UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA CASOS DE ENSINO RELACIONADOS À EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA PRODUÇÃO DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO ELIANE ISABEL FABRI BAURU/SP 2012 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA CASOS DE ENSINO RELACIONADOS À EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA PRODUÇÃO DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO Eliane Isabel Fabri ORIENTADORA: Profa. Dra. Lílian Aparecida Ferreira Monografia apresentado ao Departamento da Faculdade de Ciências da UNESP – Campus de Bauru, como requisito para a a conclusão do Curso Licenciatura em Educação Física. BAURU/SP 2012 AGRADECIMENTOS Esse trabalho representa um dos, se não o mais, dos resultados mais importantes de todo esse meu processo de formação por esse curso de Licenciatura em Educação Física. Sem dúvida pessoas muito especiais participaram dessa minha trajetória e foram essenciais para me motivarem e me levantarem nos momentos de desânimo e angústia por este caminho. Meus agradecimentos nesta oportuna ocasião, vão aos meus familiares que sempre estiveram ao meu lado e a todos os professores que passaram por minha formação. Em especial meus sinceros agradecimentos vão a duas pessoas que gostaria de destacar neste texto. Uma delas é a professora e amiga Cátia Silvana da Costa. Professora admirável de Educação Física, com quem fiz alguns de meus estágios e aprendi muito. Durante esses 5 anos neste curso de Educação Física ela se tornou uma grande amiga. Socorreu-me nas horas de dúvidas e dificuldades, sempre me motivando e me incentivando, acreditando no meu potencial como professora de Educação Física. Com certeza foi essencial e continuará sendo agora nessa nova etapa da minha vida como graduada em Educação Física. A outra pessoa, que posso afirmar como a maior responsável por tudo que alcancei como aluna do curso em Educação Física é a Lílian Aparecida Ferreira, professora orientadora desse trabalho e “orientadora” de todo esse meu processo de formação. Essas breves palavras são poucas para expressar o quanto sou grata a ela. Foi meu norte. Foi, muitas vezes, a saída, a solução e o meu refúgio. Uso essas palavras não só por toda a orientação que tive para concluir esse trabalho, mas também por toda a amizade e atenção que dedicou a mim durante todo esse tempo. Sempre... Sempre disposta a me ajudar, a me entender, motivar e ouvir. Olhando para trás, não sei o que seria de mim neste trajeto sem essa pessoa maravilhosa. Dedico a ela meus sinceros e profundos agradecimentos! RESUMO Os casos de ensino são registros, por meio de narrativa escrita, de um episódio ou acontecimento escolar, aparecem no cenário educativo como uma estratégia rica tanto para a formação quanto para a investigação docente. A literatura aponta que o jovem estudante ainda é pouco investigado o que tem contribuído para o estabelecimento de imagens negativas deste sujeito social. Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi analisar as histórias e episódios, chamados casos de ensino, em formato de narrativas, escritos por alunos do Ensino Médio sobre suas aulas de Educação Física. Os participantes do estudo foram alunos do Ensino Médio de duas escolas públicas de duas cidades do interior de São Paulo. A pesquisadora permaneceu nas instituições escolares durante nove meses e neste tempo estabeleceu contato com os alunos, solicitando, daqueles que demonstraram interesse, a construção de casos de ensino. Para estes alunos interessados, a pesquisadora explicou o que eram os casos de ensino, bem como, apresentou um modelo para orientá-los nesta produção. No final deste processo, foram entregues à pesquisadora vinte casos de ensino, que foram analisados sob orientação da abordagem qualitativa, valorizando a riqueza expressiva das narrativas, complementados pela entrevista com seus autores. Entremeio ao mosaico das narrativas e das entrevistas, nos mostrando uma diversidade de experiências e possibilidades de afastamento e aproximação dos alunos às aulas de Educação Física, podemos apontar que dos 20 casos apenas um se configurou como um afastamento total das aulas de Educação Física (situação que acompanha a aluna desde a 2ª série do ensino fundamental até agora no ensino médio). Falando das experiências positivas e da aproximação para com as aulas de Educação Física, a associação casos de ensino e entrevista nos mostrou que sete alunos vivenciaram este contexto e até hoje apresentam uma afetiva proximidade com as aulas. Estas evidências podem auxiliar os professores de Educação Física na reconstrução de seus modos de ação, validando formas positivas de atuar e novas “pistas” (estratégias/conteúdos...) para a minimização/superação de situações negativas vividas em aula. Palavras-chaves: Casos de ensino. Jovens. Educação Física Escolar. Narrativas. ABSTRACT Teaching cases are records, through written narratives, of an academic episode or incident, they appear in educational scenery as a rich strategy not only for the teacher’s conformation but also for their investigation. The bibliography shows that young students are still not very much investigated and it contributes to the establishment of negative images of this social subject. In this sense, the objective of this work is to analyze the stories and episodes, called teaching cases, in narrative style, written by students from High School about their physical education classes. The participants of this study are High School students from two public schools from two cities in the countryside of São Paulo state. The researcher stayed in the schools for nine months and in this meantime she made contact with the students, asking, for the ones who showed interest, the construction of teaching cases. For this interested students, the researcher explained researcher explained what teaching cases are, as well as, she presented a template to guide them in the production. At the end of this process, twenty teaching cases were delivered to the researcher. They were analyzed under the qualitative approach, valuing the expressive wealth in the narratives, complemented by the interviews with the authors. Inset the mosaic of narratives and interviews, showing a variety of experiences and possibilities of distance and approximation of the students to the physical education classes, we can indicate that from the 20 cases, only one was set as a total distance from the physical education classes (this is the student’s situation since she was in the second grade from elementary school). Mentioning the positive experiences and the approximation to the physical education classes, the association of teaching cases and interviews showed that seven students lived the context and until today present an affective proximity to the classes. These evidences can help physical education teachers in the reconstruction of their ways of action, valuing positive ways of acting and new “tips” (strategies/ contents…) to the minimization and overcoming of the negative situations lived in class. KEY-WORDS: Teaching Cases. Youth. Academic Physical Education. Narratives. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................1 CAPÍTULO 1 - Casos de ensino como revelação do pensamento.........................3 CAPÍTULO 2 – Os alunos e as aulas de Educação Física.......................................8 2.1 Valorizando o aluno no contexto educativo......................................................8 2.2 Alunos jovens do Ensino Médio em aulas de Educação Física e a produção de casos de ensino.....................................................................................................9 CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA................................................................................12 CAPÍTULO 4 - CASOS DE ENSINO RELACIONADOS À EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA PRODUÇÃO DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO.......................15 4.1. Processos de exclusão nas aulas de Educação Física..................................15 4.2. O/A professor/a de Educação Física................................................................19 4.3. As aulas de Educação Física: um turbilhão de experiências........................24 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................30 REFERÊNCIAS..........................................................................................................36 APÊNDICE 1...............................................................................................................38 APÊNDICE 2...............................................................................................................39 APÊNDICE 3...............................................................................................................48 1 INTRODUÇÃO Desde meu ingresso no curso de Licenciatura em Educação Física, sempre gostei do ambiente escolar e ele me instigava a pensar em muitos temas para pesquisa. Conheci o tema “Casos de ensino” em uns dos diálogos com a orientadora desse trabalho e me interessei bastante, pois o assunto veio ao encontro das minhas inquietações a respeito de como valorizar mais o aluno nas investigações científicas. Ainda que os casos de ensino já se configurem como um importante recurso no cenário educativo para o desnudamento e consequente compreensão das narrativas docentes, sua utilização ainda é recente no cenário brasileiro. Considerando tal apontamento, no trabalho em questão, os investigadores que darão suporte para a nossa proposta de pesquisa serão: a americana e criadora dos casos de ensino Judith Shulman Kleinfeld (1992); a portuguesa e estudiosa sobre docência Isabel Alarcão (1996) e as brasileiras paulistas que mais têm se debruçado no estudo desta temática: Maévi Anabel Nono (2002, 2004, 2005) e Maria da Graça Nicoletti Mizukami (2002, 2004). Podemos definir os casos de ensino como um registro de um episódio ou acontecimento escolar, uma história narrada em primeira pessoa contada em detalhes que contenha informações sobre o contexto e sobre os personagens envolvidos e que permita diferentes análises. Os casos de ensino aparecem, portanto, como uma estratégia interessante na formação de professores e como um estímulo e motivação para a reflexão de sua prática. Tendo em vista que os casos de ensino publicados são histórias contadas por professores ou por futuros professores (em formação), ou seja, considerando seus pontos de vista, a presente pesquisa traz como nova proposta a construção e descrição de casos de ensino pelos próprios alunos, pretendendo assim identificar e analisar os episódios correspondentes às aulas de Educação Física escolar que ganham relevo na perspectiva discente. Enfoca-se a valorização do modo de pensar do aluno entendendo que ele é o centro do processo educativo e, portanto, participa ativamente do mesmo. Suas percepções, atitudes, sentimentos e pensamentos poderão ser 2 revelados através dos casos de ensino, podendo nos auxiliar na compreensão das inúmeras questões relacionadas ao ensino e a aprendizagem da Educação Física na escola. Este propósito de elaboração, por parte dos alunos, de casos de ensino pretende ampliar as formas de utilização e empreendimento das narrativas escritas na pesquisa em educação, revelando que os alunos, assim como os professores (personagem mais comum nas construções/apropriações dos casos de ensino) também têm muito a nos dizer e, portanto, podem nos ajudar a compreender melhor o cenário educativo. Neste sentido, o objetivo desta pesquisa foi analisar as histórias e episódios, chamados casos de ensino, em formato de narrativas, escritos por alunos do Ensino Médio sobre suas aulas de Educação Física. No primeiro capítulo tratamos da temática dos casos de ensino, trazendo sua definição e apontando suas contribuições para a revelação do pensamento de quem os escreve e suas formas de utilizações na formação do professor. No capítulo 2 o tema “Os alunos e as aulas de educação física” ganhou destaque, sinalizando que o aluno é parte essencial da educação e merece devida valorização, em foco neste trabalho, os alunos do Ensino Médio. A metodologia foi apresentada no capítulo 3, demarcando a pesquisa de caráter qualitativo, onde as coletas foram feitas por meio de visitas da pesquisadora a duas escolas estaduais do interior do Estado de São Paulo, diálogos com alunos e entrevistas. 20 alunos participaram da pesquisa totalizando 20 casos de ensino. Os resultados e sua análise são apresentados no capítulo 4, evidenciando 3 categorias: 1. Processos de exclusão nas aulas de Educação Física; 2. O/A professor/a de Educação Física; 3. As aulas de Educação Física: um turbilhão de experiências. Para finalizar, as considerações finais sinalizam que as 20 narrativas coletadas nas duas escolas se mostraram como potenciais instrumentos de investigação do pensamento do aluno, da atuação dos professores de Educação Física e das experiências vividas pelos alunos. 3 CAPÍTULO 1 CASOS DE ENSINO COMO REVELAÇÃO DO PENSAMENTO De acordo com Kleinfeld (1992) os casos de ensino surgiram em uma aula de inglês onde dois alunos se desentenderam e o professor teve que tomar uma decisão para resolver a situação, ele procurou entender os motivos da briga ao invés de apenas puni-los. Esse episódio foi o primeiro caso de ensino descrito e estudado em um programa inovador para a formação de professores no Alaska. Depois disso, vários casos de ensino foram elaborados e apresentados aos professores, permitindo que estes analisassem a maneira de pensar e as estratégias usadas pelos docentes personagens dos casos, auxiliando inicialmente, sobretudo, os professores novatos que estão iniciando a carreira. Segundo a definição de Merseth (citado por NONO e MIZUKAMI, 2004), os casos de ensino são (...) um documento descritivo de situações ou eventos reais, elaborados especificamente para ser utilizado como ferramenta no ensino de professores. Trata-se de uma representação multidimensional do contexto, dos participantes e da realidade da situação (p.118). O caso de ensino procura incluir detalhes e informações suficientes para permitir que análises e interpretações sejam feitas a partir de diferentes perspectivas. Para Nono e Mizukami (2002) são histórias onde se combinam descrições de acontecimentos, reflexões e conceitos teóricos que permitem fundamentar os episódios descritos. Trata-se de contar um evento ocorrido em aula em primeira pessoa. Infante, Silva e Alarcão (1996), referindo-se aos casos de ensino como instrumentos para formação de professores, afirmam que analisando os casos “O professor é ainda motivado para a compreensão das diferenças (dos alunos, do contexto) implicando-se e comprometendo-se com a sua ação educativa, tornando-se responsável e ativo” (p.162). 4 Ressaltando a afirmação de Kagan (citado por Infante, Silva e Alarcão, 1996) que os casos de ensino incluem as “descrições dos pensamentos e sentimentos dos seus participantes assim como seus comportamentos” (p.160), o estudo e investigação de casos de ensino podem ser autorreveladores do pensamento, contribuindo assim para a compreensão do modo de pensar e das atitudes como resolução de problemas e tomada de decisões dos envolvidos no episódio. Os casos de ensino são importantes instrumentos para serem utilizados na formação de professores. Para Kleinfeld (1992) contribuem para uma preparação não só intelectualmente, mas também emocionalmente do professor. Trazem diversas contribuições para a construção do significado da reflexão na formação profissional docente ( NONO E MIZUKAMI, 2002). Kleinfeld (1992) apresenta o caso de ensino como uma autobiografia que revela a personalidade e a maneira particular de pensar sobre as experiências do narrador do caso. Infante, Silva e Alarcão (1996) também conceituam os casos como potenciais unidades de reflexão e análise, assim por intermédio desta reflexão na ação é explicitado a real atuação dos professores e dos demais envolvidos no acontecimento. É importante esclarecer que Alarcão (1996) usa o termo “episódio de ensino”, mas esta pesquisa fará uso do termo “caso de ensino” por ter sido assim encontrado nas fontes brasileiras consultadas, embora seus significados apareçam como sinônimos. Para exemplificar como são escritos os casos de ensino, seguem abaixo duas situações de narrativas escritas. ELEFANTE COLORIDO (autora: licencianda em Educação Física pela UNESP/Bauru Janaína Sotto Garcia/2009) “A aula começa mais uma vez em uma sala da segunda série do ensino infantil, a professora Cristina, recém formada, se encontra num grande problema, uma garotinha briga o tempo todo com sua coleguinha de sala. Intrigada pelo motivo que leva Leandra a pegar no pé de sua coleguinha Kelly, a professora Cristina começou a observar as atitudes de Leandra, que excluía Kelly de todas as atividades e brincadeiras, principalmente nas aulas de Educação Física. Cada dia mais Kelly se retraia diante das atitudes de Leandra. A professora suspeitava dos motivos que levavam Leandra a tomar estas atitudes, mas sua suspeita se concretizou quando elaborou uma atividade de aquecimento para a turma. Essa atividade se chamava Elefantinho Colorido, onde todos os alunos ficavam atrás 5 de uma determinada linha no fundo da quadra, e somente um aluno que iniciaria a brincadeira ficaria no centro da quadra, deveria falar: “Elefantinho colorido”, o restante da sala responderia: “Que cor?”, o aluno do centro escolhia uma cor, os alunos que tivessem essa cor escolhida poderiam passar livremente até o outro lado da quadra, já os que não tivessem a cor, deveriam atravessar correndo até o outro lado da quadra sem serem pegos pelo aluno que escolheu a cor. A brincadeira ia bem, até que foi a vez de Leandra escolher a cor. Leandra foi para o centro da quadra e gritou: “Elefantinho colorido”. A sala respondeu: ”Que cor?”. Leandra escolheu cor de pele, e sem tripudiar saiu em disparada de encontro a Kelly que atravessava calmamente a quadra. Leandra encostou em Kelly e gritou: “Pega”. Kelly retrucou dizendo que ela poderia passar, pois a cor escolhida foi cor de pele, mas Leandra inconformada respondeu que não poderia passar justamente por isso, a cor escolhida foi cor de pele e não preta.” O NEGÓCIO É ENSINAR O FUTEBOL (autora: Profª Drª Lílian Aparecida Ferreira/2002) “Lá estava Roseli, em seu primeiro dia de trabalho na escola, acabara de se formar em Educação Física. Nervosa e ansiosa ela entra na secretaria e vai logo perguntando onde ficava a sala dos professores. Uma secretária faladeira e estabanada lhe mostrou a porta cinza e lhe disse que era ali. Lá chegando, Roseli viu os professores batendo papo, vendendo Avon, Natura e bijuteria. A sala era bem pequena com uma mesa que tomava quase todo o espaço, uma estante reunia alguns livros didáticos e em uma mesinha tinha uma garrafa térmica com alguns copinhos plásticos. A atenção de Roseli estava absorvida por todos os detalhes que ela conseguia captar naquele seu primeiro dia de aula. Intimidada a nova professora não falou muito, se sentou em um canto e por ali ficou, pelos olhares dos outros professores ela percebera que todos já sabiam que se tratava de mais uma professora iniciando a carreira docente. De repente, a professora Gisela se aproxima e, para puxar papo começa a perguntar coisas para Roseli. Ela pergunta em quê a nova professora era formada, onde morava, o que fazia antes de chegar na escola, enfim, informações gerais. Roseli, apesar do nervosismo, se acalmava com a conversa e parecia se sentir acolhida naquele universo tão novo para ela, mas já tão comum para as outras professoras. Um som estrondoso quebra aquela conversa ainda tímida entre as duas professoras, era o sinal avisando o horário para a entrada na sala de aula. Roseli tremula, sente que era a hora de enfrentar seus medos. De forma gentil, a professora Gisela se oferece para apresentar a professora à sala, as duas saem juntas da sala dos professores rumo à 8ª série, informação esta que deixou Roseli ainda mais insegura, pensara nos alunos, na faixa etária, na rebeldia, na possibilidade de encontrar alunos ainda mais velhos que ela, na indisciplina e em não conseguir ser uma boa professora. Ao andar pelos corredores, Roseli suava frio, via aquele novo mundo se descortinando em sua frente, sem, contudo compreendê-lo muito bem. Os corredores cheios de papel, carteiras jogadas pelos cantos, alunos se empurrando e se espremendo nas portas das classes, paredes rabiscadas e pichadas, essa era a realidade da escola. Roseli passou por todo o corredor, como se fizesse um “tour” pela escola e, na última porta, chegou finalmente a 8ª série A. A classe parecia um pouco escura, havia um varal nas paredes com trabalhos das crianças das séries iniciais que freqüentam a escola no período da manhã. Os alunos pareciam não se importar muito com a presença das professoras, continuavam falando alto, alguns ainda permaneciam em pé. 6 Com um som de shiuuuu e um dedo na boca a professora Gisela chamou a atenção dos alunos dizendo que faria a apresentação da nova professora de Educação Física. Falou que a professora era recém-formada e que iniciaria o trabalho com os alunos no lugar da professora do magistério que por um tempo estava dando as aulas de Educação Física em função de uma licença médica da professora efetiva de Educação Física da escola. Os alunos ouviram as informações, mas sem muito entusiasmo. Roseli se assustou um pouco com aquilo, pois achava que os alunos gostavam das aulas de Educação Física. A professora Gisela ainda pediu para os alunos respeitarem a nova professora. Terminada a apresentação a professora Gisela saiu e então Roseli começou a falar. Roseli disse que estava contente por estar naquela escola e com aqueles alunos, contou-lhes sobre a sua formação e falou que gostaria muito de conhecê-los melhor e de saber o que eles pensavam sobre as aulas de Educação Física. Mas em meio aquela conversa, um aluno a interroga: -Professora, nós vamos ou não vamos ter aula de Educação Física hoje???? Roseli, meio desconcertada sem saber muito bem o que e como responder disse que eles estavam tendo aula de Educação Física e que seriam realizadas inicialmente as apresentações dos alunos e depois, provavelmente na próxima aula, eles iriam fazer a aula na quadra. Um ar de insatisfação se fez presente e, com pouco caso, a proposta da professora Roseli foi atendida. Roseli solicitou aos alunos que eles respondessem as seguintes questões: O que era Educação Física para você? E, o que você gostaria de aprender nas aulas de Educação Física? Além dessas questões, Roseli pediu aos alunos que, após respondê-las, fosse organizado um espaço de apresentação dessas respostas e de cada aluno (nome, onde morava, e o que fazia além da escola). Ela falou da importância de conhecê-los melhor para que a aula fosse mais adequada às necessidades e aos interesses daquele grupo. Na hora das apresentações, os alunos não queriam falar muito não. Parecia ser tediante para eles ter uma aula de Educação Física para ficar falando daqueles assuntos. Uma aluna com o braço estendido grita lá do fundo: -Isso prá mim não é Educação Física nem a “pau”!!! E mais uma vez, com mais esse susto, a professora Roseli tentou explicar aos alunos porque ela estava fazendo aquilo com eles. Depois de algum tempo, na hora da dinâmica, as respostas e falas eram curtas e havia pouco interesse em conversar sobre as questões que a professora passara. Os alunos já estavam guardando caderno e fazendo bastante barulho quando o sinal tocou avisando o fim da aula. Ao se despedir da turma, um aluno diz: - Viu professora, vê se na próxima aula cê não vem com esses “embaços”. A gente qué é jogar futebol!!! O tempo foi passando e a professora convivendo com esse contexto. Vez ou outra uma professora dizia: -E aí professora Roseli, quando é que você vai dar aquela aula de ginástica prá gente emagrecer? A diretora cobrava da professora Roseli que naquele mês os alunos teriam que participar dos jogos escolares e que, de uma vez por todas, deveriam trazer um troféu para a escola. Mas, nas aulas da professora Roseli eram feitas outras coisas diferentes do costumeiro futebol “rola-bola”. As meninas jogavam junto com os meninos e, ao longo do tempo, os alunos aprenderam a jogar peteca, ginástica olímpica, atletismo, vôlei, handebol, basquete, teatro, atividades rítmicas, condicionamento físico, a montar outros jogos e até discutiram manchetes de jornal sobre violência no esporte, os 7 modelos de corpo feminino que apareciam nas revistas. Em uma dessas aulas, Rafael, aluno da turma de Educação Física do curso noturno da professora Roseli, estava assistindo e disse à professora: - Fessora sai dessa de ficar ensinado todo mundo e todas essas coisas, o negócio é ensinar o futebol, fazê um time dos melhores e pronto!” Os dois exemplos são histórias escritas por uma futura professora e uma professora já atuante. O primeiro caso problematiza a questão do preconceito racial na escola e sugere reflexões sobre a atuação do professor iniciante perante esse preconceito. O segundo, problematiza o conflito de uma professora iniciante de Educação Física ao se deparar com a tradição da Educação Física presente na escola, apresentando reflexões sobre o início da carreira docente e sobre os conteúdos específicos do ensino da Educação Física escolar. Esses casos de ensino revelam os sentimentos das professoras e o choque com a realidade no início da profissão, podendo ser analisados e discutidos a partir de diversos aspectos. Os casos de ensino podem mostrar não só as situações vividas por professores, mas também as dos alunos, sua complexidade e seus contextos culturais e sociais. Torna-se assim possível verificar a perspectiva discente, pois ao conhecer como este vê os fatos acaba sendo configurada uma outra perspectiva de análise que, certamente, pode também contribuir com a formação docente (tanto no cenário da formação inicial quanto na formação continuada). Contudo, não se trata de qualquer aluno, o alvo desta pesquisa estabelece como foco os alunos jovens do Ensino Médio, entendendo que esta população já tem uma história temporal significativa no ambiente escolar, dando-lhes condições de narrar diferentes experiências vividas. 8 CAPÍTULO 2 OS ALUNOS E AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA 2.1 Valorizando o aluno no contexto educativo Segundo Gimeno-Sacristán (2005), há uma precariedade de pesquisas que enfoquem o aluno como parte essencial da educação formal. Escreve o autor (...) atualmente o aluno, beneficiário da educação, deixou de ser o pólo de atração do pensamento educacional, tendo ficado diluído entre uma série de suposições implícitas que, em muitos casos, perderam a força de seus significados originais, e nos tratamentos pretensamente científico das disciplinas psicopedagógicas. (p.15) O aluno é uma construção social inventada pelos adultos ao longo da experiência histórica, porque são os adultos (pais, professores, cuidadores, legisladores ou autores de teorias sobre a psicologia do desenvolvimento) que tem o poder de organizar a vida dos não adultos (GIMENO-SACRISTÁN, 2005). Assim, cria-se uma imagem do grupo de alunos como um objeto ou como um grupo homogêneo, esquecendo-se da particularidade de cada aluno como pessoa e de sua bagagem histórica. Em torno da condição “aluno” são vários os tipos de expectativas e conceitos estabelecidos, mas na maioria destes não são incorporados outros aspectos que influenciam o ensino e a aprendizagem, como o contexto e as condições que cada aluno (único) é envolvido. Eles pensam, sentem, se entusiasmam, se inibem e se relacionam, têm uma vida pessoal e familiar, uma história, um contexto de vida e um futuro (GIMENO-SACRISTÁN, 2005). A naturalidade de ser aluno no cotidiano escolar fez com que se esquecesse da importância dessa condição social que é incerta e determinada por um período da vida e que pode ser uma experiência positiva ou negativa com significados para toda a vida. 9 Segundo Perrenoud (1994) a escola é para o aluno um meio de vida social cheio de valores, complexo e ativo. Mas se isso ainda não é reconhecido, é porque para a maioria dos adultos estes discentes são apenas crianças que irão se tornar “crescidas”, “vendo em suas paixões e nos seus jogos apenas brincadeiras de crianças” (p.30). Os alunos passam grande parte do seu dia na escola, se relacionando com outros que são parecidos ou completamente diferentes, aprendem coisas que vão além dos conteúdos escolares, demonstram todos os tipos de sentimentos, atitudes, comportamentos... “(...) Todos os componentes da vida sentimental e relacional dos adultos se encontram na escola” (PERRENOUD, 1994, p.29), e são vivenciados pelos alunos. Então, porque muitas vezes as escolas, professores, pais e outros adultos se esquecem ou não valorizam os pensamentos, opiniões e visões dos alunos? Podem estes contribuir para uma Educação melhor? Perrenoud (1994), considerando a escola como uma organização, complementa bem a questão da valorização do aluno, propondo: Sem negar a tensão entre as necessidades individuais e os objetivos da organização, podemos pensar que um funcionamento mais cooperativo, mais aberto, em que são explicitadas as necessidades pessoais, analisadas as diferenças, redefinidos os papéis e as estruturas para ter em conta as pessoas, só pode torná-las menos frustradas e agressivas, mais interessadas e mais participativas, sem em nada prejudicar, bem pelo contrário, os interesses da organização. (p.36) 2.2 Alunos jovens do Ensino Médio em aulas de Educação Física e a produção de casos de ensino Spósito (2002), ao se referir à temática juventude na área da Educação, revela que são poucos os estudos nesse sentido. De acordo com a autora, o assunto citado “(...) trata-se de um objeto de estudo ainda pouco consolidado na pesquisa, não obstante a sua importância política e social” (p.7). No entanto, vale esclarecer que, conforme a definição de Dayrell (2003), a adolescência é compreendida como o início da juventude. Dessa forma, o termo juventude será citado neste estudo considerando esta fase. 10 É comum ouvirmos que a juventude é uma fase difícil e de grandes transformações, assim também como de imagens negativas, de irresponsabilidade, incompreensão, ingratidão, etc. Dayrell (2003) afirma que: “(...) nos deparamos no cotidiano com uma série de imagens a respeito da juventude que interfere na nossa maneira de compreender os jovens” (p.40). O mesmo autor considera a juventude como “um momento no qual se vive de forma mais intensa um conjunto de transformações que vão estar presentes, de algum modo, ao longo da vida” (p.42), e que “todo esse processo é influenciado pelo meio social concreto no qual se desenvolve e pela qualidade das trocas que este proporciona” (p.42). A Educação Física está inserida no contexto escolar, assim como todas as outras disciplinas, portanto tem seu papel e importância. Possui seus conteúdos e finalidades específicas como também seus objetivos gerais na Educação. Contudo, na Educação Física escolar é possível verificarmos nesta fase: na juventude, sobretudo a partir da 7ª série, um afastamento dos jovens das aulas. Betti (1992) se referindo à ação e intervenção da Educação Física escolar na personalidade da pessoa, afirma que ela tem a função pedagógica de integrar e inserir o aluno na cultura física. Portanto, a Educação Física é responsável pela formação do aluno como cidadão, “(...) que vai usufruir, partilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física (o jogo, o esporte, a dança, a ginástica...)” (p.285). É na aula de Educação Física que os alunos podem correr na quadra, pular, gritar, se movimentar e construir relações humanas. Eles se emocionam, experimentam sensações como ganhar e perder e revelam sentimentos... Desenvolvem na prática a socialização, a afetividade, elementos da cognição, além de aprenderem movimentos e se apropriarem das qualidades motoras. Como afirma Perrenoud (1994), a escola “(...) é feita de tudo o que fundamentalmente interessa aos seres humanos: ser amado, aprovado, encontrar o seu lugar, exercer uma influência, arquitetar e realizar projetos, falar de si” (p.29). Encontramos na proposta de ter o aluno jovem como narrador de um episódio ocorrido nas aulas de Educação Física escolar uma oportunidade de ouvi-lo, com vistas a compreender seus pensamentos e 11 sentimentos sobre os assuntos relacionados a este específico componente curricular. Por meio da análise e estudo dos casos de ensino construídos pelos alunos é possível nos aproximarmos mais das razões, das atitudes e dos comportamentos discentes, articulados concretamente com diversas situações que envolvem uma multiplicidade de fatores como: a relação com o professor, com os conteúdos desenvolvidos em aula, a estrutura das escolas, os conflitos do ensino com problemas e os interesses pessoais do aluno, o convívio com os outros alunos ou com os funcionários da escola, dentre muitos outros elementos que circunscrevem as ações dos alunos. Por estes motivos é que entendemos que as situações das aulas de Educação Física escolar vividas e significadas pelos alunos se configuram como um entreposto rico para a construção de narrativas escritas por meio dos casos de ensino. A presente proposta quer assim contribuir com a formação de professores, uma vez que o acesso dos professores (ou futuros professores) a estas narrativas discentes podem auxiliá-los a compreender melhor o ensino e a aprendizagem da Educação Física na escola. Pretende também colaborar com a construção de novos caminhos para o ensino da Educação Física Escolar, valorizando as experiências positivas e refletindo, no sentindo de modificá-las, sobre as situações que proporcionam construções negativas e de afastamento parcial ou absoluto dos alunos jovens das aulas de Educação Física na escola. 12 CAPÍTULO 3 METODOLOGIA Considerando que o objetivo deste projeto de pesquisa foi analisar as histórias e episódios, chamados casos de ensino, em formato de narrativas, escritos por alunos do Ensino Médio sobre suas aulas de Educação Física, ganhou relevo na investigação o ponto de vista do sujeito investigado, bem como, as interfaces entre pesquisador e sujeito no sentido de captar com mais fidedignidade possível seu modo de olhar e se relacionar com o mundo. Tais elementos incluem a pesquisa em questão na abordagem qualitativa de investigação, entendendo-a como uma pesquisa de caráter exploratório e que abre espaço para a interpretação do investigador. Bogdan e Biklen (1994) afirmam que uma pesquisa qualitativa é descritiva e que os investigadores qualitativos “Tentam analisar os dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto possível, a forma em que estes foram registrados ou transcritos” ( p.48). A pesquisa ocorreu em duas escolas públicas do interior do estado de São Paulo, e reuniu 20 narrativas em formato de casos de ensino de jovens do ensino médio. Os responsáveis por tais jovens assinaram um termo de consentimento (APÊNDICE 1), os autorizando a participar da pesquisa. Segundo Nono (2005) as formas de utilização dos casos de ensino descritas na literatura variam, e que “(...) a estratégia de estudo de casos de ensino se constituem em uma nova forma de pesquisa compatível com o reconhecimento dos professores como sujeitos do conhecimento” (p.90). Especificamente sobre a pesquisa em questão revelou-se fundamental o reconhecimento do aluno jovem como sujeito do conhecimento. Assim, os casos de ensino, enquanto metodologia de pesquisa, abriram espaços para as expressões dos sujeitos. No início a pesquisadora observou as aulas de Educação Física aproximando-se da realidade escolar dos alunos, dos seus comportamentos e construindo vínculos afetivos, pois como conceitua Galvão (2005) o uso das 13 narrativas como metodologia carrega consigo uma intromissão na vida de outra pessoa – uma legítima exposição do eu - uma vez que “(...) nós somos, pelo menos parcialmente, constituídos pelas histórias que contamos aos outros e a nós mesmos acerca das experiências que vamos tendo” (p.330). Durante o acompanhamento das aulas, foram sendo estabelecidos diálogos com os alunos, como também realizada a apresentação da pesquisa a eles. A pesquisadora passou as orientações sobre como produzir uma narrativa em formato de caso de ensino, incentivando os alunos a contarem histórias que, de fato, revelassem suas trajetórias pessoais ou ocorrências marcantes vividas por eles. Na proposta inicial desse estudo, foi demarcada uma fase de readequação das narrativas produzidas, na qual os alunos reescreveriam os textos para uma melhor elaboração dos casos de ensino, pois segundo Nono e Mizukami (2002), a elaboração de um caso de ensino implica a escolha de um acontecimento inerentemente interessante, uma história narrada detalhadamente, com começo, meio e fim que possibilite vários pontos de vista. Esse processo de readequação das narrativas não ocorreu por falta de interesse dos participantes da pesquisa em reescrevê-las, portanto os casos de ensino coletados são fiéis à produção original, sendo apenas corrigidos os erros de ortografia e pontuação (APÊNDICE 2). Com o intuito de ampliar as compreensões acerca das narrativas coletadas, a pesquisadora dialogou com cada participante, questionando-os sobre os seguintes pontos: 1.Esse episódio escrito ocorreu nesta escola? 2.Ocorreu em qual série e/ou nível de ensino? 3.Em sua opinião, esse caso se aproxima de uma situação de sucesso ou de fracasso? Por quê? 4.Isso contribuiu de forma positiva ou negativa para a prática da Educação Física na escola? Por quê? As respostas na íntegra podem ser observadas no Apêndice 3. Os dados foram analisados a partir de uma leitura intensa dos casos de ensino coletados articulada com autores que favoreceram o diálogo com a temática. Como sugere Zabalza (2004) na análise de narrativas escritas, é muito importante que sejam evitadas “(...) análises superficiais (tomando frases ou idéias de forma descontextualizadas) e evitar as análises meramente gramaticais dos textos” (p. 150). Ainda, baseado no mesmo autor, “O que está 14 em jogo, pelo menos neste caso, não é a qualidade da produção, mas sua riqueza expressiva” (p.151). Ademais, como a pesquisa qualitativa incorpora o sujeito participante em seu processo, ela capta suas experiências, atitudes, crenças, pensamentos e reflexões, “(...) tal e como são expressas por eles mesmos” (GONZAGA, 2006, p.70), sendo estas construídas num contexto concreto que influencia e é influenciado pelo sujeito participante e pelo pesquisador. 15 CAPÍTULO 4 CASOS DE ENSINO RELACIONADOS À EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA PRODUÇÃO DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO Inicialmente, após realizarmos uma minuciosa análise das narrativas, em formato de casos de ensino descritos pelos alunos do Ensino Médio, apresentamos os elementos de convergência que conseguimos evidenciar e que, ao serem reunidos, deram origem a três categorias de análise. Tais categorias de análise foram assim denominadas: 1. Processos de exclusão nas aulas de Educação Física; 2. O/A professor/a de Educação Física; 3. As aulas de Educação Física: um turbilhão de experiências. 4.1. Processos de exclusão nas aulas de Educação Física Os processos de exclusão na Educação Física estão relacionados com as situações nas quais os alunos são desencorajados a participar das aulas ou efetivamente deixam de participar das mesmas, tais situações, na maioria das vezes, são desencadeadas pelas relações que se estabelecem nas aulas, ou seja, com os colegas de sala, o professor, o conteúdo desenvolvido, as estratégias utilizadas. Contudo, também podemos identificar um tipo de exclusão que se relaciona mais diretamente com uma autoexclusão, aquela na qual o próprio aluno se coloca numa condição de não participante, muito embora não possamos deixar de evidenciar que também neste caso há tantas outras interferências de processos excludentes nem sempre muito evidentes, mas significativos e resultantes da organização e dinâmica das aulas. Foram cinco os casos de ensino que tematizaram a questão dos processos de exclusão nas aulas de Educação Física, todos narrados por jovens meninas. Arriscamos-nos a interpretar esta demarcação feminina apontando para o fato de que, via de regra, são as meninas que sofrem um enfrentamento numericamente maior de exclusão nas aulas de Educação Física. 16 Essas questões relativas às diferenças dos gêneros aparecem constantemente nas aulas de Educação Física e, com muita frequência, indicando os meninos como superiores às meninas, o que critica Martinelli et. al.(2006), “No entanto, não há nada que garanta que os meninos são mais habilidosos que as meninas ou vice-versa, pois se tratasse de alguma atividade de dança, por exemplo, as meninas teoricamente apresentariam vantagens em relação aos meninos” (p.4). Souza e Altmann (1999) convergem com Martinelli et al.(2006) e também reforçam que nos esportes, por exemplo, a mulher se manteve por muito tempo como perdedora, pois era denominada como um corpo frágil e delicado, apenas ficando com aqueles esportes que não permitiam contato, ou então aqueles esportes que representavam leveza e docilidade, como o voleibol, as danças e as ginásticas. Dos cinco casos que narraram a temática dos processos de exclusão, três evidenciaram situações vivenciadas pelas próprias autoras dos casos e dois narraram experiências que foram observadas e que se tornaram marcantes para elas. Ganharam relevo as situações marcadas pela questão do gênero feminino e o futebol e pelas características corporais. Com relação à questão do gênero feminino e o futebol, são significativos os excertos das narrativas apresentadas abaixo: [...] quando a professora Fabiana os mandava escolher as meninas para jogar eles sempre achavam ruim. Falavam que nós não sabíamos jogar, que éramos burras e nem sabíamos chutar a bola direito. [...]. Mas sempre eles querem ser os melhores em tudo e que sabem de tudo. Tanto é que até hoje existe este tipo de preconceito nas escolas. (caso de ensino: o preconceito nas aulas de educação física) Em um dia os outros alunos estavam jogando futebol e eu cheguei e pedi para participar do jogo com eles, simplesmente fui ignorada porque não conseguia jogar direito e também por ser menina e não ter muita prática (caso de ensino: o futebol) Como demarcam Souza e Altmann (1999), não podemos afirmar que as meninas são excluídas nas aulas de Educação Física somente pela questão do gênero, uma vez que tal exclusão também envolve o fato delas serem consideradas fracas e com pouca habilidade. Contudo, essa pouca habilidade 17 ou pouca afinidade com práticas de jogos e esportes está atrelada ao cenário cultural que circunscreve as aprendizagens das meninas, demarcando um certo modo de sentir, pensar e agir. Especificamente relacionado a este cenário cultural do qual se referem às autoras Souza e Altmann, fica evidenciado a masculinização do conteúdo futebol nas aulas de Educação Física. A tradição cultural brasileira que prestigia a prática do futebol para os homens desde bebês nutre uma construção de sentido que invade a escola e que alimenta a resistência dos meninos em jogar com/junto as meninas, naturalizando este ponto de vista como se o mesmo fosse assim deste sempre. Isso acaba valendo tanto para os meninos quanto para muitas meninas que partilham desta naturalização aceitando, sem resignação, o cumprimento desta “regra”. No aspecto das características corporais ficam evidenciadas as situações de humilhação e fragilização de duas alunas e um aluno considerados gordinhos. Nos três casos há uma ridicularização efetivada pelos colegas na aula, tais alunos se tornam motivos de chacotas e sofrem situações de constrangimento como, por exemplo, apelidos maldosos e ser o último da turma a ser escolhido na composição dos times esportivos. [...] durante as escolhas dos times, sobram dois alunos, um muito tímido, classificado como o “nerdi” da sala, e o outro que havia sido apelidado pela turma por “pão de queijo” por ser gordinho. (caso de ensino: bullying) Evellyn era uma aluna bem dedicada na sala, na aula de educação física e adorava jogar vôlei. Desde que entrou para o ginásio de sua cidade ela fez o possível para entrar para o time de vôlei de sua classe. Mas sofria uma descriminação porque era gordinha, e por causa disso ninguém a aceitava no time. (caso de ensino: último ponto do jogo) Camila era gordinha, e por isso os coleguinhas colocavam apelidos ofensivos nela. Como era uma escola com andares, ela deveria subir a escada até chegar em sua sala de aula, e tinha que subir com seus colegas para a sala, ela sempre ficava para trás, por não conseguir andar rápido. Camila não tinha muitos amigos, pois todos a ofendiam. (caso de ensino: preconceito) 18 Assim como a questão do gênero, o aspecto das características corporais se revela como uma temática de intensa exploração cultural na contemporaneidade. Pela mídia televisiva ou escrita são inúmeras as propagandas, filmes e novelas nas quais o sujeito bem sucedido e bonito é o magro, transmitindo uma mensagem subliminar de que é este o modelo que deve ser seguido e almejado. Como se não bastasse à exclusão, há uma evidência concreta do desrespeito com o uso de apelidos maldosos que intimidam ainda mais os alunos a participarem da aula. A aula, assim concebida, se torna um terreno amedrontador para o aluno que sofre tais situações, escapar dela usando inúmeras justificativas passa a ser uma alternativa para a minimização destes sentimentos tão ruins vividos por estes alunos. Prado e Ribeiro (2010) afirmam que os temas relacionados aos corpos, gêneros e sexualidades são considerados muitas vezes inapropriados para serem discutidos na escola, o que é um grande equívoco. A escola deve ser um espaço fértil para estas discussões, uma vez que, de acordo com os mesmos autores: “A desnaturalização do que é próprio do homem ou da mulher pode auxiliar na compreensão das plurais maneiras de vivenciar as masculinidades e feminilidades” (p.408). Ainda atrelada a essa questão de subjugar os alunos por seu nível de habilidade motora e considerar o corpo somente como entidade biológica, a educação física precisa adotar uma nova postura que valorize as meninas, os “gordinhos”, os “baixinhos”, os mais lentos, com o compromisso de ensinar bem para todos (DAOLIO; 1996). Assim como os casos descritos pelos alunos, diversas situações que ocorrem durante as aulas de Educação Física poderiam ser consideradas como “estopim” para a exploração das questões sobre os processos de exclusão nas aulas. Cabe aos professores estabelecerem diálogos a partir desses conflitos, de modo que possam ser construídas novas formas de pensar, resultando numa ação de entendimento, reconhecimento e valorização da diferença como diferença e não como inferioridade. Concordamos com Rangel (2006) ao defender que o preconceito e a exclusão são questões que não podem ser ignoradas, pois “o (a) professor(a) nunca pode se omitir frente ás questões valorativas, assim, tão importante 19 quanto planejar ações para eliminar o preconceito, é não se omitir frente as manifestações de discriminação e exclusão que possam ocorrer em aulas” (p.4). 4.2. O/A professor/a de Educação Física O/A professor/a de Educação Física ganhou um destaque bastante grande nas narrativas dos alunos. Em vários momentos ele foi um agente responsável para contribuir com a superação de situações de exclusão enfrentadas por alguns alunos, em outras foi incentivador e motivador; também aparecem situações nas quais o docente é reconhecido como criativo, divertido e legal. Num sentido oposto ao anterior, foram evidenciados momentos nos quais o professor é destacado por não tomar uma atitude mais cuidadosa para com o aluno, bem como, um episódio que destaca a autoridade e rigidez do professor desencadeando um processo de intimidação e humilhação do aluno. Dos 20 casos de ensino narrados pelos alunos, em 15 deles o professor aparece com destaque. Destes, em 11 são demarcadas situações nas quais o professor é reconhecido como um sujeito que contribui positivamente com os alunos. Dentre as variadas questões pontuadas pelos alunos, está a valorização da professora de Educação Física como alguém legal e com bastante criatividade. A professora era muito legal e sempre inventava novas brincadeiras. (caso de ensino: a professora) […] Natacha estava animada porque na aula anterior a professora havia dito que iriam realizar algo diferente na próxima aula. (caso de ensino: trauma de infância) Eu estava na 5ª série. Nunca gostei de educação física até aquele dia. Meu professor queria fazer algo diferente e o esporte escolhido foi o basquete. [...]. (caso de ensino: basquete) Era sua primeira aula de educação física! O nome dela era Bela; em especial, ela adorava descobrir coisas novas, então imaginou que sua aula seria uma nova descoberta. Bela tinha 20 duas aulas de educação física por semana, segunda e terça- feira, em geral ela adorava as aulas. (caso de ensino: a professora) Esta caracterização parece contribuir com a aproximação dos alunos para com as aulas de Educação Física, destacando também, como já lembrava Betti (1992) que a mobilização do aluno para a aula não reside especificamente no conteúdo que ele já sabe e por isso sempre pede que o professor desenvolva em aula, mas naquele conteúdo que o desafie. Neste sentido, os processos criativos do professor acerca dos conteúdos e de suas estratégias de ensino são fundamentais para esta mobilização discente. Outro elemento bastante presente nas narrativas dos alunos foi o papel do professor de Educação Física na busca pela superação da exclusão dos discentes nas aulas. A professora destacada nos excertos a seguir se coloca como mediadora dos processos de exclusão, assumindo a responsabilidade em oferecer oportunidades de aprendizagem para todos os seus alunos. Embora não seja destacado, para esta professora, nenhuma situação de debate acerca da temática preconceito nas aulas de Educação Física, a professora executa uma ação concreta de inclusão dos alunos nas atividades que realiza. [sobre a exclusão das meninas por parte dos meninos nas aulas] [...] Com a ajuda de nossa professora Fabiana, esse preconceito irá acabar. (caso de ensino: o preconceito nas aulas de educação física) [sobre a exclusão das meninas por parte dos meninos nas aulas] [...] a professora Fabiana falou com eles e consegui jogar um bom futebol e por fim meu time ainda acabou ganhando a partida. (caso de ensino: o futebol) Desde que entrou para o ginásio de sua cidade ela fez o possível para entrar para o time de vôlei de sua classe. Mas sofria uma descriminação porque era gordinha, e por causa disso ninguém a aceitava no time. A professora Fabiana resolveu então contrariar seu time e colocou Evellyn para treinar com as outras garotas. (caso de ensino: último ponto do jogo!) 21 Na descrição abaixo, constando uma narrativa vivenciada na aula de uma outra professora de Educação Física, evidenciamos uma situação de intensa mediação da docente acerca das questões geradas pela exclusão e preconceitos ocorridas em situações das aulas de Educação Física, a escolha das equipes por parte dos alunos. A professora nota que sempre durante as escolhas dos times, sobram dois alunos, um muito tímido, classificado como o “nerdi” da sala, e o outro que havia sido apelidado pela turma por “pão de queijo” por ser gordinho. Ela se choca pelo fato de seus alunos com 12 anos de idade ainda terem esse tipo de preconceito na cabeça. Com isso ela formula uma atividade de como mostrar para seus alunos que isso não deve ser feito, solicitando para a sala que pesquisem sobre o bullying. Quando ela fala essa palavra todos ficam intrigados, querendo saber o que é isso. Chega a sexta-feira, dia da outra aula de educação física da semana, a professora entra na sala e pede para que os alunos comecem a expor sua pesquisas e cartazes, e em cima de tudo isso ela faz um debate no qual explica o que é o bullying e o mal que ele faz para as crianças que sofrem esse preconceito em sua vida escolar. Logo após, ela cita o caso de bullying que ela presenciou durante a aula anterior. Os alunos inconformados com suas atitudes, no mesmo momento, se arrependem e começam a pedir desculpas a seus coleguinhas, pois eles não sabiam o tamanho da gravidade desse tipo de “brincadeiras”, e o quanto isso pode frustrar e magoar as pessoas. Essa foi uma forma bem sucedida encontrada pela professora para acabar com o preconceito durante suas aulas. Se ela não tivesse apresentado o bullying para seus alunos, talvez até hoje eles ainda estivessem vitimando seus próprios amigos com uma coisa que eles nem sabiam que existia. (caso de ensino: bullying) O caso revela que o comprometimento da docente foi muito além da resolução do problema estabelecido naquela aula particular, uma vez que envolveu um conjunto de atividades para os discentes de modo que eles pudessem aprender e construir uma nova concepção de respeito ao outro. O reconhecimento desta participação ativa e positiva do professor de Educação Física no cenário das aprendizagens dos alunos, contudo, não foi unânime nas narrativas, as quais nos permitiram identificar também situações demarcadas por atitudes e ações autoritárias, agressivas e descomprometidas com os estudantes. 22 Três eventos presentes nas narrativas elucidam a complexidade do trabalho docente, especialmente do professor de Educação Física. Estar atento de modo integral a tudo o que acontece na aula, com um número geralmente grande de alunos e no espaço aberto e amplo que é a quadra, é uma tarefa bastante difícil. Contudo, como apontaram as descrições abaixo, é fundamental que o docente se atente para isto, de modo a não causar traumas, parecer despreocupado com o aluno ou ainda se esquecer de que existem atividades presentes nas aulas de Educação Física que precisam de orientações quanto à segurança para a sua realização e cabe ao professor organizar adequadamente este espaço de aprendizagem. Ela caiu, bateu a cabeça e desmaiou! Todos ficaram apavorados, menos a nossa professora. E na hora do ocorrido, todos ficaram assustados e pensaram que ela estivesse morta, mas foram ajudar ela, e a professora não fez nada. (caso de ensino: o dia do futebol) Ele fala para o professor que está com dor, mas o professor Flávio fala que a dor irá passar. Depois de uma hora, ele fala para deixar o braço em uma posição que o imobilize, mas não liga para a mãe nem para o pai de Luiz Carlos. (caso de ensino: fratura no braço) Como de costume, ela terminava a aula 5 minutos mais cedo, para que os alunos trocassem de roupa. Foi quando pedi a ela que me esperasse, pois a maioria dos alunos já tinham trocado de roupa e estavam saindo para o intervalo. Então, dessa forma fui me trocar, quando voltei já não havia mais ninguém na quadra, fui até a porta e estava trancada. Sem ter o que fazer, resolvi subir na arquibancada e chamar alguém pela grade para me socorrer, chamei, chamei, chamei, mas a tentativa foi em vão, ninguém se quer me viu e ouviu. Lembrei que estava com o celular e tentei ligar para minhas amigas, assim eu explicaria o que havia acontecido, elas chamariam a professora e me tirariam da quadra, porém não foi isso que aconteceu, infelizmente nenhuma das minhas amigas me atendeu. Então a solução foi esperar o intervalo, que havia começado as 9:30h, acabasse, assim a professora de Educação Física retornaria a quadra com outra turma. O intervalo terminou as 9:50h, escutei um barulho de chave abrindo a porta as 10:20h, foi então que ela entrou na quadra e viu que havia me esquecido trancada na quadra.(caso de ensino: uma aventura que ficou na história) 23 As aulas de Educação Física possuem particularidades bastante próprias, uma delas refere-se especificamente ao envolvimento do aluno que participa da aula, ou seja, isso se dá de “corpo inteiro”, não há como um aluno fingir que está se movimentando sem que, de fato, ele se movimente. Ao mesmo tempo em que tal processo de experimentação é efetivo para a aprendizagem, há diversas histórias de vida dos alunos. Assim temos aquele aluno que se arrisca em tudo ao que é proposto para fazer, já diferente deste, também há o aluno que tem um histórico de restrição motora – por inúmeros aspectos – uns até por superproteção dos pais. Estes discentes costumam ter medo, insegurança e até “travam” em algumas atividades. Certamente é importante que este histórico motor possa ser reconstruído nas aulas, mas para que isso ocorra é fundamental muita paciência na construção deste processo, simplificando as tarefas, incentivando os alunos, mobilizando os outros colegas de turma a entender estas diferenças. Infelizmente não foi a postura aqui defendida que orientou a ação da professora no excerto abaixo. O seu coração foi a mil, ela tremia dos pés a cabeça, e estava quase fazendo xixi nas calças, parece engraçado, mas ela tinha muito medo de fazer esse tipo de exercício, porque a mãe dela já havia alertado de que isso era perigoso e por esse motivo ela nunca fez essa atividade. Como Natacha era muito dramática ela começou a pensar em todas as consequências enquanto a professora insistia para que ela participasse da aula, até que a professora se cansou de pedir e carregou a aluna à força até o colchonete, deitou-a e mandou que ela levantasse suas pernas e no momento em que levantou, ela puxou-a com força até que fizesse a menina virar para o outro lado. […] a menina disse que não tinha outra forma, que teria que realizar o exercício de qualquer modo, pois a professora era muito rígida. (caso de ensino: trauma de infância) Os novos espaços virtuais e tecnológicos da contemporaneidade atravessam a vida das pessoas e invadem todos os cenários das instituições sociais, dentre elas a escola. Estudos (VERZA e WAGNER, 2008; SEVILLA, 2004; NICOLACI-DA-COSTA, 2004) apontam para o quanto as crianças e jovens que são nossos alunos estão envolvidos com estas novas tecnologias. No entanto, ainda sabemos muito pouco, enquanto professores, sobre como podemos mobilizar tais equipamentos, como o celular, por exemplo, numa perspectiva pedagógica. Cabe aqui considerar que a negação absoluta do uso 24 do celular na escola ou na aula, parece não resolver este problema. Uma postura radical, autoritária e agressiva como a apresentada pelo professor de Educação Física em uma das narrativas, não sinaliza para um encaminhamento saudável da questão, ao contrário, incita a violência, comprometendo qualquer possibilidade saudável de aprendizagem. A irmã do estudante, Bruna de 16 anos, contou que o acompanhou à sala da vice-diretora e viu o professor se irritar com o irmão dela. Na hora ela segurou o irmão e o colocou atrás dela, porém o professor não o respeitou, tentando várias vezes agredi-lo, atingindo Bruna, que ficou ferida. A diretora da escola perguntou para Leandro porque ele não assistiu a aula e ele disse que queria ouvir música no celular e não assistir a aula, irritando com isso o professor Carlos Eduardo. (caso de ensino: um caso terrível que ocorreu). 4.3. As aulas de Educação Física: um turbilhão de experiências Antes de iniciarmos nossas análises acerca dos fragmentos que serão aqui apresentados é relevante apontarmos que entendemos que a Educação Física na escola, mesmo sendo componente curricular obrigatório como as demais áreas, possui particularidades que lhe são próprias. Vejamos algumas delas: a aula acontece, geralmente, num espaço aberto que é a quadra; o aluno que participa das aulas está envolvido de “corpo inteiro”, ou seja, realiza ativamente as atividades (executando corretamente/ou não o movimento solicitado, se distribuindo num espaço mais favorável para fazer o ponto, pedindo a bola, corrigindo o colega, correndo, gritando etc.); há uma grande exposição pessoal daquilo que o aluno consegue e não consegue realizar; o trabalho de aula, via de regra, é em grupo (seja num esporte, numa coreografia de dança, numa organização de ginástica). Estas demarcações podem contribuir para que possamos entender porque as aulas de Educação Física nas narrativas dos alunos apareceram como um “turbilhão de experiências”, uma vez que entendemos experiências como conceitua Maraun (2006) “(...) recepção e produção de realidades a partir das relações estabelecidas, sendo que ela transforma, ao mesmo tempo, os sujeitos e as realidades” (p. 72). Com esta concepção de experiência que vão sendo construídos/reconstruídos os significados que os alunos atribuem ao mundo e ao outro, particularmente nas aulas de Educação Física. 25 Percebemos que esses momentos proporcionam muitas sensações, emoções e sentimentos que certamente ficam nas lembranças dos discentes. Uma experiência positiva, neste sentido, permite que o aluno se aproxime da aula, do conteúdo, do professor e construa significados de interesse pela aula. Já uma experiência negativa tende a desmobilizar o aluno da aula, afastando-o da mesma. Ainda assim, tanto a experiência positiva quanto a negativa podem ser reconstruídas... Nas narrativas descritas pelos alunos as experiências ganharam um relevo significativo, aparecendo em 17 casos, deste total, 11 foram referentes às experiências positivas e seis às negativas. Nas experiências positivas os alunos descobrem que conseguem realizar muitas coisas que desconheciam ou outras que acreditavam não serem capazes de executar, assim como proporcionam momentos de satisfação, alegria e superação. Eu estava na 5ª. série. Nunca gostei de educação física até aquele dia. Meu professor queria fazer algo diferente e o esporte escolhido foi o basquete. Joguei pela primeira vez e não gostei muito, mas nas outras aulas fui gostando. (caso de ensino: basquete) Era uma atividade elaborada pelo governo que dizia que todos tinham que jogar basquete. [...]. No começo achei muito sem graça, pois eu não gostava, depois com o decorrer da aula foi ficando mais legal. (caso de ensino: basquete) [...] Nós nos esforçamos e começamos a ganhar, foi bola para lá, bola para cá, e todos na ansiedade para saber qual time iria ganhar. (caso de ensino: o campeonato de queima) Articulando as impressões dos alunos contidas nas narrativas com as proposições de Charlot (2005) se evidencia que a mobilização do aluno para as situações de aprendizagem se relaciona com a atribuição de um sentido que possa produzir prazer e responder a um desejo. Embora a Educação Física na escola venha se estruturando por produções acadêmicas e ações docentes que buscam superar a ideia de valorização exclusiva do aluno habilidoso e daquele que vence os jogos e 26 esportes, não são muitas as pesquisas que evidenciam este contexto modificado, dando voz, sobretudo, aos alunos. Neste sentido, os achados aqui apresentados mostram o quanto as experiências positivas vivenciadas nas aulas de Educação Física vão mesmo muito além do ganhar, ainda que o envolvam também. São destacadas nestas experiências as seguintes situações: ganhar um jogo; superar a timidez; melhorar suas habilidades no jogo; conhecer ex-jogadores da seleção, muitas pessoas e várias cidades; aprender a respeitar o outro; fazer o ponto no jogo e vencer; desenvolver a autoconfiança, ter satisfação, trabalhar em grupo. […] consegui jogar um bom futebol e por fim meu time ainda acabou ganhando a partida. (caso de ensino: o futebol) Formamos um grupo para jogar três cortes, eu não levava jeito, mas me divertia, e em todas as outras aulas nós nos reuníamos e jogávamos Três cortes. Essa brincadeira me ajudou muito, pois através dela, eu que era muito tímido fiz novos amigos, e até melhorei no vôlei, que eu era uma negação. (caso de ensino: três cortes) Mas foi pela aula de educação física que conheci ex-jogadores da seleção brasileira, conheci várias cidades e muitas pessoas, e uma experiência inacreditável. (caso de ensino: basquete) Os alunos inconformados com suas atitudes, no mesmo momento, se arrependem e começam a pedir desculpas a seus coleguinhas, pois eles não sabiam o tamanho da gravidade desse tipo de “brincadeiras”, e o quanto isso pode frustrar e magoar as pessoas. (caso de ensino: bullying) Ela estava ansiosa até que nos minutos finais a professora a colocou no time […]. Entrou no momento mais importante, o último saque era seu e se ela acertasse seria elogiada para resto da vida, mas se não acertasse seria um fracasso! Era por isso que ela ficava cada vez mais nervosa […]. Evellyn fez o último ponto do jogo para o seu time e foi o maior show! As meninas do seu time a abraçaram e foi assim que ela ganhou a confiança de todos! (caso de ensino: último ponto do jogo) Eu e meus amigos adorávamos jogar “três cortes”, toda aula de educação física jogávamos. Os meus amigos ficaram discutindo e um deles falou: Eu não vou jogar, não quero perder de “lavada”! Outros pensaram diferente e disseram: 27 Vamos jogar sim, não importa se perdemos! Depois de alguns minutos resolvemos jogar. […] ganhamos o jogo. Surpresos com o nosso trabalho, passamos a acreditar em nós mesmo! (caso de ensino: o jogo de vôlei) A aula foi elaborada pela proposta de ensino que o governo mandou para a escola, a professora Fabiana de educação física seguiu todos os padrões e foi bem divertido. […]. Eu não sabia jogar muito bem, mas me diverti muito correndo pra lá e pra cá tentando pegar a bola. Mesmo jogando errado eu tentei cada lance, correndo de um lado para o outro da quadra eu e o resto da turma. Foi o único ano que pude dizer que eu tive uma aula de educação física decente. Eu gostei muito! Aprendendo que o que eu ganhei naquela aula foi uma grande satisfação, pois no começo era sem graça, mas no fim foi muito boa! (caso de ensino: basquete) […] o professor Douglas teve a ideia de fazer um campeonato de queima só de meninas. Nós ficamos todas ansiosas com o campeonato de queima. […]. Então o campeonato começou! Foi a semana toda e nós estávamos adorando. (caso de ensino: campeonato de queima) Nos diálogos estabelecidos com os alunos que escreveram os casos de ensino foi possível verificar que essas experiências positivas contribuíram para uma maior participação e gosto pelas aulas de Educação Física. Com relação às experiências negativas, há aquelas que necessitam de uma sensibilidade maior do professor no direcionamento das atividades e participação dos alunos, suscitando, muitas vezes, o respeito às dificuldades dos discentes e uma demanda por adaptação à atividade. A aluna machucou o pescoço, e com muita vergonha por ter sido a única com dificuldade nessa atividade tão simples, conteve o choro e a dor. (caso de ensino: trauma de infância) Já outras experiências tem um vínculo mais direto com a característica dos conteúdos desenvolvidos nas aulas de Educação Física. Deste modo, por mais que o professor organize, elabore e tenha precauções com relação ao material e a atividade trabalhada, bem como, com orientações aos alunos, é muito difícil ficar livre de ocorrências como as citadas nas narrativas. Em grande parte das situações como as abaixo citadas, os eventos acontecem 28 pelo intenso envolvimento que o aluno vivencia no jogo sem que haja intenção de machucar o colega. Apesar disso, é importante que o docente esteja atento a estes cenários para que eles não se tornem vivências negativas muito intensas resultando no afastamento dos alunos das aulas de Educação Física. ... Chutou a bola na cara da minha amiga! Ela caiu, bateu a cabeça e desmaiou! Todos ficaram apavorados [...] todos ficaram assustados e pensaram que ela estivesse morta. (caso de ensino: o dia do futebol) Estávamos nós lá em uma aula de educação física praticando basquete. Estávamos fazendo um pequeno treino do sistema tático do jogo. Nem todos estavam participando da aula, inclusive eu. Mas em uma das partidas aconteceu algo inesperado, uma das alunas que por incrível que pareça era minha amiga Júlia, foi surpreendida pela bola, e não a pegou do jeito correto e acabou que levou seus dedos da mão direita na frente da bola. A princípio ela só reclamava de dor e estava bem vermelho e inchado. Mas nem imaginávamos que seria tão grave o seu caso. No mesmo dia ela foi ao médico e foi constatado que seus dedinhos haviam sido fraturados. [...]. Foram longos meses, pois afinal era sua mão direita que estava sem poder fazer as coisas. (caso de ensino: a aula de basquete) Ainda analisando aos acidentes que podem acontecer nas aulas, em casos como o citado abaixo, é fundamental que o professor estabeleça um diálogo com toda a turma sobre o ocorrido (tratando do respeito ao outro), uma vez que, neste caso, um eventual afastamento do aluno, que levou a bolada, das aulas de futebol pode se dar muito mais pelas chacotas dos colegas do que pela bolada em si. De repente, meu outro colega Jhonattan chega com a bola para marcar o gol. Ele chegou pertinho de mim e ficou ameaçando que iria fazer o gol. Enfim, esse moleque acerta essa bola em cheio em minhas partes sensíveis! Eu sem palavras, fui até minha colega e deitei com uma dor insuportável. Meus colegas “racharam” de dar risadas a aula inteira. E esse foi o acontecimento na aula de Educação Física que jamais esquecerei. (caso de ensino: de encontro com as bolas) 29 Os relatos das insatisfações dos alunos com as derrotas nos jogos e campeonatos mediados pelas aulas de Educação Física também apareceram nas narrativas como experiências negativas. Tal achado nos alerta para a necessidade da reconstrução desta experiência, ou seja, ampliar os conteúdos da Educação Física para além do esportivo (possibilitando ao aluno vivenciar novas experiências); variar o máximo possível as equipes que se formam em aula para jogar os esportes (permitindo que os alunos joguem em times mais e menos vitoriosos); trabalhar a questão da diferença e do reconhecimento das trajetórias pessoais e culturais de cada aluno (aquele joga melhor isso, o outro aquilo...). [...] Nós ficamos em sétimo lugar e no final eu acabei chorando junto com a minha professora.... (caso de ensino: a viagem) No primeiro campeonato que participei não joguei muito porque era nova e o time também era muito novo e acabamos perdendo e voltamos muito triste. (caso de ensino: basquete) Ferreira (2000), refletindo sobre a competição, mostra indícios de que a Educação Física escolar muitas vezes supervaloriza a vitória, principalmente em campeonatos entre escolas. Desta maneira a vitória é tomada como objetivo principal da competição, os que não conseguem vencer, provavelmente não sentirão nenhuma satisfação em participar da atividade, e o sentimento gerado pela derrota poderá afetar sua autoestima. O autor ainda discute a necessidade de resgatar o papel educativo da competição na escola, explorando-a como um meio de incentivo a cooperação e a solidariedade. Assim, cabe ao professor elaborar estratégias para utilizar a competição no processo ensino-aprendizagem em Educação Física, como por exemplo: modificar as regras da competição, alterar a concepção de “Campeonato” para “Festival”, valorizar os resultados das equipes e não os resultados individuais, premiar todos os participantes, dentre outras estratégias. Desta forma, concordando com Ferreira (2000), a competição pode ser canalizada para a lealdade, generosidade, coletividade e respeito para com o adversário. 30 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas duas escolas, propor a produção de narrativas, chamados caso de ensino, por alunos adolescentes não foi uma tarefa simples e fácil. Como destacado anteriormente, uma questão inicial se relaciona com o estreitamento de vínculo, uma vez que narrar uma história íntima envolve um espaço de abertura, disponibilizado pelo participante. Neste sentido, em concordância com o que escreve Franco (2005) acerca da pesquisa-ação (que demarca uma dinâmica relacional semelhante na construção dos casos de ensino), que envolve a parceria entre pesquisador e participante, a construção de vínculos afetivos e de confiança entre o pesquisador e o participante da pesquisa, é fundamental. Outro ponto relevante é a falta de interesse dos alunos em escrever. Contudo, fica a questão: seria mesmo a falta de interesse dos alunos? Segundo Martinelli et. al. (2006), não, uma vez que eles “(...) querem ser ouvidos, tratados com dedicação, carinho, amizade, paciência e respeito” (p.3). Ou seja, esta suposta manifestação de resistência parece estar mais relacionada com a dinâmica da escola em não ouvir os alunos que dos próprios alunos. Ainda que tenhamos esbarrado nas dificuldades aqui apresentadas, 20 adolescentes descreveram, em formato de casos de ensino, episódios marcantes ocorridos em suas aulas de Educação Física. Na escola 1, foi possível observar uma grande dificuldade em se trabalhar com a Educação Física, a maioria dos alunos não participa das aulas e fica dispersa por toda a escola, além de professores substitutos de outras disciplinas que acabavam ficando junto com os alunos que estão em aula de Educação Física. Apesar destas dificuldades, a receptividade com a pesquisadora, tanto por parte dos alunos quanto dos docentes, foi muito boa, proporcionando uma liberdade para se aproximar dos alunos e do professor de Educação Física. Essa facilidade de aproximação e contato pode ter ocorrido devido ao fato de a pesquisadora ter sido ex-aluna da escola, sendo reconhecida e afetivamente aceita por vários professores e funcionários. 31 Nesta escola, aproximadamente 40 alunos aceitaram a proposta de escrever seus episódios. Destes, somente 13 entregaram suas narrativas à pesquisadora. Os conteúdos de aula destacados nos casos foram: basquete, futebol, queimada, “três cortes”, voleibol, ginástica. Somados a estes conteúdos, ganharam relevo as questões relativas à: meninos não quererem se misturar com as meninas, por acharem que estas não sabem jogar; amedrontamento da aluna para com a cambalhota por causa da exigência da professora em fazê-la executar uma tarefa motora e não oferecer suporte adequado; incentivo da professora de Educação Física para que a aluna jogue e seja respeitada pelos outros e se autovalorize; superação pessoal e coletiva no jogo; valorização da autoestima no jogo; superação da timidez; descoberta do prazer em novas práticas esportivas; acidentes nas aulas de Educação Física; briga entre aluno e professor de Educação Física. Analisando o contexto da escola 2, foi possível identificar uma rotina intensa nas aulas de Educação Física. A professora organiza festas para arrecadação de verbas para compra de uniformes, administra campeonatos que envolvem outras escolas. Essa vigorosa agitação dificultou a aproximação e contato por parte da pesquisadora, tanto com a professora quanto com os alunos. Devido a estas dificuldades, embora tenha sido possível propor a pesquisa a um pequeno grupo de alunos que se mostrou interessado, nos meses de março, abril e maio não houve devolutiva de nenhum caso de ensino. Após uma maior aproximação da pesquisadora com a professora de Educação Física, a docente incentivou os alunos a comporem os casos, depois disso foram coletados 7 narrativas. Destas, foi possível apontar, na comparação com a escola 1, que a maioria delas já apresenta um texto mais estruturado, demarcado por uma ideia com início, meio e fim, bem como, tratando de uma história com um contexto melhor explicitado, resultando numa escrita de melhor qualidade. Os conteúdos explorados envolveram os seguintes: futebol, queima e basquete. Das sete narrativas coletadas as questões exploradas foram: preconceito, acidentes em aula, organização/arquitetura escolar e experiência com os esportes. 32 Considerando que a Educação Física deve desenvolver os conteúdos que circunscrevem a cultura de movimento na escola (danças, esportes, jogos, lutas, ginásticas), as narrativas dos alunos das duas escolas expressam uma simplificação deste componente curricular, o que também pode contribuir com situações de exclusão dos alunos com histórias de vivências relacionadas a outras manifestações que não a esportiva e a dos jogos. As 20 narrativas coletadas nas duas escolas se mostraram como potenciais instrumentos de investigação do pensamento do aluno, da atuação dos professores de Educação Física e das experiências vividas pelos alunos. É importante discutir essa proposta de acessar o pensamento do sujeito por meio da escrita, uma vez que, como ressalta Zabalza (2004), a escrita é um recurso bastante positivo para ser utilizado como instrumento de análise do pensamento e de expressão pessoal de quem escreve. Zabalza (apud Yinger, 2004) apresenta algumas características do processo de escrever. Esclarece que é um processo multirrepresentacional e interativo; “No desenvolvimento da narração escrita, o escritor maneja diversas formas de acesso a realidade: faz, pensa e lida com imagens (olhos, mãos e idéias trabalham simultaneamente e em interação)” (p.43, sic). Nesse sentido, ao escrever o narrador recria a experiência, a organiza e estrutura na produção da narração escrita. O mesmo autor também destaca a estruturação deliberada do significado, “o significado, na escrita, não pode se sustentar em apoios não- verbais ou paraverbais como acontece na linguagem verbal: nesse caso, é unicamente a própria semântica e a sintaxe da narração que suportam o significado das mensagens” (p. 44). Assim, a escrita de um fato é pessoal, ao pensar, refletir, organizar e estruturar o sujeito expressa o seu pensamento e revela o que sente. Baseado ainda no já referido autor, entendemos o valor da escrita e suas possibilidades como instrumento de pesquisa do pensamento, e em ocasião, do pensamento do aluno através de seus casos de ensino. Nas entrevistas realizadas com os alunos que escreveram seus casos de ensino, constatamos que, dos 20 casos de ensinos coletados: - 16 foram escrito por meninas e quatro por meninos; 33 Estes resultados destacam uma presença feminina mais marcante nas construções dos casos, revelando uma aceitação maior desde gênero neste tipo de investigação que se utiliza das narrativas escritas. Ainda não temos uma hipótese clara que nos ajude a pontuar porque isso ocorre, mas faz-se relevante que sejam produzidos novos estudos correlacionando a questão do gênero nas aulas de Educação Física. Podemos associar ao fato de as meninas gostarem mais de escrever que os meninos, por conta de uma tradição cultural orientada pelos diários e cadernos de recordação. Outra reflexão pode estar relacionada com o fato das meninas sofrerem mais situações de exclusão nas aulas de Educação Física e isto as incitarem a escrever mais que os meninos. -12 foram episódios que ocorreram na escola em que eles estudam atualmente, e 8 foram episódios que ocorreram em outras instituições de ensino pelas quais eles passaram ao longo da educação básica; -7 casos ocorreram durante o Ensino Fundamental I, 10 casos ocorreram no Ensino Fundamental II e apenas 3 casos no Ensino Médio; Outro aspecto interessante revelado pelos dados acima, expressa que situações marcantes são vividas nas aulas de Educação Física antes dos alunos chegarem no ensino médio, ou seja, o tempo de permanência na escola (no Ensino Fundamental – ao longo de 8/9 anos) permite que o aluno vivencie experiências que acabam por se tornarem significativas na construção de suas trajetórias relacionadas. Pontuamos que os casos de ensino com influências positivas proporcionadas pelas aulas de educação física foram os numericamente mais evidenciados entre os 20 alunos que participaram da nossa investigação. Aspecto salutar em se tratando da defesa de conhecimentos acerca da educação física e da incorporação do hábito de prática de atividades física ao longo da vida. Para a pergunta relativa à identificação de sucesso ou fracasso trazido pelas experiências narradas nos casos com relação à Educação Física, as resposta foram dúbias, sobretudo porque muitos alunos diziam se tratar de uma experiência de fracasso, contudo, respondiam na última questão que a vivência não tinha contribuído de forma negativa para a prática da Educação Física na escola. O contrário também foi observado. Neste sentido, 34 percebemos a impossibilidade de associarmos diretamente uma experiência positiva ao sucesso ou uma experiência negativa ao fracasso. Há situações mistas, nas quais algumas experiências negativas levam os alunos a construírem uma relação mais efetiva com a Educação Física. Além deste cenário de ausência de linearidade, houve também aqueles alunos que reconheceram em suas narrativas que as situações os tinham marcado, sem, no entanto, causar influência em suas participações nas aulas de Educação Física. Isto posto, podemos afirmar que a narrativa que se evidenciou, articulada com as respostas da entrevista, como uma situação de fracasso resultando no afastamento absoluto da aluna das aulas de Educação Física foi “Trauma de Infância”. Já o caso de ensino intitulado “Um caso terrível que aconteceu”, também associado com as respostas da entrevista, revelou um afastamento da aluna do professor de Educação Física. Por último, a vivência de uma bolada na aula de futebol seguida de chacota dos colegas, nomeada pelo caso de ensino “De encontro com as bolas” resultou num afastamento do aluno do conteúdo futebol nas aulas de Educação Física. Sete foram os casos de ensino, associados às entrevistas, que demarcaram experiências positivas que despertaram mais interesse e participação dos alunos nas aulas de Educação Física. Vale aqui destacar que as experiências, como já pontuamos neste trabalho, pode ser sempre reconstruída e, neste caso, modificada, alertando para o compromisso docente em sua ação pedagógica. Pelo tempo de permanência da pesquisadora no campo (9 meses), entendemos que houve uma produção de casos de ensino significativa. Nestas produções, foram destacadas situações das aulas de Educação Física que exploraram os conteúdos esportivos, ginástica e os jogos desenvolvidos em aula. Associados a estes conteúdos foram evidenciadas situações de apoio, incentivo, prazer, motivação, sentido de grupo, relação afetiva professor-aluno, desafio, indisciplina, exclusão, preconceito, amedrontamento, acidentes nas aulas. Entremeio ao mosaico das narrativas e das entrevistas, nos mostrando uma diversidade de experiências e possibilidades de afastamento e aproximação dos alunos às aulas de Educação Física, podemos apontar que dos 20 casos apenas um se configurou como um afastamento total das aulas 35 de Educação Física (situação que acompanha a aluna desde a 2ª. série do ensino fundamental até agora no ensino médio). Falando das experiências positivas e da aproximação para com as aulas de Educação Física, a associação casos de ensino e entrevista nos mostrou que sete alunos vivenciaram este contexto e até hoje apresentam uma afetiva proximidade com as aulas. Estas evidências podem auxiliar os professores de Educação Física na reconstrução de seus modos de ação, validando formas positivas de atuar e novas “pistas” (estratégias/conteúdos...) para a minimização/superação de situações negativas vividas em aula. Interpretando os resultados alcançados, concluímos que o processo de produção de casos de ensino por alunos do ensino médio é lento e apresenta uma demanda de acompanhamento contínuo pelo pesquisador, tanto na construção de laços de confiança quanto nas orientações das escritas das narrativas, para que seja realizado com sucesso. 36 REFERÊNCIAS BETTI, M. Ensino de primeiro e segundo graus: Educação Física para quê? Revista Brasileira de Ciências do Esporte 13 (2), 1992. BOGDAN, R.C. E BIKLEN, S. K. Características da investigação qualitativa. Investigação qualitativa em Educação. Porto Editora, 1994. CHARLOT, B. Relação com o saber, formação dos professores e globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: ArtMed, 2005. 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Série Estado do Conhecimento, INSS 1676-0565, n. 7. Brasília: MEC/Inep/Comped, 2002. ZABALZA, M. A. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004. 38 APÊNDICE 1 Termo de Consentimento A pesquisa intitulada “CASOS DE ENSINO RELACIONADOS À EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA PRODUÇÃO DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO” tem como objetivo analisar as histórias e episódios, chamados casos de ensino, em formato de narrativas, escritos por alunos do Ensino Médio sobre suas aulas de Educação Física. Serão realizadas observações de aulas, reuniões de orientação e a produção de narrativas escritas por parte dos alunos. Informamos que os resultados obtidos serão utilizados para fins científicos e a identidade dos participantes mantida em sigilo. O participante poderá isentar-se da pesquisa em qualquer momento que desejar, podendo ainda, retornar em outra data, combinada com o responsável da pesquisa. Desse modo, tendo total conhecimento do exposto neste termo Eu, ____________________________________________________ portador do RG n.º______________________, aceito participar, como voluntário, da pesquisa em questão, de autoria e execução de Eliane Isabel Fabri, aluna graduanda do curso de Licenciatura em Educação Física da Unesp/Bauru, sob orientação da Professora Drª. Lílian Aparecida Ferreira, docente do Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências da UNESP/Bauru. Concordo que os resultados obtidos na referida pesquisa sejam divulgados, uma vez que a identidade pessoal dos envolvidos será preservada. ___________________________________________ Assinatura Tendo em vista os itens acima apresentados, eu ___________________________________ RG nº _______________, manifesto meu consentimento para que meu/minha filho/filha ____________________________________ participe da pesquisa. __________________________________________ Assinatura do responsável legal 39 APÊNDICE 2 Caso de Ensino (escola 1): O preconceito nas aulas de educação física “A aula começa mais uma vez, numa terça-feira na 8ª série. A professora Fabiana entra na sala, faz a chamada e nos leva para a quadra, lá se dividem os times para se jogar futebol. Cada aluno ia escolhendo os seus times. Os meninos iam escolhendo: o Henrique, Maxwell, Gabriel e os outros... Porém, quando a professora Fabiana os mandava escolher as meninas para jogar eles sempre achavam ruim. Falavam que nós não sabíamos jogar, que éramos burras e nem sabíamos chutara bola direito. Mas mesmo assim nós fomos e jogamos. Mostramos para os meninos que não são só eles que sabem jogar bola e sim que somos mulheres de encarar e que também sabemos jogar futebol. Mas sempre eles querem ser os melhores em tudo e que sabem de tudo. Tanto é que até hoje existe este tipo de preconceito nas escolas. E sempre Henrique, Maxwell, Gabriel querem mostrar que são melhores que Patrícia, Milena, Ariane, mas nós vamos vencer! Com a ajuda de nossa professora Fabiana, esse preconceito irá acabar.” Caso de Ensino (escola 1): O futebol “Em uma das poucas vezes que tentei participar das aulas de educação física fui ignorada ou maltratada, então resolvi que não iria mais participar. Em um dia os outros alunos estavam jogando futebol e eu cheguei e pedi para participar do jogo com eles, simplesmente fui ignorada porque não conseguia jogar direito e também por ser menina e não ter muita prática, mesmo assim não desisti, porque era louca para aprender a jogar. Fui até a professora Fabiana e então falei para ela: Professora, quero jogar futebol com os outros. E também falei que queria jogar no time que tinha meus amigos, como o Anderson, Edson e o Maxwell e a Talita, pois nesse time tinha uma menina. Então, depois de tanto insistir, a professora Fabiana falou com eles e consegui jogar um bom futebol e por fim meu time ainda acabou ganhando a partida.” Caso de Ensino (escola 1): Trauma de infância! “Em uma segunda-feira, na aula de educação física, Natacha estava animada porque na aula anterior a professora havia dito que iriam realizar algo diferente na próxima aula. Enfim, passaram-se três aulas e chegou a aula de educação física; montou-se uma fila e no centro da fila havia um colchonete. Sem entender o que estava acontecendo os alunos continuaram com muita ansiedade para realizar a atividade, até que o primeiro aluno da fila deitou-se no colchonete e foi ordenado a virar cambalhota e assim fez até que a vez de Natacha chegou. O seu coração foi a mil, ela tremia dos pés a cabeça, e estava quase fazendo xixi nas calças, parece engraçado, mas ela tinha muito medo de fazer esse tipo de exercício, porque a mãe dela já havia alertado de que isso era perigoso e por esse motivo ela nunca fez essa atividade. Como Natacha era muito dramática ela começou a pensar em todas as conseqüências enquanto a professora insistia para que ela participasse da aula, até que a professora se cansou de pedir e carregou a aluna a força até o colchonete, 40 deitou-a e mandou que ela levantasse suas pernas e no momento em que levantou, ela puxou-a com força até que fizesse a menina virar para o outro lado. A aluna machucou o pescoço, e com muita vergonha por ter sido a única com dificuldade nessa atividade tão simples, conteu o choro e a dor. Mas ao chegar em casa o pescoço doía mais ainda, então ela contou tudo para sua mãe. Nadir, muito nervosa com a situação, disse para a filha que no dia seguinte iria até a escola conversar com a professora, mas a menina não deixou, disse que não tinha outra forma, que ela teria que realizar o exercício de qualquer modo, pois a professora era muito rígida. Até hoje Natacha odeia essa aula, e não participa dos exercícios de forma alguma, mas não por culpa dos profissionais que exercem essa profissão, e sim por culpa de uma única pessoa! Caso de Ensino (escola 1): Três cortes “Mais uma manhã e começa mais uma aula de educação física na escola. Para mim uma tortura, nunca gostei da aula e não levo jeito pra coisa. Lembro que na 3ªsérie ficava contando piadas, conversando com os outros colegas, mas era uma escola nova, um professor novo, e não sabia como iria ser, mas logo vi que o professor não era exigente e deixava-nos a vontade. E foi em uma dessas aulas que eu e mais alguns colegas formamos um grupo para jogar três cortes, eu não levava jeito, mas me divertia, e em todas as outras aulas nós nos reuníamos e jogávamos Três cortes Essa brincadeira me ajudou muito, pois através dela, eu que era muito tímido fiz novos amigos, e até melhorei no vôlei, que eu era uma negação.” Caso de Ensino (escola 1): A professora “Era um dia ensolarado, uma segunda-feira, lá estava ela: uma garotinha de mais ou menos 7 anos. Feliz? Sim! Era sua primeira aula de educação física! O nome dela era Bela; em especial, ela adorava descobrir coisas novas, então imaginou que sua aula seria uma nova descoberta. Sua professora chamava Camila. Bela tratou logo de conhecer melhor sua nova professora.Bela tinha duas aulas de educação física por semana, segunda e terça-feira, em geral ela adorava as aulas. A professora era muito legal e sempre inventava novas brincadeiras. Os anos se passaram e a professora se foi... Parou de dar aulas para Bela. E a garotinha cresceu, já estava na 8ªsérie. Um dia, prestando atenção em uma moça que fazia parte da direção de sua nova escola, Bela descobriu Camila, sua ex-professora de educação física agora como coordenadora. Infelizmente Camila mudou sua vida agora, e gostava do seu novo emprego. E foi assim que Bela descobriu que as pessoas mudam. Ela nunca esqueceu de sua professora tão legal, bonita e que tinha ensinado tantas coisas legais. Hoje ela tem uma outra professora. Bela gosta muito dela também e aprendeu que tudo se renova, as pessoas legais também se vão, mas as lembranças de momentos bons são eternas!” 41 Caso de Ensino (escola 1): Último ponto do jogo! “Evellyn era uma aluna bem dedicada na sala, na aula de educação física e adorava jogar vôlei. Desde que entrou para o ginásio de sua cidade ela fez o possível para entrar para o time de vôlei de sua classe. Mas sofria uma descriminação porque era gordinha, e por causa disso ninguém a aceitava no time. A professora Fabiana resolveu então contrariar seu time e colocou Evellyn para treinar com as outras garotas. No começo foi difícil, mas suas colegas do time foram reconhecendo seu talento e dando uma forcinha para ela continuar. Eis que um dia sua pior rival da escola resolve entrar para treinar no time da sala oposta. Foi então que a professora Fabiana marcou um amistoso contra a sala dela em uma das aulas de educação física. Foi marcado para a semana seguinte e Evellyn estava insegura e ao mesmo tempo feliz, pois mostraria a todos que era a melhor! O dia do amistoso chegou, e o jogo começou. Correu tudo bem, até porque Evellyn não entrou no começo do jogo. Ela estava ansiosa até que nos minutos finais a professora a colocou no time e disse para ela ir lá e acabar com a sua rival! Entrou no momento mais importante, o último saque era seu e se ela acertasse seria elogiada para resto da vida, mas se não acertasse seria um fracasso! Era por isso que ela ficava cada vez mais nervosa, entrou na quadra, olhou no olho de sua adversária e sacou... De repente... Evellyn fez o último ponto do jogo para o seu time e foi o maior show! As meninas do seu time a abraçaram e foi assim que ela ganhou a confiança de todos!” Caso de Ensino (escola 1): O jogo de vôlei “Era um dia normal de educação física, o professor Adilson fez a chamada e nós fomos para a quadra. Naquele dia tinha mais um professor de educação física dando aula, no caso era a professora Fabiana dando treino de vôlei. Eu e meus a