Gabriele Barbosa Luiz O ENSINO DE GEOGRAFIA E AS CONCEPÇÕES EDUCACIONAIS DA ESCOLA NOVA (1935-1954) Marília 2025 Câmpus de Marília Gabriele Barbosa Luiz O ENSINO DE GEOGRAFIA E AS CONCEPÇÕES EDUCACIONAIS DA ESCOLA NOVA (1935-1954)1 Texto de Defesa apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Educação, pela Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Câmpus de Marília. Área de Concentração: História da Educação Orientador: Prof. Dr. Macioniro Celeste Filho Marília 2025 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Gabriele Barbosa Luiz O ENSINO DE GEOGRAFIA E AS CONCEPÇÕES EDUCACIONAIS DA ESCOLA NOVA (1935-1954) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: História da Educação Linha de pesquisa: Filosofia e História da Educação no Brasil Banca Examinadora Profª. Dr. Macioniro Celeste Filho UNESP - Câmpus de Marília Orientador Prof. Drª. Angélica Pall Oriani UNESP – Câmpus de Marília Prof. Dr. Raimundo Lenilde de Araujo UFPI – Universidade Federal do Piauí Marília, 21 de fevereiro de 2025. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha mãe e à minha vó por todo o apoio fornecido durante a jornada dos meus estudos. Também, ao meu orientador, que foi extremamente importante na minha evolução profissional. Por fim, à FFC, que foi impecável em todo o período do mestrado. RESUMO Este trabalho é fruto de pesquisa sobre o ensino de Geografia, no contexto da Escola Nova, incluindo a relação entre a Geografia moderna e os princípios escolanovistas. A metodologia foi realizada por meio da pesquisa bibliográfica e documental, principalmente através de periódicos. O Boletim Geográfico e a Revista Brasileira de Geografia foram destacados. Teve como objetivo compreender as orientações escolanovistas para o ensino de Geografia, buscando entender como as ideias referentes à Escola Nova circularam nos locais de discussão da Geografia escolar, no Brasil. Para tanto, foram investigados os periódicos de Geografia e os Congressos Brasileiros sobre o ensino de Geografia atuantes nesse período, marcado pelas propostas de inovações pedagógicas. Complementarmente, sobre essa temática, foi averiguado o relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 1940. A partir disso, os resultados encontrados indicavam a busca pela normatização das práticas escolares e a tentativa de promover as mudanças na mentalidade dos professores, com o advento da Escola Nova. Nesse meio, almejava uma formação integral, moral, ética e ativa aliada aos ideais do nacionalismo e do Estado. Assim, a pesquisa aqui apresentada reforçou o contexto escolar da época e também os aspectos da História da Geografia escolar, demonstrando as concepções que auxiliaram na compreensão das orientações escolanovistas sobre as práticas do ensino em Geografia. Palavras–chave: Ensino de Geografia. Escola Nova. História da Educação. ABSTRACT This work is the result of research on the teaching of Geography in the context of the New School, including the relationship between modern Geography and the principles of the New School. The methodology was carried out through bibliographical and documentary research, mainly through periodicals. The Boletim Geográfico and the Revista Brasileira de Geografia were highlighted. The objective was to understand the New School guidelines for the teaching of Geography, seeking to understand how the ideas related to the New School circulated in the places where school Geography was discussed in Brazil. To this end, Geography periodicals and Brazilian Congresses on the teaching of Geography that were active during this period, marked by proposals for pedagogical innovations, were investigated. In addition, on this subject, the report of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) from 1940 was investigated. From this, the results found indicated the search for the standardization of school practices and the attempt to promote changes in the mentality of teachers, with the advent of the New School. In this environment, it aimed for a comprehensive, moral, ethical and active education allied to the ideals of nationalism and the State. Thus, the research presented here reinforced the school context of the time, as well as aspects of the History of school Geography, and demonstrated the concepts that helped in the understanding of the New School guidelines on the practices of teaching Geography. Keywords: Teaching Geography. New School. History of Education. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 08 2 OS ESTUDOS SOBRE O ENSINO DE GEOGRAFIA E A ESCOLA NOVA EM MEADOS DO SÉCULO XX 2.1 A constituição da Geografia como disciplina escolar e a sua associação com a cultura escolar 2.2 A história da Geografia escolar, considerando a Geografia moderna 2.3 O ensino de Geografia, a orientação científica e a Escola Nova 2.4 O contexto educacional da época escolanovista, atrelado ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e ao Estado Novo 2.5 A metodologia ativa na época escolanovista 2.6 A Geografia escolar durante o século XX e a orientação moderna 2.7 A Geografia acadêmica e os encontros científicos 2.8 As mudanças e as relações existentes no ensino geográfico do período escolanovista 2.9 As reformas educacionais no ensino geográfico durante o século XX 2.10 A influência da Era Vargas no ensino de Geografia, as formas de conhecimento escolar e os problemas encontrados 3 AS ORIENTAÇÕES ESCOLANOVISTAS SOBRE O ENSINO DE GEOGRAFIA 4 A CIRCULAÇÃO DOS PRECEITOS ESCOLANOVISTAS NOS CONGRESSOS BRASILEIROS DE GEOGRAFIA 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS 13 15 18 20 24 26 26 30 31 34 35 39 70 83 86 8 1 INTRODUÇÃO Nesta seção, pretende-se apresentar a pergunta norteadora da pesquisa, os objetivos, a justificativa e a metodologia, associados à temática da história da Geografia escolar e da Escola Nova. Também serão referenciados alguns autores importantes, para elucidar as características desses itens. Nesta investigação, será considerada a constituição das disciplinas escolares, especificamente a Geografia escolar, em uma perspectiva histórica, por meio do advento da escola moderna. A história da Geografia escolar favorece o entendimento sobre os processos sociais, como a produção de subjetividades e identidades nas relações educativas, além de proporcionar a verificação daquilo que era vivenciado na disciplina, a finalidade admitida para o ensino e a sua seleção cultural. Para isso, aprofundou-se a articulação entre as ideias da Geografia moderna ou científica e as inovações pedagógicas propostas pela Escola Nova, especialmente trazidas pelo professor Carlos Miguel Delgado de Carvalho (1884-1980). Desse modo, ele se tornou um representante da Didática da Escola Nova e atuou no ensino secundário. Assim, o objetivo da pesquisa foi compreender as orientações escolanovistas para o ensino de Geografia, buscando entender como as ideias referentes à Escola Nova circularam nos locais de discussão da Geografia escolar, no Brasil. Nessa perspectiva, foram investigados os periódicos de Geografia e os Congressos Brasileiros sobre o ensino de Geografia atuantes nesse período, marcado pelas propostas de inovações pedagógicas. Complementarmente, sobre essa temática, foi averiguado o relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 1940. A questão que norteou a investigação foi a seguinte: a partir dos diálogos nacionais presentes nos congressos e periódicos, qual era a concepção da Geografia a ser ensinada e adaptada nas escolas, durante o período escolanovista, especialmente entre os anos de 1935 e 1954? Além dessa questão norteadora, formularam-se alguns questionamentos secundários, como os seguintes: o que era estabelecido sobre a Escola Nova e a Escola Ativa, nos periódicos e congressos sobre o ensino de Geografia, nos anos de 1935 a 1954? Quais eram as características, as condições materiais, os conteúdos, os métodos e os propósitos presentes no ensino de Geografia, durante o período escolanovista? Esses foram todos os questionamentos que permearam o trabalho. 9 O recorte temporal da pesquisa foi definido no período entre 1935 e 1954. O momento inicial, no ano de 1935, esteve acompanhado pelas pautas educacionais, com o auxílio do Ministério da Educação e Saúde Pública, juntamente a uma rearticulação e reestruturação dos sistemas escolares brasileiros. Nesse sentido, o papel da Escola Nova e Escola Ativa ganharam uma relevância e importância inédita. Somada a isso, criou-se a Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB), em 1935, a qual teve grande influência sobre a disseminação dos preceitos da Escola Nova na Geografia. O marco final, no ano de 1954, contou com a realização do Congresso Brasileiro de Geografia, em Porto Alegre, evento no qual as propostas a serem pesquisadas provavelmente se consolidaram e possivelmente se tornaram hegemônicas, no panorama brasileiro da Geografia escolar. Esse evento ocorreu no segundo governo de Getúlio Vargas, sob a chancela do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos dias 5 e 14 de maio, no ano de 1954. Nele, foi apresentado o ensino de Geografia como um modelo de feição renovadora e modernizadora. Por essas razões, torna-se pertinente compreender melhor a contribuição das orientações escolanovistas, no âmbito do ensino geográfico, discutidas predominantemente nos anos de 1935 a 1954. Esta pesquisa encontra-se direcionada para o ponto de vista histórico-cultural, a partir do olhar sobre a educação como espaço de disputa e construção de sentido para a realidade, inserida na dinâmica social. Por meio disso, surgiu a necessidade do entendimento sobre os saberes escolares, em sua especificidade, articulados às mudanças e continuidades do período, bem como relacionados ao contexto e à estrutura da sociedade. A disseminação do paradigma escolanovista propiciou a oportunidade de uma Geografia renovada, do ponto de vista institucional, teórico e metodológico. Esse paradigma estava voltado para a tentativa da união entre os pressupostos divergentes dos renovadores e os católicos. No campo educacional, estavam presentes a atuação desses agentes e as suas instituições. Logo, esse meio fez parte de um mundo social, dotado de leis próprias, estruturado por posições que dependiam do enfrentamento e de estratégias. Tudo isso com a finalidade do controle educacional e da garantia da produção e reprodução desses agentes. Pensando nisso, neste trabalho, foram evidenciadas as características do modelo educacional da Geografia, constituído pela Escola Nova, acompanhado pela intenção de variados grupos, considerando as suas aproximações e os seus distanciamentos no ensino. 10 Os princípios da Didática da Escola Nova foram introduzidos no ensino geográfico como um campo de luta, ensino e pesquisa. Essa orientação para o ensino de Geografia, divulgada em nosso país, esteve presente no campo teórico até os anos de 1970. Empenhando-se em promover o debate acadêmico escolanovista, entre as décadas de 1930 e 1950, foram criados diversos periódicos, nomeados no Quadro 2 da seção 3, os quais operaram enquanto veículos de divulgações das informações geográficas e dos saberes necessários à prática docente. Esses elementos foram investigados, utilizando-se como filtro de pesquisa, nessas revistas, aquilo que publicaram sobre o ensino de Geografia, no contexto da Escola Nova. Essa providência desencadeou a seleção, a sistematização e a análise dos artigos presentes nessas revistas, demonstrados nos Quadros 4,5,6, 7, 8 e 9 da seção 3. As fontes da pesquisa foram vistas como um suporte material de uma remodelação escolar imposta aos professores de Geografia. Elas apareciam como os mecanismos de intervenção na ordenação da nova cultura escolar, seja coordenando, seja incentivando, subsidiando, informando ou atualizando os indivíduos. Desse modo, a análise desses materiais ocorreu baseada na dinâmica de sua produção, disseminação e circulação, como os produtos de estratégias e documentos repletos de práticas de apropriação. Para isso, houve uma leitura aprofundada, procurando-se identificar as representações, as práticas, as disputas, as contrariedades e os saberes escolares. O trabalho com as fontes, quer com os periódicos, quer com os anais de eventos, necessitou da visualização dos caminhos, das pistas, das intencionalidades e das ideias que levaram aos conhecimentos que os grupos julgavam mais importantes ou melhores, na estruturação do meio educacional, notando-se quais foram os agentes na organização do ensino e na elaboração dos discursos para a prática escolar. Assim, foi preciso ter cautela, durante a elucidação ou a interpretação da conjuntura da época. Nesse percurso, algumas das dificuldades encontradas foram a falta de exemplares e a qualidade precária dos materiais. No Brasil, isso ocorre devido ao descaso com a documentação relacionada a cultura memorialística do país. Consequentemente, essa situação acaba interferindo no trabalho de coleta de dados e impossibilitando uma investigação mais ampla. Também, nesse período, houve a tentativa de uma organização dos espaços nacionais, pela participação em encontros de Geografia e da troca de saberes. Assim, essas ações fizeram parte dos instrumentos a serviço do Estado, tornando-se um 11 espaço de sociabilidade intelectual e de divulgação do conhecimento científico. Esses encontros estão disponíveis no Quadro 3 da seção 3, cujas características se buscou identificar. A trajetória da autora deste trabalho com a pesquisa envolveu, inicialmente, o contato com a temática referenciada à Escola Nova e ao ensino de Geografia, mediante as interações no Grupo de Pesquisa, junto ao Núcleo de Pesquisa em Ensino de Geografia, durante a Graduação, no ano de 2020. Sequencialmente, ela começou a investigação sobre os assuntos citados anteriormente, resultando no estudo preliminar, intitulado “As atividades geográficas extracurriculares na escola secundária de 1960”, com bolsa de Iniciação Científica (IC), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), entre os anos de 2020 e 2021. Nesse estudo, foram destacadas as atividades geográficas extracurriculares, indicadas para aplicação na escola secundária da década de 1960. No ano de 2024, como professora de Geografia, o interesse da autora pela temática que vinha sendo explorada acabou evoluindo, diante da importância significativa desse estudo para os educadores, contando com o conhecimento sobre a evolução da disciplina de Geografia, tornando-se um alicerce para a formação docente e possibilitando as condições de avanço na prática escolar. Na continuidade da pesquisa em nível de Mestrado, almejou-se aprofundar a discussão ligada à Geografia escolar. A partir da inserção no curso de Mestrado, no ano de 2023, previamente, foi realizado um projeto de pesquisa relacionado à temática da Geografia escolar e a Escola Nova, para avaliação no Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), em Marília. Após esse acontecimento, a pesquisa foi sendo aprimorada e aperfeiçoada, considerando-se as sugestões dadas pelos avaliadores, no Seminário de Pesquisa e na banca de Qualificação, juntamente ao auxílio fornecido nas reuniões posteriores com o orientador. Os autores que dialogaram com essa pesquisa histórica foram: Chervel (1990), Goodson (1997), Nery (2009), Serrano (1932), Sgarbi, Pinto e Gonçalves (2023), Orlando (2006), Silva e Toledo (2023) e Carvalho (2004). Todos esses autores tratam da História da Educação e da temática da Escola Nova. Ademais, ajudam a olhar para as fontes e analisá-las como documentos. Em relação ao ensino de Geografia, os principais autores foram Carvalho (1944) e Backheuser (1943). Baseado nesses 12 autores, os conceitos mais usados nesta pesquisa foram sobre as práticas de ensino, a cultura escolar, o saber escolar e o campo educacional. A Geografia histórica brasileira vem-se fortalecendo gradativamente com o surgimento de trabalhos que abordam as transformações do pensamento geográfico e das geografias do passado. Esses estudos contribuem para a reconstrução da memória da Geografia, no tempo. De acordo com a abordagem sobre a história das disciplinas escolares, especificamente a Geografia, acredita-se que a disciplina deve ser entendida em suas especificidades, com os objetivos próprios e articulada com os demais saberes. Os saberes metodológicos e princípios pedagógicos escolanovistas são indispensáveis à prática docente da Geografia de uma época recente da história do ensino, em nosso país, possibilitando a compreensão necessária ao seu contexto. Tendo em vista o papel dos diversos grupos sociais, na definição do currículo, compactua-se com a ideia do currículo como uma construção social. Assim, deve-se considerar especialmente a sua natureza interna, envolvendo as transformações, as tradições, as finalidades, as ações, os métodos, os discursos e os encontros. Essas características foram focalizadas nesta investigação, buscando-se compreender a prática escolar da Geografia, por meio de seus parâmetros contextuais, baseados na cultura escolar. É a partir desse movimento que podemos entender muitas discussões ou práticas educativas presentes no discurso da Geografia escolar. Nesse sentido, buscando ampliar o conhecimento sobre a história da Geografia escolar, na seção 2, foi exposta uma revisão bibliográfica sobre o ensino de Geografia e a Escola Nova, em meados do século XX, a qual constará na próxima seção desse texto. Após, na seção 3, relatou-se a metodologia de pesquisa adotada neste trabalho e as orientações escolanovistas para o ensino de Geografia. Sequencialmente, na seção 4, foi explorada a circulação das ideias escolanovistas nos Congressos Brasileiros de Geografia, entre os anos de 1935 e 1954. Por fim, na seção 5, foram sintetizadas as considerações finais relacionadas à análise dos periódicos e Congressos Brasileiros de Geografia pesquisados entre 1935 e 1954, encontrados nas seções 3 e 4. Nesta seção introdutória, foram evidenciados os principais tópicos associados à pesquisa, além do modo como foi concebida a investigação e as fontes. 13 2 OS ESTUDOS SOBRE O ENSINO DE GEOGRAFIA E A ESCOLA NOVA EM MEADOS DO SÉCULO XX Nesta seção, pretende-se apresentar os principais teóricos e os principais estudos referentes à temática desenvolvida na sessão anterior, através da introdução. Durante a execução da pesquisa bibliográfica, levaram-se em conta os estudos que investigaram o período do século XX, em que foram buscados os livros, os capítulos de livros, as teses, as dissertações, os trabalhos de conclusão de curso, as monografias e os artigos dos periódicos, nas fontes de base de dados on-line do Scielo, da Athena e do Dedalus. Os bancos de dados bibliográficos da Athena e do Dedalus pertencem à Universidade Estadual Paulista (UNESP) e à Universidade de São Paulo (USP). Todos esses trabalhos pesquisados estão relacionados ao ensino de Geografia e à Escola Nova. Eles foram realizados entre os anos de 2019 e 2023. As principais leituras e os principais autores encontrados foram sistematizados e organizados no Quadro 1 abaixo. Quadro 1 - Sistematização das propostas mais relevantes da segunda seção (2019-2023) Autor Temática Formato Local Maria Adailza Martins de Albuquerque, Angélica Mara de Lima Dias e Luiz Eugênio Pereira Carvalho (org.) Apresenta o percurso histórico da Geografia escolar, envolvendo o período da Escola Nova. Livro Editora CRV Maria Adailza Martins de Albuquerque Discute a origem da Geografia escolar brasileira, referenciando o período da Escola Nova. Artigo Revista Interfaces Científicas Bruno Falararo de Mello, João Pedro Pezzato e Christiane Fernanda da Costa Apresenta as considerações acerca da constituição da Geografia escolar, em uma perspectiva histórica, a partir do advento da Escola Nova. Artigo Revista Brasileira de Educação em Geografia João Pedro Pezzato Discute os fundamentos da Geografia escolar, a partir da leitura de documentos oficiais, envolvendo a Escola Nova. Artigo Revista Estudos Geográficos 14 Fonte: Elaborada pela autora (2024). Juliano Rosa Gonçalves Aborda a história da Geografia Escolar, tendo por referência as primeiras tentativas de renovação da Geografia escolar (1930). Artigo Revista Caminhos de Geografia Thiago Manhães Cabral, Jéssica da Silva Rodrigues Cecim e Rafael Straforini Apresenta a dimensão pedagógica da realidade do aluno, considerando o ensino de Geografia e envolvendo o movimento da Escola Nova. Artigo Revista Brasileira de História da Educação Márcia Cristina de Oliveira Mello Demonstra as orientações metodológicas recebidas pelos professores de Geografia para atuar na escola brasileira, mediante a influência do período da Escola Nova. Artigo Ateliê de Pesquisas e Práticas em Ensino de Geografia Diego Carlos Pereira Apresenta a história da Geografia Escolar, por meio dos manuais e livros escolares que possuíam a influência dos ideais pedagógicos do Movimento da Escola Nova. Tese UNESP (Rio Claro) Alexandre Henrique da Fonseca Zaneti Apresenta os aspectos sobre a história da Geografia escolar no Brasil, incluindo o início do período retratado pelo movimento escolanovista. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) Bruno Nunes Batista Demonstra as possíveis implicações dos discursos da Escola Nova no ensino de Geografia. Artigo Revista Geosaberes Fátima Aparecida dos Santos Apresenta as prescrições feitas para o ensino de Geografia, com a influência da Escola Nova. Dissertação PUC 15 2.1 A constituição da Geografia como disciplina escolar e a sua associação com a cultura escolar O percurso histórico da constituição da Geografia como disciplina escolar, no Brasil, esteve associado com o modo institucionalizado e o modo não institucionalizado. O modo institucionalizado era caracterizado pela estruturação regular do currículo, baseado na “escola modelo”, enquanto o modo não institucionalizado tinha relação com a habilitação em Geografia, nos cursos preparatórios para ingresso no ensino superior, em 1831. Assim, a disciplina passou por diversas transformações e a escola configurou-se de diferentes maneiras, estimando os seus objetivos de acordo com a variação entre os períodos e os valores de cada época. Entrelaçados a isso, estavam a distribuição cultural e o poder econômico. Essa concepção está ligada à perspectiva sobre a história das disciplinas escolares, conforme demonstrado por Chervel (1990). Com esse intuito, [...] parte da investigação das experiências históricas [...] para compreender a essência do seu significado [...] percorrendo um trajeto que vai desde os termos ambíguos dos séculos XVIII e XIX até o pós- guerra, termina por entender a disciplina como uma entidade própria da escola, de forma que estudá-la e compreendê-la ajuda a estudar e compreender a própria escola, mas sob um foco diferente: a escola por meio dos saberes que ela transmite em cada época e contexto (Chervel, 1990, p. 180). Consequentemente, pode-se constatar que o interior da escola propicia o desenvolvimento das disciplinas escolares, pelas ações dos agentes que dela fazem parte, constituindo os conhecimentos próprios e espontâneos da cultura escolar, os quais agregam os saberes produzidos pelas ciências. Em função disso, é assegurada a aculturação das massas, realizada pela transmissão de um conjunto de normas ligadas aos conhecimentos a serem ensinados e à sugestão de condutas. Por meio da história das disciplinas escolares, é possível compreender que uma disciplina se constitui em situação e local específicos. Logo, a sua elaboração pode ser revelada com a análise dos sujeitos e contextos que a compuseram. Os mecanismos que correspondem aos currículos estão associados às esferas econômica, política e cultural do contexto social. Frequentemente, as disciplinas foram criadas para os currículos, repletas de intenções. Assim, elas podem aparecer como resposta a uma necessidade imediata e acabam expressando os interesses 16 ideológicos de grupos políticos, a fim de garantir a ordem dominante (Apple, 2001). Uma outra característica da disciplina escolar está relacionada ao processo de associação entre o currículo explícito/formal e o currículo oculto/informal. Um exemplo da Geografia enquanto disciplina escolar foi referenciado por Goodson (1990), indicando a sua consolidação no currículo das escolas inglesas, no final do século XIX. Nessa condição, permanecia fora dos meios acadêmicos e continha os professores mais variados. No Brasil, Albuquerque (2014) expôs a Geografia nas escolas secundárias das províncias do Nordeste, no ano de 1831. “Havendo primeiramente a instituição da Geografia no âmbito escolar, e havendo necessidade de formar professores capacitados para lecioná-la, tornou-se disciplina acadêmica – portanto, curso superior [...]” (Mello; Pezzato; Costa, 2022, p. 11). Nesse caso, inicialmente, houve a presença da execução de um esforço pelo grupo menos favorecido, situado no nível da escola, para progressivamente se apoderar do setor acadêmico. Nesse sentido, verificou-se a consolidação de uma comunidade escolar que progressivamente se apoderou das áreas do campo acadêmico. Para Duarte (2021, p. 234), a disciplina escolar se constitui “[...] por intermédio de uma rede de conhecimentos advindos de uma específica “cultura escolar”, como nos esclarece André Chervel e Ivor Goodson”. Ainda, continuamente, “Para Chervel, a disciplina escolar deve ser estudada e compreendida como uma construção histórica”. Valdemarin (2004) descreve alguns elementos essenciais para os estudos das disciplinas escolares, em conformidade com Chervel, tais como: periódicos, exercícios, registros de professores, procedimentos de avaliação, entre outros. Além desses, os eventos, como os encontros, fornecem as características para o entendimento sobre a produção do conhecimento do ensino. Esta pesquisa, com o auxílio das revistas de ensino, possibilita compreender o papel da imprensa na disseminação de projetos políticos-pedagógicos, oferecendo subsídios para uma melhor compreensão sobre a educação da época e os seus fundamentos pedagógicos. De acordo com Dias (2021, p. 23), “[a]o analisar um impresso pedagógico [...] corroboramos com André Chervel [...] sobre a importância dos estudos que prezem pela cultura escolar”. Adicionalmente, escreve Santos (2005, p. 111), “[...] tinham como fundamento principal guiar a prática cotidiana do professor [...]”. Conforme a autora, com o advento de novas vertentes interpretativas da História, como a Nova História Cultural, ocorreu uma diversificação de possibilidades 17 das pesquisas sobre a História da Educação, mediante a ampliação do documento histórico, para além do documento escrito. Assim, é possível entender os “[...] processos pelos quais as ideias estão conformadas e postas em circulação” (Hamdan, 2008, p. 301). Essa circulação de informações está associada às práticas escolares, aos saberes pedagógicos e ao trabalho docente. Considera-se a ideia de que a História Cultural se encontra pautada nas subjetividades das representações, nesse caso, escolares, ligadas às construções discursivas e às categorias mentais coletivas, envolvendo as relações de poder e as organizações sociais. Os conhecimentos escolares estão repletos de objetivos e finalidades próprias ao ensino escolar e seus contextos, produzindo e (re)produzindo culturas escolares. Essa cultura escolar representa um conjunto de normas e um conjunto de práticas. Até meados da década de 1930, antes de sua institucionalização acadêmica, a Geografia já estava presente nos programas escolares. Embora não houvesse a formação acadêmica, na área da Geografia, havia os ensinamentos por parte dos professores, os quais possuíam a clareza sobre o significado da disciplina. O panorama da disciplina escolar faz parte da articulação entre os saberes de referência e os métodos pedagógicos, sobressaindo os seus próprios meios para a implementação do conhecimento e a produção da sua própria cultura. O conhecimento não é reduzido pelo meio universitário. Sob esse enfoque, Lestegás (2002) concebeu a Geografia escolar como uma disciplina a serviço da cultura escolar. Acredita-se que, “[d]esde o século XIX a geografia que se ensina nas escolas está atrelada aos projetos de Brasil em disputa, ora servindo mais ao projeto dos dominantes, ora (embora menos) dos dominados” (Couto, 2011, p. 71). Dessa maneira, atende a certos grupos e aos seus interesses, conforme a conjuntura histórica. Albuquerque (2004, p. 28) detalha a relação entre o saber escolar, o conhecimento acadêmico e o conhecimento cotidiano: O saber escolar emana da vida na escola e também da sua teorização que tem como referência o próprio saber acadêmico, mas não se restringe a ele. É produto da interação entre professores e alunos, que se dá com o contato interativo entre o conhecimento acadêmico, trazido por professores e o conhecimento cotidiano trazido pelos alunos e demais sujeitos envolvidos no processo de ensino- aprendizagem e permeado pelos recursos didáticos oferecidos. 18 Assim, pode-se notar a convivência entre os diferentes níveis de conhecimento, os níveis institucionais, os grupos e os seus interesses profissionais, os quais constituem os diferentes contextos de percepção do ensino. A presença da circulação de ideias acaba por difundir os conhecimentos e instruir os saberes que são apropriados por determinados grupos sociais. 2.2 A história da Geografia escolar, considerando a Geografia moderna Albuquerque, Dias e Carvalho (2021) organizaram uma coletânea de dois volumes, que reúne a produção sobre a história da Geografia escolar. As duas obras contemplam um conjunto de textos que são fruto da atuação dos autores em cursos de Graduação e Pós-Graduação de Geografia, em Universidades da Paraíba. Desse modo, inclui o percurso histórico da Geografia escolar, envolvendo o contexto da Geografia moderna e a sua relação com a Escola Nova. Também foram apresentadas as fontes, a dinâmica, os debates e as perspectivas sobre esse cenário. Couto retomou os propósitos e a organização histórica do ensino de Geografia. Segundo ele, a Geografia moderna é periodizada em duas vertentes. A primeira, abordada pela Geografia Clássica, é “[...] originada no século XVIII, praticada no Brasil no século XIX e nas primeiras décadas do século XX”. A segunda refere-se à “[...] Geografia, de ‘orientação moderna’ que passa a vigorar a partir de então” (Couto, 2021, p. 51). Esse cenário é marcado por uma transição, a qual “[...] significou a transformação da Geografia descritiva (clássica) em Geografia explicativa (moderna) e a superação da estrutura ‘Geografia-Física-Geografia-Política-Cosmografia’ – característica da Geografia clássica – que apresentava sinais de esgotamento” (Couto, 2021, p. 51). Esta pesquisa teve como foco a segunda vertente, caracterizada por uma Geografia moderna explicativa. Também, nesse período permaneceu uma dualidade entre a Geografia Física x Geografia Humana de Alexander Von Humboldt (1769- 1859) e Carl Ritter (1779-1859). O conhecimento tornou-se empírico, em que o objeto da ciência “[...] passa a ser algo concreto, que tem existência independente do próprio ato de conhecer” (Couto, 2021, p. 53). A representação moderna aderiu ao duplo papel do homem, entre o sujeito e o objeto, sendo ele “[...] parte das coisas empíricas (é objeto finito) e, ao mesmo tempo, o que torna possível qualquer saber (é sujeito transcendental)” (Couto, 2021, p. 53). Assim, o caráter moderno estava voltado para 19 a relação entre o sujeito e o objeto das ciências empíricas ou humanas, baseadas no conceito e na explicação. Essas convicções geográficas fizeram parte dos livros, dos materiais didáticos e dos currículos presentes na prática pedagógica da Geografia escolar, entre os anos de 1930 e 1954. O período da ideia de modernidade na educação implicou as décadas do século XX, a partir de 1930, englobando a consolidação do capitalismo e a ciência moderna. Consequentemente, foram ocasionados o avanço industrial e a sistematização científica do positivismo, aliados aos interesses do sistema capitalista. Por meio da colaboração do referencial da Escola Nova, foi difundido o movimento de renovação das concepções educacionais, predominantemente burguesas, impulsionando uma transformação social nas escolas que acompanhasse as mudanças da sociedade (Gadotti, 2008). Albuquerque (2014, p. 15) justifica essa situação como “[...] fruto das relações de dominação, também foram implementadas pelo Estado e, portanto, representava o interesse de uma classe dominante na época”. De acordo com Santos (2005), houve uma ampliação quanto à forma de se pensar o ensino de Geografia, em que se criticava o ensino geográfico tradicional, revelando-se o erro ao se iniciar o estudo pela análise da sala de aula, sem estipular a relação com a realidade. Desse modo, ocorreu um esforço, mediante a alternativa de melhoria no ensino-aprendizagem, evidenciando a preocupação com o currículo escolar, em contrapartida à abordagem da Geografia clássica, estipulada entre as décadas de 1830 e 1910, a qual tinha a memória como o centro do processo de ensino. Nesse sentido, os principais precursores das argumentações curriculares foram Fernando de Azevedo (1894-1974) e Anísio Teixeira (1900-1971). Ambos acreditavam que, nessa nova ordem, era necessário que as pessoas fossem estimuladas a indagar e, também, a planejar uma escola direcionada para a preparação de um futuro imprevisível. Nessa conjuntura, certamente, tivemos muitas experiências significativas de professores, escolas e instituições que induziram o rompimento com o ensino verbalista e concederam certos avanços ao ensino geográfico. Por outro lado, vinculado a isso, estava o conflito com o ideário conservador, desvalorizando os aspectos éticos, enfatizando as dimensões instrumentais, utilitárias e econômicas da educação, segundo demonstrado por Apple (2001). 20 2.3 O ensino de Geografia, a orientação científica e a Escola Nova Nas primeiras décadas do século XX, houve a divulgação dos preceitos da Escola Nova, no Brasil, mais propriamente no período entre as décadas de 1910 e 1930. Imediatamente, difundiram-se as inovações quanto às orientações destinadas aos professores, incluindo as abordagens dos conteúdos e metodologias de ensino, por meio de uma orientação científica que articulasse a Geografia e a Pedagogia. As orientações relacionadas às práticas escolares contemplavam os estudos sobre as culturas escolares. Dessa maneira, foram intensificados os aspectos da criatividade, interação, transformação e dinamização na execução do trabalho didático. Ademais, era estimulado que houvesse uma alteração no parâmetro interno da escola, pois a nova concepção incentivava a formação de personalidade das crianças, as suas representações sociais e os saberes que traziam no decorrer de suas vidas. Conforme Pereira (2019, p. 110), [...] a gênese da renovação pedagógica na Geografia escolar nomeia um processo constituído de manifestações e materializações discursivas e retóricas convenientes e convergentes, oscilantes e descontínuas, que expressam/representam os movimentos renovadores do Movimento Escola Nova (campo pedagógico) e da Geografia Moderna (campo científico) enquanto subsídios da própria disciplina escolar. Prosseguindo, a análise do movimento da Escola Nova foi complementada por Pereira (2019, p. 21), conforme informado sequencialmente: [...] pregava a centralidade do aluno no processo de ensino e aprendizagem, sendo este um sujeito considerado ativo no processo de aprender. Quanto aos conteúdos de ensino, advogava-se que as disciplinas estivessem voltadas para a realidade cotidiana e profissional do educando [...]. Retratada ainda por Silva, a década de 1930 esteve acompanhada pela criação da Geografia enquanto ciência no Brasil, ou seja, com “[...] uma área do conhecimento com objeto, corpo teórico-metodológico e espaço institucional independente” (Silva, 2012, p. 8). Na perspectiva de Chervel e Compère (1999), a educação científica inserida nas humanidades estaria acompanhada por um trabalho intelectual baseado na aquisição de métodos sólidos, no crescimento de profissionais docentes e na 21 invenção de exercícios específicos. Porém, esse acontecimento foi desencadeado diante das demandas iniciais do ensino autônomo da disciplina, principalmente quanto ao ensino superior. Sobre isso: [...] está situado no início do século XIX o marco das origens da Geografia como disciplina autônoma, na cidade do Rio de Janeiro, tendo duas primeiras manifestações independentes surgidas no Ensino Superior, em uma perspectiva de educação científica ainda no Brasil Colônia (Duarte, 2021, p. 236-237). Com isso, observou-se que a Geografia passou por um processo que levou à inserção de uma disciplina escolar, à criação de um grupo profissional que promoveu o seu ensino, criando os espaços sociais e de poder. Posteriormente, houve o incentivo à formação de professores e à legitimação social dos seus conteúdos. Contido nesse panorama, o conhecimento escolar foi conceituado por Zaneti (2023, p. 14) deste modo: [...] trata-se de uma construção conflituosa, derivando da própria cultura escolar e se relacionando com as dinâmicas sociais presentes, isso é, que só ganha corpo em um momento histórico próprio, fazendo com que as disciplinas se constituam como formação aditiva, não estática ao tempo, avançando e retrocedendo para uma nova composição, sendo sobretudo produtos históricos. Uma outra opinião foi exposta por Dias (2021, p. 27-28), que retratou a década de 1930 como um marco da modernização no Brasil, devido às seguintes características: [...] momento de euforia nas esferas política, econômica e educacional [...] a nacionalização do ensino passou a ser uma estratégia para se alcançar o projeto de brasilidade almejado por Vargas, uma vez que a escola pública era vista como possibilidade de unificação nacional. Também Ferreira contextualizou a década de 1930, associada à renovação pedagógica. Abaixo, segue a descrição desse período: [...] passou a exercer centralidade nos discursos políticos e no pensamento de alguns intelectuais, fomentando as políticas públicas de educação (tanto para o ensino primário quanto para o secundário), que se configuravam como projetos voltados para constituir uma sociedade moderna e republicana (Ferreira, 2021, p. 96). 22 A renovação dos métodos e processos de ensino formulados pela Escola Nova contou com a criação de revistas, a escola de aperfeiçoamento de professores, as semanas pedagógicas e o instituto de educação. Nesse sentido, procurou-se “[...] atingir a implementação e efetivação de novos métodos de ensino, tarefa que competia ao professor, a partir de um ensino ativo” (Dias, 2021, p. 28). Constantemente, os docentes da escola pública eram obrigados a adquirir os periódicos da época, tornando-se o público comprador e leitor dos impressos. A grande parte da propagação das ideias renovadoras na educação era feita através dos periódicos, mostrando-se relevantes fontes nas pesquisas educacionais, devido à circulação de informações sobre o contexto educacional. Em consonância a isso, Ferreira abordou o papel crucial do uso do material impresso, incluindo os periódicos de educação. Para ele, esse material “[...] assume um importante papel no processo de ensino desde o início da escola moderna” (Ferreira, 2021, p. 78). Paralelamente, o autor exemplifica com os livros didáticos, afirmando que a impressão ocorreu tardiamente, no Brasil. Anteriormente a isso, os livros didáticos presentes no país eram comercializados pelo mercado de obras didáticas estrangeiras. A Escola Nova, de acordo com Santos (2005, p. 14), “[...] se pautava na oferta de fundamentos que subsidiassem a prática do professor [...] reivindicou para si a apropriação da denominação novo e moderno [...]”. Dois precursores desse movimento foram Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), com a Geografia local, e Jean Ovide Decroly (1871-1932), com os centros de interesse. Juntamente a isso, nesses moldes, os objetivos da Geografia escolar implicariam a construção de valores pautados pela cidadania, educação ambiental, solidariedade e justiça social. No processo de ensino-aprendizagem, era essencial que houvesse a reconfiguração da noção de realidade, por meio do reposicionamento do papel do aluno, buscando a experiência, a vivência e a prática. Cabral, Cecim e Straforini reconhecem esse procedimento, incluindo a abordagem regional e a experiência vivida, demonstradas pelos seguintes argumentos: [...] é por intermédio do “pedagógico” (mais precisamente do discurso escolanovista) que os geógrafos brasileiros formulam as primeiras associações entre a abordagem regional (como princípio e método geográfico) e a experiência vivida (como princípio mediador da realidade para a construção do conhecimento na escola) (Cabral; Cecim; Straforini, 2021, p. 7). 23 Concomitantemente, o progresso e a eficiência fizeram parte dos princípios constituintes da Escola Nova, no país, devido ao aumento das demandas em torno das funções sociais da escola. A proposta de renovação pedagógica das escolas brasileiras do início do século XX teve proximidade com a Pedagogia de John Dewey (1934-2001), valorizando o contato entre a teoria e a prática, admitindo o educando como o elemento central da aprendizagem. Em suas propostas, Dewey levou em conta os resultados das pesquisas das Ciências experimentais e a constituição de uma Filosofia da Educação. Naquele momento, consideraram-se também as contribuições de Lourenço Filho (1897-1970), que promoveu a ampliação dos princípios escolanovistas, no Brasil, articulado com o conhecimento proveniente da Psicologia, no sentido de auxiliar o professor na compreensão do desenvolvimento do educando e o seu ajuste à sociedade. Tornou-se responsabilidade conjunta do Estado e dos professores desenvolver as práticas pedagógicas aproximadas aos ideais de protagonismo do aluno, introduzindo-o no mundo científico, através de sua experiência cotidiana, acrescentando o conhecimento escolar multidisciplinar e significativo. A aprendizagem do aluno seria adquirida de modo gradativo e paciente, em concordância ao desenvolvimento natural do educando, tendo em vista a concepção de mundo presente na vida dos indivíduos e, conforme e as abstrações fossem sendo codificadas, a complexidade dos assuntos poderia ser aumentada. O centro de interesse estava nas formas de imaginação, simbolização e representação que os alunos traziam, associando essas práticas à realidade. Até mesmo existia uma necessidade em fazer com que a criança sentisse a vontade de mover-se, experimentar e conhecer as coisas. Com isso, era possível criar o estímulo na busca do maior conhecimento sobre o que seria ensinado em classe. “No ensino da geografia era todo o universo da natureza que se descortinava, por isso era imprescindível estar atento ao método, ao uso de bons livros e materiais didáticos [...]” (Souza, 2000, p. 22). A essência pedagógica para a Escola Nova implicava a forma prática, o trabalho da criança na sala de aula e em atividades extracurriculares, aplicadas antes ou depois das atividades em sala de aula, no ambiente externo a ela. A escola estaria articulada ao meio social, à solidariedade, ao serviço social e à cooperação. Por conseguinte, resultaria na integração dos elementos físicos, 24 humanos e culturais. Logo, seria “[...] garantido ao estudante uma formação cultural e reflexiva sobre as questões que abrangem a sociedade e o espaço [...]” (Mello; Cuani Junior, 2020, p. 11). Durante esse planejamento, havia a possibilidade de acrescentar o conhecimento prévio dos alunos. Um exemplo de ação educacional foi a propagação dos ideais escolanovistas, pelo professor José Baptista de Mello (1895-1973)2, no estado da Paraíba. Compactuando com as políticas educacionais, ele objetivou “[...] dar a escola paraibana um teor mais prático, mais utilitário, seguindo os ideais propostos tanto pelo Manifesto [dos Pioneiros da Educação Nova] bem como daqueles que se encontravam na estrutura administrativa da educação em nível nacional” (Freire, 2016, p. 52). 2.4 O contexto educacional da época escolanovista, atrelado ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e ao Estado Novo Na época, as mudanças estruturais de ordem filosófica e social eram necessárias, em função de uma insuficiência do ensino, frente às novas demandas sociais, determinando uma necessidade de melhoria qualitativa e quantitativa, para transformar o Brasil em um país desenvolvido e geopoliticamente poderoso. Desse modo, o sistema escolar foi reconhecido como um espaço de produção do conhecimento, estabelecendo uma cultura que está manifestada na sociedade. De acordo com isso, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova surgiu como um marco importante de ruptura, na década de 1930, sendo um documento que prescrevia as transformações pelas quais as instituições de ensino deveriam passar, na época, envolvendo as temáticas baseadas em valores democráticos, como o laicismo, a educação gratuita e obrigatória. Nas premissas desse documento, a Escola Nova constituía uma forma estratégica de operacionalidade, ligada à necessidade de ampliação do acesso à escolarização, bem como aos modos de se repensar a escola, por parte das funções, 2 Foi apresentado sucintamente esse autor, assim como os outros autores, no decorrer da pesquisa, por serem pouco conhecidos. Também, complementarmente a isso, foi evidenciada a atuação profissional dos autores, no período escolanovista, principalmente entre as décadas de 1930 e 1940. Foi um Historiador e Educador Brasileiro. Na década de 30, tornou-se Inspetor Técnico do ensino e, mais tarde, Diretor do Ensino Primário do Estado da Paraíba. Também chefiou a seção educativa do Departamento Oficial de Propaganda e Publicidade. 25 das técnicas, dos currículos e das metodologias. Em consequência, o debate sobre a Escola Nova ganhou força, instituindo os novos patamares da educação. O Manifesto instituía a vinculação da escola com o meio social, possuindo três grandes propósitos: “[...] um de natureza moderna-tecnológica, capitaneada pelo trabalho; o outro objetivava uma interpretação do estado da educação brasileira; e, por último, perfazia um debate acerca das questões pedagógicas do país” (Batista, 2018b, p. 2). Todos esses assuntos faziam parte do projeto de sociedade que defendia a revolução educacional, por meio de metodologias de ensino ativas e participativas, para a transformação da realidade brasileira. Nisso, era indispensável a aplicação dos estudos experimentais e do método proposto pela tríade observar-descrever-explicar. Demarcando o velho e o novo, “[...] muitas das questões colocadas por esse manifesto agiriam enquanto distribuidoras dos arranjos argumentativos hegemônicos [...]” (Batista, 2018b, p. 2). Dias relembra a implementação do Estado Novo, no Brasil, em 1937, “[...] período marcado pelo autoritarismo em todos os segmentos sociais [...] remete ao caráter cívico-nacionalista que passa a nortear a educação [...]” (Dias, 2021, p. 30). Assim, as possíveis temáticas do trabalho docente envolviam a vegetação e o clima, com uma valorização do território nacional: [...] é característico da Geografia da época que, apesar de propor inovações didáticas, se ancora em aspectos físicos da paisagem para evidenciar uma relação de grandeza desses, enaltecendo uma natureza idílica (como no caso da Vitória Régia) e desenvolvendo sentimentos de nacionalismo patriótico (Dias, 2021, p. 40). Além disso, a autora indica a presença do embate entre os renovadores e os católicos, “[...] uma vez que a laicidade da educação foi um dos elementos defendidos pelos escolanovistas” (Dias, 2021, p. 39). No cenário das políticas educacionais nacionais, esse embate caracterizou a história da educação brasileira, no século XX. “Os liberais defendiam maiores oportunidades da escola ao povo, através do oferecimento do ensino público. Já os católicos desejavam a continuidade da escola particular” (Gonçalves, 2012, p. 192). Apesar de serem correntes opostas, ambas representavam os grupos da elite brasileira da época, não questionavam o sistema socioeconômico e exigiam uma remodelação da escola. Zaneti reconhece o intelectual Rui Barbosa (1849-1923) como um importante motivador do fortalecimento nacional na época, o qual “[...] acreditava que o Brasil 26 precisava se enquadrar no movimento das transformações sociais do seu tempo [...]” (Zaneti, 2023, p. 48). Ele incentivava o conhecimento da pátria aos estudantes, para, mais tarde, se reconhecerem como parte desse universo. 2.5 A metodologia ativa na época escolanovista No paradigma do princípio ativo, o aluno apareceria como o principal agente da aprendizagem. A aula deveria funcionar como um organismo vivo, com os alunos participando, discutindo e trabalhando. O professor estaria orientando essa aprendizagem. A escola ativa, para Pereira (2019, p. 152-153), [...] baseava-se no pragmatismo positivista da prática para a vida, na liberdade de aprender, na interação entre a natureza e o meio ambiente [...] poderia ser materializada por mudanças nos gêneros textuais dos livros, ampliando os exercícios, os roteiros de pesquisa, a observação e os espaços para o desenvolvimento da autonomia do aluno [...]. Com a Pedagogia ativa, foi preconizada uma nova proposta de ensino, introduzindo as novas concepções sobre a sociedade, o homem, a criança, o aluno, o ensino e a aprendizagem. Também passou a considerar a atividade do aluno como o ponto de partida para as aulas. Assim, essas características foram apropriadas pelo campo do ensino de Geografia. Havia uma ligação entre os estudos de Geografia, os interesses da classe dominante e os interesses dos intelectuais. As etapas do processo ativo de construção do conhecimento foram abordadas por Luckesi (1994, p. 58): a) colocar o aluno numa situação de experiência que tenha um interesse por si mesma; b) o problema deve ser desafiante, como estímulo à reflexão; c) o aluno deve dispor de informações e instruções que lhe permitam pesquisar a descoberta de soluções; d) soluções provisórias devem ser incentivadas e ordenadas, com a ajuda discreta do professor; e) deve-se garantir a oportunidade de colocar as soluções à prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida. 2.6 A Geografia escolar durante o século XX e a orientação moderna Durante as primeiras décadas do século XX, com a ausência de materiais científicos e de cursos superiores de formação de professores de Geografia, houve o 27 desencadeamento de discussões em busca da inauguração da Geografia científica, no Brasil. Porém, nesse período, o ensino de Geografia adquiriu uma relação com o nacionalismo patriótico, obtendo o papel de nacionalização do povo, voltado ao planejamento do Estado e da iniciativa privada. Nesse sentido, houve a atuação de Aroldo de Azevedo (1910-1974), o qual, de acordo com Duarte (2021, p. 241) “[...] representou a maioria dos geógrafos brasileiros da época, em uma concepção de Geografia ‘alienada’ das grandes questões nacionais [...]”. Ele compartimentou a realidade entre a terra e o homem. Complementarmente, predominou o incentivo às representações cartográficas, relacionadas aos estudos de mapas, voltados ao método intuitivo e aos exercícios práticos. De acordo com Rocha, as mudanças substanciais na Geografia escolar brasileira ocorreram apenas na segunda década do século XX. Ferreira (2021) explora a relação entre a disciplina escolar, na década de 1920, e a Geografia acadêmica, na década seguinte, indicando que “[...] importantes transformações nas questões educacionais e na disciplina escolar Geografia concretizaram-se e ganharam mais forças com a institucionalização dessa ciência em âmbito acadêmico” (Rocha, 2014, p. 94). De certa forma, a Geografia acadêmica influenciou a Geografia em âmbito escolar, porém, nem sempre as escolas conseguiam acompanhar as tendências da Geografia que foram implementadas nas universidades. Zaneti (2023) identifica, nesse panorama, a lacuna entre o conhecimento que a academia produz e o conhecimento produzido na escola. Pode-se concluir que havia o distanciamento relacionado às necessidades escolares. Durante o século XX, foi possível identificar outras descobertas. Perduraram os projetos objetivando atingir a educação nacional, incluindo os novos sistemas de ensino, almejando o melhor aproveitamento do tempo e espaço escolar. No que diz respeito ao campo pedagógico e à organização da escola, persistiram os conflitos presentes na cultura escolar, que priorizava a escola elementar. Nesse local, havia a maior propagação dos ideais escolanovistas. Nessa conjuntura, Ferreira (2021, p. 77) estipula alguns atributos sobre os saberes escolares: 28 [...] os saberes escolares perpassados [...] no interior da Geografia escolar [...] foram marcados, teoricamente, pela influência de intelectuais que propunham rupturas com as abordagens metodológicas tradicionais. Assim, dialogavam tanto com as proposições modernas da Geografia quanto com as da Pedagogia, pois se apoiavam em proposições metodológicas escolanovistas. Por isso, recorriam, inclusive aos exercícios como propostas de inovações metodológicas para o ensino de Geografia. Conforme o autor, a Geografia moderna trouxe as novas configurações para a formação de professores e para a produção de materiais didáticos. O foco estava em um ensino direcionado à orientação e à observação dos fenômenos geográficos. Predominantemente, o discurso desse período buscava o rompimento com o princípio de memorização, mas, em certos lugares, nas escolas, ainda prevalecia a aplicação do método mnemônico, ou seja, havia a coexistência das inovações pedagógicas com os métodos tradicionais. Isso estava associado com as condições materiais das escolas e a prática pedagógica dos professores, os quais poderiam adotar ou não adotar esses pressupostos, em suas aulas. “O grande problema [...] é que, no meio do caminho estava, como uma pedra no sapato, o arcaico ensino tradicional de Geografia, enraizado com profundidade nos horizontes da escola brasileira há mais de quatrocentos anos” (Batista, 2018b, p. 8-9). Os empecilhos para a renovação do ensino também englobavam a falta de comunicação entre os professores e o desafio do convencimento de que aquilo que estava sendo ensinado não era, de fato, a verdadeira Geografia. Mello e Cuani Junior (2021) aludem à existência dos momentos de tensão no campo educacional da Geografia moderna, marcado pelo conflito entre os professores que defendiam o ensino tradicional e os renovadores do ensino. Alguns profissionais apresentavam resistência à adaptação às novas diretrizes da Geografia, destacadas pelo ensino ativo. Essa situação implicava a falta de assistência, diálogo e preparo dos profissionais. Para Pereira (2019, p. 51), “[...] as postulações de uma “orientação moderna” na Geografia não foram imediatamente aceitas pelos professores [...]”. Inicialmente, essa situação se agravou, devido ao descuido associado aos professores que não possuíam a formação acadêmica em Geografia e, consequentemente, não conseguiam acompanhar e executar favoravelmente uma nova prática de ensino dessa disciplina. Essa condição estava ligada aos interesses estatais de inaugurar um curso de formação de professores, na Geografia. Para uma efetiva mudança no 29 cenário dos conteúdos e das práticas escolares, “[...] é necessário, primeiro, uma renovação do quadro de formação de professores e novas compreensões compartilhadas pelos pares no interior dos grupos profissionais [...]” (Pereira, 2019, p. 184). O alcance do lado “renovador”, proposto no entremeio do movimento Escola Nova e da orientação moderna da Geografia científica, foi questionado por Issler (1973, p. 157), conforme observado abaixo: Com a reforma de 1931 temos, concomitantemente, a Geografia Moderna e os métodos de ensino renovado preconizados pela “Escola Nova” [...], então penetrando no Brasil, por intermédio de Anísio Teixeira. Isto não foi suficiente, entretanto. A experiência da implantação, pelos resultados que traria, mostrou que tanto a falta de sincronização como a inexistência, principalmente, de um professorado dotado de plena consciência do papel da Geografia nesse processo, transformaram as intenções pretendidas e reduziram o ensino de geografia ao ministrar aulas de conteúdo nem sempre renovado. Nessa época, a mudança efetiva nas escolas se confrontava com “[...] as tradições do passado; as práticas já incorporadas ao fazer pedagógico de muitos professores [...] as proposições metodológicas e geográficas inovadoras; as críticas à falta de conteúdos sobre o Brasil e o afã de superar a memorização” (Ferreira, 2021, p. 96). A incorporação de algumas inovações no ensino foi sendo realizada com cautela, persistindo a difusão de uma Geografia geral, fundamentada nos aspectos físicos, locacionais, populacionais e econômicos. Apesar dos esforços, em certos momentos, constatava-se uma dualidade no ensino geográfico. Essa dualidade era definida por uma proposta de inovação metodológica, ao mesmo tempo que estava repleta de objetivos conservadores. Essa situação foi reconhecida por Dias e Albuquerque (2016). Pereira (2019) menciona o movimento da Geografia escolar pós-1930 como um período acentuado pelos indícios de manifestações discursivas e retóricas convergentes com os pressupostos de renovação, sendo identificadas igualmente as contradições e permanências que mantiveram os diversos aspectos contrários à renovação. A orientação pedagógica da Geografia acabou sendo alterada mediante a variação da concepção político-ideológica, atuante em diferentes períodos. “O ‘novo’ proposto pela Escola Nova vai sofrendo reorientação ao passo que se firma o período 30 de Ditadura Vargas no Brasil” (Dias, 2021, p. 44). Desse modo, a Geografia assumiu diversas finalidades, conforme os interesses e contextos políticos. Em face dos intelectuais liberais e republicanos mais radicais, estava o debate caracterizado pela propagação dos ideais republicanos e nacionalistas presentes na elaboração dos materiais didáticos, com uma tendência a proporcionar um ensino de base positivista e cientificista a favor de uma escola laica (Bittencourt, 2008). Por meio desses intelectuais, era defendida a criação de um Estado e uma educação nacional. Também o movimento promovido por eles influenciou a disseminação da Geografia acadêmica, principalmente para a formação de professores do Rio de Janeiro, pela proximidade com os objetivos do governo central, conforme verificado abaixo: A efervescência das ideias de Delgado de Carvalho e de outros intelectuais de “orientação moderna”, no âmbito da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, e posteriormente, em 1934, na Associação dos Geógrafos Brasileiros, favoreceu a institucionalização dos cursos superiores de Geografia em âmbito acadêmico, voltados para a formação de professores em Geografia (Ferreira, 2021, p. 77). 2.7 A Geografia acadêmica e os encontros científicos Nesse período, sucedeu a institucionalização de uma Geografia acadêmica, com a finalidade de formar professores para o então ensino secundário. Vale destacar que a criação dos primeiros cursos superiores de Geografia ocorrera na Universidade de São Paulo (USP), em 1934, e na Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1935. Esse marco também estava associado à criação de instituições de pesquisas e à difusão da Geografia, através do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em São Paulo, a Geografia acadêmica abarcava uma formação que continha os propósitos regionais e estabelecia diálogos internacionais. O regionalismo e o método regional auxiliavam na explicação dos fenômenos geográficos e na análise do território. Através disso, contribuiu para regular a ordem das práticas pedagógicas em Geografia, essencialmente a proposta do currículo, baseado na formação integral dos alunos, preparando-os para exercer a sua cidadania. Mello (2019) relata que, em função desse fato, a formação de professores secundários para atuar na escola brasileira adquiriu o caráter propriamente universitário, preocupando-se com o preparo científico do professor. Seguem mais informações: 31 [...] o curso da USP desempenhou na organização interna da Didática da Geografia no estado de São Paulo e no Brasil, já que sua organização abarcou um conjunto de ideias, processos, formas e conteúdos fundamentados nos pressupostos psicológicos da aprendizagem (a inovação educacional que redescobriu a criança), validados cientificamente pela Pedagogia científica, incluindo a Psicologia da Educação (Mello, 2019, p. 164). As críticas também faziam parte do formato de formação docente, seja pela precariedade na fixação do profissional à docência, seja pela falta de conciliação da formação docente do professor e do pesquisador. Esses cursos “[...] herdaram um paradigma positivista da racionalidade técnica instrumental, segundo o qual os professorandos deveriam ser instrumentalizados por meio de saberes envolvendo técnicas e procedimentos metodológicos para depois aplicá-los no campo profissional [...]” (Mello, 2019, p. 167). Por conseguinte, havia um distanciamento entre a relação teoria-prática na formação do educador, enfrentando a dicotomia entre ambas. Ademais, os Institutos de Educação do Rio de Janeiro e de São Paulo funcionavam como “[...] centros para a defesa de concepções e propaganda de experiências da Educação Nova” (Vidal; Rabelo, 2019, p. 210). Eles agiam sob a influência da internacionalização na pesquisa educacional. Nessa época, foram promovidos diversos encontros e reuniões científicas, especialmente pela Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, demonstrando uma preocupação com a evolução da disciplina e servindo como o alicerce para a verificação das transformações que se operavam no país, nos âmbitos social, econômico e político. Simultaneamente, colaboraram para a formação de um imaginário nacional, com as abordagens voltadas para o reconhecimento do território. O propósito era descortinar o espaço nacional aos brasileiros. Os próximos marcos foram a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1936), do Conselho Nacional de Geografia (1937), a tentativa de ampliação da participação do governo federal na educação nacional e o fortalecimento das pesquisas geográficas. Com isso, houve a proliferação de intelectuais e pesquisadores atentos ao espaço brasileiro. 2.8 As mudanças e as relações existentes no ensino geográfico do período escolanovista Até meados da década de 1930, houve o predomínio da ocorrência de mudanças, no âmbito das políticas educacionais e dos métodos de ensino que 32 influíram na abordagem dos conteúdos da Geografia, bem como nos materiais de ensino utilizados nas escolas. Essas mudanças tiveram relação com o caráter científico da disciplina e a orientação moderna. Os materiais didáticos tornaram-se símbolos da cultura escolar e, para isso, houve a contribuição do Estado, concebendo atuações conjuntas nas formas de circulação, principalmente com respeito aos livros didáticos. Dessa forma, ocorreu um aumento do consumo dos livros e da produção de uma literatura destinada à formação de professores, os quais incorporaram as questões de aperfeiçoamento docente. Assim, as produções didáticas tinham relação com o poder institucional e com o currículo oficial da época, contendo o anúncio de perspectivas inovadoras, de modo alternado, aparecendo em algumas obras e em outras obras permanecendo inexistentes. A produção de obras didáticas da Geografia que influenciaram o cenário escolar contou com o apoio de diversos intelectuais do século XX, obtendo diferentes propostas de ensino, principalmente entre os anos de 1920 e 1930, com as publicações de Fernando Antônio Raja Gabaglia (1895-1954)3, Mário da Veiga Cabral (1894-1960)4, Delgado de Carvalho5 e Aroldo de Azevedo6. Inclusive, parte desses autores auxiliaram nas transformações políticas educacionais, devido aos seus escritos sobre as inovações de cunho metodológico para o ensino de Geografia. Algumas dessas propostas de inovação envolviam a aproximação com a realidade vivida pelos alunos, priorizando a experiência e os exercícios práticos, com o uso de objetos didáticos. Além disso, tinham preocupações diferentes quanto ao ensino, sendo alguns deles professores da Educação Básica responsáveis por, pioneiramente, levantar a bandeira da necessidade de renovação da disciplina na época. A obra Práticas de Geografia (1930), de Fernando Antônio Raja Gabaglia, merece destaque. Ela auxiliava na compreensão das temáticas da natureza exploradas durante o período da Geografia escolar moderna, através de demonstrações concretas e experiências, como os tabuleiros. “São trabalhadas a 3 Formou-se em Ciências Jurídicas. 4 Foi um Engenheiro, Geógrafo e Professor. Na década de 1930, foi Professor Assistente e Diretor no Instituto de Educação. 5 Foi um Professor e Geógrafo francês, radicado no Brasil. 6 Aroldo Edgard de Azevedo (Lorena, 3 de março de 1910 - São Paulo, 4 de outubro de 1974) foi um Geógrafo e Geomorfólogo brasileiro. 33 construção de mapas e escalas, as formas de representação do relevo, a determinação de distância do lugar” (Rego; Dias, 2021, p. 245). Esse livro serviria de guia para as aulas práticas. O autor objetivava desenvolver uma classificação para o território e para a população brasileira. Dispondo desses parâmetros, houve a elaboração de uma proposta para o currículo de Geografia, na escola secundária, no ano de 1935, redigido por Pierre Monbeig (1908-1987), Aroldo de Azevedo e Maria Conceição Vicente de Carvalho (1906-2002)7. Essa ação garantiu a organização do ensino, contando com o auxílio da Universidade de São Paulo (USP) e da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB). Ambas as instituições promoveram uma articulação das questões sobre as reformas de ensino, a formação docente e o currículo de Geografia. As inovações nas práticas educacionais do ensino geográfico percorreram uma rede de relações, manifestadas por apropriações, recusas, divergências e consensos, avanços e recuos (Valdemarin, 2018). Os princípios dessas inovações pedagógicas foram demonstrados por Rego e Dias (2021, p. 239): [...] o que mais se destaca é o da percepção sensorial como fundamento de todo o conhecimento. Este se vincula a uma ideia de modernização social e educacional e demanda uma produção de materiais – como os impressos pedagógicos – que pudessem auxiliar o professor, principalmente, na adoção de metodologias em seu exercício docente. Pereira e Pezzato (2021) abordam a institucionalização da Geografia como uma disciplina autônoma, apoiada em um currículo pautado pelo escolanovismo e por uma Geografia escolar moderna. Nesse sentido, afirmam que houve um “[...] movimento que transitou entre uma composição que ora aponta para deslocamentos com propostas de renovações, ora para ações de caráter conservador na cultura escolar” (Pereira; Pezzato, 2021, p. 15). Dando continuidade, posteriormente, os autores comentam os movimentos renovadores da Escola Nova e da Geografia moderna escolar: 7 Foi uma Professora e Pesquisadora, formada em Química Industrial. Na década de 30, atuou como Professora de Geografia no curso secundário do Instituto da Mackenzie. Ainda, nesse período, ingressou na seção de Geografia na Universidade de São Paulo, graduando-se em Licenciatura e Bacharelado em Geografia, nos anos de 1938 e 1939. 34 [...] estiveram sob uma conjuntura que forjou um ideário de “escola moderna” e, portanto, os dois movimentos com suas especificidades, de maneira oscilante e descontínua, representaram uma série de convergências e conveniências manifestadas e materializadas discursivamente no âmbito da construção autônoma da Geografia escolar (Pereira; Pezzato, 2021, p. 267-268). Além disso, o movimento da Escola Nova incentivou a ruptura com o dualismo dos sistemas de classe social, na política educacional, sobretudo com as reformas Francisco Campos e Capanema, porém, nesse período, os autores salientam que permaneceu o reforço das desigualdades educacionais na educação. Assim, perpetuou-se uma dualidade da educação, no país: “[...] de um lado, o ensino primário, vinculado às escolas profissionais, para os pobres, e, de outro, para os ricos, o ensino secundário articulado ao ensino superior, para o qual preparava o ingresso” (Romanelli, 1984, p. 67). 2.9 As reformas educacionais no ensino geográfico durante o século XX Seguindo os pressupostos aqui demonstrados, a reforma Luiz-Alves Rocha Vaz (1925) organizou o campo geográfico, no Brasil, tornando obrigatória a disseminação nacional do modelo pedagógico estabelecido pelo Colégio Pedro II, com fins patrióticos. Mediante o empenho para a consolidação de mudanças, mantiveram alguns aspectos do ensino assentados na nomenclatura. Tendo em vista esse acontecimento e atentando para as investigações de Goodson (1990), é possível perceber que, durante a constituição histórica da Geografia, prevaleceram “[...] importantes atores sociais na construção de uma orientação moderna no ensino e na pesquisa geográfica, antes mesmo da sua institucionalização como campo científico nos anos 1930” (Barboza, 2015, p. 83). Até mesmo durante a reforma de Benjamim Constant, em 1890, já era estimulado a substituição pelos métodos científicos. Sequencialmente, durante o Governo Provisório e o Estado Novo, duas fases referenciaram a Geografia científica. A primeira delas foi a reforma Francisco Campos (1891-1968), no ano de 1931, quando teria sido definida pela expansão do sistema escolar, enquanto a segunda, determinada pela gestão de Gustavo Capanema (1900- 1985), ocorreu em 1942 e procurou sistematizar os diversos níveis da educação. A reforma Francisco Campos estabeleceu o currículo seriado, a frequência obrigatória, os dois ciclos (fundamental e complementar) e a exigência de habilitação 35 nesses ciclos, para adentrar o ensino superior. Também ampliou o ensino da Geografia, a qual passou a compor a grade curricular de todas as séries do ensino secundário. Posteriormente, em 1942, ocorreu a reforma Gustavo Capanema, que determinou quatro anos no ensino primário e sete anos no ensino secundário. No entanto, a reforma Francisco Campos é tomada por Saviani como a representação de uma modernização conservadora do ensino. Assim, Vargas buscou conciliar os interesses religiosos e conservadores, aliados aos econômicos e liberais. Ele esclarece essa afirmação, adiante: [...] enquanto conservadora, essa orientação buscava atrair a Igreja para respaldar seu projeto de poder, enquanto modernização, a força de atração dirigia-se aos adeptos da Escola Nova. Estes eram vistos como portadores dos requisitos técnicos necessários à viabilização do projeto [...] (Saviani, 2008, p. 271). Pereira acrescenta mais informações, com os seguintes argumentos: [...] apesar de renovar diversos pressupostos de ensino e de suas metodologias [...] o seu ensino passa a vigorar com maior poder na esfera do currículo para atender a interesses e valores de um Estado nacionalista e, consequentemente, da elite que o compunha e que queria uma “formação geral” para o acesso ao ensino superior (Pereira, 2021, p. 10). Enfatiza Gonçalves (2012, p. 202): “Tais reformas [...] não foram suficientes para penetrarem no cotidiano escolar e disseminar as novas idéias de ordem didático- pedagógicas e epistêmicas da geografia escolar [...]”. Prevaleceu, assim, a reprodução dos aspectos da Geografia nomenclatural, alterando pouco a forma de se ensinar a Geografia, no Brasil, voltada a um ensino ativo. Sob outro enfoque, a disciplina passou a ser ensinada em todos os primeiros anos escolares e continha bastantes aulas semanais, no curso secundário. 2.10 A influência da Era Vargas no ensino de Geografia, as formas de conhecimento escolar e os problemas encontrados Albuquerque ressalta que a configuração escolar instaurada no governo Vargas, na década 1930, permaneceu até os dias atuais. Naquela década, a escola passou a ser composta dos itens: 36 [...] prédios destinados a níveis de ensino específico, com disciplinas escolares estabelecidas por um currículo, com turmas organizadas por idade, e, no período por gênero, com horários regulares, com uma disciplina específica, regras e normas que passaram a construir uma cultura escolar (Albuquerque, 2021, p. 136). Durante a Era Vargas, havia as práticas discursivas na Geografia escolar. Essas práticas políticas estavam associadas às temáticas físico-naturais e faziam parte da formação das consciências sobre o território, a reconfiguração curricular, além das identidades nacionais. Nesse sentido, assistia-se à exaltação do território nacional, como um país repleto de riquezas e recursos naturais, provido de diversidade cultural e humana, diferenças étnicas e raciais, destacando-se os estudos da Geografia física que procuravam conhecer o país. As menções à ciência apareciam no discurso de valorização e legitimação da escola; “[...] passam a ser utilizadas como mecanismos de legitimação discursiva perante a sociedade do próprio conhecimento científico [...]” (Pereira, 2019, p. 165). Entre esses discursos, persistiu o afastamento ligado à aceitação teórica e à efetiva concretização de práticas pedagógicas, no âmbito do cotidiano escolar. Às vezes, “[...] certos conceitos, imagens e expressões são adotadas pelas políticas públicas para a educação sem que sua significação prática ou teórica (ou mesmo operacional) seja objeto de uma análise efetiva elas tornam-se slogan sem efeitos visíveis no âmbito das práticas pedagógicas” (Carvalho, 2001, p. 151). Cabral e Straforini (2021, p. 305-306) declaram que “[...] as temáticas físico- naturais assumem [...] um papel decisivo na hegemonização de um sentido específico de conhecimento escolar (o da geografia regional aliada aos critérios de cientificidade da geografia física)”. Em vista disso, ocorria a seleção de conhecimentos legitimados como escolares. Por meio da orientação moderna da Geografia escolar, foram verificados três grupos que atuaram na priorização dos aspectos da Geografia física para o meio escolar: “[...] (1) o interesse estatal varguista de construção da identidade nacional- patriótica; (2) o modernismo, por meio da produção estética do homem, do território e da diversidade regional brasileira; (3) o movimento Escola Nova e as transformações do sistema educacional brasileiro [...]” (Cabral; Straforini, 2021, p. 307). A partir disso, estava sendo desenvolvida uma prática discursiva que dialogava com a tradição escolar francesa para a Geografia, sugerindo o estudo dos conteúdos, de acordo com a idade mental dos alunos e a expansão da curiosidade. A ênfase no ensino era: “[...] 37 privilegie o convívio com a natureza [...] e a experiência direta a partir da primazia do método indutivo-dedutivo [...]” (Cabral; Straforini, 2021, p. 311). Os conteúdos estavam voltados para a abordagem empírico-analítica das ciências da natureza, priorizando os elementos fisiográficos, abrangendo os dados naturais, em que “[...] a geografia física escolar foi/é, no Brasil, parte do trabalho pedagógico não só sobre a dominação territorial, mas também sobre a nação brasileira em sua dimensão simbólico-identitária” (Cabral; Straforini, 2021, p. 314). A Geografia, no domínio das ciências naturais, introduziu o termo “região natural” como o produto do meio físico-natural. Somando-se à Geografia física, o ordenamento dos conteúdos seriados destinados aos temas nacionais estava concentrado nos temas políticos e econômicos do Brasil. Também se mantinha a fragmentação curricular dos conteúdos geográficos ao longo das séries secundárias. Os vestígios do processo de modernização da disciplina escolar estiveram acompanhados por oscilações e descontinuidades, principalmente no âmbito da materialização desses conteúdos. Com base nesses pressupostos, é possível afirmar que a construção de uma idealização do ensino geográfico nesse período envolveu a propagação do conhecimento científico-natural, aliada à defesa de uma moral nacionalista, que esteve relacionada às necessidades do desenvolvimento industrial e, igualmente, pela busca do aperfeiçoamento da formação da classe trabalhadora, diante da qualificação para as novas demandas e uma formação geral para os novos objetivos sociais e nacionais (Beltrán 1995). Assim, concorda-se com a constatação de Gonçalves (2012, p. 192-193), quando assevera que “[...] é importante ter em mente que o mundo das idéias não está dissociado do mundo prático. Isto é, percebe-se uma relação concomitante entre as transformações econômicas e àquelas ocorridas no quadro político-social, territorial, epistemológico e pedagógico”. Gonçalves explicita a diferenciação entre a manifestação da Geografia como uma ciência moderna e a sua oferta como disciplina, nas escolas: Os objetivos e necessidades são díspares. Em função disso, é importante salientar que as correntes epistemológicas geográficas não têm, necessariamente, correspondência na Geografia Escolar. Isto é, postulados epistemológicos geográficos nem sempre encontram reverberação na disciplina Geografia. Isso ocorre em virtude das diferenças entre Ciência Geográfica e Geografia Escolar (Gonçalves, 2012, p. 197-198). 38 Desde o início, o diálogo da emergente Geografia moderna presente na Geografia escolar esteve vinculado ao paradigma fragmentário, retratado pela estruturação do seu discurso, incluindo as contradições e as conciliações. Os principais problemas encontrados na manifestação do discurso geográfico escolar, permeado pela forma clássica, foram: 1) a invariância tricotômica (a estrutura é a mesma no espaço e no tempo); 2) a essencialidade taxonômica (é um discurso classificatório e catalográfico); 3) a aglutinação em cacos (as categorias evoluem em paralelo, sem o recurso do conceito); 4) o caráter descritivo do texto (falta análise geográfica na inter-relação dos dados) (Moreira, 2007, p. 112). Ao questionar se houve, de fato, uma aplicação do escolanovismo em sala de aula, Batista (2018a) argumenta que foram raros os momentos nos quais o ensino de Geografia se voltou para si mesmo e para as suas próprias teorias pedagógicas, com a falta de uma Filosofia da Geografia escolar, que poderia ter promovido um estudo atento e permanente desse conhecimento. A falta de um esforço real para analisar o seu ambiente é demonstrada por Goodson (1990), com uma divergência entre a mudança organizacional e o conjunto institucional, alicerçando, como destaca Chartier (2000), os “modos de dizer”, que nem sempre corresponderam, nas escolas, à “arte de fazer”. Nesta seção, foram apresentados os principais autores e os principais pressupostos relacionados à história da Geografia escolar e à Escola Nova, em meados do século XX. Para isso, nesse contexto, foram exploradas as temáticas da orientação moderna, da Geografia acadêmica, das inovações pedagógicas, da ciência, do conhecimento escolar e das práticas escolares. 39 3 AS ORIENTAÇÕES ESCOLANOVISTAS PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA Inicialmente, nesta seção, pretendeu-se ressaltar os procedimentos metodológicos adotados na análise da pesquisa sobre as orientações escolanovistas para o ensino de Geografia, entre os anos de 1935 e 1954, destacando as fontes, os materiais e os locais encontrados. Foi feita uma organização dessas fontes, desde o Quadro 2, até o Quadro 11, desta seção. A escolha de todo o material se deu de modo on-line, devido ao tempo corrido do Mestrado e focalizando nos documentos que possuíam uma maior quantidade de informações sobre o período da Escola Nova e a temática do ensino de Geografia, entre 1935 e 1954. A investigação consistiu em pesquisa bibliográfica e documental. O estudo documental se deu por meio da seleção de fontes primárias e secundárias já identificadas e recuperadas pela pesquisadora, especialmente nos acervos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) e do Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP). Sequencialmente, foram incluídos os periódicos da época, listados no Quadro 2, abaixo, utilizando como filtro as publicações sobre o ensino de Geografia, a Escola Nova e a Escola Ativa. O levantamento bibliográfico dos periódicos pesquisados foi executado na base de dados virtuais sobre os periódicos da biblioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP). Implementou-se também uma pesquisa sobre os periódicos que pudessem servir como fontes, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e na Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB). Complementarmente, foi efetuada a pesquisa on-line no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), assim como uma pesquisa sistemática no Repositório Institucional on-line da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 40 Quadro 2 - Periódicos de Geografia da época estudada (1930-1954) Título do periódico Ano Localização do acervo Volume Número Anuário Geográfico do Estado do Rio de Janeiro 1948- 1953- 1954 IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - n. 7 Boletim Geográfico 1943- 1954 IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; FFLCH - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP); IGc - Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) v. 1, v. 2, v. 3, v. 8, v. 9 n. 12, n. 24, n. 22, n. 5, n. 3, n. 34, n. 85, n. 93, n. 101 Boletim da Associação de Geógrafos Brasileiros 1941- 1944 AGB - Associação de Geógrafos Brasileiros - n. 3, n. 4 Geografia 1935- 1936 AGB - Associação de Geógrafos Brasileiros - n. 1, n. 2, n. 4 Revista Brasileira de Geografia 1939- 1954 EACH - Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP); EESC - Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP); ESALQ - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo (USP); IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro v. 1, v. 3, v. 4, v. 6, v. 16 n. 1, n. 2, n. 3, n. 4 Revista Escola Nova: Órgão da Diretoria Geral da Instrução Pública de São Paulo 1930- 1931 Repositório Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP) v. 1, v.11 n. 1, n. 3-4 Fonte: Diversas fontes. Organizado pela autora (2024). Ainda foram pesquisadas outras fontes documentais, tais como os Congressos Brasileiros de Geografia, listados no Quadro 3, nesta seção, e o relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alocado na Biblioteca Digital Seade, presente abaixo. Nesses encontros e no relatório, foram averiguadas as possíveis reflexões que interferiram ou influenciaram o ensino de Geografia do período, com foco na Geografia escolar. Os levantamentos bibliográficos dos encontros foram realizados através da pesquisa nos anais dos Congressos Brasileiros de Geografia, no relatório do IBGE, no Boletim Geográfico, na Revista Brasileira de Geografia e no Anuário Geográfico do Estado do Rio de Janeiro, encontrados abaixo. 41 Em ambas as seções, tanto nesta como na quarta, foram selecionados para análise alguns artigos presentes nos periódicos do Anuário Geográfico do Estado do Rio de Janeiro, na Revista Brasileira de Geografia, na Revista Escola Nova, no Boletim Geográfico, na Revista Geografia e no Boletim da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Eles foram recuperados on-line, através da base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB) e do repositório institucional da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Auxiliarmente, foram produzidos os Quadros 4, 5, 6, 7, 8 e 9, situados abaixo, nesta seção, contendo os títulos dos artigos presentes nas revistas, os anos de publicação e os nomes dos seus colaboradores, de acordo com cada periódico selecionado para a análise. As características relacionadas aos periódicos e os seus artigos foram aprofundados ao longo desta seção e na seção seguinte da pesquisa. Além disso, outros documentos foram consultados on-line, pertencentes ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), situados na Biblioteca Digital Seade, no Serviço Gráfico do IBGE e na Imprensa Oficial de Recife. Esses documentos equivalem aos anais de eventos e ao relatório. Estão presentes abaixo, nesta seção, no Quadro 10 e no Quadro 11. Algumas temáticas abordadas por essas publicações foram: os Congressos Brasileiros de Geografia, a reforma Gustavo Capanema, a reforma Francisco Campos, a orientação moderna, o ensino de Geografia, a Escola Ativa e a Escola Nova. Os anais de eventos corresponderam a dois Congressos Brasileiros de Geografia realizados em Recife e Florianópolis. Os documentos foram publicados nos anos de 1915 e 1941. Esses arquivos continham o repositório de dados, repleto das informações geográficas que foram tratadas nos eventos do período de 1915 a 1940. Nisso, estavam situadas as memórias, as teses e as monografias que foram apresentadas nesses congressos e aprovadas para a publicação, após o julgamento das comissões técnicas especializadas. Assim, havia as seções destinadas a esses trabalhos, voltadas para as diversas áreas da Geografia, como a Geografia física, a Geografia econômica, a Biogeografia, entre outras. Adicionalmente, estavam manifestados os aspectos associados à organização, aos deveres, às recomendações, às atividades, às finanças e às apreciações desses eventos. Essas características foram exploradas na seção 4 desta pesquisa. O relatório de 1940, transmitido ao antigo presidente Getúlio Vargas, foi publicado em 1941, através do Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e 42 Estatística (IBGE). Na época, esse documento apresentava as atividades, as contribuições e as publicações ligadas à Comissão Censitária Nacional, ao Conselho Nacional de Geografia, ao Conselho Nacional de Estatística, à Secretaria Geral e à Secretaria Econômica e Financeira. Por meio disso, especialmente através da publicação do Conselho Nacional de Geografia, foram encontradas as informações relacionadas ao Congresso Brasileiro de Geografia realizado em Florianópolis. Essas informações foram demonstradas na seção 4 desta pesquisa. A sistematização e a organização de todas as fontes de análise da pesquisa citadas anteriormente, nesta seção, pode ser encontrada abaixo. Quadro 3 - Congressos Brasileiros de Geografia (1940-1954) Congressos Brasileiros de Geografia Ano de ocorrência Local de ocorrência Adesões Trabalhos Publicação Congresso Brasileiro de Geografia 1940 Florianópolis 2.137 215 5 v. (3.934 páginas) Congresso Brasileiro de Geografia 1944 Rio de Janeiro 2.496 167 2 v. (1.226 páginas) Congresso Brasileiro de Geografia 1954 Porto Alegre - 48 - Fonte: Congressos Brasileiros de Geografia. Organizado pela autora (2024). Quadro 4 - Artigos selecionados para análise do periódico Revista Brasileira de Geografia Título dos artigos Ano de Publicação Colaboradores Esboço das regiões naturais do estado da Baía 1939 Sílvio Fróis de Abreu Écos do IX Congresso Brasileiro de Geografia 1941 Não consta autoria O restabelecimento do ensino da Geografia e da corografia do Brasil como cadeira autônoma 1941 Não consta autoria A Geografia no curso secundário 1941 Jorge Zarur Evolução da Geografia humana 1941 Delgado de Carvalho A excursão geográfica 1941 Delgado de Carvalho X Congresso Brasileiro de Geografia 1942 Não consta autoria Geografia: ciência moderna a serviço do homem 1944 Jorge Zarur X Congresso Brasileiro de Geografia 1944 Não consta autoria Nova metodologia no X Congresso Brasileiro de Geografia 1944 Não consta autoria XI Congresso Brasileiro de Geografia 1954 Não consta autoria Professor Fernando Antônio Raja Gabaglia 1954 Não consta autoria Fonte: Elaborado pela autora (2024). 43 Quadro 5 - Artigos selecionados para análise do periódico Boletim Geográfico Título dos artigos Ano de publicação Colaboradores A orientação moderna 1944 Delgado de Carvalho O Espírito Explicativo na Geografia Moderna 1945 William Morris Davis O estudo da Geografia e as regiões naturais 1945 Não consta autoria A Propósito da Evolução, Conceito e Método da Geografia 1945 José Veríssimo da Costa Pereira A Evolução da Geografia 1943 Pedro Sanchez As "Hipóteses de trabalho nas pesquisas geográficas", pelo professor Everaldo Backheuser 1943 Everaldo Backheuser Quinta tertúlia semanal 1943 Não consta autoria Programa de Geografia 1946 Não consta autoria Ensino da Geografia 1950 M. R. Ficheux O Espírito do Ensino Moderno da Geografia 1950 Edwin Reeder O espírito geográfico da Filosofia moderna 1951 Não consta autoria Fonte: Elaborado pela autora (2024). Quadro 6 - Artigos selecionados para análise do periódico Revista Escola Nova Título dos artigos Ano de publicação Colaboradores Escola Nova 1930 Lourenço Filho Conceito da medida do trabalho escolar 1931 Alexandre Gali Fonte: Elaborado pela autora (2024). Quadro 7 - Artigos selecionados para análise do periódico Anuário geográfico do estado do Rio de Janeiro Título dos artigos Ano de publicação Colaboradores XI Congresso Brasileiro de Geografia 1954 Não consta autoria Fonte: Elaborado pela autora (2024). Quadro 8 - Artigos selecionados para análise do periódico Revista de Geografia Título dos artigos Ano de publicação Colaboradores O ensino secundário de Geografia 1935 Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo, Maria da Conceição Vicente de Carvalho Geografia Humana. Geografia para a quarta série secundária. 1935 Pierre Monbeig Em torno de uma definição da Geografia 1935 Moreira Guimarães O filme cinematográfico na Geografia 1936 José de Oliveira Orlandi O ensino da Geografia no curso secundário 1936 Aroldo de Azevedo Fonte: Elaborado pela autora (2024). 44 Quadro 9 - Artigos selecionados para análise do periódico Boletim da Associação de Geógrafos Brasileiros Título dos artigos Ano de publicação Colaboradores Algumas fontes da Geografia do Brasil 1943 Henri Hausen Ensaios de Geografia Linguística 1944 Carlos Drummond de Andrade Fonte: Elaborado pela autora (2024). Quadro 10 - Anais dos encontros de Geografia selecionados para análise (1915-1941) Título Localização do acervo Volume Ano Anais do Congresso Brasileiro de Geografia Imprensa Oficial do Estado: Recife v. 3 1915 Anais do Congresso Brasileiro de Geografia Serviço Gráfico do IBGE: Rio de Janeiro v. 5 1941 Fonte: Elaborado pela autora (2024). Quadro 11 - Relatório selecionado para análise (1941) Título Localização do acervo Ano de publicação Páginas Relatório de 1940 apresentado ao exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República Serviço Gráfico do IBGE: Rio de Janeiro 1941 152 p Fonte: Elaborado pela autora (2024). Previamente, ocorreu a análise dos periódicos listados no Quadro 2 desta seção, especialmente da Revista Brasileira de Geografia e do Boletim Geográfico, enquanto os demais foram complementares, como a Revista Escola Nova, a Revista Geografia, o Boletim da Associação dos Geógrafos Brasileiros e o Anuário Geográfico do Estado do Rio de Janeiro. A partir disso, houve a execução de pesquisas sistemáticas, buscando a identificação dos artigos existentes nesses periódicos, referentes às temáticas sobre o ensino de Geografia, a educação ativa, bem como a verificação da relação com o que se debatia sobre Escola Nova e os seus correlatos, nos anos entre 1935 e 1954. Esses artigos podem ser encontrados anteriormente nos Quadros 4, 5, 6, 7, 8 e 9 desta seção. Além disso, foram investigados os Congressos Brasileiros e o relatório concernentes ao ensino de Geografia, procurando identificar as resoluções, as recomendações e os acordos realizados durante o período escolanovista. Os Congressos Brasileiros de Geografia foram listados no Quadro 3 desta seção, enquanto o relatório também foi apresentado acima nesta seção, no Quadro 11. As informações adquiridas foram examinadas à luz da bibliografia especializada em ensino, Escola Nova e ensino de Geografia. 45 A seguir, nesta seção e na seção 4, está focalizada a análise dos resultados de pesquisa, baseados no objetivo explicitado na Introdução, da seção 1. Assim, foram retratadas as orientações escolanovistas para o ensino de Geografia e os preceitos escolanovistas nos Congressos Brasileiros de Geografia entre os anos de 1935 e 1954, presentes, principalmente, nos periódicos, nos anais de eventos dos Congressos Brasileiros de Geografia da época e no relatório do IBGE de 1940. Todo esse material pode ser consultado acima nesta seção. Os periódicos serviram como suporte para a análise de ambas as seções, tanto desta seção, como da 4. Nesta seção, os periódicos mais utilizados foram a Revista Brasileira de Geografia, o Boletim Geográfico, a Revista Geografia, o Boletim da Associação de Geógrafos Brasileiros e a Revista Escola Nova. Na seção 4, além desses periódicos, usou-se também o Anuário Geográfico do Estado do Rio de Janeiro, as informações associadas aos anais de eventos dos Congressos Brasileiros de Geografia e o relatório do IBGE. Entre as décadas de 1930 e 1950, a maioria dos periódicos da época possuía um duplo caráter, atentando para as mudanças educacionais, anunciando o moderno e o novo para a educação, contendo os aspectos da Escola Nova, além de propagar os feitos políticos do Estado. Esse caráter duplo das revistas pedagógicas servia tanto para a orientação e a formação pedagógica quanto para a propaganda governamental. Dessa maneira, ampliou-se a discussão das pautas geográficas para os demais segmentos da sociedade, difundindo-se a ciência geográfica. A partir da década de 1930, ocorreram as disputas pelo controle do campo educacional. Nessa perspectiva, o ensino de Geografia estava repartido pela alternância entre os ideais de dois grupos distintos de intelectuais, sendo os pioneiros ou leigos e os católicos. De acordo com Rosa e Teive (2019, p. 289), nessa época, ambos os grupos “[…] estabeleceriam relações consensuais no que se refere à educação como causa cívica de redenção nacional”. Nesse sentido, houve duas intenções: normatizar as práticas escolares e promover as mudanças na mentalidade dos professores, com o advento da Escola Nova. Com isso, era assegurado o controle da orientação doutrinária do sistema educacional e, igualmente, tinha-se a garantia de uma formação moral e ética, consubstanciada na crença em Deus, na religião, na família e na pátria. Inicialmente, enquanto um lado continha as propostas mais abertas e democráticas, o outro lado estava voltado para as elites, favorecendo os grupos 46 particulares