Campus de Ilha Solteira PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DOS MATERIAIS “Estudo da influência do tratamento térmico em filmes supercondutores, do sistema BSCCO obtido pela técnica de spin- coating” Guilherme Botega Torsoni Orientador: Prof. Dr. Cláudio Luiz Carvalho Ilha Solteira – SP Agosto/2012 Campus de Ilha Solteira PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DOS MATERIAIS “Estudo da influência do tratamento térmico em filmes supercondutores, do sistema BSCCO obtido pela técnica de spin- coating” Guilherme Botega Torsoni Orientador: Prof. Dr. Cláudio Luiz Carvalho Tese apresentada à Faculdade de Engenharia – UNESP – Campus de Ilha Solteira, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Ciência dos Materiais. Área de conhecimento: Ciência dos Materiais e Metalúrgica Ilha Solteira – SP Agosto/2012 FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação da UNESP - Ilha Solteira. Torsoni, Guilherme Botega. T698e Estudo da influência do tratamento térmico em filmes supercondutores, do sistema BSCCO obtido pela técnica de spin-coating / Guilherme Botega Torsoni. -- Ilha Solteira: [s.n.], 2012. 144 f. : il. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira. Área de conhecimento: Ciência dos Materiais e Metalúrgica, 2012 Orientador: Claudio Luiz Carvalho Inclui bibliografia 1. Filme supercondutor. 2. BSCCO. 3. Tratamento térmico. 4. Supercondutividade. DDedico este trabalho a Deus e a todos de minha família . AGRADECIMENTOS A Deus por ter me ajudado nos momentos mais difíceis, dando paciências e sabedoria para realização deste trabalho. Aos meus familiares, em especial aos meus pais Argemiro Torsoni e Carmen Botega Torsoni agradeço pela minha vida, educação e amor, e meus segundos pais Maria Helena Torsoni Alves e Waldir Candido Alves e ao meu amor Daiane Crepaldi Pereira pelos momentos de paciência e conforto nos momentos de maior nervosismo. Aos meus irmãos Danilo Botega Torsoni, Juninho, Rafael e Ricardo pelo ombro amigo e companheiro durante a produção deste trabalho. Por todos eles estou aqui e por eles continuo minha jornada. Aos meus Avós (in memoriam) que lá do céu tenho certeza que tenha olhado por mim durante minha caminhada. Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Cláudio Luiz Carvalho pelos ensinamentos, apoio, amizade e paciência nos momentos mais difíceis; mesmo com as dificuldades conseguimos realizar um trabalho espetacular. Aos Professores do DFQ: Joca, Gustavo, Mal e Chico pela amizade, auxílio na realização de medidas e explicações de dúvidas que me ajudaram muito que vão valer por toda a vida. Aos Professores (as) Doutor (a) Fernando Rogério de Paula, Rafael Zadorosny, Cristina Bormio Nunes, Silvio Rainho Teixeira por ter aceito o convite de participar da comissão examinadora do trabalho. Aos meus amigos que são considerados como uma família desde a graduação juntos, Cícero Rafael Cena da Silva, Augusto Flávio dos Santos, Elton Carvalho de Lima, Gilberto de Campos Fuzari Júnior e Elen Poliani da Silva Arlindo; ao pessoal do GDAM, Gisele Aparecida de Souza, Gustavo Quereza Freitas, Regiane Godoy de Lima, João Borges da Silveira, Vivian Delmute Rodrigues, meu muito obrigado. As agências de fomento CNPq pelo apoio financeiro e a Fapesp e ao Capes pelo apoio aos projetos financiados. RESUMO Com a evolução da tecnologia, a aplicação de filmes finos supercondutores na microeletrônica tem fundamental importância para produção de equipamentos com tamanho reduzido e menor consumo de energia. Entre as inúmeras formas de fabricação de filmes finos supercondutores destaca-se a deposição em fase líquida. As principais características de tal método são a rápida deposição, o custo reduzido e a possibilidade de recobrimento de grandes áreas. Os principais pontos deste trabalho são: desenvolvimento de uma metodologia para obter filmes finos supercondutores de alta qualidade do sistema BSCCO com temperatura crítica em torno de 110K (2223). Que dentre as fases que este sistema pode apresentar, é a com maior temperatura crítica. Sumariamente, a metodologia consiste em depositar uma solução precursora polimérica, sinterizada baseando-se na metodologia desenvolvida por M. Pechini, sobre um substrato cristalino usando a técnica de spin coating, consequentemente, submeter o material a diferentes tratamentos térmicos e sob diversas atmosferas. Com isso, obteve-se filmes de ótima qualidade que, neste caso, pode ser entendido como apresentar homogeneidade, cristalinidade e morfologia adequada, propriedade esta importante para futuras aplicações tecnológicas. Para a caracterização da solução foi feita análise química de absorção atômica, infra-vermelho, viscosidade, pH e densidade. Os filmes foram caracterizados utilizando DRX, MEV, EDS, DTA, AFM e medidas elétricas. Palavras-chaves: Filme Supercondutor. BSCCO. Tratamento térmico. ABSTRACT With the evolution the technology, the application of superconducting films in microelectronics is of fundamental importance in the production of equipment with reduced size and lower power consumption. Among the several forms for the production of films it is highlighted the chemical deposition method. The main characteristics of such method are deposition, the reduced cost and the possibility of covering large areas. The central points of the study are: the development of a production methodology for films of the BSCCO superconducting system focusing on the phase which has the critical temperature around 110K, that is, the 2223 phase. Briefly, the method consists in depositing a polymer precursor solution, which is sintered based on the methodology developed by M. Pechini, on a crystalline substrate using the spin coating technique. Thus, the material is subjected to different heat treatments under several atmospheres. With this procedure is expect to obtain good quality films which in this case can be understood as a material that present homogeneity, crystallinity and suitable morphology. This last property is important for technological applications. To characterization the solution was made chemical analysis of atomic absorption, infrared, viscosity, pH and density. The films were characterized using XRD, SEM, EDS, DTA, AFM and electrical measurements. Keywords: Superconductor Film. BSCCO. Heat treatment. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 11 1.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ....................................................................... 11 1.1.1 Histórico da supercondutividade. ........................................................... 11 1.1.1.1 Descoberta da supercondutiviade por Heike Kamerlingh Onnes ........ 11 1.1.1.2 Efeito Meissner-Ochsenfeld .................................................................... 14 1.1.1.3 Teoria de London. .................................................................................... 16 1.1.1.4 A teoria de Ginzburg-Landau .................................................................. 18 1.1.1.5 Teoria BCS ................................................................................................ 20 1.1.1.6 Efeito Josephson ...................................................................................... 21 1.1.1.7 Supercondutores de alta temperatura crítica (HTS) .............................. 22 1.1.1.8 Aplicação e Futuro dos Supercondutores ............................................. 26 2 OBJETIVOS ............................................................................................... 30 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ....................................................................... 31 3.1 ASPECTOS BÁSICOS DA SUPERCONDUTIVIDADE .............................. 31 3.1.1 Resistividade nula e temperatura crítica supercondutora (Tc) ............. 31 3.1.2 Efeito Meissner- Ochsenfeld ................................................................... 36 3.1.3 Densidade de Corrente Crítica ................................................................ 41 3.1.4 Principais ideias da Teoria BCS .............................................................. 42 3.2 SISTEMA SUPERCONDUTOR BSCCO .................................................... 45 3.2.1 Estrutura cristalina ................................................................................... 45 3.2.2 Diagrama de Fases ................................................................................... 48 3.2.2.1 Cinética de cristalização de fases ........................................................... 51 3.2.2.2 Processos de Fusão no sistema BSCCO. .............................................. 53 3.2.2.3 Fusão completa ........................................................................................ 54 3.2.2.4 Decomposição peritética ......................................................................... 54 3.2.3 Diagrama de Fases de Filmes Finos. ...................................................... 59 3.3 MÉTODOS DE OBTENÇÃO DE SOLUÇÕES PRECURSORAS ............... 63 3.3.1 Sol-gel........................................................................................................ 63 3.3.2 Método Pechini ......................................................................................... 63 3.4 MÉTODOS DE DEPOSIÇÃO ..................................................................... 67 3.4.1 “Sputtering” .............................................................................................. 67 3.4.2 “Molecular Beam Epitaxy” (MBE) ........................................................... 67 3.4.3 “Dip-Coating” ............................................................................................ 68 3.4.4 “Spin-Coating” .......................................................................................... 70 4 MATERIAIS E MÉTODOS .......................................................................... 72 4.1 TÉCNICAS DE CARACTERIZAÇÃO ......................................................... 72 4.1.1 Espectroscopia Absorção Atômica ........................................................ 72 4.1.2 Infra-vermelho por Transformada de Fourier (FT-IR) ............................ 74 4.1.3 Difratometria de raios-X ........................................................................... 75 4.1.4 Microscopia Eletrônica de Varredura ..................................................... 76 4.1.5 Espectroscopia por Energia Dispersiva de raios-X ............................... 76 4.1.6 Caracterização Elétrica ............................................................................ 77 4.2 MÉTODOS QUÍMICOS PARA OBTENÇÃO DA SOLUÇÃO PRECURSORA .......................................................................................... 79 4.2.1 Cálculos Estequiométricos do material.................................................. 79 4.2.2 Produção de Pó. ....................................................................................... 81 4.3 DEPOSIÇÃO DO FILME ............................................................................ 83 4.3.1 Substrato de Silício (Si) ........................................................................... 83 4.3.2 Substrato de Aluminato de Lantânio (LaAlO3) ....................................... 84 4.3.3 Deposição por “spin-coating” ................................................................. 84 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................. 88 5.1 CARACTERIZAÇÃO DA SOLUÇÃO PRECURSORA ................................ 88 5.1.1 Espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FT-IR) ........................................................................................................ 88 5.1.2 Viscosidade, Taxa de cisalhamento e Tensão de cisalhamento .......... 89 5.1.3 pH e Densidade ......................................................................................... 91 5.2 CARACTERIZAÇÃO DO PÓ ...................................................................... 91 5.2.1 Absorção Atômica .................................................................................... 91 5.2.2 Análise Térmica (TGA e DSC) .................................................................. 92 5.2.3 Difração de Raios-X (DRX) ....................................................................... 96 5.2.4 MEV e EDS ................................................................................................ 97 5.3 CARACTERIZAÇÃO DOS FILMES .......................................................... 100 5.3.1 Difração de Raios-X (DRX) ..................................................................... 100 5.3.2 Microscopia Óptica ................................................................................ 108 5.3.3 MEV e EDS .............................................................................................. 111 5.3.4 AFM e Rugosidade ................................................................................. 118 5.3.5 Medidas Elétricas (4 pontas) ................................................................. 126 6 CONCLUSÃO ........................................................................................... 129 7 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS ........................................ 132 REFERÊNCIAS ........................................................................................ 133 APÊNDICE A.............................................................................................144 11 1. INTRODUÇÃO 1.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1.1.1 Histórico da supercondutividade 1.1.1.1 Descoberta da supercondutiviade por Heike Kamerlingh Onnes Em 10 de julho de 1908, o físico holandês Heike Kamerlingh Onnes (1853- 1926), em seu laboratório na Universidade de Leiden, liquefez pela primeira vez o hélio. Tal feito proporcionou o desenvolvimento da física de baixa temperatura. Em um relatório enviado para a Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences (KNAW), Onnes documenta a sua realização com grande detalhe.1; 2; 3; 4 Três anos mais tarde, em 1911, ao estudar as propriedades de alguns elementos químicos em baixa temperatura, Onnes notou que a resistência do mercúrio caia abruptamente a zero, abaixo de 4,2 K. Seus primeiros relatórios, enviados ao KNAW, sobre a resistência zero ou "supraconductivity", como ele preferiu chamá-la, são datados de 28 de abril e 27 de maio de 1911. A Figura 1 mostra uma foto do laboratório em Leiden, onde aparece Heike Kamerlingh Onnes (à direita) e Flim Gerrit (à esquerda), o seu técnico chefe, no liquefator de hélio.2; 5 Fotografia de Heike Kamerlingh Onnes (à direita) e Flim Gerrit, o seu Figura 1 - técnico chefe, no liquefator de hélio, no laboratório de Leiden, em 1908. Fonte: Retirado de Leiden Institute of Physics. 6 12 No caderno de registro número 56, mostrado na Figura 2, é anunciada a descoberta da supercondutividade em 1911. Traduzindo as anotações do holandês sobre esta descoberta diz: a temperatura medida foi bem sucedida. A resistividade do Mercúrio é praticamente zero [em 3K].1; 2 Fotografia das anotações do caderno de registro, numero 56, de Heike Figura 2 - Kamerlingh Onnes, indicando quando o mesmo observa a supercondutividade. Fonte: Retirado de Van Delft e Kes.2 Para saber o que aconteceu em 08 de abril de 1911, seguiu-se as notas do caderno de registro 56 de Onnes. O experimento iniciou às 07:00h e Kamerlingh Onnes chegou no laboratório quando a circulação de hélio começou às 11:20h. A resistência do mercúrio foi diminuindo com a temperatura. Depois de meia hora, a amostra de ouro estava em 140 K e, logo após meio dia, o termômetro chegou a 5K. A equipe estabeleceu que o hélio líquido não é um condutor elétrico, e eles mediram a sua constante dielétrica. Foram feitas medições precisas das resistências do mercúrio e do ouro em 4,3 K. Em seguida, reduziu a pressão de vapor do hélio, que começou a evaporar rapidamente. Eles mediram o seu calor específico e estabilizou em uma pressão de vapor de 197 mmHg (0,26 atmosferas), correspondendo a cerca de 3 K. Exatamente às 16:00h, segundo o caderno de registro de Onnes, as resistências do ouro e do mercúrio foram determinadas novamente, mostrando que a resistência do mercúrio marcava 0Ω.1; 2; 7 13 Desconfiados do resultado, no dia 23 de Maio, a precisão da tensão no sistema de medição foi melhorada. A equipe explorou temperaturas desde 4,3 K até 3,0 K, então retornou para uma temperatura maior. O experimento foi feito com o aumento da temperatura, pois dessa forma a temperatura varia lentamente e as medidas poderiam ser feitas sob condições mais controladas. Traduzindo do caderno de registro: a 4,00K não tem nada de aviso prévio de resistência crescente. Com 4,05K ainda nada. Em 4,12K a resistência começa a aparecer. Kamerlingh Onnes relatou ao KNAW, que ligeiramente acima de 4,2 K a resistência medida foi de 10-5Ω, mas dentro dos próximos 0,1K aumentou em um fator de quase 104, medindo 0,1Ω, como mostrada na Figura 3. 2; 5 Gráfico da resistência (Ω) em função da temperatura (K) para o mercúrio, Figura 3 - mostrando a transição supercondutora em 4,20K. Fonte: Adaptado de Kittel.8 Em 1913, Onnes foi laureado com o Prêmio Nobel em Física com a pesquisa intitulada "researches on the properties of matter at low temperatures."9 Onnes não parou seus estudos com a descoberta dos supercondutores e continuou pesquisando as suas propriedades e, em 1914, percebeu que um campo magnético aplicado sobre o material poderia destruir o efeito supercondutor, assim como a injeção de uma densidade de corrente. Observou-se também, que tais quantidades variavam com a temperatura. Ao campo e densidade de corrente acima 14 dos quais a supercondutividade é destruída foram denominados campo magnético crítico Hc, e densidade de corrente crítica Jc, respectivamente. Com base em um ajuste dos dados empíricos, foi possível quantificar a dependência com a temperatura como mostra a Equação 1.3; 10 (1) onde Hco é o campo magnético crítico à temperatura de referência. Onnes e sua equipe não só revelaram o fenômeno da supercondutividade, mas também estabeleceram alguns parâmetros que poderiam destruí-la, tais como: aumento da temperatura do material (maior Tc), aplicação de uma densidade de corrente muito intensa (maior Jc), ou aplicando um campo magnético muito intenso (maior Hc). A liquefação do hélio é, em si, um problema muito interessante que foi o foco da atenção de muitos físicos entre os séculos 19 e 20. Por 15 anos, o laboratório de Leiden teve o monopólio da investigação na temperaturas do hélio líquido. Entre 1923 e 1925, o hélio líquido foi obtido em outros dois laboratórios, em Berlim e Toronto, respectivamente. Na União Soviética, um equipamento adequado foi construído no ano de 1930 no laboratório da Kharkov Physical Engineering Institute.1 1.1.1.2 Efeito Meissner-Ochsenfeld Após a Segunda Guerra Mundial, um novo ramo da indústria apareceu e começou a produzir máquinas de liquefação de hélio, a partir de então, muitos laboratórios começaram a produzir hélio líquido. As dificuldades técnicas e a complexidade do fenômeno físico prejudicaram a disseminação de conhecimento no campo da supercondutividade. Passaram-se 22 anos da descoberta da supercondutividade para que a segunda propriedade fundamental dos supercondutores fosse revelada. Esta propriedade foi relatada em 1933 por dois físicos alemães, Walther Meissner (Meißner) e Robert Ochsenfeld, mostrado na Figura 4, quando estudavam monocristais de estanho.11; 12 A supercondutividade, até então, era conhecida como um simples desaparecimento de resistência elétrica, contudo, este é um fenômeno mais complexo.1; 5; 13 15 Fotografia de Walther Meissner e Robert Ochsenfeld. Figura 4 - Fonte: Retirado de Eck.14 A proposta teórica feita teve como princípio o diamagnetismo perfeito que é uma das assinaturas da supercondutividade, conforme mostrado na Figura 5 e ocorre devido a correntes de blindagem superficiais ou supercorrentes, que percorrem o material gerando um campo magnético induzido, que se opõe ao campo magnético, no qual o material está imerso, impedindo a penetração deste no seu interior.13; 15; 16; 17 Esquema do Efeito Meissner, o material está no estado supercondutor Figura 5 - com aplicação de um campo magnético externo, Bext, devido o campo magnético externo é gerado uma magnetização do supercondutor Bm. Fonte: Retirado de Eschring.18 Os pesquisadores naquela época se confundiam, com frequência, devido a outras quedas de resistência causadas por um curto circuito comum, com o 16 fenômeno da supercondutividade. Para provar a existência de supercondutividade, é necessário, pelo menos, que as duas principais propriedades sejam observadas. Uma experiência bastante interessante demonstrando o efeito Meissner é ilustrada na Figura 6, onde um supercondutor levita sobre um ímã permanente que por sua vez está imerso em nitrogênio líquido. Tal experimento foi realizado pelo físico russo, VK Arkadyev, em 1945.1 Fotografia de um supercondutor levita sobre um ímã permanente que por Figura 6 - sua vez está imerso em nitrogênio líquido. Fonte: Retirado de Blundell.5 Na busca para encontrar supercondutores com alta temperatura crítica, os pesquisadores investigaram, em primeiro lugar, os elementos metálicos. Surpreendentemente, verificou-se que a supercondutividade não era um fenômeno raro e hoje sabe-se que mais de três dezenas de elementos apresentam tal fenômeno, embora alguns, como o silício, só se tornam supercondutores sob aplicação de uma pressão extrema (10 GPa) que tem o propósito de modificar sua estrutura cristalina, que, no caso exemplificado, obtendo um arranjo hexagonal que é a que apresenta a propriedade supercondutiva.19 Os extremos da faixa de temperatura crítica dos metais são 0,01K para o tungstênio, no limite inferior, e 9,3 K para o nióbio, no limite superior. Talvez ainda mais interessante tenha sido a descoberta de que os melhores condutores (por exemplo, Cu, Ag, Au e Pt) não apresentam supercondutividade sob quaisquer condições.3; 10; 12 1.1.1.3 Teoria de London A primeira explicação teórica do comportamento de um supercondutor na presença de um campo magnético aplicado foi dada na Inglaterra, no ano de 1935, 17 por dois físicos irmãos, de origem alemã, Fritz London e Heinz London. Tais explicações, possuem base empírica e não foram deduzidas a partir de quaisquer mecanismos microscópicos. Assim, como é possível projetar sistemas usando a lei de Ohm, sem um conhecimento detalhado dos processos de condução, podemos calcular e estimar parâmetros relevantes de um sistema supercondutor (comprimento de penetração de campo magnético), utilizando as teorias de London.5; 13; 15 Fotografia de Fritz London e Heinz London. Figura 7 - Fonte: Retirado de Blundell5. Os irmãos London, mostrado na Figura 7, tiveram a percepção de que a Teoria de Maxwell do eletromagnetismo não tinha uma solução plausível para a supercondutividade e que algo mais era necessário. Concluíram, então, que a corrente elétrica em supercondutores está associada com um campo magnético, sendo esse o ingrediente chave para a produção da equação que permitiu-lhes mostrar que campos magnéticos são excluídos do interior do supercondutor, como Meissner e Oschenfeld tinham encontrado, e que os mesmos podem penetrar a uma distância muito curta da superfície. Essa distância foi relacionada à massa efetiva dos portadores (elétrons ou buracos), e a densidade dos portadores supercondutores, elementos que foram incluídos no modelo denominado de dois fluidos. Posteriormente, esta distancia foi chamada de profundidade de penetração de London12, tendo sido essa propriedade medida em todos os supercondutores conhecidos.5; 11 18 1.1.1.4 A teoria de Ginzburg-Landau Ginzburg estava trabalhando em supercondutividade em meados de 1940, na tentativa de generalizar o trabalho de London. Em meio a esses estudos Ginzburg ficou muito impressionado com o trabalho de Landau sobre transições de fase e estava pensando em como aplicá-lo à transições de fase dentro de supercondutores. Os dois, Ginzburg e Landau, mostrado na Figura 8, trabalharam no problema em conjunto e o resultado é, agora, conhecido como a teoria de Ginzburg-Landau. Esta foi publicada em 1950, sete anos antes da teoria BCS.13; 20 Fotografia de Lev Landau e Vitaly Ginzburg. Figura 8 - Fonte: Retirado de Nobelprize.org9. A grande ideia de Ginzburg foi aplicar o modelo de Landau para os supercondutores supondo que o modelo dos elétrons supercondutores pode ser descritos por uma função de onda efetiva Ψ, também conhecida como parâmetro de ordem, e considerar a energia em termos de uma propriedade |ᴪ|2 que representam os portadores supercondutores por unidade de volume, ou seja |ᴪ|2 é igual à densidade de superelétrons (ns). Assumido que a energia livre do estado supercondutor difere do metálico por uma quantidade que pode ser escrita em séries de potência de |Ψ|2. O parâmetro de ordem deve obedecer as seguintes condições, mostrado na Equação 2: (2) 19 A Equação 2 mostra que não há portadores supercondutores acima da temperatura crítica, porém, abaixo de Tc esse valor se difere do nulo, como mostra a Figura 9.5; 21 Gráfico que exemplifica a distribuição dos portadores supercondutores em Figura 9 - função da temperatura. Fonte: Retirado de Blundell.5 Landau não estava convencido e colocou um argumento de que invariância de calibre da sua teoria ruiria se os portadores de cargas supercondutores (e*) não fossem a carga do elétron (e). Então, posteriormente se descobriu que, a partir da teoria BCS, por causa do emparelhamento de elétrons, a carga do portador supercondutor é precisamente o dobro da carga eletrônica. Ginzburg escreveu mais tarde, Landau estava certo no sentido de que o e* deve ser a carga universal e eu estava certo na medida em que não é igual a e. No entanto, a idéia aparentemente simples que ambos os requisitos são compatíveis e que e*=2e não ocorreu a nenhum de nós.5 Lev Gor'kov mostrou, em 1959, que as equações de Ginzburg-Landau podiam ser derivadas da teoria BCS. Em decorrência desta teoria, Landau foi agraciado com o Prêmio Nobel em 1962.9 Infelizmente, ele não pode recebê-lo. No início daquele ano, um acidente de carro em uma estrada coberta por gelo entre Moscou e Dubna o deixou em coma por vários meses e ele nunca se recuperou devidamente, morreu seis anos depois. Ginzburg teve que esperar muito tempo para ser contemplado com o Nobel e aos 87 anos, ele recebeu o prêmio no ano de 2003.20 20 1.1.1.5 Teoria BCS A teoria que descreve o mecanismo de como a supercondutividade microscópica ocorre foi publicada em 1957 por três físicos norte-americanos, J. Bardeen, L. Cooper e JR Schrieffer, mostrado na Figura 10, posteriormente a teoria foi nomeada BCS (a sigla é derivada das primeiras letras de seus nomes). Alguns livros descrevem5; 7; 22 que Robert Schrieffer teve a ideia inicial. Aparentemente aconteceu enquanto ele estava pensando sobre o problema em um trem de metrô de Nova Iorque. De repente, ele percebeu como escrever a função de onda que descreve o estado supercondutor e surpreendentemente era necessário considerar os elétrons aos pares como Leon Cooper havia previsto. Então, já não poderia ser considerado um modelo de elétron isolado, que foi a base da física do estado sólido onde, um elétron não forma um par ligado com elétron. No estado supercondutor, um enorme número de elétrons atua coletivamente, como se cada um fizesse parte de um todo maior, inseparáveis, pois os pares interagem entre si, ou seja, quando isso acontece, alguns pares de Cooper não são aniquilados pela agitação térmica. Mesmo que os elétrons de um par se choquem com átomos da rede, não haverá troca de energia entre eles. Schrieffer tinha descoberto o que se tornou conhecida como a função de onda BCS.5; 7; 10; 13; 23 Fotografia dos autores da Teoria BSC - John Bardeen (a esquerda), Leon Figura 10 - Cooper (no meio) e Robert Schrieffer (a direita), em 1972. Fonte: Retirado de Blundell.5 21 A teoria BCS funcionou. Seu trabalho foi publicado na Physical Review em 195724 e foi imediatamente considerada uma obra-prima. A teoria BCS explica a maioria das propriedades que foram observadas em supercondutores até aquele momento e em 1972 seus inventores ganharam o Prêmio Nobel9. Bardeen tornou-se a primeira pessoa a ganhar dois prêmios Nobel no mesmo campo, e a única pessoa a alcançar tal feito em física. A teoria BCS é justamente considerada como um dos grandes triunfos do século 20 da física teórica.23 1.1.1.6 Efeito Josephson Josephson, mostrado na Figura 11, tinha identificado um problema muito importante e isso o levou a uma percepção brilhante, a partir da teoria de Ginzburg- Landau onde dizia que a condução por super-correntes é descrita por uma função de onda. Ele percebeu que, apesar da fase da função de onda dentro de um supercondutor ser fixa e uniforme, a fase da função de onda em um outro pedaço do mesmo supercondutor também seria fixa e uniforme, mas poderia ter um valor diferente do primeiro. Se estes dois pedaços supercondutores forem colocados em uma estreita proximidade um do outro, separados por uma fina barreira não supercondutora, então a diferença de fase da função de onda entre eles teria efeitos observáveis. Ele realizou um cálculo do tunelamento quântico-mecânico entre os dois supercondutores e descobriu que uma corrente espontânea líquida teria que fluir de um para o outro e, que estaria diretamente relacionada com a diferença nos valores da fase pelos dois supercondutores, que consiste no efeito Josephson estacionário, ou seja, entre a barreira isolante será gerada uma ddp devida a diferença de fase dos dois pedaços supercondutores.12; 23 22 Fotografia do físico Norte-americano Brian David Josephson. Figura 11 - Fonte: Retirado de Nobelprize.org9. O Prêmio Nobel de Física de 1973 foi dividido com Leo Esaki e Giaever Ivar por suas descobertas experimentais sobre fenômenos de tunelamento em semicondutores e supercondutores, respectivamente, e a outra metade para Brian David Josephson por suas previsões teóricas das propriedades de uma super- corrente através da barreira de tunelamento em supercondutores, esse fenômeno é geralmente conhecidos como efeito Josephson9. 1.1.1.7 Supercondutores de alta temperatura crítica (HTS) No inicio da década de 1980, os supercondutores tinham um quadro teórico estabelecido pela teoria BCS, complementada pelas ideias de Ginzburg e Landau, que explicou tudo o que havia sido descoberto até então. A teoria BCS deixou pouca esperança de que seria possível encontrar supercondutores de temperatura crítica muito maior que 30K pois, nesta teoria, a temperatura de transição é definida por vários parâmetros, tais como a energia das vibrações da rede e a energia de gap dos pares de Cooper, e estes parâmetros e não aumentaria além do que já havia sido encontrado. A temperatura de transição recorde era de 23,2K (no Nb3Ge), descoberto em 1973 pelo físico norte americano B. T. Matthias.11; 23 Não foi, portanto, uma grande surpresa que um supercondutor de alta temperatura não havia sido descoberto e não havia absolutamente nenhuma razão para esperar que tal descoberta fosse possível. 23 No entanto, o verdadeiro avanço ocorreu a partir de outra direção, inteiramente inesperada, exceto para dois físicos alemães que trabalhavam para a “International Business Machines” (IBM) chamados Karl Alex Müller e Johannes Georg Bednorz. A IBM tinha uma série de laboratórios de pesquisa em diferentes partes do mundo que levaram a uma variedade de avanços da pesquisa nas áreas da Ciência. Müller começou a estudar as perovsquitas que é um tipo de óxido, publicado sua descoberta em 1830 pelo geólogo Gustav Rose, encontrado em certos minerais e nomeado pelo mineralogista russo Count Lev Aleksevich von Perovski.25 Müller se interessou porque ele tinha um palpite de que devido as propriedades vibracionais da rede poderiam mostrar comportamento elétrico interessante.12 Outras descobertas na literatura científica a partir do início da década de 70, como o titanato de lítio, uma perovsquita relatada por David Johnston26 (Tc=13,7K), outro óxido de um composto de bário, chumbo, bismuto, e oxigênio (BaPb0.75Bi0.25O3), foi encontrado por Arthur Sleight (Tc=15,5K).27 Desde então eles foram à procura de materiais em que as vibrações da rede e os elétrons fossem fortemente acoplados. No entanto, no final do ano de 1985, descobriram um artigo de um grupo francês na qual estudava uma perovsquita contendo bário, lantânio, cobre e oxigênio. Os cientistas franceses tinham encontrado que essas amostras tinham comportamento metálico entre 100oC e 300oC, mas não realizaram medidas em baixas temperaturas, pois eles estavam mais interessados nas propriedades de alta temperatura, em particular, no seu possível uso em catálise (como um agente para acelerar certas reações químicas).23 Bednorz e Müller decidiram imediatamente preparar amostras de óxido (LaBaCuO) contendo os mesmos elementos que no relatório francês, mas variando a razão de bário para lantânio a fim de mudar o estado de carga do cobre.28 Em meados de Janeiro de 1986, Bednorz e Müller encontraram os óxidos supercondutores de alta temperatura critica (HTS) e com a otimização da composição conseguiu aumentar a temperatura crítica para 30K a Tc deste material. Esta foi uma temperatura completamente sem precedentes, mas eles estavam preocupados em serem precipitados para anunciar o resultado, pois nos últimos anos outros pesquisadores publicaram uma enxurrada de declarações errôneas sobre a supercondutividade de alta temperatura que acabaram por ser irreproduzíveis. Por isso, eles estavam ansiosos, mas foram auto-críticos. Além disso, não tinham realizado nenhuma medida magnética em seu laboratório e por 24 isso ainda não poderiam demonstrar o efeito Meissner. No entanto, em abril de 1986 eles decidiram que era hora certa de apresentar um artigo para um jornal e relatar o que tinham descoberto. Em 1987 A Academia Real Sueca de Ciências decidiu atribuir o Prêmio Nobel de Física ao Dr. Johannes Georg Bednorz e Professor Dr Karl Alexander Müller, mostrado na Figura 12, da IBM Zurich Research Laboratory, na Suíça, pelo importante avanço na descoberta da supercondutividade em materiais cerâmicos.9; 11; 12; 23 Fotografia de Dr. Karl Alexander Müller (à esquerda) e Dr. Johannes Figura 12 - Georg Bednorz (à direita), em seu laboratório na Suíça, em 1987. Fonte: Retirado de Blundell.5 Nos anos seguintes houve um alvoroço. Novos supercondutores eram descobertos a cada semana; grupos de todo o mundo abandonaram seus programas de investigação existentes e se direcionaram para supercondutividade de alta temperatura, novos institutos foram fundados, muito dinheiro investido, e centenas de trabalhos foram publicados. Os óxidos supercondutores eram relativamente fáceis de fazer, mas também fácil de enganar, e ninguém tiveram muito tempo para verificar se as amostras foram da melhor qualidade possível. Assim, muitos dos resultados iniciais foram enganosos e/ou incorretos.11 Em 1987 os físicos Paul Chu e M. K. Wu, da Universidade de Houston, descobriu o sistema composto por Y-Ba-Cu-O com uma Tc de 92K, o primeiro com temperatura crítica maior que do nitrogênio líquido.23; 29 No ano de 1988 foi descoberto o composto supercondutor Bi-Sr-Ca-Cu-O com Tc de 110K (fase 2223) por H. Maeda no Tsukuba Laboratories, Japão.12; 30 25 Já em 1993 A.O. Schilling, M. Cantoni, J.D. Guo, e H.R. Ott em Zurich, Suíça, produziu um supercondutor de mercúrio, bário, cálcio e cobre, (HgBa2Ca2Cu3O8) com temperatura máxima da transição de 133K.31 O valor recorde conhecido até hoje é de 138K para o composto HgBa2Ca2Cu3O9-x, produzido no ano de 1993.32 A Tc deste supercondutor cerâmico foi confirmada pelo Dr. Ron Goldfarb, no National Institute of Standards and Technology no Colorado, em fevereiro de 199433. Sob pressão extrema de 300.000 atmosferas sua Tc pode ser elevada entre 25K e 30K, podendo chegar a 158K. No final de 2000, foi relatada a notícia de que um cientista japonês teria encontrado um supercondutor novo e que a descoberta causaria uma reviravolta no campo da supercondutividade. Jun Akimitsu fez o anúncio em uma conferência em Tóquio, no Japão, em janeiro de 2001. Descobriu-se que ele tinha tentado isolar um composto mais complicado, mas que a sua amostra teve uma fase de impureza em que ela parecia ser supercondutora em 39K. Ele isolou a impureza e deparou-se com o diboreto de magnésio (MgB2). Este composto extremamente simples já era conhecido a vários anos e estava precipitado em frascos de produtos químicos em praticamente todos os laboratórios de química do mundo. Nunca ninguém tinha pensado em medir a condutividade elétrica em baixa temperatura e, portanto, há quase 50 anos, este supercondutor tinha permanecido desconhecido.34 A Figura 13 mostra a evolução cronológica da descoberta de supercondutores. Gráfico da evolução cronológica da temperatura crítica dos Figura 13 - supercondutores. Fonte: Adaptado de Ferreira.35 26 1.1.1.8 Aplicação e Futuro dos Supercondutores O primeiro congresso da Sociedade Americana de Física em supercondutores de alta temperatura, foi realizado em 1987 no Hotel Hilton em Nova Iorque e nomeado como o "Woodstock of Physics", uma foto do evento é mostrado na Figura 14. Entusiasmados com a descoberta de supercondutores de alta temperatura (HTS) no ano anterior, mais de 3.000, físicos espremidos em uma sala de reunião do hotel e se apertando nos corredores, para ter o privilégio de ouvir as descobertas, em primeira mão, como a de Bednorz e Müller, Paul Chu e M. K. Wu.11 Fotografia do "Woodstock of Physics", realizado no ano de 1987 no Hotel Figura 14 - Hilton em Nova Iorque. Fonte: Retirado de Blundell.5 Vinte e quatro anos depois do "Woodstock of Physics", os supercondutores de baixa temperatura (LTS) e os HTS estão um pouco longe de fazer parte do dia a dia das pessoas. Mas já podemos encontrar supercondutores sendo utilizados, talvez a aplicação mais conhecida da tecnologia em supercondutores é na produção de altos e estáveis campos magnéticos necessários para obter Imagem por Ressonância Magnética e Ressonância Magnética Nuclear.23 Normalmente os magnetos utilizados nestes equipamentos são normalmente feitos com supercondutores de baixa temperatura.1 Outra aplicação dos supercondutores é na transmissão de energia elétrica sem perdas por efeito Joule. O primeiro sistema de cabo de transmissão de energia por supercondutor do mundo foi instalado em Long Island Power Authority’s (LIPA) em abril de 2008, onde uma foto pode ser vista na Figura 15. Este sistema consiste de 27 três cabos em paralelo com passagem subterrânea e é capaz de conduzir 574 megawatts.36 Fotografias dos cabos supercondutores instalado em Long Island Power Figura 15 - Authority’s (LIPA) em abril de 2008. Fonte: Retirado de American Superconductor.36 Além do LIPA, a empresa American Superconductor também foi escolhida para a realização do Projeto “Tres Amigas LLC”, que unirá redes elétricas dos Estados Unidos da América. Utilizando os últimos avanços tecnológicos em transmissão de energia elétrica, “Tres Amigas” está focada em fornecer a primeira interconexão entre usinas de energia renovável (eólica e solar). Ao contrário da rede elétrica tradicional, esta vai conduzir a energia em corrente continua (DC), em vez de corrente alternada. Ela será localizada em Clovis, Novo México. Desenvolvido ao longo da última década, a tecnologia em cabo supercondutor proporciona transportar gigawatts de energia com 100% de eficiência entre cada uma das SuperEstações.36; 37 Futuros promissores para aplicações industriais e comerciais de HTS incluem aquecedores por indução, transformadores, limitadores de corrente, armazenamento de energia, motores, geradores e dispositivos de levitação magnética (Maglev).23 Centenas de protótipos supercondutores estão em desenvolvimento, um deles é o super-nobreak, utilizado para proteção de instalações industriais, como em empresa de armazenamento de dados e servidores de internet, onde não podem ocorrer quedas instantâneas de tensão e exige potência elétrica de saída muito alta. Um Sistema Supercondutor de Armazenamento de Energia Magnética (Superconducting Magnetic Energy Storage System (SMES)), é composto por bobinas supercondutoras, quando ocorre a queda de tensão a energia armazenada nessas bobinas supercondutoras é liberada de volta a rede com 95% de eficiência em um tempo de milésimo de segundo, o supercondutor utilizado na bobina deve 28 suportar alta corrente durante a operação e requer alta confiabilidade38. O desenvolvimento de supercondutores com capacidade de gerar campos magnéticos altos é indispensável para tornar os SMES cada vez menores. Atualmente está em desenvolvimento um fio supercondutor de Bi-2212 que tem como propriedade alta densidade de corrente crítica (Jc) sobre alto campo magnético. Ele pode transportar mais de 200 kA/cm2 em um campo magnético de 10 T e 180 kA/cm2 em um campo 20 T a 4,2K, que excede a capacidade de transporte de corrente de todos os supercondutores metálicos convencionais.39 A preparação e investigação de filmes finos supercondutores são de grande importância para a pesquisa básica e aplicações futuras da supercondutividade. O crescimento epitaxial de filmes finos e heteroestruturas oferecem a possibilidade de estudar em detalhe as propriedades dos supercondutores. Pesquisadores estão aperfeiçoando métodos para obter películas muito finas à base dos clássicos materiais supercondutores, como YBCO e BSCCO. Depositados sobre uma base de silício, esses filmes poderão ser usados em tecnologias de comunicação por microondas, chips para supercomputadores e em SQUIDs (Superconductor Quantum Interference Device) sendo este último, basicamente, um medidor de campos magnéticos extremamente fracos, da ordem de10-15 T, que possuem diversas aplicações na Medicina, dentre várias outras aplicações importantes.12; 23; 39 Atualmente, o interesse não está tão somente limitado a obter um material com elevada temperatura crítica (Tc), mas sim, as propriedades além da supercondutividade, tais como transporte de corrente elétrica, campos magnéticos e estrutural. Entre as propriedades mais importantes procuradas, destacam-se a densidade de corrente elétrica crítica, elevado campo magnético crítico e a maleabilidade do material.4; 40 A partir dessas propriedades podemos direcionar a preparação e síntese dos materiais visando algumas aplicações tecnológicas. No entanto, para tornar possíveis essas aplicações necessita-se desenvolver uma metodologia para obter materiais de boa qualidade a um custo reduzido ou viável, compatível com os respectivos benefícios. Dentro do interesse em aplicações tecnológicas na área de eletrônica, os materiais supercondutores na forma de filmes finos são extremamente importantes e indispensáveis. Assim, sabe-se que, basicamente, existem dois processos para a obtenção de filmes de boa qualidade, os físicos e os químicos. Porém, embora, os processos físicos produzam filmes de boa qualidade, não deixam de ser extremamente 29 dispendiosos devido aos equipamentos e condições exigidas (alto vácuo, pureza, etc)41. Por outro lado, os processos químicos têm apresentado, em alguns casos, resultados também muito interessantes e com a vantagem de utilizarem equipamentos não tão custosos quanto no processo anteriormente citado, além do que, pode-se ter uma reprodutibilidade mais aceitável também.41; 42 Desta forma, considerando que os processos químicos podem ser aplicados na obtenção de filmes supercondutores de alta qualidade com custo reduzido, reprodutibilidade e expectativa de aplicabilidade dentro de uma linha de produção, é interessante o desenvolvimento de uma pesquisa integrando, pelo menos, duas propriedades importantes nestes filmes, ou seja, elevadas Jc e Tc. Então, considerando os diversos trabalhos desenvolvidos com materiais supercondutores do sistema a base de Bi, isto é, BiPbSrCaCuO - BPSCCO, propusemos neste trabalho um estudo sistemático da influência dos tratamentos térmicos, através de processos químicos para a obtenção de filmes finos supercondutores da fase 2223 com Tc =110K. 30 2. OBJETIVOS Os objetivos do presente trabalho foram preparar filmes supercondutores usando processos eficientes e econômicos (Pechini). Estes filmes foram caracterizado as suas propriedades químicas e morfológicas na solução; foi estudada a influência de tratamentos térmicos com o propósito de formar a fase 2223, e efetuar caracterizações químicas e estruturais em filmes a fim de melhorar a qualidade, isto é, visando as propriedades elétricas e magnéticas para aplicações em dispositivos eletrônicos. 31 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ASPECTOS BÁSICOS DA SUPERCONDUTIVIDADE 3.1 As propriedades físicas de um supercondutor vão muito além de sua capacidade de conduzir eletricidade sem resistência. Nesta seção, vamos explicar algumas dessas propriedades. Resistividade nula e temperatura crítica supercondutora (Tc) 3.1.1 Uma das propriedades da supercondutividade é a queda abrupta da resistividade a zero abaixo de certa temperatura, denominada como temperatura crítica Tc, ilustrado na Figura 16. Este fenômeno não ocorre em todos os materiais, alguns metais como o ouro e o cobre não tem sua Tc determinada pois são materiais normais, ea resistividade de tais materiais em função da temperatura é dada pela Equação 3:41 )1(0 TTT (3) onde; T é a resistividade à temperatura T, 0 é a resistividade residual, T é o coeficiente de temperatura e T é a temperatura do material. 32 Gráfico do esquema da diferença entre um metal e um supercondutor. Figura 16 - Fonte: Esquema adaptado de Eck.14 No condutor normal a resistência característica em baixa temperatura é chamada de resistência residual (ρ0). Na supercondutividade, este fenômeno é descrito como segue: um material está no estado normal e no estado supercondutor, a uma temperatura superior e a uma inferior a Tc, respectivamente. Ambos os estados são chamados de fases e a Tc do material é muitas vezes chamada de temperatura de transição de fase.1; 11 Uma análise detalhada mostra que tal transição supercondutora ocorre em uma faixa de temperatura bem definida, como poder ser visto na Figura 17. A resistividade vai a zero independentemente da "pureza" da amostra, mas quanto mais uniforme e perfeita é a amostra, mais nítido é o salto da resistência. A largura do salto pode variar em um centésimo de Kelvin (curva 1) ou salto pode chegar a dezenas de Kelvins (curva 2).1 33 Esquemas de uma transição supercondutora, mostrando a dependência Figura 17 - da resistência pela temperatura, para a amostra 1 ("pura") e amostra 2 ("com impureza"). Fonte: Retirado de Ginzburg e Andryushin.1 Há vários método de determinar Tc a partir de gráficos da resistência pela temperatura, R(T). O método utilizado no presente trabalho é fazer, a partir do gráfico de R(T) a derivada da resistência com relação a temperatura. A Figura 18 exemplifica uma derivada dR(T)/dT. Gráfico da derivada da resistência pela temperatura de uma transição Figura 18 - supercondutora. Fonte: Retirado de Poole.11 34 De posse do gráfico que apresenta a derivada da resistência elétrica em função da temperatura, são definidos três pontos diferentes, Tc on (onset), Tc mid (midpoint) e Tc off (offset), aos quais pode-se associar à transição supercondutora. A partir da Figura 18 pode-se ver que, pela derivada da resistência, consegue-se determinar Tc on e Tc off, sendo que o ponto máximo é definido pelo Tc mid onde, neste trabalho adota-se, como a Tc da amostra.11 Na Tabela 1 são apresentado valores de Tc para diferentes elementos puros e composto. Tabela 1:Valores da temperatura crítica para diferentes elementos puros e compostos. Material Temperatura Crítica (K) Zircônio 0,8 Zinco 0,88 Alumínio 1,19 Estanho 3,72 Mercúrio 4,15 Tântalo 4,5 Chumbo 7,2 Nióbio 9,3 YBa2Cu3O7 92 Bi2Sr2Ca2Cu3O10 110 Tl2Ba2Ca2Cu3O10 125 HgBa2Ca2Cu3O 135 Fonte: Retirado de Poole.11 Para supercondutores de baixa temperatura crítica (<30K) tem-se a seguinte equação derivada da teoria BCS que prevê que o "gap" de energia é proporcional ao valor da temperatura crítica. Quanto maior o "gap", maior a temperatura de 35 transição. A previsão da teoria, obtida de uma análise rigorosa da interação elétron- fônon, é que essa relação deve ser a Equação 4.43;7; 44 cBGAP TE k2 7 (4) onde kB = Constante Boltzmann EGAP = Energia do gap Tc = Temperatura crítica Os cálculos experimentais confere com essa previsão, como mostra a Figura 19. A linha reta é a previsão teórica (Equação 4) e os pontos mostram a energia do "gap" medida para vários supercondutores. Gráfico da energia de gap pela temperatura crítica. Figura 19 - Fonte: Retirado de Cyrot.12 Já para os supercondutores de alta Tc (Tc >30K), não existe uma equação semelhante. Sabe-se apenas que em temperaturas abaixo de Tc os elétrons percorrerão o material sem perda de energia pelo efeito Joule, provavelmente devido à formação dos pares de Cooper. No entanto, não existe nenhuma teoria que explique a formação desses pares, sendo assim, para os supercondutores de alta Tc não é possível calcular sua temperatura crítica.1 12 B 36 Efeito Meissner- Ochsenfeld 3.1.2 3.1.2.1 Supercondutor tipo I. O efeito Meissner, é a expulsão completa do fluxo magnético do interior de um supercondutor. É o responsável pela incrível capacidade dos supercondutores de levitarem em cima de ímãs ou vice-versa. O campo magnético não penetra em um supercondutor devido a correntes elétricas induzidas que percorrem toda a sua superfície resultantes da lei de Faraday. Essas correntes são conhecidas como correntes de blindagem e produzem um campo magnético em sentido oposto ao campo magnético aplicado.7; 10 A expulsão completa dá ao supercondutor uma característica única que é o de ser um diamagnetismo perfeito. Há dois aspectos do diamagnetismo perfeito em supercondutores. O primeiro é a exclusão do fluxo magnético: Se um material no estado normal é resfriado sem aplicação de campo magnético externo abaixo de Tc (zero field cooled-ZFC), e é então aplicado um campo magnético externo, o campo irá ser excluído do supercondutor. O segundo aspecto é a expulsão do fluxo magnético: Se o mesmo material no seu estado normal, é colocado num campo magnético, o campo vai penetrar no material e tem quase o mesmo valor dentro e fora. Se este material é então resfriado abaixo de Tc com campo magnético externo aplicado (field cooled- FC), o campo magnético externo será expelido do material, pelo efeito Meissner. ZFC e FC conduz ao mesmo resultado (ausência de fluxo magnético no interior, abaixo Tc). 1; 15 Estes dois processos são mostrados na Figura 20. 37 Efeito do resfriamento abaixo de Tc sem campo magnético externo (ZFC) Figura 20 - e com campo magnético externo aplicado (FC) em um supercondutor. Fonte: Adaptado de Ferreira35. O efeito Meissner mostra que um supercondutor não é idêntico a um condutor perfeito que obedece às leis do eletromagnetismo de Maxwell. Um condutor perfeito só consegue reagir a uma variação de fluxo magnético no seu interior. Um supercondutor, reage à variação de fluxo magnético ou simplesmente à presença de um campo magnético estático, excluindo todo o campo magnético de dentro do material se T100 (4 K) ~107 (4,2K) Bi2Sr2Ca2Cu3Ox 108 ~0.2 (77 K) >100 (4 K) ~106 (4,2K) MgB2 39 8 (4 K) 15 (4 K) ~106 (4,2K) Fonte: Adaptado de Larbalestier.45 Principais ideias da Teoria BCS 3.1.4 A teoria BCS da supercondutividade, descreve com sucesso as propriedades medidas em supercondutores. Ela prevê condução sem resistência de pares de elétrons, chamados pares de Cooper. Para esta teoria é interessante olhar para o conjunto de ideias que levaram a ela. 43 No trabalho é feita a descrição simplificada, onde não são explanados os fenômenos quânticos. Em muitos supercondutores, a interação atrativa entre elétrons (necessária para o emparelhamento) é provocada indiretamente pela interação entre os elétrons e a vibração da rede cristalina (os fônons). O movimento dos elétrons livres (a corrente elétrica) sofre oposição devido a presença de impurezas ou imperfeições na rede cristalina e às vibrações térmicas que deslocam os elétrons de suas posições de equilíbrio. Estes dois efeitos que destroem a perfeita periodicidade da rede cristalina causam espalhamento dos elétrons de condução (livres) em outras direções diferentes daquela da corrente elétrica, quando aplicado um campo elétrico. Esta oposição à corrente elétrica é conhecida como resistividade elétrica. Quando ocorrem os choques dos elétrons com os íons da rede, o momento linear é conservado, ou seja, a energia cinética perdida do elétron é transmitida para rede por uma interação chamada de elétron- rede formando, assim, uma vibração na rede cuja energia é quantizada e denominada de fônon. Um fônon pode ser considerado uma partícula resultante da quantização de uma onda sonora oriunda das vibrações de uma rede cristalina. Fröhlich em 1950 demonstrou que a interação elétron-fônon poderia ocasionar uma ligação atrativa entre dois elétrons. Posteriormente Bardeen desenvolveu uma teoria relatando que o elétron muda seu comportamento em decorrência da sua interação com os fônons da rede cristalina ocasionando controvérsias na comunidade acadêmica, pois como poderia contradizer um dos conceitos fundamentais da Lei de Coulomb onde duas cargas de sinais iguais devem se repelir. Os estudos de interação elétron-fônon relataram que tal interação pode resultar em uma ligação atrativa entre dois elétrons no interior de uma rede cristalina. Quando a rede cristalina de um material supercondutor é resfriada há a diminuição da vibração dos átomos, ou seja a energia térmica do sistema. Sendo uma rede cristalina com íons positivos e dois elétrons percorrendo (Figura 25a), onde pode ocorrer uma ligeira distorção da mesma (os íons se deslocam de sua posição de equilíbrio) provocada pela atração coulombiana entre os elétrons e os íons situados nas suas vizinhanças imediatas (Figura 25b). Sendo assim, a densidade das cargas positivas próximas aos elétrons torna- se maior do que a densidade das cargas positivas mais afastadas. Esta variação de densidade é instável e a rede cristalina deverá sofrer um processo de relaxação 44 emitindo um fônon com uma frequência característica deste processo. Caso outro elétron “note” a rede distorcida antes do retorno dos íons à posição normal na rede (por serem partículas pesadas, os íons possuem uma inércia maior que os elétrons, demorando certo tempo para retornar a posição original) onde eles serão atraídos por esse excesso de polarização de cargas positivas, esta atração poderá superar a repulsão coulombiana entre os elétrons, produzindo, portanto, uma atração efetiva entre eles formando, assim, os pares de Cooper (Figura 25c). Esses pares de elétrons tem por característica spins e momentos lineares opostos (não obedece ao princípio de exclusão de Pauli). Quando tais forças dominam a cinética dos elétrons, o material é supercondutor.43; 47 Ilustração da formação dos pares de Cooper.(a) inicio da corrente,(b) formação Figura 25 - do fônon e (c) formação do par de Cooper. Fonte: Retirado de Torsoni.43 A teoria BCS explica apenas supercondutores de baixa temperatura (<30K), uma teoria completa para supercondutores de alta temperatura crítica (HTS), ainda não foi apresentada. 45 SISTEMA SUPERCONDUTOR BSCCO 3.2 3.2.1 Estrutura cristalina Atualmente tem-se o conhecimento de um grande número de cupratos supercondutores. Alguns destes compostos podem ser preparados com muita facilidade a partir de precursores como o carbonato de cobre, bismuto, estrôncio e cálcio no caso do composto Bi-Sr-Ca-Cu-O. Esse composto também propicia o crescimento de filmes finos que podem ser produzidos com alta qualidade.7 A estrutura de tal material pode ser descrita como sendo do tipo Ruddlesden-Popper. Essa célula contém um bloco perovsquita na célula unitária central (Sr/Ca)CuO2 e o sal (rock salt) BiSrO2.41; 48 A estrutura perovsquita tem a fórmula química geral ABO3, onde O é oxigênio (ânion não metálico), A e B são cátions metálicos. Sua estrutura é mostrada na Figura 26, onde os átomos A posicionam-se nos cantos do cubo, os átomos de B no centro de cada cubo e os átomos de oxigênio formam um octaedro ao redor dos átomos B.5; 48 Esquema da estrutura (a) perovsquita, com a fórmula química ABO3, (b) Figura 26 - octaedro BO6. Fonte: (a) Retirado de Rodrigues49, (b) Retirado de Jin.50 A Figura 27 apresenta a estrutura cristalina do cuprato Bi2Sr2CaCu2O8. As vezes, essa fase é denotada como “Bi2212” ou somente “2212”, sendo a fase mais estável encontrada para o sistema BiSrCaCuO. O Bi2212 forma uma estrutura em camadas, em que alternam camadas de óxido de cobre com camadas intermediárias de outros elementos.11 (b) 46 Esquema da estrutura cristalina do supercondutor de alta temperatura Figura 27 - Bi2Sr2CaCu2O8. Fonte: Retirado de Buckel.7 Os planos de óxido de cobre estão localizados próximos uns dos outros, com uma separação de cerca de 0,3nm.7 Dentro de um plano, cada íon de cobre está cercado por um quadrado de íons de oxigênio, resultando na unidade CuO2. Perpendicular às camadas (ao longo da direção cristalográfica c) acima de cada íon Cu existe um íon de oxigênio adicional (chamado "ápice de oxigênio") de forma que cada Cu juntamente com os oxigênios vizinhos constituem um tetraedro. Os tetraedros estão unidos por meio de seus planos basais, que no caso de Bi2212 é o cálcio, ou seja, entre as camadas duplas CuO2 existem duas camadas de óxido de estrôncio e duas camadas de óxido de bismuto.22; 48 Estas camadas de CuO2 representam os planos importantes em que ocorre a supercondutividade de alta temperatura. Estes planos são responsáveis pelo transporte de super-elétrons22, conforme esquematizado na Figura 28(a). Os planos entre os planos CuO2 não só estabilizam a estrutura do cristal, mas também atuam como reservatório de carga16, fornecendo os portadores de carga para o óxido de cobre.51 No sistema BSCCO, as camadas de reservatório de cargas são formadas pela presença dos planos de BiO e SrO e as de condução são referentes aos planos de CuO2, separadas por Ca, como mostrado na Figura 28(b).22; 52 47 (a) Esquema das camadas de condução e ligante no sistema BSCCO, (b) Figura 28 - as camadas de condução para as diferentes fases do sistema BSCCO. Fonte: Retirado de Rodrigues.49 O sistema Bi-Sr-Ca-Cu-O apresenta três fases supercondutoras Bi2Sr2Can- 1CunO4+2n+y (n=1, 2 e 3), nomeadas como Bi-2201, Bi-2212 e Bi-2223, tendo temperaturas de transição em torno de 20, 85 e 110 K, respectivamente.7; 22; 53 As estruturas Bi-2201, Bi-2212 e Bi-2223 são mostradas na Figura 29. Esquema da estrutura cristalina das fases 2201, 2212 e 2223 do sistema Figura 29 - Bi-Sr-Ca-Cu-O. Fonte: Adaptado de Kanai.53 (a) (b) 48 O átomo de Ca forma uma camada entre os planos de CuO2 em ambas as fases Bi-2212 e Bi-2223, contudo, não há camada de Ca na fase Bi-2201. As três fases diferem entre si no número de planos de CuO2; fases Bi-2201, Bi-2212 e Bi- 2223 têm um, dois e três planos de CuO2, respectivamente. O eixo c destas fases aumenta com o número de planos de CuO2 e Ca. Os parâmetros de rede para as três fases do BSCCO são ilustrados na Tabela 4. Tabela 4:Os parâmetros de rede das 3 principais fases do BSCCO. Fase a (Ǻ) b (Ǻ) c (Ǻ) Simetria da célula unitária 220154 5,362 5,374 24,622 Ortorrômbica 221254; 55; 56 5,414 5,418 30,89 Ortorrômbica 222357; 58 5,4 5,4 37,1 Pseudo-tetragonal Fonte: Adaptado de Matheis.54 A coordenação do átomo de Cu é diferente nas três fases. O átomo de Cu apresenta coordenação octaédrica com relação aos átomos de oxigênio na fase 2201, enquanto que em 2212, o átomo de Cu está rodeado por cinco átomos de oxigênio em um arranjo piramidal. Na estrutura de 2223, Cu tem duas coordenações com relação ao oxigênio: um átomo de Cu pode estar ligado a quatro átomos de oxigênio na configuração planar quadrado e outro átomo Cu é coordenado com cinco átomos de oxigênio em um arranjo piramidal.59; 60 Devido à anisotropia, as fases Bi-2201, Bi-2212 e Bi-2223 são praticamente "supercondutores bidimensionais". Os grãos de BSCCO têm uma morfologia de placas.61; 62; 63 Para aplicações tecnológicas, sabe-se que a fase Bi-2223 é a mais desejada, por possuir a maior Tc. No entanto, essa fase é muito difícil de ser obtida e também é instável. Será apresentado mais adiante trabalhos desenvolvidos com objetivo de se obter uma fração maior e mais estável dessa fase. 3.2.2 Diagrama de Fases O método mais difundido para representar as condições de equilíbrio químico como composição, temperatura e pressão é através do uso de diagrama de fases. O diagrama de fases não só denota os estados sólido, líquido e gasoso dos elementos 49 puros e compostos, mas também pode representar o equilíbrio das fases termodinâmicas de sistemas heterogêneos que são a base para a síntese de materiais. Esses diagramas foram determinados experimentalmente para muitos sistemas por inúmeros pesquisadores ao longo dos anos e são utilizados como guias para sinterizar tais materiais.60; 64 O diagrama de fases para BSCCO, com todos os compostos conhecidos, existentes no sistema quaternário à 850°C são mostrados na Figura 30. A uma pressão constante em atmosfera de ar, o diagrama de fases composto por cinco elementos (Bi, Sr, Ca, Cu e O), ou quatro componentes (óxidos), é dado por um tetraedro equilátero. As arestas representam seções isotérmicas através dos seis sistemas binários e as faces de seções isotérmicas através dos quatro sistemas ternários. Imagem do composto no sistema quaternário Bi2O3-SrO-CaO-CuO a Figura 30 - 850°C em atmosfera de ar. Fonte: Adaptado de Majewski.60 A partir do conhecimento adquirido sobre o equilíbrio de fases no sistema, é evidente que a fase de 2212 é relativamente fácil de detectar, porque é termodinamicamente estável em uma ampla faixa de temperaturas e na presença da maioria dos compostos existentes neste sistema. Em contraste, a fase de 2223 é estável apenas em uma estreita faixa de temperatura. 50 Convencionalmente, a fase 2223 é sinterizada por tratamento térmico de longo tempo em temperaturas próximas à da fusão. No entanto, o material cerâmico sinterizado apresenta frequentemente alta porosidade e rachaduras, o que diminui a capacidade de transporte elétrico65; 66. Outra questão que dificulta na formação da fase supercondutora, são os equilíbrios multifásico complexos envolvidos, levando à formação de fases secundárias, como (Ca,Sr)2CuO3, CuO e Ca2PbO4, que perturbam o alinhamento e acoplamento das placas supercondutoras.66 Tentativas de crescer a fase Bi-2223 a partir da fusão, foi realizado desde os primeiros anos da descoberta desta fase supercondutora, mas sua baixa estabilidade e cinética de formação lenta evita a sua cristalização a partir da fusão67. Além disso, há uma falta de conhecimento sobre a região de concentração onde 2223 está em equilíbrio com a fase líquida. Entretanto, alguns trabalhos indicaram a viabilidade da cristalização 2223 a partir da fusão.68 Enquanto Bi-2201 (119X5) e Bi-2212 são estáveis dentro de composição relativamente grande e faixas térmicas, Bi-2223 tem uma região de concentração muito estreita e lenta cinética de formação.59; 60 Um esquema de diagrama de fases do BSCCO é mostrado na Figura 31. Diagrama (esquemático) da temperatura de formação de fase pela Figura 31 - concentração estequiométrica dentro do intervalo entre Bi2Sr2CuO6 e Bi2Sr2Ca2.6Cu3.6O11.2. Fonte: Retirado de Majewski.60 51 Cinética, estabilidade e formação da fase Bi-2223 são reforçadas por meio de dopagem com chumbo (Pb), pois quando a amostra é dopada com Pb, o mesmo entra no plano do Bi, facilitando e estabilizando a formação de um novo plano de Cu e Ca como é ilustrada na Figura 32.69 Esquema da estrutura cristalina das fases 2212 e 2223 Figura 32 - do (a) BSCCO (b) BPSCCO. Fonte: (a) Adaptado de Kanai53; (b) Adaptado de Owens.70 A estrutura cristalina da fase Bi1,71Pb0,43Sr1,71Ca2,14Cu3,00O9,85, encontrada por Miehe71 por refinamento Rietveld foi de a=5,403Ǻ, b=5,415 e 37,07 Ǻ com o grupo espacial do tipo A2aa, esses parâmetros podem variar com a fração de chumbo contida na composição.72 3.2.2.1 Cinética de cristalização de fases O controle de cristalização distingue a separação de uma fase cristalina a partir da “fase-mãe” em forma de pequenos cristais. O número de cristais, a sua taxa de crescimento e, portanto, o seu tamanho final, são controlados por transferência de calor adequado. O tratamento térmico controlado consiste em duas etapas: a nucleação e o crescimento do cristal. A nucleação e cristalização são importantes para a compreensão da estabilidade e propriedades desejadas.73 Quando um 52 material é aquecido a partir de temperaturas mais baixa, a cristalização pode apenas ocorrer se, e apenas se, a taxa de nucleação é suficiente e é seguida por uma taxa de crescimento de cristal. A dependência da taxa de nucleação e da taxa de crescimento de cristalização com a temperatura são mostrados na Figura 33. Gráfico das taxas de nucleação e crescimento de cristal em função da Figura 33 - temperatura. Fonte: Adaptado de Harper.74 Nota-se que ambas as taxas são zero em Tm (temperatura de fusão), ou seja, não ocorre cristalização em Tm. Com super-resfriamento, as duas taxas começam a aumentar. Ocorre uma sobreposição nas curvas ao longo de uma região de temperatura. A cinética de cristalização do supercondutor do sistema BSCCO foi estudada por análise térmica diferencial (DTA) ou calorimetria diferencial de varredura (DSC), realizadas por diversos autores.75; 76 Zheng e Mackenzie77 investigaram a cinética de cristalização de Bi4Sr3Ca3Cu4Ox usando medidas de DSC e reportaram que a cristalização obedece à equação de Avrami, com o expoente n=3. Eles também relataram que as energias de ativação para a cristalização, Ea, estimadas a partir de um método isotérmico são quase as mesmas que as aferidas a partir de um método não-isotérmico. Os valores de Ea para várias estequiometrias são mostrados na Tabela 5. 53 Tabela 5:Energia de ativação Ea, para o crescimento de cristal em “bulks” de BSCCO por análises de DSC ou DTA não-isotérmicos. Estequiometria Ea (kJ mol-1) Bi2Sr2CaCu2Ox 42877 Bi1,5SrCaCu2Oy 412-43776 Bi2,7SrCaCu2Ox 375-39176 Bi4Sr3Ca3Cu4Ox 41778 Bi2Sr2Ca2Cu3Ox 34075 Bi4Sr3Ca3Cu4Ox 33275 Bi1,5Pb0,5Sr2Ca2Cu3Oy 29279 Fonte: Adaptado de De Guire.75 Em um método não-isotérmico, várias equações para as análises dos dados têm sido propostas. Komatsu et al.80 avaliaram o valor de Ea para Bi2Sr2CaCu2Ox com diferentes estados de valência de cobre usando várias equações não- isotérmicas, tais como a equação de Kissinger modificada81 e da equação proposta por Bansal et al.82 Eles relataram que o tipo de equação utilizado não é crítico, pelo menos para a determinação de Ea do BSCCO, baseados em que o número de núcleos de cristal foi independente da taxa de aquecimento. Porem, para BSCCO o número de núcleos de cristal varia significativamente com a taxa de aquecimento e os fatores numéricos que dependem do mecanismo de cristalização devem ser considerados. Eles descobriram também que os valores de Ea estimados a partir da equação Kissinger modificada para Bi2Sr2CaCu2Ox são quase as mesmas que as estimado a partir da equação de Ozawa modificada.83 3.2.2.2 Processos de Fusão no sistema BSCCO. O ponto de fusão do material designa a temperatura na qual a substância passa do estado sólido ao estado líquido. Esta temperatura é a que a substância se solidifica, ou seja, passa do estado líquido para o estado sólido. Muito utilizado, o processo de fusão influencia de diversas formas a amostra final como alívio de tensões, cristalização e formação de fase como será discutido a diante. 54 O processo de fusão pode ser dividido em dois grupos principais: a fusão completa e decomposição peritética. 3.2.2.3 Fusão completa Fusão completa ocorre acima de 1000oC, em ar e geralmente é realizado sem composição de Pb, devido à alta volatilidade deste elemento.84; 85 No entanto, as perdas de bismuto e oxigênio, bem como reação com o cadinho também são questões críticas em torno de tal temperatura.84; 85 A fusão é tão corrosiva que mesmo os cadinhos de zircônia e platina podem reagir com o líquido.84; 85 Rotas pelo processo de vitrocerâmica podem superar esses problemas, pois se utilizam de tempo de fusão menores, seguido de resfriamento muito rápido, a fim de obter um produto amorfo, que é então recozido para ser recristalizado, formando Bi-2223.84; 85 3.2.2.4 Decomposição peritética Decomposição peritética, também conhecida como "fusão parcial", ocorre entre 850-930oC, seja no ar ou em 7,5% O2/N2 (atmosfera perfeita para a sinterização da Bi-2223 dopada com Pb), seguido de resfriamento lento, a fim de recristalizar a fase Bi-222.367; 68; 86 Utilizando difração de raios-X como complemento de análise, MEV e DTA, Wongng et al.87 analisaram a formação das fases com a temperatura como mostra a Tabela 6, onde foi utilizada uma composição inicial de Bi1,84Pb0,34Sr1,91Ca2,03Cu3,06Oy. 55 Tabela 6:Sequência da formação de fase em função da variação da temperatura Temperatura (°C) Formação da fase Observação 400 CaO, Cu2O Forma-se a fase 2201 550 Ca2PbO4, CuO 700 (Sr,Ca)14Cu24O41 Sendo fase líquido - sólido 700-730 2212 Forma-se a partir da 2201 mais excesso CaO e CuO 820 CaO, PbO A partir da decomposição de Ca2PbO4 840 2223 É formada pela fase 2212+CaO+CuO (difusão auxiliada-líquido)a 860 2201, Cu2O, (Ca,Sr)2CuO3 Líquido rico Bi Fase formada a partir da decomposição da 2223. Esse liquido de Bi que leva à formação da 2201 870 2201, Cu2O, (Ca,Sr)2CuO3 Fase formada a partir da decomposição da 2212. a – Na presença de CuO e de PbO, forma-se um líquido por causa, provavelmente, de um efeito eutético (instabilidade da reação formada, que acaba desencadeando outra reação). Isso acaba acelerando a formaçao da fase 2212 por um processo de difusão auxiliada-líquida de CaO e CuO. Fonte: Adaptado de Wongng.87 Os resultados apresentadas na Tabela 6 foram obtidos a partir dos resultados estes que são da difração de raios-X e DSC produzido por Wongng et al.87, resultados estes que são mostrados na Figura 34. 56 Gráficos de (a) DRX de Bi1,84Pb0,34Sr1,91Ca2,03Cu3,06Oy fundido em 400, Figura 34 - 550, 770, 820, 850, 860 e 870°C, (b) medida de DSC de Bi1,84Pb0,34Sr1,91Ca2,03Cu3,06Oy. Fonte: Adaptado de Wongng.87 Portanto, a fase 2223 requer condições experimentais especiais para sua formação, pois a faixa de temperatura para obtenção da mesma é muito estreita. A fim de se favorecer a formação de uma grande fração da fase 2223, é interessante trabalhar numa faixa de temperatura entre 830°C - 840°C.87 (a) (b) 57 A perda de oxigênio e chumbo durante a fusão peritética são questões críticas. Conforme mencionado acima, quantidades de oxigênio são reduzidas pela fusão, sendo depois reabsorvido através da recristalização. Esta perda deve ser compensada pela recristalização, a fim de promover a formação de Bi-2223. Além disso, Tc das fases BSCCO é muito dependente do conteúdo de oxigênio.60 Perdas podem levar o sistema a não formar a fase Bi-2223. A curva de Análise Termogravimétrica (TGA) de uma fita de Bi-2223 recoberto com prata, com composição nominal Bi1.84Pb0.32Sr1.84Ca1.97Cu3.00Ox, mostrada na Figura 35, apresenta perda de massa considerável com o aumento da temperatura, mas a perda de massa líquida foi de cerca de 0,55% em peso.68 Gráfico de TGA de uma fita de Bi-2223 recoberta por prata, em ar. Figura 35 - Fonte: Adaptado de Marinkovic.68 Acima de 800oC a perda de massa pode ser atribuída à evaporação do chumbo e oxigênio. Por outro lado, a massa da amostra aumentou com o resfriamento, devido à absorção de oxigênio durante a solidificação das fases Bi-2212 e Bi-2223. Ainda assim, pode-se perceber que, a 650oC, a recuperação em massa não está completa. Supondo que a perda de oxigênio foi totalmente compensada com o resfriamento lento, a diferença de massa entre os ciclos de aquecimento e resfriamento pode ser atribuída principalmente à volatilização do Pb (perda de cerca de 0,1% em peso). Se a composição 2223/Ag fosse aquecida 10-20oC acima da transformação Tsolidus (temperatura de solidificação), as perdas de Pb poderiam ter sido maiores. Dessa forma, a temperatura máxima foi de cerca de 5ºC acima 58 Tsolidus da 2223. Além disso, o recobrimento de prata, possivelmente, reduziu as perdas de Pb. Outra proposta de reduzir o efeito da perda de Pb é começar a mistura com um excesso de Pb. No entanto, isto pode levar à precipitação de fases ricas em chumbo, como a Ca2PbO4.88 Já o aquecimento a temperaturas excessivamente altas (muito acima Tsolidus) e/ou por muito tempo, podem induzir a segregação do Ca e Cu, formando grandes quantidades de (Ca,Sr)2CuO3 e CuO precipitado. Tais precipitados tendem a permanecer estáveis durante a fusão, o que dificulta a recuperação da fase Bi- 2223.86 A Figura 36 mostra MEV de uma amostra de composição nominal 2223 sem Pb, que foi parcialmente fundido a 855oC, em 7,5% de O2/N2. 86 A análise EDS revelou que a matriz era rica em Ca com a composição 2201, enquanto as "placas" cinzas exibiram a composição Bi25-28Sr17-21Ca19-23Cu29-33Ox, envolvida nas proximidades com fase primária Bi-2223. No entanto, o padrão de DRX revelou apena a presença de Bi-2212 em vez de Bi-2223.86 Há ainda uma característica interessante na Figura 36, que é a presença de regiões estreitas brancas nas proximidades da "placas". Embora a resolução MEV/EDS não foram capazes de distinguir essas regiões a partir da matriz, a sua tonalidade branca sugere uma rica composição de Ca. Imagem de MEV de uma amostra sem Pb, rica na composição nominal Figura 36 - Bi-2223 que foi parcialmente fundida em 855oC, 7,5% O2/N2. Placas cinza é a fase Bi-2212; regiões cinza claro e branco são ricas em Ca e 2201. Fonte: Adaptado de Polasek.86 59 3.2.3 Diagrama de Fases de Filmes Finos Em filmes, as propriedades físicas e químicas de substâncias são alteradas gerando novas possibilidades de aplicações e diferentes fenômenos que podem ser observados. Uma das grandes vantagens dos filmes finos é o aumento da área superficial dos materiais, que os torna muito mais reativos. Como resultado, os materiais com espessura da ordem de micrometros absorvem calor facilmente e a temperatura de fusão diminui. Este é apenas um exemplo de como os filmes finos se diferem dos “bulks”.64 Tanto do ponto de vista científico quanto do tecnológico, é importante estudar como as mudanças de temperatura de cristalização da fase supercondutora em função da espessura do filme ocorrem. Em vista desses fatos, Saito K. et al89 tentando minimizar as alterações estruturais na composição em filmes ultrafinosda ordem de angstrons, abaixou a temperatura e o tempo do tratamento térmico. Depois de inúmeros testes Saito K. et al.89 desenvolveram um programa de tratamento térmico específico para filmes ultrafinos, como mostrado na Figura 37. Verificou-se que uma baixa taxa de resfriamento por alguns minutos, e taxas mais rápidas de resfriamento subsequentes foram necessárias para aumento do crescimento das fases supercondutoras e também para melhorar a conectividade da interface entre tais fases. A temperatura de cristalização, normalmente 875°C utilizada para “bulk”, diminuiu gradualmente para 863, 859, e 839°C com a diminuição da espessura do filme de 70, 40 e 20 Å, respectivamente. 60 Gráfico dos programas de tratamento térmico para a preparação do Figura 37 - sistema supercondutor Bi de filmes ultrafinos, para diferentes espessuras. Fonte: Retirado de Saito.89 Além disso, a duração do tratamento na temperatura de cristalização diminuiu drasticamente de um “bulk” para um filme fino, de dezenas de horas para poucos minutos.89 A taxa de resfriamento e o tempo de cristalização também afetam a temperatura de transição para a fase supercondutora dos filmes de maneiras distintas. A Figura 38 apresenta um gráfico feito por Matthiesen M. et al.90, da Tc em função do tempo de cristalização. Neste gráfico, a transição de cada amostra é descrita por três temperaturas, Tc on (onset), Tc mid (midpoint) e Tc off (offset), que são conectados por uma linha reta. Os filmes foram cristalizados a 870°C em 20%O2- 80%Ar para 30, 60 e 180 minutos. Amostras que foram cristalizadas com o mesmo tempo foram ligeiramente compensadas ao longo do eixo x. 61 Gráfico da Tc em função do tempo para cristalização dos filmes. Legenda: Figura 38 - ■ substrato SrTiO3(100), rapidamente resfriado (80°C/min.); ♦ substrato SrTiO3(100), resfriado lentamente (9°C/min.); □ substrato MgO(100), rapidamente resfriado (80°C/min.); ◊ substrato MgO(100), resfriado lentamente (9°C/min.) Fonte: Retirado de Matthiesen.90 Da Figura 38 observa-se que, para 30 minutos na temperatura de cristalização, as Tc (R=O) e Tc (ponto médio) dos filmes lentamente resfriado são significativamente superiores aos dos filmes rapidamente resfriados. Em comparação, para 180 minutos na temperatura de cristalização, as Tcs (médio) de filmes rapidamente resfriados tornam-se comparáveis aos dos filmes lentamente resfriado. No entanto, a Tc (R=O) dos filmes lentamente resfriados ainda são significativamente superiores aos dos resfriados mais rapidamente. Estes resultados indicam que a Tc(R=O) dos filmes de BSCCO é determinada pela taxa de resfriamento, enquanto a largura da transição supercondutora (conforme indicado pelo Tc (ponto médio)) é predominantemente determinado pelo tempo de cristalização. Estas observações sugerem que uma longa isoterma na temperatura de cristalização aumenta a fração volumétrica da fase 2212, enquanto as lentas taxas de resfriamento melhoraram o acoplamento entre os grãos.90; 91 Sunshine et al.92 observou que a substituição parcial de Pb em “bulks” de BSCCO promoveu o crescimento da fase 2223, Tc=110K, como mostra a Figura 39. Apesar da grande perda de Pb durante elevadas temperaturas de cristalização.93 Na maioria dos casos, o procedimento exigia um longo tempo (pelo menos algumas 62 horas) de cristalização. Foram utilizadas, também, atmosfera com excesso de Pb para minimizar a evaporação do mesmo no filme.94; 95 Gráfico das temperaturas de transição supercondutora dos filmes com Figura 39 - diferentes taxas inicial de Pb/Bi. Fonte: Adaptado de Kula.96 As propriedades supercondutoras estão correlacionadas com o valor de δ, que é a estequiometria de oxigênio (Bi2Sr2Can-1CunO4+2n+δ), a Tc também está relacionada com tal valor como mostrado por Ma J. et al97 que representou graficamente os valores de Tc obtidos em filmes da fase Bi-2212, conforme mostrado na Figura 40, neste pico o valor ótimo de δ=0,22 foi obtido. Gráfico da variação da Tc em função da estequiometria de oxigênio, para Figura 40 - filmes da fase Bi2Sr2CaCu2O8+δ. Fonte: Retirado de Ma.97 63 MÉTODOS DE OBTENÇÃO DE SOLUÇÕES PRECURSORAS 3.3 3.3.1Sol-gel O método sol-gel é uma técnica química amplamente utilizada nos campos de ciência dos materiais. Tal método é usado principalmente para a fabricação de materiais (geralmente óxidos metálicos) a partir da dispersão de partículas coloidais com diâmetros da ordem de 1-100 nm em um meio líquido para formar um “sol” que atua como o precursor de uma rede integrada (ou gel). A gelatinização, nesse caso, controla as interações eletrostáticas entre as partículas coloidais no sol.98 Neste processo ocorre interações físicas entre as partículas. Comumente são utilizados alcóxidos e sais metálicos (tais como cloretos, nitratos e acetatos) como fonte de metal, acrescentando-se etileno glicol (C2H4(OH)2) e ácido oxálico (HO2CCO2H) agem como agente gelificante. Tem-se, então, uma série de reações químicas de hidrólise, condensação e polimerização para produzir um gel com uma rede inorgânica contínua, essa mistura pode ser dissolvida em etanol e, depois de seca, obtém-se um pó fino que será calcinado.99 O método Sol-gel proporciona amostras homogêneas em baixas temperaturas. Algumas das vantagens deste método é que os reagentes são homogêneos em nível atômico, uniformidade do tamanho das partículas, alto grau de pureza, reprodutibilidade, o que desencadeia o aumento da taxa de reação e diminuição da temperatura de sinterização.100 A obtenção da fase 2223 pelo método Sol-gel foi descrita por Chang, H. S. W. et al.99, relatando que a fase Bi2223 não forma diretamente a partir dos materiais iniciais. Primeiro forma a fase Bi2212, em uma subsequente fusão parcial, forma-se a fase Bi2223. Durante a etapa de fusão parcial, a fase Bi2212 interage com a fase fundida e recristaliza-se para formar a Bi2223.99; 101 3.3.2 Método Pechini A aplicação desta método é extremamente simples, requer apenas produtos químicos de baixo custo, béquer, um agitador, uma chapa quente e um forno. Não é sensível à presença de água (salvo raras exceções), não requer atmosfera inerte, nem um controle cuidadoso do tempo e condições de processamento do gel, mesmo 64 assim ainda é capaz de proporcionar amostras de grande homogeneidade. É a combinação desses fatores que explica a crescente popularidade do método dos polimerizáveis complexos para a síntese de ferroelétricos, supercondutores, ferromagnéticos, fotocatalítico, célula combustível, eletrodo, catalisador e outros materiais de óxido complexo.102 A origem de tal método foi relatado com a patente de Pechini103 na fabricação de capacitores de filme fino utilizando ácidos orgânicos multifuncionais. Com um método simples para preparação, usando óxido do metal onde precursores poliméricos são produzidos a partir dos sais do metal, etileno glicol e ácido cítrico. Este método permite que os cátions de metal se dissolvam em um nível molecular e as composições estequiométricas são alcançadas por quelação dos íons metálicos em solução de ácido cítrico. Os passos essenciais do método são apresentados na Figura 41. Esquema do método Pechini. Figura 41 - Fonte: Retirado de Sakka.104 O método de Pechini baseia-se na polimerização de citratos metálicos como etileno glicol. Ácidos α-hidrocarboxílico, tais como, ácido cítrico (C3H4(OH)COOH)3), lático (CH3CH(OH)CO2H) e ácido glicólico (HOCH2CO2H) formam quelatos polibásicos com cátions dos metais em soluções aquosas. O ácido cítrico quando comparado com a maioria dos ácidos, é o mais utilizado no processamento de Pechini por causa de sua alta estabilidade. Os típicos metais complexos junto com ligantes cítricos tendem a ser estáveis devido à uma forte ligação do íon cítrico com 65 o cátion do metal, envolvendo dois grupos carboxila e um grupo hidroxila, como mostrado na Figura 42.102; 105 Com a adição de um álcool, tal como etileno-glicol (HOC2H4OH) leva à formação de um éster orgânico. Reação de condensação ocorre com a formação de uma molécula de água.106 A condensação e reação de polimerização é promovida pelo tratamento térmico. Ilustração esquemática mostrando a solução química das reações Figura 42 - envolvidas no processo Pechini. Fonte: Retirado de Liu.102 Desde a publicação da patente, o método foi intensamente estudado e modificado a fim de atender às necessidades particulares de cada área. Nos últimos anos, tornou-se mais comum se referir ao método como "método Pechini" e "método Pechini modificado". O ácido cítrico é muito solúvel em etileno glicol, que fornece uma grande variedade de relação ácido cítrico/ etileno glicol (CA:EG) para o método Pechini, e faz com que seja possível ajustar as condições de síntese para cada composto em 66 particular. A Figura 43 resume os resultados da investigação da viscosidade pela relação CA:EG, comportamento do sistema durante a remoção de solvente, gelificação, e composição térmica da matriz orgânica realizada por Tai e Lessing.107; 108 Gráfico do efeito da relação CA/EG na viscosidade do gel pelo método Figura 43 - Pechini. Fonte: Retirado de Tai.107; 108 O motivo pelo qual Pechini103 escolheu proporção 1:4 CA/EG em sua patente é relatado que para a preparação de capacitores de espessura de filmes finos pelo método sol-gel, a qualidade dos filmes dependia muito da viscosidade do gel para obter filmes de alta qualidade e a eliminação de bolhas durante a pirólise do polímero, que deve ser completamente excluída do gel. O ajuste do pH para 5,5-7,0 por adição de NH3 (aq.) ou etilenodiamina permite a formação de citratos mais estáveis e melhora a qualidade do gel. Choy et al.109 analisaram equilíbrios químicos na solução para a preparação na presença de amônia e concluíram que o pH deve ser mantido na faixa de 5,0-6,0. 67 MÉTODOS DE DEPOSIÇÃO 3.4 Serão apresentadas algumas das inúmeras técnicas de deposição existentes para filmes finos. Tem-se dois tipos principais de deposição, a física como MBE e Sputtering e a química como Dip-coating e Spin-coating. 3.4.1 “Sputtering” Deposição por Sputtering é um processo físico para produção de filmes finos. Átomos são arrancados de um alvo e depositados sobre um substrato. O alvo tem um formato de um disco e é feito do material a ser depositado, esse alvo pode ser constituído de um único elemento, uma liga ou de um composto complexo. Os Substratos são colocados em uma câmara a vácuo a uma pressão em torno de 10-7 Torr. A deposição começa quando um potencial negativo (catodo) é aplicada ao alvo, com uma alta voltagem (25-2000Vdc), produzindo um plasma ou descarga luminescente. Quando a voltagem é aplicada íons positivos do gás inerte (argônio, a uma pressão parcial 1-500 mTorr) gera um plasma na região do alvo, que são atraídos para a placa-alvo (carregada negativamente) a uma velocidade muito alta. Esta colisão cria uma transferência de momento e ejeta partículas atômicas que formam o alvo. Essas partículas são depositadas como uma fina película na superfície dos substratos.110 3.4.2 “Molecular Beam Epitaxy” (MBE) Na técnica de deposição por MBE, os elementos que constituirão o filme, ficam em cadinhos (tungstênio, tântalo, etc.), ver Figura 44, os quais são evaporados e depositados em um substrato cristalino aquecido para formar finas camadas epitaxiais (cristais puros que estão crescendo com estrutura cristalina do substrato). Os "feixes moleculares” são tipicamente evaporados termicamente (por elementos resistivos). Para obter camadas de alta pureza, é fundamental que as fontes de material sejam extremamente puras e que todo o processo seja feito em um ambiente de ultra-alto vácuo (10-10Torr). Outra característica importante é que as taxas de crescimento são tipicamente da ordem de alguns Ǻ/s e os feixes podem ser 68 cessados em uma fração de segundo, permitindo transições abruptas em escala quase atômica de um material para outro.111; 112 Esquema de um sistema MBE genérico. Figura 44 - Fonte: Adaptado de Morgan.113 3.4.3 “Dip-Coating” A técnica mais difundida e utilizada para deposição de filmes finos a partir de precursores em fase líquida é a técnica de dip-coating, cujo princípio de funcionamento consiste em se mergulhar, perpendicularmente, o substrato dentro da solução precursora e depois retirá-lo da mesma formando uma fina camada da solução como ilustrado na Figura 45. O processo de inserção e retirada do substrato na solução deve ser realizado com velocidade controlada e constante, sem nenhum tipo de vibração ou interferência externa e com o substrato bem limpo de modo a garantir a deposição do filme de forma uniforme. 69 Esquema dos vários estágios que compõem o processo de Dip coating. Figura 45 - Fonte: Retirado de Torsoni.43 A espessura do filme é definida pela força da gravidade, gradiente de tensão superficial, força inercial da camada vizinha de líquido chegando da região de deposição, a pressão de conexão e desconexão, força resultante da tensão superficial no menisco e arraste viscoso do líquido para cima pelo movimento do substrato. Se a velocidade de retirada for escolhida de tal forma que se mantenha completamente como um fluido Newtoniano, a espessura do filme antes do tratamento térmico pode ser calculada pela equação do Landau-Levich (Equação 7). 2 1 6 1 ).( ).(94,0 3 2 g vh LV (7) Onde: h= espessura do filme η= viscosidade λLV= tensão superficial ρ= densidade g= gravidade v= velocidade 0,94 = constante devido aos fluidos Newtonianos. 70 3.4.4 “Spin-Coating” Na deposição por spin-coating a solução precursora é depositada sobre o substrato usando um equipamento denominado “spinner”. No processo de deposição por “spinner”, deve-se considerar alguns parâmetros físicos envolvidos, tais como, velocidade de rotação, viscosidade da solução, aceleração do substrato, tempo de rotação do substrato, taxa de evaporação da solução. Durante a formação do filme, a velocidade de rotação e a viscosidade são fatores independentes um do outro, porém em termos de espessura do filme, sabemos que vários dos parâmetros citados anteriormente podem ter sua respectiva contribuição. A espessura pode depender inversamente com a velocidade