Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) Daniela Majorie Akama dos Reis A leitura documentária de bibliotecários jurídicos: um estudo realizado a partir de aspectos da semiose e teoria da inferência observados na estrutura textual de doutrina Marília 2019 1 Daniela Majorie Akama dos Reis A leitura documentária de bibliotecários jurídicos: um estudo realizado a partir de aspectos da semiose e teoria da inferência observados na estrutura textual de doutrina Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Campus de Marília. Nível: Doutorado Área de Concentração: Informação, Tecnologia e Conhecimento. Linha de Pesquisa: Produção e Organização da Informação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mariângela Spotti Lopes Fujita Marília 2019 2 3 Daniela Majorie Akama dos Reis A leitura documentária de bibliotecários jurídicos: um estudo realizado a partir de aspectos da semiose e teoria da inferência observados na estrutura textual de doutrina Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Campus de Marília, na área de concentração Informação, Tecnologia e Conhecimento. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Mariângela Spotti Lopes Fujita (orientadora) Universidade Estadual Paulista - UNESP/Marília ___________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Cândido de Almeida Universidade Estadual Paulista - UNESP/Marília ___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Franciele Marques Redigolo Universidade Federal do Pará - UFPA ___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Dulce Amélia de Brito Neves Universidade Federal da Paraíba - UFPB ___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Gercina Ângela Borém de Oliveira Lima Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Aprovada em: Marília 2019 4 Dedico esta Tese ao Ditiam, vô Adolfo e vó Paula. 5 À Profa. Dra. Mariângela Spotti Lopes Fujita, por tudo desde minha graduação (: A popis, mamis, Marcela e batiam Aos pets fofos da minha vida À Denise e Reinaldo que me acolheram em Marília todas as vezes que precisei Aos membros da banca examinadora de minha tese, principalmente ao Prof. Dr. Carlos por toda a ajuda desde a elaboração do projeto de pesquisa Aos bibliotecários jurídicos que participaram da pesquisa como sujeitos Aos meus amigos mais próximos, de fins de semana, mais antigos, de faculdade e de trabalho A todos que me acompanharam na jornada do Doutorado À UNESP/Marília e aos meus colegas de curso Muito obrigada por tudo!! 6 Conhecimento é algo intrinsecamente humano e intimamente ligado às paixões do indivíduo. Conhecimento é dinâmico, está em constante mudança e é vivo. Leva-nos a questionar o mundo, questionar os outros, questionar Deus, questionar a realidade. Lankes, 2016. 7 8 RESUMO A leitura documentária é realizada durante a análise de assunto, considerada a primeira etapa de vários processos, incluindo a indexação e a catalogação de assunto. Seu objetivo é desvendar o aboutness de documentos. Diversos são seus produtos, como termos extraídos de um documento para compor um índice (no caso da indexação) ou para compor registros bibliográficos em um catálogo (no caso da catalogação de assunto). Cada profissional que efetua a prática da leitura documentária é único e, como consequência disso, a análise do documento nunca ocorrerá da mesma forma. Vários fatores devem ser levados em conta, quando se estuda o processo de leitura documentária feito por profissionais da informação, como estratégias de leitura, conhecimento prévio, domínio de atuação e tipo de estrutura do documento analisado. O problema da pesquisa consiste na necessidade de avançar em estudos sobre processos metacognitivos, na leitura documentária de bibliotecários do domínio jurídico, utilizando teorias associadas à construção de significados. Aspectos que relacionam a semiótica à leitura viabilizaram a proposta de examinar a leitura documentária de livros do domínio jurídico, por meio de aspectos da teoria da inferência, especificamente os conceitos de abdução, dedução e indução. Com esses conceitos, busca-se mapear os processos mentais interpretativos dos profissionais nesse domínio, durante a leitura documentária. A coleta de dados foi realizada adotando-se a técnica introspectiva de Protocolo Verbal Individual, aplicada a bibliotecários da área jurídica. Os dados obtidos foram analisados segundo categorias criadas com base nos capítulos teóricos, apresentadas no capítulo de análise dos dados e resultados. Com os resultados, espera-se alcançar os objetivos estabelecidos para esta pesquisa, pela aplicação das categorias às transcrições dos Protocolos Verbais Individuais. Ademais, almeja-se entender os processos interpretativos dos bibliotecários experientes, durante a leitura documentária, contribuindo para a área de organização do conhecimento e para os bibliotecários do domínio jurídico. Palavras-Chave: Leitura documentária. Estrutura textual. Indexação. Teoria da inferência. Direito. 9 ABSTRACT Documentary reading is performed during subject analysis, considered the first stage of various processes, including indexing and subject cataloging. It aims to unveil the aboutness of documents. Results in several products, such as terms extracted from a document to compose an index (in the case of indexing), or to compose bibliographic records in a catalog (in the case of subject cataloging). Each professional who performs the practice of documentary reading is unique, and as a consequence, the analysis of the document will never occur in the same way. Several factors should be considered when studying the process of documentary reading carried out by information professionals, such as reading strategies, previous knowledge, domain, and type of document structure analyzed. The problem consists in the need to advance in studies on metacognitive processes about the documentary reading of law librarians, using theories related to the construction of meaning. Aspects that relate semiotics to reading, enabled the proposal to examine the documentary reading of books in the legal domain through aspects of the inference theory, specifically the concepts of abduction, deduction and induction. With these concepts, we seek to map the interpretive mental processes of professionals in this field during documentary reading. The data collection was performed using the introspective technique of Individual Verbal Protocol, applied to law librarians. The data obtained was analyzed using categories based on the theoretical chapters. All the data and results were presented in the chapter six. With the results, we expected to reach the objectives established for this research based on the application of the categories to the transcriptions of the Individual Verbal Protocols. And to understand the interpretive processes of experienced librarians during documentary reading, contributing to the area of knowledge organization, and to law librarians. Keywords: Documentary reading. Textual structure. Indexing. Inference theory. Law. 10 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Estratégias de leitura conforme as concepções teóricas de Brown, Kato, Cavalcanti e Cintra 47 Figura 2 Y-leg model de Peirce 52 Figura 3 Modelo de Indexação proposto por Mai 57 Figura 4 Modelo Semiótico de Indexação proposto por Mai 59 Figura 5 Processo Inferencial de Indexação de acordo com Almeida, Fujita e Reis (2013) 60 Figura 6 Dedução, Indução e Abdução de acordo com ECO 61 Figura 7 Processo Inferencial de Indexação adaptado de Almeida, Fujita e Reis 66 Figura 8 Exemplares de códigos e leis comentados e anotados 82 Figura 9 Exemplares de livros variados de diversas áreas 82 Figura 10 Exemplares de periódicos de diversas áreas 82 Figura 11 Exemplos de capas de livros da área jurídica 85 Figura 12 Exemplos de contracapas de livros da área jurídica 86 Figura 13 Exemplos de orelhas de livros da área jurídica 87 Figura 14 Exemplos de anverso de folhas de rosto de livros da área jurídica 88 Figura 15 Exemplos de verso de folhas de rosto de livros da área jurídica 89 Figura 16 Exemplos de apresentações de livros da área jurídica 90 Figura 17 Exemplos de prefácios de livros da área jurídica 91 Figura 18 Exemplos de sumários de livros da área jurídica 92 Figura 19 Exemplos de capítulos - desenvolvimento do texto de livros da área jurídica 93 Figura 20 Exemplos de artigos de periódico impresso da área jurídica 94 Figura 21 Exemplos de artigos de periódico digital da área jurídica 95 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Relação entre os objetivos específicos e os capítulos da Tese 23 Quadro 2 Os conceitos de informação e conhecimento por Burke e Fogl 27 Quadro 3 As condições de leitura e as variáveis observadas na leitura documentária com base em Kato 67 Quadro 4 Categorias de análise criadas com base nos capítulos 106 Quadro 5 Partes consultadas por cada bibliotecário durante a leitura documentária 125 Quadro 6 Termos identificados por cada bibliotecário durante a leitura documentária 126 Quadro 7 Partes consultadas por cada bibliotecário para conferência dos termos identificados inicialmente 131 Quadro 8 Diretrizes para leitura documentária de livros da área jurídica 132 Quadro 9 Diretrizes para leitura documentária de artigos da área jurídica 132 12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AD Análise de Domínio CA Catalogação de Assunto CI Ciência da Informação CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CVM Comissão de Valores Mobiliários FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo GIDJ/SP Grupo de Informação e Documentação Jurídica de São Paulo ISBN International Standard Book Number PIBIC Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PVI Protocolo Verbal Individual STJ Superior Tribunal de Justiça TCEMG Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais TTI Tratamento Temático da Informação UNESP Universidade Estadual Paulista 13 SUMÁRIO 1 Introdução 15 2 A Leitura Documentária para Indexação 25 2.1 A Indexação 32 2.2 A Análise de Assunto 38 2.3 A Leitura Documentária 44 3 Aspectos da Semiótica observados na Leitura Documentária 50 4 O estudo da estrutura textual de documentos da área jurídica 69 4.1 A Análise do Domínio jurídico 70 4.2 A estrutura textual de documentos jurídicos 77 5 Metodologia 97 5.1 O Protocolo Verbal Individual - PVI 101 5.2 Procedimentos para a coleta dos PVI 103 6 Análise dos dados e Resultados 109 6.1 Análise das falas dos PVI 110 6.2 Discussão dos resultados 122 7 Considerações finais 134 REFERÊNCIAS 140 APÊNDICE A - Questionário para seleção dos sujeitos dos PVI 155 APÊNDICE B - Roteiro de perguntas para entrevista retrospectiva 156 APÊNDICE C - Protocolo Verbal Individual 001 157 APÊNDICE D - Protocolo Verbal Individual 002 163 APÊNDICE E - Protocolo Verbal Individual 003 171 APÊNDICE F - Protocolo Verbal Individual 004 175 APÊNDICE G - Protocolo Verbal Individual 005 180 APÊNDICE H - Protocolo Verbal Individual 006 184 APÊNDICE I - Protocolo Verbal Individual 007 189 APÊNDICE J - Protocolo Verbal Individual 008 193 APÊNDICE K - Protocolo Verbal Individual 009 197 APÊNDICE L - Protocolo Verbal Individual 010 201 ANEXO A - Parecer CEP 206 ANEXO B - Instruções aos informantes sobre a técnica do “pensar alto” ou Protocolo Verbal 14 - adaptado de Nardi (1993) 208 ANEXO C - Notações para a transcrição de Protocolos Verbais adaptadas de Cavalcanti (1989) - retiradas de Fujita; Nardi; Fagundes (2003) 209 ANEXO D - Modelo de leitura documentária para indexação na catalogação de assuntos de livros em bibliotecas 210 15 1 Introdução Esta pesquisa está inserida no contexto da organização do conhecimento e tem por temática central a análise da leitura documentária de livros da área jurídica, por meio de aspectos da semiótica, especificamente da teoria da inferência, com foco na abdução, dedução e indução. O presente estudo surgiu de pesquisas anteriores, trajetória que se iniciou na graduação, com bolsa de iniciação científica CNPq/PIBIC, cujos relatórios deram origem ao trabalho de conclusão de curso. A proposta da investigação era analisar as estratégias de leitura de catalogadores de assunto dentro do domínio específico de bibliotecas universitárias, com enfoque na estrutura textual de livros. Foram analisados Protocolos Verbais Individuais1 das áreas de Pedagogia e Odontologia; nos resultados, foram observadas as partes da estrutura textual do livro, as quais contribuíram para a adaptação do “Modelo de Leitura Documentária” para a catalogação de assunto de livros em bibliotecas universitárias. Ficou clara a necessidade de investigar a estrutura textual de livros em outras áreas do conhecimento. Em Dissertação de Mestrado com bolsa FAPESP, Processo: 10/03483-4, a ideia foi investigar o indexador enquanto leitor profissional, mediante a observação de suas experiências adquiridas com a profissão, dentro do domínio específico de bibliotecas universitárias, e o uso que este faz da estrutura textual, durante a catalogação de assunto. Foram analisados PVI nas três áreas do conhecimento (Biológicas, Exatas e Humanas). Concluiu-se que, em cada área do conhecimento, a análise do documento ocorre de maneira diferenciada. Isso resultou na adaptação de um Modelo2, cujo principal objetivo é sugerir partes da estrutura textual de livros que podem ser consultadas, visando a uma catalogação de assunto eficiente. Entende-se que, em organização do conhecimento, a leitura documentária é a 1 Técnica introspectiva de coleta de dados - Protocolo Verbal Individual - aprofundamento conceitual mais à frente, na pesquisa (PVI). 2 Modelo de ensino de leitura documentária para análise de assunto de livros científicos (REIS, 2012). 16 forma pela qual os profissionais iniciam diversos processos, como, por exemplo, a indexação e a catalogação de assunto. A leitura com objetivos documentários, realizada por um profissional, nunca ocorrerá de maneira determinada (mesmo que o leitor siga um roteiro, seja próprio, seja institucional), pois a leitura documentária é dinâmica. Cada mente trabalha de forma única, de sorte que fatores como conhecimento prévio, domínio em que o sujeito atua (e/ou atuou anteriormente), educação acadêmica e convívio com outras pessoas influenciam na forma como tal indivíduo interpreta informações. O objetivo de modelos de leitura para esses profissionais é sempre de guiá-los pelo obscuro processo de leitura documentária. A leitura documentária é feita sempre tendo-se em vista algum processo maior, como a indexação e a catalogação de assuntos. Para Fujita, Rubi e Boccato (2009, p. 19), a indexação, catalogação de assunto, classificação e elaboração de resumos são considerados processos de sumarização da informação. Desses processos se originam os índices, os catálogos de assunto, os números de classificação e os resumos, que possibilitam a recuperação da informação pertinente às necessidades dos usuários. Portanto, entende-se que a indexação e a catalogação de assunto são processos de condensação temática, essenciais em bibliotecas, por proporcionarem o uso adequado de sistemas de informação diversos. Cada processo apresenta particularidades, mas possui em comum a fase inicial, a análise de assunto. A análise de assunto é o ponto de partida, tanto da indexação quanto da catalogação de assunto, pois ambos demandam a leitura dos documentos tratados. É um processo de tratamento temático de documentos e, consequentemente, indispensável em bibliotecas e centros de informação. É estudado por vários autores, sob diversas perspectivas. O bibliotecário, como profissional que realiza a leitura documentária, durante a análise de assunto (quer para a indexação, quer para a catalogação de assunto), é qualificado para atuar em diversas áreas e locais, não somente em bibliotecas. O campo de atuação do bibliotecário é bastante extenso, e a área jurídica é uma ramificação complexa na biblioteconomia, atualmente. Pensando na atuação do bibliotecário e na quantidade de informação a ser tratada, nessa área, julga-se 17 relevante estudar esse profissional e a especialização no domínio jurídico. A análise de domínio, tal como é entendida na organização do conhecimento, é um conjunto de técnicas para identificar uma base de conhecimento específica. De acordo com Smiraglia, a análise de domínio está no cerne da organização do conhecimento, sendo caracterizada como o ato de definir a base do conhecimento conceitual de uma comunidade. Várias pesquisas têm sido desenvolvidas na área, porém, não existe um conceito universal para responder ao questionamento: o que é um domínio? (2012, p. 111). Pode-se considerar que domínio seria mais bem entendido como uma unidade de análise para a construção de um sistema de organização do conhecimento, isto é, um domínio é um grupo com uma base ontológica que revela um grupo de hipóteses em comum, consenso epistemológico, abordagens metodológicas e semântica social (SMIRAGLIA, 2012, p. 114). Essa definição de Smiraglia é tida como a mais completa e adequada para esta pesquisa. Pensando na análise de domínio na organização do conhecimento, Mai (2005) indica que contexto é muitas vezes definido como aquele que envolve uma palavra específica, passagem, evento ou situação. Com o propósito de guiar indexadores no processo de indexação, é necessário operar com uma noção mais precisa de contexto. A indexação com abordagem voltada para o domínio oferece uma estrutura capaz de gerir a complexidade da tarefa e guiar o indexador, por meio da gama de análises necessárias. Os profissionais tomam o domínio como foco e buscam indexar documentos, de acordo com as necessidades dos usuários. Thellefsen (2002, p. 77) supõe que uma pessoa inserida em um domínio de conhecimento bem definido possui um nível maior de conhecimento em relação aos conceitos do que uma pessoa fora do mesmo. Como exemplo, podemos imaginar um bibliotecário que realiza a análise de assunto em uma biblioteca especializada, na qual a maioria dos documentos do acervo pertence à área de ciências biológicas. Ele entenderá mais sobre o assunto do que um bibliotecário de biblioteca pública ou de uma biblioteca especializada da área de ciências humanas. Existe a possibilidade de se trabalhar com diversas abordagens para o 18 reconhecimento de domínios em pesquisas em organização do conhecimento, e o uso destas pode proporcionar um contato interdisciplinar com áreas como Sociologia, Linguística e Filosofia. Dessa forma, é possível estudar alguns aspectos ligados à teoria semiótica e sua relevância em pesquisas sobre organização do conhecimento em domínios específicos. Estudos teóricos e estatísticos (PASSOS, 1994; LOUREIRO, 2005; BAPTISTA, 2008; PASSOS; BARROS, 2009; MENDES, 2010; GUIMARÃES, 2017; MIRANDA; MIRANDA, 2017) comprovam que a atuação do bibliotecário na área jurídica é imprescindível, pois a demanda por organização do conhecimento nesse domínio é ampla. Nesta pesquisa, além do estudo da observação de estruturas textuais, foram escolhidas algumas concepções importantes a serem exploradas, durante a leitura documentária de livros; a mais significativa delas é o aspecto metacognitivo de bibliotecários (examinado por meio da teoria da inferência presente na semiótica de Peirce, e com os conceitos de abdução, dedução e indução), em domínio específico do direito. Alguns trabalhos na área da Semiótica relacionam-se a esta pesquisa, no sentido em que consideram os domínios e contextos como aspectos importantes a serem observados dentro de algum processo. Considera-se que Mai (1997a, 1997b, 2001), Thellefsen (2002), Torkild Thellefsen, Soren Brier e Martin Thellefsen (2003), são autores de literatura internacional, marcantes e essenciais que fazem essa relação com os temas. Ao se pensar na indexação sob um ponto de vista semiótico, é possível obter uma compreensão mais profunda da complexa relação entre autor, indexador e usuário (THELLEFSEN; BRIER; THELLEFSEN, 2003, p. 180), pois, de acordo com os autores, a “[...] indexação pode ser ilustrada e explicada utilizando a semiótica como uma ‘lente de aumento’.” (2003, p. 181). Almeida, Fujita e Reis (2013, p. 239) concebem “[...] a abordagem semiótica do processo de indexação de assunto como um campo promissor para os estudos da Organização e Representação do Conhecimento.” Diversos pesquisadores realizaram estudos relacionados à leitura 19 documentária para a indexação, em domínios específicos ou não. Em sua Tese de Doutorado, Guimarães apresenta contribuições para o tratamento temático de documentos jurídicos. No entendimento do autor, o bibliotecário deve “[...] centrar seus maiores esforços no processo de análise - e não no de representação como muito se discute.” (GUIMARÃES, 1993, p. 53). Silva (2008) busca oferecer subsídios que auxiliem o acesso e a compreensão dos conceitos da ciência jurídica pelos bibliotecários. A autora dá enfoque à estrutura textual de acórdãos, leis e pareceres jurídicos. Foi desenvolvido um modelo de leitura técnica jurisprudencial com a exibição de conceitos referentes à dinâmica processual, em especial, os procedimentos recursais no âmbito do Superior Tribunal de Justiça - STJ. A autora concluiu que, para a compreensão da terminologia jurídica e indexação da decisão judicial (acórdão), é necessário que o bibliotecário entenda conceitos jurídicos e as fases do processo judicial, além de aplicar técnicas estratégicas de leitura, na análise de certas partes do acórdão. Em Tese de Doutorado, Almeida (2009) implementa um estudo das inter- relações teóricas e aplicadas entre a organização da informação e do conhecimento e Filosofia e Semiótica peirceanas. O autor relata, como resultados, a presença dos níveis elementar e intermediário de interdisciplinaridade entre o pensamento de Peirce e a organização do conhecimento, principalmente nos eixos Semiótica e Pragmatismo. Almeida, Fujita e Reis (2013) investigam conceitos fundamentais para compreender o processo de indexação de assunto, a partir da Semiótica de Peirce, especificamente no segundo ramo, da Lógica Pura ou Crítica. Os autores buscam sustentar que a indexação de assunto é um processo inferencial. Concluem que ocorre, na indexação, uma ação instigante de descobrir, através da matriz inferencial, o significado de um texto, de modo a alcançar o assunto e a entrada de assunto mais apropriada ao sistema de informação. Redigolo (2014) explicita, em sua Tese, um estudo aprofundado sobre análise de assunto para a catalogação de assunto, com foco em estudos de normalização em bibliotecas universitárias e no aprimoramento do processo de indexação em política de indexação. A autora usa aspectos da abordagem sociocognitiva, da 20 semiótica e da linguística textual, tendo em vista um entendimento maior dos processos de análise de assunto. Foram aplicados Protocolos Verbais e pesquisa etnográfica. Na análise dos dados, a autora observa aspectos da realidade do processo de análise de assunto em bibliotecas universitárias e, com os resultados, foi possível elaborar diretrizes para desenvolver a análise de assunto de maneira aprimorada, em bibliotecas universitárias. Ferreira (2017), em Dissertação de Mestrado, realiza pesquisa sobre a análise de assunto para indexação de acórdãos do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), com o intuito de sistematizar a leitura do indexador. A autora procura oferecer diretrizes e procedimentos para a análise de assunto, via modelo de leitura técnica. Explica que, com os resultados da pesquisa, verificou a importância das estratégias de análise do texto, as quais permitiram a sistematização do processo de leitura no modelo. Considera imprescindível o conhecimento do domínio jurídico por parte do indexador, pois o modelo traz diretrizes de leitura, e não de contextualização. Venâncio Júnior (2017), em Dissertação de Mestrado, investiga a contribuição da semiótica peirceana no processo de elaboração de cabeçalhos de ementas. O cabeçalho de ementa é o produto do processo de indexação de um acórdão. Verificou-se que cada etapa do processo de elaboração de um cabeçalho de ementa é constituída de atividade semiótica. Constatou-se a presença de experiência colateral e de hábitos na indexação, ficando evidenciado que é um processo inferencial. Reis et al. (2018) analisam os diferentes enfoques teóricos sobre a semiótica, na criação de registros bibliográficos. As autoras explicam que tanto a catalogação de forma quanto a de assunto exigem o contato com o documento, por meio da leitura, o que requer processos interpretativos complexos, por parte dos profissionais. Foram consideradas duas vertentes distintas da Semiótica, sob o olhar de Charles Sanders Peirce e de Ferdinand de Saussure. Com os estudos teóricos apresentados, as autoras concluem que é possível categorizar, através das abordagens da Semiótica, como o profissional se comporta em contato com os documentos. Pensando-se nas pesquisas citadas e, principalmente, em Almeida, Fujita e 21 Reis (2013), acredita-se que a análise por intermédio da abdução, dedução e indução é capaz de oferecer uma categorização do processo de leitura documentária. Reis et al. (2018, p. 55) fornecem um exemplo de categorização de trechos de um PVI da área de Humanas, utilizando esses conceitos. Em análise de Reis (2009 e 2012), não foi possível “destrinchar” os passos da leitura, de forma tão avançada, como é proporcionado pelo segundo ramo da Semiótica. Dessa maneira, a categorização mais clara dos passos na leitura documentária proporciona a criação de um roteiro ou diretriz, motivo pelo qual o uso de aspectos da Semiótica em pesquisa atual é essencial. Tendo as abordagens da presente pesquisa como base, foram definidas as seguintes premissas: ● A importância de investigar a leitura documentária, durante a indexação, por bibliotecários especialistas dentro de domínio específico na área de Humanas (área do Direito); ● A necessidade de realizar análise dos PVI mais profunda, com o apoio de aspectos da teoria semiótica, especificamente da teoria da inferência e da abdução, dedução e indução, na leitura documentária; ● O reconhecimento de que a especialização e a familiarização por longos períodos do bibliotecário (prática e conhecimento prévio), em determinado domínio, afetam seu desempenho metacognitivo, para melhor, na leitura documentária. Diante do exposto, define-se como problema, para esta pesquisa, a necessidade de avançar nos estudos dos processos metacognitivos de bibliotecários do domínio jurídico, durante a leitura documentária, adotando conceitos relacionados à teoria da inferência, como observado no segundo ramo da Semiótica. A hipótese é de que, ao analisar a leitura documentária de bibliotecários jurídicos, durante a indexação de documentos da área, seria possível mapear de forma mais detalhada seus processos metacognitivos, por meio de categorização com base na abdução, dedução e indução. 22 A tese da pesquisa é de que a observação da prática deliberada de leitura documentária do bibliotecário, experiente em determinado domínio, revelará os processos vinculados à interpretação do conteúdo de documentos, contribuindo para a organização do conhecimento. Desse modo, propõe-se examinar a leitura documentária de doutrina do domínio do Direito, através de aspectos da teoria da inferência e, especialmente, os conceitos de abdução, dedução e indução, em Semiótica. Ao se realizar tal estudo, pretende-se esclarecer os passos do processo de leitura documentária no domínio jurídico e listar diretrizes e procedimentos mais observados na análise de profissionais experientes. Com isso, haverá contribuições para estudos associados à leitura documentária, em uma ramificação específica do conhecimento, do Direito, e consequentemente ao domínio jurídico na Biblioteconomia. Com base na proposição, foi definido como objetivo geral da pesquisa: oferecer contribuições para a área de organização do conhecimento, a partir de investigações sobre estruturas textuais de livros da área jurídica (doutrina), em formatos tradicionais e multimídia, por meio da coleta de Protocolos Verbais Individuais com profissionais da área, com os seguintes objetivos específicos: ● Pesquisar a leitura documentária, para indexação de doutrina na Organização do Conhecimento; ● Investigar aspectos da teoria da inferência e, especificamente, os conceitos de abdução, dedução e indução, em Semiótica, e sua relação com a leitura documentária de estrutura textual de doutrina; ● Estudar a estrutura e tipologia textual de documentos na área jurídica, com foco em livros científicos da área jurídica (Doutrina); ● Aplicar técnica introspectiva de coleta de dados - Protocolo Verbal Individual (PVI) em profissionais da área jurídica, tendo em vista a observação da leitura documentária para a indexação de Doutrina; Esta pesquisa se justifica, na medida em que colabora diretamente para a leitura documentária de doutrina da área jurídica e para o crescimento teórico- metodológico da organização do conhecimento. 23 No Quadro 1, é apresentada a relação entre os objetivos específicos e os capítulos. Quadro 1 - Relação entre os objetivos específicos e os capítulos da Tese: Objetivo específico 1: Pesquisar a leitura documentária para indexação de doutrina na Organização do Conhecimento. Capítulo 2: A Leitura Documentária para Indexação Objetivo específico 2: Investigar aspectos da teoria da inferência e, especificamente, os conceitos de abdução, dedução e indução, em Semiótica, e sua relação com a leitura documentária de estrutura textual de doutrina. Capítulo 3: Aspectos da Semiótica observados na Leitura Documentária Objetivo específico 3: Estudar a estrutura e tipologia textual de documentos na área jurídica, com foco em livros científicos da área jurídica (Doutrina) Capítulo 4: O estudo da estrutura textual de documentos da área jurídica Objetivo específico 4: Aplicar técnica introspectiva de coleta de dados - Protocolo Verbal Individual (PVI) em profissionais da área jurídica, tendo em vista a observação da leitura documentária para a indexação de Doutrina Capítulo 5: Metodologia Capítulo 6: Análise dos dados e Resultados Capítulo 7: Considerações finais Fonte: Elaborado pela autora A importância da presente pesquisa encontra-se no âmbito acadêmico e profissional. Acadêmico, pois expõe resultados relacionados à organização do conhecimento, especialmente sobre a leitura documentária, cooperando diretamente para a área de produção e organização do conhecimento em Biblioteconomia jurídica. E profissional, porque apresenta resultados ligados à organização do conhecimento em bibliotecas do domínio jurídico. A fim de alcançar os objetivos propostos, foi realizado um levantamento bibliográfico em fontes nacionais e internacionais, proporcionando a redação de pressupostos teóricos para esta pesquisa. A coleta de dados ocorreu pela aplicação de Protocolos Verbais Individuais (PVI) a profissionais de bibliotecas da área jurídica, durante a leitura documentária para indexação de doutrina em formato tradicional (impresso) ou digital (e-book). Após as coletas de PVI, foi realizada uma comparação entre as análises das estruturas textuais de todos os bibliotecários. 24 Os procedimentos de análise foram mais bem definidos nos capítulos de Análise de dados e de Resultados. As categorias para análise dos dados foram baseadas nas etapas do processo inferencial, contempladas na Figura 2 e amparadas em aspectos da teoria semiótica, definidos no Capítulo 3. A primeira fase, da coleta de PVI, envolveu dez bibliotecários com pelo menos cinco anos de experiência na área jurídica, que realizam indexação de doutrina. Os sujeitos foram selecionados via questionário, enviado a bibliotecários do Grupo de Informação e Documentação Jurídica de São Paulo (GIDJ/SP). Os conhecimentos adquiridos via pesquisa bibliográfica proporcionaram base para a análise dos dados. A pesquisa efetuada para a redação dos pressupostos teóricos sobre leitura documentária, estruturas textuais de documentos, domínios específicos e aspectos da semiótica foi essencial para os resultados. Os resultados foram comparados, tendo-se como parâmetro principal o tipo de documento (doutrina), seus formatos (digital ou tradicional). Foi realizada a comparação em quadros, facilitando-se a visualização dos resultados por bibliotecário analisado. Foram observados dez bibliotecários, por meio de entrevista via PVI, cada um fazendo a leitura documentária de doutrina, já que a técnica escolhida é qualitativa e extremamente complexa. Com os resultados, foi enfatizada a influência do domínio específico, experiência profissional (conhecimento prévio da área) e a prática na interpretação e inferência do profissional, elementos que forneceram subsídios para a conclusão da tese. Foi alcançado um entendimento maior de como o profissional analisa o conteúdo do livro, durante a leitura documentária, através de sua estrutura, e, como consequência disso, como funciona o processo de criação de hipóteses na indexação para organização do conhecimento, por meio da leitura documentária em bibliotecas jurídicas. 25 2 A Leitura Documentária para Indexação Neste capítulo, encontra-se a fundamentação teórica, com conceitos sobre a leitura documentária e sua relação com a Organização do Conhecimento. A leitura documentária é o primeiro passo para a análise de assunto em indexação e diversos outros processos, tornando-a fundamental para profissionais da área. Considerando a área desta pesquisa, a Organização do Conhecimento, é oportuno conceituar e diferenciar os termos “Informação” e “Conhecimento”. Rowley e Farrow explicam que “[...] essas definições são usadas para identificar a maneira pela qual nosso entendimento comum desses termos relacionados estão interligados.” (2000, p. 4). Em 1991, Buckland apresentou conceitos de “informação” sob três perspectivas: informação-como-processo; informação-como-conhecimento; informação-como-coisa. A distinção básica entre intangíveis - o conhecimento e informação como conhecimento, e tangíveis - informação como coisa - deve ser entendida da seguinte forma: “se você puder tocá-lo ou medi-lo diretamente, isso não é conhecimento, mas deve ser algo físico.” (1991, p. 352). O autor entende que o conhecimento pode ser representado, assim como um evento pode ser filmado. Qualquer representação desse tipo está necessariamente em forma tangível e, assim, a representação de conhecimento (e de eventos) é necessariamente "informação-como-coisa" (BUCKLAND, 1991, p. 352). Essa afirmação do autor está relacionada ao conceito de informação como algo registrado, um dado que se torna conhecimento em contato com o pensamento e o processamento humano. Rowley e Farrow (2000, p. 5) listam3 os conceitos de "informação" mais comuns na literatura. O primeiro, o conceito de informação como conhecimento subjetivo, é, de acordo com os autores, o mais interessante para o propósito da Biblioteconomia, Ciência da Informação e para as Ciências Cognitivas. O 3 Information as subjective knowledge, information as useful data, information as a resource, information as a commodity, information as a constitutive force in society. 26 conhecimento subjetivo mantido na mente do indivíduo pode ser traduzido em conhecimento objetivo, através da fala e da escrita. O profissional da informação se preocupa com o conhecimento objetivo, sobretudo com o conhecimento registrado. Nesse contexto, existe também a distinção entre conhecimento explícito e conhecimento tácito: o primeiro pode ser visto como equivalente ao conhecimento objetivo, e uma proporção desse conhecimento explícito será registrada em documentos de vários tipos. O segundo é o conhecimento que está na mente do indivíduo e pode ser implicitamente compartilhado, provavelmente através de ações e formas compartilhadas de fazer as coisas, dentro de uma organização (ROWLEY; FARROW, 2000, p. 6). Com respeito à compreensão dos autores, o conhecimento é profundamente dependente da informação registrada. Os outros conceitos de informação listados por Rowley e Farrow são: informação como dado útil: relação de informação com dados; informação como recurso: informação como algo que pode ser gerenciado; informação como mercadoria: informação associada à propriedade intelectual; e informação como força constitutiva na sociedade: informação como agente de criação de estruturas sociais. Tanto Buckland quanto Rowley e Farrow conceituam a informação levando em conta alguma característica. Os autores não apresentam o conceito apenas de "informação", porque sempre será acompanhado de algum outro conceito, na maioria das vezes, “conhecimento”. Dessa maneira, percebe-se forte vínculo entre “informação” e “conhecimento”. Ambos se relacionam fortemente, com o conhecimento dependendo da informação para ser construído. “Conhecimento”, para Lankes (2016, p. 70), é “[...] uma força que move a economia, as artes e deveria mover os bibliotecários em seu trabalho. Conhecimento é, em uma última análise, a forma como vemos o mundo, e determina como agimos.” Eis o que conhecimento não é: um acúmulo tranquilo e passivo de fatos. Não é uma base de dados com artigos ou um prédio cheio de livros. Não é medido em quilos ou metros. Conhecimento não é estático, não é desinteressado, nem frio 27 (LANKES, 2016 p. 70). O conhecimento é dinâmico. Burke (2003) e Fogl (1979), conceituam informação e conhecimento, cujas definições estão expostas, comparativamente, no quadro abaixo: Quadro 2 - Os conceitos de informação e conhecimento por Burke e Fogl, com destaques nossos: BURKE (2003) FOGL (1979) Informação O que é relativamente cru, específico e prático É uma forma material da existência do conhecimento; é um item definitivo do conhecimento expresso por meio da linguagem natural ou outros sistemas de signos percebidos pelos órgãos e sentidos; existe e exerce sua função social, através de um suporte físico; existe objetivamente fora da consciência individual e independente dela. desde o momento de sua origem Conhecimento Aquilo que representa o que foi cozido, processado ou sistematizado pelo pensamento É o resultado da cognição (processo de reflexão das leis e das propriedades de objetos e fenômenos da realidade objetiva na consciência humana); é o conteúdo ideal da consciência humana Fonte: Elaborado pela autora. O quadro acima apresenta a relação do conhecimento com a informação, sendo esta última considerada uma forma de conhecimento registrado. Para Rowley e Farrow (2000, p. 8), qualquer discussão sobre o modo como o conhecimento ou a informação pode ser gerenciada ou estruturada precisa levar em conta várias características do conhecimento. Estas incluem objetividade, acessibilidade, periodicidade, relevância, estrutura e sistemas: ● Objetividade: Está relacionada à confiabilidade e precisão. Precisão significa que os dados ou informações estão corretos, e confiabilidade implica que a informação é um verdadeiro indicador da variável que se pretende medir. Os usuários geralmente julgam a confiabilidade das informações com base na reputação da fonte da qual foram extraídas; ● Acessibilidade: Está ligada à disponibilidade de conhecimento para usuários em potencial. Aqui, é relevante a distinção entre conhecimento implícito ou 28 tácito e conhecimento explícito. O conhecimento tácito é conhecimento subjetivo, o qual é de propriedade do indivíduo ou equipe. Já o conhecimento mais explícito é armazenado nos arquivos impressos e eletrônicos das sociedades (bibliotecas) e organizações, sendo, em geral, mais acessível do que o conhecimento tácito. O conhecimento do sujeito, o contexto ambiental, a linguagem utilizada e as preferências do usuário influenciam o sucesso com o qual uma mensagem é recebida; ● Periodicidade: Pode ser avaliada com respeito a muitas das outras características, como periodicidade e precisão, mas pode ser propriamente julgada em termos de nível de detalhamento e integridade. Além disso, o nível de detalhamento ou granularidade das informações deve corresponder ao exigido pela tarefa e pelo usuário; ● Relevância: A periodicidade e o tempo de vida do conhecimento são importantes, por duas razões: algumas informações podem suplantar outras informações; as informações mais atuais são necessárias e as informações desatualizadas precisam ser descartadas; ● Estrutura: Todo conhecimento tem uma estrutura. As duas características importantes dessa estrutura são: o modo como os itens são agrupados em categorias e as relações entre essas categorias; ● Sistemas: É frequentemente imposta pelos sistemas, sejam esses sistemas estruturas conceituais, sistemas de comunicação ou sistemas de informação. O conhecimento, baseado na informação registrada, pode ser organizado em função das características acima. Para Smiraglia (2012, p. 112), a organização do conhecimento pode ser concebida como um domínio dedicado à “organização do que é conhecido”, particularmente para a recuperação. Na comunidade de Biblioteconomia e Ciência da Informação (CI), a Organização do Conhecimento4 significa a organização da informação em registros bibliográficos, incluindo índices de citações, texto completo e internet (HJØRLAND, 4 Knowledge organization, para Hjørland (2003, 2008). 29 2003, p. 1). Hjørland explica que a organização do conhecimento é um entre muitos campos contemporâneos que tentam desempenhar um papel nos futuros ambientes de comunicação e troca de conhecimento. Tem ligação com a Biblioteconomia e CI e tem como objetivo apoiar atividades de aprendizagem e pesquisa, as quais podem constituir um dos pilares importantes sobre os quais fundamentar o campo (2008, p. 99). Albrechtsen e Hjørland (1997, p. 136) salientam que a Biblioteconomia exerce a busca de informações e organização do conhecimento. Já Brascher e Café (2008) dissertam sobre o emprego dos termos organização da informação e organização do conhecimento, em um estudo acerca das diferentes abordagens encontradas na literatura, com a análise terminológica dos contextos de uso para os termos. Para as autoras, a organização da informação está relacionada a objetos informacionais (conhecimento explícito) e a organização do conhecimento concerne a unidades de pensamento (conhecimento tácito). De acordo com as autoras, os dois tipos de processo de organização são: [...] um que se aplica às ocorrências individuais de objetos informacionais - o processo de organização da informação, e outro que se aplica a unidades do pensamento (conceitos) - o processo de organização do conhecimento. A organização da informação compreende, também, a organização de um conjunto de objetos informacionais para arranjá-los sistematicamente em coleções, neste caso, temos a organização da informação em bibliotecas, museus, arquivos, tanto tradicionais quanto eletrônicos. A organização do conhecimento, por sua vez, visa à construção de modelos de mundo que se constituem em abstrações da realidade. (BRASCHER; CAFÉ, 2008, p. 6). . As abordagens de Hjørland (2008) e de Brascher e Café (2008) são divergentes. Para Hjørland (2008), “informação” deve ser tomada como o conhecimento que foi registrado em algum suporte, por meio de linguagem. O “conhecimento” é a informação processada pela mente humana. Em Biblioteconomia, a “informação” é o 30 documento, enquanto o “conhecimento” se dá por meio da leitura e análise do mesmo, pelo bibliotecário. Por esse motivo, nesta pesquisa, será usado o termo Organização do Conhecimento. Thellefsen, Thellefsen e Sørensen (2013) possuem uma abordagem semelhante à de Hjørland (2008), quando explicam que [...] o conhecimento considerado para a organização é aquele que se materializa em diferentes tipos de mídia e, portanto, a organização do conhecimento é mais precisamente definida como a área de pesquisa dentro da ciência da informação que tem um interesse particular na organização do conhecimento registrado, que, em princípio, é o mesmo que informação. (THELLEFSEN; THELLEFSEN; SØRENSEN, 2013, p. 214, grifo nosso). Hjørland (2016, p. 477) aborda os dois principais aspectos da organização do conhecimento, que são: [...] (1) processos de organização do conhecimento (KOP) e (2) sistemas de organização do conhecimento (KOS). Os processos de organização do conhecimento (KOP) são, por exemplo, os processos de catalogação, análise de assunto, indexação, criação de tags e classificação por humanos ou máquinas. Sistemas de organização do conhecimento (Knowledge Organization Systems, KOS) são a seleção de conceitos com uma indicação de relações semânticas selecionadas. Exemplos são sistemas de classificação, listas de cabeçalhos de assuntos, tesauros, ontologias e outros sistemas de metadados. (2016, p. 477). A indexação e, consequentemente, a leitura documentária constituem o processo de organização do conhecimento (KOP). Em 2008, Guimarães publica uma análise bibliográfica extensa sobre o Tratamento Temático da Informação. Para o autor, o “TTI” se baseou em três distintas linhas de abordagem, as quais poderiam ser enunciadas como: subject cataloguing (de orientação predominantemente norte-americana), indexing (de orientação predominantemente inglesa) e analyse documentaire (de orientação predominantemente francesa) (GUIMARÃES, 2008, p. 81). Em outras palavras: catalogação de assunto, de matriz norte-americana, e indexação, de matriz inglesa, 31 mais centradas nos instrumentos e produtos de TTI, e análise documental, de matriz francesa, mais voltada para os procedimentos envolvidos no TTI (GUIMARÃES; FERREIRA; FREITAS, 2012, p. 183). Em 2009, Guimarães apresentou conceitos sobre o TTI, em artigo intitulado “Abordagens teóricas de tratamento temático da informação (T.T.I.): catalogação de assunto, indexação e análise documental”. Segundo o autor (GUIMARÃES, 2009, p. 2), o TTI atenta a questões concernentes à análise, descrição e representação do conteúdo de documentos, “[...] em cujo âmbito desenvolvem-se processos, valendo- se de instrumentos para a geração de produtos.” Ademais, conforme Guimarães, o processo de organização do conhecimento e, por conseguinte, da informação, enquanto núcleo duro da Ciência da Informação, destaca que o conhecimento é um produto, uma necessidade e um dínamo social, o qual se realiza a partir da informação e, ao socializar-se, se transforma em informação (2009, p. 1). Para Guimarães, Ferreira e Freitas (2012, p. 183), o TTI é de natureza mediadora, pois promove a interlocução dos contextos de produção e de uso da informação, através da análise, descrição e representação do conteúdo dos documentos para armazenamento e recuperação da informação, em cujo âmbito se desenvolvem processos, instrumentos e produtos. É relevante resgatar o conceito de TTI, nesta pesquisa, pois, em certo momento na Biblioteconomia e CI, este era um conceito bastante disseminado entre teóricos e muito usado para categorizar o processo de indexação. Atualmente, com base em novas vertentes e estudos, deve-se dar atenção ao termo Organização do Conhecimento. Acredita-se que o conceito de TTI está inserido na Organização do Conhecimento. Há diversos processos de organização do conhecimento, e podemos destacar a leitura documentária como ponto de partida para diversos deles. A indexação, classificação, catalogação de assunto, entre outros, são exemplos de processos de organização do conhecimento. As próximas seções são dedicadas a conceitos do processo de indexação e aspectos e processos associados, como a catalogação de assunto, a análise de assunto, leitura documentária e aboutness de um documento. 32 2.1 A Indexação A ação de identificar e descrever um documento de acordo com seu assunto é chamada “indexação”. Durante a indexação, os conceitos são extraídos do documento, através de um processo de análise e, então, traduzidos para os termos de instrumentos de indexação (tais como tesauros, listas de cabeçalhos de assunto, esquemas de classificação etc.) (NAVES, 1996, p. 215). Fiuza (1985, p. 278) ressalta que a indexação é uma disciplina superior, que se preocupa com os sistemas de recuperação de informação. Guinchat e Menou (1994, p. 176) definem a indexação como uma das formas de descrição de conteúdo. É a operação pela qual se escolhem os termos mais apropriados para indicar o conteúdo de um documento. Chaumier (1988, p. 63) explica que a indexação “[...] condiciona o valor de um sistema documentário.” Seguindo a mesma linha de pensamento, para Fujita (2003, p. 62), a indexação condiciona os resultados de uma estratégia de busca. Langridge (1977, p. 105) aponta três formas de uso do termo indexação:  Como sinônimo de organização do conhecimento em bibliotecas. Nesse sentido, inclui indexação de autor e título e a descrição dos documentos, assim como a identificação de assunto;  Como o ato de registrar o conteúdo de uma coleção, em contraposição ao ato de examinar a coleção para dar uma informação ou os documentos solicitados;  Em seu sentido mais restrito, como provendo uma chave alfabética a uma ordem sistemática: o índice alfabético para o conteúdo de um livro arranjado sistematicamente, ou o índice alfabético para um catálogo arranjado sistematicamente (classificado). Lancaster (2004, p. 6) traz um conceito clássico de indexação, destacando que esta “[...] implica na preparação de uma representação do conteúdo temático dos documentos.” Consiste em um dos processos mais importantes do trabalho do 33 bibliotecário, porque objetiva representar o conteúdo de um documento, por meio de termos extraídos de um texto original (DUARTE, 2007, p. 1). Para Duarte, a indexação é definida como o ato de interpretação ou de identificação de um documento, com foco em seu conteúdo temático. Trata-se da representação de documentos, através de termos obtidos com base no texto original. É um processo subjetivo, pois lida com análise, interpretação e definição do que será indexado, levando em conta o contexto do documento (2007, p. 2). Na indexação, é assumido que a relação entre um documento e sua entrada de índice (ou entradas) é de algum tipo de condensação semântica: a entrada do índice representa um resumo do conteúdo de todo o texto (HUTCHINS, 1978, p. 172). É um processo intelectual que envolve atividades cognitivas na compreensão do texto e a composição da representação do documento (DUARTE, 2007, p. 6). É, assim, um processo de sumarização que ocorre pela análise de assunto. Conforme algumas abordagens teóricas, a indexação pode ser organizada em duas, três e até quatro etapas. De acordo com Naves (2001, p. 192), a indexação compreende duas etapas distintas: a análise de assunto, quando se dá a extração de conceitos capazes de representar o conteúdo de um documento, expressos em linguagem natural, e a tradução desses conceitos para termos de instrumentos de indexação, que são as chamadas linguagens de indexação. Albrechtsen também divide a indexação em duas etapas. A autora explica que o processo de criação de dados relacionados ao assunto do documento, entradas de assunto para livros ou descritores em sistemas de recuperação de informação envolve duas etapas principais. A primeira é a análise de assunto de um documento e expressão da informação percebida em uma declaração linguística concreta. A segunda consiste em atribuir os termos elicitados na declaração linguística, onde estes podem ser traduzidos em conformidade com a terminologia de um vocabulário controlado de termos de indexação, por exemplo, de acordo com um tesauro ou um esquema de classificação (1993, p. 219). Duarte (2007, p. 2) assinala igualmente que, em termos de estruturação, a indexação possui duas etapas: o conhecimento do conteúdo do documento, que se 34 dá pela leitura rápida de partes da estrutura textual para escolher os conceitos a serem representados, e a tradução dos conceitos escolhidos, para incorporação de elementos sintáticos. Assim como Duarte (2007), Lancaster (2004, p. 8) considera a indexação como um processo caracterizado por duas etapas, uma de análise conceitual e uma de tradução, enquanto Chaumier (1988) entende a indexação em dois estágios: o primeiro concerne ao conhecimento do conteúdo do documento e o segundo, à escolha dos conceitos. Mai (1997a, p. 55) explica a indexação em três estágios: o primeiro é o processo de análise do documento, o segundo é o processo de descrição de assunto e o terceiro é o processo de tradução dos assuntos para uma linguagem de indexação. Chu e O’Brien (1993, p. 440) conceituam quatro etapas para o processo de indexação. A primeira é a análise de assunto do texto, a segunda consiste em expressar os assuntos nas palavras da mente do profissional para o papel ou sistema, a terceira etapa é a tradução para uma linguagem de indexação, e a quarta etapa, expressar os assuntos em termos de indexação. A literatura evidencia que não há unanimidade nas etapas que configuram o processo de indexação, sendo certo que, independentemente da efetividade de cada uma, para os profissionais mais experientes, as etapas acontecem frequentemente de modo simultâneo (TERRA, 2017, p. 53). Como observado acima, existem diversas abordagens sobre quais são as etapas da indexação (duas etapas para Chaumier (1988) e Lancaster (2004), três etapas para Mai (1997b), quatro etapas para Chu e O’Brien (1993)), contudo, todas elas colocam a análise de assunto como processo inicial. Em contextos profissionais, é comum que os bibliotecários não façam essa distinção, realizando o processo de forma automática, sem notar as etapas da indexação. Na indexação, deve-se ter em mente que o que se quer é extrair o assunto do documento, estando, nesse aspecto, explicada a necessidade de o profissional ter um raciocínio lógico e rápido, que o auxilie nessa tarefa de síntese (NAVES, 2001, p. 197). 35 Para Hutchins (1978, p. 172), a suposição básica é de que os indexadores são capazes de indicar “sobre” o que um documento trata, formulando uma expressão que "resume" o conteúdo do documento. Taylor (2004, p. 41) escreve acerca dos produtos da indexação, explicitando que os índices “[...] proporcionam acesso ao conteúdo analisado de ‘pacotes informacionais’ (por exemplo, artigos de jornal, histórias curtas em uma coleção, artigos de conferências e eventos, etc.).” Tendo em vista os produtos da indexação, uma distinção importante deve ser feita entre a busca por documentos e a busca por informações. A busca por documentos é a busca por itens conhecidos, enquanto a busca por informações reside na busca do assunto; caso em que os documentos não são conhecidos (THELLEFSEN; BRIER; THELLEFSEN, 2003, p. 179). Esse conceito diferencia os tipos de busca proporcionados pelo tratamento de forma (catalogação) e o tratamento temático (classificação, indexação e catalogação de assunto). Teoricamente, entende-se que o termo indexação é atribuído à prática de criação de índices, ao passo que a catalogação de assunto, à criação de registros bibliográficos a serem inseridos em itens, nos catálogos. Esta é a forma mais comum de distinguir os dois processos, conceitualmente. Sauperl (2004, p. 55) compartilha do mesmo pensamento, ao explicar que descrições de assunto de documentos em catálogos de bibliotecas são proporcionadas por catalogadores. Por sua vez, descrições de assunto de documentos em bases de dados bibliográficas são fornecidas por indexadores. Guimarães (2009, p. 8) faz considerações sobre os produtos da catalogação de assunto, a qual para ele, “[...] reside na construção do catálogo em si.” Toma a análise de assunto como a etapa preliminar do processo, pois, após sua realização, é necessária a tradução para a linguagem do sistema. O mesmo autor cita a catalogação de assunto nas correntes teóricas do TTI (cf. início do Capítulo 2). Fiuza (1985, p. 257) concede a catalogação de assunto (CA) como "[...] disciplina ou conjunto de disciplinas que tratam da representação nos catálogos de biblioteca, dos assuntos contidos no acervo." De acordo com Guimarães (2009, p. 2), a CA “[...] apresenta nítida matriz 36 norte-americana, em muito norteada pelos princípios de catalogação alfabética de Cutter e da tradição de cabeçalhos de assunto da Library of Congress, cuja ênfase reside no catálogo enquanto produto do tratamento da informação em bibliotecas.” A CA, uma parte do processo de catalogação, se concentra em fornecer informações sobre o tema de um documento. A representação de assunto é um elemento crítico para garantir o acesso aos documentos. A atribuição inadequada de assuntos pode levar à recuperação infrutífera, insatisfação dos usuários e necessidades informacionais não atendidas (SAUPERL, 2005, p. 713). Tanto a indexação quanto a CA são processos importantes para a organização do conhecimento. Existe um consenso de que ambos são iniciados com a leitura documentária, na fase de análise de assunto (AA). Utilizaremos o conceito de Neves, Dias e Pinheiro (2006), a fim de justificar a necessidade de conceituar o processo de Indexação e de CA, nesta pesquisa: A leitura tem destaque no trabalho de algumas especializações da ciência da informação, como a catalogação temática, a classificação e a indexação. Essas funções são desempenhadas em bibliotecas ou sistemas de recuperação de informação e têm por finalidade o tratamento temático dos documentos. Para simplificar, daqui por diante vamos denominar o profissional que desempenha esse tipo de função simplesmente como indexador. (NEVES; DIAS; PINHEIRO, 2006, p. 141). Levando-se em conta o profissional que realiza a indexação, quando se alude a “indexador”, é preciso estar atento à precisão conceitual do termo. Nas literaturas inglesa e americana, o termo indexador é aplicado tanto àquela pessoa que elabora índices de textos ou livros quanto àquela que faz a indexação acadêmica ou catalogação de assunto. O termo é adotado para referir-se a todos aqueles que fazem o tratamento de assunto, cuja tarefa seria a de analisar o assunto de um item, descrevê-lo em termos próprios e traduzi-lo para a linguagem específica do sistema (NAVES, 2001, p. 191). Ao pensarmos na nomenclatura do profissional, de acordo com a atividade realizada, nós nos deparamos com o termo analista de assunto, pois toda a literatura apresentada acima define a análise de assunto como passo inicial da 37 indexação e outras atividades, com o objetivo de sumarização. Os fatores considerados mais importantes com relação à influência do analista de assunto são a subjetividade (diferentes indivíduos criam diferentes figuras ou ideias de uma mesma informação externa, por causa de suas inclinações pessoais e afetivas, que certamente interferem no trabalho por eles desenvolvido), o conhecimento prévio (atinente ao estoque de conhecimento armazenado na memória do indivíduo, assimilado e adquirido em suas vivências) e a sua formação e experiência (um mínimo de conhecimentos da área na qual se está indexando é obviamente indispensável) (NAVES, 2001, p. 191). Entende-se que tanto a indexação quanto a CA são processos que possuem a análise de assunto como ponto de partida; porém, o que define suas nomenclaturas são os produtos finais (ou índices, ou termos em catálogos). Daremos enfoque ao processo de indexação, nesta pesquisa. Em suma, a indexação é um processo de identificação de conceitos que possam representar um documento. A quantidade de passos para esse processo depende da abordagem teórica, mas a primeira etapa será sempre a análise de assunto (na concepção de Mai (1997, p. 55), o primeiro estágio consiste no processo de análise do documento, e não de análise de assunto). Os produtos da indexação são termos representativos de um documento, e o profissional que realiza esse processo é tido, nesta investigação, como o analista de assunto. A indexação está diretamente relacionada à leitura documentária, e vários autores estudam esse processo tão complexo. Existem diversas abordagens de estudo da indexação, sendo a maioria determina a análise de assunto (AA) como processo inicial. 38 2.2 A Análise de Assunto Preparar um índice para um livro ou atribuir termos de indexação a documentos envolve a tarefa de análise de assunto. Pode ser definida como "[...] o processo intelectual ou automatizado pelo qual os assuntos de um documento são analisados para expressão subsequente na forma de dados de assunto.” (ALBRECHTSEN, 1993, p. 219). O processo de extrair conceitos que traduzam a essência de um documento é conhecido como análise de assunto, para alguns, análise temática para outros, e ainda como análise documentária ou análise de conteúdo (NAVES, 1996, p. 215). O termo análise de assunto é o mais comumente utilizado. Grande parte dos autores que tratam do tema estabelece a análise de assunto como a etapa antes da tradução dos conceitos extraídos dos documentos para um vocabulário controlado (NAVES, 1996, p. 217). Para Terra (2017, p. 51), o ponto principal da análise de assunto é a compreensão do texto, que é altamente dependente do processamento mental de informações, por parte do leitor. Estudos relacionados a esse processo são fundamentais para a elaboração de metodologias que amparam e melhoram a compreensão do texto, otimizando a análise de assunto. O fator que mais interfere nesse processo é o humano, porque envolve aspectos cognitivos, linguísticos e socioculturais. Dias, Naves e Moura (2001, p. 206) conceituam a análise de assunto como “[...] processo por meio do qual o classificador, indexador ou catalogador identifica e determina de que assuntos trata um documento e quais desses assuntos devem ser representados nos produtos - catálogos, índices etc.” A análise de assunto é vista como o processo intelectual ou automatizado de analisar os assuntos de um documento (ou uma fonte de informação) e a subseqüente expressão dessa análise como dados de representação do sujeito. A análise de assunto implica uma interpretação do potencial do documento (ou outra entidade de 39 informação) em relação aos interesses de conhecimento de um dado sistema de informação, e esta análise é realizada em um dado contexto histórico, cultural, profissional e pragmático. (ALBRECHTSEN; HJØRLAND, 1997, p. 143). Para Naves (2001, p. 189), a complexidade da análise de assunto, como a primeira etapa da indexação, vem sendo, há muito, apontada e discutida por professores e especialistas da área. Tema que pode ser estudado sob vários aspectos, costuma ser abordado do ponto de vista do indexador, pelo fato de que todo o processo seja iniciado por esse profissional, no momento da leitura do texto e da definição do assunto do documento. Albrechtsen e Hjørland explicam que, na prática, a análise de assunto é frequentemente realizada por profissionais da biblioteca, usando um determinado esquema de classificação, tesauro ou “linguagem de recuperação da informação” para expressar o resultado da análise (1997, p. 143). A análise de assunto, do ponto de vista do indexador, começa com a fase de leitura do texto. Para isso, é necessário que se conheçam tipos e estruturas de textos para iniciar-se a sua leitura com fins específicos (NAVES, 2001, p. 192). Portanto, o indexador, ou analista de assunto, é a figura central do processo de análise de assunto. Naves (2001, p. 193) lista os fatores relacionados a esse processo: política de indexação adotada pelo sistema, tipo de vocabulário utilizado (linguagem natural ou artificial), objetivos da instituição, perfil e necessidades de informação dos usuários e, principalmente, o fator humano. O indexador é importante para esse processo, pois cabe a ele a interpretação e a definição do assunto de documentos. É influenciado por variáveis de ordens diversas, sobretudo ligadas à linguística, ciência cognitiva e lógica. Em artigo de 1993, Albrechtsen discute a natureza da análise de assunto, sugerindo três diferentes concepções: a simplista, a orientada ao conteúdo e a orientada à demanda (simplistic, content-oriented, requirement-oriented): ● Concepção simplista: Essa concepção considera os assuntos como abstrações diretas de documentos. Seguindo essa concepção, analisar a 40 indexação é equivalente a extrair automaticamente todas as palavras ou frases de um software de texto completo; ● Concepção orientada para o conteúdo: A concepção orientada para o conteúdo da análise de assunto baseia-se em informações explícitas e implícitas nos textos. Por informação explícita entende-se informação expressa na terminologia aplicada pelo produtor do documento. Um documento também pode transmitir informações implícitas, as quais não são expressas diretamente pelo autor, mas que são facilmente compreendidas ou interpretadas por um leitor (humano) do documento; ● Concepção orientada por requisitos: A concepção orientada a requisitos de análise de assunto é aplicada aqui como um denominador comum para abordagens orientadas a pedidos e estruturas sociológico-epistemológicas para indexação. Análise de assunto baseada em requisitos implica um foco diferente de a abordagem de análise de assunto orientada por conteúdo (1993, p. 221). Em 2000, Mai destaca cinco concepções básicas para a indexação, entre as quais podemos observar as concepções da análise de assunto abordadas por Albrechtsen: ● Concepção simplista da indexação (Simplistic conception): Foca exclusivamente na extração automática e manipulação estatística de palavras; está ligada ao Empiricismo; ● Concepção orientada ao documento (Document-oriented): Nessa concepção, o indexador investiga partes do documento; está relacionada a uma posição Racionalista; ● Concepção orientada para o conteúdo (Content-oriented): Busca descrever o conteúdo do documento da forma mais fiel. É uma concepção objetivista, que, de forma extrema, prega que existe apenas uma forma correta de realizar a indexação de dado documento; ● Concepção orientada ao usuário (User-oriented): O indexador leva em consideração o conhecimento que os usuários têm sobre o assunto. A demanda de usuários de uma biblioteca pública é diferente da demanda de 41 usuários de uma biblioteca universitária, mesmo quando o documento é o mesmo. A análise do documento, nesse caso, é baseada em um grupo em potencial de determinado domínio, ou seja, a análise pode ser adaptada de acordo com os interesses de dada comunidade de usuários; ● Concepção orientada à demanda (Requirement-oriented): o indexador conhece as necessidades dos usuários. É comum em organizações menores, como, por exemplo, uma microempresa com quinze funcionários, onde o bibliotecário conhece as necessidades de cada usuário, tornando possível esse tipo de serviço específico. As concepções de Mai (2000) e de Albrechtsen (1993) relacionam-se, quando levamos em conta a análise de assunto como etapa inicial da indexação. Assim, as concepções de análise de assunto de Albrechtsen se encaixam nas concepções de indexação de Mai, evidenciando a análise de assunto como a principal etapa nos processos de sumarização. Conforme Dias e Naves (2013, p. 27), na análise de assunto que se realiza em textos escritos, é preciso que seja feita uma leitura capaz de ensejar a extração de conceitos que sintetizem o seu conteúdo. Sabe-se da importância do texto, de estruturas e de tipos de textos, bem como a forma específica de leitura que deve ser feita pelo analista de assunto. Pesquisas têm evidenciado que a leitura do analista de assunto não está relacionada apenas à identificação das superestruturas e dos esquemas textuais. “Vai além, pois exige a incorporação de uma série de atitudes, normas e habilidades que podem vir a ser automatizadas em nível de atitudes, mas que exigem do profissional uma adaptação frequente.” (NEVES, DIAS; PINHEIRO, 2006, p. 143). De acordo com Dias (2004, p. 149), “[...] quando alguns autores usam a expressão para determinar de que trata um documento, estão evitando, propositadamente, o uso da palavra assunto nesse contexto.” Hutchins (1977) assinala que é necessário entender sobre o assunto central do documento, concebido como aboutness, para o seu tratamento. O analista de assunto precisa aprender do que o documento trata, durante o pouco tempo que tem 42 disponível para a leitura de documentos: A ciência da informação, como a lingüística, trabalha na fronteira de dois elementos; texto e conteúdo. Essa fronteira é o terreno do aboutness, representação, relevância e suas relações na construção da organização e da informação. Nessa fronteira, um texto, seu conteúdo e seu significado se encontram como uma etapa necessária na determinação de sua relevância para a necessidade de um usuário de informação. Como a situação lingüística, esta envolve uma troca de valores. No que diz respeito ao acesso à informação, o conteúdo é trocado por texto e, em seguida, o texto é trocado por representação. Este processo representa o significado do aboutness. (RABER; BUDD, 2003, p. 516). É consenso, na área de CI, que a indexação e, por consequência, a análise de assunto, se preocupa com o aboutness. Termos de um índice que representa com precisão o que um documento trata fornecem "boa indexação", o que permite "boa recuperação" (WEINBERG, 1988, p. 3). Portanto, em pesquisas associadas à análise de assunto, é necessário conceituar atinência, aboutness ou tematicidade de um documento. Hjørland (2001, p. 774) ressalta que assunto e aboutness devem ser considerados sinônimos em CI e organização do conhecimento. Dias (2004, p. 149) explica que o termo atinência, tradução do termo em inglês aboutness, é considerado “[...] aquilo de que trata o conteúdo substantivo de uma obra (não sendo importante, a princípio, aspectos como a forma ou o suporte em que essa obra está registrada).” Fujita (2003, p. 77), por seu turno, considera "[...] relevante nos referirmos à tematicidade (aboutness) do documento quando se busca pesquisar sobre a problemática da identificação do tema." Para a autora, a tematicidade “[...] é pertinente à análise de assunto porque estamos tratando de seu objetivo principal que é a identificação do assunto ou tema mediante análise conceitual composta de identificação e seleção de conceitos.” (2003, p. 77). Portanto, cabe ao bibliotecário o conhecimento do aboutness dos documentos e de sua importância para a representação temática. O conhecimento do aboutness ocorrerá via conhecimento prévio, durante a análise de assunto. 43 Os processos de indexação e catalogação de assunto, entre outros vinculados à organização do conhecimento, têm como primeira etapa a análise de assunto e, por consequência, a leitura documentária. A leitura tem natureza interpretativa e, quando seu foco é a documentação, observam-se tentativas de padronização de estratégias, por parte do leitor. No Capítulo 3, serão apresentados os conceitos de abdução, dedução e indução, considerados necessários para a categorização da leitura documentária de analistas de assunto. Conceitualmente, a leitura é um processo ativo, no qual o leitor traz toda uma vida de experiências para o texto e utiliza essa experiência para interpretar e elaborar sobre seus conteúdos. Devemos ter em vista uma ampla gama de variáveis, para estudar a leitura. No próximo tópico, serão contemplados conceitos sobre a leitura documentária e os processos de sumarização citados. 44 2.3 A Leitura Documentária Este subcapítulo apresenta conceitos sobre leitura documentária e aspectos relacionados a esse importante processo, como os tipos de estratégias. Pinto e Gálvez (1999, p. 40) caracterizam a leitura, de maneira geral, como passo inicial para a aquisição de informações textuais. É realizada de forma automática, quase que inconscientemente, por estar muito enraizada em nossa vida diária. Na concepção de Fujita (2004, p. 2), a leitura é um ato social. Existe comunicação e interação entre o leitor e o autor do texto e, apesar de aparentemente simples e natural, é um processo complexo e que depende do processamento humano e da cognição do leitor. Neves (2007, p. 2) assinala que, “[...] no que diz respeito à compreensão de um enunciado, a leitura de um texto é uma atividade cognitiva que requer esforço mental/cognitivo, envolvendo: percepção, memória, inferência e dedução.” Tanto a redação como a leitura de um texto são processos repletos de complexidade. Koch (2016) afirma que “[...] o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no curso de uma interação.” Autores, como Cavalcanti (1989), Giasson (1993) e Kleiman (2000), estudam a teoria interacionista da leitura. Fujita explica: A situação ideal para o processo de compreensão da leitura, segundo a teoria interacionista, é a indissociabilidade entre as três variáveis, texto, leitor e contexto, o que nos leva a considerar que as dificuldades da análise de assunto para a indexação devem ser analisadas a partir de cada variável e não somente do leitor/indexador. Dessa forma, o autor como emissor e o texto como mensagem escrita desempenham papel importante na transmissão da informação, pois é a crença na racionalidade do autor, na sua intenção de ser informativo dizendo algo coerente, que leva o leitor a interagir com o texto, realizando esforços para construir um significado viável. (2017, p. 15, grifo nosso). 45 Entende-se que há uma ligação entre as três variáveis de leitura citadas por Fujita (2017). É por meio dessa dependência que deverá ocorrer a interpretação de um documento. Ellis apresenta um exemplo da conexão dessas variáveis: “[...] os escritores dos livros contam que os leitores farão inferências que lhes permitirão evitar ter de contar tudo em detalhes entediantes.” (1995, p. 62). Esse tipo de leitura, conhecido como leitura documentária ou leitura do indexador, tem certas características, não sendo realizada para lazer ou aprendizagem, nem é prazerosa, muito pelo contrário. O alto grau de incerteza, ansiedade e responsabilidade contido na atividade já mostra que ela traz pouca satisfação (DIAS; NAVES, 2013, p. 41). Fujita destaca que a leitura em análise de assunto de documentos é concebida como uma atividade de cunho profissional, caracterizando o indexador como leitor profissional que realiza a leitura documentária. Dessa forma, o objetivo principal da formação do indexador, do resumidor e do classificador seria formá-lo ou capacitá-lo para uma leitura com objetivos profissionais (2004, p. 2). Incluímos aqui, também, o profissional analista de assunto, pensado como o responsável pela análise de assunto, sem foco específico em algum processo, como indexação, catalogação de assunto, entre outros. Para Livingston, o conhecimento sobre as variáveis de estratégias de leitura inclui conhecimento sobre estratégias cognitivas e metacognitivas, bem como conhecimento condicional sobre quando e onde é apropriado usar tais estratégias (1997, p. 1). De acordo com Neves, Dias e Pinheiro, em pesquisas da área da cognição, a parte que mais se aproxima dos tópicos tratados pela “[...] ciência da informação é a denominada ‘processamento textual’, uma atividade cognitiva que exige o domínio de dois processos básicos de leitura: 1) reconhecimento de palavras; 2) compreensão de um texto como um todo.” (2006, p. 141). Os leitores costumam identificar informações, ao ler as partes consideradas mais importantes e, com isso, fazem inferências, ao ler o texto em voz alta e ao repetir trechos para formular uma ideia, buscando algo associado em sua memória. 46 É comum tomar notas e fazer pausas para pensar sobre o texto; podem buscar por padrões textuais e predizer assuntos. Procuram interpretar o texto, por meio de partes da estrutura, e emitem juízos de valor sobre tudo que é informado (NEVES; DIAS; PINHEIRO, 2006, p. 142). Em Protocolos Verbais Individuais – PVI –, é comum identificar tal comportamento por parte dos leitores proficientes. Estes verbalizam suas estratégias, possibilitando melhor entendimento de como processam a informação, durante a leitura documentária. Fujita enfatiza que “[...] o uso de estratégias não é facilmente observável porque ações mentais, como associações e deduções durante a leitura, não podem ser vistas, ainda que, possam ser verbalizadas.” (2017, p. 26). Observa-se aqui a importância da aplicação de PVI para coleta e análise de dados em pesquisas sobre leitura documentária, e a necessidade da observação atenta, com base na teoria da inferência. A metacognição é um assunto bastante estudado em pesquisas sobre leitura documentária e, de acordo com Livingston (1997, p. 2), significa “[...] ‘pensar sobre o pensamento’ e envolve supervisionar se uma meta cognitiva foi cumprida. Este deve ser o critério de definição para determinar o que é metacognitivo.” Deve-se ter em mente que “[...] as estratégias cognitivas e metacognitivas estão estreitamente entrelaçadas e dependentes uma da outra, qualquer tentativa de examinar uma sem reconhecer a outra não forneceria uma situação adequada.” (LIVINGSTON, 1997, p. 2). Neves, Dias e Pinheiro (2006, p. 142) explicitam que, “[...] além do papel central do conhecimento prévio na compreensão da leitura, a importância do monitoramento da compreensão e do uso de estratégias metacognitivas de processamento de texto tem sido enfocada por vários estudos.” Naturalmente, a prática do indexador numa determinada área do conhecimento amplia seu glossário visual e torna o processo de indexação muito mais rápido (CINTRA, 1983, p. 6). Fujita salienta que a compreensão em leitura necessita de conhecimento armazenado na memória em longo prazo, cuja estrutura de conhecimento é baseada em rede semântica de informações, onde é possível associar informações e 47 conceitos. O processo de compreensão exige os “esquemas” ou representações generalizadas de ambientes, permitindo associações com tudo aquilo que é informado durante a leitura (FUJITA, 2017, p. 18). Neves, Dias e Pinheiro (2006, p. 142) compartilham de pensamento equivalente com Fujita: Para compreender um texto, os indivíduos lançam mão de todo o conhecimento prévio armazenado na memória de longo prazo, demandando, inclusive, possíveis esquemas de procedimento existentes na memória semântica. O conhecimento anterior facilita o processamento do texto e a compreensão, por oferecer uma estrutura na qual o conteúdo do material lido possa ser relacionado. Fujita (2017) acrescenta que, para realizar a leitura documentária de forma adequada e inteligente, o profissional deve executar os movimentos em equilíbrio, sempre tendo em mente os objetivos da leitura, caracterizando o processo como metacognitivo. Levando em conta o equilíbrio dos movimentos ascendentes e descendentes, o profissional fará uso de estratégias próprias de leitura. Fujita, Nardi e Santos (1998, p. 14) explicam essa ideia. Durante a leitura de um texto com objetivos documentários, assim como na leitura habitual, “[...] são ativados esquemas variados, desde conhecimento de vocabulário, conhecimento da estrutura textual, do assunto, até conhecimento de mundo.” A figura abaixo apresenta uma comparação de estratégias de leitura em quatro concepções teóricas distintas. Figura 1 - Estratégias de leitura conforme as concepções teóricas de Brown, Kato, Cavalcanti e Cintra Brown Kato Cavalcanti Cintra (citando teóricos da ciência da cognição) Skill Estratégia Estratégia cognitiva Estratégia metacognitiva Estratégia automática Estratégia controlada Estratégia automática Estratégia controlada Fonte: Fujita, Nardi e Santos (1998) Todas as concepções fazem uma distinção entre o que seriam estratégias 48 cognitivas e o que seriam estratégias metacognitivas. O que Kato (1995) considera como estratégia cognitiva (skill, na concepção de Brown (1980)), Cavalcanti (1989) e Cintra (1983) chamam de estratégia automática; e o que Kato (1995) toma como estratégia metacognitiva (estratégia, para Brown (1980)), Cavalcanti (1989) e Cintra (1983) denominam estratégia controlada. As estratégias cognitivas ocorrem na leitura fluida do documento, na íntegra, enquanto as estratégias metacognitivas, acontecem durante uma leitura com objetivos documentários. Diversos autores, como Dias (2013), Dias e Naves (2001), Fujita (2003, 2008, 2009, 2017), Fujita, Nardi e Fagundes (2003), Fujita, Rubi e Boccato (2009), entre outros, estudam estratégias de leitura, e cada um as identifica de uma maneira diferente, porém, a essência permanece a mesma, repartindo-se entre uma de natureza metacognitiva e outra, de natureza cognitiva. Na visão de Fujita, Nardi e Santos, o leitor com objetivos documentários deve detectar a estrutura do texto, para efetuar a leitura documentária de forma eficaz. O leitor que tem facilidade de reconhecer as superestruturas textuais capta melhor as ideias principais do texto, do que um leitor que lê linearmente, fazendo esforços desnecessários para compreender trechos isolados, mas sem apoiar-se na estrutura textual e em seus conhecimentos prévios, a fim de inferir significados e levantar hipóteses que o ajudarão a apreender a temática global (FUJITA; NARDI; SANTOS, 1998, p. 20). Diversos fatores podem influenciar o processo de leitura e, consequentemente, o processo de leitura documentária. Kato (1995) define as condições de leitura: a) o grau de maturidade do sujeito como leitor; b) o nível de complexidade do texto; c) o estilo individual; d) o gênero do texto. Cintra (1983, p. 5) reconhece que a análise de documentos com fins documentários (indexação e catalogação de assunto) é feita pela leitura do documento, sendo processada pelo cérebro humano ou por máquina. Especula-se que a leitura documentária seja mais adequada dentro de domínios específicos, devido à bagagem de informações e conhecimentos específicos em dada área, adquiridos ao longo da vida do profissional. Para Dias e Naves, a leitura depende da competência comunicativa do leitor, que é influenciada por vários fatores, entre os quais a ação da memória, que 49 relaciona o não conhecido ao conhecido, e a participação da razão e suas atividades complementares de indução e dedução, análise e síntese (2013, p. 39). Dias e Naves (2013, p. 27) abordam a necessidade da observação de estruturas textuais para a análise de documentos, por meio da leitura: Para a análise de assunto que se realiza em textos escritos é preciso que seja feita uma leitura que possibilite a extração de conceitos que sintetizem o conteúdo desses textos. Sabe-se da importância do texto, de estruturas e de tipos de textos, bem como a forma específica de leitura que deve ser feita pelo indexador. Fujita elaborou um memorial de investigação científica acerca da leitura documentária. Chegou a diversas conclusões, baseadas em todos os conceitos e vertentes abordadas. A autora ressalta que o leitor profissional está apto à compreensão pela própria estrutura cognitiva inata e construída, pois possui conhecimento prévio, constituído de conhecimento linguístico, textual e conhecimento de mundo. Faz uso de seu conhecimento prévio, por meio de esquemas acionados pelos movimentos bottom-up e top-down, proporcionando a compreensão, principalmente de forma metacognitiva (FUJITA, 2017, p. 30) Em organização do conhecimento, a leitura é a forma pela qual os analistas de assunto iniciam diversos processos; alguns exemplos são a indexação e a catalogação de assunto. A leitura com objetivos documentários deve ser realizada por um profissional e nunca ocorrerá de maneira fixada. A mente funciona de maneira única e certos fatores, como conhecimento prévio, domínio em que o sujeito atua (e/ou atuou anteriormente), educação acadêmica, convívio com outras pessoas, influenciam diretamente o processo inferencial. Sobre a leitura, conclui-se que é inerente ao leitor o equilíbrio de estratégias cognitivas e metacognitivas, e é por meio destas que o leitor proficiente está apto a formular hipóteses para compreender um texto. O conhecimento de estruturas textuais integrará as estratégias de leitura criadas por cada leitor, afetando diretamente o processo inferencial sobre determinado texto. Apresentaremos, a seguir, a relação de aspectos da leitura com a teoria da inferência na Semiótica. 50 3 Aspectos da Semiótica observados na Leitura Documentária Este capítulo foi redigido com base no segundo objetivo específico, sobre investigação teórica de aspectos da Semiótica e sua relação com a leitura documentária de estrutura textual de doutrina. Foram focalizados conceitos clássicos sobre a teoria semiótica de Peirce, com foco na teoria da inferência, abdução, dedução e indução. A ciência dos signos, denominada comumente Semiótica (do grego semeiotiké), estuda o processo de semiose ou ação dos signos no contexto humano e natural. Significa dizer que, diferentemente da Semiologia, que investiga os signos em sua vida social, a semiótica não prioriza uma única manifestação sígnica da linguagem (ALMEIDA; FUJITA; REIS, 2013, p. 231). Está relacionada a tudo que possa ser assumido como signo. “É signo tudo quanto possa ser assumido como um substituto significante de outra coisa qualquer. Esta outra coisa qualquer não precisa necessariamente existir, nem subsistir de fato no momento em que o signo ocupa seu lugar.” (ECO, 2014, p. 4). A Semiótica é uma indagação sobre a natureza dos signos e suas relações, entendendo-se por signo tudo aquilo que represente ou substitua alguma coisa, em certa medida e para certos efeitos (PIGNATARI, 2004, p. 21). Assim, toda e qualquer coisa que se organize ou tenda a organizar-se sob a forma de linguagem, verbal ou não, é objeto de estudo da Semiótica (PIGNATARI, 2004, p. 15). Almeida (2012, p. 50) comenta a matriz da Semiótica: [...] é uma ciência formal que procura conhecer todos os tipos de signos presentes na natureza e na cultura. Sabemos que a teoria dos signos tem duas matrizes principais, uma derivada do estruturalismo linguístico e outra ligada à Lógica. A matriz lógica vincula-se ao trabalho do filósofo estadunidense Charles Peirce. Concebida como uma ciência formal, a Semiótica peirceana está subdividida nos ramos: Gramática Especulativa, Lógica Pura e Retórica Especulativa [...]. 51 Friedman (2012) caracteriza a teoria semiótica com base na visão de cinco autores: Charles Sanders Peirce (1839-1914) – entende que o signo é triádico, composto por um Interpretante, um Representamen e por um Objeto. Já para Ferdinand de Saussure (1857-1913), o signo é diádico, composto por Significante e Significado. Conforme Charles W. Morris (1901-1979), existe o Signo triádico proposto - em termos de Sintática, Semântica e Pragmática. Na visão de Roland Barthes (1915-1980), o “signo” diádico pode ser concebido em termos de denotação e conotação. Thomas A. Sebeok (1920-1991) realizou o estudo de Semiótica para incluir significação e comunicação de sistemas não humanos. E, finalmente, Umberto Eco (1932-2016) propôs o termo signo como “produção de signos”. Consideramos, nesta pesquisa, sobretudo a visão de Peirce e de teóricos que se embasaram em sua teoria. A Semiótica é comumente definida como o estudo dos signos. Para Blikstein (1985, p. 20), o signo é considerado “[...] algo que substitui ou representa as coisas, isto é, a realidade, [...] representaria a realidade extralingüística e, em princípio, é por meio dele que podemos conhecê-la.” Para Nöth, baseado na visão de Saussure, o signo pode ser comparado a uma folha de papel: “[...] o pensamento é o anverso e o som o verso; não se pode cortar um sem cortar, ao mesmo tempo, o outro”, de sorte que o signo, para Saussure, é considerado “[...] uma entidade psíquica de duas faces” (NÖTH, 1996, p. 29). Na Semiótica, conforme teoria de Peirce, um signo é formado por três aspectos, que são o Representamen (que engloba o Qualissigno, Sinsigno e Legissigno), o Objeto (Ícone, Índice e Símbolo) e o Interpretante (Rema, Dicissigno e Argumento). Silveira (2007, p. 29), define o Representamen como “[...] aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido.” Ressalta que esse signo é criado na mente da pessoa como um Interpretante, e o Objeto, por sua vez, é o que o signo busca representar. Peirce enuncia a classificação triádica dos signos a partir do Modelo Y (Y-leg model), o qual tem, no topo, o Interpretante, na ponta esquerda, o Representamen, e, na direita, o Objeto (MAI, 1997a). 52 Figura 2 Y-leg model de Peirce: Fonte: Traduzido de Mai (1997a) Esse modelo torna possíveis várias relações entre as categorias que compõem o Representamen, o Interpretante e o Objeto, originando as dez classes de signos. Para Peirce (1995, p. 52), na primeira concepção, um Qualissigno é considerado “uma qualidade que é um signo”, um Sinsigno é “uma coisa ou evento existente e real que é um signo” (o prefixo sin tem como significado singular, simples, do latim semel), já o Legissigno é “uma lei que é um signo”; normalmente, essa lei é estabelecida pelos homens. Com relação à segunda tricotomia dos signos, o Ícone é um “[...] signo que se refere ao Objeto que denota apenas uma virtude de seus caracteres próprios, caracteres que ele igualmente possui quer um tal Objeto realmente exista ou não.” O Índice é um signo concernente “[...] ao Objeto que denota em virtude de ser realmente afetado por esse Objeto”, e o Símbolo é um signo correspondente “[...] ao Objeto que denota em virtude de uma lei, normalmente uma associação de ideias gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo àquele Objeto.” (PEIRCE, 1995, p. 52). Na terceira tricotomia dos signos, Peirce (1995, p. 53) denomina um Rema como um “[...] signo que, para seu Interpretante, é um Signo de Possibilidade qualitativa [...] é entendido como representando esta e aquela espécie de Objeto possível”, um Signo Dicente ou Dicissigno é um “[...] signo que, para seu Interpretante, é um Signo de existência real”, e um Argumento é “[...] um Signo que, para seu Interpretante, é um Signo de lei.” 53 As três tricotomias apresentadas por Peirce (1995), em conjunto, dão origem às dez classes de signos, as quais são a combinação entre as categorias de signos. Para formar as dez classes de signos, Peirce criou regras, para que possam ser realizadas as relações que dão origem às dez classes de signos. Diversos autores (ALMEIDA, 2011, 2012, LARA, 1993, 2006, MAI, 1997, 2001, NERIS, 2006, RABBER; BUDD, 2003), na Ciência da Informação (CI) e Organização do Conhecimento, pesquisam a teoria da Semiótica em vários contextos. A Semiótica é derivada de especulações filosóficas sobre significado e linguagem (CHANDLER, 2004, p. 5 apud FRIEDMAN, 2012, p. 127). Tanto a Semiótica quanto a Organização do Conhecimento se preocupam com a natureza das relações entre conteúdo e sua representação, entre significante e significado, entre referência e referente, entre objetos informativos e seus significados (RABER; BUDD, 2003, p. 507). O emprego de teorias semióticas em pesquisas na área de organização do conhecimento colabora na compreensão dos processos e como os profissionais pensam, durante a execução dos mesmos. A importância do uso da Semiótica para análises em organização do conhecimento está em proporcionar uma estrutura que faça uma conexão entre a linguagem e seus significados, no que diz respeito à representação do conhecimento (FRIEDMAN, 2012, p. 133). Mai (2001) relaciona a Semiótica ao processo de indexação, ao afirmar que esta envolve processos de interpretação e representação de documentos, atividades altamente dependentes do contexto social e cultural. Para o autor, a teoria de Peirce é relevante para analisar como significados de várias palavras e expressões são produzidos em indivíduos. A teoria semiótica de Peirce, especificamente quando o autor articula sobre a Lógica pura5 (com foco na abdução, dedução e indução), que proporciona a categorização de processos interpretativos, está correlacionada ao processo de leitura para a indexação. 5 Os três ramos da Semiótica, de acordo com Peirce, são a Gramática Especulativa, a Lógica Pura ou Crítica e a Retórica Especulativa ou Metodêutica. 54 É intrínseca a relação da lógica com a leitura, independentemente da natureza desta última (documentária ou na íntegra), pois esta demanda habilidades e estratégias específicas por parte dos leitores (metacognitivas e/ou cognitivas). Dias e Naves (2013, p. 83) salientam que a lógica é o ramo da filosofia que permite uma análise do pensamento. Consiste numa operação mental que possibilita, através do raciocínio, o surgimento de novas proposições, através de proposições já existentes. Almeida, Fujita e Reis (2013, p. 240) esclarecem que é “[...] fundamental destacar o papel da Lógica como matriz teórica para conceber o processo de indexação como inferencial." Para Eco (2014, p. 118), a “[...] interpretação é uma INFERÊNCIA. Inicialmente, assemelha-se ao tipo de inferência lógica que Peirce chamou de ‘abdução’ (e em certos casos de ‘hipótese’).” Ademais, Almeida, Fujita e Reis (2013, p. 237) abordam os três ramos da Semiótica, com base em Peirce: Gramática Especulativa, Lógica Pura ou Crítica e Retórica Especulativa ou Metodêutica. Discutem com detalhes a Gramática Especulativa e a Lógica Pura, de modo a reconhecer que, para o aprofundamento das questões semióticas, é essencial investigar o complexo relacionamento da indexação com a Retórica Especulativa. Portanto, à lógica é atribuída essencial importância, quando se pretende investigar aspectos inferenciais da leitura documentária, pois “[...] a Lógica Pura (segundo ramo da semiótica de Peirce) procura responder a relação dos signos com os objetos.” (ALMEIDA; FUJITA; REIS, 2013). Almeida, Fujita e Reis acrescentam que a interação com o mundo, objetos e signos determinam as ações de representação dos profissionais: [...] o trabalho do indexador não produz um mero reflexo do que já está nos documentos, mas supõe uma ação imperante e instigante de descobrir pela matriz inferencial o significado de um documento de modo a alcançar o assunto e a entrada de assunto mais apropriada ao sistema de informação. (ALMEIDA; FUJITA; REIS, 2013, p. 240). 55 Um texto não apresenta significado nele mesmo, é necessário que haja uma interação, a partir da leitura, a fim de que o significado e conceitos que o texto pretende passar sejam compreendidos pelo leitor (MAI, 2005, p. 604). A leitura documentária, por conseguinte, independentemente de seus objetivos e produtos, é passível de análise, por meio de aspectos manifestados na teoria semiótica. Na análise de assunto, primeira fase da indexação, ocorre o processo inferencial através da leitura documentária, conceitos expostos mais à frente. Peirce explica que “[...] podemos ser auxiliados pelo conhecimento prévio ao formar hipóteses. Neste caso, não serão apenas adivinhações, e sim deduções complexas de regras gerais que já conhecemos.”(1929, p. 268). Conforme Terra (2017, p. 55), leitores proficientes desenvolvem regiões especializadas do cérebro, para decifrar o texto rapidamente. São responsáveis pela representação e recolha visual, fonológica e semântica da informação, e operam na velocidade da luz. A competência leitora convoca três capacidades neuronais (descodifica