceptions of the policies in question. In view of the above, it will be investigated to what extent these experiences and proposals can be recovered, incorporated or even re-elaborated, in the current curriculum in operation in the elementary school, supported by the Critical-Social Pedagogy of Contents, with a view to the critical-reflexive and transformative pedagogy. Key words: vocational gymnasiums, curriculum, basic education, São Paulo, critical-social pedagogy of contents. LISTA DE SIGLAS BNCC - Base Nacional Comum Curricular CPC - Centro Popular de Cultura GEV - Ginásio Estadual Vocacional GEVs - Ginásios Estaduais Vocacionais GEVOA - Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha GOT - Ginásio Orientado para o Trabalho IBAD - Instituto Brasileiro de Ação Democrática IPES - Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais MEB - Movimento de Educação de Base PTB - Partido Trabalhista Brasileiro SEV – Serviço de Ensino Vocacional UDN - União Democrática Nacional 10 Sumário INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 12 1. GINÁSIOS ESTADUAIS VOCACIONAIS: CONTEXTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E EDUCACIONAIS ................................................................................................................... 15 1.1. Educação no Brasil nas décadas de 30 a 60 do século XX e as Classes Experimentais de Socorro SP ............................................................................................................................... 15 1.2. A criação do Serviço de Ensino Vocacional .................................................................... 21 1.3. A conjuntura política e econômica nacional no final dos anos 50 e início dos anos 60 do século XX ................................................................................................................................ 23 1.4. O início dos Ginásios Estaduais Vocacionais .................................................................. 26 1.5. O governo de João Goulart e o Golpe Militar de 1964: política e educação .................... 28 1.6. As práticas pedagógicas dos Ginásios Estaduais Vocacionais ......................................... 38 1.7. Ginásios Estaduais Vocacionais: o fim de um projeto inovador ...................................... 43 2. CURRÍCULO: UMA ANÁLISE HISTÓRICA E CONCEITUAL ........................................ 46 2.1. Teorias do currículo ......................................................................................................... 47 2.2. Pensamento tradicional e o currículo ............................................................................... 48 2.3. As teorias críticas e o currículo ........................................................................................ 50 2.4. As teorias pós-críticas e o currículo ................................................................................. 52 3. O CURRÍCULO DOS GINÁSIOS ESTADUAIS VOCACIONAIS: UMA REFLEXÃO CRÍTICA ..................................................................................................................................... 53 3.1. Análise do currículo dos Ginásios Estaduais Vocacionais ............................................... 53 3.2. Estudos Sociais ................................................................................................................. 57 3.3. Estudos do Meio ............................................................................................................... 61 3.4. Abordagens Pedagógicas .................................................................................................. 65 3.4.1 Abordagens Pedagógicas Liberais .............................................................................. 66 3.4.2 Abordagens Pedagógicas Progressistas ...................................................................... 69 4. ENTRE O PASSADO E O PRESENTE, O QUE É POSSÍVEL FAZER? ............................ 75 4.1. A urgência de uma pedagogia reflexiva na educação básica brasileira ............................ 76 11 4.2. Ginásios Estaduais Vocacionais e a pedagogia crítico-social dos conteúdos; por uma pedagogia crítico e reflexiva ................................................................................................... 79 5. CAMINHOS, POSSIBILIDADES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................... 84 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 87 12 INTRODUÇÃO Este trabalho é fruto de estudos advindos de grande curiosidade a respeito dos Ginásios Estaduais Vocacionais, o interesse em fazer esta investigação histórica surgiu a partir dos estudos realizados para compreender o porquê esses ginásios tiveram suas atividades interrompidas abruptamente pelos militares em dezembro de 1969, essa foi a principal causa que nos levou a desenvolver esta pesquisa. Este trabalho intitulado ‗‗Ginásios Estaduais Vocacionais do Estado de São Paulo (1962-1969) e pedagogia crítico-social dos conteúdos: caminhos e possibilidades‘‘, tem por objetivo de estudo sua organização curricular e a possibilidade de interface com a educação básica na atualidade. Para tanto tomamos como referência teórico-metodológica a pedagogia crítico-social dos conteúdos, seja no aspecto histórico, mas especialmente como proposição para sugestão de inovações e reflexões a respeito do ensino e das políticas públicas educacionais. E como será feito isso? Trabalharemos sob o horizonte de que a experiência agregaria determinados valores, tendo em vista que as bases da educação atual se encontram distantes do educando e vêm sendo contestadas por renomados especialistas como; Saviani (2020), Freitas (2018), Libâneo (2018). Para o desenvolvimento desta pesquisa foi utilizada a revisão bibliográfica, dessa maneira, diversas obras foram consultadas, tanto impressas quanto digitais, buscando as obras digitais nos seguintes sites: Periódico CAPES, Science.gov, Scientific Electronic Library Online (Scielo), Google Acadêmico. Lakatos e Marconi descrevem sobre o referido método que a ‗‗pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo‘‘. A partir de uma aproximação introdutória, podemos afirmar que a prática curricular desenvolvida pelos GEVs foi única e bastante relevante em diferentes aspectos, tanto pela forma como o currículo foi organizado, com ênfase nos conteúdos das humanidades, quanto pela perspectiva crítica e abrangente de ensino. Os GEVs foram instituições educacionais consideradas ―inovadoras‖ que funcionaram em seis cidades do Estado de São Paulo (Americana, Batatais, Barretos, Rio Claro, São Caetano do Sul e São Paulo) entre 1962 e 1969 e tinham como ponto central curricular os ―Estudos Sociais‖. 13 Especificamente os Estudos Sociais 1 constituíram-se como balizadores e organizadores das disciplinas e área de conhecimento, de forma crítica e inovadora, se tornando área núcleo do currículo. Os Estudos Sociais se estabeleceram como linha mestra para as outras disciplinas tais como: português, matemática, ciências, inglês/francês/latim, desenho, práticas comerciais, práticas agrícolas, economia doméstica, artes plásticas, artes industriais, educação musical, educação física e familiar/social e cívica (FAGIONATO, 2017). Na prática os Estudos Sociais desempenhados nos GEVs promoviam a integração entre as disciplinas, posteriormente esta aproximação ganharia força com a nomenclatura de interdisciplinaridade. Observamos, também, o importante papel desempenhado pelos Estudos do Meio, por sua destacada investigação e pesquisa que irá levar à possibilidade de os alunos transcenderem a sala de aula, se conectando com a realidade que está em sua volta. Os Estudos do Meio possibilitavam aos alunos, ao longo dos quatro anos do ginásio, um conhecimento que nascia do estudo do município, Estado, Brasil e por último do mundo, com a finalidade de colocar os estudantes diretamente em contato com suas respectivas ações em seu meio de convivência. Dessa forma, percebemos a escolha dessas instituições em construir e aperfeiçoar uma pedagogia crítica e reflexiva, tendo como pressuposto a criação de um currículo orgânico que se distanciava da rigidez educativa tradicional, isto é, o currículo se moldava conforme a realidade concreta, e a propostas não eram prontas e acabadas, tendo flexibilidade para se adaptar às condições reais. A escolha dos Ginásios se faz pela compreensão de que as metodologias utilizadas eram ‗‗revolucionárias‘‘ para aquele período. Também trataremos sobre a complexidade histórica em que essa experiência foi pensada e implementada. Levando em consideração essas questões, nossa investigação busca resgatar os aspectos mais significativos do currículo proposto e vivenciado nessas instituições escolares e analisar em que medida essas experiências e propostas podem ser recuperadas, incorporadas ou mesmo reelaboradas no currículo atual em funcionamento no ensino fundamental. Para isso levaremos em conta, também, a pedagogia crítico-social dos conteúdos como referencial pedagógico, juntamente à urgência de uma pedagogia progressista para a educação básica atual. 1 Fagionato (2017) afirma que com o passar da experiência, os Estudos Sociais se tornaram responsáveis por levantar os temas centrais que entrariam em discussão e que harmonizariam as demais disciplinas. 14 O recorte dado principalmente ao período da Ditadura Militar no Brasil 1964- 1969 se apoia mais especificamente por fatores históricos aliados à perspectiva de perseguição que os Ginásios sofreram, após o golpe de 1964. É diante desse cenário ditatorial que essa proposta educacional foi interrompida em 1969, não resistindo à repressão militar, principalmente após o Ato Institucional nº 5 2 (A-I5). Para elaboração desse trabalho, se faz necessário um estudo histórico-analítico dos GEVs a partir de teses, dissertações, artigos e revistas. Por se tratar de uma pesquisa no âmbito dos currículos escolares, autores da área de Teoria do Currículo como Gimeno-Sacristan, Michael Apple, Goodson e Tomaz Tadeu da Silva embasarão nosso estudo. Para realização deste projeto e na tentativa de contribuir para a reflexão dessas e outras questões, o trabalho será desenvolvido em cinco partes: Seção 1 – ‗‗Ginásios Estaduais Vocacionais: contextos históricos, políticos e educacionais‘‘. Sob o ângulo teórico-político e educacional procuramos traçar um panorama histórico da educação e da conjuntura política no Brasil entre os períodos de 1930 – 1969 do século XX, analisando os marcos legais que versam sobre esse tema. Na tentativa de refletir como é gestada, pensada e implementada a ideia dos Ginásios, procuramos diversos estudos de autores renomados para formar o referencial teórico, apresentando as principais interpretações referentes a esse período. Seção 2 – ‗‗O currículo: uma análise histórica e conceitual‘‘. Realizamos um estudo sobre a origem e o conceito de currículo, nosso objetivo neste capítulo é discutir sobre o seu surgimento, bem como suas tendências e influências políticas e ideológicas. Seção 3 – ‗‗O currículo dos Ginásios Estaduais Vocacionais: Uma reflexão crítica‘‘ Aqui o nosso esforço está voltado para a compreensão do currículo dos Ginásios Estaduais Vocacionais, Estudos Sociais e Estudos do Meio. Sob essa perspectiva, contextualizar a maneira como os mesmos foram trabalhados e a importância de cada um dentro da experiência dos Ginásios. Enquanto as abordagens pedagógicas nos servirão de parâmetro para compreender as tendências educacionais e o que cada uma representou na história da educação nacional. Por último uma análise será feita mais aprofundada sobre a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 2 O ato Institucional nº5, promulgado no dia 13 de dezembro de 1968, sob o governo do General Costa e Silva, foi considerado o ato que instaurou de fato um período ditatorial no Brasil, tendo em vista que após ser emitido iniciou-se o período mais sóbrio do regime militar. 15 Seção 4 – ‗‗Entre o passado e o presente, o que é possível fazer?‘‘. Nosso intento nesse momento é verificar a urgência de uma pedagogia progressista na educação básica e a partir daí propormos a reflexão de alguns caminhos e possibilidades como alternativa ao que tem sido praticado na rede pública. Como protótipo uma cartilha didática foi criada, visto que há inconsistências e contradições na educação básica. Nosso intento é trazer algumas considerações que possam ser discutidas e repensadas, tendo como norte o início de uma mudança na sociedade ainda que de maneira silenciosa no começo, porém transformadora a médio e longo prazo. 1. GINÁSIOS ESTADUAIS VOCACIONAIS: CONTEXTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E EDUCACIONAIS Este capítulo versa sobre o contexto em que a experiência educacional dos GEVs, 1962-1969, foi pensada, construída e implementada, desde o início até sua extinção precoce. É importante esclarecer que o objetivo deste estudo não é fazer uma investigação pormenorizada e histórica dessas instituições na sociedade brasileira, visto que estas já existem e sustentam parte desta pesquisa. Todavia diferentes elementos que constituíram os GEVs do Estado de São Paulo e sua relação com os movimentos educacionais, políticos, legais e sociais que tornaram possíveis a implantação do projeto. 1.1. Educação no Brasil nas décadas de 30 a 60 do século XX e as Classes Experimentais de Socorro SP Com a finalidade de situar o início deste capítulo, se torna necessário analisar as reformas educacionais e as disputas ideológicas ocorridas entre as décadas de 30 e 60 do século XX, pois nessas décadas compreendidas, houve significativas mudanças estruturais na educação brasileira. 16 O professor Demerval Saviani 3 em seu livro Histórias das ideias pedagógicas no Brasil faz uma profunda análise das diversas formas como a educação foi pensada no país, ao longo dos seus mais de 500 anos de história. O autor contextualiza as ideias educacionais implantadas no Brasil com a temporalidade, sociedade e política da época. O referido livro traz consigo uma contextualização histórica geral sobre os rompimentos e permanências, estruturado em quatro períodos. O primeiro período: são as ideias pedagógicas no Brasil entre 1549 e 1759, em que o autor aborda sobre o monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional. O segundo período: se passa entre 1759-1932 e discorre sobre a coexistência entre as vertentes religiosa e leiga da pedagogia tradicional. No terceiro período: ocorrido nos anos de 1932-1969 são abordados os movimentos da pedagogia da escola nova. O quarto e último período: é delimitado pelos anos de 1969 – 2001, e que traz a configuração da concepção pedagógica produtivista (SAVIANI, 2019). Esse breve panorama histórico, a partir da visão de Saviani, faz com que possamos situar as discussões, neste caso o terceiro período, tendo em vista que é sob o governo de Getúlio Vargas que a educação será centralizada e ocorrerá a instituição de uma política pública nacional para a educação. A partir do que foi exposto entendemos a importância que as Classes Experimentais de Socorro 4 (SP) e de outras localidades tomam dentro do contexto educacional daquela época (1930 - 1960). As Classes Experimentais de Socorro podem ser consideradas o embrião dos GEVs, portanto é imprescindível conhecer esse projeto que foi considerado ―revolucionário‖ para os padrões educacionais de meados do século XX, e fundamental para entender o contexto em que os Ginásios foram pensados. Para isso será necessário retomar algumas nuances das décadas em questão, pois o Brasil havia vivenciado um período conturbado do Estado Novo (1937-1945) na era Getúlio Vargas, onde houve um enorme recrudescimento, dificultando inovações ou 3 Demerval Saviani é professor, pedagogo e filósofo. É professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), também é coordenador geral do grupo de estudos e pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR), Saviani é o criador da teoria pedagógica denominada por ele mesmo de Pedagogia Histórico-Crítica. 4 Algumas movimentações para o funcionamento de ‗‗classes experimentais‘‘ se iniciam em 1957, justificando a necessidade de explorar novos métodos e técnicas didáticas. Então em janeiro de 1959, o Ministério da Educação (MEC) através da portaria, autorizava o funcionamento das classes em nível nacional, com isso alguns Estados Brasileiros passaram a constituir suas respectivas experiências (MACELLANI, 1999). 17 mudanças significativas, pois a partir do golpe de estado em 1937, executado pelo então presidente Getúlio Vargas, o sistema de educação brasileiro se tornou um aparelho burocrático do Estado e que foi marcado por um contexto um tanto quanto ditatorial. Com a ascensão de Getúlio Vargas no poder; em 1930, criou-se o Ministério da Educação e Saúde Pública, chefiado por Francisco Campos, que implantou a Reforma de 1931, precedida por um pedido de Vargas aos educadores reunidos na IV Conferência da Associação Brasileira de Educação (ABE) para que fornecessem ao governo ‗o sentido pedagógico da revolução‘. A Reforma Francisco Campos, como ficou conhecida, teve como diferencial a criação, pelo menos em lei, de um Sistema Nacional de Educação, além de ter criado o Conselho Nacional de Educação, órgão consultivo máximo para assessorar o Ministério da Educação (BITTAR; BITTAR, 2012, p. 158). No início dessa década, o Brasil continuava necessitando de reformas pertinentes na educação, pois nos anos 40 do século XX estava longe de atender às demandas existentes no país, com relação aos avanços e às transformações indispensáveis para aquele momento, em outras palavras, era necessário articular propostas para conseguir atender melhor às demandas sociais, tecnológicas e científicas. Para que isso ocorresse seriam imprescindíveis reformas na educação nacional. Essas reformas ocorreram com as leis orgânicas do ensino ou como ficaram conhecidas, Reformas 5 Capanema, instituídas através de oito decretos-leis. a) Decreto-lei n. 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que criou o SENAI; b) Decreto-lei n. 4073, de 30 de janeiro de 1942: Lei Orgânica do Ensino Industrial; c) Decreto-lei n. 4.244, de 9 de abril de 1942: Lei Orgânica do Ensino Secundário; d) Decreto-lei n. 66.141, de 28 de dezembro de 1943: Lei Orgânica do Ensino Comercial; e) Decreto-lei n. 8.5529, de 2 de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino Primário; f) Decreto-lei n. 8.530, de 2 de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino Normal; g) Decreto-lei n. 8.621, de 10 de janeiro de 1946, que criou o SENAC; h) Decreto-lei n. 9613, de 20 de agosto de 1946: Lei Orgânica do Ensino Agrícola (SAVIANI, 2019, p. 269). No entanto, as referidas reformas mesmo introduzindo algumas reinvindicações presentes no Manifesto 6 dos Pioneiros da Educação (1932) não conseguiram atender às necessidades que a educação brasileira carecia, pois, 5 Nas palavras de Bittar e Bittar (2012) as Reformas Capanema ‗‗mantiveram o caráter elitista do ensino secundário e incorporaram um sistema paralelo oficial (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac)‘‘ (BITTAR; BITTAR, 2012, p. 159). 6 Segundo Bittar e Bittar (2012), as reivindicações contidas no Manifesto de 1932 são a) gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário; b) planejamento educacional (Estados, territórios e Distrito Federal deveriam organizar seus sistemas de ensino); c) recursos para o ensino primário (Fundo Nacional do Ensino Primário) estipulando a contribuição dos Estados, Distrito Federal e dos municípios; d) referências à carreira, remuneração, formação e normas para preenchimento de cargos do magistério e na administração (BITTAR; BITTAR, 2012, p. 159). 18 Do ponto de vista da concepção, o conjunto das reformas tinha caráter centralista, fortemente burocratizado; dualista separando o ensino secundário, destinado às elites condutoras, do ensino profissional, destinado ao povo conduzido e concedendo apenas ao ramo secundário a prerrogativa de acesso a qualquer carreira de nível superior; corporativista, pois vinculava estreitamente cada ramo ou tipo de ensino às profissões e aos ofícios requeridos pela organização social (SAVIANI, 2019, p. 270). Após a ditadura Vargas e com o fim do ‗‗Estado Novo‘‘ discussões foram iniciadas quanto à criação das diretrizes básicas da educação, onde ocorreram verdadeiros conflitos ideológicos, principalmente com o fim da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria. Saviani (2019) nos mostra que os colégios confessionais, dirigidos pela Igreja Católica aliada às escolas particulares, sempre resistiram a novos modelos educacionais, as instituições privadas que não tinham doutrina se sustentavam nos argumentos defendidos pela Igreja. Cunha e Góes (1986) relatam que A grande confrontação, na discussão da LDB, estabeleceu-se entre os privatistas do ensino e os educadores que defendiam a escola pública, gratuita e laica. Os privatistas combateram o Projeto Mariani, e fizeram do Substitutivo Lacerda a sua bandeira. (CUNHA E GÓES, 1986, p. 13). Enquanto aconteciam os embates sobre as diretrizes para a educação, prevaleciam os Decretos-leis instituídos na Reforma Capanema, isto é, não era permitido que fossem feitas experiências isoladas. As Reformas introduzidas por Gustavo 7 Capanema eram consideradas um projeto político-ideológico de Getúlio Vargas, sendo assim, se fazia necessária uma redemocratização para que novas ações pudessem ser realizadas. Em passos lentos, algumas mudanças tiveram início no final da década de 50 do século XX ‗‗dessa forma em 4 de julho de 1958, a Diretoria do Ensino Secundário do MEC expedia as ‗Instruções e Normas‘ para o funcionamento das classes, prevendo características diferenciadas do ensino secundário da época‘‘ (ALBERGARIA, 2004, p.39). Enquanto a futura Lei de Diretrizes e Bases 4.024 estava em debate, esta mudança na portaria do MEC foi significativa, ou seja, instituiu possibilidades para abertura de diversas experiências educacionais por todo o território nacional, difundindo diferentes metodologias. 7 Gustavo Capanema foi nomeado por Getúlio Vargas ministro da Educação e Saúde, permanecendo no cargo por 11 anos. 19 No que se refere às classes experimentais do Instituto de Educação de Socorro, bem como outras classes experimentais, a inspiração deriva das experiências da École de Sèvres, ou de Paris, pois a cultura francesa sempre exerceu influência sobre o pensamento acadêmico brasileiro, mas havia a convicção, por parte de seus protagonistas, de que os modelos estrangeiros em muito se distanciavam de nossa realidade (TAMBERLINI, 2016, p, 122). Como nos afirma Tamberlini (2016), muitas propostas se encontravam distantes do educando brasileiro, devido ao fato de que tais importações pedagógicas necessitavam de ajustes e adaptações aos padrões nacionais, pois enquanto muitos países através do Welfare State 8 consolidavam seus sistemas econômicos, produzindo um bem-estar social para suas populações, no Brasil havia uma enorme desigualdade que impedia o sucesso dos respectivos modelos educacionais, principalmente pela diferença econômica entre as classes. Nada haveria, em princípio, contra essas propostas, não fosse a profunda distância dessa linha de pensamento em relação à realidade brasileira. O debate em torno desta questão contribuiu para, posteriormente, no período das Classes Experimentais, se distinguirem projetos que se pretendiam efetivamente renovadores no campo pedagógico daqueles projetos que propunham apenas inovações metodológicas, os quais foram logo identificados como prática de escolanovismo (MASCELLANI, 1999, p, 84). Percebemos desse período que diversas implantações de projetos educacionais eram oriundas de ideias europeias e americanas, as Classes Experimentais de Socorro SP, com outras tantas experiências que ocorreram no Brasil são as pioneiras e tiveram início no ano de 1959, nesse período se inicia um número consideravelmente alto de estabelecimentos com trabalhos experimentais. Segundo Oliveira (1986) muitas seguindo a linha educacional do Padre Faure, pedagogo, diretor do Instituto Superior de Pedagogia do Instituto Católico de Paris, este visitou a cidade de São Paulo e a Secretaria de Educação. Uma data que se torna significativa para o decorrer desse processo, em 11/06/1959 é divulgado o Decreto n º 35.069 que permite o funcionamento das Classes Experimentais 9 em todo o país e, em 25/07/1959, é autorizado o funcionamento no Estado de São Paulo, alguns trechos seguem do decreto: 8 Welfare State conhecido como Estado do Bem-estar social. Sua principal característica foi proporcionar para a população padrões mínimos de saúde, habitação, educação etc. O Welfare State foi desenvolvido a partir das concepções econômicas de Maynard Keynes (1883-1946), tendo como norte a intervenção estatal na economia, contrapondo-se ao modelo do livre-mercado 9 A renovação do ensino secundário no Estado de São Paulo foi vinculada ao Centre International d`Études Pedagogiques (CIEP), criado em Sévres, em 1945. O professor Luis Contier fez estágio nas classes Nouvelles, no Institut Pédagogique de Sévres, na França e implantou algumas adaptações das classes Nouvelles no Instituto Alberto Comte, o trabalho desenvolvido chamou a atenção do diretor do 20 Artigo 1.º - Em estabelecimentos de ensino secundário mantidos pelo Estado, poderão ser instaladas classes experimentais, com o objetivo de ensaiar novos tipos de currículo e de renovar métodos e processos de ensino. Artigo 2.º - A criação e o funcionamento das classes experimentais ficarão subordinadas à regulamentação baixada pelo Ministério da Educação e Cultura e às instruções que forem expedidas pela Secretaria da Educação. Artigo 3.º - A autorização para a criação de classes experimentais far-se-á por ato do Secretário da Educação, mediante proposta do Diretor Geral do Departamento de Educação. Artigo 4.º - Para a instituição e o funcionamento de classes experimentais, a Secretaria da Educação, mediante proposta do Diretor Geral do Departamento de Educação, poderá estabelecer convênio com outros órgãos da administração pública ou com entidades interessadas nos problemas da educação e da cultura (SÃO PAULO, DECRETO N. 35.069, DE 11 DE JUNHO DE 1959). Mascellani 10 (2010) aborda em sua tese de doutorado sobre as Classes Experimentais de Socorro SP e os movimentos pedagógicos que aconteceram naquele período, a mesma relata que: A nosso ver, as inovações pedagógicas trazidas desses modelos estrangeiros se limitavam as metodologias. E no campo metodológico, para os brasileiros, não havia novidades. Eram ideias que estavam contidas no debate intelectual daquele período. Ademais, para os pedagogos e educadores comprometidos com a transformação da educação brasileira, metodologias, por si mesmas, não bastavam. Defendíamos a elaboração de propostas pedagógicas voltadas para valores humanos e sociais e para a formação do cidadão. As metodologias sozinhas não alcançam este nível. Era necessário, pois, situar a base filosófica das experiências (MASCELLANI, 2010, p.83,84). Para destacar as diferenças das Classes Experimentais de Socorro para as demais que eram desenvolvidas em outras localidades, Mascellani (2010) faz análises precisas de pontos-chaves que tornavam as Classes de Socorro únicas. Na concepção de Macellani (2010), as Classes se diferenciavam das outras experiências em curso, pois os objetivos eram traçados de maneira distinta, sempre colocando o aluno no centro das ações e o ambiente que este está inserido, para que se pudesse formar um currículo o mais próximo possível da realidade dos mesmos, sempre o trabalho em grupo, com propostas diferenciadas como o estudo dirigido, as aulas fora da escola conhecidas como estudo do meio e com isso se diferenciando das demais implantações (MASCELLANI, 2010). Ensino Secundário do MEC, Prof. Gildásio Amado, com isso surgiu a sugestão de uma autorização para o desenvolvimento das ‗‗classes experimentais‘‘ no país (MASCELLANI, 1999). 10 Para entender de uma maneira mais abrangente sobre as Classes Experimentais de Socorro SP, a tese de doutorado da coordenadora do Serviço de Ensino Vocacional (SEV), Maria Nilde Mascellani é fundamental. Professora das Classes Experimentais de Socorro, Maria Nilde configura-se como uma das principais figuras dos Ginásios Vocacionais, bem como seu trabalho intitulado Pedagogia para o trabalhador: O Ensino Vocacional como base para uma proposta pedagógica de capacitação profissional de trabalhadores desempregados, defendido em 1999 e publicado em 2010. 21 Com o reconhecimento pelo trabalho desenvolvido nas Classes Experimentais de Socorro, diante de um projeto pioneiro e sólido que entrara no terceiro ano consecutivo de funcionamento, o então secretário estadual de educação (1960) Luciano de Vasconcelos Carvalho é convidado para realizar uma visita à cidade de Socorro – SP. O secretário se surpreende com o que lhe é apresentado naquela escola, encantado com o projeto, Luciano tem a ideia de implantar este experimento em outras localidades do Estado de São Paulo, para uma renovação no ensino, pois ele já havia visitado instituições fora do país, assim, após alguns dias ele convida Maria Nilde em seu gabinete para uma conversa (MASCELLANI, 2010). 1.2. A criação do Serviço de Ensino Vocacional Após o encontro de Maria Nilde Mascellani com o secretário da educação, foi instituída uma comissão que se beneficiou com ‗‗uma brecha que possibilitava o experimento no âmbito da legislação estadual: estava sendo discutida a reforma do ensino industrial‘‘(OLIVEIRA, 1986, p.49). A partir da Reforma do Ensino Industrial, foi montada uma comissão de educadores especialistas para delinear um novo tipo de ensino no Estado de São Paulo. Mascellani (2010, p.89) relata que ‗‗o trabalho da comissão foi elaborar o texto legal com base nos textos da reforma do ensino industrial. Num segundo momento, coube à comissão redigir o texto do decreto que regulamentaria a lei estadual‘‘. Chiozzini (2003, p. 27) nos mostra que ‗‗tudo indica que o Secretário conseguiu criar condições para a implantação do Vocacional com o apoio de deputados que eram ferrenhos defensores do ensino tecnicista‘‘. A Lei do Ensino Industrial, a Lei Estadual 6.052, de 3 de fevereiro de 1961, possibilitou com base legal a criação dos Ginásios Estaduais Vocacionais e o Serviço do Ensino Vocacional (SEV) com o objetivo de que esse desenvolvesse o projeto e todas as tratativas burocráticas para o funcionamento dos mesmos, fazendo com que os Ginásios se tornassem independentes em determinadas ações tais como: em suas práticas pedagógicas e outras decisões importantes tendo que se reportar diretamente ao SEV, no decreto está descrito quanto aos Cursos Vocacionais que: Artigo 21 - os Cursos Vocacionais, de dois ou quatro anos de duração, de primeiro ciclo do ensino de grau médio, terão o caráter de curso básico destinado a proporcionar cultura geral, explorar as aptidões dos educandos e desenvolver suas capacidades, dando-lhes iniciação técnica e orientando-os 22 em face das oportunidades de trabalho e para estudos posteriores. Artigo 22 - Os cursos vocacionais poderão funcionar em duas etapas: 1) - Iniciação Vocacional; 2) - Básico Vocacional ou Ginásio Vocacional. Artigo 23 - O Curso Básico Vocacional, ou Ginásio Vocacional, de quatro anos de duração, terá sua organização e funcionamento nos moldes fixados pela legislação que regula o primeiro ciclo do ensino secundário vigente no país, correspondendo o Curso de Iniciação Vocacional às duas primeiras séries desse mesmo curso. Artigo 24 - Além de disciplinas próprias do primeiro ciclo do ensino secundário vigente no país, o Curso Básico Vocacional oi Ginásio Vocacional, bem como o Curso de Iniciação Vocacional, terão seus respectivos currículos acrescidos de matérias de iniciação técnica. Parágrafo único - As matérias de iniciação técnica incluirão atividades de experimentação profissional de várias modalidades e práticas de oficina ou laboratório, sem preocupação imediata de forma artífices, com o fim de proporcionar orientação profissional e despertar interesses para profissões técnicas e científicas. Artigo 25 - O Curso Básico Vocacional e o Curso de Iniciação Vocacional poderão funcionar nas Escolas Industriais ou Escolas de Economia Doméstica e de Artes Aplicadas, sujeitos à direção administrativa dos mesmos estabelecimentos. Parágrafo único - O Curso Básico Vocacional poderá, a critério do Poder Executivo, funcionar como unidade distinta ou integrada em Centro Educacional, diretamente subordinada e orientada por órgão especializado de educação secundária da Secretaria da Educação, passando a denominar-se Ginásio Vocacional. (SÃO PAULO, LEI Nº 6.052, DE 03 DE FEVEREIRO DE 1961, p. 4). O SEV ficou com total responsabilidade quanto à criação dos GEVs, isto incluindo uma ampla pesquisa das localidades nas quais seriam implantadas as escolas, contratações de professores e funcionários, captação de recursos, pesquisa socioeconômica da cidade, assim esmiuçando detalhadamente e colhendo todas as informações necessárias para que, a partir dessas análises, se pudessem formular os objetivos específicos, gerais dos colégios e construir o currículo, sendo este processo de suma importância para um melhor desempenho. Quanto às disposições do SEV no Decreto de n. 38.643, de 27 de junho de 1961, que regulamenta a Lei n. 6.052, o decreto expõe: Artigo 321 - Fica criado, diretamente subordinado ao Secretário o da Educação, um Serviço de Ensino Vocacional, destinado a:1) - estabelecer planos de ensino e de educação relativos aos Cursos Vocacionais;2) - propor medidas sobre a criação e a instalação de Cursos Vocacionais e cuidar de sua instalação e funcionamento regular;3) - emitir diretrizes técnicas e pedagógicas relativas aos Cursos Vocacionais;4) - cuidar da preparação, da admissão, da orientação e da supervisão do pessoal do CursosVocacionais;5) - propor recursos para aquisição de material permanente a de consumo e propor ainda recursos para cobertura de despesas diversas referentes aos Cursos Vocacionais.6) - efetuar pesquisas, inquéritos e levantamentos sobre Cursos Vocacionais e assuntos correlatos;7) - propor a celebração de acordos e Convênios relativos aos Cursos Vocacionais (SÃO PAULO, DECRETO N. 38.643, DE 27 DE JUNHO DE 1961, p. 42). 23 A criação dos SEV e dos GEVs se dá em um momento de intensas movimentações por uma educação de qualidade e democrática, por todo o país professores lutam por reformas e pela aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 4.024. Os debates se arrastaram desde o final dos anos 40 do século XX, quando o Ministro da Educação e Saúde Clemente Mariani convocou os principais educadores do país para elaborar o anteprojeto da LDB 4.024. Porém o ex-ministro da Ditadura Vargas, Gustavo Capanema, se indispôs contra a iniciativa, afirmando que o projeto era antigetulista (SAVIANI, 2019). Esses acalorados debates ideológicos, a respeito da LDB, fizeram com que tardasse a aprovação da mesma, dando forças para as instituições privadas se organizarem, pois quando a LDB 4.024 poderia ser aprovada, Carlos Lacerda se levantou contra o projeto, alegando razões de ordem geral na parte doutrinária da lei e sobretudo na questão do ensino particular e do ensino público. A lei tinha tendências de maior inclinação para o serviço público, enquanto Carlos Lacerda defendia uma orientação que era da Igreja, de que o ensino devia ser particular. Quer dizer, democraticamente, a educação só se poderia realizar através dos particulares e não através do poder público, que teria uma tendência a colocar a administração a seus serviços etc. O que se pretendia era o sistema da Holanda, em que o governo dá dinheiro para as escolas particulares realizarem o ensino, inclusive gratuito, para toda a população (MONTEIRO, 2007, p. 148). É sobre esses intensos debates ideológicos no Congresso Nacional que se dará o final da década de 50 do século XX e que irá suscitar o início da Campanha em Defesa da Escola Pública, liderada por Florestan Fernandes e Fernando de Azevedo. 1.3. A conjuntura política e econômica nacional no final dos anos 50 e início dos anos 60 do século XX Antes de dar continuidade é de suma importância a compreensão de como o Brasil se encontrava no final dos anos 50 e início dos anos 60 do século XX, pois alguns fatos políticos e econômicos ocorridos nesse período se tornam decisivos mais tarde para o funcionamento dos GEVs. Com a intenção de fazer um adendo para que possamos entender os processos que ocorreram no país, será necessário resgatar acontecimentos ocorridos naquele período e que sintetizam o momento em que a nação brasileira se encontrava. Segundo Moacyr de Góes: No Brasil o populismo foi 'revolucionário' em 1930; 'bonapartista' em 1937; nacionalista e anti-imperialista de 1950 a 1954; desenvo1vimentista no final 24 dos anos 50; mora1ista em 1961; nacionalista e sindicalista até a sua queda em 1964 (CUNHA E GÓES, 1986, p. 10). Iniciaremos discorrendo sobre um fato que abalou o país, pois em 1954 a população brasileira foi pega de surpresa com o suicídio de Getúlio Vargas, 11 alguns dias após o atentado contra o político e jornalista Carlos Lacerda, na Rua Tonelero em Copacabana, que vitimou o chefe de sua guarda pessoal, Rubens Florentino Vaz, o atual presidente saía da vida para entrar na História, antes desse ocorrido Vargas havia sofrido uma grande pressão para renunciar. Após seu suicídio, as instituições se mantiveram em sua conformidade. Assumiu o governo seu sucessor Café Filho que cumpriu o restante do mandato. Chegadas as eleições de 1955, são eleitos Juscelino Kubistchek candidato do Partido Social Democrático (PSD) e João Goulart do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) na presidência e vice-presidência. Nesse período e com algumas medidas tomadas com relação à política econômica, o Brasil começou a traçar novos rumos, caminhando para direções diferentes das de Vargas, ou seja, ‗‗o clima do nacionalismo desenvolvimentista irradiou-se por toda a sociedade brasileira ao longo da década de 50 e nos primeiros anos da década seguinte, penetrando, portanto, também na educação‘‘ (SAVIANI, 2019, p. 307). Com uma ambiciosa promessa de ‗‗50 anos em 5‘‘, Juscelino implementou o programa de metas com o intuito de promover e acelerar, a partir de investimentos em indústrias, alimentação, educação e energia, o desenvolvimento do Brasil, sem contar a construção da cidade de Brasília, porém para atingir as metas seriam necessários altos investimentos. Seguindo esta linha de raciocínio de desenvolvimento industrial do país, o governo de Juscelino deu forte ênfase ao ensino técnico-profissional, isto é, a educação que profissionalizava os cidadãos serviria para inserir o mesmo na nova civilização industrial que estava sendo instaurada no Brasil. Bandeira (1977) entende que, no mandato do presidente Kubistchek, existia uma grande dificuldade para importação de bens de consumo, assim empresas estrangeiras foram atraídas a investir no país, tendo diversos privilégios, enfraquecendo as firmas brasileiras as quais não desfrutavam dos mesmos direitos, isso fica evidente com a 11 Segundo Fausto (2007, p. 417) ‗‗O suicídio de Vargas exprimia desespero pessoal, mas tinha também um profundo significado político. O ato em si continha uma carga dramática capaz de eletrizar a grande massa. Além disso, o presidente deixava como legado uma mensagem aos brasileiros – a chamada carta- testamento – onde se apresentava como vítima e ao mesmo tempo acusador de inimigos impopulares‘‘. 25 instrução 12 113 que foi revitalizada pela Lei 13 de Tarifas, concretizando o monopólio e o oligopólio no país. Com novas propostas sendo seguidas pelo governo da época, acontece um aumento significativo no setor de produção em diferentes seguimentos desde automóveis até pequenos artefatos. Esse processo econômico começa a colher bons resultados, pois com essas novas mudanças houve uma internacionalização da economia, assim atraindo investimentos de diversos países, afrouxando de certa maneira a intervenção estatal na economia. Essa fase desenvolvimentista brasileira fez com que o crescimento da indústria nacional fosse altamente afetado com a Instrução 113 de 1957, incentivando uma grande desnacionalização das empresas, passando o controle a capitais estrangeiros, isso apenas ocasionou certa estabilidade política daquele período (BANDEIRA, 1977). Já no final da década de 50 do governo Juscelino Kubistchek e João Goulart: Em termos econômicos, o Brasil crescera muito durante o governo de JK. A produção industrial aumentara 80%. Em alguns ramos da indústria o crescimento fora impressionante, bastando citar a elétrica e de comunicações, com 380%, e a de equipamentos e transportes, com 600%. A renda per capita do país alcançara o patamar de três vezes o da América Latina. Se Vargas lançara as bases para a industrialização do Brasil, Juscelino fizera o restante. Mas, ao final de seu governo, o país estava com as contas públicas e a balança de pagamentos deficitárias, a inflação em alta, e com problemas para realizar o pagamento das parcelas da dívida externa que venceriam a curto prazo (FERREIRA E GOMES, 2014, p. 24). Esse era um cenário diferente do início do mandato de Juscelino com a inflação descontrolada e um aumento significativo do desemprego a população foi perdendo a sua capacidade de consumir, iniciando assim uma queda brusca e grande insegurança no setor econômico, esse período também é marcado por diversas greves espalhadas por todo o país, tanto na indústria quanto no campo (OLIVEIRA, 1986). Com a expansão industrial, a imigração impulsionada aos grandes centros urbanos, a crise iminente e a omissão do Estado fizeram com que as periferias urbanas se dilatassem, mostrando a extrema pobreza também como um resultado do 12 Eugênio Gudin foi Ministro da Fazenda do governo de Juscelino durante sete meses entre 1954-1955 e era nas palavras de Saviani (2019, p. 351) um ‗‗Monetarista, adepto de uma política econômica ortodoxa, Gudin baixou, em 1955, a portaria 113 da Superintendência da Moeda e do crédito (SUMOC), a antecessora do Banco Central, que concedeu grandes vantagens ao capital estrangeiro. 13 Lei n. 3.244, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada por Juscelino em 14 de agosto de 1957, ficou conhecida como Lei de Tarifas. 26 desenvolvimentismo adotado por JK, pois essa política era desfavorável ao nacionalismo e desenvolvimentismo, enriquecendo apenas as empresas estrangeiras. A educação no governo de Juscelino, segundo Cardoso (1977), esteve rigorosamente atrelada ao desenvolvimentismo, ou seja, a um instrumento a serviço do mesmo. Em 1960 ano de eleição se inicia uma corrida presidencial, onde de um lado se encontra Jânio Quadros e de outro o Marechal Henrique Lott. Juscelino Kubitschek se afastou da disputa, pois seu governo havia gerado altos índices inflacionários na economia, e o ex-presidente estava recebendo fortes críticas e sendo acusado de corrupção envolvendo a construção da cidade de Brasília. Jânio vence as eleições para presidente, porém seu vice não consegue se eleger e novamente João Goulart é eleito vice-presidente, pois nesse período se votava separadamente para presidente e vice- presidente. Após sete meses de governo, Jânio Quadros renuncia ao cargo ficando em seu lugar seu vice João Goulart, com isso se dá início a um período extremamente conturbado que marcará para sempre a vida desta nação e que inclusive terá papel fundamental para o fim dos GEVs. 1.4. O início dos Ginásios Estaduais Vocacionais Amparada pela Lei de Diretrizes e Bases nº 4.024/1961, assinada pelo presidente João Goulart, a LDB 4.024 viabilizou e os Ginásios se apoiaram também no artigo 104 da lei federal. A primeira LDB 14 4.024/1961 foi uma ‗‗vitória‘‘ da classe trabalhadora que ansiava por uma escola democrática. Pois Saviani (2019) nos relata que: 14 Sobre a LDB Anísio Teixeira (1976) em seu livro Educação no Brasil descreve quais eram suas perspectivas; Está já em curso no Congresso a lei complementar à Constituição que traçará as diretrizes e bases da educação nacional. Essa lei básica não poderá deixar, dentro dos princípios constitucionais, de proceder a uma ampla e indispensável descentralização administrativa da educação, graças à qual o Ministério da Educação e Cultura poderá retomar as suas altas e difíceis funções de liderança estimuladora e criadora da educação ao invés de atuação restritiva e rígida com que cerceia e dificulta, hoje, o desenvolvimento e a expansão das iniciativas e experiências novas, e limita e empobrece a força vivificadora da autonomia e do senso de responsabilidade. No novo regime a ser implantado, de descentralização e liberdade com responsabilidade, dentro do quadro das bases e diretrizes da educação nacional, os instrumentos de controle e coordenação passam a ser delicados instrumentos das verificações objetivas, dos inquéritos reveladores, nas conferências educacionais. Será um regime a se criar no país, de mais sanções de opinião pública e de consciência educacional, do que de atos de autoridade (TEIXEIRA, 1976, p.30). 27 Na avaliação de Anísio Teixeira, embora a LDB tenha deixado muito a desejar em relação às necessidades do Brasil na conjuntura de sua aprovação, ele considerou uma vitória a orientação liberal, de caráter descentralizador, que prevaleceu no texto da lei. Assim, a aspiração dos renovadores, que desde a década de 1920 vinham defendendo a autonomia dos estados e a diversificação e descentralização do ensino, foi consagrada na LDB (SAVIANI, 2019, p. 307). O SEV ficou encarregado da implantação dos GEVs, isso significa que as diferentes tarefas necessárias para a abertura das escolas seriam de sua responsabilidade. Oliveira (1986) aponta que o órgão teve dificuldades neste início dos trabalhos pelo baixo número de funcionários, e que foi consultado o Fundo Estadual de Construções Escolares- FECE, para localizar os lugares ideais, a partir dessas iniciativas nasceram em 1962 as três unidades, localizadas uma em São Paulo no bairro do Brooklin, uma na cidade de Batatais no interior do Estado, cidade com características agrícolas, e a última em Americana cidade industrial, localizada também no interior do Estado. No final de 1961, aconteceu o treinamento dos professores que fizeram estágio nas Classes Experimentais de Socorro, eles também tiveram aulas teóricas e específicas sobre as localidades onde cada escola seria implantada e o público ao qual possivelmente seria trabalhado, para essas atividades foi preciso um grande efetivo de professores, coordenadores e especialistas, os alunos de Ciências Sociais da USP também colaboraram nesse processo (OLIVEIRA, 1986). Em 1963 um ano após o início das atividades dos GEVs, foram implantadas mais duas unidades uma na cidade de Rio Claro e outra na Cidade de Barretos. Existia ainda a possibilidade de novos GEVs, em diversas localidades espalhadas por todo o Estado, Jundiaí, São Sebastião, São Carlos, Sorocaba, Campinas, Bauru, São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Marília, São Caetano do Sul, São Bernardo do Campo, de todas as citadas acima apenas a de São Caetano do Sul funcionou em regime de meio período no ano de 1968 (ALBERGARIA, 2004). Os GEVs atendiam adolescentes que cursavam o 1º ciclo do ensino secundário que tinha duração de 4 anos e ocorria em período integral (CHIOZZINI, 2003). Para o ingresso dos alunos segundo Oliveira (1986), era feita uma seleção através de entrevistas juntamente de uma análise que tinha o intuito de se aproximar dos candidatos para ter noção, se estes teriam um bom desempenho, o roteiro dessas 28 entrevistas era desenvolvido por especialistas, o experimento deu início na 1ª série com um total de 90 alunos, que foram divididos em três grupos de trinta, sendo 45 meninos e 45 meninas. No início de 1962 com os professores prontos e as instalações adequadas e em ordem, se inicia o funcionamento dos GEVs agora sem a presença de Luciano de Carvalho como secretário de educação, que se transferiu para a secretaria da fazenda, tendo como seu substituto o professor Carlos Pasquale, este não era simpático ao modelo adotado pelos Ginásios (OLIVEIRA, 1986). 1.5. O governo de João Goulart e o Golpe Militar de 1964: política e educação Nesse início de governo de João Goulart vale ressaltar que o Brasil vivia um clima de grande instabilidade política. E que nas palavras de Moacyr de Góes (1986) ‗‗Nos anos 60 a crise é econômica, é social e é política‘‘(CUNHA E GÓES, 1986, p.8). Por outro lado existia uma revolução 15 em andamento em setores culturais que se iniciava com grande entusiasmo, diversas peças teatrais entravam em cartaz por todo o país, as pessoas estavam sempre ligadas para conhecer quem entraria no topo das paradas do rádio, e a televisão a cada dia conquistava o coração dos brasileiros, movimentos estudantis se espalhavam pelas diversas universidades, a sociedade aos poucos se transformava, criando uma nova identidade. Essas aproximações entre o cultural e o educacional trarão inúmeros movimentos pedagógicos que terão grande relevância para a educação nacional. Isto é, estava em andamento uma nova corrente pré-revolução de 1964. Moacyr de Góes (1986) relata que: No Recife (Movimento de Cultura Popular - MCP), em Natal (Campanha de Pé No Chão Também Se Aprende A Ler); no âmbito da Igreja Católica (Movimento de Educação de Base – MEB); na UNE (Centro Popular de Cultura – CPC). Estes foram os movimentos que emergiram em 1960-1961 e, pelo estudo de suas propostas e práticas, é possível acompanhar um tempo de alvorada – curta alvorada (CUNHA E GÓES, 1986, p. 16). Em pouco tempo de governo, Jânio era figura indesejada em diversos setores, e após sete meses de governo o presidente colecionava insatisfações por todos os lados, trabalhistas, camponeses, militares, conservadores e comunistas o criticavam fortemente, uma das principais polêmicas foi por ele conceder a Ernesto ‗‗Che‘‘ 15 No campo musical, a renovação veio com a bossa nova, no cinema, destaca-se o Cinema-Novo. 29 Guevara a Ordem Cruzeiro do Sul, a condecoração mais alta atribuída a cidadãos estrangeiros. Em um ato surpreendente, Jânio renuncia ao posto de Presidente do país, esta foi uma tentativa ousada e em contrapartida ingênua, onde seu objetivo era que a população e parte do governo e os militares não aceitassem a sua renúncia e o mesmo voltasse com mais poderes, isso não aconteceu e tão logo o Congresso Nacional atendeu ao seu pedido, o seu plano desabou. Enquanto toda essa trama obscura acontecia, João Goulart estava em missão oficial: Na viagem, Goulart encontrou-se com o líder soviético Nikita Khrushchov, com o primeiro-ministro chinês Chou En-lai e com o próprio Mao Tsé-tung. Proferiu vários discursos, participou de jantares e liderou encontros entre empresários brasileiros e funcionários soviéticos e chineses, com resultados considerados muito bons. No dia 24 de agosto, estava de regresso ao Brasil. (FERREIRA E GOMES, 2014, p. 22). Ao contrário do que a oposição dizia sobre João Goulart, o mesmo não se encontrava despreparado para o governo, pois já estava no seu segundo mandato como vice-presidente, e quanto às pressões ele sabia o que iria enfrentar, visto que quando ainda ministro do trabalho na era Vargas bateu de frente contra o alto escalão dos opositores do governo, ao propor um aumento de 100% no salário-mínimo, isso custou a sua saída do ministério. Segundo Bandeira (1977, p.31), ‗‗Goulart não se deixaria intimidar com o descontentamento que sua conduta provocava naqueles que vivem acumulando lucros à custa do suor alheio‘‘. No Brasil ocorria uma enorme ‗‗guerra‘‘ com o fato de Jango ser o novo presidente, alguns militares e a oposição, principalmente a União Democrática Nacional (UDN) liderada pelo governador da Guanabara Carlos Lacerda, não queriam aceitar sua investidura. Os opositores entendiam que João Goulart além de líder do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) daria continuidade à política nacionalista de Getúlio Vargas, se aliando a grupos de esquerda e aos diversos grupos de trabalhadores, isso criava uma grande apreensão e receio na classe burguesa brasileira e em alguns integrantes do Partido Social Democrática (PSD) na UDN e em uma parte dos militares. No entanto, o grupo que era favorável ao impedimento de Jango não esperava que uma enorme onda de apoio da população com parte das Forças Armadas espalhadas 30 pelo país lutaria pela legalidade. O governador Leonel Brizola conseguiu mobilizar uma grande massa de civis no Rio Grande do Sul juntamente do III Exército, com isso o Congresso se viu na obrigação de atender a todo o apelo da população. Foi proposto à instituição o regime parlamentarista, Tancredo Neves foi quem intermediou as negociações para tentar frear a crise política que havia se estendido: O pessedista Tancredo Neves, que fora ministro de Vargas em seu segundo governo, foi encarregado de levar a proposta a Jango. No dia 1º setembro, ele chegou a Montevidéu, onde Jango o aguardava. Mesmo sendo inteiramente favorável a uma saída pacífica e já informado de que se buscava uma negociação política com os militares, Jango se surpreendeu e resistiu à proposta. A conversa com Tancredo Neves não foi fácil. Com o regime parlamentar, ele tomaria posse, mas praticamente sem poderes. Tancredo insistiu. O país encontrava-se fraturado; ameaçado por um conflito armado. A possibilidade iminente de uma guerra civil fez com que aceitasse o regime parlamentarista, mesmo a contragosto. Tancredo ainda fez mais. Persuadiu Goulart a não fazer nenhuma declaração ao chegar a Porto Alegre. Tratava-se de uma exigência dos ministros militares. Evidentemente muito irritado, Jango achou melhor concordar e acabar de vez com aquela situação (FERREIRA E GOMES, 2014, p.44). Sem os plenos poderes, Goulart assume sob o regime parlamentarista com Tancredo Neves de primeiro-ministro, e assim se inicia um novo governo com novas ideias e uma diferente bandeira é hasteada, as reformas de base. As reformas de base abordadas no governo de Goulart vão de encontro com os movimentos educacionais em andamento, que são vistos como base para a criação de um novo homem, ou seja, o Sistema Paulo Freire de alfabetização, o Centro Popular de Cultura (CPC) e o Movimento de Educação de Base (MEB) terão papel fundamental na alfabetização de homens e mulheres. Nesse período de intensos debates políticos e ideológicos, esses movimentos farão com que os participantes se tornem agentes no seu próprio processo histórico, a partir de suas vivências. Paulo Freire 16 foi quem mais bateu nessa tecla, pois acreditava que seria através da alfabetização e do entendimento da realidade concreta que as pessoas se tornariam sujeitos de sua história. Goulart tinha como objetivo seguir o legado de Getúlio Vargas e assim dar continuidade ao projeto de social-democracia de seu tutor que visava a buscar mais 16 Após o golpe de 1964, os militares criaram um movimento educacional na tentativa de substituir o Sistema Paulo Freire como nos relata Dreifuss; No Nordeste para se opor à criativa experiência de Paulo Freire e o Movimento de Educação Básica, existiu a Cruzada ABC, dirigida por um pastor protestante norte-americano com o intuito de frear e restringir a formação de uma perspectiva crítica (DREIFUSS, 1981). 31 igualdade social no país, em seu discurso 17 na Câmara dos Deputados quando ainda era vice-presidente Goulart afirmara que: A política de desenvolvimento econômico abriu perspectivas seguras para novas e fecundas lutas pela emancipação nacional através das quais conseguirá o nosso povo libertar-se dos resíduos do colonialismo e preservar os frutos do seu próprio trabalho, integrando na comunhão nacional a grande massa dos menos favorecidos, liberada das injustiças e das desigualdades que anulam a confiança do homem em si mesmo e impedem o advento de uma verdadeira democracia social (BRASIL, SENADO FEDERAL, 1 DE FEVEREIRO DE 1961, 41 LEGISLATURA, 3 SESSÃO LEGISLATIVA). As reformas de base defendiam um desenvolvimento nacional independente, fundado na distribuição de renda, dentre algumas medidas propunha, reforma agrária, reforma na educação, reforma trabalhista, reforma eleitoral e outros pontos que na visão de Goulart poderiam ser o caminho para um país mais justo, sobre as reformas de base Marieta de Moraes Ferreira, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC que relata: Sob essa ampla denominação de ‗reformas de base‘ estava reunido um conjunto de iniciativas: as reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária. Sustentava-se ainda a necessidade de estender o direito de voto aos analfabetos e às patentes subalternas das forças armadas, como marinheiros e os sargentos, e defendia-se medidas nacionalistas prevendo uma intervenção mais ampla do Estado na vida econômica e um maior controle dos investimentos estrangeiros no país, mediante a regulamentação das remessas de lucros para o exterior 18 . Por conseguinte fez com que o seu governo se aproximasse dos grupos de esquerda desde os mais moderados até os mais extremos e se distanciasse da ala mais conservadora, consequentemente essa linha de raciocínio do presidente era contrária aos interesses norte-americanos. Desde o início, o presidente John Kennedy não ficou satisfeito com a entrada de Goulart na presidência, alguns fatos ajudavam para que isso ocorresse além do posicionamento ideológico oposto, Jango era cunhado do governador Leonel Brizola e isso também fez pesar na balança de Kennedy. No ano de 1959, Brizola em um ato repudiado pelo governo norte-americano encampara a subsidiária da American & Foreign Power (Bond & Share) uma Companhia de Energia Elétrica Riograndense, e em 1962, Brizola desapropriou os bens 17 Discurso pronunciado pelo vice-presidente da República João Goulart (PTB-RS), como presidente do Senado, em 1 de fevereiro de 1961. 18 Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/As_reformas_de_base. Acesso em 21 de set. de 2021. http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/As_reformas_de_base 32 da Companhia Telefônica Nacional, subsidiária da ITT (International Telephone & Telegraph), afirmando que os serviços e equipamentos dessas empresas eram obsoletos e incompatíveis com os interesses públicos (BANDEIRA, 1976). Outro fator preponderante nas relações entre Brasil e Estados Unidos foi a Conferência de Punta del Este, realizada em 1962, onde na ocasião o ministro San Tiago Dantas se opôs à posição norte-americana, defendendo a neutralização de Cuba e consequentemente não reconhecendo a intervenção naquele país, minando ainda mais o elo entre as duas nações (BANDEIRA, 1976). A partir do ano de 1962, se intensificaram as ações para a derrubada de João Goulart, principalmente após aprovação do congresso para votação no início de 1963 quanto ao parlamentarismo, os grupos conservadores com os radicais de direita começaram a se organizar, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES 19 ) são fundamentais para articulação do golpe em 1964, como nos relata Ferreira e Gomes: Mas tais ‗confabulações‘ tinham enraizamento em organizações muito atuantes desde os anos 1950. Entre elas, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o IBAD, fundado em 1959. Esse instituto, por meio de sua revista e de outros meios de comunicação, divulgava mensagens fortemente anticomunistas, criticando também a atitude moderada da imprensa contra o ‗esquerdismo‘, como foi o caso da campanha contra o Jornal do Brasil. No entanto, ia muito além, recebendo fundos de empresas privadas brasileiras e dinheiro da CIA (Central Intelligence Agency) norte-americana — o que era uma absoluta ilegalidade, segundo a legislação brasileira —, para financiar candidaturas de políticos conservadores. (FERREIRA E GOMES, 2014, p. 66). Dreifuss (1981) afirma que diversas empresas multinacionais contribuíram para o IBAD, entre elas a Shell, a Esso, a Bayer, a IBM, a Coca-Cola, a Souza Cruz, a General Motors. Quanto ao IPES, o autor analisa que; Com o intuito de preparar sua estratégia e tática para a ação, a elite orgânica do IPES era estruturada através de uma cadeia de unidades operacionais. Tais unidades tinham um duplo objetivo. Elas supriam a organização tanto de seus think-thanks quanto de seus grupos de ação, para desenvolver e realizar suas diretrizes políticas. Os Grupos de Estudo e Ação também doutrinavam suas próprias fileiras, ao mesmo tempo influenciando novos elementos envolvendo e comprometendo-os nas atividades dos IPES, reforçando, assim, uma interação de papéis e funções (DREIFUSS, 1981, p. 184). 19 Segundo Saviani (2019) no que se refere à educação, o IPES organizou algumas atividades se destacando dois importantes eventos, o simpósio sobre a reforma da educação e o fórum ‗‗A educação que nos convém‘‘. O autor explica que é ‗‗no fórum da ‗Educação que nos convém‘ que se explicitarão mais claramente os aspectos constitutivos da visão pedagógica que iria prevalecer na década seguinte‘‘ Saviani (2019). 33 Essas instituições tiveram papel importante com a oposição, com o apoio de gigantes corporações internacionais e nacionais e se tornaram o fio condutor para montar o cenário perfeito, minando as ações do governo e transferindo altos montantes de dinheiro para diferentes grupos da oposição, sindicatos rurais, partidos políticos e setores do clero estavam entre os beneficiados (FERRREIRA E GOMES, 2014). Em 1963 aconteceu o plebiscito, e João Goulart teve de volta os seus plenos poderes, foi uma vitória esmagadora da população brasileira, com cerca de 9,5 milhões de um total de 12,3 milhões, isso deu ao presidente autonomia para iniciar os seus planos de governo (FAUSTO, 2007). Com essa esmagadora votação, Goulart imaginou que teria respaldo necessário para colocar em prática seus projetos de governo, implementando alterações políticas, econômicas e sociais, seu objetivo era reduzir as desigualdades através das reformas de base. No mesmo ano, foi instaurada uma CPI para investigar o IBAD e o IPES, com isso foi comprovado o envolvimento do IBAD em corrupção política, diante disso o instituto foi fechado, enquanto o IPES foi absolvido das acusações (FERREIRA E GOMES, 2014). Um detalhe importante do Governo Jango foi o lançamento do plano trienal como nos mostra Fausto (2007), com a inflação em 54,8% em 1962 o plano é criado para além de enfrentar a inflação, dar estabilidade para a economia do país. Diferentemente dos planos elaborados em governos anteriores, o plano trienal de Celso Furtado tinha como objetivo resolver diversos problemas de curto e longo prazo, a reforma agrária estava na pauta, com outros importantes pontos a serem transformados, tais como as reformas fiscais e administrativas (FAUSTO, 2007). As medidas e políticas nacionalistas do Governo e o estreito relacionamento com sindicatos de estudantes e de trabalhadores fizeram com que os partidos de direita começassem a se movimentar com grande ajuda do Governo Americano que financiava e armava grupos extremistas contrários ao presidente. Tendo em vista o crescente apoio que os partidos de esquerda vinham adquirindo, ficando claro após as eleições de 1962, onde os candidatos trabalhistas e reformistas tiveram êxito, mesmo com todo o esforço e investimento feito pelo IBAD e pelo IPES, ou seja, uma nova consciência política estava nascendo. Um dos mais importantes dirigentes do IPES, o general Golbery do Couto e Silva reiterou sua conclusão anterior. As eleições de outubro de 1962 demonstraram que, apesar dos esforços de seu grupo, ‗havia uma constante 34 tendência esquerdista-trabalhista no eleitorado‘(FERREIRA E GOMES, 2014, p.123). O discurso anticomunista, alinhado às conspirações espalhadas por todo o país, foi abalando cada vez mais o Governo de João Goulart e fez com que se acelerasse o golpe. A conspiração que, segundo Bandeira (1976), foi sendo construída com ajuda dos agentes da Central Intelligence Agency (CIA), aliados a políticos, militares brasileiros, latifundiários, comerciantes e industriais, partiu para outro nível de atuação no final de 1963, e diversos grupos de extrema direita iniciaram treinamentos militares e se organizaram se preparando para os enfrentamentos de guerrilha, algumas organizações ficaram conhecidas naquele período, Ação de Vigilantes do Brasil, Grupo de Ação Patriótica, Patrulha da Democracia, Mobilização Democrática Mineira, dentre outras que surgiram por todo o território nacional, sempre utilizando a narrativa que estariam se preparando para uma guerra revolucionária contra grupos esquerdistas. Diante de todos esses acontecimentos, a reputação do presidente já havia sido totalmente manchada pelos meios de comunicações e pelos seus opositores. Para Fausto (2007, p, 458) ‗‗A direita ganhou os conservadores moderados para sua tese: só uma revolução purificaria a democracia, pondo fim à luta de classes, ao poder dos sindicatos e aos perigos do comunismo‘‘. Jango iniciou o ano de 1964 decidido a executar as reformas de base, contudo o mesmo sabia que essas atitudes aqueceriam ainda mais os ânimos, porém estava determinado em realizar as reformas, organizou alguns comícios com a massa da população que era a favor do seu governo. O primeiro grande comício foi marcado para o dia 13 de março no Rio de Janeiro. Ele ficou conhecido como o ‗comício da Central‘ por ter sido realizado na Praça da República, situada em frente à Estação da Central do Brasil. Cerca de 150 mil pessoas aí se reuniram sob proteção de tropas de I Exército para ouvir a palavra de Jango e Brizola, que, aliás, já não se entendiam. As bandeiras vermelhas que pediam a legalização do PC, as faixas que exigiam a reforma agrária etc. foram vistas pela televisão, causando arrepios nos meios conservadores. Jango assinou na ocasião dois decretos. O primeiro deles era sobretudo simbólico e consistia na desapropriação das refinarias de petróleo que ainda não estavam nas mãos da Petrobras. O segundo – chamado de decreto da Supra (Superintendência da Reforma Agrária) – declarava sujeitas à desapropriação propriedades subutilizadas, especificando a localização e a dimensão das que estariam sujeitas à medida (FAUSTO, 2007, p. 459). 35 Em resposta a Goulart e aos comícios, diversas organizações as quais muitas delas eram financiadas pela CIA e por empresários pediam o seu impeachment, ao lado de partidos políticos, imprensa e a classe burguesa. Fausto (2007) relata que, no dia 19 de março na cidade de São Paulo, cerca de 500 mil pessoas foram às ruas mostrar que os partidários teriam todo o apoio para um golpe, esse evento conhecido como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, com a conspiração dos Marinheiros, fez com que o golpe caminhasse mais rapidamente. Então no dia 31 de março de 1964, as tropas do general Olímpio Mourão Filho deslocaram-se em direção ao Rio de Janeiro, rapidamente os Estados Unidos acionaram os mais de 5.000 mil agentes infiltrados americanos, também conhecidos como boinas- verdes, e a grande ‗‗Operação Brother Sam‖ é iniciada. Liderada pelo porta-aviões Forrestal, ela era formada por seis contratorpedeiros, um porta-helicópteros, quatro petroleiros, um posto de comando aerotransportado e carregado com 110 toneladas de munição e 553 mil barris de combustível. Seu objetivo era estacionar perto da cidade de Santos, em São Paulo. Esta era a operação Brother Sam (FERREIRA E GOMES 2014, p, 340,341). Não houve necessidade de a ‗‗Operação Brother Sam‘‘ ser executada, pois o presidente contando apenas com a força dos estudantes e trabalhadores jamais conseguiria resistir ao golpe. Bandeira (1976, p.184) aponta que ‗‗Goulart compreendeu que qualquer resistência poderia representar um gesto heroico, mas não passaria de uma aventura, resultando inútil derramamento de sangue‘‘. Na noite de 1º de abril, quando Goulart rumara de Brasília para Porto Alegre, o presidente do Senado Auro Moura Andrade declarou vago o cargo de presidente da República. Assumiu o cargo, na linha constitucional, o presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli. Mas o poder já não estava nas mãos dos civis e sim dos comandantes militares. (FAUSTO, 2007, p. 461). No dia 9 de abril de 1964 é baixado o Ato Institucional nº 1 (AI1), com isso se iniciou uma caça às bruxas por todo o país. Segundo Fausto (2007), a repressão aconteceu em diversos lugares, porém foi mais violenta no campo, principalmente contra as Ligas Camponesas, juízes e parlamentares tiveram o mandado cassado, sobretudo integrantes do PTB, mais de 1.400 pessoas foram afastadas da burocracia civil e por volta de 1.200 das Forças Armadas, nacionalistas e integrantes de influenciadores de esquerda foram especialmente os mais perseguidos. 36 Já em novembro de 1965, Bueno (2012, p. 487) afirma que ‗‗Castelo baixou o AI-2, reduzindo a farrapos a Constituição de 1946, o movimento de 1964 se tornou uma ditadura militar de fato‘‘. Com o AI2 são extintos os partidos políticos, ou seja, mais um duro golpe para a população, destruindo todo um processo democrático iniciado com o fim do Estado Novo, restando exclusivamente ‗‗a organização de apenas dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que agrupava os partidários do governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que reunia a oposição‘‘ (FAUSTO, 2007, p. 474). Grupos considerados da esquerda mais radical, depois de um longo período nas sombras, intensificaram os seus atos, fazendo com que os militares recrudescessem ainda mais o regime. Em 1967 a linha dura do Regime Militar chegou ao poder, greves se espalham por diversas cidades, e as manifestações estudantis ganharam força pressionando o governo, este se tornou o pretexto que Costa e Silva encontrou para decretar, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 20 (BUENO, 2012). Sobre o AI5 Motta reflete que: Ato Institucional nº 5 conferia ao presidente da República poderes praticamente ilimitados. Embora o primeiro artigo afiançasse a manutenção da Constituição de 1967, nos artigos seguintes ficava evidente que a Carta passava a submeter-se à vontade do Poder Executivo. O presidente poderia fechar as casas parlamentares, cassar mandatos e direitos políticos dos cidadãos, confiscar bens acumulados no exercício de cargos públicos, censurar a imprensa e decretar estado de sítio. Além disso, ficava suspensa a garantia de habeas corpus para crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Para retomar o expurgo do serviço público iniciado em 1964, mais uma vez foi decretada a suspensão das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade. O governo poderia demitir, remover ou aposentar qualquer servidor público, sem necessidade de processo ou inquérito regular (MOTTA, 2018, p. 202). O Decreto-Lei 21 nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, se tornaria mais um ato de autoritarismo e repressão, fazendo com que o governo tivesse carta branca para punir atitudes e infrações disciplinares que forem consideradas subversivas nos 20 Para maior esclarecimento ver; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Sobre as origens e motivações do Ato Institucional 5. Revista Brasileira de História, v. 38, n. 79, p. 195-216, 2018. 21 Segundo descreve Cunha (1986) ‗‗essa norma repressiva dizia que cometeria ‗infração disciplinar‘ o professor, o aluno ou o funcionário de estabelecimento de ensino público ou privado que se enquadrasse em diversos casos, entre os quais os seguintes: aliciar ou incitar à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participar nesse movimento; praticar atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados ou deles participar; conduzir ou realizar, confeccionar, imprimir, ter em depósito, distribuir material subversivo de qualquer natureza‘‘(CUNHA E GÓES, 1986, p. 38). 37 estabelecimentos de ensino público ou particulares, agravando ainda mais as perseguições nos ambientes escolares. Essas medidas serviriam para o ideário educacional militar que se seguiria, como descreve Dreifuss (1981, p. 442) ‗‗a nova política educacional tornou-se a expressão da ‗reordenação das formas de controle social e político‘, funcional para as exigências dos interesses econômicos que tornaram necessária a reformulação do sistema político e da economia em primeiro lugar‘‘. A primeira medida tomada pelos militares, a partir do golpe de 1964, foi a repressão, tudo e todos que fossem considerados suspeitos de práticas ou até mesmo ideias contrárias eram reprimidos. Após essas medidas tomadas pelo governo, se iniciou um dos períodos mais tristes vivenciados pela nação brasileira, os ‗‗anos de chumbo‘‘, onde tudo ficou sombrio e tenebroso por longos anos. A educação sofreria as mutações necessárias para se tornar um sustentáculo ideológico dos militares, para que isso ocorresse foram executados atos no campo educacional com o princípio de criar um Brasil Grande. Segundo Palma Filho (2010), as criações foram; a) Projeto Rondon, composto por estudantes universitários, supervisionados por militares, que tinham como objetivo prestar assistência social às populações carentes. b) a comissão Meira Mattos (Coronel do Exército) onde seriam analisadas as crises no sistema educacional e a partir daí sugeridas mudanças no ensino, quanto aos acordos firmados pelos militares; a) MEC/USAID 22 tinha como intuito modernizar a universidade brasileira. b) entre o MEC e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, na intenção de publicar livros técnicos, científicos e educacionais, os militares também promulgaram a) Lei Federal nº 5.370, criando o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL 23 ). b) Decreto-Lei 252 22 Cunha (1986) explica que ‗‗Os acordos MEC-USAID cobriram todo o espectro da educação nacional, isto é, o ensino primário, médio e superior, a articulação entre os diversos níveis, o treinamento de professores e a produção e veiculação de livros didáticos. A proposta da USAID não deixava brecha. Só mesmo a reação estudantil, o amadurecimento do professorado e a denúncia de políticos nacionalistas com acesso à opinião pública evitaram a total demissão brasileira no processo decisório da educação nacional‘‘ (CUNHA E GÓES, 1986, p. 33). 23 Nas palavras de Dreifuss ‘‘O MOBRAL destina – se a cooptar e conter o trabalhador urbano, visando à faixa etária de 15 a 35 anos. Através dele, atitudes cívicas e morais foram inculcadas, a nível político, como educação e bom senso. O governo impôs uma campanha de alfabetização de caráter explicitamente ideológico, destinada a instilar nas classes trabalhadoras urbanas os valores do capitalismo autoritário. É interessante notar que o MOBRAL utilizou muitas das técnicas de alfabetização de Paulo Freire, apesar de retirar delas seu conteúdo filosófico e político. A doutrinação cívica, através do sistema escolar, foi um trabalho que teve, no planejamento do novo programa, a colaboração da Liga de Defesa Nacional – patrocinada pelo IPES – da Campanha de Educação Cívica e da Escola Superior de Guerra‘‘ 38 que tinha como meta reformar as universidades. c) A constituição do GT da Reforma Universitária e que, posteriormente, se transformaria na Lei 5.540 (Reforma Universitária). d) Decreto Federal 63.341, de 1º de outubro de 1968, que irá fixar os métodos utilizados para a expansão do ensino superior. e) Em 21 de novembro de 1968 é promulgada a Lei Federal nº 5.537, criando o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). f) É publicado o Decreto-Lei nº 405, fixando normas e o incremento de matrículas para a educação superior. g) Decreto-Lei nº 477. h) No dia 11 de agosto de 1971, é promulgada a Lei Federal nº 5.692 24 , Lei de Diretrizes e Bases (PALMA FILHO, 2010). 1.6. As práticas pedagógicas dos Ginásios Estaduais Vocacionais Tendo em vista todas as inquietações políticas e sociais e os diferentes movimentos criados nos anos 60 do século XX, era de suma importância que modelos educacionais surgissem para que de maneira consciente se iniciasse um processo emancipador no que diz respeito às liberdades individuais de cada cidadão, isso colaborou para um crescimento pessoal e intelectual de professores e alunos nos anos que se seguem, principalmente após o golpe militar de 1964, porém para que isso ocorresse seria necessário buscar metodologias pedagógicas diferentes do que já estava em curso naquele período. Quanto ao que era desenvolvido, No caso dos Ginásios Vocacionais, convencionamos entendê-la como uma pedagogia social, crítica e transformadora. Por quê? Porque tomamos a realidade social como conteúdo, a crítica permanente como metodologia e a transformação social como objetivo. Nessa pedagogia, os sujeitos da educação são entendidos como seres em movimento no plano social e cultural. Os procedimentos pedagógicos, de acordo com esta concepção, se caracterizam como instrumentos de ensino a partir de situações problematizadoras, sempre renovadas e situadas na realidade social. É uma pedagogia que valoriza as relações de sociabilidade como suporte da comunicação e a socialização como prática de partilha solidária, ao mesmo tempo que pretende situar o processo de avaliação como indicador de valores vivenciados e aprendidos. (MASCELLANI, 2010, p.104) (DREIFUSS, 1981, p. 444). 24 Sobre a reforma da educação feita pelos militares Saviani (2008) afirma que ‗‗a Lei n. 5.692/71, que unificou o antigo primário com o antigo ginásio, criando o curso de 1º grau de 8 anos e instituiu a profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, visando atender à formação de mão-de- obra qualificada para o mercado de trabalho. Esse legado do regime militar consubstanciou-se na institucionalização da visão produtivista de educação. Esta resistiu às críticas de que foi alvo nos anos de 1980 e mantém-se como hegemônica, tendo orientado a elaboração da nova LDB, promulgada em 1996, e o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001‘‘ (SAVIANI, 2008, p.298) 39 As propostas pedagógicas dos GEVs podem ser consideradas diferentes das demais, tais como: colégios religiosos e escolas tradicionais, principalmente se distanciando de alguns conceitos desenvolvidos pela escola nova, pois de certa maneira foram introduzidas diversas propostas entre elas a do educador brasileiro Paulo Freire (OLIVEIRA, 1986). O Ensino Vocacional tinha objetivos claramente definidos, elaborados pelas equipes de professores, orientadores e diretores a partir das pesquisas de comunidade inicialmente efetuadas e do perfil do alunado e sua realidade. O currículo compreendia disciplinas, atividades e uma metodologia adequada ao cumprimento dos objetivos previstos, organizando-se em três áreas de estudo: cultura geral, iniciação técnica e práticas educativas. (TAMBERLINI, 2016, p. 123). Oliveira (1986) relata que havia uma grande preocupação com os processos educativos, tendo em vista que o objetivo era poder propiciar o florescimento das potencialidades individuais de cada aluno, levando o mesmo a se conscientizar da realidade na qual estava inserido. Os Ginásios Vocacionais tinham como um de seus princípios fazer com que os alunos entendessem e se encontrassem dentro do ambiente onde estavam desenvolvendo as atividades, tanto dentro quanto fora da escola, isso ocorria de maneira não estática, mudando conforme os obstáculos encontrados, partindo do homem concreto e do que era real e não abstrato (TAMBERLINI, 2016). Ou seja, Partindo da preocupação de se pensar a educação como elemento auxiliar do processo de explicitação das exigências do homem brasileiro e da sua realidade, o ensino vocacional sentiu necessidade de caracterizar este homem. Tal caracterização situava o homem como um ser que ‗se faz presente pela consciência, que é a atividade pela qual ele confere à Natureza um mundo de significações‘. Assim, a consciência humana organiza o mundo, conferindo- lhe estrutura e forma. O homem é, ao mesmo tempo, sujeito e agente da transformação contínua, ultrapassando a condição de ser natural para situar- se como ser cultural, que, através da comunicação com outros homens, constrói esses sistemas de significações (OLIVEIRA, 1986, p.55). Com essa linha de raciocínio de que o homem é sujeito de sua história e que o mesmo deve compreender o ambiente em que está situado, para que possa descobrir o que está em sua volta e quem ele é dentro desta comunidade, os GEVs tinham a percepção de que o homem deveria entender qual o seu papel na sociedade. Oliveira (1986) nos mostra que para os Vocacionais o homem é o centro de todo o processo desenvolvido durante o planejamento e que o intuito é que o mesmo se situe, aja e se realize. ‗‗Quanto ao jovem, porém, o que se propunha especificamente era uma educação que o formasse no entendimento da realidade socioeconômica, política e 40 cultural do país, e que ao mesmo tempo o tornasse capaz de intervir nessa realidade‘‘ (MASCELLANI, 2010, p. 105). Diversos autores trazem os Vocacionais como experiência única e inovadora, com o objetivo de unificar os pensamentos com as ações do educando, e essa ideia encontrava base em orientações filosóficas e antropológicas, quanto às propostas curriculares e às disciplinas ministradas, podemos visualizar que, Os alunos tinham, além das matérias convencionais, disciplinas que, para a época, eram novidade, como Artes Industriais, Práticas Comerciais, Práticas Agrícolas, Educação Doméstica, Educação Musical, Educação Física e Artes Plásticas; com diferenciações em suas unidades. Proporcionavam ao aluno um conteúdo curricular teórico associado ao conteúdo das disciplinas práticas (NAKAMURA, 2017, p. 4) O planejamento dos GEVs se realizava embasado nas informações coletadas pelos professores, com isso podemos dizer que era então feita a criação das diretrizes curriculares, ‗‗A partir dessas análises, o currículo escolar devia se apresentar como resposta aos problemas levantados, direcionando a ação educativa para a concretização dos objetivos já mencionados‘‘ (OLIVEIRA, 1986, p. 54). As discussões sobre o currículo elaborado pelos GEVs serão feitas de maneira mais abrangente um pouco mais à frente, porém cabe ressaltar a concepção de ‗‗core curriculum‘‘. No entendimento de Tamberlini (2016) o ‗‗core curriculum‘‘ era utilizado para atingir os objetivos desejados e trabalhava de maneira interdisciplinar, podendo ser entendido como uma grande ideia ou conceito, dando ênfase à realidade encontrada ao redor e vivenciada pelos alunos em seu cotidiano, com o intuito de preparar o jovem, para que ele saiba compreender e elaborar o seu próprio processo educativo, em outras palavras, o ‗‗core curriculum‘‘ provia diferentes ferramentas, para que se pudesse de maneira clara interpretar a cultura do processo histórico e a sua inserção no mundo, através de suas atitudes dentro da comunidade na qual está inserido (TAMBERLINI, 2016). Sobre o ‗‗core curriculum‘‘ Mascellani (2010) nos esclarece que: O corecurriculum – que nos Vocacionais era formulado como uma questão ou pergunta, ou, ainda, como um problema – situava-se na área de Estudos Sociais, com a qual se integravam outras áreas. Entendemos que a integração conceitual no nível das áreas, tal como proposta nos Vocacionais, exige maior grau de elaboração do que os atuais projetos de ensino com base na interdisciplinaridade ou outras denominações hoje correntes. De fato, desta perspectiva, podem-se obter várias combinações de conteúdos e conceitos, atingindo áreas diferenciadas, as quais devem convergir, pela v