AUGUSTO MORETTI DE BARROS Didática das literaturas em língua espanhola: um estudo a partir do contexto da UNESP-Assis ASSIS 2023 AUGUSTO MORETTI DE BARROS Didática das literaturas em língua espanhola: um estudo a partir do contexto da UNESP-Assis Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, para a obtenção do título de Doutor em Letras (Área de Conhecimento: Literatura e Vida Social) Orientador: Dr. Sérgio Fabiano Annibal Bolsista: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 ASSIS 2023 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Laura Akie Saito Inafuko - CRB 8/9116 B277d Barros, Augusto Moretti de Didática das literaturas em língua espanhola: um estudo a partir do contexto da UNESP-Assis / Augusto Moretti de Barros. — Assis, 2023 300 f. : il. Tese de Doutorado - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis Orientador: Dr. Sérgio Fabiano Annibal 1. Literatura - Estudo e ensino. 2. Literatura espanhola - Estudo e ensino. 3. Didática (Ensino superior). 4. Universidades e faculdades - Currículos. I. Título. CDD 460.7 Impacto potencial desta pesquisa De acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil, propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e adotados pela Pró-Reitoria de Pós- Graduação (PROPG) da UNESP, esta pesquisa se insere nos itens 4. Educação de Qualidade e 10. Redução das Desigualdades, uma vez que seu impacto potencial é contribuir para a atualização dos currículos dos cursos de licenciatura em Letras, que formam professores de literaturas em língua estrangeira, no caso, espanhola, e para a reflexão acerca desse processo. Assim, ao promover Educação de Qualidade, em nosso país, naturalmente, também, se obtém Redução das Desigualdades. Dessa maneira, espera-se que os resultados desta Tese possam fomentar discussões em âmbito acadêmico, alcançando um impacto científico sobre as reformas curriculares nos cursos de Letras e, consequentemente, possam colaborar para a formação de pessoal para o magistério – professores e gestores – que atuarão no ensino básico, formando leitores literários e falantes críticos de língua estrangeira, gerando, assim, um impacto social e cultural. Potential impact of this research According to the Sustainable Development Goals in Brazil, proposed by the United Nations (UN) and adopted by the Pro-Rectory of Graduate Studies (PROPG) of UNESP, this research is part of items 4. Quality Education and 10. Reduced Inequalities, since its potential impact is to contribute to the updating of the curricula of undergraduate courses in Letters, which form teachers of literature in foreign language, in this case, Spanish, and to the reflection about this process. Thus, by promoting Quality Education, in our country, we also naturally obtain Reduced Inequalities. Thus, it is expected that the results of this Thesis can foster discussions in the academic sphere, achieving a scientific impact on curricular reforms in the courses of Letters and, consequently, can contribute to the formation of staff for teaching – teachers and managers – who will act in basic education, forming literary readers and critical speakers of foreign language, thus generating social and cultural impact. Impacto potencial de esta investigación Según los Objetivos de Desarrollo Sostenible en Brasil, propuestos por la Organización de las Naciones Unidas (ONU) y adoptados por el Pro-Rectorado de Posgrado (PROPG) de UNESP, esta investigación se ubica en el ítem 4. Educación de Calidad y 10. Reducción de las Desigualdades, ya que su impacto potencial es contribuir para una actualización de los currículos de las carreras de profesorado en Letras, que forman profesores de literaturas en lengua extranjera, en este caso, española, y para la reflexión acerca de ese proceso. Así, al promover Educación de Calidad, en nuestro país, naturalmente también se obtiene Reducción de las Desigualdades. De esa manera, se espera que los resultados de esta Tesis puedan fomentar discusiones en el ámbito académico, alcanzando un impacto científico sobre las reformas curriculares en las carreras de Letras y, como consecuencia, puedan colaborar para la formación de personal para el magisterio – profesores y gestores – que actuarán en la enseñanza básica, formando lectores literarios y hablantes críticos de lengua extranjera, generando, por lo tanto, un impacto social y cultural. À minha mãe, Vanuza Sueli, minha fortaleza. AGRADECIMENTOS Escrever uma Tese é um processo solitário, por isso, uso este espaço para agradecer às pessoas que estiveram ao meu lado e compartilharam momentos importantes comigo. À minha mãe, Vanuza Sueli Moretti, minha maior incentivadora na vida, que sempre cultivou o meu sonho de ser professor e a minha aventura de ser leitor. Minha carreira acadêmica não seria a mesma sem a base sólida que a minha mãe construiu. A toda minha família, pelo carinho e pelo incentivo ao longo de toda a minha trajetória em Assis, que, apesar de perto, nos manteve a distância todos esses anos. Ao Dr. Sérgio Fabiano Annibal, que não apenas me orientou ao longo desta pesquisa, como teve comigo diversos diálogos sobre a vida acadêmica, sobre ser professor e pesquisador, sobre as contribuições da leitura literária para a nossa formação como cidadãos e tantos outros temas, que me fizeram expandir minha visão de mundo. Foi uma jornada muito menos solitária graças a essa parceria. À Dra. Marta Neira Rodríguez, que me recebeu tão gentilmente na Universidade de Santiago de Compostela (USC), na Espanha, me acompanhou no decorrer dos onze meses em que realizei meu Doutorado Sanduíche e participou da Banca de Defesa. Ao Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior, pela disponibilidade de conhecer minha pesquisa e de participar da Banca de Defesa. À Dra. Kátia Rodrigues Mello, pelos constantes diálogos sobre como o espanhol nos leva a ver o mundo a partir de outras lentes e pelas contribuições nas Bancas de Qualificação e Defesa. À Dra. Carla Cavalcanti e Silva, pelas profícuas conversas sobre as teorias barthesianas, assim como pelas contribuições nas Bancas de Qualificação e Defesa. Ao Dr. Antônio Roberto Esteves, que contribuiu significativamente para a condução da minha pesquisa, e à Área de Espanhol da UNESP de Assis, às atuais docentes e aos já aposentados, pelas parcerias de trabalho e pesquisa. Aos meus queridos amigos, com quem eu compartilhei momentos e experiências essenciais para o meu percurso dentro e fora do âmbito acadêmico. Sou grato pelo companheirismo que encontro nessas relações de amizade. Aos colegas de pós-graduação, com quem tive diversas trocas de vivências, de expectativas e de indicações de leituras, seja nos corredores da universidade, nos eventos acadêmicos, nas reuniões coletivas de orientação, ou no grupo de pesquisa. Aos funcionários da Seção Técnica de Graduação e da Biblioteca “Acácio José Santa Rosa” pela disponibilidade em meu período de coleta e organização do corpus de pesquisa. Aos servidores da Seção Técnica de Pós-Graduação, do Departamento de Estudos Linguísticos, Literários e da Educação (DELLE) e do Departamento de Letras Modernas (DLM) pela atenção nas inúmeras vezes em que eu solicitei ajuda para resolver as mais diversas questões. Aos alunos de Língua Espanhola e de Didática, que tive a oportunidade de formar, que também me formaram e que me fazem confiar na profissão que eu escolhi. À UNESP de Assis, minha segunda casa desde 2010, que me proporcionou a Graduação, o Mestrado e o Doutorado em Letras e se tornou meu objeto de pesquisa. À Universidade de Santiago de Compostela, em especial, aos docentes da Faculdade de Ciências da Educação, assim como aos servidores do decanato e da biblioteca da Faculdade de Filologia. E à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento desta pesquisa, bem como ao Programa Institucional de Internacionalização (CAPES PrInt), que possibilitou um intercâmbio científico e cultural entre o Brasil e a Espanha, essencial para a elaboração desta Tese. “el pasado y el futuro eran parte de la misma cosa y la realidad del presente era un caleidoscopio de espejos desordenados” Isabel Allende, La casa de los espíritus BARROS, Augusto Moretti de. Didática das literaturas em língua espanhola: um estudo a partir do contexto da UNESP-Assis. 2023. 300 f. Tese (Doutorado em Letras). – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, 2023. RESUMO Esta pesquisa buscou reconhecer uma didática das literaturas em língua espanhola a partir da trajetória do ensino dessas literaturas no curso de licenciatura em Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Assis, no período de 1970 a 2005. O que justifica esta investigação é a consciência de que o ensino de literatura estrangeira deve ser constantemente discutido e estudado em âmbito acadêmico, a fim de analisar sua estruturação e a sua contribuição para a formação de professores de literatura. Para tanto, nosso corpus é composto pelos programas de ensino das disciplinas selecionadas, que pertencem ao Projeto Político Pedagógico do curso; entrevistas com professores de literatura que atuaram nesse período e publicações acadêmicas vinculadas a esse contexto de ensino, dentro do recorte temporal proposto. Com o intuito de traçar um paralelo com a constituição da área de espanhol no curso de Letras em Assis para, assim, contribuir para a compreensão histórica desse processo, incluímos documentos curriculares do curso de Filología Hispánica da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, assim como textos de publicações espanholas da área de ensino de literatura, desse mesmo recorte temporal. Esses dados foram coletados durante um período de estágio de pesquisa no exterior em que reconhecemos que o curso brasileiro possui, em sua estruturação e em seu funcionamento, diversas características herdadas do curso espanhol, que tem base filológica. Como fundamentação teórica e metodológica, a sustentação desta pesquisa se dá com base nas representações sociais (CHARTIER, 1991, 2011), na sociologia da educação (BOURDIEU, 1983, 2007), na crítica e na teoria literária (BARTHES, 2004, 2012; EAGLETON, 1997), assim como em contribuições específicas da crítica sobre literaturas em língua espanhola (PIZARRO, 1993; POZUELO YVANCOS; ARADRA SÁNCHEZ, 2000; CRESPO BUITURÓN, 2015). Desse modo, esta pesquisa localiza-se em seu caráter interdisciplinar entre Literatura e Educação. Ademais, utilizamos a abordagem qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), tendo como método a análise documental. A hipótese que direcionou nossa pesquisa é a de que possivelmente houvesse uma perspectiva de ensino de literatura que se mantém através das gerações. Os elementos que compõem nosso corpus revelam marcas discursivas de que há, de fato, uma manutenção da herança filológica que estrutura o ensino de literaturas em língua espanhola no curso de Letras da FCL- Assis, como a historiografia literária, porém, o currículo foi agregando novas tendências literárias, ao longo dos anos, como os estudos sobre cultura. Tal combinação de perspectivas caracteriza o nosso contexto cultural, que busca sua própria identidade, a de ensinar literaturas hispânicas para brasileiros, mantendo o curso atualizado e condizente com os avanços de uma didática da literatura. Assim, compreendemos que as tendências adotadas para acessar o texto literário permeiam as representações sociais dos docentes e formam o seu olhar sobre o ensino dessas literaturas. Dessa maneira, buscamos contribuir, a partir dos resultados da pesquisa empreendida, para a memória e a história da Área de Espanhol do curso de graduação em Letras da UNESP de Assis e para os estudos concernentes ao campo da didática das literaturas em língua espanhola. Palavras-chave: Didática da literatura. Ensino de literaturas em língua espanhola. Currículo de Letras. Formação de professores de literatura. Tradição literária. BARROS, Augusto Moretti de. Didactics of Spanish-language literatures: a study from the context of UNESP-Assis. 2023. 300 l. Thesis (Doctorate in Letters). – São Paulo State University (Unesp), Faculty of Sciences and Letters, Assis, 2023. ABSTRACT This research aimed to recognize a didactic of the Spanish language literature from the trajectory of the teaching of these literatures in the Course of Letters of São Paulo State University (UNESP), campus of Assis, from 1970 to 2005. What justifies this investigation is the awareness that the teaching of foreign literature should be constantly discussed and studied in the academic sphere in order to analyze its structure and its contribution to the formation of literature teachers. Therefore, the corpus are the teaching programs of the selected disciplines, which belong to the Political Pedagogical Project of the course, interviews with literature teachers who worked during this period, and academic publications linked to this teaching context, within the proposed time frame. In order to draw a parallel with the constitution of the Spanish area in the Course of Letters in Assis to, thus, historically understand this process, curricular documents of the Course of Hispanic Philology of the University of Santiago de Compostela, Spain, are included, as well as texts from Spanish publications in the area of literature teaching, of that same timeframe. These data were collected during a period of research internship abroad in which it was possible to recognize that the Brazilian course has, in its structuring and functioning, several characteristics inherited from the Spanish course, which has a philological basis. As a theoretical and methodological basis, the support of this research is based on social representations (CHARTIER, 1991, 2011), on the sociology of education (BOURDIEU, 1983, 2007), on criticism and literary theory (BARTHES, 2004, 2012; EAGLETON, 1997), as well as on the specific contributions of criticism on Spanish-language literature (PIZARRO, 1993; POZUELO YVANCOS; ARADRA SÁNCHEZ, 2000; CRESPO BUITURÓN, 2015). Thus, the research is located in its interdisciplinary character between Literature and Education. In addition, the qualitative approach (LÜDKE; ANDRÉ, 1986) was adopted, using documentary analysis as the method. The hypothesis that directed the research is that there may be a perspective of teaching literature that is maintained throughout the generations. The elements that make up the corpus reveal discursive marks that there is, in fact, a maintenance of the philological heritage that structures the teaching of Spanish-language literature in the Course of Letters, such as literary historiography, however, the curriculum has been adding new literary trends over the years, such as studies on culture. This combination of perspectives characterizes our cultural context, which seeks its own identity, that of teaching Hispanic literature to Brazilians, keeping the course updated and consistent with the advances of a literature didactics. Thus, it is possible to understand that the literary tendencies adopted to access the literary text permeate the social representations of teachers and form their view on the teaching of these literatures. Therefore, with this research results, the aim is to contribute to the memory and history of the Spanish area of the undergraduate course in Letters of UNESP of Assis and to the studies concerning the field of didactics of Spanish-language literature. Keywords: Didactics of literature. Teaching literature in Spanish. Curriculum of Letters. Formation of literature teachers. Literary tradition. BARROS, Augusto Moretti de. Didáctica de las literaturas en lengua española: un estudio a partir del contexto de la UNESP-Assis. 2023. 300 h. Tesis (Doctorado en Letras). – Universidad Estatal Paulista (Unesp), Facultad de Ciencias y Letras, Assis, 2023. RESUMEN Esta investigación ha buscado reconocer una didáctica de las literaturas en lengua española a partir de la trayectoria de la enseñanza de esas literaturas en la carrera de profesorado en Letras de la Universidad Estatal Paulista (UNESP), campus de Assis, en el período de 1970 a 2005. Lo que justifica esta investigación es la consciencia de que la enseñanza de la literatura extranjera debe ser constantemente discutida y estudiada en ámbito académico, a fin de analizar su estructuración y su contribución para la formación de profesores de literatura. Para tanto, nuestro corpus se compone por los programas de curso de las asignaturas seleccionadas, que pertenecen al Proyecto Político Pedagógico de la carrera; entrevistas con profesores de literatura que actuaron en este período y publicaciones académicas vinculadas a ese contexto de enseñanza, dentro del recorte temporal propuesto. Con el objetivo de trazar un paralelo con la constitución del área de español en la carrera de Letras en Assis para, entonces, contribuir para la comprensión histórica de ese proceso, incluimos documentos curriculares de la carrera de Filología Hispánica de la Universidad de Santiago de Compostela, en España, así como textos de publicaciones académicas españolas del área de enseñanza de literatura, del mismo período. Esos datos se recogieron durante una estancia de investigación en el exterior en que reconocimos que la carrera brasileña posee, en su estructuración y en su funcionamiento, diversos rasgos heredados de la carrera española, que tiene base filológica. Como fundamentación teórica y metodológica, la sustentación de esta investigación se basa en las representaciones sociales (CHARTIER, 1991, 2011), en la sociología de la educación (BOURDIEU, 1983, 2007), en la crítica y en la teoría literaria (BARTHES, 2004, 2012; EAGLETON, 1997), tal como en contribuciones específicas de la crítica sobre literaturas en lengua española (PIZARRO, 1993; POZUELO YVANCOS; ARADRA SÁNCHEZ, 2000; CRESPO BUITURÓN, 2015). De ese modo, esta investigación se ubica en su carácter interdisciplinario entre Literatura y Educación. Además, utilizamos el abordaje cualitativo (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), al tener como método el análisis documental. La hipótesis que ha direccionado nuestra investigación es que posiblemente hubiera una perspectiva de enseñanza de literatura que se mantiene a través de las generaciones. Los elementos que componen nuestro corpus revelan marcas discursivas de que hay, de hecho, una manutención de la herencia filológica que estructura la enseñanza de literaturas en lengua española en la carrera de Letras de la FLC-Assis, como la historiografía literaria, sin embargo, el currículo ha agregado nuevas tendencias literarias, a lo largo de los años, como los estudios sobre cultura. Tal combinación de perspectivas caracteriza nuestro contexto cultural, que busca su propia identidad, la de enseñar literaturas hispánicas a brasileños, lo que mantiene la carrera actualizada y correspondiente a los avances de una didáctica de la literatura. Así, comprendemos que las tendencias adoptadas para acceder al texto literario permean las representaciones sociales de los docentes y forman su mirada sobre la enseñanza de esas literaturas. De esa manera, buscamos contribuir, a partir de los resultados de la investigación realizada, para la memoria y la historia del área de español de la carrera de grado en Letras de la UNESP de Assis y para los estudios concernientes al campo de la didáctica de las literaturas en lengua española. Palabras clave: Didáctica de la literatura. Enseñanza de literaturas en lengua española. Currículo de Letras. Formación de profesores de literatura. Tradición literaria. LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES ABH Associação Brasileira de Hispanistas APEESP Associação de Professores de Espanhol do Estado de São Paulo APEOESP Associação de Professores do Estado de São Paulo CEE Conselho Estadual de Educação CEP Comitê de Ética em Pesquisa CFE Conselho Federal de Educação CNE Conselho Nacional de Educação DLM Departamento de Letras Modernas EPLE Encontro de Professores de Línguas Estrangeiras EPLLE Encontro de Professores de Línguas e Literaturas Estrangeiras FAFIA Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis FCL Faculdade de Ciências e Letras de Assis FFCL Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis IC Iniciação Científica LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação MERCOSUL Mercado Comum do Sul PLLE1 Professor de Literaturas em Língua Espanhola 1 PLLE2 Professora de Literaturas em Língua Espanhola 2 PPC Projeto Pedagógico de Curso PPP Projeto Político Pedagógico Prograd Pró-Reitoria de Graduação da UNESP SEDLL Sociedad Española de Didáctica de la Lengua y la Literatura TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNESP Universidade Estadual Paulista USAID Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional USC Universidade de Santiago de Compostela USP Universidade de São Paulo LISTA DE QUADROS Quadro 1: Lista de docentes da Área de Espanhol do curso de Letras de Assis ..... 43 Quadro 2: Bibliografia das disciplinas de Literaturas em língua espanhola no curso de Letras em Assis entre os anos de 1970 e 1979 ......................................................... 87 Quadro 3: Bibliografia das disciplinas de Literaturas em língua espanhola no curso de Letras em Assis entre os anos de 1980 e 1989 ......................................................... 88 Quadro 4: Bibliografia das disciplinas de Literaturas em língua espanhola no curso de Letras em Assis entre os anos de 1990 e 1999 ......................................................... 89 Quadro 5: Bibliografia das disciplinas de Literaturas em língua espanhola no curso de Letras em Assis entre os anos de 2000 e 2005 ......................................................... 90 Quadro 6: Bibliografia das disciplinas de Literatura Espanhola e Literatura Hispano- Americana do curso de Filologia Hispânica nos anos 1970 ...................................... 97 Quadro 7: Bibliografia das disciplinas de Literatura Espanhola e Literatura Hispano- Americana do curso de Filologia Hispânica nos anos 1990 ...................................... 97 Quadro 8: Bibliografia das disciplinas de Literatura Espanhola e Literatura Hispano- Americana do curso de Filologia Hispânica nos anos 2000 ...................................... 98 Quadro 9: Bibliografia comum entre os cursos de Letras (UNESP-Assis/Brasil) e Filología Hispánica (USC/Espanha) ........................................................................ 100 Quadro 10: Aspectos comuns às entrevistas de PLLE1 e PLLE2 ........................... 130 Quadro 11: Referências dos textos selecionados nas publicações acadêmicas ..... 140 Quadro 12: Categorias encontradas nos textos selecionados nas publicações acadêmicas ............................................................................................................. 142 SUMÁRIO Introdução ............................................................................................................... 18 Capítulo 1. Histórico do campus de Assis, do curso de Letras e da Área de Espanhol .................................................................................................................. 30 Capítulo 2. O hibridismo do campo do ensino de literatura: sustentação teórica ................................................................................................................................... 49 Capítulo 3. Mapeamento de uma didática das literaturas em língua espanhola a partir da análise de documentos curriculares ...................................................... 69 3.1. Programas de ensino do curso de Letras de Assis ............................................. 81 3.2. Programas de ensino do curso de Filología Hispánica da Universidade de Santiago de Compostela ........................................................................................... 93 Capítulo 4. Representações docentes sobre o ensino de literaturas em língua espanhola: entrevistas e publicações acadêmicas ............................................ 106 4.1. Entrevistas com docentes da Área de Espanhol da UNESP-Assis ................... 106 4.1.1. Entrevista com o PLLE1 ................................................................................ 109 4.1.2. Entrevista com a PLLE2 ................................................................................ 121 4.2. Publicações acadêmicas sobre o ensino de literatura no Brasil e na Espanha ................................................................................................................................. 136 Considerações finais ............................................................................................ 152 Referências ............................................................................................................ 160 Referências bibliográficas das disciplinas de Literaturas em Língua Espanhola no curso de Letras em Assis (1970-2005) ................................................................... 167 Referências bibliográficas das disciplinas de Literaturas em Língua Espanhola do curso de Filología Hispánica da Universidade de Santiago de Compostela (1970-2005) ................................................................................................................................. 179 Anexos ................................................................................................................... 182 Anexo I: Roteiro das entrevistas .............................................................................. 183 Anexo II: Transcrição da entrevista com o PLLE1, realizada em 31/08/2021 .......... 184 Anexo III: Transcrição da entrevista com a PLLE2, realizada em 25/03/2022 ......... 201 Anexo IV: Relatório final de atividades – CAPES PrInt ............................................ 219 Anexo V: Datas importantes para a pesquisa ....................................................... 227 Anexo VI: Programas de ensino das disciplinas de literaturas em língua espanhola no curso de Letras em Assis ......................................................................................... 228 Anexo VII: Programas de ensino das disciplinas de literaturas em língua espanhola no curso de Filología Hispánica da USC ...................................................................... 267 18 INTRODUÇÃO Esta Tese tem como premissa discutir o ensino de literatura em nível superior, mais especificamente em um curso de formação de professores. Para isso, o nosso espaço de pesquisa é a licenciatura em Letras, com ênfase na área de literaturas em língua espanhola, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Assis, graduação que está submetida às diretrizes nacionais e estaduais para a educação superior. Os objetivos que guiaram esta pesquisa (e são recuperados nesta Introdução, bem como em toda a Tese) foram: traçar o percurso histórico do ensino de literaturas em língua espanhola no curso de Letras em Assis, tendo como recorte o período de 1970 a 2005; explicitar e organizar a história do ensino dessas literaturas a partir dos documentos curriculares que sistematizaram as disciplinas responsáveis pelas literaturas hispânicas e das representações sociais dos docentes; analisar rastros discursivos entre as gerações, evidenciando se houve a manutenção ou a atualização de tradições por meio de conceitos, teorias e metodologias; e investigar possíveis heranças filológicas, alicerce do ensino de literatura na Espanha, no curso brasileiro. Nessa perspectiva, buscamos observar os mecanismos mobilizados para organizar o ensino de literaturas hispânicas em um curso de graduação em Letras, sendo esse uma licenciatura. Outra característica que destacamos sobre o nosso contexto de pesquisa é que o curso é oferecido em uma universidade brasileira, ou seja, forma professores para dar aula de literaturas hispânicas como obras escritas em língua estrangeira. Uma vez que essas informações caracterizam o curso de Letras no Brasil, iremos estabelecer comparações com o curso de Filología Hispánica, oferecido na Universidade de Santiago de Compostela (USC)/Espanha1, onde o autor desta Tese passou onze meses (agosto/2021 a outubro/2022), durante um período de Doutorado Sanduíche, financiado pelo Programa Capes PrInt, sob o número de processo: 1 A escolha pela Universidade de Santiago de Compostela para a realização do período de Doutorado Sanduíche ocorreu pelo fato de que alguns docentes do grupo de pesquisa GI-1839 Liter21 da Faculdade de Ciências da Educação da USC possuem consolidadas parcerias de estudo, pesquisa e intercâmbio com docentes do Programa de Pós-Graduação em Letras da UNESP de Assis. 19 CAPES-PRINT 88887.569771/2020-00. Dessa maneira, temos material suficiente para criar paralelos entre os dois contextos culturais e de ensino. Essa comparação objetivou levantar pontos comuns e divergentes em relação ao ensino de literaturas em língua espanhola em cada um desses ambientes acadêmicos, a fim de reconhecer possíveis diálogos entre eles. Ademais, buscamos encontrar reminiscências da perspectiva espanhola sobre o ensino, a filologia, na constituição do curso de Letras da universidade brasileira. Visando formular discussões que contemplem as diversas esferas que compõem a área do ensino de literaturas em língua espanhola, estamos amparados em teorias das áreas de crítica literária, teoria literária e educação, com destaque para a sociologia da educação. Acreditamos que todas essas perspectivas dialogam e se conjugam na construção de uma representação do que é esse ensino. Dessa maneira, recuperamos o conceito de campo, de Bourdieu (1983), para indicar que o ensino de literatura é um campo essencialmente híbrido, pois é formado pela Educação e pela Literatura. Ao didatizar um objeto com a finalidade de torná-lo possível de manejo em um processo de ensino, a educação estabelece intersecções com a área à qual esse objeto pertence; o que significa que o ensino de literatura congrega, diretamente, o diálogo com a teoria e com a crítica literária. Por seu caráter interdisciplinar, esta pesquisa qualitativa se estrutura nos seguintes eixos teóricos e metodológicos: representações sociais (Chartier), história da educação (Chervel), sociologia da educação (Bourdieu), crítica e teoria literária (Barthes, Eagleton), identidade cultural (Hall, Galeano, Santiago), além de contribuições específicas da crítica literária sobre as literaturas de língua espanhola (Pizarro, Pozuelo Yvancos e Aradra Sánchez, Crespo Buiturón). Os conceitos listados serão discutidos, oportunamente, ao longo desta Tese. Pautados na visão de que o campo do ensino de literatura é híbrido, pois se estrutura nas intersecções da educação com a teoria e com a crítica literárias, nos embasamos em Barthes (2004), que defende a concepção de literatura a partir do uso da linguagem como fabricação, como causadora de impacto. Para o autor, a literatura é um produto da linguagem, construído pelo escritor, o que a difere da função social que a língua tem no cotidiano, que possui fins de expressão e comunicação. Essa base teórica nos ampara no campo da crítica literária, uma vez que, embora não 20 trabalhemos com textos literários em si e suas análises, nossa discussão se faz a partir dos documentos norteadores das disciplinas de literaturas de língua espanhola. Ainda no viés de abordagem da crítica literária, recorremos às discussões acerca da formação do cânone literário nas literaturas em língua espanhola a partir das leituras de importantes nomes que atuam na pesquisa e na docência nessa área. Pozuelo Yvancos e Aradra Sánchez (2000) discutem a literatura canônica na Espanha, enquanto Pizarro (1993) e Crespo Buiturón (2015) o fazem no âmbito da América Hispânica; une esses autores o fato de que revelam o caráter conservador do cânone literário em sua reavaliação histórica. Dialogando com essas questões, uma vez que a cultura está diretamente relacionada ao conceito de identidade, recorremos aos estudos de Hall (2015), buscando reconhecer o impacto do debate acerca da formação da identidade no ensino de literaturas de língua estrangeira. A partir das discussões desses estudiosos, temos consciência de que as noções de cânone e de identidade são móveis, pois o olhar sobre a literatura se atualiza e evolui a partir das considerações estabelecidas nos espaços dedicados a elas. O cânone espanhol visava manter uma hegemonia linguística e cultural, por intermédio da literatura, e buscou ser o modelo para as literaturas hispano- americanas. A América Hispânica, por sua vez, viu o auge de sua literatura, chamado de “boom” (anos 1960 a 1970), reformular o que se entendia por cânone literário hispano-americano até então. Consequentemente, as relações Espanha-América Hispânica, que antes tinham como base a influência, iniciam um processo de diálogo e de intertextualidade. Buscamos encontrar nos documentos que compõem as disciplinas do corpus como essa mobilidade dos conceitos aparece refletida. Já autores como Galeano (2004) e Santiago (2013) discutem a noção de não- pertencimento que demarca a formação do cânone literário hispano-americano, uma vez que essa adaptação do cânone espanhol em terras americanas desconsiderou as características próprias desse ambiente (a cor local), como a miscigenação desses povos, representada, principalmente, pelas figuras do negro e do indígena. Buscamos encontrar em que medida essas noções permeiam o corpus desta pesquisa, a partir da presença de temas e de obras literárias e teóricas que contemplem tal perspectiva. 21 Assim, propondo ampliar nossa investigação, questionamos a representação de identidade nacional atribuída aos povos hispânicos, processo que se concretiza, sobretudo, por meio do cânone literário. Acerca desse último, refletimos sobre a representação que se atribui a ele no Brasil e fora dele, uma vez que partimos do contexto de um país latino-americano de língua portuguesa e que possui o desafio de ensinar literaturas de língua espanhola. A partir desse viés, buscamos problematizar o ensino dessas literaturas para alunos brasileiros, que vão, na maioria, ter esse ensino como uma demonstração de acesso profissionalizado a essas literaturas; portanto, as dificuldades enfrentadas em tal processo terão reflexo na formação docente. A perspectiva adotada na pesquisa para visualizar o ensino de literaturas de língua espanhola é permeada pelo conceito de representações sociais (Chartier, 1991, 2001, 2011), uma vez que os documentos que estruturam esse ensino são dotados de representações. Assim, a presente pesquisa se situa igualmente na área de educação e de literatura, o que nos permite análises abrangentes e contundentes em uma possibilidade de crítica literária. Consideramos importante, ainda no início desta Tese, definir o conceito de didática, noção que buscamos reconhecer a partir da análise do corpus selecionado para a pesquisa. Segundo Pimenta (2013, p. 144), [...] a didática pode ser considerada como a ciência do ensino, a arte do ensino, uma teoria da instrução, uma teoria da formação, ou mesmo uma tecnologia para dar suporte metodológico às disciplinas curriculares. De alguma forma, sempre esteve ligada às questões postas pelos processos de ensino, compreendidos como instrumentos de poder, a serviço de interesses diferentes e contraditórias finalidades. De acordo com a autora, o processo de organizar o ensino de um conteúdo, desde as escolhas teóricas e metodológicas até a estruturação de uma disciplina ou outro contexto de ensino é o que se denomina didática. Assim, acreditamos que nossas fontes de dados, por serem dotadas de representações sociais, possibilitam emergir uma didática das literaturas em língua espanhola. O corpus desta pesquisa é composto por: 1. programas2 das disciplinas de literaturas de língua espanhola do curso de graduação em Letras da UNESP, campus 2 Partimos da seguinte definição de programa: lista total das disciplinas que compõem um curso ou que serão cobradas num concurso; discriminação dos tópicos sobre os quais versam essas disciplinas. 22 de Assis3, no período de 1970 a 2005; 2. Projeto Político Pedagógico4 e outros documentos norteadores para o curso dentro do recorte cronológico estabelecido; 3. entrevistas com docentes que atuaram nesse período; 4. publicações veiculadas nesses anos em periódicos e/ou como resultados de eventos científicos da área de ensino de língua e de literatura. Dessa maneira, nossa diretriz é a análise documental, uma vez que todo esse corpus converge para uma documentação do ensino de literatura. Pautados pelo campo da didática em Libâneo (2014) e pela teoria literária por Eagleton (1997), partimos da hipótese de que a década de 1970 possuiu um caráter de ensino considerado tecnicista, com uma formação voltada para o trabalho, visando à qualificação de mão-de-obra, e que isso pode ter afetado a concepção de ensino de literatura na universidade, o que se reflete na elaboração das disciplinas que integram o corpus. Assim, justificamos o período selecionado porque, na década de 1970, o curso de Letras passa a ser oferecido nos períodos diurno e noturno, conforme dados encontrados nos programas de ensino e em textos que resgatam a história do curso. Essa característica de oferta em dois turnos se mantém até os dias atuais. Ainda, nesse mesmo período, ocorre o apogeu do ensino de base tecnicista, em uma época em que o curso já estava estabelecido em Assis, porém, ainda em fase de estruturação. Ademais, buscamos analisar, a partir da confirmação ou da refutação dessa hipótese, a maneira de se pensar o ensino nas décadas seguintes. O ano limite da investigação, 2005, representa aquele em que foi instaurada na UNESP de Assis a nova grade curricular, resultado da reestruturação pela qual o curso de Letras passou. Como os documentos curriculares das disciplinas de literaturas em língua espanhola do curso de Letras em Assis e do curso de Filología Hispánica em Santiago de Compostela recebem esse nome por suas universidades, decidimos adotá-lo, igualmente, nesta pesquisa. Contudo, reconhecemos que outras instituições de ensino se referem a esses documentos como plano ou ementa. No caso dos programas de ensino do curso de Letras em Assis, ementa representa uma das seções que compõem o programa, responsável por apresentar os tópicos que caracterizam suas unidades. 3 A princípio, incluíramos, nesta pesquisa, os documentos curriculares relativos aos cursos de Letras/Espanhol oferecidos em outros campi da UNESP, Araraquara e São José do Rio Preto, porém, optamos por fazer um recorte mais específico, com vistas a ter mais possibilidades de verticalização das discussões. 4 Atualmente, usa-se também o nome Projeto Pedagógico de Curso (PPC), em diversas instituições de ensino, para referir-se a esse documento. 23 Durante esse percurso temporal, a estrutura e a nomenclatura das disciplinas selecionadas para o nosso corpus sofreram modificações, assim como sua carga horária dentro da grade curricular do curso e seu conteúdo programático. Tais alterações seguem as diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão pertencente ao Ministério da Educação (MEC), responsável por regular a qualidade da educação em âmbito nacional e do Conselho Estadual de Educação (CEE), que possui responsabilidades na esfera estadual. Uma vez que os órgãos mencionados estabelecem as diretrizes para o ensino em todos os níveis, inclusive o superior, os responsáveis pelos cursos passam a dialogar com outras universidades em busca de uma grade que contemple todas as áreas. Essas, por sua vez, disputam o espaço dentro da carga horária disponível – no caso do curso de Letras da UNESP de Assis, as áreas são: Educação, Linguística, Literatura e Línguas e Literaturas Estrangeiras. O resultado desses embates também representa o que a área de espanhol entende por literaturas hispânicas, já que entra para o programa de ensino das disciplinas somente o que é considerado como representativo para o ensino desses saberes. Na UNESP-Assis, a graduação em Letras tem a especificidade de ser uma licenciatura, logo, é um curso de formação de professores. Tal característica potencializa a importância desta pesquisa, que não teve como objetivo apenas analisar a maneira como estão sendo ensinadas as literaturas hispânicas, mas também, e principalmente, o modo como esse ensino repercute na prática docente desses futuros professores por meio das escolhas teóricas, metodológicas e literárias (canônicas ou não); tudo isso, por sua vez, compondo as relações pedagógicas. Tencionamos encontrar, após a análise dos documentos selecionados, qual é o conceito de literatura e de didatização da literatura em que se baseiam esses professores, que não apenas elaboram as disciplinas, mas também que as colocam em prática na sala de aula, discutindo a presença de possíveis elementos pouco atualizados ao longo dos anos, tais como a tradição literária e metodologias de ensino. Visamos, assim, à identificação das correntes literárias eleitas para a composição das disciplinas, ou seja, a corrente filosófica de ideias e conceitos que embasam sua visão e sua análise de literatura. Esse processo de análise nos permite compreender as lógicas internas que engendram o ensino de literaturas em língua 24 espanhola, uma vez que revela em qual base teórica os conceitos relacionados à literatura estão fundamentados e de que forma são levados à esfera do ensino. Incluir essa identificação significa entender os mecanismos do ensino de literatura, a partir da relação lógica entre a crítica literária e as metodologias de ensino. Ou seja: para ensinar literatura, é necessário que essas duas esferas, aparentemente distantes, se interseccionem, resultando em uma análise crítica e fundamentada do docente sobre lidar pedagogicamente com o texto literário. Ademais, reconhecer as escolhas pelas correntes literárias que dão alicerce ao ensino traz à superfície, ainda, as representações sociais dos docentes que conduziram e estruturaram essas disciplinas, pois a escolha por uma determinada teoria e por uma determinada crítica não é inconsciente, pelo contrário, é demandada pelas representações sociais desses profissionais em relação ao que é ensinar literatura. Desse modo, buscamos mapeá-las para reconhecer a visão de literatura que está representada nesses documentos e que resulta, consequentemente, na maneira de ensiná-la. Destacamos, ainda, que as representações de literatura que permeiam o ensino têm como espaço de atuação o campo literário. Para Bourdieu (1992), existem obras que alcançam um alto status e, por consequência, ocupam o centro do campo literário. Essas obras são o que chamamos de cânone, pois representam a literatura consagrada, que está nesse lugar privilegiado e praticamente intocável; elas norteiam esse campo e representam o caminho que outras obras devem percorrer se quiserem alcançar o mesmo status. Já nas margens do campo estão as obras que permanecem em constante embate, na tentativa de acessar o centro. O campo é um espaço que, embora não seja material, funciona com os mesmos princípios físicos, quer dizer, dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. Dessa maneira, para que uma obra (ou agente do campo) possa acessar o centro do campo, outra precisa ceder espaço para ela, não pacificamente, mas por meio de muitos embates. Quando esse espaço é cedido, ou conquistado, a obra alcança o centro do campo, o que lhe atribui outras possibilidades de representações, podendo afetar, inclusive, a esfera do ensino. Para incluir obras que venham a alcançar o centro do campo, conquistando um status que as aproxima do cânone, todo o campo passa a enxergá-la a partir de outras 25 representações, atualizadas, o que demanda crítica e teoria adequadas para manejar a sua análise e também o seu ensino, ou a sua didatização. Alguns vieses críticos que nortearam e ainda norteiam o modo de pensar a literatura, segundo Eagleton (1997), são o existencialismo, corrente que acredita que o texto literário apenas se realiza na figura do leitor, que, por sua vez, tem liberdade para produzir sentidos sobre ele, fazendo a linguagem transcender; o marxismo, cujo objetivo recai sobre a concepção das formas, dos estilos e dos sentidos como produto de uma história determinada coletivamente; o estruturalismo, que entende o texto literário como uma problemática da linguagem e o escritor como responsável por trabalhar com os elementos linguísticos no processo de escrita; e, posteriormente, a estética da recepção, reformulação dada à relação entre autor-obra-leitor, citando apenas alguns. Cada uma dessas correntes é substancialmente diferente da outra e demarca uma visão histórica particular de abordagem, aqui encarada como ensino dessas literaturas. O reconhecimento das correntes presentes nos documentos das disciplinas e nos discursos dos docentes nos ajuda a entender qual é a representação de literatura que se tem, visto que esse é um conceito estabelecido a partir da teoria e da crítica, instâncias de poder, que emanam de um discurso encrático com ares de acrático. O discurso encrático é o discurso “no poder (à sombra do poder)” (BARTHES, 2012, p. 127, grifo do autor), ou seja, é aquele que naturaliza conceitos e ideologias, de acordo com os seus interesses, fazendo com que não haja reflexões constantes sobre o que está posto por ele. É o discurso de quem alcança o centro de campo conceituado por Bourdieu (1983), de quem detém os privilégios sociais necessários para alcançar o poder. Já o discurso acrático é o que está “fora do poder (ou sem poder, ou ainda sob a luz do não poder)” (BARTHES, 2012, p. 127, grifo do autor). É importante destacar que estar fora do poder não quer dizer, necessariamente, que está contra o poder. Esse discurso tem um caráter renovador, uma vez que é marcadamente ideológico, assim, busca questionar a naturalização dos conceitos. O discurso acrático é o discurso do intelectual, do pesquisador e também do escritor, pois eles refletem e interrogam o seu próprio discurso. 26 A partir do que é explicitado por Barthes, podemos reconhecer que o discurso acrático pode tornar-se encrático, à medida em que vai se naturalizando e ganhando poder. Apenas a literatura é capaz de não sucumbir aos embates entre o encrático e o acrático, pois somente ela pode estar fora do poder, além da linguagem, já que se dá “no esplendor de uma revolução permanente da linguagem” (BARTHES, 2015, p. 17). Sendo assim, o discurso acadêmico está inserido nesse sistema linguístico fechado e que necessariamente o situa em um lugar ou outro desses embates, porém, quando trata do ensino de literatura, tem como objeto um discurso que foge de todo esse sistema. A linguagem não é suficientemente fechada para enclausurar a literatura, mas o é para o discurso acadêmico sobre o ensino da literatura. O reconhecimento desses discursos se dá, nesta pesquisa, por meio da análise documental. Para isso, recorremos a Menga Lüdke e Marli André (1986), professoras e investigadoras da área de educação, que possuem importantes estudos sobre a pesquisa com base em documentos. As autoras, que representam, então, nosso principal referencial metodológico, afirmam que: Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentam afirmações e declarações do pesquisador. Representam ainda uma fonte ‘natural’ de informação. Não são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 39). Desse modo, a partir do que explicitam as autoras, podemos compreender o contexto em que cada programa de ensino, cada arquivo estruturante do curso e cada discussão acerca do assunto estão inseridas por meio do próprio documento, que está localizado em um determinado tempo e um determinado ambiente, ou seja, em contextos históricos e sociais. De maneira correlata, consideramos a potencialidade desses arquivos como “lugares de memória”, como definido por Pierre Nora (1993), pois estes contêm aparência material e caráter funcional, mas também são dotados de aura simbólica e possuem, na sua fisicalidade, o recorte de uma unidade temporal carregada de lembrança. Assim, nossa perspectiva se aproxima do que formula Roger Chartier (2001, p. 11), quando indica que “A materialidade do suporte passa a ser inalienável do espírito das representações a que seus usos deram margem”, ou seja, para que reflitamos sobre a história das práticas de ensino de literaturas em língua espanhola 27 no curso de Letras da UNESP de Assis, é de extrema necessidade a análise cautelosa dos documentos que mapearam e que deram forma material a esse processo. Ao investigar e traçar a trajetória do ensino de literaturas de língua espanhola no curso de Letras da UNESP de Assis, pudemos observar quais foram as tendências literárias seguidas, quais as metodologias aplicadas para o ensino dessas literaturas, os autores selecionados para serem trabalhados e de que maneira essas escolhas construíram uma perspectiva de formação de professores e como atuaram na perpetuação da estrutura das próprias disciplinas, ao longo dos anos. Com base no explorado, a hipótese que direcionou nossa pesquisa é a de que existe uma tradição que se perpetua entre as gerações de professores e também de alunos (que são professores em formação) e que se baseia no cânone literário, o que resulta em uma seleção pouco variada de autores e obras a serem estudados nas disciplinas. Ainda, cremos que possivelmente haja metodologias que atravessam gerações e que falta abertura para as novas tendências no ensino de literatura. Acreditamos, então, que a universidade faz a manutenção de conteúdos e metodologias sem muito espaço para reflexão e atualização, o que podemos chamar de “perspectiva canônica do ensino de literatura”. Portanto, visamos à análise dos documentos que registram a estruturação dessas disciplinas e dos discursos dos docentes, buscando levantar elementos que comprovassem a nossa tese ou que promovessem uma discussão e revisão em torno dela. Obtivemos dados e informações que puderam contribuir para a elaboração da trajetória do ensino de literaturas em língua espanhola em nível superior e que deram subsídio para a discussão acerca da manutenção ou da atualização de tradições literárias e de metodologias de ensino. A seguir, apresentamos a estruturação dos capítulos desta Tese: O Capítulo 1 traça o percurso histórico do curso de Letras em Assis, desde a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, em 1958, até se tornar um campus da UNESP, em 1976. Enquanto a faculdade se estabelecia, a área de espanhol se construía, paralelamente, consolidando-se na década de 1990. A trajetória apresenta pontos importantes, que ilustram a essência de raiz filológica que estabeleceu o curso, incluindo as modificações necessárias pelas quais ele passou, até o ano de 2005. 28 As discussões de cunho teórico são apresentadas no Capítulo 2, momento do texto em que fazemos importantes reflexões conceituais acerca do campo e habitus de Bourdieu (1983, 1992, 2007), das representações sociais de Chartier (1991, 2011), do cânone literário espanhol com Pozuelo Yvancos e Aradra Sánchez (2000), do cânone na literatura hispano-americana com Crespo Buiturón (2015) e Pizarro (1993); e relacionamos todos esses conceitos a partir do que a linguagem nos revela, pautados em Barthes. Já o Capítulo 3 se centra na descrição do corpus e na aplicação dos conceitos teóricos na análise dos dados obtidos. Os programas de ensino e os Projetos Políticos Pedagógicos são verticalmente investigados, buscando-se, pelos rastros discursivos, mapear e analisar o maquinário do ensino de literaturas em língua espanhola no curso de Letras da UNESP de Assis. Nesse mesmo processo, buscamos estabelecer paralelos com os documentos que norteiam o ensino de literaturas em língua espanhola no curso de Filología Hispánica da Universidade de Santiago de Compostela. O Capítulo 4 é composto pelas representações docentes em relação ao ensino de literaturas em língua espanhola e está dividido em duas partes: 1. discussões a respeito da formação de professores de literatura a partir da análise de entrevistas com dois docentes que atuaram na área de espanhol do curso de Letras da UNESP de Assis ao longo de décadas contempladas por esta pesquisa. Os discursos dos docentes apresentados nas entrevistas revelam importantes aspectos que complementam e se contrapõem aos dados obtidos através dos programas de ensino. Com base nessas reflexões, visamos contribuir para reconhecer o perfil de professores de literaturas em língua espanhola que se formou ao longo desses anos. 2. a sistematização de textos publicados em periódicos e em anais de eventos científicos, no Brasil e na Espanha, uma vez que esses materiais colaboram para se pensar o ensino de literatura. Em decorrência do que encontramos nesses textos, abordamos os conceitos de didática da literatura, metodologias de ensino de literatura, literatura comparada, filologia e estudos culturais. Por fim, nas considerações finais, retomamos nossos objetivos e nossa hipótese de pesquisa, destacando o trabalho percorrido no processo de tentar respondê-los. Ademais, destacamos a necessidade de haver outros estudos na área 29 de ensino de literaturas em língua espanhola e formação de professores de literaturas hispânicas para que essas discussões se mantenham sempre atualizadas. Após as referências bibliográficas das leituras que embasaram esta pesquisa e das bibliografias das disciplinas de literaturas em língua espanhola no curso de Letras em Assis e no curso de Filología Hispánica da Universidade de Santiago de Compostela, incluímos os anexos. São eles: o roteiro de entrevistas com professores que atuaram na Área de Espanhol do curso de Letras da UNESP de Assis (Anexo I), para que se possa visualizar esse instrumento de coleta de dados; as transcrições das entrevistas com o PLLE1 (Anexo II) e com a PLLE2 (Anexo III), o que permite o acesso aos discursos integrais dos docentes; o relatório do meu Doutorado Sanduíche na USC, Espanha (Anexo IV), que demonstra as atividades desenvolvidas nesse período; uma lista de datas importantes, que nortearam esta pesquisa (Anexo V); e, por fim, programas de ensino que representam o panorama histórico das disciplinas de literaturas em língua espanhola no curso de Letras em Assis (Anexo VI) e no curso de Filología Hispánica da USC (Anexo VII). 30 CAPÍTULO 1 Histórico do campus de Assis, do curso de Letras e da Área de Espanhol Reiteramos que esta Tese foi desenvolvida a partir do desdobramento e da complementação da pesquisa que resultou na minha Dissertação de Mestrado (BARROS, 2018), cujo objetivo foi analisar a presença de textos literários hispano- americanos em duas coleções de livros didáticos de espanhol como língua estrangeira e constatou que a literatura ainda é pretexto para o ensino do idioma; e que ainda há a predileção pela escolha de textos pertencentes ao cânone com a finalidade de representar a literatura desses povos. Conscientes de que esses materiais foram produzidos e organizados por ex-estudantes de Letras, que hoje são profissionais que atuam na área, despertou-nos o interesse por investigar os processos de formação acadêmica em Letras a fim de se compreender melhor a formação literária desenvolvida nesses cursos e que, consequentemente, encontram-se refletidas nas obras didáticas ou na vida profissional, pois são frutos das representações sociais. Selecionamos como corpus de pesquisa as disciplinas de literaturas em língua espanhola do curso de graduação em Letras com ênfase na formação em espanhol, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Assis, licenciatura que, como já citado, está submetida às diretrizes nacionais e estaduais para a educação em nível superior. Neste primeiro capítulo, visamos traçar o percurso histórico do campus de Assis, destacando, sobretudo, a relação entre o ensino de língua espanhola e de suas literaturas com a constituição do curso de Letras na unidade. Compreender o cenário do ensino do espanhol no período cronológico contemplado por essa pesquisa requer a necessidade de olhar em direção ao passado e conhecer a trajetória da instituição, o desenvolvimento do curso de Letras e, então, poder reconhecer o espaço ocupado pelos estudos hispânicos nesse contexto. Para isso, nos valemos, sobretudo, de uma pesquisa realizada na área de ensino em nível superior, a dissertação de Mestrado em História de Fábio Ruela de Oliveira, intitulada História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis (1958-1964): memória da formação de um Instituto Superior no interior paulista, de 31 20025. Além disso, outras fontes importantes para a constituição deste capítulo são os Anais do Segundo Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, de 1961; alguns textos presentes em números da Revista de Letras, criada em 1960; a participação do professor Carlos Erivany Fantinati em uma mesa redonda do evento “Faculdade de Ciências e Letras de Assis (1958-2008) 50 anos. Por que comemorar?”, em comemoração ao cinquentenário do campus de Assis e do curso de Letras, que se tornou o texto “Achegas para os cinquenta anos do curso de Letras”, de 2011, e a fala do professor Antônio Roberto Esteves na mesma ocasião, intitulada “A FCL de Assis/UNESP: meio século atuando na formação de professores de espanhol”6. Uma vez que este capítulo se dedica à história do campus de Assis e listamos acima uma série de textos que contribuem par a manutenção da memória da faculdade, acrescentamos o livro A trajetória da Faculdade de Ciências e Letras de Assis nos desafios educacionais do ensino superior: entre o passado e o futuro (2012), organizado pelas professoras Zélia Lopes da Silva e Sandra Aparecida Ferreira, resultado do evento ocorrido em 2008, citado no parágrafo anterior. Tal publicação reúne fotografias e textos produzidos no decorrer das comemorações e contribui significativamente para a ilustração desse marco da história da faculdade, sobretudo, por resgatar e registrar importantes memórias. Embora o corpus desta pesquisa compreenda o ensino de literaturas em língua espanhola entre os anos de 1970 e 2005, justificamos a necessidade e a importância de traçar o percurso histórico da faculdade, do curso de Letras e da Área de Espanhol desde a sua fundação, no final da década de 1950, para, assim, podermos compreender como esse ensino foi estruturado, quais são as suas raízes e bases, e também para reconhecer características que possam ter sido mantidas, atualizadas ou reorganizadas ao longo dos anos. Assim, nesta seção, recuperamos essa trajetória desde os primeiros passos do curso de Letras em Assis até a primeira reestruturação do curso, em 2005. 5 A Dissertação de Mestrado em História de Fábio Ruela de Oliveira foi publicada em formato de livro digital, intitulado História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis (1958-1964): memória da formação da FCL-UNESP, em 2020, pela Editora UNESP. Optamos por manter as referências à Dissertação, texto lido durante a escrita desta Tese. 6 O texto referente à fala do professor Esteves nunca foi publicado e foi gentilmente cedido por ele para o autor desta Tese. 32 O curso, desde a sua fundação, ocupou-se em formar professores para atuar no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, o que o caracteriza como um curso de licenciatura. Sendo assim, seu eixo central sempre foi a formação básica do aluno nas diversas subáreas contempladas pelas Letras (linguística, literatura, língua portuguesa e línguas estrangeiras), associada à reflexão sobre esses conhecimentos, visando a prática docente. Portanto, o curso sempre objetivou uma formação humanística ampla, que possibilitasse ao aluno intervir nas relações sociais, como professor, formação mais direta, mas também como pesquisador e intelectual, por crer que a educação é a base para a construção de uma cidadania mais igualitária. Destacamos, nesse percurso histórico, o ensino de línguas estrangeiras e, consequentemente, das suas literaturas. O contato com a cultura do outro, através das manifestações linguísticas e literárias, permite repensar sua própria cultura em um ambiente de respeito pela diversidade cultural. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis (FFCL), também conhecida como FAFIA foi criada pela Lei 3.826 de 06/02/19577 e instalada no ano seguinte, em 16/08/1958. Essas datas são muito importantes para a condução desta pesquisa, uma vez que situam temporalmente não apenas o estabelecimento dos estudos das Letras nessa cidade do interior paulista, mas também marcam a formação de um curso que já conta com décadas de duração, e que, nesse momento histórico, ganha um perfil. A manutenção ou a atualização desse perfil guia esta investigação. O primeiro curso posto em execução na FFCL foi o de Letras, no mesmo ano de sua inauguração, e que funcionou em período integral até 1966. O ensino nos moldes de período integral “foi proveniente na profícua relação entre docentes e discentes, que ficavam juntos literalmente 8 horas por dia em cima dos estudos” (OLIVEIRA, 2002, p. 75). Dessa forma, buscava-se um ensino universitário de caráter renovador, que proporcionasse aos alunos uma formação embasada em uma alta carga horária teórica e, principalmente, em um contato estreito com os docentes. Todavia, uma crítica que podemos atribuir a esse sistema de ensino é a possível exclusão dos alunos que precisavam trabalhar para se manter e, por consequência, não tinham a possibilidade de frequentar um curso em período integral. 7 Disponível em https://www.al.sp.gov.br/norma/37715. Acesso em: 20 mai. 2021. 33 O corpo docente foi formado a partir de grandes nomes da área, tanto brasileiros, como estrangeiros, com a tarefa de “proceder à renovação dos estudos das Letras, enquanto busca dialética entre interiorização e internacionalização da cultura” (FANTINATI, 2011, p. 316). Essa busca está nos fundamentos do curso, visto que era uma tentativa do governo do estado de São Paulo de descentralizar os estudos acadêmicos, fazendo com o que interior ganhasse força nessas discussões, ao mesmo tempo em que a presença de professores estrangeiros contribuía para um debate sobre o campo das Letras que extrapolava os limites do território nacional. Em 1960, a Lei número 5.581, de 21/01/19608, estrutura a FFCL, organizando as cadeiras distribuídas nos Departamentos, em relação às atividades de ensino e pesquisa que se desenvolviam. Nesse contexto, as cadeiras de Língua e Literatura Espanhola e Literatura Hispano-Americana pertenciam ao Departamento de Letras Românicas e tiveram como primeiro docente o professor espanhol Julio Gregorio García Morejón, formado na tradicional Universidade de Salamanca, que atuou na área de espanhol do campus entre os anos de 1958 e 1960. Com a saída de García Morejón, ingressa o segundo professor da área, o também espanhol e igualmente formado pela Universidade de Salamanca, Ricardo Navas Ruiz, que permanece como docente do curso de 1960 a 1962. Não é por acaso que os primeiros docentes espanhóis a chegarem a Assis para atuar na área sejam formados pela Universidade de Salamanca, já que é a mais antiga da Espanha e uma das quatro mais antigas da Europa, ao lado das Universidades de Paris (França), Oxford (Inglaterra) e Bolonha (Itália). É a única universidade espanhola que tem se mantido ativa através dos séculos, de 1218 até os dias atuais9. Segundo Oliveira (2002), muitos docentes que atuaram nos primeiros anos do curso de Letras em Assis conseguiram desenvolver, graças ao tempo integral, pesquisas de doutoramento e de livre-docência. Entre eles, destacamos o professor García Morejón, que realizou sua pesquisa sobre o escritor espanhol Miguel de Unamuno. O movimento que aconteceu na época foi o de os professores, conforme concluíam seus títulos, deixarem a Faculdade de Assis e irem trabalhar em outras instituições, principalmente, na Universidade de São Paulo (USP). Foi nesse 8 Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/norma/40438. Acesso em: 20 mai. 2021. 9 Informações obtidas em: https://www.usal.es/historia. Acesso em: 08 dez. 2022. 34 movimento que García Morejón deixou a cadeira da área de espanhol e foi substituído por Navas Ruiz. Em entrevista a uma das atuais professoras de literaturas em língua espanhola da UNESP de Assis, Maira Angélica Pandolfi, em 2013, Navas Ruiz declara, quando indagado sobre a sua experiência como um dos primeiros docentes da área no campus: Ampliou minha visão sobre o hispanismo, fazendo-me enxergar a importância da América Hispânica diante da estreita visão monolítica e estratégica daquela Espanha onde havia sido educado. Ajudou-me a descobrir a beleza e a importância de países como o Brasil. Fomentou-me o gosto pelo ensino e pela pesquisa a partir do exemplo de outros colegas com mais experiência que me facilitaram o acesso a alguns materiais importantes (NAVAS RUIZ, 2013). Nota-se, em sua narrativa, que o professor espanhol revê e reorganiza aspectos de sua formação ao se deparar com um contexto cultural e acadêmico em que as demandas eram outras, como é o caso de se ensinar questões relacionadas ao hispanismo no Brasil. Com isso, desperta, nele, o interesse pelo ensino e pela pesquisa, bases em que o curso de Letras em Assis vai se amparando ao longo de sua história, conforme indicado pelo docente, a partir de diálogos entre os próprios docentes do curso. Em outro momento da entrevista, Pandolfi questiona Navas Ruiz sobre a sua perspectiva em relação ao ensino de espanhol no Brasil, naquele momento histórico, início dos anos 1960, ao que ele responde: O ensino do Espanhol nesse momento era bem mais limitado e restrito basicamente a determinadas universidades e núcleos de interesse. Contudo, é também nesse momento que ele avança em disparada. Esse fenômeno se deve, sem dúvida, ao nascimento de uma consciência latino americanista em países como o Brasil, Argentina, Peru e México, que são aproximados por meio de uma série de acordos de cooperação. [...] Até resultaria uma boa tese o levantamento histórico-documentado de toda essa época. É óbvio que o momento atual é incomparavelmente mais exitoso, tornando-se quase inútil recordá-lo aqui. [...] Gostaria de dizer, portanto, que se as coisas chegaram a esse ponto aquelas origens não podem ser ignoradas pelos hispanistas brasileiros de hoje. A memória histórica, além de uma questão de justiça, é uma garantia da continuidade das instituições (NAVAS RUIZ, 2013). Destacamos, nessa fala de Navas Ruiz, a recuperação histórica feita por ele ao rememorar o cenário do ensino de espanhol (língua e literatura), naquele período, e alguns dos fatores que contribuíram para o aumento de discussões em torno do tema. 35 Os acordos de cooperação entre os países latino-americanos, que incluíam o Brasil, passaram a aproximar o nosso contexto cultural de nossos vizinhos hispânicos. Outro ponto de relevância é a atenção dada pelo professor à necessidade de haver um movimento de manutenção da memória histórica do hispanismo no Brasil, por justiça àqueles que estabeleceram esse espaço no campo educacional brasileiro e para garantir a permanência dessa área nas instituições de ensino. Nesse sentido, Navas Ruiz, inclusive, sugere a realização de pesquisas sobre esse período histórico a partir de um levantamento documental. O que fazemos, nesta Tese, é contribuir para a organização dessa história e dessa memória, pois consideramos fundamental que elas se mantenham vivas e documentadas. Ainda na década de 1960, é criada a Revista de Letras, periódico que se destina a divulgar a produção intelectual dos professores da FFCL e que, conforme consta no segundo volume, na página 4, “empenha-se também na colaboração de todos os especialistas em Letras”. A revista é fundada por incentivo do então diretor do campus, o professor Antônio Soares Amora, e dos esforços dos professores que atuavam no curso, dentre os quais destacamos Antonio Candido. O primeiro número é publicado em 1960, apenas dois anos após a fundação da Faculdade, e conta com a presença do professor García Morejón, da área de espanhol, tanto na comissão de redação, quanto como autor de um dos artigos. No mesmo ano, a revista ganha destaque em uma reportagem de Lívio Xavier no jornal O Estado de São Paulo, que escreve uma crítica muito positiva sobre ela em sua coluna e, ainda, é bem recebida pela comunidade universitária portuguesa, que reconhece a sua importância no campo das Letras e ilustra o reconhecimento internacional da publicação (OLIVEIRA, 2002). Até os dias de hoje, podem-se encontrar exemplares da Revista de Letras em bibliotecas de universidades de Portugal e da Espanha (como na biblioteca da Faculdade de Filologia da Universidade de Santiago de Compostela). O volume 2 da Revista de Letras, de 1961, apresenta mais um artigo do professor García Morejón e, ainda, um artigo de Navas Ruiz, que já atuava como docente no campus, intitulado “Sobre la enseñanza del español”. Damos destaque a esse texto, pois é composto por importantes reflexões sobre o ensino de língua espanhola e literaturas em língua espanhola. Assim, seu artigo é uma das bases para as discussões acerca do ensino de literaturas hispânicas nesta pesquisa, uma vez 36 que apresenta alguns caminhos para esse ensino, que podem ter sido mantidos nas décadas seguintes. O periódico teve uma primeira fase, entre os anos de 1960 e 1977, o que abarca os números de 1 a 19, quando ainda era uma produção do curso de Letras de Assis e contava com artigos das áreas de estudos linguísticos e literários. Com a criação da UNESP, em 1976, a revista passou a dedicar-se apenas aos estudos literários e conta com membros dos três campi que oferecem o curso de Letras em sua comissão organizadora: Assis, Araraquara e São José do Rio Preto. Nesse formato, a revista segue sendo publicada até os dias atuais e ainda conta com publicações de docentes da área de espanhol. Ainda em 1961, entre os dias 24 e 30 de julho, acontece na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis o Segundo Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, que reúne grandes nomes da área de Letras, sobretudo da área de Estudos Literários, e resulta em importantes discussões reunidas nos anais do evento. O congresso contou com a “Mesa redonda acerca dos problemas do ensino de literatura”, composta por nomes de destaque na área, como Jorge de Sena, Jonas Speyer, João Alexandre Barbosa e Adolfo Casais Monteiro. Essa mesa [...] veio a se orientar no sentido da discussão de um problema menos amplo, mas com a vantagem de estar ligado mais diretamente à realidade brasileira e particularmente à finalidade e aos currículos de ensino do Curso de Letras das nossas Faculdades de Filosofia (CONGRESSO BRASILEIRO DE CRÍTICA E HISTÓRIA LITERÁRIA, 1961, p. 637). Assim, embora visto como “um problema menos amplo” dentro da área de Letras, que se preocupa, majoritariamente, em investigar outras esferas da literatura, como a crítica e a teoria literária, por exemplo, destacamos que a problemática sobre o seu ensino em nível superior já era discutida desde os primórdios do curso de Letras em Assis. Esse destaque é de suma importância, pois não podemos perder de vista que o curso visa – e sempre visou – formar professores, logo, debates dessa natureza devem sempre estar presentes em congressos acadêmicos. Um dos objetivos desta pesquisa é mapear tais discussões, tendo como objeto específico as literaturas em língua espanhola. Nos anos de 1963 e 1966, houve reestruturações no curso de Letras de Assis, no que se refere ao agrupamento das cadeiras nos Departamentos e também à 37 estrutura curricular. Na primeira delas, a de 1963, eliminaram-se as cadeiras de Língua e Literatura Espanhola e Literatura Hispano-Americana, momento em que não havia professor no campus para ocupá-las; acredita-se que tal hiato se deve a essa ausência de docentes especialistas na área para trabalhar na unidade. As cadeiras retornam na reestruturação seguinte, em 1966, com a contratação da professora Elza Accorsi. Nesse mesmo ano, o curso deixa de ser integral e passa a funcionar no período diurno; já em 1970, cria-se o curso em período noturno, passando a oferecer duas turmas com a mesma grade curricular, possibilitando aos estudantes que trabalhavam durante o dia a oportunidade de cursar Letras e, com isso, o corpo docente adequou- se a essa oferta de modo gradual. No ano seguinte, ocorre a fusão dos Departamentos de Letras Anglo-Germânicas e de Letras Neo-Latinas10, o que dá origem ao Departamento de Letras Modernas, constituição que se mantém até os dias atuais. A oferta de cursos em período noturno na UNESP foi tema de investigação conjunta entre docentes de cada um dos campi que ofereciam cursos nesse turno nos anos de 1990 e resultou no estudo O ensino noturno na UNESP (BERNARDO, 1996), publicado pela Pró-Reitoria de Graduação da UNESP (Prograd). Como representante da FCL-Assis, consta na investigação a professora Dra. Letizia Zini Antunes, docente da área de italiano do Departamento de Letras Modernas. O curso de licenciatura em Letras da UNESP de Assis é tema das páginas 220 e 221, que trazem um breve percurso histórico da oferta do curso nos períodos diurno e noturno, destacando números de ingressantes e de formandos de cada turno. Podemos relacionar as fases do curso de Letras em Assis e, consequentemente, a habilitação em espanhol, às modificações da estrutura universitária brasileira, decorrentes, por sua vez, dos acontecimentos políticos no país. Em 1963, ocorre o primeiro golpe do período, quando Ademar de Barros interrompeu as políticas educacionais que vinham sendo aplicadas pelos governos anteriores, aos quais estava ligada a equipe fundadora da Faculdade. Outro marco que altera os rumos do ensino superior é o início da ditadura militar, em 1964, que representou um golpe para o curso de Letras, que perdeu vários 10 No período em que ocorre a fusão dos Departamentos, a palavra “Neo-Latinas” possuía a grafia reproduzida. 38 professores e teve muitos alunos presos, principalmente em 1968, com o endurecimento do AI-511. Podemos associar a reestruturação do curso de Letras de 1966, quando termina o curso integral, à nova política educacional do país, o que marcou o fim de uma experiência educacional inovadora. Alguns resultados positivos desse período são: a configuração dos Departamentos, mesmo antes do final das Cátedras, o que visava racionalizar o trabalho de ensino e pesquisa; a transferência das decisões para o corpo docente, importante processo de democratização da Universidade; e a preocupação com a qualidade do material e com o local de trabalho dos professores. O fim do denominado “ensino humanista” foi marcado pela Reforma Universitária de 1968 e pela Lei de Diretrizes e Bases de 1971, já citada, que foram responsáveis por expandir o crescimento econômico através do lema “pesquisa e desenvolvimento”. Dessa forma, deslocou-se o eixo da educação nacional para pesquisas técnicas que se dirigissem diretamente para formações que visassem o mercado, conforme era estipulado pelos famosos acordos entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID)12. A reforma universitária, na base dos acordos MEC-USAID e posta em prática pelos militares e por vários educadores que colaboraram, a despeito do discurso ou da linguagem, ajustou a Universidade às exigências do grande capitalismo nacional e internacional. Procurou organizar o trabalho universitário segundo as exigências da grande empresa pública e privada (IANNI, 1987, p. 41). É nesse contexto que se cria, por exemplo, a oferta de cursos em período noturno: buscava-se formar mais professores, com vistas ao mercado de trabalho, uma vez que os objetivos eram atender às exigências da crescente sociedade capitalista. Outro grande marco que destacamos na história do curso de Letras e também da Faculdade de Assis, que gerou impactos substanciais, é a criação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, a UNESP. Sua criação ocorre através de 11 Ato Institucional nº 5. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm. Acesso em: 22 mai. 2021. 12 United States Agency for International Development. Órgão do governo estadunidense encarregado de distribuir a maior parte da ajuda externa de caráter civil. Ou seja, a USAID patrocinava o ensino básico brasileiro a troco de interferir no currículo. O objetivo era buscar um ensino mecanicista e que não fizesse os alunos desenvolverem o senso crítico. 39 um processo de integralização político-administrativa entre catorze Institutos Isolados de Ensino Superior do Estado de São Paulo, entre os quais, a Faculdade de Assis. A UNESP passa a ser a terceira universidade estadual de São Paulo e incorpora a FFCL, em 1976, com o nome de Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis. Com a criação de uma Universidade que passou a integrar várias faculdades antes isoladas, houve uma reestruturação dos cursos, o que resultou no fechamento de alguns e na transferência de outros, impactando, consequentemente, no corpo docente desses cursos. Nesse contexto, Assis deixou de oferecer o curso de Filosofia e recebeu alguns professores do curso de Letras de Marília, que foi fechado. No entanto, a área de espanhol em Assis não sofreu alterações diretas, visto que não havia essa habilitação no curso antes oferecido em Marília. Em decorrência das modificações que a reestruturação causou, houve uma nova adequação da estrutura curricular do curso de Letras. O recém-criado Departamento de Letras Modernas (DLM) responsabilizou-se por alocar as disciplinas de línguas estrangeiras oferecidas nas habilitações do curso. Essa estrutura curricular passou a valer para os alunos que ingressaram em 1976 e esteve em vigor até para os alunos ingressantes em 2004; depois de quase trinta anos, em 2005, houve uma nova reestruturação curricular do curso de Letras. O campus da UNESP de Assis passou a chamar-se Faculdade de Ciências e Letras (FCL) em 1989, em virtude da aprovação do Estatuto da UNESP (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, 1989)13. A partir desse mesmo ano, a Área de Espanhol passou a contar com seis docentes, da mesma forma que as demais línguas estrangeiras sob responsabilidade do DLM, salvo por curtos períodos transitórios, necessários para a tramitação dos processos de substituição de professores que se aposentaram ou pediram demissão. Na década seguinte, com o Departamento consolidado e, por consequência, as áreas igualmente consolidadas, os docentes passaram a se engajar mais ativamente em eventos que divulgassem seu trabalho como pesquisadores. Ainda no primeiro ano da década, ocorreu o I Encontro de Professores de Línguas Estrangeiras (EPLE), organizado pelo DLM da FCL/Assis, evento pioneiro na área de ensino de línguas estrangeiras, que mobilizou não apenas os docentes do campus, como convidados 13 Resolução Unesp nº 21, de 21/02/1989 aprovada pelo Decreto nº 29.720, de 03/03/1989. 40 de outras unidades da UNESP e também de outras universidades. O objetivo era reunir professores e pesquisadores de línguas estrangeiras, integrando vários idiomas que compunham o Departamento, em uma iniciativa até então inédita: a de organizar discussões conjuntas das várias línguas, centralizadas, sobretudo, nos princípios da linguística aplicada e das metodologias de ensino de línguas, em um mesmo evento. Em sua segunda edição, em 1991, o evento, que havia começado pequeno, rapidamente cresceu, devido à sua importância para as discussões na Área de Letras e à sua particularidade: divulgar os trabalhos dos docentes. Nesse ano, o evento passou a incluir também as literaturas estrangeiras, tornando-se, então, o II Encontro de Professores de Línguas e Literaturas Estrangeiras (EPLLE), nome que carregou até a sua VI e última edição. Merece destaque o fato de que a literatura comparada e a tradução ganharam bastante espaço nas discussões do evento, visto que eram fortes movimentos nos trabalhos relacionados às literaturas estrangeiras e às línguas estrangeiras, respectivamente. A terceira edição foi a primeira da fase bianual do evento, ocorrendo, portanto, em 1993. O EPLLE foi realizado até 2002, em sua sexta e última edição, pois ponderou-se que o evento já havia crescido bastante e também que já existiam outros fóruns de discussão sobre línguas e literaturas estrangeiras. Ao todo, são cinco volumes dos anais do EPLLE (a sexta edição contou apenas com caderno de resumos), porém, com o tempo, o volume referente à primeira edição se perdeu. Hoje, contamos com os quatro números restantes (da segunda à quinta edição). No mesmo período, a Área de Espanhol organizou uma publicação de circulação interna, chamada El Camino: Publicación Anual del Área de Español. Esse periódico anual foi resultado dos esforços da professora Balbina Lorenzo Feijóo Hoyos e contou com nove edições, entre 1987 e 1995, contendo artigos de professores da área, mas, sobretudo, textos de alunos de espanhol, produzidos especialmente para essa publicação acadêmica. Destacamos, em sua última edição, um ensaio escrito pela então aluna de graduação, Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalho, atual docente de espanhol da FCL-Assis, resultado de sua pesquisa de Iniciação Científica (IC) sobre aspectos comparativos entre a fonética e a fonologia do espanhol e do português. Assim como as teorias linguísticas e sobre o ensino de línguas estrangeiras foram se atualizando ao longo das décadas em que o curso de Letras está em 41 funcionamento, o mesmo ocorre com o ensino de literatura. Durante esse período, foram várias as concepções de literatura adotadas, segundo Esteves (2008), como a estilística alemã, que chegou aos primeiros docentes brasileiros de literatura espanhola por meio da leitura de estudiosos espanhóis que lhes eram a base referencial de análise literária; ou ainda os formalistas russos; o estruturalismo francês; a semiótica; o new criticism norte-americano; os modelos de análise sociológicos; as teorias de Lukács e de Bakhtin; a crítica genética; o desconstrutivismo; até chegar nos estudos culturais, que são marcados por manifestações pós-coloniais, em uma tentativa de dar voz a quem historicamente não tinha, que aqui aportaram por profissionais latino-americanos de universidades norte- americanas. Uma vez que os docentes tinham consciência das limitações de se ensinar literaturas em língua espanhola para brasileiros, sem a mesma intensidade que um estudante espanhol ou hispano-americano tem, por múltiplos motivos, de aprofundar- se no vasto repertório dessas literaturas, uma ferramenta muito utilizada para oferecer um ensino de qualidade e para desenvolver trabalhos de alto nível foi a literatura comparada. Essa questão será retomada em outros momentos desta Tese, sobretudo, quando exploramos as análises das entrevistas com docentes aposentados do curso de Letras e publicações da área de ensino de literatura, no Brasil e na Espanha. Nesse sentido, os docentes tratavam de fomentar leituras comparativas, tanto de obras, quanto de autores ou de contextos que aproximavam, em alguma medida, o Brasil do universo hispânico. Grande exemplo desse esforço são os trabalhos sobre a trajetória da picaresca espanhola em confronto com suas projeções brasileiras ou hispano-americanas, realizados pela PLLE214, cuja entrevista forma parte do corpus desta pesquisa (e se refere a essas informações), e seus alunos e orientandos. A Área de Espanhol contribuiu ativamente para a organização do EPLLE, desde a sua primeira edição, que sempre contou com o apoio de Embaixadas e Consulados. Ressaltamos que a década de 1990 é especial para o espanhol, tendo como um dos principais marcos a criação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), 14 Os professores entrevistados para esta pesquisa foram denominados PLLE1 e PLLE2 (Professor/a de Literaturas em Língua Espanhola) para que houvesse a preservação de suas identidades, conforme as recomendações do Comitê de Ética em Pesquisa. 42 em 1991, que estreita os laços políticos, econômicos e culturais entre o Brasil e alguns países latino-americanos de língua espanhola, como a Argentina, o Paraguai e o Uruguai. Sobre a organização intergovernamental, destacamos, de acordo com Barros (2018, p. 30-31), que: Os membros plenos, atualmente, são, além do Brasil: Argentina, Paraguai e Uruguai; a Venezuela encontra-se suspensa por ruptura da ordem democrática, em função das ações de governo de Nicolás Maduro. Além dos Estados Membros, há os Estados Associados, que incluem a maior parte dos países da América do Sul. No momento, a Bolívia é um país em processo de adesão. Esta organização intergovernamental trata, predominantemente, de interesses políticos e econômicos, sobretudo o livre-comércio, o que estimulou a necessidade e o interesse de brasileiros em aprender espanhol. Embora o principal objetivo desse grupo não seja o intercâmbio linguístico e cultural, esse ocorre de maneira mais efetiva, graças aos acordos traçados entre os países membros do Mercosul e a língua espanhola passou a ter um valor significativo na sociedade brasileira e, logo, no âmbito educacional. Esse contexto histórico, econômico e social, em que ocorre a criação do MERCOSUL estabelece anos de crescimento do interesse pelo ensino e pela aprendizagem da língua espanhola no Brasil e, assim, o EPLLE conseguiu contar com o apoio da Asesoría Lingüística de la Embajada de España en Brasil, através dos Assessores de São Paulo, que participavam regularmente. Nos cadernos de resumos e nos Anais do evento, encontram-se textos de docentes da Área de Espanhol da FCL/Assis, bem como de nomes importantes da área que participaram como convidados externos. Como esta pesquisa compreende o período de 1970 a 2005, elencamos, a seguir, alguns números que ilustram a Área de Espanhol da FCL/Assis nesse período: ao longo desses trinta e cinco anos, a área contou com 14 docentes, entre professores de língua espanhola e de literaturas hispânicas (não entram nesse levantamento os professores Julio Gregorio García Morejón, Ricardo Navas Ruiz e Edward Lopes, que aturaram no curso exclusivamente na década de 1960; consideramos a contagem a partir da professora Elza Accorsi, que, embora tenha ingressado em 1966, permaneceu no cargo até 1982; tampouco entram nessa listagem as professoras Maira Angélica Pandolfi, Maria de Fatima Alves de Oliveira Marcari e Kátia Rodrigues Mello, que ingressaram como docentes efetivas da área na década de 2010). Esses docentes formaram, nesse período, cerca de 350 profissionais habilitados para serem professores de espanhol e de suas literaturas. 43 Assim, apresentamos, a seguir, um quadro com os docentes que atuaram na Área de Espanhol do curso de Letras em Assis, da sua fundação aos dias atuais: Docente Período em que atuou Julio Gregorio García Morejón de 1958 a 1960 Ricardo Navas Ruiz de 1960 a 1962 Elza Accorsi de 1966 a 1982 Edward Lopes 1969 Manoel Dias Martins de 1973 a 1976 Paulo Célio Benício de 1973 a 1976 Balbina Lorenzo Feijóo Hoyos de 1976 a 1995 Nanci Lopes de 1978 a 2008 Mariluce Miraz de Freitas Grecco de 1982 a 1986 Vera Lúcia do Amaral de 1985 a 1989 Liliana Marta Fernandez de Mazzoni de 1986 a 1989 Heloisa Costa Milton de 1987 a 2008 Antônio Roberto Esteves de 1989 a 2018 Maria de Lourdes Otero Brabo Cruz de 1989 a 2012 Ester Myriam Rojas Osorio de 1990 a 2017 Rubia Prates Goldoni de 1998 a 2000 Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalho a partir de 2010 Maira Angélica Pandolfi a partir de 2010 Maria de Fatima Alves de Oliveira Marcari a partir de 2010 Kátia Rodrigues Mello a partir de 2014 44 Quadro 1: Lista de docentes da Área de Espanhol do curso de Letras de Assis. Fonte: elaborado pelo autor com base no texto de Esteves (2008). É importante listar os docentes que já fizeram parte da área de espanhol, pois são eles que assinam os programas de ensino das disciplinas oferecidas pela área, atestando que aquela é a configuração necessária para que a disciplina seja concebida. Além disso, são aqueles que deixam marcas reveladoras de suas representações sociais (CHARTIER, 1991) no ensino de literaturas em língua espanhola nesse curso especificamente. Dessa maneira, buscamos, nesta Tese, demonstrar as relações entre a tradição acadêmica e as representações docentes nessa trajetória de ensino. A partir da tabela oferecida, podemos ver que a atuação na Área de Espanhol foi transitória na carreira de muitos docentes, que atuaram ali por poucos anos, principalmente, até o final da década de 1980. Paralelamente, foi-se constituindo uma identidade para a Área, a partir dos docentes que consolidaram seu espaço na FLC- Assis e construíram suas carreiras. Dessa maneira, podemos elencar os professores Balbina Hoyos, Nanci Lopes, Heloisa Milton, Antônio Esteves, Maria de Lourdes Cruz e Ester Osorio como aqueles que deram para a Área de Espanhol o tom e a relevância necessários para que o curso de Letras em Assis ganhasse o reconhecimento que tem atualmente, não apenas no estado de São Paulo. Esses docentes foram responsáveis por estabelecer importantes diálogos entre a UNESP de Assis e associações de grande porte no Brasil, como a Associação Brasileira de Hispanistas (ABH), a Associação de Professores do Estado de São Paulo (APEOESP) e a Associação de Professores de Espanhol do Estado de São Paulo (APEESP). Na direção de traçar o percurso histórico do curso de Letras, destacamos a pesquisa realizada por Castanho (2012), em sua Dissertação de Mestrado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Letras da UNESP de Assis. Em seu trabalho, Castanho (2012) investiga o espaço dedicado à formação de professores de literaturas de língua portuguesa nos currículos dos cursos de licenciatura em Letras em universidades públicas e privadas dos estados de São Paulo e Paraná. Assim, a pesquisadora faz importantes alertas em relação à perspectiva dada ao ensino de literatura, o qual não possui metodologias adequadas, subjazendo às metodologias 45 para o ensino de línguas, o que resulta em um grande descompasso com o objeto literário. Mais recentes são as Dissertações de Mestrado de Dalla Torre (2021) e Cruz (2022), realizadas no Programa de Pós-Graduação em Letras da UNESP de Assis, com ênfase para o fato de terem sido orientadas pelo professor Sérgio Fabiano Annibal, orientador desta pesquisa. Assim, ressaltamos que esta Tese está situada em uma discussão que, embora seja recente, está ganhando cada vez mais espaço em âmbito acadêmico, uma vez que se reconhece a necessidade de reflexões e teorizações relacionadas à formação de professores de literatura. As investigações elencadas se dedicaram a explorar o ensino de literaturas em nível superior, mais especificamente, no curso de Letras da UNESP-Assis; enquanto a de Dalla Torre (2021) teve como corpus as disciplinas de literaturas em língua inglesa, entre os anos de 1997 e 2017, a de Cruz (2022) se ocupou do ensino de literaturas africanas em língua portuguesa, de 1998 a 2018. Ambas possuem metodologias semelhantes às adotadas nesta pesquisa, uma vez que analisaram os documentos curriculares relativos aos seus recortes, e concluíram ser possível reconhecer concepções literárias, teóricas, críticas e metodológicas a partir de tais arquivos. Apesar das características que particularizam essas pesquisas, consideramos importante incluí-las nesse levantamento histórico, demonstrando que as preocupações com os estudos na área do ensino de literatura são abrangentes, refletem as lutas para o estabelecimento do campo e estão consolidando seu espaço na Universidade. Nossa pesquisa se assemelha, então, às de Castanho (2012), Dalla Torre (2021) e Cruz (2022) à medida que também se dedica a refletir sobre o ensino de literatura em um curso de graduação que forma professores de literatura. Contudo, destacamos que seus trabalhos, por configurarem Dissertações de Mestrado, apresentam abordagens muito bem delimitadas, respondendo ao proposto nesse nível. Já esta Tese busca ir mais além, ao propor, como ponto de partida, pesquisas como as mencionadas e análises contundentes dos dados sobre o ensino de literaturas em língua espanhola, construindo uma abordagem crítica e aprofundada sobre a formação dos professores dessa área. Acrescentamos, ainda, pesquisas e reflexões produzidas por docentes universitários, no Brasil, sobre a relação entre a literatura e o ensino, seu espaço no 46 ensino superior e os impactos da formação dos professores de literatura na educação básica. Os trabalhos de Antunes (2017, 2019), professor do curso de Letras na UNESP-Assis; Rezende (2017), professora da Faculdade de Educação da USP e Andrade (2022), professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) são exemplos de discussões realizadas por nomes de grande relevância no campo do ensino de literatura em contexto brasileiro. Após essa explanação histórica, definimos como materiais que compõem o corpus de pesquisa: os programas de ensino das disciplinas de literaturas em língua espanhola do curso de graduação em Letras da UNESP de Assis, organizadas e oferecidas no período de 1970 a 2005; o Projeto Político Pedagógico (PPP), documento oficial que contextualiza os aspectos curriculares do Curso de Licenciatura em Letras e aos quais pertencem os programas de ensino, mantendo-os sistematizados; os processos de reestruturação de curso vigentes nessas datas; entrevistas com dois docentes que atuaram nesse período e foram responsáveis pelas disciplinas de literaturas espanhola e hispano-americana; e publicações de professores e pesquisadores da área, nos periódicos citados (Revista de Letras, Anais do EPLLE e El Camino). Esses materiais nos ajudarão a formar uma trajetória do ensino de literaturas em língua espanhola no curso de Letras de Assis, tendo em vista que esse é um curso que forma professores de literatura. Assim, concordamos com Ianni (1987, p. 47), que demonstra a relação entre as diversas áreas em que o docente atua e em que ele se forma: Por várias razões, é inegável que o trabalho de formação do professor tem que se desenvolver da forma mais aberta, e é importante recuperarmos um trabalho universitário dentro da sala de aula, nos laboratórios, nos seminários, nas pesquisas (...) Com isso, visamos remontar o ensino de literaturas em língua espanhola a partir das diversas fontes elencadas; os documentos e as entrevistas com os docentes como corpus básico da pesquisa, e as publicações do período, como complemento das representações sobre literatura e ensino. Dessa maneira, poderemos reconstruir esse maquinário de ensino de literatura. A importância de contar essa história recai sobre o fato de que o curso de Letras nasce junto com o campus, então suas trajetórias se complementam, assim como a 47 Área de Espanhol, que existe desde o primeiro ano do curso. Assim, remontar a história da faculdade de Assis é reconstruir a memória do ensino de literaturas em língua espanhola. Entre setembro de 2021 e agosto de 2022, coorientei, em parceria com o Dr. Sérgio Annibal, uma pesquisa de IC conduzida por um aluno do curso de graduação em Letras/Espanhol. A pesquisa contou com apoio financeiro do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), no Projeto nº 4355, e resultou no relatório final intitulado A história do ensino de literatura em periódicos acadêmicos: literaturas em língua espanhola (SILVA, 2022). O objetivo geral da pesquisa foi catalogar as representações de literatura e de ensino de literaturas em língua espanhola adotadas pelos docentes da área a partir de seus textos, que constam das publicações elencadas neste capítulo (Revista de Letras, anais dos EPLLE e El Camino). De tal modo, tive os resultados da pesquisa de IC do aluno como contribuição para a montagem desta história da área de espanhol, que se mescla à história da própria faculdade de Assis, visto que nossas discussões dialogam. Em seu relatório final, Silva (2022), remonta uma trajetória do ensino de literatura a partir d