REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     1 OS PALAVRÕES E OS DICIONÁRIOS: ESTUDO CONTRASTIVO ENTRE O PORTUGUÊS BRASILEIRO E O ITALIANO SOBRE ITENS TABUS Matheus BUENO1 Vivian ORSI2 Resumo: Neste artigo procuramos compreender o lugar das palavras tabuizadas e sua importância na língua. Focamos questões sobre o tabu e sobre como as palavras sofrem algum tipo de proibição. Elegemos como objeto de pesquisa os palavrões pois observamos que essas palavras possuem um importante espaço no léxico de muitos falantes, e estão presentes em livros e filmes, além da fala cotidiana. Assim tentamos mostrar que devem ser analisados com atenção e livres de preconceitos. Verificamos que os palavrões podem ser muito diferentes nas línguas selecionadas, refletindo, desse modo, a cultura dos idiomas envolvidos. Palavras-chave: Lexicologia. Dicionários. Palavrões. Considerações iniciais A língua serve-nos como um meio de comunicação com o mundo. Exteriorizamos aquilo que queremos expressar para outras pessoas, criando, assim, vínculos sociais com quem nos comunicamos. Porém, para que esse vínculo social, e também linguístico, possa ser bem sucedido, é importante que os falantes estejam adequados linguisticamente ao contexto social em que estão se comunicando. O contexto social é que vai nos dizer como nos portar, e principalmente, como nos comunicar. A língua, além de ser um instrumento de comunicação e interação social, é a marca de uma nação. Assim, ela constrói-se profundamente ligada com a cultura e hábitos do povo. Sendo assim, o desenvolvimento das relações humanas se deu através da busca de novos                                                                                                                           1 Integrante do projeto “Palavrões e Dicionários”, orientando de Iniciação Científica, Curso de Licenciatura em Letras, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), São José do Rio Preto-SP-BR. E-mail: matheus.s.bueno@hotmail.com 2 Coordenadora do Projeto “Palavrões e Dicionários”, Docente do Departamento de Letras Modernas (DLM), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), São José do Rio Preto-SP-BR. E-mail: vivian@ibilce.unesp.br REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     2 conhecimentos e práticas sociais, com base em ideais e crenças, que influenciam muitos contextos sociais, ou seja, o modo de nos comportarmos e principalmente de falarmos em diferentes tipos de lugares, como nos ambientes religiosos, escolar ou familiar. Vale dizer, se a língua está ligada à cultura e aos hábitos do povo, e o nosso comportamento está ligado ao contexto no qual nos apresentamos. Então a língua também será imediatamente adaptada ao contexto, o que implica na escolha do léxico – popularmente conhecido como conjunto de palavras de uma língua – que o falante fará, pois se ele usar um conjunto lexical considerado chulo ou inapropriado causaria constrangimento ao grupo e não seria bem aceito no contexto no qual se apresenta. O estudo feito neste artigo é o das palavras que compõem um conjunto lexical hostilizado na maioria dos contextos sociais – os palavrões. Os palavrões são um tabu na sociedade, pois muitos deles significam ofensas, expressões pejorativas e os mais impactantes são aqueles que nomeiam os órgãos genitais e/ou o ato sexual. Estudamos desde a força que essas palavras têm na sociedade e sua importância, até como funciona a linguagem dentro da sociedade. Aprofundamo-nos em estudos sobre o que é o tabu, sua origem e principalmente sobre aquele linguístico. Os palavrões, então, são aqui nosso principal objeto de estudo, pois buscamos compreender o lugar dessas palavras no léxico da língua portuguesa e italiana, pois, inevitavelmente, fazem parte do cotidiano lexical de muitas pessoas. Observamos isso na pesquisa que se deu pela procura dos palavrões mais utilizados pelos falantes, e se os mesmos eram encontrados nos dicionários. Seu resultado será demonstrado mais à frente. Mas, podemos adiantar que os dicionários dão espaço para essas palavras, o que quer dizer que se estão presentes, é porque essas palavras são muito utilizadas e já estão registradas dentro da cultura lexical dos falantes. Então, já que essas palavras possuem visibilidade e estão dicionarizadas, é importante que sejam rubricadas em um padrão único nas obras lexicográficas de consulta, já que observamos, nesta questão, que há diferença entre os dicionários. As ciências do léxico REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     3 O estudo dessas palavras é muito enriquecedor, pois nos faz aprofundar na cultura da língua e, além disso, observar a relação dos falantes com ela. Ele foi fundamental para a compreensão da relação da língua com os falantes, dentre elas, a evolução da língua causada pelos próprios falantes, mecanismos da língua que permitem o abrandamento dos palavrões, o surgimento dos palavrões, que passam por mudanças em sua carga semântica, até chegarem a um sentido que então passa a ser tabuizado. Para entender a força das palavras na cultura, recorremos a Biderman (1998), em que a autora faz uma reflexão sobre a dimensão que as palavras possuem. Podemos dizer que em tempos antigos a palavra tinha uma força criadora e poderosa. Os nomes das pessoas eram intrinsecamente ligados aos seus seres, tanto que, as civilizações dos antigos egípcios, populações da África, povos indígenas e outros mais, acreditavam que a descoberta de seus nomes por seres maléficos, como bruxas e demônios, causaria desgraça em suas vidas. Sendo assim, tinham dois nomes, o verdadeiro que era conhecido apenas de pessoas de confiança, e o outro nome era o que apresentava na sociedade na qual viviam. Podemos ver, então, que o nome era algo diretamente relacionado à pessoa. Mas a palavra não tinha apenas esse poder, era também a fonte da criação. Muitas religiões acreditavam, e muitas delas ainda acreditam, que o mundo no qual vivemos é fruto da palavra criadora de um ser supremo. Tudo o que existe foi pronunciado antes de ser criado, tal é a força criadora das palavras. Podemos dizer que a palavra continua tendo a mesma força. Algumas delas, como os palavrões, são poderosas, pois são mágicas e provocam lembranças e lidam, por exemplo, com o imaginário sexual coletivo. Assim, os palavrões possuem tanta força que são protegidos pelo tabu, criação do homem para manter fora aquilo que é temido e indesejado, embora exista e esteja bem presente na sociedade. Para que se possa compreender os palavrões, não bastam apenas os estudos sobre tabu, mas também conceitos fundamentais sobre Lexicologia e Lexicografia, que são as áreas do conhecimento estudadas nessa pesquisa. Conceitos e teorias foram lidos de importantes autores, o que nos levou a compreender a complexidade da língua, e como ela pode ser estudada profundamente e que seu conhecimento nunca se esgota. REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     4 A Lexicografia é a ciência que estuda os dicionários e é intimamente ligada aos estudos da Lexicologia. O estudo lexicográfico, hoje, está mais amplo, pois muitos linguistas observaram a importância que essa ciência proporciona. Os dicionários, que servem, em síntese, para elencar as palavras e definir seus significados, são verdadeiros tesouros quando se trata de estudos da língua, pois contêm neles a cultura lexical de um povo. Podemos estudar pelos dicionários, a história da língua e como algumas palavras são definidas, mostrando assim a visão de mundo do povo falante e os processos por que ela passou até chegar ao que é atualmente. Sendo assim, um dicionário não é um objeto que terá seu conteúdo permanente, como lembra Biderman (2001), que diz que os dicionários devem ser renovados de anos em anos, pois o léxico acompanha as mudanças socioculturais dos falantes, ou seja, o léxico se renova e se reinventa com o passar dos anos Portanto, nenhum dicionário seria capaz de armazenar durante muito tempo o acervo lexical de uma língua sem mudanças. Podemos comparar um bom dicionário de língua portuguesa antigo com um atual, e veremos que a língua fez sair de uso algumas palavras, que outras ganharam outro sentido semântico, e que outras novas foram incorporadas. Poderíamos, também, comparar a língua portuguesa falada no Brasil e a falada em Portugal. A diferença entre as duas seria visível comparando o léxico presente nos dicionários. Os dicionários tiveram grande importância para ajudar na tradução da Bíblia e sua interpretação, ou seja, surgiram como bilíngues para explicar a língua do outro, porém, em seguida, vieram os dicionários monolíngues nos quais palavras do latim e outras línguas modernas eram classificadas. A prática de elencar palavras e classificá-las segue até hoje e é importante para estudiosos por conta de sua riqueza, além de ser um objeto de grande importância para a relação eficaz entre as pessoas. Utilizamos os dicionários de língua portuguesa (brasileira) e língua italiana para buscar os palavrões mais frequentes nas duas línguas e analisar como eram rubricados. Essa pesquisa, além mostrar se os palavrões eram realmente incorporados na língua, nos deu informações importantes quando se observou como eram rubricados. A maioria era classificada como “tabu” ou “chulo”, além da definição que nos informou sobre sua carga semântica, ou seja, se o palavrão era de fato muito vulgar, e como é usado na língua. REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     5 A Lexicografia, como dito anteriormente, está intimamente ligada aos estudos da Lexicologia, ciência que estuda o léxico, concebido como o acervo de palavras de um determinado idioma, incluindo-se nela os estudos sobre a categorização lexical e a estruturação do léxico. Assim, a Lexicologia estuda as unidades lexicais de uma comunidade linguística, que em nossa pesquisa são os palavrões. A Lexicologia busca problematizar questões sobre o léxico, promovendo vários conceitos sobre a relatividade do conceito de palavra e sua definição, a evolução da língua, a criação de novas palavras, como os neologismos etc. Biderman faz uma reflexão sobre o conceito de palavra e seu radicalismo. A palavra, segundo a autora (2001), está restrita a uma comunidade linguística, ou seja, a língua de uma comunidade tende a ser sempre diferente da outra, por conta de fatores externos que influenciam essa língua. Podemos dizer então que, por exemplo, em língua italiana um palavrão tenha um significado e uma carga semântica diferente na língua portuguesa. Há também a ocorrência de certos palavrões, ou itens tabuizados, existirem em uma língua, mas na outra, não. Como a expressão porco dio em língua italiana, que é uma blasfêmia altamente pejorativa. O que não ocorre em língua portuguesa, pois não há tal blasfêmia, nem uma expressão que possa ter o mesmo sentido. Para compreendermos melhor a força que as palavras tabuizadas possuem, precisamos entender o que é tabu, assim, podemos compreender porque as palavras são consideradas como tal e porque seu uso é repreendido. Tabu é uma palavra de origem polinésia, Tapu, que significava tudo o que era sagrado, mas também proibido. O tabu entre os polinésios era algo que representava o sagrado e o proibido, por exemplo, os sacerdotes dos reis e os próprios reis sofriam tabu por representarem o divino na terra. Essas pessoas representavam o poder de alguma forma, portanto, também representavam o desconhecido, e isso causava temor nas outras pessoas e neles próprios. O tabu em torno dessas pessoas era tão grande, que havia casos em que essas pessoas não podiam ser tocadas ou seus nomes pronunciados, pois isso representaria alguma forma de maldição para quem fizesse tais atos. Então, para esses atos que representavam maldições para quem os fizesse, criava-se um meio para que não fossem feitos, para que as pessoas mantivessem o medo. Esse meio era o tabu, como diz Augras (1989). REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     6 Hoje, quando falamos em tabu, imaginamos assuntos ou atos que não podem ser discutidos por incomodarem a maioria das pessoas, por gerarem dúvida e certo medo nas pessoas. É por isso que palavrões são palavras tabuizadas. Eles têm o poder de expressar emoções e desejos humanos, como: sexo, raiva, frustração etc. São palavras que lidam com o íntimo de cada pessoa e, por isso, despertam medo, e são melhores quando escondidas, quando não pronunciadas. O tabu linguístico, segundo Guérios (1956, p. 13) “nada mais é do que modalidade do tabu em geral, ou é um prolongamento dos demais tabus. Se uma pessoa, coisa ou ato é interditado, o nome ou a palavra que se lhes refere, é-o igualmente”. Guérios (1956) lembra também que o tabu é algo destituído de fundamento lógico e que sua origem é desconhecida. É importante lembrar que, como os palavrões pertencem cada um a um idioma diferente, e por conta das diferentes culturas e crenças dos falantes, uma palavra pode ser tabu em um idioma, mas em outro não. Isso também se aplica em diferentes regiões ou comunidades linguísticas. O tabu é um certo tipo de regra que se cria em volta de uma sociedade, podendo chegar a vários níveis, desde a língua, atitudes, crenças, até hábitos e situações tabus. O tabu vai impedir que alguns assuntos ou atos sejam impedidos de vir a público, mantendo a aparência de ordem e controle. Porém, o tabu, que serve para manter tudo isso afastado, também serve para lembrar que tais assuntos e atos existem, e que são presentes na sociedade. O tabu, por um lado protege, mas também expõe. Faz parte do conceito de tabu a transgressão, falar sobre o assunto proibido é um modo de manter o tabu. Os palavrões, quando pronunciados em público causam espanto, e, então, o tabu se faz presente e constrói barreiras em torno do assunto, construindo de volta a proibição em torno dele, mantendo, mais uma vez, a aparência de controle. Alguns palavrões são diretamente relacionados à pornografia, pois nomeiam órgãos sexuais e também atos sexuais de uma forma mais aberta e menos eufemística, pois deixam transparecer aquilo que quer ser dito. As palavras que nomeiam o sexo, tanto os órgãos, quanto o ato, são criações, em sua maioria, eufemísticas para substituir aquelas usadas no contexto científico, causando assim certo distanciamento, uma neutralidade que diz respeito ao erotismo. Porém, o sexo, na vida cotidiana e dentro da sociedade, na intimidade de cada REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     7 pessoa, ultrapassa os limites do científico, assim, os palavrões representam o real, o que é vivido e imaginado. Palavras científicas, que nomeiam o sexo, deixam de ser eficazes dentro do âmbito erótico das pessoas, então os palavrões os substituem. Não vai ser por acaso, então, que os palavrões que nomeiam o sexo sejam tabuizados. O tabu gerado em torno de tais palavras faz com que elas sejam reprimidas ao uso estritamente íntimo, por tratarem o sexo tão livremente, e, portanto mantendo-as fora de outros contextos nos quais podem circular mais pessoas, e consequentemente o uso seria algo intolerável. O corpo humano é alvo do tabu há muito tempo. Tudo o que diz respeito ao ele sempre foi alvo de crenças, muitas vezes supersticiosas e também infundadas. Com o passar do tempo, verdades e mitos foram sendo desvendados, questões sobre o sexo, e os órgãos genitais foram estudadas, tanto por médicos quanto por outros cientistas, como por sociólogos, psicólogos etc. No decorrer dos anos, e graças a esses estudos, algumas sociedades conseguiram romper alguns tabus acerca do assunto e falar mais livremente sobre ele. Porém, ainda há muitos que ainda permanecem sobre o corpo, e que, de certa forma, os palavrões resgatam, como o sexo e tudo o que lhe diz respeito. Outro tabu que envolve o corpo humano e que os palavrões nomeiam são as escatologias. Itens escatológicos, como merda e mijo, também são tabuizados por representarem o significado de uma forma menos eufemística e mais representativa. Tais palavras são consideradas chulas e de baixo calão e os usuários desse léxico podem ser julgados como pessoas grosseiras. Como essas palavras representam algo que as pessoas ignoram, ou tentam ignorar, e que representam questões sobre o corpo, termos científicos são utilizados para eufemizar seus significados. Algo interessante e importante é a observação que o autor e estudioso do assunto Arango (1991) faz. Dele depreendemos que o tabu é menos crítico com alguns outros itens que são infantilizados, como pipi ou cocô, ou até pintinho e periquita, mostrando que o tabu em unidades como essas são bem menores ou quase nulos, e que também servem como eufemizantes. Outra observação importante do autor é que, por essas palavras serem eufemizadas, infantilizadas e não tão tabuizadas, demonstram que os palavrões referem-se apenas ao mundo adulto. Arango (1991) diz: “as palavras obscenas falam sempre da anatomia adulta”. REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     8 Os autores estudados, que se dedicaram ao estudo do tabu, teorizam sobre a ideia da palavra mágica, da palavra que carrega em si algo além do usual. Com isso, querem dizer que essas palavras têm o poder de significar muito além daquilo que estão nomeando, ou seja, o palavrão, quando usado como ofensa, por exemplo, carrega com ele a intensidade da emoção da raiva. Outros palavrões também são usados como reforçativos, como exclamações, como em momentos de aprovação, surpresa e até de felicidade. Os palavrões são palavras e expressões usadas em situações nas quais emoções muito fortes estão envolvidas. Não é raro ouvir palavrões usados como ofensas em momentos de briga e revolta, ou em momentos de estupor. Essas palavras são constituídas de poderes para fazer o enunciado mais dotado de emoção. Portanto, os palavrões podem ser usados em diferentes contextos e situações exprimindo diferentes emoções. O autor italiano Tartamella (2006) elencou, em uma tabela, alguns palavrões diferenciados em suas funções. O autor acredita que existem oito funções para os palavrões, que são: 1) Desabafar; 2) Excitar; 3) Exprimir desgosto; 4) Divertir-se, Divertir; 5) Aproximar-se (gíria); 6) Atrair a atenção, provocar, ameaçar; 7) Marginalizar; 8) Ofender, desqualificar, maldizer. Entre essas ações, estão os tipos de palavrões que podem ser: blasfêmias, obscenidades, escatologia, insulto e maldições. Caminhos e resultados da pesquisa Dentre esses tipos de palavrões acima trazidos os de obscenidades e ofensas foram os mais encontrados pela pesquisa feita, na qual nos detemos em encontrar, na internet, os palavrões utilizados mais frequentemente nas línguas portuguesa (brasileira) e língua italiana. Além disso, buscamos observar, se os palavrões eram encontrados nos dicionários utilizados para a pesquisa, e se encontrados, como eram rubricados, com isso podemos constatar como os palavrões são tratados nas suas línguas. Palavrões frequentemente utilizados3 (Segundo o blog: http://lista10.org/adulto/os-10- palavroes-mais-utilizados-no-brasil/ ; e segundo o site: http://it.wikipedia.org/wiki/Parolaccia)                                                                                                                           3As colunas e números não se referem a correspondentes tradutórios. REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     9 PORTUGUÊS: ITALIANO: 1º - Caralho 1º - Cazzo 2º - Porra 2º - Minchia 3º - Puta que pariu 3º - Coglione 4º - Filho da puta 4º - Sborra 5º - Merda 5º - Fica 6º - Vai tomar no cu 6º - Fregna 7º - Vai se foder 7º - Merda 8º - Veado 8º - Pirla 9º - Puta merda 9º - Stronzo 10º - Cacete 10º - Mignotta Abaixo indicamos a presença ou ausência dos palavrões acima mencionados nos dicionários escolhidos e apresentamos a marca de uso, ou rubrica, com que estão sinalizados nos verbetes em que aparecem. Pesquisa dos palavrões nos dicionário em português (brasileiro) Dicionário online Aulete Palavrões Presença/ausência Rubrica Caralho Presente Chulo Porra Presente Vulgar Puta que pariu Presente apenas “Puta” Tabu Filho da puta Presente -* Merda Presente Pejorativo/Tabu REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     10 Vai tomar no cu Presente apenas “cu” Tabu Vai se foder Presente apenas “foder” Tabu Veado Presente Vulgar/ Tabu Puta merda Presentes separadamente Tabu Cacete Presente Tabu *-Não possui rubrica, porém é descrito como “extremamente grosseiro”. Dicionário Aurélio Palavrões Presença/ausência Rubrica Caralho Presente Chulo Porra Presente Chulo Puta que pariu Presente apenas “puta” Chulo Filho da puta Presente Chulo Merda Presente Chulo Vai tomar no cu Presente em “cu” Chulo Vai se foder Presente apenas “foder” Chulo Veado Presente Chulo Puta merda Presentes separadamente Chulos Cacete Presente Chulo Pesquisa de palavrões em italiano Dicionário online Trecanni REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     11 Palavrão Presença/ausência Rubrica Cazzo Presente Vulgar Minchia Presente Vulgar Coglione Presente Popular Sborra Presente Vulgar Fica Presente Vulgar Fregna Presente Vulgar Merda Presente Vulgar Pirla Presente Vulgar Stronzo Presente Vulgar Mignotta Presente Vulgar Dicionário Zingarelli Palavrão Presença/ausência Rubrica Cazzo Presente Vulgar Minchia Presente Vulgar Coglione Presente Vulgar Sborra Presente apenas “sborrare” Vulgar Fica Presente Vulgar Fregna Presente Vulgar REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     12 Merda Presente Vulgar Pirla Presente Vulgar Stronzo Presente Vulgar Mignotta Presente Vulgar Podemos observar que existe um padrão para rubricar os palavrões que são encontrados nos dois dicionários italianos. Apenas um deles é rubricado de outra forma. A palavra coglione, no dicionário Trecanni, é rubricado como popular, já no dicionário Zingarelli é rubricado como vulgar, igual aos outros palavrões encontrados. Ao analisar a marca de uso dos itens nos dois dicionários podemos dizer que há um padrão de como rubricar os palavrões. O mesmo não ocorre com aqueles encontrados nos dicionários de língua portuguesa, já que a maioria deles é rubricada como tabu em um dicionário, e em outro, todos são rubricados como chulos. O que também se mostrou interessante na pesquisa foi termos encontrado todos os palavrões nos dicionários escolhidos para a pesquisa, embora algumas expressões não se achem nos dicionários, como Vai tomar no cu, que é usada para ofender, ou puta-merda, que é usada como interjeição para expressar desgosto ou surpresa, todos os outros foram encontrados e descrito como são usados na língua normalmente falada pelas pessoas. Isso mostra que, apesar de ainda existir preconceito com os palavrões e eles serem um tabu na sociedade, ainda sim estão sendo reconhecidos como parte da cultura da língua. Entre os palavrões de língua portuguesa, seis deles (Caralho, Porra, Puta-que-pariu, Merda, Puta-merda e Cacete), a maioria da lista pode ser classificada como pertencentes à função de desabafar, exprimir desgosto ou surpresa. São pronunciadas em momentos de surpresa e não estão ligadas às outras funções, como as de ofender, marginalizar, mas podem pertencer, entre outras funções, à função de divertir. Talvez em um filme do gênero comédia em alguma cena cômica. Os outros quatro palavrões (Filho da puta, Vai tomar no cu, Vai se foder e Veado) são utilizados como ofensas e fazem parte de um vocabulário mais vigiado. Usados para ofender e com mais cuidado, pois não são admitidos em muitos contextos, não podendo ser empregador em qualquer ambiente e em qualquer situação. Os seis definidos com REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     13 a função de desabafar ou exprimir desgosto ou surpresa são utilizados como exclamações e assim menos tabuizados. Os outros quatro palavrões, usados para ofender, são usados em momentos de raiva e desgosto, também podendo ser adotados como exclamação. Podemos perceber, então, que os palavrões que encontramos e considerados os mais utilizados na língua portuguesa fazem parte de um léxico mais espontâneo. Entre os palavrões mais utilizados que encontramos em língua italiana, cinco deles (Cazzo, Minchia, Fica, Fregna e Pirla) são palavras obscenas, com função de excitar. Porém, Cazzo é uma palavra que também pode pertencer a diversas funções, como desabafar, exprimir desgosto ou surpresa, assim como no português. Sborra e Merda pertencem às palavras de nível escatológico, sendo que merda também é uma palavra que exprime descontentamento ou surpresa. Mignotta e Stronzo pertencem aos palavrões com função de ofensa. Percebemos, então, que os palavrões frequentemente usados da língua italiana, diferentemente do vocabulário da língua portuguesa, são utilizados mais como erótico- obscenos, e muitos dos palavrões referem-se aos órgãos sexuais. Como dito anteriormente, vimos que os palavrões estão inclusos nos dicionários de ambos os idiomas, mostrando que essas palavras fazem parte do léxico dos falantes, e isso é de grande importância, pois acreditamos que os palavrões não devem ser censurados nos dicionários por muito motivos. A importância não está apenas para quem estuda outras línguas, mas também para profissionais, como os tradutores. Tartamella, um estudioso italiano de palavrões, discute, em seu blog (encontrado no endereço eletrônico: http://blog.focus.it/parolacce/) o caso de uma tradutora que se dedicou a estudar sobre a tradução de palavrões de filmes de língua inglesa para a língua italiana, encontrando muitos erros. Muitos dos equívocos, segundo ele, ocorrem por causa da censura imposta, como em um dos filmes no qual apresenta a fala jovem e coloquial das ruas, portanto com muitos palavrões. A intenção do diretor do filme era representar a realidade, e a presença de palavrões no léxico usado pelas personagens era uma das formas de fazê-lo. Porém, na tradução feita para o italiano, ocorreu de os palavrões serem censurados, alguns retirados, e o sentido do filme ser prejudicado. REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     14 A atenuação de palavrões também foi encontrada, como no filme “Full metal jacket”, no qual uma das personagens usa itens racistas e preconceituosos, que na tradução para o italiano foram atenuados para não causar tanto impacto. Outros problemas também foram averiguados, como a vulgarização de algumas unidades. Em outros filmes, alguns itens que não eram vulgares, nem tabuizados, acabaram por ser na tradução para o italiano, como a fala de um personagem que era: “He’s homossexual”, expressão não tabuizada, e na tradição ficou “È una checca”, que significa pejorativamente “bicha”, vale dizer, tabuizado e ofensivo. Esses problemas relacionados à tradução são uma ótima fonte para se estudar os palavrões, pois para que uma boa tradução seja feita é preciso compreender aquilo que se está traduzindo, todo o contexto no qual está sendo apresentado para que a tradução não seja falha e continue com a carga semântica mais próxima do original. Traduções são complexas, pois é preciso compreender o nível de vulgaridade ou de tabuização do palavrão para que se encaixe na língua para qual se quer traduzir. O exemplo do filme que expõe a linguagem dos jovens de rua utilizando palavrões é um ótimo exemplo, pois a intenção do diretor era exatamente a de retratar a fala dos jovens como ela é, e na tradução essa realidade foi atenuada e o sentido do filme foi prejudicado. Portanto, a boa tradução dos palavrões deve, sim, ser levada a sério e estudada para que as traduções sejam mais adequadas ao peso semântico envolvido e não prejudiquem o objeto a ser traduzido, em respeito ao autor e a quem está em contato com a obra. Considerações finais A língua nos proporciona várias formas de nos comunicarmos, porém, quando se fala em sentimentos como raiva, frustração e desespero, os palavrões, que são tão tabuizados, são as únicas que expressam aquilo que quer ser dito de uma forma verdadeira e não abrandada. Afinal, a língua nos serve como meio de comunicação, e quanto mais expressiva for, mais rica será. Por que, então, excluir as palavras que demonstram tão verdadeiramente os sentimentos negativos, já que nenhuma outra e capaz de demonstrar tão bem? Acreditamos, porém, que em alguns contextos o uso do palavrão deva continuar a ser cauteloso, pois, como dissemos, a tipologia lexical utilizada dependerá do contexto social no REVISTA MEMENTO V. 05, N. 2 (julho-dezembro de 2014) REVISTA DO MESTRADO EM LETRAS LINGUAGEM, DISCURSO E CULTURA – UNINCOR ISSN 2317-6911     15 qual o falante se apresenta. Não defendemos a ideia de que o palavrão seja utilizado em todos os contextos e em todas as ocasiões. No entanto, defendemos a ideia de que o palavrão não deve ser analisado preconceituosamente e tratar o seu falante como menos digno por conta de seu léxico. O estudo dos palavrões é uma rica e ampla fonte de estudos, tanto para linguistas e lexicólogos e lexicógrafos, como para tantas outras áreas do saber, como psiquiatria e psicologia, por exemplo. Acreditamos que os palavrões devam continuar a ser estudados e muitas outras descobertas serão apresentadas pela comunidade científica, assim revelando um pouco mais da nossa língua. Esperamos que tenhamos contribuindo para o entendimento dessas palavras mágicas que nos serviram de inspiração e estudo. THE BAD WORDS AND THE DICTIONARIES: CONTRASTIVE STUDY BETWEEN THE BRAZILIAN PORTUGUESE AND THE ITALIAN ABOUT TABOO ITEMS Abstract: In this paper we tried to understand the place of the taboo words and its importance in the language. We focused questions about the taboo and how words can be prohibited. We elected the bad words as our object of research because these words have an important place in the lexicon of many speakers, and they are present in books and movies, as well as in the everyday speech. So we tried to show that they must be analyzed with attention and also free from prejudices. We found out that the use of bad words can be very different in the languages selected and they reflect thus the culture of the languages involved. Keywords: Lexicology. Dictionaries. Bad words. Referências ARANGO, A. Os palavrões. Trad. de Jasper Lopes Bastos. 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