UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO" CAMPUS DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA MATHEUS VIEIRA CARMONA COGO Foguete experimental com carga-paga de tipo CanSat : metodologia e projeto São João da Boa Vista 2022 MATHEUS VIEIRA CARMONA COGO Foguete experimental com carga-paga de tipo CanSat : metodologia e projeto Trabalho de Graduação apresentado ao Conselho de Curso de Graduação em Engenharia Aeronáutica do Campus de São João da Boa Vista, Universidade Estatual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do diploma de Graduação em Engenharia Aeronáutica . Orientador: Profº Dr. Denilson Paulo Souza dos Santos São João da Boa Vista 2022 C676f Cogo, Matheus Vieira Carmona Foguete experimental com carga-paga de tipo CanSat : metodologia e projeto / Matheus Vieira Carmona Cogo. -- São João da Boa Vista, 2022 132 f. : il., tabs., fotos Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Engenharia Aeronáutica) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Engenharia, São João da Boa Vista Orientador: Denilson Paulo Souza dos Santos 1. Engenharia aeroespacial. 2. Foguetes de sondagem. 3. Projetos de engenharia. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Engenharia, São João da Boa Vista. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ENGENHARIA - CÂMPUS DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA AERONÁUTICA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO FOGUETE EXPERIMENTAL COM CARGA-PAGA DE TIPO CANSAT Aluno: Matheus Vieira Carmona Cogo Orientador: Prof. Dr. Denilson Paulo Souza dos Santos Banca Examinadora: - Denilson Paulo Souza dos Santos (Orientador) - Leandra Isabel de Abreu (Examinadora) - Luiz Augusto Camargo Aranha Schiavo (Examinador) A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no prontuário do aluno (Expediente nº 005/2022) São João da Boa Vista, 08 de julho de 2022 AGRADECIMENTOS Agradeço ao Criador pela oportunidade de estudar e compreender os complexos fenômenos que continuamente deslumbram e cativam os aficionados observadores do Universo. Agradeço aos meus pais, Jair e Betanea, pela confiança depositada em mim, pelo apreço ao ensino, pelas oportunidades e por me transmitirem valores de humanidade, perseverança e humildade. Agradeço à minha irmã Gabriela e aos meus amigos João, Pedro, Giancarllo, Igor, Giovanne, Pacheco e Neves pelo carinho e pelos momentos de diversão, que certamente foram meus refúgios nas adversidades que enfrentei durante a graduação. Agradeço a todos os meus professores do ensino fundamental e médio pela atenção e por me instigarem a estudar seus ensinamentos edificantes. Agradeço ao corpo docente da Unesp por me proporcionar a incrível oportunidade de estudar o setor aeroespacial, e aos professores Denilson Santos e Murilo Sartorato pelas incontáveis conversas esclarecedoras que tivemos ao longo destes anos. Finalmente, agradeço aos Beatles pelo repertório musical que sempre me acompanhou (e que ainda me acompanha) nos estudos. “The Guide says there is an art to flying, or rather a knack. The knack lies in learning how to throw yourself at the ground and miss.” — Ford Prefect, The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy RESUMO Neste trabalho de conclusão de curso são expostas as etapas de projeto de um foguete com carga-paga de tipo "CanSat". O foguete é baseado nos requisitos da competição de CanSats da Agência Espacial Europeia. O trabalho inclui o projeto do motor a propelente sólido, a escolha da geometria do foguete, a estimativa de parâmetros aerodinâmicos e parâmetros de trajetória. Além disso, a teoria e metodologia aplicada também são apresentadas. Os resultados obtidos têm excelente correlação com as ferramentas consolidadas e o método se mostra adequado à missão proposta. PALAVRAS-CHAVE: projeto de foguete. can sat. foguete amador. foguetemodelismo. motor a propelente sólido. ABSTRACT This undergraduate thesis presents all the relevant design steps of an experimental rocket (sometimes referred as a “High-Powered Rocket”) carrying a “CanSat” payload. The rocket is based on guidelines from the European Space Agency CanSat Competition. The thesis also presents the design of the solid-propellant engine, selection of rocket geometry, estimation of aerodynamic parameters and trajectory parameters. Furthermore, the theory and metodology used are also be presented. The results have excellent correlation with the consolidated tools and the method is shown to be adequate for the mission proposed. KEYWORDS: rocket design. can sat. amateur rocket. rocket model. high-powered rocketry. solid-propellant engine. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1.1 Redução dos custos de lançamento até 2040 . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 Figura 3.1 Classificação dos sistemas propulsivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Figura 3.2 Motor a propelente sólido típico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Figura 3.3 Propelente na configuração a) internal-burner e b) end-burner . . . . . . . 22 Figura 3.4 Bocal de Laval . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 Figura 3.5 Razão de áreas em termos do número de Mach, k = 1.4 (ar) . . . . . . . . . 26 Figura 3.6 Tipos de bocal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 Figura 3.7 Condições de bocais de um foguete de três estágios . . . . . . . . . . . . . 28 Figura 3.8 Seção transversal do grão e curva de empuxo-tempo resultante . . . . . . . 29 Figura 3.9 Regressão típica de um grão “estrela” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Figura 3.10 Curvas de empuxo-tempo ou pressão-tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Figura 3.11 Curva genérica de empuxo por tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 Figura 3.12 Taxa de queima vs pressão da câmara (KNSB) . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Figura 3.13 Efeito da queima erosiva na curva de empuxo-tempo . . . . . . . . . . . . 35 Figura 3.14 Condições de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 Figura 3.15 Foguete com estabilidade positiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Figura 3.16 Foguete com estabilidade negativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Figura 3.17 Exemplo para obtenção da localização do CG . . . . . . . . . . . . . . . . 40 Figura 3.18 Distâncias relativas do método de Barrowman . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Figura 3.19 Formação da camada-limite em regime de a) Reynolds baixo e b) Reynolds alto 45 Figura 3.20 Crescimento da camada-limite (fora de escala) . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 3.21 Tipos de arrasto e transição da camada-limite em um foguete . . . . . . . . 46 Figura 3.22 Arrasto de base causado pelo fim abrupto de aerofólio . . . . . . . . . . . . 49 Figura 3.23 Coeficientes de arrasto de pressão para algumas geometrias de coifa em regime subsônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 Figura 3.24 Coeficientes de arrasto de pressão para coifas em regime transônico e su- persônico, com fN = 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Figura 3.25 Transições de tipo shoulder do Saturn V . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 3.26 Transições boattail . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Figura 3.27 Perfis de aletas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Figura 3.28 Encaixes da guia de lançamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Figura 3.29 Etapas de voo de foguete . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 Figura 4.1 Lançamento de CanSat . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Figura 4.2 Fluxograma de projeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 Figura 4.3 Grão BATES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Figura 4.4 Direção de queima - grão BATES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Figura 4.5 Curvas de empuxo-tempo do motor Sunrise . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Figura 4.6 Bocal do motor Sunrise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 Figura 4.7 Casing do motor Sunrise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 Figura 4.8 Bulkhead (tampa) do motor Sunrise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 Figura 4.9 Grão de propelente do motor Sunrise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 Figura 4.10 Montagem do motor Sunrise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 Figura 4.11 Coifa de von Kármán . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 Figura 4.12 Coifa do projeto conceitual no OpenRocket . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 Figura 4.13 Transição do projeto conceitual no OpenRocket . . . . . . . . . . . . . . . 83 Figura 4.14 Carenagem do projeto conceitual no OpenRocket . . . . . . . . . . . . . . 84 Figura 4.15 Corpo principal do projeto conceitual no OpenRocket . . . . . . . . . . . . 84 Figura 4.16 Aleta trapezoidal com perfil de aerofólio constante . . . . . . . . . . . . . 85 Figura 4.17 Encaixe da guia de lançamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 Figura 4.18 Projeto conceitual no SolidWorks . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 Figura 4.19 Projeto conceitual no OpenRocket, com componentes internos . . . . . . . 87 Figura 4.20 Curvas de arrasto em função do número de Mach . . . . . . . . . . . . . . 90 Figura 4.21 Curvas de altitude por tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 Figura 4.22 Curvas de velocidade vertical por tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 Figura 4.23 Bocal do motor Sunrise-II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Figura 4.24 Casing do motor Sunrise-II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Figura 4.25 Grão de propelente do motor Sunrise-II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Figura 4.26 Montagem do motor Sunrise-II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 Figura 4.27 Curvas de pressão na câmara de combustão por tempo . . . . . . . . . . . . 99 Figura 4.28 Curvas de Kn por tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 Figura 4.29 Curvas de empuxo por tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 Figura 4.30 Projeto preliminar no SolidWorks . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 Figura 4.31 Projeto preliminar no OpenRocket, com componentes internos . . . . . . . 101 Figura 4.32 Curvas de altitude por tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 Figura 4.33 Curvas de velocidade vertical por tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 Figura 4.34 Curvas de número de Mach por altitude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 LISTA DE TABELAS 1 Classificação de motores a propelente sólido com base no impulso total . . 31 2 Distâncias relativas dos centros de pressão para geometrias típicas de coifas 42 3 Tamanho médio aproximado da rugosidade superficial . . . . . . . . . . . . 47 4 Parâmetros do Intruder da ESA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 5 Motores Aerotech 38mm . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 6 Parâmetros iniciais do motor para o projeto conceitual . . . . . . . . . . . . 73 7 Propriedades do motor Sunrise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 8 Lista dos componentes do motor Sunrise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 9 Lista dos componentes do projeto conceitual . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 10 Parâmetros de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 11 Coeficientes de arrasto total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 12 Contribuições individuais do arrasto (Mach 0.3) . . . . . . . . . . . . . . . 89 13 Propriedades do motor Sunrise-II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 14 Lista dos componentes do motor Sunrise-II . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 15 Lista dos componentes do projeto preliminar . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 16 Parâmetros de estabilidade do projeto preliminar . . . . . . . . . . . . . . . 102 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS TCC Trabalho de Conclusão de Curso UNESP Universidade Estadual Paulista MEOP Maximum expected operating pressure, pressão de operação máxima esperada LISTA DE SÍMBOLOS Cp Capacidade térmica a pressão constante T0 Temperatura de estagnação P0 Pressão de estagnação ρ0 Densidade de estagnação k Coeficiente de expansão adiabática M Número de Mach A∗ Área da região crítica do bocal (At) Ae Área de saída do bocal Pe Pressão no plano de saída do bocal Pa Pressão ambiente It Impulso total Emed Empuxo médio Emax Empuxo máximo tq Tempo de queima ṁ Vazão mássica ve Velocidade de ejeção dos gases g Aceleração gravitacional terrestre r Taxa de queima total rnom Taxa de queima nominal re Taxa de queima erosiva xcg Posição do centro gravitacional xcp Posição do centro de pressão ϕ Ângulo de junção coifa-corpo α Ângulo de ataque Ab Área superficial de propelente exposta à queima Kn Razão de áreas (Ab/At) Mp Massa de propelente Mi Massa inicial (total) do foguete SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2 OBJETIVOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 3.1 Propulsão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 3.1.1 Mecanismos físicos e escolha do sistema propulsivo . . . . . . . . . . . . . . . 19 3.1.2 Visão geral do motor a propelente sólido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 3.1.3 Hipóteses adotadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 3.1.4 Bocal (nozzle) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 3.1.5 O grão de propelente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 3.1.6 Parâmetros do motor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3.1.7 Superfície exposta e empuxo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 3.1.8 Taxa de queima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 3.1.9 Queima erosiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 3.2 Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 3.2.1 Sistemas estabilizadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 3.2.2 Aletas (ou fins) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 3.2.3 Centro de gravidade (CG) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 3.2.4 Centro de pressão (CP) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 3.2.5 Margem estática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 3.3 Aerodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 3.3.1 Modelagem da força de arrasto e os coeficientes de arrasto . . . . . . . . . . . 44 3.3.2 Camada-limite e tipos de escoamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 3.3.3 Arrasto de fricção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 3.3.4 Arrasto de base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.3.5 Arrasto de pressão - mecanismo físico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.3.6 Arrasto de pressão em coifas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.3.7 Arrasto de pressão em transições shoulders . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.3.8 Arrasto de pressão em transições boattail . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3.3.9 Arrasto de pressão em aletas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.3.10 Arrasto parasita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 3.3.11 Dimensionamento dos coeficientes de arrasto . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 3.4 Trajetória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 3.4.1 Etapas de voo de foguete experimental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 3.4.2 Altitude de foguete sem arrasto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 3.4.3 Altitude de foguete com arrasto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 3.4.4 Altitude de foguete com curva de empuxo-tempo . . . . . . . . . . . . . . . . 65 4 DESENVOLVIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 4.1 Requisitos e filosofia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 4.2 Projeto conceitual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 4.2.1 Propulsão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 4.2.2 Estruturas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 4.2.2.1 Coifa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 4.2.2.2 Corpo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 4.2.2.3 Aletas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 4.2.2.4 Guias de lançamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 4.2.2.5 Visão geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 4.2.3 Parâmetros aerodinâmicos e de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 4.2.4 Trajetória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 4.3 Projeto preliminar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 4.3.1 Redimensionamento do motor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 4.3.2 Curvas do motor Sunrise-II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 4.3.3 Redimensionamento do foguete . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 4.3.4 Parâmetros aerodinâmicos e de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 4.3.5 Trajetória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 5 CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 5.1 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 APÊNDICE A – PROPULSION.PY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 APÊNDICE B – AERODYNAMICS.PY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 APÊNDICE C – STABILITY.PY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 APÊNDICE D – TRAJECTORY.PY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 APÊNDICE E – UTILS.PY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 16 1 INTRODUÇÃO Foguetes são máquinas projetadas para levarem cargas ao espaço. Essa curta afirmação sintetiza bem sua missão primordial, mas omite diversos detalhes acerca de sua diversidade, aplicabilidade e complexidade. Ao longo de quase 70 anos, desde o lançamento da Sputnik 1, o setor aeroespacial cresceu exponencialmente. Até 2040, espera-se que a indústria aeroespacial atinja uma receita de um trilhão de dólares[1], com uma redução drástica do custo por quilograma transportado, como evidenciado na Figura 1.1. Lançamentos de satélites de comunicação, de captura de imagens ou de exploração, viagens tripuladas ou de abastecimento à Estação Espacial Internacional, veículos robóticos destinados a planetas ou asteroides e até mesmo viagens tripuladas para civis são alguns exemplos de operações já realizadas. Figura 1.1 – Redução dos custos de lançamento até 2040 Fonte: Sheetz[1] No entanto, respeitadas as proporções, os foguetes que viabilizam essas operações não diferem fundamentalmente de um foguete de pequena escala; ambos estão presentes na chamada “Ciência de Foguetes”[2]. Assim, de um ponto de vista didático, o projeto de um “minifoguete” se apresenta como uma importante base na formação de novos engenheiros e cientistas do setor (neste trabalho, minifoguete ou foguete experimental de escala reduzida são considerados sinônimos). Com esse objetivo em mente, o projeto de um minifoguete que abriga uma carga-paga de tipo “CanSat” será elaborado, detalhando os principais desafios que permeiam a ciência de foguetes. A carga-paga de um foguete é exatamente o que deve ser levado por ele até o destino; satélites, módulos ou até mesmo pessoas são exemplos de carga-paga. Para delimitar o projeto, as diretrizes da Competição de CanSats da Agência Espacial Europeia[3] serão utilizadas. Respeitados os tópicos interdependentes, o desenvolvimento do projeto em si é feito de forma segmentada em cada área de relevância: propulsão, aerodinâmica, estabilidade e trajetória, porém 17 não antes da delimitação dos requisitos da missão. Neste caso, a missão é meramente realizar um voo de baixa altitude carregando uma carga-paga de tipo “CanSat”, mini-satélite em formato de lata; isso implica em uma altitude mínima a ser atingida pelo foguete e um espaço interno adequado para abrigar a carga-paga. Com essas restrições fixadas e as informações do “CanSat” disponíveis, o desenvolvimento do foguete pode começar. A metodologia apresentada tem valor didático, destinada à outros estudantes de graduação que queiram adentrar no estudo de projeto de minifoguetes. Ela é mais simples e direta se comparada a outras metodologias de projetos de foguetes, como metodologias de Engenharia de Sistemas ou metodologias de Engenharia Simultânea[4], que oferecem projetos muito bem otimizados em detrimento da simplicidade. Este projeto apresenta um método menos generalista, fornecendo não somente métricas de desempenho dos sistemas como também instruções de projeto. Aqueles que querem construir seus próprios motores, por exemplo, encontrarão neste trabalho um caminho completo para tal, desde teoria propulsiva até a confecção de desenhos mecânicos. A validação do projeto de um foguete só acontece, de fato, quando vários lançamentos bem- sucedidos são realizados. Entretanto, por serem testes custosos, com fabricação complexa, a validação do foguete projetado será feita apenas através de comparação técnica entre os dados estimados pela metodologia utilizada e os dados obtidos de simulações de software. Se os resultados forem compatíveis, assume-se que o projeto está validado. 18 2 OBJETIVOS • Objetivos gerais O objetivo central do trabalho é disponibilizar um método viável de projeto de um foguete propulsionado por um motor a propelente sólido, focando não somente nas qualidades técnicas a serem atendidas mas também na metodologia de projeto. • Objetivos específicos – Expor a base teórica empregada no projeto; – Expor a filosofia de projeto empregada; – Expor, detalhar e justificar o projeto de um motor a propelente sólido; – Escolher e justificar a geometria do foguete; – Estimar dados aerodinâmicos e dados de estabilidade do foguete; – Estimar e simular a trajetória do foguete. 19 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Antes de iniciar o projeto em si, é imprescindível compreender os mecanismos físicos que regem o funcionamento do foguete; nesse capítulo, a base teórica relevante para propulsão, estabilidade, aerodinâmica e trajetória será apresentada. 3.1 PROPULSÃO 3.1.1 Mecanismos físicos e escolha do sistema propulsivo Etimologicamente, a propulsão é definida como “o ato de empurrar para frente”. O objetivo central do sistema propulsivo, é, portanto, empurrar o foguete para uma direção de interesse. As três Leis de Newton explicam perfeitamente o “problema” da propulsão e sua solução: 1. 1ª Lei de Newton: Princípio da inércia Segundo a primeira lei de Newton, em um sistema fechado com força resultante nula a variação de velocidade também é nula. Essa é a lei que ilustra o problema: tem-se um objeto (foguete) com velocidade nula que precisa adquirir velocidade. Matematicamente: ∑ F = 0 ⇔ dV dt = 0 (3.1) 2. 2ª Lei de Newton: Princípio fundamental da Dinâmica Segundo a segunda lei de Newton, uma relação matemática existe entre a força resultante do sistema fechado com a variação da quantidade de movimento daquele sistema, o que permite avaliar quantitativamente o comportamento dinâmico do problema: ∑ F⃗ = dp⃗ dt (3.2) 3. 3ª Lei de Newton: Princípio da Ação e Reação Segundo a terceira lei de Newton, para toda força aplicada em um corpo existe uma força contrária a esta; a força contrária é igual em magnitude e direção porém com sentido contrário. Essa é a lei que ilustra a solução: para que haja uma força resultante não-nula no foguete (e, portanto, variação de velocidade), uma força contrária deve existir. Tipicamente, essa força contrária acelera os gases expelidos pelo motor. Matematicamente: FA = −FB (3.3) Inúmeros tipos de sistemas propulsivos podem ser utilizados em um foguete; a Figura 3.1 mostra uma classificação geral destes sistemas. 20 Figura 3.1 – Classificação dos sistemas propulsivos Fonte: El-Sayed[5] Um modelo propulsivo ideal não existe; cada tipo de sistema tem seu escopo de aplicação e suas desvantagens, mas todos atuam de forma semelhante: fornecendo uma variação de momento ao foguete (mesmo os sistemas sem ejeção de massa, como o solar sail, laser sail, dentre outros). O modelo propulsivo de interesse deste trabalho é o motor a propelente sólido. Evidentemente, uma justificativa dessa escolha se faz necessária; em primeiro lugar, eliminam-se os sistemas que não ejetam massa através de reações térmicas: apesar de possuírem um impulso específico (definido na seção 3.1.6) consideravelmente maior, o empuxo fornecido não seria suficiente para o foguete proposto[6]. Os sistemas propulsivos que ejetam massa através de reações térmicas não-químicas também podem ser descartados, haja vista sua complexidade. Os sistemas propulsivos nucleares, por exemplo, não tiveram muito desenvolvimento nas últimas décadas, e é improvável que se tornem utilizáveis nesta década[6]; em foguetes experimentais de escala reduzida, a chance é ainda mais remota. Entre os sistemas propulsivos de monopropelentes e bipropelentes, opta-se pelos de bipropelentes devido ao ganho de desempenho (impulso específico) e estabilidade dos reagentes[6]. Finalmente, resta escolher entre bipropelentes líquidos, híbridos ou air-breathing. O uso de bipropelentes sólidos garante um empuxo mais que suficiente, com impulso específico aceitável e complexidade reduzida quando comparado às outras opções[6]. De fato, por esses motivos, o uso do motor a propelente sólido por equipes de foguetemodelismo é bem mais popular que as alternativas. 21 3.1.2 Visão geral do motor a propelente sólido O motor a propelente sólido atua acelerando partículas de gases (produtos da combustão do propelente) através de seu bocal (ou nozzle). Na Figura 3.2, uma vista em corte de um motor a propelente sólido: Figura 3.2 – Motor a propelente sólido típico Fonte: El-Sayed[5] Partindo do topo do motor até sua parte inferior, listam-se os seguintes componentes e suas respectivas funções: • Ignitor (Igniter): o ignitor é responsável por dar início à combustão do propelente. Após sua atuação, a câmara de combustão é rapidamente pressurizada e a queima se torna autossuficiente; • Invólucro (Casing): o “invólucro” ou simplesmente tubo é a estrutura física responsável por conter a pressão desenvolvida durante a combustão, ou seja, é a estrutura que envelopa a câmara de combustão; 22 • Revestimento (Liner): o revestimento é utilizado quando a transferência de calor entre os gases da câmara de combustão e o invólucro é considerável. O aumento de temperatura do invólucro muda as características mecânicas do material, reduzindo sua capacidade de conter a pressão da combustão. Em geral, para minifoguetes, o tempo de queima é pequeno o suficiente para que a transferência de calor entre a câmara de combustão e a parede do motor seja desprezível; • Propelente (Propellant): o propelente é o material a ser consumido no processo de combustão. Quando o propelente está num formato moldado e segmentado, dá-se o nome de “grão de propelente”, ou simplesmente “grão”; • Bocal (Nozzle): o bocal é a ferramenta utilizada para acelerar os gases resultantes da combustão. Tipicamente, possui uma seção convergente que acelera os gases até o regime sônico e uma seção divergente que acelera os gases a velocidades acima do regime sônico. A menor seção do bocal é chamada de “garganta”. A vista em corte do motor a propelente sólido nos permite ressaltar, imediatamente, suas duas maiores desvantagens em relação ao motor a propelente líquido. Em primeiro lugar, como a câmara de combustão e o propelente estão no mesmo ambiente, interromper a combustão se torna impraticável. Além disso, não é possível controlar o empuxo gerado pelo motor a propelente sólido em voo: o empuxo possui uma relação direta com a pressão desenvolvida, que é escolhida durante a fase de projeto do motor. O modo como a pressão da câmara de combustão afeta a curva de empuxo de um motor será apresentado nas seções 3.1.6 e 3.1.7. Os motores a propelente sólido podem conter grãos com perfis específicos ou podem ser maciços. Estes últimos são chamados de “end-burners”, e os primeiros de “internal burners”. Por possuírem uma área exposta pequena, os end-burners não são muito empregados em motores para geração de empuxo (uma boa aplicação para eles, no entanto, é na caracterização dos parâmetros de propelentes). Figura 3.3 – Propelente na configuração a) internal-burner e b) end-burner Fonte: Kubota[7] 23 3.1.3 Hipóteses adotadas Antes de prosseguir com a fundamentação teórica dos motores a propelente sólido, algumas premissas e simplificações [6] devem ser adotadas para facilitar a modelagem dos complexos processos físico-químicos envolvidos durante a operação, tais como: • A combustão dos propelentes é completa. • Os produtos da combustão obedecem à Lei dos Gases Ideais. • Não existe fricção no escoamento dos gases da combustão. • A combustão e o escoamento no motor e bocal são adiabáticos, ou seja, não trocam calor com o meio externo. • A combustão ocorre em regime estacionário, no qual os processos e condições não se alteram com o tempo (para uma dada condição geométrica). • A expansão dos gases da combustão no bocal ocorre de forma isentrópica e uniforme, sem ondas de choque ou descontinuidades. • O escoamento dos gases dentro do motor é unidimensional e irrotacional. • A velocidade, pressão e densidade do escoamento são uniformes em qualquer corte de seção transversal. • O equilíbrio químico é alcançado na câmara de combustão e não se altera. • A queima do propelente ocorre sempre na direção normal (perpendicular) à superfície do grão. Exceto quando explicitado o contrário, essas serão as hipóteses adotadas. Embora pareçam restringir a abordagem teórica, elas refletem satisfatoriamente o comportamento real observado na operação dos motores[6]. 24 3.1.4 Bocal (nozzle) O bocal de um motor de foguete (ou bocal de Laval) é o instrumento utilizado para converter energia térmica, produzida na combustão do propelente, em energia cinética. Seu objetivo é, portanto, aumentar a velocidade do escoamento em troca de temperatura e pressão[6]. Quanto maior for o aumento de velocidade, maior será o desempenho do motor, haja vista que o empuxo produzido é função da velocidade de escape dos gases e do fluxo de massa. Figura 3.4 – Bocal de Laval Fonte: Nozzle. . . [8] Um bocal supersônico é composto de três regiões de interesse: a seção convergente, a seção divergente e a região da “garganta”. A seção convergente é responsável por acelerar o escoamento até a velocidade local do som (ou seja, até um número de Mach igual a 1). Entre a parte final da seção convergente e a parte inicial da seção divergente situa-se a “garganta”. Já a seção divergente é responsável pelo aumento da velocidade do escoamento acima de Mach 1, até que ele atinja o plano de saída do bocal. A modelagem física do bocal pode ser feita através da conservação de energia e de massa entre dois pontos quaisquer do bocal. Considerando o escoamento adiabático entre os pontos x1 e x2, a variação de entalpia de um bocal é dada pela variação de energia cinética - que, para um gás ideal, pode ser escrita em termos do calor específico e sua temperatura absoluta[6]: h1 − h2 = 1 2 ( v22 − v21 ) = Cp(T1 − T2) (3.4) Os primeiros dois termos da equação 3.4 mostram que o decréscimo de entalpia entre x1 e x2 acarreta no aumento de velocidade do fluido. O terceiro termo mostra que essa variação também acarreta na diminuição da temperatura absoluta de x2 em relação a x1. Adotando v2 = 0 na equação 3.4 é possível obter T0, a temperatura de estagnação do fluido: −v21 2 = Cp(T1 − T2) =⇒ T0 = v2 2Cp + T (3.5) Para processos isentrópicos, as seguintes relações de propriedades termodinâmicas são válidas: 25 T0 T = ( P0 P )k − 1 k = ( ρ0 ρ )k−1 (3.6) Em que k é o coeficiente de expansão adiabática, dado por k = Cp/Cv = Cp/(Cp −R). Tanto Cp como R são propriedades determinadas pela composição dos produtos da combustão, e são tidos como aproximadamente constantes ao longo de todo o bocal[2]. R é calculado a partir da constante universal dos gases R′ e da massa molar efetiva dos produtos da combustão W : R = R′/W . A velocidade local do som e sua relação com o número de Mach é dada por: a = √ kRT , M = v a (3.7) Utilizando as equações 3.5, 3.6 e 3.7 é possível relacionar a temperatura de estagnação T0 com o número de Mach M e o coeficiente de expansão adiabática k: T0 T = 1 + k − 1 2 M2 (3.8) Analogamente, a pressão e densidade de estagnação em relação ao número de Mach são dados por: P0 P = ( 1 + k − 1 2 M2 ) 1 k − 1 (3.9) ρ0 ρ = ( 1 + k − 1 2 M2 ) k k − 1 (3.10) As equações 3.8, 3.9 e 3.10 são úteis à modelagem, já que permitem a obtenção das propriedades T, P, ρ tendo conhecimento do número de Mach do escoamento e das propriedades estagnadas (totais). Na câmara de combustão, assume-se que os produtos da combustão estão inicialmente em repouso, o que nos permite obtê-las de forma rápida[2]: T0 é a temperatura de combustão do propelente, P0 é a pressão na câmara de combustão e ρ0 é a densidade dos produtos da combustão dentro da câmara. A conservação de massa entre pontos arbitrários 1 e 2 do bocal é dada por: ρ1A1v1 = ρ2A2v2 = cte (3.11) Em que A é a área da seção transversal do bocal e v é a velocidade avaliada naquela seção. Essa relação pode ser reescrita em termos da razão de áreas A2/A1, e v pode ser substituído pela equação 3.7: A2 A1 = ρ1v1 ρ2v2 = ρ1M1a1 ρ2M2a2 (3.12) Substituindo as equações 3.7, 3.8 e 3.10 em 3.12, tem-se[6]: A2 A1 = M1 M2 √{ 1 + [(k − 1)/2]M2 2 1 + [(k − 1)/2]M2 1 }(k+1)/(k−1) (3.13) 26 Como A1 denota um ponto qualquer do bocal, neste momento é de interesse fixá-lo na região crítica do bocal, na qual o número de Mach é igual a 1. Adotando o sobrescrito * para essa região, omitindo o subscrito 2 e substituindo M1 = 1 na equação 3.13, tem-se[2]: A A∗ = 1 M 1 + k − 1 2 M2 1 + k − 1 2  k + 1 2(k − 1) (3.14) A equação 3.14 permite a obtenção da razão entre a área de seção transversal em um ponto qualquer do bocal em relação à área da região crítica, sabendo o número de Mach daquela seção e o coeficiente de expansão adiabática k. Essa relação é mostrada na Figura 3.5, na qual fica evidente que uma redução até uma área mínima é requerida para acelerar o escoamento até M = 1; posteriormente, um aumento dessa área mínima é requerido para acelerar o escoamento a M > 1. Disso decorrem duas importantes consequências: o escoamento supersônico só é atingido na seção divergente de um bocal, e M = 1 ocorre na região da garganta do bocal. Figura 3.5 – Razão de áreas em termos do número de Mach, k = 1.4 (ar) Fonte: autor Alternativamente, a razão de áreas pode ser dada em termos da razão de pressão entre um ponto qualquer e a pressão da região crítica[6]: A∗ A = ( k + 1 2 )1/(k−1)( P P0 )1/k √√√√( k + 1 k − 1 )[ 1− ( P P0 )(k−1)/k ] (3.15) 27 Se o ponto qualquer escolhido for no final do bocal (subscrito e, de exit), obtém-se a chamada razão de expansão de área do bocal calculando o inverso da razão da equação 3.16: A∗ Ae = ( k + 1 2 )1/(k−1)( Pe P0 )1/k √√√√( k + 1 k − 1 )[ 1− ( Pe P0 )(k−1)/k ] (3.16) A condição de projeto ideal, na qual o empuxo é maximizado, é encontrada com um bocal que expande sua área até que a pressão de saída seja igual à pressão ambiente, ou seja, Pe = Pa [2]. Para obtenção da velocidade de saída, a equação 3.11 pode ser reescrita adotando o subscrito 2 no final do bocal[6]: ve = √√√√√√2T0R ( k k − 1 )1− ( Pe P0 )k − 1 k  (3.17) Em suma, ve é determinado a partir do coeficiente de expansão adiabática dos produtos da com- bustão (k), da constante específica do gás (R), da temperatura de combustão do propelente (T0), da pressão da câmara de combustão (P0) e da pressão de saída do bocal (Pe). Voltando à equação 3.9 e adotando M = 1 para a condição crítica, tem-se: Pt P0 = 2 k + 1 k/(k−1) (3.18) O lado direito da equação 3.18 depende somente do coeficiente adiabático dos produtos da combus- tão; se um determinado motor apresentar uma razão de pressão Pe/P0 maior que o da eq. 3.18, o fluxo de massa (ṁ) não está maximizado e o escoamento não é sônico na garganta[6]. Do contrário, quando a razão de pressão Pe/P0 é menor que o da eq. 3.18, diz-se que o escoamento está “sufocado” (choked flow): uma diminuição na pressão à jusante não aumentará o fluxo de massa por unidade de área. A Figura 3.6 mostra os três possíveis tipos de bocal, dos quais apenas o supersônico é de interesse para o projeto por maximizar a velocidade de saída ve: Figura 3.6 – Tipos de bocal Fonte: Sutton e Biblarz[6] 28 A condição em que a pressão de saída do bocal é igual à pressão ambiente define a configuração ideal para o motor. Quando a pressão ambiente Pa é mais baixa que a pressão de saída Pe, diz-se que o bocal está subexpandido, e ondas de expansão externas são formadas após a saída do bocal[6]. Quando a pressão ambiente Pa é suficientemente mais alta que a pressão de saída Pe, ondas de choque surgem após a saída do bocal[6] na solução superexpandida. Em casos extremos, a separação do escoamento ocorre na seção divergente do bocal. A Figura 3.7 ilustra estes comportamentos em um foguete de três estágios que trafega pela atmosfera e que, portanto, está submetido a uma variação de pressão ambiente. Figura 3.7 – Condições de bocais de um foguete de três estágios Fonte: Sutton e Biblarz[6] 29 3.1.5 O grão de propelente O propelente que alimenta a combustão do motor é composto, principalmente, de duas substâncias: o combustível e o comburente. No caso de propelentes “composite”, outras substâncias podem aparecer, como agentes de cura, estabilizadores, solventes e outros aditivos. No entanto, o propelente utilizado neste projeto (KNSB) de fato apresenta apenas um combustível (o adoçante poliol sorbitol) e um comburente (nitrato de potássio, KNO3). Resumidamente, este propelente é escolhido por possuir desempenho aceitável sem maiores restrições de compra, armazenamento ou fabricação, sendo ligeiramente superior ao propelente tradicional de açúcar-nitrato (KNSU). Independentemente da composição, o propelente é processado e moldado em uma forma geométrica útil ao motor, denominada de grão. Como regra, o formato externo dos grãos é cilíndrico, a fim de maximizar sua eficiência volumétrica. O motor pode ter um único grão de propelente ou vários grãos segmentados entre si. Internamente, o grão tipicamente apresenta uma seção perfilada, que altera profundamente a curva de empuxo-tempo do motor. A Figura 3.8 ilustra esse efeito em vários perfis de grão diferentes. Figura 3.8 – Seção transversal do grão e curva de empuxo-tempo resultante Fonte: Nakka[2] O perfil da seção do grão de propelente influencia na curva de empuxo-tempo do motor devido à relação direta entre três termos instantâneos: o empuxo, a pressão na câmara de combustão e a área superficial exposta. A relação matemática entre esses parâmetros será apresentada na seção 3.1.7, mas é crucial compreender de imediato que a configuração inicial do grão de propelente irá definir como a área exposta se altera durante a queima (já que se assume uma queima normal à superfície do propelente) 30 e, consequentemente, também define como a pressão e o empuxo se alteram durante a queima. Na Figura 3.9, tem-se um exemplo de como um grão de formato “estrela” regride durante a queima. Figura 3.9 – Regressão típica de um grão “estrela” Fonte: Nakka[2] Os grãos perfilados são classificados com base em três comportamentos, decorrentes da sua queima: • Queima regressiva: quando o somatório das áreas superficiais de propelente expostas à queima diminui durante a queima. • Queima neutra: quando o somatório das áreas superficiais de propelente expostas à queima permanece aproximadamente neutro durante a queima, tipicamente com uma variação máxima de 15%. • Queima progressiva: quando o somatório das áreas superficiais de propelente expostas à queima aumenta durante a queima. Evidentemente, cada comportamento irá resultar em uma curva de empuxo-tempo diferente; os grãos que apresentam uma queima progressiva têm empuxo inicialmente pequeno, que é incrementado até seu valor máximo logo antes do final da operação. Grãos neutros começam com um determinado valor de empuxo que é mantido aproximadamente constante ao longo de toda operação, e grãos regressivos começam com um empuxo inicialmente alto que é decrementado até o final da operação. Esses comportamentos estão demonstrados na Figura 3.10. Cabe ao projetista do motor escolher com cautela qual comportamento é o mais adequado para a missão desejada: em alguns casos, um empuxo inicial alto é necessário devido ao peso total do foguete. Em outros, um empuxo final alto é preferível para reduzir o efeito do arrasto sobre o foguete (já que a densidade do ar atmosférico reduz com a altitude). Por fim, o empuxo neutro é o que fornece a maior eficiência propulsiva, já que o bocal opera numa pressão aproximadamente constante [2]. 31 Figura 3.10 – Curvas de empuxo-tempo ou pressão-tempo Fonte: Sutton e Biblarz[6] Levando em conta apenas a área de queima interna, o grão “estrela” demonstrado na Figura 3.9 apresenta um comportamento neutro: as pontas da estrela são queimadas até que se tornem bordas suavizadas, com menor área superficial. 3.1.6 Parâmetros do motor As áreas delimitadas pela curvas de empuxo por tempo da Figura 3.10 fornecem uma métrica crucial para avaliar a quantidade de força disponível em um motor: o impulso total, com unidade de Newton-segundo. Matematicamente, é dado por: It = ∫ tq 0 E dt (3.19) Em que tq é o tempo de queima total do motor e E é o valor instantâneo do empuxo fornecido. Os motores a propelente sólido são classificados, principalmente, com base em seu impulso total. A tabela 1 mostra as primeiras 14 classes deste tipo de classificação. Tabela 1 – Classificação de motores a propelente sólido com base no impulso total Classe Impulso total (Ns) A 1.26-2.50 B 2.51-5.0 C 5.01-10.0 D 10.01-20.0 E 20.01-40.0 F 40.01-80.0 G 80.01-160.0 Classe Impulso total (N · s) H 160.01-320 I 320.01-640 J 640.01-1280 K 1280.01-2560 L 2560.01-5120 M 5120.01-10240 N 10240.01-20480 Fonte: autor Partindo de uma curva de empuxo-tempo qualquer, como a ilustrada na Figura 3.11, alguns outros parâmetros de interesse podem ser obtidos. 32 Figura 3.11 – Curva genérica de empuxo por tempo Fonte: autor Em primeiro lugar, nota-se que o comportamento deste motor é progressivo: o empuxo tende a aumentar durante sua operação. O impulso total It é dado pela área em amarelo; o empuxo máximo Emax é o ponto mais alto da curva, de interesse para o projeto para estabelecer a MEOP (maximum expected operating pressure); o empuxo médio Emed é o valor de empuxo que, se multiplicado pelo tempo de queima tq, fornece exatamente o impulso total It: Emed = It tq (3.20) De forma simplificada, pode-se supor que toda massa de propelente Mp é expelida uniformemente durante o tempo de queima tq, o que define uma vazão mássica média para o motor: ṁmed = Mp tq (3.21) Partindo da equação de empuxo, determina-se a velocidade média de ejeção dos gases ve com a definição 3.21: F = ṁve =⇒ Emed = ṁmed · ve (3.22) Isolando ve e substituindo os termos conhecidos, tem-se: ve = Emed ṁmed = It · tq tq ·Mp = It Mp (3.23) O impulso específico Isp é uma medida de eficiência crucial para motores de foguetes, e mostra o quão eficiente é a geração de impulso. Em outros termos, o Isp indica quantos segundos um dado propelente, combinado a um dado motor, consegue acelerar sua própria massa inicial a 1g. Quanto mais tempo o motor conseguir acelerar sua própria massa, mais variação de momento (∆V ) será 33 entregue ao sistema inteiro. É calculado pela expressão 3.24, que pode ser reescrita em termos da velocidade média de ejeção dos gases. Isp = It Mp · g = ve g (3.24) 3.1.7 Superfície exposta e empuxo A força de empuxo instantânea ideal produzida por um motor de propelente sólido pode ser obtida através da equação a seguir, fruto das simplificações aplicadas. Pelo desenvolvimento de Sutton e Biblarz[6]: F = AtPo √√√√ 2k2 k − 1 ( 2 k + 1 ) k+1 k−1 [ 1− ( Pe Po ) k−1 k ] + (Pe − Pa)Ae (3.25) em que At é área da seção transversal da “garganta” do bocal, Po é a pressão na câmara de combustão, Pe é a pressão na saída do bocal, Pa é a pressão ambiente fora do bocal, k é o coeficiente de expansão adiabática e Ae é a área da seção de saída do bocal. A equação é uma forma modificada da expressão para o empuxo[6], substituindo a velocidade de saída dos gases obtida na equação 3.17. Analisando-a, vemos que a força produzida é diretamente proporcional à área da garganta e quase diretamente proporcional à pressão na câmara de combustão. Isso significa que, mantendo os outros parâmetros constantes, duplicar a área da garganta ou duplicar a pressão da câmara de combustão acarreta no dobro ou quase o dobro do empuxo, respectivamente. No entanto, a pressão na câmara de combustão está intimamente ligada com a área da garganta, de forma que uma outra relação precise ser estabelecida: a razão de áreas Kn. A pressão na câmara de combustão durante a operação do motor pode ser modelada através da equação a seguir, partindo da equação de fluxo de massa [6]: Po = Knρprc ∗ = Ab At ρprc ∗ (3.26) em que Kn é a razão entre a área superficial do grão exposta à queima e a área da seção transversal da garganta (Ab/At), ρp é a densidade do propelente, r é a taxa de queima do propelente em uma dada pressão de combustão e c∗ é a velocidade característica dos gases resultantes. Sabendo que a área da garganta permanece tipicamente constante durante a operação de um motor (salvo em condições erosivas ou motores com mecanismos de redução/aumento da seção da garganta) e que os termos ρp e c∗ são constantes ou aproximadamente constantes para um dado propelente, chegamos à conclusão de que a pressão da câmara é diretamente proporcional à área exposta de propelente, Ab, e a taxa de queima r. Em suma, o empuxo gerado pelo motor é, também, proporcional à área exposta de propelente, fato que nos permite controlar a curva de empuxo-tempo na fase de projeto do motor através da variação dessa área no tempo de operação. 34 3.1.8 Taxa de queima A taxa de queima, apresentada na seção anterior, não é constante para todas as pressões da câmara de combustão. Ela, na verdade, é tipicamente modelada através da lei de Saint Robert (ou lei de Vieille) [9]: r = aP n c (3.27) em que Pc é a pressão na câmara de combustão, a é o coeficiente de taxa de queima e n é o expoente de pressão. Esses últimos dois parâmetros são obtidos empiricamente para cada propelente, através da sua caracterização. A taxa de queima está relacionada à pressão desenvolvida na câmara de combustão, dado que é ela que regula a velocidade com a qual os produtos da combustão do propelente estão sendo gerados. Existem diversos outros parâmetros que alteram a taxa de queima do propelente[2], além da pressão da câmara, como: • Tamanho das partículas de comburente. • Porcentagem de comburente/combustível (O/F ratio). • Uso de catalisadores ou supressores. Portanto, no cálculo dos parâmetros de propulsão, é importante recalcular a taxa de queima em cada iteração da fase estacionária de operação - já que a pressão desenvolvida provavelmente terá sido alterada após um certo passo temporal.[10] A Figura 3.12 mostra a variação da taxa de queima em função da pressão da câmara de combustão para o propelente utilizado no projeto, KNSB. Os dados foram obtidos da caracterização do propelente, feita por Nakka[2]: Figura 3.12 – Taxa de queima vs pressão da câmara (KNSB) Fonte: autor 35 3.1.9 Queima erosiva A queima erosiva se refere ao aumento da taxa de queima de um propelente devido ao escoamento em alta velocidade dos gases provenientes da combustão. Um aumento local na taxa de queima pode aumentar severamente a área de propelente exposta e, por conseguinte, aumentar a pressão da câmara até níveis imprevisíveis, como ilustrado na Figura 3.13. A queima erosiva ocorre principalmente no “furo” dos grãos de propelente, e é mais provável de acontecer se a razão entre a área do “furo” e a área da garganta for menor que um valor crítico. “Furo”, neste contexto, refere-se à área de seção transversal na qual o escoamento consegue trafegar em direção ao bocal. Figura 3.13 – Efeito da queima erosiva na curva de empuxo-tempo Fonte: Sutton e Biblarz[6] Segundo Nakka[2], o valor mínimo da razão Afuro/A ∗ para evitar a queima erosiva é 2, enquanto Sutton e Biblarz[6] fornecem um valor mínimo de 4. Um modelo utilizado para quantificar a queima erosiva foi proposto por Lenoir e Robillard[6] em 1956, que une a taxa de queima nominal rnom (seção 3.1.8) com a taxa de queima erosiva re: r = rnom + re = aP n c + αG0.8D−0.2e−βrρb/G (3.28) Em que G é o fluxo de massa por unidade de área do furo (em kg/s · m2), D é a dimensão característica do furo (dada por D = 4Afuro/S, em que S é o perímetro do furo), ρb é a densidade do propelente não-queimado (kg/m3), e α, β são constantes empíricas[6]. O modelo de Lenoir e Robillard é apresentado apenas por completude e não será utilizado no projeto deste trabalho. Ao invés disso, um valor conservador da razão Afuro/A ∗ será adotado na seção de desenvolvimento. O fluxo de massa máximo G também será minimizado a fim de evitar a queima erosiva. 36 3.2 ESTABILIDADE Um foguete lançado verticalmente tende a manter sua atitude até que surjam perturbações, como rajadas de vento lateral, desbalanceamentos de massa, empuxo desalinhado com o eixo central do foguete, dentre outros. Após a atuação delas, a linha de centro do foguete deixa de ser paralela à sua trajetória; ou seja, o foguete passa a voar com um ângulo de ataque não-nulo, que irá aumentar consideravelmente o arrasto e alterar a atitude originalmente vertical. Como não é possível garantir um cenário isento destas perturbações, deve-se projetar o foguete para que quaisquer distúrbios gerados sejam prontamente corrigidos pelos sistemas de estabilidade[2], apresentados a seguir. 3.2.1 Sistemas estabilizadores Existem dois principais tipos de sistemas estabilizadores: sistemas passivos e sistemas ativos. Sistemas passivos são convencionalmente compostos apenas por um conjunto de aletas fixas, enquanto os sistemas ativos fazem uso de aletas móveis, motores secundários ou possuem controle vetorizado do empuxo (thrust vector control, ou TVC). Sistemas ativos sacrificam simplicidade e custo reduzido a fim de obter algum ganho de desempenho ou de funcionalidade[11]. Os sistemas TVCs, por exemplo, estabilizam o foguete em voo e também o colocam em uma atitude desejada para o cumprimento da missão (como um gravity turn para órbita). Os sistemas passivos, entretanto, são ideais para projetos de baixa complexidade e custo reduzido[11]. O dimensionamento correto das aletas permite uma correção rápida do ângulo de ataque, dado que o foguete possua velocidade suficiente. Além disso, mesmo que um sistema TVC fosse implementado no foguete experimental, ele só funcionaria como controle de atitude durante o período de queima do motor, que é muito pequeno; o resto do voo seria desestabilizado. Por esses motivos, o sistema estabilizador apresentado será de tipo passivo, com o uso de aletas. Historicamente, os sistemas passivos têm dominado o cenário de foguete-modelismo, enquanto os sistemas ativos são a regra para foguetes comerciais modernos[11]. No entanto, a popularização de microcontroladores como o Arduino na última década criou novas perspectivas para sistemas ativos de custo reduzido. 3.2.2 Aletas (ou fins) Nesta seção, o mecanismo físico que permite a estabilização de foguetes com o uso de aletas fixas será explorado. Em primeiro lugar, deve-se saber que aletas são, essencialmente, pequenas asas com aerofólios simétricos acopladas radialmente no foguete. As aletas geram sustentação apenas quando submetidas a um ângulo de ataque não-nulo, e essa força é sempre aplicada no chamado centro de pressão (CP) do foguete. Já os movimentos rotacionais do foguete - neste caso, frutos das perturbações - ocorrem em torno do centro de gravidade (CG) do foguete. Assim, um deslocamento angular gerado por forças externas pode ser cancelado pela atuação da força de sustentação das aletas, desde que o centro de pressão esteja localizado “abaixo” do centro de gravidade (considerando o foguete com coifa para cima). O valor da distância entre estes pontos tem grande relevância para a estabilidade, e será 37 discutido na seção 3.2.5. Os métodos para localizar esses pontos serão discutidos nas seções 3.2.3 e 3.2.4. Assim, é possível definir três condições de estabilidade[11] para um corpo nessas condições, ilustradas na Figura 3.14 e definidas a seguir. Apenas uma delas, a estabilidade positiva, é adequada a um foguete. 1. Estabilidade positiva: o centro de pressão se encontra atrás do centro de gravidade. Quando submetido a uma perturbação, sua trajetória permanece praticamente inalterada. Na presença de vento durante lançamento, o foguete tende a virar em direção ao vento, deixando de ter orientação vertical, mas permanecendo estável (fenômeno chamado de weathercocking[11]); 2. Estabilidade neutra: o CP e o CG estão exatamente no mesmo ponto. Assim, quaisquer perturbações acarretam em movimentos puramente translacionais, mas não existem forças restauradoras. Qualquer variação na posição do CG (devido ao consumo de propelente, por exemplo) ou do CP (devido ao aumento do ângulo de ataque, por exemplo) tornará o foguete estável ou instável; 3. Estabilidade negativa: o centro de pressão se encontra na frente do centro de gravidade. Quando submetido a uma perturbação, tende a rotacionar completamente. Figura 3.14 – Condições de estabilidade Fonte: Stine e Stine[11] Na Figura 3.15, um caso de foguete com estabilidade positiva está exemplificado. Os pontos CG e CP, bem como as forças atuantes no foguete durante a fase propulsada (período no qual o motor está ligado), estão demarcados. O caso 1A denota o foguete em condição não-perturbada: todas as forças são exercidas no CG, e o foguete tem aceleração puramente linear. No caso 1B, entretanto, uma rajada de vento causa uma força lateral no foguete, FWIND. Esta força, de origem aerodinâmica, atua no CP, rotacionando levemente o foguete e causando o aumento do ângulo de ataque α. Essa 38 mudança no ângulo de ataque do foguete (e, consequentemente, nas aletas) gera imediatamente a força de sustentação FLIFT , cujo momento em relação ao CG tende a estabilizar a perturbação inicial - preservando a trajetória vertical desejada. Figura 3.15 – Foguete com estabilidade positiva Fonte: Nakka[2] Na Figura 3.16, o caso de foguete com estabilidade negativa está exemplificado. Novamente, tem-se em 2A o foguete em condição não-perturbada, mas com uma diferença crucial: o CG está abaixo do CP. Em 2B, a rajada de vento lateral ocasiona o aumento do ângulo de ataque α, que, denovo, gera uma força de sustentação. Entretanto, neste caso, a disposição dos pontos de aplicação de força aerodinâmica (CP) e rotação (CG) faz com que ambas as forças estejam no mesmo sentido. Assim, a rotação causada pela perturbação não é corrigida e, na verdade, é ainda amplificada pela força de sustentação favorável. O foguete tende a virar totalmente, e com a atuação do empuxo, acaba espiralando fora de controle. 39 Figura 3.16 – Foguete com estabilidade negativa Fonte: Nakka[2] É evidente que o posicionamento adequado do centro de pressão e do centro de gravidade é imprescindível no projeto de foguetes estáveis. As seções seguintes apresentam definições formais breves e métodos para determinar a localização dos pontos. 3.2.3 Centro de gravidade (CG) O centro de gravidade é definido como o ponto no qual a força peso de um corpo está concentrada. Em um campo gravitacional uniforme, este ponto é idêntico ao ponto de centro de massa. Assumindo que um foguete seja composto de vários componentes k, a posição em x do centro de gravidade é igual a: xCG = 1 MT N∑ k=1 xkMk (3.29) em que MT é a massa total dos componentes, xk é o centro de massa de um componente em relação a uma linha de referência qualquer (a mesma de xCG) e Mk é a massa de um componente. A equação 3.29 nos permite obter de forma simplificada o centro de gravidade de um foguete tendo conhecimento da localização dos centros de massa dos seus componentes e suas massas individuais. Como a maior parte dos componentes é simétrica, possui distribuição de massa uniforme e é projetada em softwares de desenho mecânico, a obtenção da localização do centro de massa é trivial. De forma generalizada, o centro de gravidade de um objeto imerso num campo gravitacional não-uniforme, com distribuição de massa não-uniforme é dado por[12]: xCG = ∫ ∫ ∫ x · g · ρ dx dy dz MT (3.30) 40 com g(x, y, z) e ρ(x, y, z). A Figura 3.17 mostra um foguete com as posições do centro de gravidade e massas individuais dos seus principais componentes. Assim, adotando subscritos n, r, b, e, f para os componentes nose, recovery, body, engine, fins, respectivamente: xCG = dnWn + drWr + dbWb + deWe + dfWf Wn +Wr +Wb +We +Wf (3.31) Figura 3.17 – Exemplo para obtenção da localização do CG Fonte: Rocket. . . [13] Duas observações pertinentes devem ser feitas quanto ao CG: uma delas é que xCG será dado em relação à linha de referência escolhida - tipicamente na coifa do foguete. A segunda é que, durante a queima de propelente, a massa do componente de motor será reduzida, fazendo com que o CG caminhe para cima no foguete, aumentando a estabilidade. 3.2.4 Centro de pressão (CP) O centro de pressão é definido como o ponto no corpo no qual a força aerodinâmica resultante atua. A obtenção teórica da sua localização é muito mais desafiadora que a do centro de gravidade, já que possui relação direta com a distribuição de pressão em torno do foguete[13]. Além disso, essa distribuição se altera com o aumento do ângulo de ataque, fazendo com que o CP também varie. Felizmente, uma técnica simplificada que fornece com acurácia a localização do centro de pressão em foguetes subsônicos foi formalizada em 1966 por James S. Barrowman[11][14], desde que o ângulo de ataque seja nulo. O procedimento para determinação do centro de pressão envolve separar o foguete em três tipos principais de componentes: coifa, transições cônicas (partes com variações no diâmetro da superfície imersa no escoamento) e aletas; seus subscritos são, respectivamente, n, t, f . Para cada um desses componentes, serão calculados os termos de distância relativa do centro de pressão (XN , XT , XF ) e os coeficientes de força normal ((CN)N , (CN)T , (CN)F ), que darão a posição do centro de pressão do foguete em relação à uma linha de referência escolhida[15]. A Figura 3.18 mostra todas as distâncias relativas necessárias para o cálculo do centro de pressão em um foguete qualquer. 41 Figura 3.18 – Distâncias relativas do método de Barrowman Fonte: Barrowman. . . [14] 42 Para o cálculo dos termos da coifa, tem-se um valor constante para o coeficiente de força normal, independentemente do formato da coifa: (CN)N = 2[15]. Já a distância relativa do centro de pressão da coifa, XN , depende unicamente de sua geometria. As geometrias tipicamente utilizadas em coifas de foguetes estão listadas a seguir na tabela 2 com seus valores de XN [16]: Tabela 2 – Distâncias relativas dos centros de pressão para geometrias típicas de coifas Formato da coifa XN Cônico L/3 Parabólico (Power-series) L/2 Ogival 0.534L, para L > 6R Elíptico 3L/2 LV-HAACK 0.437L von-Kármán 0.500L Fonte: Sr[16] Em que L é o comprimento ou altura da coifa do foguete e R é o raio da base da coifa. Uma observação importante há de ser feita: as distâncias relativas da tabela tomam a linha de referência como sendo a base da coifa, diferentemente da Figura 3.18, que utiliza a ponta da coifa como referência. Assim, a distância com a linha de referência na ponta da coifa será dada por L−XN . Para os termos de transição cônica, as expressões 3.32 e 3.33 fornecem o coeficiente de força normal e a distância relativa: (CN)T = 2 [( dR d )2 − ( dF d )2 ] (3.32) XT = XP + LT 3 1 + 1− dF dR 1− ( dF dR )2  (3.33) Em que dR, dF , XP , LT , d são distâncias ou comprimentos característicos, denotados na Fi- gura 3.18. Para os termos das aletas, as expressões 3.34 e 3.35 fornecem o coeficiente de força normal e a distância relativa: (CN)F = [ 1 + R R + S ] 4N ( S d )2 1 + √ 1 + ( 2LF CR + CT )2  (3.34) XF = XB + XR 3 (CR + 2CT ) (CR + CT ) + 1 6 [ (CR + CT )− CRCT CR + CT ] (3.35) Em que R, S, LF , CR, CT , XB, XR são distâncias ou comprimentos característicos, também deno- tados na Figura 3.18. N é o número total de aletas instaladas. Finalmente, calculados estes termos, a 43 distância do centro de pressão em relação à linha de referência é dada pela expressão 3.36. xCP = X = (CN)NXN + (CN)TXT + (CN)FXF (CN)N + (CN)T + (CN)F (3.36) Outras duas observações devem ser feitas quanto ao xCP : em primeiro lugar, deve-se dar atenção à linha de referência utilizada nos cálculos dos termos dos componentes; assim como xCG, a utilização da linha de referência incorreta irá acarretar no posicionamento incorreto do CG e CP, levando o foguete à instabilidade. Além disso, enfatiza-se que as expressões do chamado “método Barrowman” são válidas apenas para ângulo de ataque nulo. Com o aumento do ângulo de ataque, o centro de pressão se desloca para cima no foguete, o que diminui sua estabilidade. Assim, o caso em que α = 0 denota a condição de projeto menos conservadora possível[15]. 3.2.5 Margem estática Com a ajuda das seções anteriores, é possível calcular com acurácia satisfatória os pontos relativos ao centro de gravidade e centro de pressão de um foguete em ângulo ataque nulo. No entanto, até o momento sabe-se apenas que o centro de pressão deve ficar abaixo do centro de gravidade, tomando o foguete com a coifa para cima como referência. A distância que esses pontos devem possuir entre si não foi discutida; historicamente, um parâmetro denominado “margem estática” é utilizado para determinar intervalos aceitáveis de distância entre o CG e o CP. Um padrão não oficial entre foguete-modelistas é utilizar de 1.5 a 2 calibres de distância (calibre sendo o maior diâmetro do foguete)[2]. A distância entre estes dois pontos de interesse tem relação direta com o momento corretivo gerado pelas aletas: um foguete pode possuir estabilidade positiva mas, devido à pequena distância entre CG e CP, a correção das perturbações pode se mostrar insuficiente. Similarmente, um foguete com margem de estabilidade considerada suficiente em condições normais pode se tornar totalmente instável sob condições de vento lateral: o aumento do ângulo de ataque fará com que o CP se desloque para cima do CG. O intervalo de 1.5 a 2 calibres para a margem estática dará resultados positivos para a grande maioria dos casos, mas apenas uma análise ou simulação dinâmica levando em conta todos os graus de liberdade aplicáveis fornecerá o comportamento real do foguete em voo[17]. Para o foguete desenvolvido, uma margem estática entre 1.5 a 2 calibres será utilizada, a fim de simplificar as simulações de trajetória. 44 3.3 AERODINÂMICA A aerodinâmica estuda, principalmente, a influência do escoamento em corpos imersos por ele - como o efeito do ar atmosférico que trafega ao redor de uma asa de aeronave. No âmbito da ciência de foguetes, o conceito fundamental a ser estudado é o arrasto, sentido por foguetes ao percorrerem as diferentes camadas da atmosfera. Para um foguete experimental a preocupação é a mesma - ou até maior, visto que foguetes comerciais passam apenas uma pequena parcela da sua trajetória sob efeito considerável do arrasto. O arrasto, sendo uma força contrária à direção de movimento, influencia profundamente na capacidade de atender uma missão, já que demanda maior empuxo do foguete e, consequentemente, mais propelente e/ou capacidade propulsiva para um mesmo alcance ou carga-paga. Essa seção irá discorrer sobre métodos de obtenção do coeficiente de arrasto e parâmetros que o influenciam (com foco no regime subsônico, dado o apogeu requisitado na seção 4.1). Os metódos apresentados utilizam dados empíricos coletados em túneis de vento aliados a dados teóricos para estimar os parâmetros aerodinâmicos. Esta não é a única técnica disponível ao projetista: se métodos mais acurados estiverem disponíveis no cenário e aplicação do leitor, sugere-se que as modelagens sejam feitas de acordo com tais. 3.3.1 Modelagem da força de arrasto e os coeficientes de arrasto A força de arrasto é tradicionalmente representada pela expressão 3.37: D = 1 2 ρV 2SCD (3.37) Em que D é a força de arrasto, ρ é a densidade do escoamento, V é a velocidade com que o escoamento percorre o objeto, S é a área relativa e CD é o coeficiente de arrasto. Em uma simulação, todos os parâmetros do lado direito da equação são conhecidos, com exceção de CD; o maior desafio para o cálculo da força de arrasto é, portanto, determinar este coeficiente. Algumas considerações podem ser feitas: em primeiro lugar, destaca-se que a velocidade está elevada ao quadrado, sendo portanto o termo de maior efeito no arrasto. O coeficiente de arrasto é afetado pela geometria do objeto, pelo ângulo de ataque, pelo acabamento das suas superfícies, pelo regime do escoamento (laminar ou turbulento) e pelo número de Mach[17], e a densidade é uma função da altitude. A técnica abordada para o projeto consiste em dividir o coeficiente de arrasto em quatro tipos (arrasto de fricção, arrasto de pressão, arrasto de base e arrasto parasita), calculá-los separadamente e então encontrar a contribuição total dimensionada; quando presente nas equações, o símbolo subscrito “•” indica que o coeficiente em questão ainda não foi dimensionado em relação à área de referência correta. Na seção 3.3.11, todos os coeficientes não dimensionados serão dimensionados na sua forma final para utilização na expressão 3.37. O arrasto de fricção é o único coeficiente que já é calculado na sua forma dimensionada ao final da seção 3.3.3. Finalmente, a força de arrasto instantânea é utilizada nos cálculos de trajetória. Essa é a técnica empregada pelo software OpenRocket, validada por inúmeros lançamentos[17]. 45 3.3.2 Camada-limite e tipos de escoamento Na parte frontal de um corpo de contorno suave (streamlined body) o fluido percorre suavemente sua superfície em “camadas” que diferem quanto à velocidade do escoamento. A camada mais próxima da superfície deste corpo “gruda” no objeto, uma condição de contorno que garante velocidade nula naquela camada: a condição de não-deslizamento[17]. À medida que se distancia do objeto, cada camada aumenta de velocidade gradualmente, até alcançar a velocidade do escoamento livre. Esse tipo de escoamento é chamado de escoamento laminar, ao qual é associado uma camada-limite laminar[17]. A espessura desta camada-limite aumenta com a distância percorrida pelo fluido ao longo da parede, até um ponto no qual a transição para o regime turbulento ocorre. No regime turbulento, a espessura da camada-limite aumenta consideravelmente e nela estão presentes redemoinhos ou turbilhões, que aumentam o arrasto de fricção[17]. O ponto de transição existirá no corpo imerso caso o número de Reynolds, que relaciona as forças inerciais com as forças viscosas do fluido, seja alto o suficiente; do contrário, o corpo inteiro estará imerso em uma camada-limite laminar[18]. A Figura 3.19 ilustra os dois comportamentos possíveis, e a Figura 3.20 mostra o crescimento da camada-limite ao longo de uma parede. Figura 3.19 – Formação da camada-limite em regime de a) Reynolds baixo e b) Reynolds alto Fonte: White[18] 46 Figura 3.20 – Crescimento da camada-limite (fora de escala) Fonte: White[18] Para simplificar a obtenção do coeficiente de arrasto, assume-se neste trabalho que todo o foguete está no regime turbulento: em uma velocidade de 100 m/s, a transição ocorre em aproximadamente 7 cm da ponta da coifa, e em uma velocidade de 60 m/s qualquer protuberância ou imperfeição maior que 0.05 mm irá causar a transição para o regime turbulento[17], tornando o efeito do segmento laminar desprezível[17] por cobrir apenas uma pequena parte da superfície total do foguete. Em sua tese, o método de Barrowman prevê cálculos para os dois regimes[19], mas quando implementados, a existência da camada laminar alterou o apogeu em menos de 5% em todos os testes[17]. A Figura 3.21 ilustra a transição da camada-limite em um foguete e apresenta os diversos tipos de arrasto que ocorrem em suas imediações - os quais serão explicados na subseção seguinte. Figura 3.21 – Tipos de arrasto e transição da camada-limite em um foguete Fonte: Niskanen[17] 47 3.3.3 Arrasto de fricção O arrasto de fricção é a mais notável fonte de arrasto em um foguete experimental no regime subsônico, seguido do arrasto de pressão. É causado pela fricção da superfície do foguete com o escoamento viscoso. O coeficiente de arrasto de fricção depende do número de Reynolds do escoamento, da rugosidade superficial do objeto e do número de Mach, e pode ser generalizado como: Cf = Dfriction 1 2 ρv20Awet (3.38) Em que Awet é a área superficial do foguete exposta ao escoamento, v0 é a velocidade do escoamento livre, ρ é a densidade do escoamento e Dfriction é a força de arrasto de fricção. Existem várias formas de estimar o coeficiente de arrasto de fricção, a depender do número de Reynolds do escoamento. Para um escoamento totalmente turbulento mas com uma subcamada laminar que cobre a rugosi- dade superficial, Cf não é função da rugosidade, apenas do número de Reynolds[17]: Cf = 1 (1.50 lnR− 5.6)2 (3.39) Esta equação é válida até um número de Reynolds crítico, no qual a rugosidade superficial passa a ter influência sobre o arrasto de fricção. O número de Reynolds crítico é dado por[17]: Rcrit = 51 ( Rs L )−1.039 (3.40) Em que Rcrit é o número de Reynolds máximo para aplicação da equação 3.39, L é o comprimento total do foguete e Rs é a altura média da rugosidade superficial. A tabela 3 relaciona alguns materiais e acabamentos com suas alturas médias estimadas. Tabela 3 – Tamanho médio aproximado da rugosidade superficial Tipo de superfície Altura aproximada [µm] Superfícies espelhadas 0 Vidro convencional 0.1 Superfícies acabadas e polidas 0.5 Chapas de metal aeronáutico 2 Pintura perfeita com spray 5 Placas de madeira aplainada 15 Pintura de aeronaves comerciais 20 Chapeamento de aço 50 Cimento liso 50 Revestimento em asfalto 100 Superfície metálica galvanizada 150 Pintura incorreta em aeronave 200 Ferro fundido, sem tratamento 250 Placas de madeira, sem tratamento 500 Concreto convencional 1000 Fonte: Hoerner[20] 48 Para valores de Reynolds acima de Rcrit, Cf pode ser calculado como uma função apenas da altura média da rugosidade superficial Rs e do comprimento do foguete. Diz-se, nesse caso, que o arrasto é limitado pela rugosidade (roughness-limited)[17]: Cf = 0.032 ( Rs L )0.2 (3.41) Para valores de Reynolds muito pequenos (Re < 104), considera-se que o coeficiente de arrasto de fricção é constante e igual ao valor do coeficiente calculado para Re = 104 na equação 3.39. De forma resumida, o coeficiente de fricção de arrasto é dado por: Cf =  1.482 · 10−2, se Re < 104 Eq. 3.39, se 104 < Re < Recrit Eq. 3.41, se Re > Recrit (3.42) Após o cálculo inicial de Cf , é necessário aplicar os fatores de correção devido à compressibilidade no regime subsônico para obtenção do coeficiente corrigido, Cfc: Cfc = Cf (1− 0.1M2) (3.43) Em que M é o número de Mach do escoamento - a razão entre a velocidade do escoamento livre v0 e a velocidade local do som a. Finalmente, é preciso dimensionar corretamente o coeficiente em relação às áreas de referência do foguete. O coeficiente de arrasto de fricção final será dado por: (CD)friction = Cfc ( 1 + 1 2fB ) · Awet,body + ( 1 + 2t c ) · Awet,fins Aref (3.44) Em que fB é a “proporção de finura” (fineness ratio) do foguete (comprimento total do foguete dividido pelo seu maior raio), Awet,body é a área molhada do corpo do foguete, Awet,fins é a área molhada das aletas (considerando os dois lados) e Aref é a área de referência, adotada como a maior área de seção transversal do foguete. 49 3.3.4 Arrasto de base O arrasto de base é causado pela dificuldade sentida pelo escoamento ao tentar contornar uma região de baixa pressão - tipicamente gerada na parte inferior do foguete, ou em regiões cujo diâmetro do componente reduza de forma abrupta. A Figura 3.22 ilustra esse efeito em um aerofólio cujo bordo de fuga foi cortado. O arrasto de base pode ser modelado de forma empírica[21], a depender do número de Mach do escoamento, como mostra a equação 3.45: (CD•)base = 0.12 + 0.13M2, se M < 1 0.25/M se M > 1 (3.45) Figura 3.22 – Arrasto de base causado pelo fim abrupto de aerofólio Fonte: Heisler[22] O arrasto de base na parte inferior do foguete pode deixar de existir ou ter seu efeito reduzido durante a operação do motor devido à exaustão de gases naquela região. Uma forma simplificada de tratar este caso é subtrair[21] a área de saída do motor da área de referência quando o dimensionamento do arrasto de base for feito. Se a área do motor for próxima à área de referência da parte inferior do foguete, considera-se que nenhum arrasto de base é gerado; do contrário, se a área de saída do motor for desprezível em relação à área da seção transversal inferior, considera-se que o efeito dos gases é negligenciável e, portanto, há arrasto de base em sua totalidade. O efeito do arrasto de base na parte inferior do foguete é reduzido quando há uma transição boattail, devido à curva mais suave que o escoamento deve realizar e também devido à área de referência reduzida. Nesses casos, calcula-se o arrasto de base normalmente, utilizando a área final da transição boattail para dimensionar o coeficiente. 50 3.3.5 Arrasto de pressão - mecanismo físico O arrasto de pressão é causado pela dificuldade do escoamento em contornar um objeto. Em objetos com contornos grosseiros (blunt bodies), o arrasto de pressão possui a maior contribuição para o arrasto total. Nesta seção serão apresentados métodos semi-empíricos para estimar o coeficiente de arrasto de pressão da coifa, das transições de corpo e das aletas. 3.3.6 Arrasto de pressão em coifas No começo do regime subsônico, a contribuição do arrasto de pressão em coifas é substancialmente menor que a contribuição do arrasto de fricção. Em alguns casos, o coeficiente é até mesmo negativo, produzindo uma pequena diminuição de arrasto. A Figura 3.23 mostra uma série de coifas e seus respectivos coeficientes de arrasto de pressão. Figura 3.23 – Coeficientes de arrasto de pressão para algumas geometrias de coifa em regime subsô- nico Fonte: Niskanen[17] Em M = 0, o coeficiente de arrasto de pressão é aproximadamente proporcional ao quadrado do seno do ângulo de junção ϕ, indicado na parte direita da Figura 3.23 como o ângulo entre a superfície reta do tubo com a superfície da coifa[23]: (CD•,M=0)p = 0.8 · sin2 ϕ (3.46) Isso significa que, para qualquer coifa com uma transição suave para o corpo do foguete, o arrasto de pressão será nulo[17] no começo do regime subsônico. Para mapear o regime subsônico até o regime transônico, um interpolador que se assemelha ao método de Prandtl-Glauert é utilizado[17]: (CD•)p = aM b + (CD•,M=0)p (3.47) Em que (CD•)p é o coeficiente de arrasto de pressão válido para todo regime subsônico, (CD•,M=0)p é o coeficiente de pressão em M = 0 e a e b são constantes do interpolador; para toda coifa cujo coeficiente de arrasto de pressão no começo do regime transônico é zero, tem-se (CD•)p = (CD•,M=0)p. A modelagem do regime transônico e supersônico depende da geometria da coifa; em geral, três interpolações são necessárias para a obtenção do coeficiente: 1. Interpolação de parâmetro geométrico (n): caso o formato de coifa permita variação de um parâmetro geométrico (como a coifa de série de potência, mapeada por y = R (x/L)n, em que o 51 parâmetro n pode variar de 0 a 1), este deve ser obtido através da interpolação de coifas cujo intervalo dos parâmetros inclua n e cujos dados empíricos estão disponíveis; 2. Interpolação de proporção de finura de coifa (fN ): os dados empíricos utilizados no cálculo do coeficiente de arrasto de pressão estão disponíveis apenas para fN = 3, logo, para um valor de projeto diferente, outra interpolação será necessária; 3. Interpolação no número de Mach (M ): interpolação final, dada pela equação 3.47. Como exemplo, a modelagem completa do arrasto de pressão da coifa de formato elipsoidal será feita. Como seu coeficiente de arrasto de pressão não é nulo no começo do regime transônico, há de se realizar as interpolações. Outras modelagens são mais simples e podem ser realizadas seguindo as expressões de Niskanen[17], nos apêndices A e B, e acoplando-as ao interpolador da expressão 3.47. Modelagem de arrasto de pressão para coifa em formato elipsoidal A coifa elipsoidal não possui parâmetros geométricos para variação[16], portanto, a primeira interpolação não é necessária. Para montar o segundo interpolador, é necessário determinar C3 - o coeficiente de arrasto de pressão para uma proporção de finura da coifa (nose fineness ratio, fN ) igual a 3[17] e C0, que é o mesmo que o coeficiente de arrasto de pressão de um cilindro com extremidade reta. • C3: encontrado a partir de dados empíricos dos gráficos da Figura 3.24. Os pontos da curva podem ser extraídos por uma ferramenta de extração de pontos em imagens, como o WebPlotDi- gitizer; • C0: uma coifa com fN nula é, essencialmente, um cilindro com extremidade reta. No regime subsônico, é dado pela equação 3.48[20]. Essa expressão também é válida para o cálculo do arrasto de base, já que ambos dependem da pressão de estagnação das áreas perpendiculares ao escoamento[17]. 52 Figura 3.24 – Coeficientes de arrasto de pressão para coifas em regime transônico e supersônico, com fN = 3 Fonte: Jr[24] C0 = (CD•)stag = 0.85 ( 1 + M2 4 + M4 40 ) (3.48) Obtidos C3 e C0, o coeficiente de arrasto de pressão para um valor de fN qualquer é obtido pelo segundo interpolador, descrito na equação 3.49. (CD•)p = C0 · ( C3 C0 )log4 (fN+1) (3.49) O número de Mach do começo da região transônica será chamado de Mt. No caso da coifa elipsoidal em regime subsônico, apenas do coeficiente no começo da região transônica é necessário, que já foi obtido, e o valor da derivada neste ponto para montar o terceiro e último interpolador. A derivada é obtida seguindo os mesmos passos, porém adicionando um valor infinitesimal ao valor de Mt, interpolando linearmente com o segundo ponto obtido da extração de dados e obtendo o valor do coeficiente neste ponto. A equação 3.50 realiza esse procedimento para um incremento arbitrário: 53 (CD•,Mt) ′ p = (CD•,Mt+0.001)p 0.001 (3.50) Finalmente, as constantes a e b do último interpolador são encontradas derivando a equação 3.47: (CD•) ′ p = abM b−1 (3.51) O valor da derivada é conhecido em Mt, logo, substituindo as expressões, tem-se as seguintes equações para a obtenção das constantes: b = Mt · (CD•,Mt) ′ p (CD•,Mt)p − (CD•,M=0)p (3.52) a = (CD•,Mt)p − (CD•,M=0)p M b t (3.53) Em que Mt é o número de Mach que denota o começo da região transônica (primeiro ponto em que os dados empíricos estão disponíveis), (CD•,Mt)p e (CD•,Mt) ′ p são, respectivamente, o valor do coeficiente de arrasto de pressão em Mt e sua derivada, e (CD•,M=0)p é o valor do coeficiente em M = 0, dado pela equação 3.46. O interpolador final é encontrado utilizando os valores de a e b na equação 3.47, e dá os valores do coeficiente de arrasto para todo regime subsônico. 54 3.3.7 Arrasto de pressão em transições shoulders Os segmentos chamados de “shoulders” são transições nas quais o diâmetro do corpo do foguete aumenta. Nestes casos, o escoamento encontra uma superfície que deve ser contornada de forma similar à coifa. Estas transições são utilizadas quando é necessário comportar sistemas maiores, como o acoplamento de um foguete de dois estágios ou um motor maior. Na Figura 3.25, duas transições (A e B) do foguete Saturn V estão ilustradas. Figura 3.25 – Transições de tipo shoulder do Saturn V Fonte: Saturn. . . [25] No regime subsônico, essas transições podem ser modeladas da mesma forma que as coifas, mudando apenas a área de referência utilizada nos cálculos: neste caso, a área de referência será em relação à área frontal do tronco de cilindro formado pelo diâmetro antes e depois da transição. O efeito da transição não-suave de uma superfície para a outra é ignorado, já que a variação de pressão é positiva e não há descolamento do escoamento[17]. 55 3.3.8 Arrasto de pressão em transições boattail Os segmentos chamados de “boattails” são transições nas quais o diâmetro do corpo do foguete diminui. São utilizadas, principalmente, na parte traseira/inferior do foguete para diminuição do arrasto de base, discutido na seção 3.3.4. (a) Vista em software CAD (b) Acoplada ao foguete Figura 3.26 – Transições boattail Fonte: Calcara et al.[26] A transição boattail de comprimento nulo corresponde a um fim abrupto de uma superfície - o que está relacionado ao arrasto de base causado pela região de baixa pressão. Por outro lado, uma transição gradual causa uma variação de pressão suave, gerando nenhum arrasto de pressão[17]. A equação 3.54 mostra a modelagem deste comportamento para o regime subsônico. (CD•)p = (CD•)base ·  1, se γ < 1 (3− γ)/2, se 1 < γ < 3 0, se γ > 3 (3.54) O parâmetro de finura γ é definido como o comprimento da transição dividido pela diferença entre o diâmetro das suas duas seções, γ = l/(d1 − d2). Nos dois extremos, se a proporção γ for alta o suficiente, considera-se que não há arrasto de pressão na transição. Se for muito pequena, considera-se que o arrasto de pressão é equivalente ao arrasto de base, apenas dimensionado para a área de referência menor. O arrasto de base da equação 3.54 é calculado através da expressão 3.45, e a área de referência da transição é a área frontal do tronco de cilindro. 56 3.3.9 Arrasto de pressão em aletas O arrasto de pressão em aletas é altamente dependente do perfil de aleta utilizado[17]. Três tipos serão considerados e analisados: 1. Aletas de perfil retangular (3.27a); 2. Aletas com bordo de ataque (leading edge, LE) e bordo de fuga (trailing edge, TE), arredondados (3.27b); 3. Aletas com perfil de aerofólio (3.27c). (a) Retangular (b) Com LE e TE arre- dondados (c) Aerofólio Figura 3.27 – Perfis de aletas Fonte: elaborada pelo autor Os coeficientes de arrasto de pressão serão calculados separadamente para o bordo de ataque (LE) e bordo de fuga (TE). O coeficiente de arrasto de pressão final para as aletas, não dimensionado, é dado pela equação 3.55. (CD•)p = (CD•)LE + (CD•)TE (3.55) Para o bordo de ataque de uma aleta com perfil retangular, o arrasto de pressão será igual ao arrasto de pressão por estagnação[17], já que o escoamento encontra uma parede de contornos grosseiros. A equação 3.48 pode ser utilizada para o regime subsônico. O bordo de ataque de uma aleta com perfil de cantos arredondados (incluindo aqui a aleta com perfil de aerofólio) pode ser modelado como um cilindro circular sem arrasto de base[17], através da expressão empírica proposta por Barrowman[19] (equação 3.56). (CD•)LE⊥ =  (1−M2)−0.417 − 1, se M < 0.9 1− 1.785(M − 0.9), se 0.9 < M < 1 1.214− 0.502/M2 + 0.1095/M4, se M > 1 (3.56) 57 O subscrito ⊥ indica o escoamento perpendicular ao bordo de ataque, que é corrigido com o ângulo de enflechamento do bordo de ataque, ΓLE , definido na equação 3.57. (CD•)LE = (CD•)LE⊥ · cos2 ΓLE (3.57) Para o bordo de fuga do perfil retangular, considera-se que a região reta gera uma zona de pressão reduzida e, então, tem-se que o arrasto do bordo de fuga é o próprio arrasto de base. (CD•)TE = (CD•)base (3.58) Para os perfis arredondados considera-se que o arrasto do bordo de fuga é equivalente à metade do arrasto de base, e para perfis de aerofólio o arrasto de pressão do bordo de fuga é nulo[17]. A área de referência destes coeficientes é a área frontal total das aletas. 58 3.3.10 Arrasto parasita O arrasto parasita é causado por imperfeições e/ou protuberâncias no foguete[17]. A principal fonte de arrasto parasita em um foguete-modelo ou foguete experimental é o encaixe da guia de lançamento (launch guides). Os três tipos mais convencionais de encaixes estão ilustrados na Figura 3.28. Figura 3.28 – Encaixes da guia de lançamento Fonte: Niskanen[17] O arrasto parasita dos encaixes é modelado considerando o caso de um cilindro sólido próximo ao corpo do foguete e o caso de um fio circular disposto perpendicularmente ao escoamento. Segundo Niskanen[17], a equação 3.59 fornece o coeficiente não-dimensionado da guia de lançamento, e a equação 3.60 fornece a área de referência que deve ser utilizada. (CD•)parasitic = max (1.3− l/d, 1) · (CD•)stag (3.59) (A)parasitic = πr2ext − πr2int ·max (1− l/d, 0) (3.60) Em que l é o comprimento da guia de lançamento (no caso do fio circular, igual à sua espessura), d é o diâmetro externo da seção circular, e rext e rint são os raios externos e internos da guia de lançamento. 59 3.3.11 Dimensionamento dos coeficientes de arrasto O coeficiente de arrasto total em ângulo de ataque nulo é obtido dimensionando os coeficientes de arrasto individuais para uma área de referência comum e então somando-os. Note que o arrasto de fricção já foi dimensionado separadamente 3.44. A equação 3.61 mostra a expressão para obtenção do CD0 . CD0 = ∑ T AT Aref (CD•)T + CDfriction (3.61) Em que o subscrito T denota algum tipo de arrasto (pressão, base ou parasita), AT é a área de referência aplicável ao tipo de arrasto considerado e Aref é a área de referência comum; em ângulo de ataque nulo, é igual à área da seção transversal do foguete. A obtenção de CD0 nos permite calcular a força de arrasto aplicada sobre o foguete, já que a densidade do escoamento, velocidade do foguete e área de referência são termos conhecidos dentro de uma simulação. 60 3.4 TRAJETÓRIA O estudo da trajetória do foguete experimental é crucial para o cumprimento de sua missão. Neste tópico, uma modelagem mecânica simplificada de um grau de liberdade (adotado como sendo a translação vertical do foguete) será feita analiticamente para um foguete atuando no vácuo, e em seguida o caso com arrasto aerodinâmico em um grau de liberdade é apresentado. 3.4.1 Etapas de voo de foguete experimental A Figura 3.29 mostra um foguete de estágio único e suas fases de voo. Figura 3.29 – Etapas de voo de foguete Fonte: Flight. . . [27] 1. Lançamento (launch): esta é a primeira etapa de voo de qualquer foguete. O ignitor é acionado e o foguete é propulsionado pelo motor. Como a velocidade ainda não é suficiente para estabilização, a guia de lançamento é utilizada para manter a trajetória do foguete retilínea. Assumindo que a guia de lançamento mantenha o foguete com ângulo de ataque nulo, as forças envolvidas são arrasto, empuxo e peso; 2. Subida propulsada (powered ascent): o foguete continua com o motor em operação, mas já livre da restrição da guia de lançamento. As forças aplicadas sobre o foguete são o empuxo do motor, o arrasto aerodinâmico, o peso do foguete e, em caso de ângulo de ataque não-nulo, a sustentação aerodinâmica; 3. Voo livre ascendente (coasting flight): o motor é desligado, mas o foguete ainda possui energia cinética. As forças aplicadas são as mesmas da fase anterior, com exceção do empuxo; 61 4. Apogeu (apogee): o foguete gastou toda sua energia cinética decorrente da queima do propelente. Neste momento, a velocidade vertical do foguete é nula; 5. Voo livre descendente: o foguete está em trajetória balística até o acionamento do módulo de recuperação. 6. Carga de ejeção (ejection charge): se no foguete houver um sistema pirotécnico de ejeção de paraquedas, ele será ativado neste momento. Normalmente, o momento de ativação é suficiente para reduzir a velocidade do foguete mas não exagerado para evitar um pouso distante do local de lançamento; 7. Descida lenta (slow descent): o paraquedas está totalmente acionado, gerando força de arrasto suficiente para desacelerar a queda do foguete a um nível seguro. 3.4.2 Altitude de foguete sem arrasto A modelagem da trajetória de foguete em um grau de liberdade, sem considerar o arrasto, pode ser feita analiticamente através da análise separada da fase propulsada e da fase balística. As aproximações feitas nas equações 3.23 e 3.21 são utilizadas nessa seção e na seção 3.4.3, caso a curva de empuxo- tempo não seja conhecida. A seção 3.4.4 apresenta as equações para quando a curva de empuxo-tempo é conhecida. Na fase propulsada, em um instante t qualquer, o momento total do sistema é dado pela equação 3.62: pt = mv (3.62) Em que m é a massa total do foguete e v é a sua velocidade. Após um instante infinitesimal dt, a massa do foguete decresce por conta do consumo de propelente, a velocidade do foguete é incrementada por conta da ejeção das partículas de gases, e a partícula de gás é ejetada a uma velocidade em relação ao foguete. Matematicamente, a equação 3.63 mostra o momento total em t+ dt. pt+dt = (m− dm)(v + dv)− udm (3.63) Em que (m − dm) é a variação de massa do foguete, (v + dv) é a variação de velocidade do foguete em relação à particula de gás e udm é o momento da partícula de gás, com u em relação ao solo e portanto negativo (contrário ao sentido de v). Rearranjando, tem-se: pt+dt = mv +mdv + vdm− dmdv − udm (3.64) A variação de momento dp é calculada subtraindo as duas expressões, e é dada pela equação 3.65: dp = pt+dt−pt = (mv+mdv+vdm−dmdv−udm)− (mv) = mdv−dm(u+v+dv) (3.65) É possível definir uma velocidade relativa Vrel entre o foguete e a partícula de gás: Vrel = u− (−v − dv) = u+ v + dv (3.66) 62 Substituindo a equação 3.66 em 3.65, tem-se: dp = mdv − Vreldm (3.67) Pela segunda lei de Newton (3.2): Fext = dp dt = mdv − Vreldm dt = m dv dt − Vrel dm dt (3.68) Em que Fext é o vetor de forças externas (neste caso, apenas a força gravitacional), Vrel é a velocidade de ejeção dos gases em relação ao solo e dm dt ou ṁ é a variação de massa do foguete. Utilizando as simplificações 3.23 e 3.21, é possível reescrever a equação 3.68 de forma que o empuxo médio It/tq apareça: Fext = m dv dt − It Mp Mp tq = m dv dt − It tq (3.69) Idealmente, o valor instantâneo de empuxo do motor está disponível e as simplificações não são necessárias - no sistema propulsivo desenvolvido, por exemplo, este é um dado conhecido. No entanto, por completude, a equação 3.69 é uma aproximação razoável para motores comerciais cuja informação de vazão mássica ou curva empuxo-tempo não estão disponíveis. Para a modelagem sem arrasto, pode-se substituir o vetor Fext pela simples força gravitacional atuante no foguete, de modo que Fext = P = −mg. Substituindo, rearranjando e removendo a notação de vetor, tem-se: m dv dt = It tq −mg =⇒ dv dt = It m · tq − g (3.70) A massa instantânea m pode ser modelada em termos da massa inicial, massa de propelente e tempo de queima do motor: m = Mi − ṁt = Mi − Mp tq · t (3.71) Em que Mi é a massa inicial total do foguete, Mp é a massa de propelente a ser consumida e tq é o tempo de queima do motor. Substituindo na equação 3.70: dv dt = It Mi · tq −Mp · t − g (3.72) A equação 3.72 fornece a aceleração instantânea do foguete para um instante de tempo t qualquer durante a fase propulsada. Integrando a expressão de 0 até tq, obtém-se a velocidade adquirida no final da fase propulsada - que é a maior velocidade atingida por foguetes de estágio único. A variação de velocidade na fase propulsada é, então, dada por: ∆V = ∫ tq 0 ( It Mi · tq −Mp · t − g ) dt = It Mp ln Mi Mi −Mp − gtq (3.73) A expressão 3.73 é muito similar à equação de Tsiolkovsky (3.74), porém com o efeito do campo gravitacional terrestre e com a simplificação de ve em termos dos parâmetros de motor. 63 ∆V = ve ln m0 mf (3.74) Se a integral 3.73 for refeita na forma indefinida, obtém-se a velocidade em um instante de tempo t qualquer durante a fase propulsada: V (t) = ∫ ( It Mi · tq −Mp · t − g ) dt = It Mp ln ( Mi · tq Mi · tq −Mp · t ) − gt (3.75) Integrando a expressão 3.75 novamente em um t qualquer da fase propulsada, obtém-se a altura em função do tempo: h(t) = ∫ [ It Mp ln ( Mi · tq Mi · tq −Mp · t ) − gt ] dt = MitqIt M2 p [( 1− Mpt Mitq ) ln ( 1− Mpt Mitq ) + Mpt Mitq ] −gt2 2 (3.76) Tomando t = tq na equação 3.76, obtém-se a altitude adquirida durante a fase propulsada - assumindo altitude inicial nula no lançamento: ∆h1 = h(tq) = It M2 p tq ln ( Mi −Mp Mi ) (Mi −Mp) + It Mp tq − gt2 2 (3.77) As equações 3.73 e 3.77 fornecem, respectivamente, a velocidade e a altitude no final da fase propulsada. Agora, resta utilizá-las para modelar o voo até o apogeu. Nele, sabe-se que a velocidade final é nula. Utilizando a equação horária da velocidade V = V0 + at, tem-se: 0 = It Mp ln ( Mi Mi −Mp ) − gtq − gtc (3.78) Em que tc é o tempo de coasting, ou seja, o tempo decorrido entre o final da queima do motor (engine burnout) e o apogeu. Rearranjando: tc = It Mpg ln ( Mi Mi −Mp ) − tq (3.79) Obtido tc, usa-se a equação horária dos espaços S = S0 + V0t+ at2 2 para obter a altitude de apogeu do foguete: ∆hapogee = ∆h1 + Ittc Mp ln ( Mi Mi −Mp ) − gtctq − gt2c 2 (3.80) As equações 3.75, 3.76, 3.79 e 3.80 podem ser implementadas em uma simulação temporal para obtenção das curvas de espaço e velocidade por tempo. 64 3.4.3 Altitude de foguete com arrasto A modelagem com arrasto é feita retornando à expressão 3.69, mas adotando o vetor de forças externas como a soma da força gravitacional e força de arrasto, ou seja, Fext = P + D = −mg − 1 2 ρv2CD0S: −mg − 1 2 ρv2CD0S = m dv dt − It tq (3.81) A equação diferencial ordinária 3.81 não possui solução em forma fechada. A alternativa é recorrer à solução numérica. O método de Runge-Kutta de quarta ordem (RK4) resolve expressões no formato dy dt = f(t, y), desde que o valor inicial y(t0) = y0 seja conhecido. Neste caso, tem-se: dv dt = −g − v2ρCD0S 2Mi − 2Mpt/tq + It Mitq −Mpt , V (0) = 0 (3.82) O método RK4 consiste em calcular o valor da expressão para um passo de tempo arbitrário n e, com a ajuda deste valor e da média ponderada de quatro incrementos, calcular o valor da expressão para o passo de tempo n+ 1[28]: yn+1 = yn + 1 6 (k1 + 2k2 + 2k3 + k4) (3.83) Em que  k1 = f(xn, yn), k2 = f(xn + 1 2 h, yn + 1 2 hk1) k3 = f(xn + 1 2 h, yn + 1 2 hk2) k4 = f(xn + h, yn + hk3) (3.84) Em suma, as curvas de aceleração vertical, velocidade vertical e altitude em função do tempo levando em conta o arrasto aerodinâmico podem ser obtidas da seguinte forma: 1. Determinar as constantes S, It,Mi,Mp, tq, g; 2. Determinar a velocidade inicial v(0); 3. Determinar a densidade na altitude atual ρn; 4. Determinar o coeficiente de arrasto CD0 para o número de Mach da simulação; 5. Determinar a velocidade no passo de tempo n+ 1 com o método de Runge-Kutta; 6. Determinar o deslocamento vertical com base em vn+1 e o passo de tempo h; 7. Repetir os passos 3 a 6 até que a variação de altitude seja negativa, ou seja, até que o foguete atinja o apogeu. 65 A modelagem do voo livre descendente é feita de forma similar ao voo livre ascendente: basta utilizar as equações horárias da velocidade e dos espaços tendo conhecimento do tempo até a ativação do sistema de recuperação. A modelagem da descida lenta é feita aplicando a segunda lei de Newton no foguete: as únicas forças atuando agora são a força-peso e o arrasto aerodinâmico, e não há variação de massa no sistema. O coeficiente de arrasto aplicável é o do conjunto foguete-paraquedas, CDfp : F = ma =⇒ mg − 1 2 ρv2CDfp S = m dv dt =⇒ dv dt = g − ρv2CDfp S 2m (3.85) O método de Runge-Kutta pode ser aplicado novamente na equação 3.85 para modelar a fase final de descida lenta do foguete, até que h = 0. 3.4.4 Altitude de foguete com curva de empuxo-tempo A altitude de um foguete sem e com a atuação do arrasto pode ser obtida também através dos dados da curva de empuxo-tempo. Nas equações 3.70 e 3.81, basta substituir o empuxo médio It/tq pelo empuxo instantâneo E; respectivamente: dv dt = E m − g (3.86) dv dt = −g + E m − ρv2CD0S 2m (3.87) Em seguida, basta integrar numericamente utilizando a mesma estratégia apresentada na seção 3.4.3. É importante destacar que a curva de empuxo-tempo não é analítica; normalmente, ela é obtida de testes estáticos com um sensor que captura os dados de empuxo a uma taxa de atualização pré- determinada, ou é obtida através da solução numérica das equações da seção 3.1. Isso significa que, para obtenção dos dados de empuxo em tx, com tx entre dois instantes de tempo t1 e t2, aplica-se uma interpolação linear com os dados de E1 e E2: Ex = E1 + (tx − t1) E2 − E1 t2 − t1 (3.88) O erro associado à interpolação linear pode ser reduzido com uma taxa de atualização maior nos sensores do teste estático ou com um passo temporal menor na simulação numérica. 66 4 DESENVOLVIMENTO 4.1 REQUISITOS E FILOSOFIA Como mencionado na introdução, os requisitos deste projeto serão dados pela carga-paga de tipo CanSat. Das diretrizes da competição “ESA CanSat Competition”, realizada pela Agência Espacial Europeia, tem-se duas principais restrições[3]: • Volume disponível: igual ao de uma lata de refrigerante (115 mm de altura por 66 mm de diâmetro), com espaço extra de 4.5 cm para componentes externos como sistema de recuperação ou antenas; • Massa mínima de 300g e máxima de 350g. Sabe-se que o lançador utilizado pela competição atinge um apogeu de 1000m[3], que será o objetivo do foguete desenvolvido. A Figura 4.1 ilustra o lançamento de um CanSat. Figura 4.1 – Lançamento de CanSat Fonte: CanSat. . . [3] 67 A filosofia de projeto adotada é baseada nas filosofias tradicionais de projetos de aeronaves, mas simplificada. Inicialmente, um protóti