Maurício Bonatto Machado de Castilhos Vinificação em tinto de uvas americanas: efeito das técnicas de pré-secagem das uvas e de chapéu submerso nos perfis químico e sensorial São José do Rio Preto 2016 Maurício Bonatto Machado de Castilhos Vinificação em tinto de uvas americanas: efeito das técnicas de pré- secagem das uvas e de chapéu submerso nos perfis químico e sensorial Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Engenharia e Ciência de Alimentos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência de Alimentos, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Orientador: Prof. Dr. Vanildo Luiz Del Bianchi Co-orientador: Prof. Dr. Isidro Hermosín- Gutiérrez São José do Rio Preto 2016 Maurício Bonatto Machado de Castilhos Vinificação em tinto de uvas americanas: efeito das técnicas de pré- secagem das uvas e de chapéu submerso nos perfis químico e sensorial Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Engenharia e Ciência de Alimentos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência de Alimentos, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Comissão Examinadora Prof. Dr. Vanildo Luiz Del Bianchi UNESP – São José do Rio Preto Orientador Profa. Dra. Ana Carolina Conti e Silva UNESP – São José do Rio Preto Prof. Dr. Crispin Humberto Garcia Cruz UNESP – São José do Rio Preto Prof. Dr. Waldemar Gastoni Venturini Filho UNESP – Botucatu Prof. Dr. Giovani Brandão Mafra de Carvalho Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) São José do Rio Preto 15 de março de 2016 Dedico este trabalho A todos os cientistas que fazem de um mero espanto a chave propulsora para a evolução do mundo. AGRADECIMENTOS A Deus, por estar sempre presente no nascer de cada dia e prover forças para sempre seguir em frente, passando por todos os obstáculos desse mundo que clama por evolução e enriquecimento mental. A uma das pessoas mais importantes da minha vida: minha mãe Neiva. Muito obrigado pelo apoio e otimismo que sempre fez com que eu seguisse, mesmo nos momentos em que pensei desistir. Sua alma de lutadora e sua essência de serenidade sempre serão exemplos para mim. Ao Flávio, um dos grandes responsáveis pelo que sou hoje. Obrigado por fazer parte do meu caminho nessa existência. À Ivone, Starlis e a todos que me acolheram com carinho aqui em São José do Rio Preto. Agradeço à Taís pela amizade e por me considerar um irmão e à Maria Eduarda por deixar esse caminho mais alegre. Sem vocês nada disso seria possível. À Heloísa e Vitor pela sincera e grande amizade e ao Pedro, Sofia e Vitória por fazer esse caminho mais alegre e divertido. Ao Prof. Dr. Vanildo Luiz Del Bianchi pela orientação e pelo maior ensinamento que pude ter em todos esses anos de Pós-Graduação: colocar, na prática, o Professor à frente do Doutor. Muito obrigado por ser um grande exemplo como professor e como pessoa. Ao Prof. Dr. Isidro Hermosín-Gutiérrez por conceder a oportunidade de estudar na Universidad de Castilla-La Mancha, Espanha. Muito obrigado pela oportunidade e pelo aprendizado que tive nesse período de experiência fora do Brasil. Foi uma honra compartilhar sua presença e seus conhecimentos. Agradeço, também, ao Prof. Dr. Sergio Gómez-Alonso e Prof. Dr. Esteban García-Romero, pela prestatividade e pelos grandes ensinamentos. À Profª. Drª. Ana Carolina Conti e Silva pela amizade e pela disponibilidade em ceder o espaço do Laboratório de Análise Sensorial para realizar as análises sensoriais. Muito obrigado por ser um exemplo de profissional e pessoa a ser seguido. Ao Prof. Dr. Javier Telis Romero por ceder o secador que foi utilizado para secar as uvas e o espaço do laboratório de secagem. Sem a sua colaboração e prestatividade, nada disso seria possível. Muito obrigado pelos ensinamentos, pelo profissionalismo, por ser um grande professor e, acima de tudo, pela grande e sincera amizade. A todo o corpo docente do Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos do Ibilce. Muito obrigado por todos os ensinamentos e pelo crescimento profissional adquirido desde a graduação. Aos servidores e técnicos dos laboratórios do Departamento da Engenharia de Alimentos. Muito obrigado pela prestatividade de todos. Aos pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA Uva e Vinho) João Dimas Garcia Maia (Jales/SP) e Mauro Celso Zanus (Bento Gonçalves/RS) pela grande contribuição ao meu trabalho. Agradeço também à analista Odinéli pela prestatividade na condução da análise sensorial dos vinhos. Ao produtor de uvas Sebastião Santim (Jales) por comercializar as uvas necessárias para o trabalho. Aos meus colegas de Pós-Graduação: muito obrigado pelos ensinamentos técnicos e pessoais. Muito do que aprendi com vocês me fez crescer principalmente como ser humano. Um agradecimento especial à Dra. Gisele Ferreira Bueno e à Dra. Marília Gonçalves Cattelan, muito obrigado pela amizade e companheirismo. Aos membros da banca pela contribuição para a melhoria contínua desse trabalho. À UNESP pela oportunidade de realizar o curso de Doutorado e à Universidad de Castilla-La Mancha pela realização do período Sanduíche. À CAPES pela bolsa de Doutorado no país e no exterior. “...este é o fim dos meus temporais tudo o que eu senti, desfalece aqui sim, esse é o fim dos ventos que uivam sem direção tocam-me, mas não me conduzem mais...” Guilherme de Sá (Rosa de Saron) RESUMO A produção brasileira de vinhos encontra-se em constante especialização e tem como objetivo incrementar a qualidade dessas bebidas a fim de atender e superar as expectativas dos consumidores. Diante desse contexto, algumas entidades governamentais pesquisam o melhoramento genético de uvas almejando produzir matérias-primas com características singulares a fim de elaborar vinhos com qualidade ímpar e de caráter regional. Adicionalmente, cientistas da área pesquisam variações no processo de vinificação e, através dessas técnicas, promovem variações no perfil químico dos vinhos, respondendo positivamente no perfil sensorial descritivo e de aceitação. Esse estudo pesquisou os efeitos da pré-secagem das uvas e o emprego do chapéu submerso e explorou o comportamento químico e sensorial de vinhos elaborados com uvas americanas e híbridas. Os resultados mostraram que os vinhos elaborados pelo processo de pré-secagem das uvas apresentaram forte degradação de compostos fenólicos como antocianinas e flavonóis, sendo os flavan-3-óis (galoilados ou não) e proantocianidinas os que apresentaram maior resistência ao calor produzido pela secagem. De uma forma geral, tais vinhos foram descritos como amargos, adstringentes, encorpados, pungentes e persistentes por apresentarem elevada concentração desses compostos fenólicos. Os vinhos elaborados pelo processo de chapéu submerso não apresentaram diferenças significativas nos conteúdos de antocianinas, piranoantocianinas e flavonóis quando comparados aos vinhos elaborados pelo processo tradicional de vinificação, sendo descritos com elevada intensidade de cor e matiz violeta, além de apresentarem, em alguns casos, aroma foxado e frutado evidente. Apresentaram elevada aceitação em alguns casos, sendo considerados como alternativa ao tratamento tradicional. Palavras-chave: vinho tinto, vinho regional, compostos fenólicos, secagem, chapéu submerso, análise sensorial. ABSTRACT Brazilian wine production is in constant specialization and aims to enhance the quality of red wines in order to meet and exceed consumer expectations. Thus, some governmental entities develop genetic improvement programs aiming at producing grapes with singular features that will be employed in the production of regional wines, i.e., wines whose features indicate their origin of production. Moreover, scientists from enological area study the variations in winemaking aiming at promoting such improvement on the chemical properties of wines, enhancing their acceptance sensory profile. Therefore, this study aimed at analyzing the effects of grape pre-drying and submerged cap in order to explore the chemical and sensory behavior of red wines produced from Vitis labrusca grapes and their hybrids. The results showed that the wines produced from pre- drying process presented relevant degradation of the phenolic compounds, mainly anthocyanins and flavonols; and flavan-3-ols (galloylated or not) and proanthocyanidins were the compounds that seemed to be less affected by the heat produced by the pre-drying procedure. In general, these wines were described as bitter, astringent, full-bodied, pungent and persistent to palate due to their high concentration of these aforementioned compounds. Wines produced form submerged cap winemaking presented no significant differences from the wines elaborated by traditional process concerning anthocyanin, pyranoanthocyanin and flavonol contents, and were described as colorful with intense violet hue and strong foxy and fruity aroma. These wines presented higher acceptance in some cases and were considered as an alternative to the traditional winemaking treatment. Keywords: red wine, regional wine, phenolic compounds, drying, submerged cap, sensory analysis. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Página Figura 1 Estrutura básica de um flavonoide. 36 Figura 2 Estrutura das diferentes piranoantocianinas. Fonte: Blanco-Vega et al. (2011). 38 Figura 3 Estrutura do resveratrol na sua forma cis e trans (natural). 43 Figura 4 Processo de vinificação em tinto tradicional. Fonte: Jackson (2008); Ribéreau-Gayon et al. (2006). 45 Figura 5 Processo de termovinificação de acordo com El Darra et al. (2016). 52 Figura 6 Processo de vinificação utilizando secagem de acordo com De Castilhos et al. (2013). 57 Figura 7 Processo de vinificação utilizando maceração a frio de acordo com Casassa; Bolcato; Sari (2015). 62 Figura 8 Processo de vinificação utilizando a técnica de chapéu submerso de acordo com De Castilhos et al. (2015a,b). 67 Figura 9 Processo de vinificação utilizando a técnica de maceração carbônica de acordo com Rizzon et al. (1999). 70 Figura 10 Protocolo de vinificação aplicado no estudo. 77 Figura 11 Cromatograma HPLC-DAD (detecção a 520 nm para antocianinas) dos vinhos tintos Bordô (A) e BRS Carmem (B). 93 Figura 12 Fragmentação do íon molecular m/z 947 sugerindo a existência da mv 3,5-dicmglc em ambos os vinhos Bordô e BRS Carmem. 95 Figura 13 Cromatograma HPLC-DAD (detecção a 360 nm para flavonóis) dos vinhos tintos Bordô (A) e BRS Carmem (B). 99 Figura 14 Cromatograma HPLC-DAD (detecção a 320 nm para ácidos hidroxicinâmicos) dos vinhos tintos Bordô (A) e BRS Carmem (B). 100 Figura 15 Projeção do perfil fenólico e dos atributos sensoriais (A) e das amostras de vinhos (B) Bordô e BRS Carmem utilizando Análise de Componentes Principais. 109 Figura 16 Cromatograma HPLC-DAD (detecção a 520 nm para antocianinas) dos vinhos tintos BRS Rúbea (A) e BRS Cora (B). 117 Figura 17 Cromatograma HPLC-DAD (detecção a 360 nm para flavonóis) dos vinhos tintos BRS Rúbea (A) e BRS Cora (B). 123 Figura 18 Cromatograma HPLC-DAD (detecção a 320 nm para ácidos hidroxicinâmicos) dos vinhos tintos BRS Rúbea (A) e BRS Cora (B). 125 Figura 19 Projeção do perfil fenólico e dos atributos sensoriais (A) e das amostras de vinhos (B) BRS Rúbea e BRS Cora utilizando Análise de Componentes Principais. 134 Figura 20 Cromatograma HPLC-DAD, detecção a 520 nm para antocianinas (a), 360 nm para flavonóis (b) e 320 nm para ácidos hidroxicinâmicos e seus derivados (c) dos vinhos tintos BRS Violeta. 142 Figura 21 Projeção do perfil fenólico e dos atributos sensoriais (A) e das amostras de vinhos (B) BRS Violeta utilizando Análise de Componentes Principais. 154 Figura 22 Cromatograma HPLC-DAD, detecção a 520 nm para antocianinas (a), 360 nm para flavonóis (b) e 320 nm para ácidos hidroxicinâmicos e seus derivados (c) dos vinhos tintos Isabel. 160 Figura 23 Projeção do perfil fenólico e dos atributos sensoriais (A) e das amostras de vinhos (B) Isabel utilizando Análise de Componentes Principais. 172 LISTA DE TABELAS Página Tabela 1 Características físico-químicas de vinhos da uva Bordô. 25 Tabela 2 Antocianidinas mais comuns nas uvas. 36 Tabela 3 Estrutura dos flavonóis nas uvas. 39 Tabela 4 Exemplos dos principais flavan-3-óis encontrados nas uvas. 40 Tabela 5 Ácidos fenólicos encontrados nas uvas. 41 Tabela 6 Resultados (média±desvio padrão) dos parâmetros enológicos clássicos. 88 Tabela 7 Perfis de antocianinas e piranoantocianinas determinados por HPLC/MS/MS (média ± desvio padrão) para os vinhos de mesa elaborados com as uvas Bordô e BRS Carmem. 90 Tabela 8 Perfil de flavonóis e ácidos hidroxicinâmicos e derivados determinado por HPLC/MS/MS (média ± desvio padrão) para os vinhos Bordô e BRS Carmem. 97 Tabela 9 Perfil de flavan-3-ol e estilbenos determinado por HPLC- ESI-MS/MS (MRM) e atividade antioxidante determinada por radical DPPH (média ± desvio padrão) para os vinhos Bordô e BRS Carmem. 102 Tabela 10 Perfil sensorial descritivo (média±desvio padrão) para os vinhos Bordô e BRS Carmem. 105 Tabela 11 Resultados (média±desvio padrão) da análise sensorial de aceitação utilizando escala com escores de 1 a 9. 107 Tabela 12 Resultados (média±desvio padrão) dos parâmetros enológicos clássicos. 113 Tabela 13 Perfis de antocianinas e piranoantocianinas determinados por HPLC/MS/MS (média ± desvio padrão) para os vinhos tintos BRS Rúbea e BRS Cora. 115 Tabela 14 Perfil de flavonóis e ácidos hidroxicinâmicos e seus derivados (HCAD) determinado por HPLC/MS/MS (média ± desvio padrão) para os vinhos tintos BRS Rúbea e BRS Cora. 121 Tabela 15 Perfil de flavan-3-óis e estilbenos determinado por HPLC- ESI-MS/MS (MRM) e capacidade antioxidante determinada por radical DPPH (média ± desvio padrão) para os vinhos BRS Rúbea e BRS Cora. 127 Tabela 16 Perfil sensorial descritivo (média±desvio padrão) para os vinhos BRS Rúbea e BRS Cora. 130 Tabela 17 Resultados (média±desvio padrão) da análise sensorial de aceitação utilizando escala com escores de 1 a 9. 132 Tabela 18 Resultados (média±desvio padrão) dos parâmetros enológicos clássicos dos vinhos BRS Violeta. 137 Tabela 19 Perfis de antocianinas e piranoantocianinas determinados por HPLC/MS/MS (média ± desvio padrão) para os vinhos tintos BRS Violeta. 139 Tabela 20 Perfil de flavonóis e ácidos hidroxicinâmicos e seus derivados (HCAD) determinado por HPLC/MS/MS (média ± desvio padrão) para os vinhos tintos BRS Violeta. 145 Tabela 21 Perfil de flavan-3-óis e estilbenos determinado por HPLC- ESI-MS/MS (MRM) e capacidade antioxidante determinada por radical DPPH (média ± desvio padrão) para os vinhos BRS Violeta. 148 Tabela 22 Perfil sensorial descritivo (média±desvio padrão) para os vinhos BRS Violeta. 151 Tabela 23 Resultados (média±desvio padrão) da análise sensorial de aceitação dos vinhos BRS Violeta utilizando escala com escores de 1 a 9. 152 Tabela 24 Resultados (média±desvio padrão) dos parâmetros enológicos clássicos dos vinhos Isabel. 156 Tabela 25 Perfil de antocianinas e piranoantocianinas determinado por HPLC/MS/MS (média ± desvio padrão) para os vinhos Isabel. 158 Tabela 26 Perfil de flavonóis e ácidos hidroxicinâmicos e seus derivados (HCAD) determinado por HPLC/MS/MS (média ± desvio padrão) para os vinhos tintos Isabel. 162 Tabela 27 Perfil de flavan-3-óis e estilbenos determinado por HPLC- ESI-MS/MS (MRM) e capacidade antioxidante determinada por radical DPPH (média ± desvio padrão) para os vinhos Isabel. 166 Tabela 28 Perfil sensorial descritivo (média±desvio padrão) para os vinhos Isabel. 168 Tabela 29 Resultados (média±desvio padrão) da análise sensorial de aceitação dos vinhos Isabel utilizando escala com escores de 1 a 9. 170 SUMÁRIO Página Apresentação 19 1 Introdução 21 2 Revisão bibliográfica 23 2.1 Aspectos gerais das uvas e dos vinhos 23 2.1.1 Bordô 24 2.1.2 Isabel 25 2.1.3 BRS Violeta 26 2.1.4 BRS Carmem 27 2.1.5 BRS Rúbea 27 2.1.6 BRS Cora 28 2.2 Principais propriedades químicas dos vinhos 28 2.2.1 Acidez 29 2.2.2 Teor alcoólico e compostos voláteis 31 2.2.3 Açúcares 33 2.2.4 Compostos fenólicos 35 2.2.4.1 Flavonoides 35 2.2.4.1.1 Antocianinas 36 2.2.4.1.2 Piranoantocianinas 37 2.2.4.1.3 Flavonóis 39 2.2.4.1.4 Flavan-3-óis 40 2.2.4.2 Não flavonoides 41 2.2.4.2.1 Ácidos fenólicos 41 2.2.4.2.2 Estilbenos 42 2.2.5 Extrato seco, minerais e matérias pécticas 43 2.3 O processo de vinificação tradicional 44 2.4 Processos alternativos de vinificação 50 2.4.1 Emprego da temperatura no processo de vinificação 50 2.4.1.1 Termovinificação 51 2.4.1.2 Secagem das uvas antes da fermentação alcoólica (pré- secagem) 55 2.4.1.3 Maceração a frio 59 2.4.2 Chapéu submerso 64 2.4.3 Maceração carbônica 68 2.4.4 Aplicação de diferentes linhagens de leveduras para a fermentação alcoólica 71 3 Material e Métodos 74 3.1 Materiais de vinificação 74 17 Página 3.2 Materiais químicos 74 3.3 Vinificação em tinto 75 3.4 Análises químicas clássicas 79 3.5 Análise dos compostos fenólicos por HPLC-MSn 80 3.5.1 Preparação das amostras 80 3.5.2 Análise dos compostos fenólicos por HPLC-DAD-ESI-MSn 80 3.5.3 Identificação e quantificação dos flavan-3-óis e estilbenos utilizando o método de monitoramento de reação múltipla (MRM) HPLC-ESI-MS/MS 81 3.6 Determinação da capacidade antioxidante pelo ensaio de DPPH 82 3.7 Análise sensorial 82 3.7.1 Análise sensorial descritiva 83 3.7.2 Análise sensorial de aceitação 84 3.8 Análise dos dados 85 4 Resultados e discussão 86 4.1 Parâmetros básicos da vinificação 86 4.2 Vinhos Bordô e BRS Carmem 87 4.2.1 Parâmetros enológicos clássicos 87 4.2.2 Perfil de antocianinas e piranoantocianinas 89 4.2.3 Perfil de flavonóis e ácidos hidroxicinâmicos e seus derivados (HCAD) 96 4.2.4 Perfil de flavan-3-óis e estilbenos 101 4.2.5 Análise sensorial 104 4.2.5.1 Análise sensorial descritiva 104 4.2.5.2 Análise sensorial de aceitação 106 4.2.6 Análise quimiométrica 108 4.3 Vinhos BRS Rúbea e BRS Cora 112 4.3.1 Parâmetros enológicos clássicos 112 4.3.2 Perfil de antocianinas e piranoantocianinas 114 4.3.3 Perfil de flavonóis e ácidos hidroxicinâmicos e seus derivados (HCAD) 120 4.3.4 Perfil de flavan-3-óis e estilbenos 126 4.3.5 Análise sensorial 129 4.3.5.1 Análise sensorial descritiva 129 4.3.5.2 Análise sensorial de aceitação 131 4.3.6 Análise quimiométrica 133 4.4 Vinhos BRS Violeta 137 4.4.1 Parâmetros enológicos clássicos 137 4.4.2 Perfil de antocianinas e piranoantocianinas 138 4.4.3 Perfil de flavonóis e ácidos hidroxicinâmicos e seus derivados (HCAD) 144 18 Página 4.4.4 Perfil de flavan-3-óis e estilbenos 147 4.4.5 Análise sensorial 150 4.4.5.1 Análise sensorial descritiva 150 4.4.5.2 Análise sensorial de aceitação 151 4.4.6 Análise quimiométrica 152 4.5 Vinhos Isabel 155 4.5.1 Parâmetros enológicos clássicos 155 4.5.2 Perfil de antocianinas e piranoantocianinas 157 4.5.3 Perfil de flavonóis e ácidos hidroxicinâmicos e seus derivados (HCAD) 161 4.5.4 Perfil de flavan-3-óis e estilbenos 165 4.5.5 Análise sensorial 168 4.5.5.1 Análise sensorial descritiva 168 4.5.5.2 Análise sensorial de aceitação 169 4.5.6 Análise quimiométrica 170 5 Conclusões 176 6 Referências bibliográficas 178 7 Anexos 198 19 Apresentação O presente trabalho vem contribuir para o estudo da tecnologia de vinificação através da avaliação de processos alternativos de vinificação e a influência desses processos nos perfis químico e sensorial. Estudos mostram que a aplicação de variações na tecnologia de vinificação tem sido uma constante nas vinícolas com o objetivo de garantir a qualidade do vinho e superar as expectativas dos consumidores. Nesta tese, duas técnicas alternativas foram abordadas: pré-secagem das uvas e chapéu submerso. Essas técnicas foram aplicadas em seis uvas americanas (Vitis labrusca ou híbridos de Vitis labrusca e Vitis vinifera), sendo quatro delas provenientes de programas de melhoramento genético desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Uva e Vinho e que são pouco conhecidas pelo mercado consumidor brasileiro e mundial. As propriedades enológicas clássicas e os atributos sensoriais descritivos e de aceitação foram avaliados a fim de observar a influência desses processos alternativos na qualidade dos vinhos produzidos por essas uvas. Adicionalmente, os perfis dos compostos fenólicos, assim como a capacidade antioxidante, também foram avaliados, visto que são dados que foram pouco explorados na literatura nacional e internacional. A técnica de pré-secagem das uvas teve por objetivo concentrar os açúcares contidos na uva através da evaporação da água, evitando a etapa de correção do mosto pela inserção de sacarose (chaptalização). A técnica de chapéu submerso baseou-se no contato constante do bagaço com o mosto no momento da maceração durante a fermentação alcoólica. Em ambos os processos, os vinhos apresentaram boa aceitação sensorial, não diferindo de forma significativa dos vinhos elaborados pelo processo tradicional na maioria dos atributos avaliados, e perfis descritivos que possibilitaram caracterizá-los de forma singular como vinhos de caráter regional, ou seja, que apresentaram características típicas da região noroeste paulista. Além disso, apesar do processo de pré-secagem ter sido responsável por degradar alguns compostos fenólicos importantes como antocianinas e flavonóis, esse efeito não diminuiu a capacidade antioxidante desses vinhos, já que não diferiram de forma significativa dos vinhos elaborados pelos processos 20 de chapéu submerso e tradicional. Sendo assim, apesar da degradação desses compostos, o processo de pré-secagem possibilitou a formação de novos compostos responsáveis pelo aumento da capacidade antioxidante dos vinhos. Os vinhos elaborados pelo processo de chapéu submerso apresentaram- se como intensos em cor e em matiz violeta, com aroma frutado e foxado intenso e bem aceitos pelos consumidores por apresentarem semelhantes resultados com os vinhos elaborados pelo processo tradicional. O processo de chapéu submerso, além de apresentar rendimento superior ao processo tradicional, não diferiu de forma significativa do processo tradicional em quase todos os perfis avaliados, sendo uma alternativa em potencial para o processo tradicional de vinificação. A tese está estruturada na sua forma tradicional, abordando uma breve introdução sobre o assunto; objetivos; revisão bibliográfica sobre o processo tradicional de vinificação e os principais procedimentos alternativos de transformação da uva em vinho; materiais e métodos abordando os materiais utilizados para a produção dos vinhos e para as análises, assim como os métodos empregados para a realização das análises químicas e sensoriais; resultados e discussão divididos em grupos de vinhos que apresentaram perfil fenólico semelhante, a fim de facilitar a discussão dos resultados; conclusões e referências bibliográficas. De uma forma geral, os resultados apresentados contribuem com a ciência no que diz respeito à melhoria dos vinhos brasileiros em todos os aspectos, já que se trata de um país que cultiva e produz uvas americanas e seus respectivos vinhos, diferentemente dos grandes países produtores de vinhos, que são especialistas na produção de uvas europeias. Sendo assim, os resultados obtidos nesse estudo servem de base para nortear estudos futuros que possam contribuir para concretizar o caráter regional aos vinhos desenvolvidos no Noroeste Paulista. Aproveitem a leitura! O autor 21 1. Introdução O processo de vinificação pode ser considerado complexo devido às etapas que ocorrem de forma simultânea. Alguns fatores são pertinentes às mudanças que ocorrem na composição química e sensorial dos vinhos ao longo da tecnologia de vinificação, desde a região produtora, o clima, o tipo de uva até o manejo da videira. O processo tradicional de vinificação é intensamente mapeado com o objetivo de avaliar as mudanças químicas e sensoriais que ocorrem ao longo do processo e que respondem com informações relevantes sobre os fatores chave para designar a qualidade dos vinhos. Existem fatores extrínsecos que podem afetar a qualidade final de um vinho como a reputação, propaganda e até mesmo a região produtora e, além desses, alguns fatores intrínsecos ligados à qualidade como propriedades de cor, perfil químico, estabilização, aroma e safra. Os fatores intrínsecos mencionados, exceto safra, estão diretamente relacionados ao processo de vinificação e são passíveis de variações ao longo do processo de transformação da uva em vinho. De acordo com dados do último relatório da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV, 2014), os maiores produtores de vinhos do mundo estão localizados no continente europeu, sendo eles: França com produção de cerca de 46,2 milhões de hectolitros (hL), seguido de Itália com 44,4 milhões de hL e Espanha com 37,0 milhões de hL. Outros países apresentam produção de vinho ascendente como os Estados Unidos com 22,5 milhões de hL, Argentina com 15,2 milhões de hL, África do Sul com 11,0 e Nova Zelândia com 3,2 milhões de hL. Os grandes países produtores de vinhos apresentam clima, solo e outros fatores naturais que possibilitam o cultivo de uvas da espécie Vitis vinifera. Vitis vinifera (uvas europeias) é a espécie de uva mais utilizada para a produção de vinhos no mundo; no entanto, no Brasil, os vinhos são comumente elaborados por uvas americanas da espécie Vitis labrusca e seus híbridos, sendo conhecidos como vinhos de mesa que, por sua vez, ultrapassaram a produção de vinhos elaborados por uvas europeias. O fato de o Brasil se destacar na produção desse tipo de vinho está vinculado às condições climáticas do país que são desfavoráveis para a produção de uvas europeias. Além disso, as uvas americanas apresentam elevada adaptação a climas quentes, alta versatilidade 22 em relação ao planejamento da colheita e sua rusticidade é uma importante característica relacionada a sua relevante resistência à maioria das doenças da videira. Nesse contexto, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa Uva e Vinho, tem desenvolvido novas uvas híbridas com elevado conteúdo de açúcar e elevada intensidade de cor em seu estágio natural de maturação. Dentre as principais representantes desse grupo é possível destacar as uvas do tipo BRS como a BRS Carmem, BRS Rúbea, BRS Cora, BRS Violeta, entre outras. Apesar das vantagens mencionadas, algumas uvas americanas apresentam reduzido conteúdo de sólidos solúveis e intensidade de cor em seu estágio ótimo de maturação. Sendo assim, existe a necessidade de melhorar essas características a fim de produzir vinhos de mesa mais atraentes aos consumidores como resultado do aumento da extração dos pigmentos existentes nas películas das uvas por meio da aplicação de variações no processo de vinificação e melhoramento genético. Adicionalmente aos programas de melhoramento genético, as modificações no processo de vinificação são usualmente realizadas por vinícolas com o objetivo de melhorar a qualidade dos vinhos tintos pelo aumento da extração dos compostos fenólicos durante a fermentação alcoólica. Dentre as possíveis variações no processo de vinificação, a pré-secagem das uvas é uma das técnicas aplicadas com o objetivo de promover o aumento dos índices de cor como resultado do dano irreversível das células da película da uva causado pelo calor, o que facilita a extração de antocianinas e outros compostos fenólicos importantes para a composição química e sensorial dos vinhos. O uso da técnica de chapéu submerso durante a maceração é outra variação aplicada como procedimento de vinificação alternativo que facilita o contato entre o bagaço (parte sólida) e o mosto (parte líquida), promovendo maior extração dos compostos fenólicos existentes na uva. No entanto, esses estudos mencionados são restritos a análises de compostos fenólicos de vinhos tintos elaborados por uvas europeias e estudos que abordem a resposta desses métodos alternativos de vinificação em vinhos elaborados por uvas americanas são praticamente inexistentes. As atribuições de biofuncionalidade dos vinhos são discutidas mundialmente e tem sido tema de diversas pesquisas. Apesar dos efeitos tóxicos 23 potenciais do etanol, o vinho é tradicionalmente descrito como um produto que promove a saúde quando consumido com moderação durante as refeições e associado a uma vida ativa saudável. Isto se deve ao famoso “paradoxo francês”, no qual indivíduos franceses adeptos de uma dieta rica em gorduras saturadas apresentaram incidência de mortalidade por doenças coronárias isquêmicas tão baixas quanto a dos povos asiáticos. A partir disso, estudos in vitro e in vivo tem sido publicados demonstrando os potenciais benefícios do vinho para a saúde atraindo a atenção dos consumidores em geral. O estudo do vinho tinto e da influência de processos alternativos no perfil químico e sensorial é essencial para se promover o aumento da qualidade dessas bebidas bem como promover benefícios nutricionais no que se refere ao aumento da capacidade antioxidante. Nesse contexto, o objetivo geral da tese está centrado em estudar duas técnicas alternativas de vinificação, pré-secagem de uvas e chapéu submerso, de seis uvas: Bordô, Isabel, BRS Violeta, BRS Carmem, BRS Rúbea e BRS Cora. Como objetivos específicos, a tese apresenta dados sobre parâmetros enológicos clássicos, caracterização fenólica detalhada dos vinhos elaborados pelos processos tradicional, pré-secagem de uvas e chapéu submerso e dados sobre os perfis sensoriais descritivo e de aceitação. Adicionalmente, uma abordagem quimiométrica foi aplicada com o objetivo de observar a relação entre o perfil químico e sensorial. 2. Revisão bibliográfica 2.1. Aspectos gerais das uvas e dos vinhos Como mencionado anteriormente, o vinho de mesa e seus derivados são elaborados, no Brasil, com a utilização de uvas americanas e híbridas da espécie Vitis labrusca e representam mais de 80% da comercialização total em volume. O vinho elaborado a partir dessas uvas, de grande produtividade e baixo custo de produção, propicia vinhos de características ímpares de sabor e aroma frutado facilmente identificado pelos consumidores (GUERRA, 2003). O gênero Vitis, ao qual pertence as videiras, abrange cerca de 30 espécies, sendo as mais importantes Vitis vinifera de origem europeia e outras de origem americana como Vitis labrusca, Vitis riparia, Vitis aestivalis, Vitis 24 berlandieri, entre outras espécies. As uvas americanas e híbridas são geralmente cultivadas em áreas onde as condições ambientais não são muito favoráveis à viticultura tradicional de clima temperado. Áreas como o Leste Norte-Americano, América Central, Brasil (maior parte) e outros países da América do Sul são destaques na produção e no cultivo de uvas americanas. No estado de São Paulo, as cultivares mais conhecidas são a Isabel e a Bordô (AMARANTE, 1983). As espécies americanas apresentam uma considerável gama de aromas, sendo o foxado o mais importante e típico dessas espécies. Além do aroma foxado, outros aromas como o de morango, o frutado promovido pela presença do antranilato de metila e o aroma floral são destaques desse tipo de cultivar (JACKSON, 2008). Pelo fato de serem pouco cultivadas no mundo, os vinhos de mesa não apresentam concorrentes mundiais e poucas pesquisas concernentes a essas bebidas são encontradas. Apesar desse contexto ser fato, existem alguns estudos atuais que abordam características físico-químicas, assim como a composição fenólica e a capacidade antioxidante dos vinhos elaborados com essas cultivares, ganhando espaço e visibilidade internacional (BURIN et al., 2014; REBELLO et al., 2013; LAGO-VANZELA et al., 2013; TOALDO et al., 2013). 2.1.1. Bordô A cultivar Bordô é de origem americana e foi introduzida no Rio Grande do Sul em 1839 sob a denominação de Ives e se expandiu pelas demais regiões devido à fácil adaptação às condições climáticas e à boa produtividade e longevidade (ZANUS, 1991; CAMARGO, 1996). A uva Bordô apresenta maturação precoce e é bastante resistente ao míldio e à antracnose. Em seu estágio ideal de maturação dificilmente atinge 15º Babo (correspondente a cerca de 16,9º Brix), mas uma de suas características mais marcantes é o elevado poder corante (RIZZON; ZANUS; MANFREDINI, 1994). É uma cultivar que apresenta cacho pequeno com formato cilíndrico- cônico alado apresentando bagas pequenas de coloração preta com polpa mucilaginosa. Apresenta teor de sólidos solúveis de até 16,02 ºBrix, com acidez total de 65 meq/L e pH de 3,29 (EMBRAPA, 1984). A Tabela 1 mostra os 25 parâmetros físico-químicos dos vinhos Bordô referentes a alguns trabalhos já publicados. Tabela 1. Características físico-químicas de vinhos da uva Bordô. Parâmetros Estudo Castilhos; Conti-Silva; Del Bianchi (2012) Tecchio; Miele; Rizzon (2007) Barnabé (2006) Densidade (g/mL 20ºC) 0,9982 0,9965 0,9950 Acidez total (meq/L) 135,20 91,00 122,70 Acidez volátil (meq/L) 4,90 7,30 2,46 pH 3,30 3,21 3,13 Extrato seco (g/L) 30,80 24,24 25,70 Açúcares redutores (g/L) 2,40 3,90 2,03 Teor alcoólico (ºGL) 10,70 10,58 9,80 Coloração (DO420/DO520) 0,77 0,39 0,58 2.1.2. Isabel É a principal cultivar nos vinhedos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e demonstrou bom comportamento no Noroeste de São Paulo e no Triângulo Mineiro, sendo plantada em projetos recentes voltados à produção de uvas para suco no Vale do Submédio do rio São Francisco (MAIA; CAMARGO; NACHTIGAL, 2002). É uma espécie originária do sul dos Estados Unidos e destacou-se por ser uma cultivar resistente ao oídio (Uncinula necator), espécie de doença fúngica que causava grandes estragos na viticultura (GRIGOLETTI JR.; SÔNEGO, 1983). A uva Isabel foi introduzida no Rio Grande do Sul entre os anos de 1839 e 1842 e, atualmente, representa cerca de 40% da produção total de uva do Brasil. Essa cultivar possui várias aplicações como produção de vinhos tintos comuns, suco de uva, vinagre, geleia e consumo in natura. O vinho produzido pela cultivar Isabel apresenta aroma e sabor foxados típicos, identificado como aroma e sabor de uva ou framboesa (RIZZON; MIELE; MENEGUZZO, 2000). Fenotipicamente, a uva Isabel apresenta-se como uma uva de cacho pequeno e solto, formado por um número reduzido de bagas de 26 tamanho grande. Geralmente, apresenta pH de 3,27; acidez total de 59 meq/L e 18,71 ºBrix (EMBRAPA, 1988). Apesar de os vinhos de mesa apresentarem grande aceitação pelos consumidores brasileiros, as uvas americanas apresentam certas limitações em relação às cultivares viníferas como o baixo teor de açúcar e a baixa intensidade de cor como a cultivar Isabel (CAMARGO; MAIA; NACHTIGAL, 2005). Desse modo, estudos vem sendo realizados com o objetivo de buscar híbridos produtivos que otimizem a extração dos pigmentos típicos dos vinhos tintos com o objetivo de torná-los com aparência mais atrativa e, adicionalmente, produzam vinhos com maior apelo nutricional, ou seja, com elevada capacidade antioxidante. Com base nesse contexto, o programa de melhoramento genético da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Uva e Vinho) tem contribuído para o avanço da vitivinicultura por meio do desenvolvimento de novas cultivares que apresentem melhores níveis de açúcares sob condições normais de cultivo, elevada coloração e elevada capacidade produtiva nas diferentes regiões do Brasil (temperadas e tropicais) a fim de manter a característica varietal dos vinhos (CAMARGO; MAIA; NACHTIGAL, 2005). Dentre as novas cultivares estudadas pela Embrapa, destaca-se as uvas híbridas BRS Violeta, BRS Carmem, BRS Rúbea e BRS Cora. 2.1.3. BRS Violeta A uva BRS Violeta foi obtida em 2006 a partir do cruzamento entre BRS Rúbea e a uva IAC 1398-21 e apresenta alto teor de açúcar e elevada coloração, expressa por uma tonalidade violácea intensa. Adapta-se bem tanto em condições temperadas (clima subtropical) quanto em áreas de clima tropical e apresenta elevada capacidade produtiva. Possui bom comportamento em relação a doenças fúngicas como o oídio (Uncinula necator), antracnose (Elsinoe ampelina), requeima (Alternaria sp.) e podridões do cacho; no entanto é sensível ao míldio (Plasmopara viticola) (CAMARGO; MAIA; NACHTIGAL, 2005; REBELLO et al., 2013). Os cachos da uva BRS Violeta apresentam-se em tamanho médio em formato cilíndrico-cônico e alado, com bagas de tamanho médio, esféricas com 27 coloração preto-azulada, película espessa e resistente. Sua polpa também apresenta coloração violeta com notas de sabor de framboesa, sendo considerada uma uva tintureira. As uvas podem atingir de 19 a 21 ºBrix em seu estágio ideal de maturação com acidez relativamente baixa variando de 50 a 60 meq/L e pH entre 3,70 e 3,80. O vinho e o suco dessa cultivar apresenta elevada coloração violácea, sendo muito empregado em cortes de vinhos e sucos principalmente elaborados com a cultivar Isabel que, por sua vez, não apresenta intensa coloração (CAMARGO; MAIA; NACHTIGAL, 2005). 2.1.4. BRS Carmem A BRS Carmem foi lançada em 2008 como alternativa para a ampliação do período de processamento da uva e melhoria da qualidade dos produtos derivados. É resultado do cruzamento entre Muscat Belly A e BRS Rúbea e origina vinhos de coloração violácea intensa com características de aroma e sabor framboesa (CAMARGO; MAIA; RITSCHEL, 2008). Seu cacho apresenta- se em tamanho médio, cilíndrico, alado e compacto, com bagas de tamanho médio e forma elíptica de cor preto-azulada e película espessa e resistente. Essa uva apresenta boa resistência ao míldio (Plasmopara viticola), ao oídio (Uncinula necator) e à podridão cinzenta (Botrytis cinerea) e pode apresentar leves sintomas de antracnose, podridão da uva madura e ferrugem das folhas, no entanto, esses sintomas podem ser minimizados com os devidos tratamentos da videira. No seu estágio ideal de maturação apresenta teor de sólidos solúveis em torno de 19 ºBrix, acidez total de 70 meq/L e pH em torno de 3,60. É empregada na elaboração de sucos e vinhos de mesa, sendo utilizada como corte em vinhos e sucos com deficiência de cor (CAMARGO; MAIA; RITSCHEL, 2008). 2.1.5. BRS Rúbea A BRS Rúbea é originária do cruzamento entre a Bordô e a Niágara Rosada, realizado em 1965. Apresenta cacho cônico, pequeno e frequentemente alado com baga média, esférica, mucilaginosa e de coloração preta. É resistente a várias doenças fúngicas como a antracnose (Elsinoe ampelina), míldio 28 (Plasmopora viticola), oídio (Uncinula necator) e podridões do cacho. É empregada na elaboração de sucos e vinhos de mesa, sendo agente de corte em vinhos com pouca coloração. Apresenta baixo potencial glucométrico, em torno de 15 ºBrix na seu estágio ideal de maturação com acidez total em torno de 60 meq/L (CAMARGO; DIAS, 1999). 2.1.6. BRS Cora A BRS Cora é resultado do cruzamento entre Muscat Belly A e a uva BRS Rúbea. Esse cruzamento foi realizado no ano de 1992 e apresenta cacho médio, cilíndrico-cônico de formato alado. As bagas são de tamanho médio, na forma elíptica larga de coloração preta-azulada, película espessa, resistente, polpa incolor e ligeiramente firme. O sabor apresenta nuances de framboesa, típico das cultivares americanas (CAMARGO; MAIA, 2004). Mostra-se resistente à antracnose, mas sensível à requeima e à ferrugem (Phakopsora euvitis). Em plena maturação, apresenta sabor agradável e mosto intensamente colorido com teor de sólidos solúveis em torno de 18 a 20 ºBrix e acidez total de 100 meq/L com pH na faixa de 3,45. Utilizada para melhorar o potencial de coloração de sucos e vinhos deficientes nessa característica, como o vinho Isabel, sendo a proporção de 90% de Isabel e 10% de Cora muito utilizada para sucos em comercialização (CAMARGO; MAIA, 2004). Como forma ilustrativa, fotos de cada uma das uvas estão expostas no anexo da presente tese e apresentam de forma visual as suas inerentes diferenças. 2.2. Principais propriedades químicas dos vinhos O vinho é uma bebida constituída basicamente por duas substâncias químicas: água e etanol. No entanto, o sabor e o aroma dos vinhos dependem de outras substâncias advindas da uva, do processo fermentativo ou de etapas posteriores ao processo de fermentação alcoólica como a estabilização em garrafa. A grande maioria dos compostos químicos encontrados nos vinhos é resultado dos processos fermentativos realizados pelas leveduras, sendo que os compostos advindos das uvas é significativamente menor quando comparados 29 aos compostos resultantes da ação das leveduras. No entanto, esses compostos característicos das uvas podem se complexar e formar novas substâncias que são responsáveis pelo efeito varietal dos vinhos (JACKSON, 2008). Além do álcool, os vinhos apresentam compostos minoritários como as carbonilas, fenóis, lactonas, terpenos, acetais, hidrocarbonetos, compostos nitrogenados e sulfurados. Ácidos fixos e voláteis, álcoois superiores, açúcares e taninos são substâncias contidas no vinho que podem afetar o corpo e a sensação bucal. Todos esses compostos químicos exercem algum tipo de influência nas características sensoriais dos vinhos, sendo que qualquer mudança sensorial no vinho pode ser explicada, primeiramente, por alguma alteração química (CHIRA et al., 2011). Nesse contexto, um dos maiores objetivos da tecnologia de vinificação e da enologia é entender como os fenômenos químicos ocorrem no vinho durante todo o processo de vinificação e estabilização a fim de descrever quais determinações físico-químicas são potenciais influenciadores das características sensoriais (GIRARD et al., 2001). 2.2.1. Acidez A acidez do vinho é um dos maiores contribuintes para qualidade e estabilidade, visto que está ligada à preservação microbiológica, pois torna o vinho um ambiente impróprio para o desenvolvimento de alguns tipos de microrganismos. Vinhos tintos apresentam certa estabilidade à baixa acidez devido à presença de compostos fenólicos que aumentam a acidez e preservam a estabilidade durante o envelhecimento (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). Inúmeros ácidos compõem o vinho de uma forma geral, sendo eles advindos da uva como os ácidos tartárico, málico, cítrico, D-glucônico, cumárico e cafeico, ou advindos do processo fermentativo como o ácido pirúvico, lático, succínico, acético, citramálico, oxaloacético e fumárico. Esses ácidos desempenham inúmeras funções nos vinhos, sendo uma das principais o balanceamento do gosto doce através dos gostos ácido e amargo. A equação que descreve esse balanceamento foi proposta por Ribéreau-Gayon e colaboradores (2006) e explica o conceito dos três tipos de acidez que ocorrem no vinho e, adicionalmente, o motivo pelo qual os vinhos brancos apresentam maior acidez em relação aos vinhos tintos: 30 Assim, vinhos brancos apresentam menor quantidade de compostos fenólicos em relação aos vinhos tintos, sendo necessária maior acidez para manter o equilíbrio da bebida no que se refere ao gosto doce. Tal premissa é válida para os vinhos tintos que apresentam menor acidez devido a maior quantidade de compostos fenólicos, sempre com o objetivo de manter o equilíbrio do gosto doce determinado pelos açúcares redutores e teor alcoólico, sendo ambas determinações preconizadas e limitadas por instruções legislativas (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). A acidez do vinho é dividida em acidez total, acidez volátil e acidez fixa. Os ácidos orgânicos não voláteis, ou fixos, são responsáveis pelo controle do pH do vinho, variando de 3,1 a 3,4 em vinhos brancos e 3,4 a 3,6 em vinhos tintos. Uma das funções do pH é a manutenção da cor dos vinhos, visto que à medida que o pH do vinho aumenta, as antocianinas perdem sua coloração avermelhada, tornando-se azuladas (JACKSON, 2008). O ácido tartárico, majoritário na uva, não modifica seu teor à medida que a uva amadurece, sendo o ácido málico o indicativo da vindima, já que decresce ao longo do período de maturação da uva. O ácido succínico é praticamente estável nos vinhos e o ácido lático é produto da reação de descarboxilação característica da fermentação malolática, na qual bactérias ácido-láticas descarboxilam o ácido málico (dicarboxílico) diretamente em ácido lático (monocarboxílico), promovendo maior maciez ao vinho (JACKSON, 2008). Há certa discussão por parte de certos cientistas quanto ao comportamento de diferentes ácidos no mosto e no vinho, já que são dois diferentes meios, sendo o mosto um meio aquoso e o vinho um meio alcoólico diluído. O ácido tartárico é um exemplo clássico dessa máxima, pois apresenta- se majoritariamente na forma livre no mosto e, após a estabilização tartárica, complexa-se formando sais de bitartarato de potássio, reduzindo de forma considerável a acidez total do vinho (JACKSON, 2008). De uma forma geral, a contribuição de cada ácido para a acidez total do vinho se dá pela força que, por 31 sua vez, caracteriza o grau de dissociação desse ácido e seu potencial para a formação de diversos sais (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). O baixo teor de acidez volátil indica a sanidade do vinho e esse fato está diretamente ligado às características sensoriais, pois há produção de ácido acético durante o processo fermentativo. Além do processo de fermentação alcoólica, a fermentação malolática também produz certa quantidade de ácido acético devido à clivagem da molécula de ácido cítrico pela ação das bactérias ácido-láticas. Além disso, a alta acidez volátil pode ser ocasionada pela ação de bactérias láticas anaeróbias através da lise de moléculas de açúcares redutores, ácido tartárico e glicerol. Outra reação, mais comum, é a oxidação do etanol em ácido acético por bactérias acéticas aeróbias (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006; ZOECKLEIN, et al., 1994; AMERINE; BERG; CRUESS, 1967). 2.2.2. Teor alcoólico e compostos voláteis O etanol, depois da água, é o componente majoritário do vinho e, basicamente, é produto direto da reação de fermentação alcoólica dos açúcares existentes no mosto pela ação de leveduras. Aproximadamente 18 g/L de açúcar são necessários para a produção de 1% v/v de etanol durante a fermentação alcoólica. Mostos de uvas que apresentem teores de açúcares em torno de 180, 226 e 288 g/L produzirão vinhos com teores alcoólicos em torno de 10, 12,6 e 16% v/v, sendo 16% o teor máximo de etanol que as leveduras de vinho suportam (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). O etanol representa 99,5% do álcool contido no vinho, sendo 0,5% distribuído entre metanol e álcoois superiores como glicerol, álcool isobutílico e isoamílico (JACKSON, 2008). A afinidade do etanol pela água e sua solubilidade, através das ligações de hidrogênio que podem ser formadas, fazem dessa substância um poderoso agente desidratante. Essa propriedade é útil em complexar proteínas e polissacarídeos e, ainda, promove ação desinfetante no vinho que, juntamente com a acidez, possibilita o envelhecimento da bebida por anos sem haver qualquer tipo de contaminação. Além disso, o etanol atua como solvente para a extração de pigmentos, taninos e compostos voláteis, sendo importante para a estabilidade, envelhecimento e aperfeiçoamento sensorial do vinho (JACKSON, 2008). 32 O álcool metílico ou metanol não é produzido pela reação de fermentação alcoólica, mas pela hidrólise enzimática dos grupos metila das pectinas através da seguinte reação simplificada: A quantidade de metanol produzida está diretamente relacionada à quantidade de pectina existente nas películas das uvas, sendo as híbridas as que apresentam maior quantidade de pectina. O uso de enzimas pectinolíticas com o objetivo de otimizar o rendimento do processo de vinificação e facilitar o processo de clarificação do vinho pode influenciar no aumento da produção de metanol, devido à desestruturação da molécula de pectina frente à ação da enzima pectinolítica (JACKSON, 2008). Além disso, a maceração acentuada e prolongada das cascas também pode influenciar no aumento da produção desse álcool de elevada toxicidade (RIZZON; ZANUS; MANFREDINI, 1994). Dentre os álcoois superiores, os polióis destacam-se por apresentarem várias hidroxilas ligadas à molécula por ligações de hidrogênio que conferem maior ponto de ebulição a essas substâncias e maior viscosidade ao vinho. Dentre os polióis encontrados no vinho, o glicerol é o mais conhecido e o mais abundante na bebida. Outras características importantes vinculadas a essa substância são: a sensação de preenchimento bucal no momento da degustação do vinho, tornando-o mais encorpado e oleoso (NIEUWOUDT et al., 2002) e a otimização da sensação do gosto doce, devido ao glicerol apresentar gosto doce acentuado (NOBLE; BURSICK, 1984; LUBBERS et al., 2001; HATZAKIS; ARCHAVLIS; DAIS, 2007). Outros álcoois superiores apresentam grande importância para o sabor e o aroma do vinho como os álcoois com 4 carbonos na cadeia (C4): 2,3-butanodiol e o eritritol que apresentam estado de equilíbrio químico com a acetoína e o diacetil, responsáveis pelo odor de leite e manteiga, respectivamente. Álcoois com mais de 4 carbonos apresentam influência sensorial desconhecida, sendo os principais destaques: arabitol (C5), manitol (C6), sorbitol (C6) e mesoinositol (C6) (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). Dentre os compostos voláteis mais importantes no vinho, além dos álcoois, listam-se os ácidos graxos de cadeia curta e longa e os ésteres. Os ácidos que compõem o vinho variam desde o ácido fórmico (H-COOH) e o ácido acético (CH3-COOH) até os ácidos de cadeia longa como o ácido caprílico (CH3- 33 (CH2)6-COOH) e o ácido pelargônico (CH3-(CH2)7-COOH). Traços de ácidos graxos de cadeia insaturada são encontrados nos vinhos, sendo os principais representantes o ácido oleico (C18 com única instauração) e o linoleico (C18 com dupla instauração), ambos encontrados na pruína – cera impermeável que recobre a baga da uva (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). Os ésteres são formados pela reação entre uma função álcool e uma função ácido com a eliminação de uma molécula de água, caracterizando a reação de esterificação. Devido ao grande número de álcoois e ácidos nos vinhos, a quantidade de ésteres presentes na bebida é muito elevada, sendo o acetato de etila um dos mais comuns e pesquisados. O antranilato de metila é o éster característico de uvas da espécie Vitis labrusca e é responsável pelo sabor e aroma foxado típico dos vinhos de mesa (JACKSON, 2008). De uma forma geral, os ésteres possuem duas origens: esterificação enzimática durante o processo de fermentação e esterificação química durante o processo de envelhecimento do vinho (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). Outros compostos em menor quantidade como aldeídos, acetais e lactonas fazem parte da composição do vinho; no entanto, não contribuem de forma efetiva para o perfil sensorial da bebida. 2.2.3. Açúcares Os açúcares são normalmente conhecidos como carboidratos e consistem em moléculas polifuncionais, participando de inúmeras reações químicas, bioquímicas e metabólicas. Os carboidratos são os precursores dos ácidos orgânicos, sendo a glicose precursora do ácido cítrico, málico e succínico via glicólise aeróbia. Além disso, os açúcares são precursores dos compostos fenólicos e até mesmo de alguns aminoácidos de cadeia aromática como a tirosina, fenilalanina e o triptofano (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). Durante a fermentação alcoólica, os açúcares fermentescíveis glicose e frutose são metabolizados gerando etanol e outros bioprodutos. Outros açúcares chamados de redutores apresentam em sua estrutura uma função aldeído ou cetona que os tornam incapazes de serem fermentados diretamente pelas leveduras. Geralmente, esses açúcares são pentoses como arabinose, ramnose e xilose (JACKSON, 2008). 34 Um exemplo clássico de açúcar encontrado nas uvas é a sacarose que se apresenta nas folhas dos vinhedos e é hidrolisada no momento de sua transferência para a baga da uva, formando os açúcares essenciais para a fermentação: glicose e frutose. Essa reação de hidrólise pode ser química ou enzimática (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006; ZOECKLEIN et al., 1994). Dentre os dissacarídeos mais encontrados nas uvas e nos vinhos destacam-se os redutores melibiose (galactose+glicose), maltose (glicose+glicose) e lactose (glicose+galactose), e os não redutores rafinose (frutose+melibiose), trealose (glicose+glicose) e sacarose (frutose+glicose). Todos apresentam-se em pequenas quantidades nos vinhos, sendo a sacarose a principal representante (JACKSON, 2008). O açúcar encontra-se distribuído de forma desigual na baga da uva, sendo a zona mais próxima à casca a que contém maior quantidade de açúcar, cuja presença é menor à medida que se aproxima do centro da baga. A quantidade de açúcar da uva depende de vários fatores como variedade, maturidade e sanidade da fruta. Espécies como Vitis vinifera atingem teores de açúcar em torno de 20% ou mais em seu ponto ótimo de maturação. Uvas da espécie Vitis labrusca raramente atingem esse nível de concentração de açúcar para a fermentação, sendo necessária a adição de sacarose ao mosto, ou chaptalização, para atingir o teor alcoólico preconizado pela legislação (JACKSON, 2008). Os açúcares podem acarretar severas mudanças nos vinhos, principalmente no que se refere à coloração e à volatilização de compostos aromáticos. A reação de Maillard pode ocorrer entre um açúcar redutor e um grupo amino proveniente de aminoácidos e proteínas. O grupo amino age como um catalisador induzindo a desidratação do açúcar redutor e promovendo a formação de compostos altamente reativos. Esses compostos podem sofrer ciclização e formar substâncias odoríferas como os furfuraldeídos. Reações de condensação e polimerização subsequentes com outros compostos nucleofílicos direcionam a formação de pigmentos marrons ao vinho. Metais podem agir como catalisadores da reação de Maillard, sendo o ferro o mais importante deles (JACKSON, 2008). Além disso, Sorrentino et al. (1986) mostraram que a concentração de açúcares pode aumentar a volatilização de compostos 35 aromáticos nos vinhos secos, sendo que a relevância dos açúcares em vinhos tintos de mesa suave é, ainda, desconhecida. 2.2.4. Compostos fenólicos Os compostos fenólicos afetam a aparência, o sabor, a textura, o aroma e as propriedades antimicrobianas dos vinhos. Esses compostos, no vinho, são originários da uva, sendo também retirados das barricas de carvalho no processo de envelhecimento, sendo raramente advindos do metabolismo das leveduras (JACKSON, 2008). São compostos que conferem cor aos produtos derivados da uva como os vinhos e sucos. O perfil fenólico depende de vários fatores como a espécie e a variedade da uva, local da vindima, sistema de cultura, clima, solo e o método de extração desses compostos. Além desses fatores, o perfil fenólico também é influenciado por reações químicas e enzimáticas que ocorrem ao longo do processo de vinificação, assim como na etapa de envelhecimento do vinho (CHEYNIER; FULCRAND, 2000; GARRIDO; BORGES, 2013). Os compostos fenólicos são divididos, basicamente, em dois grandes grupos: a. Flavonoides: encontrados principalmente nas películas e sementes das uvas e raramente na polpa. São destaques desse grupo as antocianinas, flavonóis e flavan-3-óis. b. Não flavonoides: encontrados na polpa da uva e esse grupo é formado pelos ácidos fenólicos, sendo o cinâmico e benzoico os mais importantes, além dos estilbenos como o resveratrol, encontrado na película. 2.2.4.1. Flavonoides Os flavonoides são caracterizados por uma estrutura C6-C3-C6, ou seja, dois anéis fenólicos ligados por um pirano central contendo oxigênio em sua estrutura (JACKSON, 2008). De acordo com o estado de oxidação do anel C, o flavonoide pode se apresentar como 2-fenil-benzopirano (Figura 1A) ou 2-fenil- benzopirona (Figura 1B) (ANDERSEN; MARKHAM, 2010). 36 Figura 1. Estrutura básica de um flavonoide. 2.2.4.1.1. Antocianinas As antocianinas são denominadas de formas diferenciadas de acordo com os substituintes que compõem a molécula de aglicona (antocianidina), constituída de dois anéis fenólicos A e B e um anel pirano heterocíclico (C). A Tabela 2 mostra as possíveis antocianinas encontradas nas uvas e nos vinhos de acordo com seus respectivos substituintes (HARBORNE; WILLIAMS, 1995; LAGO-VANZELA et al., 2014a). Tabela 2. Antocianidinas mais comuns nas uvas. Estrutura básica da aglicona Antocianidina Grupos substituintes Pelargonidina R1 = R2 = H Cianidina R1 = OH; R2 = H Peonidina R1 = OCH3; R2 = H Delfinidina R1 = R2 = OH Petunidina R1 = OH; R2 = OCH3 Malvidina R1 = OCH3; R2 = OCH3 O cátion flavilium apresenta certa instabilidade eletrônica e devido a sua elevada reatividade, apresenta-se ligado a uma ou duas moléculas de açúcar, sendo eles: glicose, arabinose, ramnose ou galactose, através de ligações hemiacetais. O número de ligações que o açúcar pode ocupar na estrutura da antocianidina classifica a antocianina em mono, di ou triglicosídica, sendo a glicose o principal açúcar ligante. Esses açúcares estabilizam a molécula da 37 antocianidina e se ligam nas posições 3 e 5 da estrutura. Os açúcares também podem se esterificar com ácidos orgânicos que geralmente estão ligados no carbono 6 da molécula do açúcar (BROUILLARD, 1982; MAZZA; MINIATI, 1993). Essas diferenciações nas estruturas das antocianinas e os diferentes arranjos que podem ser encontrados influenciam sobremaneira na absorção da cor dos vinhos no espectro visível. 2.2.4.1.2. Piranoantocianinas As piranoantocianinas são substâncias encontradas nos vinhos tintos e são formadas durante a fermentação alcoólica e ao longo da estabilização do vinho. A reação de formação desses compostos envolve uma antocianina e um composto químico contendo uma dupla ligação polarizável (precursor) que reage resultando em um novo anel pirano que se liga à estrutura da antocianina (RENTZSCH; SCWARZ; WINTERHALTER, 2007) (Figura 2, anel D). As primeiras piranoantocianinas reportadas em artigos científicos foram as derivadas de metabólitos de leveduras como a vitisina A (derivada do ácido pirúvico) e a vitisina B (derivada do acetaldeído), mas a lista de possíveis reagentes tem aumentado drasticamente, incluindo compostos fenólicos e não fenólicos. Em alguns estudos recentes, algumas piranoantocianinas com estruturas simples como as do tipo vitisina A ou 10-carboxipiranoantocianinas e 10- metilpiranoantocianinas, tem sido identificadas como o ponto de partida para a formação de compostos complexos (MATEUS et al., 2003; MATEUS et al., 2004; OLIVEIRA et al., 2010) ou a transformação desses compostos em outros tipos de pigmentos não avermelhados, principalmente de pigmentação alaranjado- telha (HE et al., 2011). 38 Figura 2. Estrutura das diferentes piranoantocianinas. Fonte: Blanco-Vega et al. (2011). As piranoantocianinas podem ser classificadas em dois grandes grupos de acordo com a sua estrutura: as que apresentam um substituinte não fenólico no carbono 10 do anel D, chamadas de piranoantocianinas do tipo vitisina, derivadas de reações entre os metabólitos das leveduras (acetaldeído, ácido pirúvico, ácido acetoacético e diacetil) e antocianinas; e as que apresentam um radical hidroxifenil ligado ao carbono 10 do anel D, chamadas de hidroxifenil- piranoantocianinas, formadas pela reação entre antocianinas e ácidos hidroxicinâmicos como p-cumárico, cafeico, ferúlico e sinápico, por exemplo. As piranoantocianinas são formadas por reação acoplada entre os compostos mencionados acima (antocianinas, metabólitos de leveduras ou ácidos hidroxicinâmicos) e as antocianinas via carbono C-4 e a hidroxila substituinte na posição C-5, formando um anel pirano nessa posição. Esse anel pirano pode apresentar em sua estrutura um radical não fenólico ou fenólico e 39 isso depende do tipo de composto que reage com a antocianina. Já que a reação envolve o carbono C-5 do anel A e as principais antocianinas encontradas nos vinhos elaborados por uvas americanas são diglicosiladas (3,5-diglicosídeos), as reações de formação dos pigmentos do tipo vitisina A, B e hidroxifenil- piranoantocianinas são bloqueadas pelo fato de a posição C-5 já estar ocupada por um radical glicose. Desse modo, não é comum encontrar conteúdos relevantes de piranoantocianinas em vinhos elaborados por uvas americanas, sendo que esse conteúdo é superior em vinhos elaborados por uvas viníferas, pois esses apresentam, em sua composição, grande maioria de antocianinas monoglicosiladas (3-glc) (BLANCO-VEGA et al., 2011). 2.2.4.1.3. Flavonóis Apresentam a mesma estrutura básica da antocianidina, diferenciando-se apenas pela presença de um grupo carbonila no anel C. Os flavonóis apresentam-se nas uvas sob seis diferentes formas (Tabela 3) (CASTILLO- MUÑOZ et al., 2007; MATTIVI et al., 2006; LAGO-VANZELA et al., 2014a). Tabela 3. Estrutura dos flavonóis nas uvas. Estrutura básica da aglicona Flavonol aglicona Grupos substituintes Caempferol R1 = R2 = H Quercetina R1 = OH; R2 = H Isoramnetina R1 = OCH3; R2 = H Miricetina R1 = R2 = OH Laricitrina R1 = OCH3; R2 = OH Siringetina R1 = R2 = OCH3 A produção dos flavonóis é induzida de acordo com a incidência de luz nas uvas durante o cultivo. Isso explica a diferente quantidade de flavonóis em uma mesma variedade de uva, cultivada e colhida no mesmo período (PRICE et al., 1995). São encontrados nas uvas sob a forma de 3-glicosídeo e influenciam de forma considerável na coloração dos vinhos, de forma menos importante que 40 as antocianinas, mas participam de fenômenos de copigmentação e, adicionalmente, participam de forma efetiva como agentes antioxidantes (BOULTON, 2001; SCHWARZ et al., 2005; BURDA; OLESZEK, 2001). 2.2.4.1.4. Flavan-3-óis Encontrados em larga escala nas sementes e nos engaços das uvas, apresentam como sua unidade fundamental o 2-fenil-benzopirano (Figura 1A). Catequina e epicatequina são os mais abundantes nas uvas e nos vinhos e podem apresentar-se esterificados com ácido gálico (C7H6O5). Contribuem significativamente para o sabor e a adstringência dos vinhos (LAGO-VANZELA et al., 2013; LESSCHAEVE; NOBLE, 2005). A Tabela 4 mostra os principais representantes dos flavan-3-óis. Tabela 4. Exemplos dos principais flavan-3-óis encontrados nas uvas. Estrutura básica da aglicona Flavan-3-ol aglicona Grupos substituintes Catequina R = H; R1 = OH; R2 = H Epicatequina R = H; R1 = H; R2 = OH Epicatequina-3- galato R = H; R1 = H; R2 = O-galoil Galocatequina R = OH; R1 = OH; R2 = H Epigalocatequina R = OH; R1 = H; R2 = OH Galocatequina-3- galato R = OH; R1 = H; R2 = O-galoil Epigalocatequina- 3-galato R = OH; R1 = O-galoil; R2 = H A associação de unidades de catequina e epicatequina formam compostos chamados de proantocianidinas ou taninos condensados. Essa associação pode ser entre duas, três, quatro/cinco ou mais de cinco estruturas, formando dímeros, trímeros, oligômeros ou polímeros, respectivamente (TERRIER; PONCET-LEGRAND; CHEYNIER, 2009). As possíveis ligações entre esses compostos e suas diferentes configurações influenciam de forma significativa na coloração dos vinhos tintos, no amargor e na adstringência (BATE-SMITH, 1973), sendo essa caracterizada pela interação entre as 41 proteínas salivares e os flavan-3-óis, promovendo a desestruturação dessas proteínas, reduzindo a lubrificação que causa a sensação de constrição do palato (MCRAE; KENNEDY, 2011). 2.2.4.2. Não flavonoides As principais substâncias pertencentes a esse grupo são os ácidos fenólicos, hidroxibenzoico e hidroxicinâmico, em suas formas livres ou esterificadas e os estilbenos. 2.2.4.2.1. Ácidos fenólicos São encontrados na película e nas sementes das uvas, destacando o ácido gálico e seus ésteres (galatos) para a classe de hidroxibenzoicos, e os ácidos cumárico, cafeico, ferúlico e sinápico para a classe dos hidroxicinâmicos (DE BEER et al., 2002; JACKSON, 2008). A Tabela 5 mostra os ácidos fenólicos com seus respectivos substituintes. Tabela 5. Ácidos fenólicos encontrados nas uvas. Componentes Substituintes A) Ácido hidroxibenzoico (C6-C1) R1 R2 R3 Gálico OH OH OH B) Ácido hidroxicinâmico (C6-C3) R1 R2 R3 Cumárico H OH H Cafeico OH OH H Ferúlico O-CH3 OH H Sinápico O-CH3 OH O-CH3 42 Tais compostos não conferem mudanças significativas no sabor ou na qualidade do vinho, no entanto, eles podem sofrer diversas reações químicas que, em conjunto com os produtos do processo de metabolismo dos açúcares pelas leveduras no processo fermentativo, podem acarretar a formação de compostos que conferem aroma desagradável ao vinho como o aroma de animal ou couro. Além disso, os ácidos fenólicos e seus derivados podem se ligar às antocianinas produzindo piranoantocianinas. A síntese dessa substância está ligada à evolução da cor do vinho tinto no envelhecimento, deixando de ser avermelhado-violeta, tornando-o alaranjado-telha (RENTZSCH et al., 2010). 2.2.4.2.2. Estilbenos Os estilbenos apresentam estrutura molecular composta de dois anéis benzênicos separados por uma ligação com dois carbonos (Figura 3). Essas substâncias são sintetizadas nas películas, sementes e raízes das uvas sob condições de estresse da videira como contaminação microbiana, danos mecânicos e, principalmente, incidência de radiação ultravioleta (BRAVO, 1996). Dentre os principais compostos da classe dos estilbenos, destacam-se o resveratrol (trans-3,5,4’-trihidroxiestilbeno), o piceido (trans-3,5,4’- trihidroxiestilbeno-3-O-β-D-glucosídeo) e a astringina (trans-3,3’,5,4’- tetrahidroxiestilbeno-3-O-β-D-glucosídeo). O resveratrol existe naturalmente na sua forma trans, podendo ser transformado para sua forma cis com incidência de raios ultravioleta. Estudos tem sido realizados a fim de avaliar a biofuncionalidade do resveratrol e de seus isômeros no que se refere à atividade antioxidante e a sua capacidade de prevenir doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer (DE LA LASTRA; VILLEGAS, 2007; BAUR; SINCLAIR, 2006). 43 Figura 3. Estrutura do resveratrol na sua forma cis e trans (natural). 2.2.5. Extrato seco, minerais e matérias pécticas O extrato seco é o resíduo resultante do processo de evaporação do vinho e está relacionado aos compostos que são responsáveis pelo corpo e estrutura da bebida. Estudos mostraram a influência de diversas propriedades físico- químicas no extrato seco de vinhos e, consequentemente, na sensação de textura proporcionada pelo corpo da bebida. Yanniotis et al. (2007) mostraram que o teor alcoólico e o teor de açúcares redutores podem influenciar sobremaneira no corpo do vinho e, além disso, podem interferir na densidade da bebida. Teor alcoólico, teor de açúcares redutores e até mesmo a quantidade de compostos fenólicos podem influenciar positiva ou negativamente o corpo do vinho, acarretando mudanças na sua densidade e no extrato seco (DE CASTILHOS et al., 2013). De acordo com Zoecklein et al. (1994), vinhos com valores de extrato seco entre 20 e 30 g/L podem ser considerados leves ou não encorpados ao paladar, no entanto, vinhos com extrato seco superior a 30 g/L são considerados encorpados. Processos pré-vinificação como a maceração carbônica e o elevado tempo de maceração do vinho podem influenciar no maior ou menor corpo, acarretando melhora da textura final do vinho (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). Com relação aos minerais é possível encontrar potássio em variedades cultivadas em climas quentes, sulfatos decorrente da aplicação de fungicidas no controle de doenças das videiras, cálcio em vinhos armazenados em tanques de cimento, cloro e sódio provenientes do uso de colunas de troca iônica, cobre e 44 ferro provenientes do contato do vinho com materiais corroídos e alumínio pela utilização de bentonite como agente clarificante. Esses minerais podem interferir sensorialmente, visto que quantidades elevadas de cobre e ferro podem proporcionar sabor adstringente ao vinho e concentrações elevadas de sulfato podem gerar um leve gosto amargo (JACKSON, 2008). Além dos minerais, matérias pécticas podem ser encontradas no mosto, e sua quantidade é direcionada pelo estágio de maturação da uva. Assim, vinhos obtidos de uvas maduras são suaves e fluidos, enquanto os vinhos procedentes de vindimas pouco maduras são ásperos e difíceis de beber (CATALUÑA, 1988). Geralmente, substâncias cristalizadas (coaguladas) como proteínas, gomas e pectina podem ser responsáveis pela turbidez do vinho, influenciando negativamente na sua qualidade visual (SOUSA, 2000). Diante desse contexto, várias propriedades físico-químicas podem se modificar ao longo do processo de vinificação e tais propriedades são diretamente relacionadas a todas as etapas do processo que, dependendo das condições, produz um vinho com características sensoriais singulares e de qualidade. Assim, faz-se necessário o conhecimento sobre as etapas do processo de vinificação em tinto e suas variações, a fim de esclarecer as possíveis influências no processo tanto em relação às propriedades físico- químicas como nas alterações sensoriais. 2.3. O processo de vinificação tradicional O processo de vinificação em tinto engloba inúmeras etapas e caracteriza- se por um procedimento complexo do ponto de vista tecnológico, pois muitas etapas, em determinados momentos, ocorrem de forma simultânea. É importante ressaltar que o processo aplicado para a elaboração do vinho tinto varia de acordo com alguns fatores como a região de elaboração, o estado sanitário da uva e até mesmo as características das próprias vinícolas. O processo tradicional de vinificação consiste em desengaçar as uvas e esmagá-las com a finalidade de liberar o mosto fermentativo que, por sua vez, é alocado em um reator fermentativo com a presença das partes sólidas a fim de se iniciar o processo de fermentação alcoólica (Figura 4). 45 Figura 4. Processo de vinificação em tinto tradicional. Fonte: Jackson (2008); Ribéreau-Gayon et al. (2006). A presença ou a ausência das partes sólidas dependerá da escolha do vinicultor em produzir vinhos tintos ou brancos, respectivamente, já que a coloração típica dos vinhos tintos é determinada pela presença das antocianinas que são encontradas nas películas das uvas. A mistura (mosto + bagaço) é tratada com metabissulfito de potássio a fim de evitar possíveis contaminações microbianas oportunistas, já que os compostos sulfurados apresentam funções antioxidantes. A fermentação alcoólica pode ser induzida pela incorporação de leveduras Saccharomyces cerevisiae ou preparados que contenham misturas de leveduras, ou o processo fermentativo pode ocorrer de forma espontânea pela ação das leveduras existentes na pruína, cera impermeável que recobre a baga da uva. Alguns autores mostram que a quantidade de levedura inoculada depende da uva a ser vinificada, do processo de vinificação empregado, mas fixa-se a quantidade de 20 g por hL de mosto como o padrão (BINDON et al., 2014; FAVRE et al., 2014; LEE et al., 2006). Mesmo assim, alguns autores utilizam quantidades diferenciadas de levedura, variando de 10 g/hL (CAILLÉ et al., 2010) a 25 g/hL (BORAZAN; BOZAN, 2013). Outras leveduras, além do gênero Saccharomyces, participam do processo fermentativo, dentre elas as leveduras 46 do gênero Hanseniaspora, Hansenula, Kluyveromyces e Pichia (KREGGER- VAN RIJ, 1984). Entretanto, a Saccharomyces é a mais estudada por apresentar propriedades de osmotolerância, relativa insensibilidade a alta acidez e a baixas concentrações de oxigênio. Após os primeiros dias da fermentação alcoólica, o vinho aumenta o seu conteúdo de etanol devido à conversão dos açúcares em etanol e anidrido carbônico pelas leveduras existentes no meio de acordo com a equação 1, promovendo a diminuição da densidade do mosto fermentativo. (1) Enólogos preferem dividir a fermentação alcoólica em duas fases: a fase tumultuosa (duração aproximada de 3 dias), caracterizada por apresentar elevada produção de álcool etílico devido à grande atividade das leveduras contidas no meio, pelo grande desprendimento de anidrido carbônico e pela elevação da temperatura; e a fase lenta (duração aproximada de 4 a 6 dias). Devido ao grande desprendimento de CO2, a parte sólida tende a se fixar na parte superior do reator fermentativo, limitando a área de contato entre o bagaço e o mosto. Desse modo, faz-se necessária a prática da remontagem, a fim de otimizar o processo de extração dos pigmentos contidos nas cascas das uvas e o aumento da atividade das leveduras contidas no meio (ROSIER, 1993; AMARANTE, 1983). Com a diminuição gradativa do substrato e o efeito killer do etanol sobre as leveduras, a fermentação alcoólica perde o seu ritmo e passa da fase tumultuosa para a fase lenta. Tal fase é caracterizada pela diminuição do desprendimento de CO2 e da temperatura. O final da fermentação alcoólica é determinado pelo monitoramento da temperatura que deve se apresentar na faixa de 22 a 25 ºC e da densidade entre os valores de 0,995 e 1,005 g/cm3, partindo-se de uma densidade inicial de aproximadamente 1,085 g/cm3 (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006; ROSIER, 1993). O período no qual a parte sólida permanece em contato com o mosto é chamado de maceração. Essa etapa ocorre de forma simultânea à fermentação alcoólica e caracteriza-se pela diluição seletiva e a difusão de compostos da 47 película e semente para o mosto. É a etapa que o mosto incorpora, por contato, todos os componentes retidos na casca. Na maceração são extraídos os componentes da cor, basicamente formados pelos compostos fenólicos (RIZZON; MANFROI, 2006). A maceração promove maior extração dos componentes das películas e das sementes, o que acarreta maior extração de taninos (pigmentos complexados), não afetando de forma significativa a quantidade de antocianinas extraída (SACCHI; BISSON; ADAMS, 2005). A maceração é uma etapa que pode apresentar grandes variações, pois o tempo de contato do bagaço com o mosto acarreta diferentes respostas químicas e sensoriais no vinho resultante. Esse tempo é determinado de acordo com as características sensoriais almejadas pela vinícola, pois quanto maior o tempo de maceração, maior será a extração dos compostos fenólicos e, por isso, as características de cor e as sensações bucais serão mais marcantes. Nesse contexto, a maceração torna- se fundamental na caracterização dos vinhos de várias vinícolas. De uma forma geral, para vinhos de uvas americanas, o tempo de maceração empregada varia de 3 a 5 dias (RIZZON; ZANUS; MANFREDINI, 1994), tempo suficiente para possibilitar a extração de antocianinas e de taninos a níveis que não influenciem de forma negativa nos atributos sensoriais do vinho de mesa. Estudos mostram que o tempo de maceração na vinificação em tinto pode variar 4 a 5 dias (GÓMEZ-PLAZA et al., 2001) até tempos superiores a 40 dias (KUDO; SODEYAMA, 2002; BECKETT, 2008). Próximo à finalização da fermentação alcoólica, o vinho é separado da parte sólida pela etapa de descuba e o sólido remanescente é prensado, promovendo a liberação de cerca de 10 a 15% de vinho que ainda permaneceu aderido ao bagaço. Geralmente, são realizadas três trasfegas durante o processo de transformação da uva em vinho e essas trasfegas tem por objetivo separar compostos que promovem turbidez ao vinho como sólidos suspensos resultantes da prensagem e da fermentação alcoólica. A primeira trasfega ocorre após a estabilização fenólica e proteica do vinho que, por sua vez, é realizada por preparados proteicos e por materiais adsorventes como a bentonite, respectivamente. A segunda trasfega é realizada após a segunda fermentação, conhecida como fermentação malolática e a terceira é realizada após a estabilização tartárica. Após a primeira trasfega, o vinho sofre a fermentação 48 malolática, induzida ou não, pela ação de bactérias ácido-láticas Oenococcus oeni que promovem a descarboxilação do ácido málico em ácido lático com liberação de anidrido carbônico (Equação 2). (2) Métodos de cromatografia planar são realizados com o objetivo de acompanhar a finalização da fermentação malolática (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). No âmbito das alterações sensoriais, há diversas discussões acerca da influência do processo de descarboxilação na produção de diversos compostos que podem influenciar de forma negativa no aroma e no sabor dos vinhos. Um desses compostos é o diacetil, sintetizado no final da fermentação malolática e que, em concentrações entre 1 e 4 mg/L, pode promover aroma de manteiga ou castanhas ao vinho (JACKSON, 2008). Além disso, outros compostos podem ser sintetizados como acetaldeído, acetoína, 2-butanol, acetato de etila, 1-hexanol e ácido acético, sendo esse último associado ao metabolismo do ácido cítrico. Nesse contexto, a formação desses compostos está interligada aos tipos de linhagens bacterianas envolvidas no processo de transformação do ácido málico em lático, sendo passível de intensas discussões científicas (JACKSON, 2008). Após o término da fermentação malolática, os vinhos são submetidos a um ambiente de refrigeração que possibilita, por mecanismos físicos, a complexação de sais de bitartarato de potássio, reduzindo a acidez total do vinho resultante (Equação 3). (3) 49 Recomenda-se que o vinho permaneça sob refrigeração na temperatura perto do seu ponto de congelamento. Usualmente, utiliza-se a temperatura de - 5 ºC durante durante 5 dias (JACKSON, 2008). Esse tempo pode variar e depende das condições de acidez inicial do vinho, bem como o objetivo a ser alcançado, ou seja, com maior ou menor acidez. Empiricamente, Perin (1977) demonstrou que a temperatura adequada do frio a ser empregado para otimizar o processo de estabilização tartárica está vinculada ao teor alcoólico (Equação 4). 𝑇𝑒𝑚𝑝𝑒𝑟𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎 (−℃) = % á𝑙𝑐𝑜𝑜𝑙 2 − 1 (4) Essa relação é usualmente empregada na maioria das vinícolas brasileiras como um norteador da temperatura a ser empregada no frio para otimizar a formação dos sais de bitartarato de potássio, no entanto, carecem estudos sobre o efeito da estabilização tartárica nas propriedades físico- químicas e sensoriais dos vinhos, visto que tais efeitos são dependentes da temperatura utilizada, do tempo de exposição dos vinhos ao frio e, provavelmente, da uva e do processo de vinificação empregado. Após a estabilização tartárica, o vinho é trasfegado e pode ser estabilizado em garrafas (DE CASTILHOS et al., 2015a,b). Etapas adicionais podem ser realizadas ao processo tradicional de vinificação de uvas americanas e híbridas, como a chaptalização, por exemplo, praticada de forma usual em vinícolas brasileiras. A chaptalização consiste na adição direta de sacarose ao mosto fermentativo com o objetivo de corrigir o teor alcoólico do vinho resultante, devido ao insuficiente teor de açúcares fermentescíveis das uvas no momento inicial da vinificação (CHAPTAL, 1981). Teoricamente, são necessários cerca de 18 g/L de açúcares fermentescíveis na uva para se obter 1,0% v/v de etanol (JACKSON, 2008; GUERRA, 2010; DE CASTILHOS et al., 2013) e, de acordo com a legislação brasileira, o teor alcoólico dos vinhos deve estar compreendido entre 8,6 e 14,0% v/v (BRASIL, 2004). No entanto, é comum que as uvas americanas e seus híbridos não atinjam o teor necessário de açúcares para se obter vinhos com teor alcoólico em torno de 10% v/v, sendo necessária a prática da chaptalização. Sendo assim, o limite máximo permitido para a correção do teor alcoólico é de 3,0% v/v. 50 Jackson (2008) reportou que a sacarose é rapidamente convertida em quantidades equimolares de glicose e frutose, sendo metabolizadas pelas leveduras no processo fermentativo. Além disso, Ribéreau-Gayon et al. (2006) mostraram que a chaptalização aumenta o corpo do vinho e a extração de compostos polifenólicos através do aumento do teor alcoólico. Guerra (2010) observou que, para a vinificação em tinto, é ideal que a inserção da sacarose seja realizada em duas etapas, sendo a primeira durante a fermentação tumultuosa e a segunda após a descuba. Nesse contexto, a chaptalização ainda é uma prática discutida e questionada por enólogos europeus, devido à falta de informações sobre a sua influência nas demais propriedades físico-químicas e nas características sensoriais, no entanto, é muito empregada por países produtores de vinhos na América Latina, incluindo o Brasil. Outra etapa comumente empregada no processo de vinificação é o corte, também conhecido como blending ou assemblage. Consiste na mistura de dois ou mais vinhos com o objetivo de obter um produto equilibrado e harmonioso (ROSIER, 1993). Inúmeros estudos científicos tem sido realizados com o objetivo de avaliar a influência da prática do corte nas propriedades químicas e sensoriais dos vinhos e, de certa forma, na maioria dos estudos, o uso do corte tanto promove efeitos positivos para o incremento fenólico e volátil dos vinhos, assim como para melhoria sensorial (ESCUDERO-GILETE; GONZÁLEZ-MIRET; HEREDIA, 2010; DOOLEY; THRELFALL; MEULLENET, 2012; MONAGAS et al., 2007). 2.4. Processos alternativos de vinificação 2.4.1. Emprego da temperatura no processo de vinificação A aplicação da temperatura no processo de vinificação tem sido um tema recorrente aplicado por especialistas com o objetivo de melhorar a extração dos compostos fenólicos da uva para o vinho. Além disso, o uso da temperatura demonstrou ser um objeto de estudo a ser explorado com o advento de técnicas instrumentais de alta resolução e sensibilidade como a Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (HPLC) acoplada à Espectrometria de Massas (MS) e a 51 Ressonância Magnética Nuclear (NMR). Essas ferramentas analíticas permitiram a análise de compostos minoritários existentes nos vinhos, principalmente os compostos fenólicos que são responsáveis por determinar características sensoriais como cor e adstringência e, também, por proporcionar ao vinho elevada capacidade antioxidante. A aplicação de altas temperaturas no processo de vinificação tem resultado na degradação de alguns compostos químicos de elevada instabilidade como as antocianinas e, ao mesmo tempo, tem promovido o aumento da extração de outros compostos como os flavan-3-óis. O uso de altas temperaturas também proporcionou a vantagem de reduzir a população de microrganismos e inibir a ação de enzimas indesejáveis ao processo como a polifenoloxidase (PPO) e a lacase (ANDRADE NEVES; PANTOJA; DOS SANTOS, 2014). Como exemplo do uso da temperatura é possível destacar a termovinificação e a desidratação das uvas pré-vinificação (ou pré-secagem das uvas), sendo esse processo considerado um procedimento pré-fermentativo que pode aumentar a extração dos compostos fenólicos da uva para o vinho. Em contrapartida, tratamentos como a maceração a frio também apresentam sua importância no que se refere a aplicação de baixas temperaturas na etapa de maceração. 2.4.1.1. Termovinificação Ao longo do processo tradicional de vinificação, cerca de 40% e 20% das antocianinas e dos taninos, respectivamente, são transferidos para o vinho (CERPA-CALDERON; KENNEDY, 2008) e a extração limitada desses compostos é devido à falta de permeabilidade das paredes celulares nas quais esses compostos estão inseridos (PINELO; ARNOUS; MEYER, 2006). Nesse contexto, alguns estudos tem focado na aplicação de métodos para enfraquecer a parede celular das uvas a fim de otimizar a extração fenólica e o uso de altas temperaturas é um dos procedimentos aplicados para se atingir esse objetivo (LÓPEZ et al., 2008; SACCHI; BISSON; ADAMS, 2005). A termovinificação é um processo utilizado como alternativa ao processo tradicional de maceração e consiste em submeter as uvas desengaçadas a uma temperatura de até 70 ºC por um curto período de aproximadamente 30 a 40 52 minutos, seguido de resfriamento até a temperatura ambiente (KELEBEK et al., 2007). O calor irá promover a ruptura das células das paredes celulares das uvas e as antocianinas e os taninos serão facilmente liberados de uma maneira não seletiva para o mosto, juntamente com outros compostos fenólicos presentes na uva (AUW et al., 1996). A termovinificação também evita o efeito da oxidação enzimática por meio da inativação das enzimas através do uso da elevada temperatura (SACCHI; BISSON; ADAMS, 2005) e, adicionalmente pode ser empregado em uvas que apresentam má condição sanitária e baixo potencial de cor, visto que o binômio tempo-temperatura empregado é suficiente para inativar as enzimas oxidativas, porém, não inativa as pectinases, por exemplo, que agem no processo de vinificação melhorando o potencial de cor e processos de clarificação (RIZZON et al., 1999). El Darra et al. (2016) avaliaram a influência da termovinificação nos atributos qualitativos e quantitativos do mosto de uvas tintas durante a fermentação alcoólica. Dentre os atributos avaliados, os autores reportaram resultados acerca do índice total de polifenólicos e características de cor dos vinhos produzidos. Nesse estudo, as uvas foram esmagadas e colocadas em recipientes plásticos, sendo submetidas a câmara termostática a 70 ºC por 30 minutos. Após esse tempo, o mosto foi resfriado a 20 ºC. A fermentação alcoólica foi induzida e a temperatura ao longo do processo fermentativo foi de 30 ºC (Figura 5). Figura 5. Processo de termovinificação de acordo com El Darra et al. (2016). Os autores reportaram que a termovinificação permitiu o aumento de aproximadamente 41% do índice de polifenólicos totais quando os vinhos que 53 foram submetidos a esse tratamento foram comparados à vinificação tradicional. Os autores explicaram que o aumento da extração dos compostos fenólicos pode ser explicado pela ruptura prévia das membranas celulares das películas das uvas pela ação do calor, liberando diferentes compostos fenólicos no mosto fermentativo. A intensidade de cor também apresentou valores elevados para o mosto que foi tratado com altas temperaturas, visto que esses vinhos apresentaram cerca de 62% de intensidade de cor superior aos vinhos submetidos ao processo tradicional (EL DARRA et al., 2016). O mesmo estudo observou a elevada extração de antocianinas e proantocianidinas promovida pela ação da elevada temperatura, no entanto, a diferença da concentração desses compostos mencionados para os vinhos tradicionais não foi significativa. Em contrapartida, a concentração dos flavonóis dos vinhos termovinificados foi significativamente superior aos vinhos tradicionais e esse resultado pode estar vinculado à ruptura das membranas celulares causada pela ação do calor. Nesse contexto, é relevante sugerir que os vinhos termovinificados apresentem elevada atividade antioxidante devido à maior extração de compostos fenólicos, visto que a relação entre tal propriedade e tais compostos já é conhecida (NIXDORF; HERMOSÍN-GUTIÉRREZ, 2010; ATANACKOVIC et al., 2012). Andrade Neves et al. (2014) sugeriram que a termovinificação é um procedimento que possibilita otimizar a extração de compostos fenólicos das películas para o vinho a fim de aumentar a coloração da bebida. No entanto, os autores reportaram que o procedimento empregando elevada temperatura não foi suficiente para a extração dos taninos que se encontravam nas sementes das uvas e a baixa concentração desses compostos trouxe impacto negativo para a maturação dos vinhos elaborados, já que os taninos participam de reações de copigmentação com outros taninos e com antocianinas durante essa etapa. A parte desse resultado negativo, os autores mostraram que o uso da termovinificação pode ser útil para a elaboração de vinhos com elevada aceitação sensorial por consumidores. Outro estudo importante avaliou a influência da termovinificação em uvas do tipo Okuzgozu (BORAZAN; BOZAN, 2013). Nesse estudo, o mosto foi aquecido a 65 ºC por 8 horas antes do início da fermentação alcoólica. Os vinhos elaborados pelo processo de aquecimento do mosto apresentaram elevada 54 concentração de compostos fenólicos, destacando os flavan-3-óis e ácidos fenólicos. A justificativa desse resultado se repete, ou seja, os autores reportaram que o elevado índice de compostos fenólicos foi alcançado pela ruptura das paredes celulares das películas das uvas, otimizando a transferência desses compostos para o vinho durante a maceração. O mesmo estudo detectou e quantificou as antocianinas monoméricas (delfinidina, petunidina, cianidina, peonidina e malvidina) e os autores reportaram que os vinhos submetidos a termovinificação apresentaram maiores concentrações dessas antocianinas quando comparados aos vinhos submetidos ao tratamento controle, atingindo a maior concentração no 5º dia da maceração. Os autores ainda sugeriram que a elevada concentração dos compostos pertencentes à classe dos fenólicos pode ocasionar efeitos de proteção para a saúde do consumidor, visto que a capacidade antioxidante do vinho não está vinculada somente a um composto fenólico ou a uma determinada classe de fenólicos, mas sim à presença de grande variedade desses compostos. Outro importante estudo concernente ao uso da termovinificação demonstrou resultados sobre a influência desse procedimento no perfil volátil de vinhos elaborados com as uvas Carignan e Grenache (GEFFROY et al., 2015). A mistura de mosto e bagaço foi submetida a temperatura de 70 ºC por 3 horas e, além dos autores reportarem o aumento da concentração dos compostos fenólicos, sendo esse resultado já esperado, também reportaram a degradação de compostos voláteis característicos das uvas, isto é, os compostos que são responsáveis pelo aroma varietal dos vinhos, como a -damascenona, -ionona, -citronelol, -cresol, etil vanilato e etil cinamato. Os autores vincularam a degradação desses compostos ao emprego da elevada temperatura. Baseado nesses estudos mencionados, é possível sugerir que a termovinificação é um processo alternativo que promove o aumento da extração de compostos fenólicos devido ao dano irreversível causado nas paredes celulares das películas das uvas. No entanto, deve-se ponderar o uso desse processo alternativo de vinificação, já que alguns estudos reportaram a degradação de alguns compostos fenólicos e, principalmente, de compostos voláteis importantes para denominar as características intrínsecas de vinhos elaborados por determinadas uvas que apresentam suas características varietais. 55 2.4.1.2. Secagem das uvas (pré-secagem) Outro processo de vinificação alternativo que pode ser empregado com o objetivo de otimizar a extração de compostos fenólicos e, por conseguinte, aumentar a estabilidade dos vinhos, é a aplicação da secagem das uvas previamente à fermentação alcoólica (pré-secagem). Esse procedimento utiliza altas temperaturas com o intuito de aumentar o teor de sólidos solúveis das uvas através da evaporação da água. Nesse contexto, as uvas submetidas ao processo de secagem modificam sua coloração ao longo do processo de secagem e, posteriormente, ao longo da fermentação alcoólica, visto que o uso de calor aumenta a probabilidade de ocorrência de reações de escurecimento enzimático e não enzimático (MARQUEZ et al., 2012). Nesse contexto, o escurecimento pode ser resultado da reação de Maillard através de um mecanismo não enzimático que promove a formação de compostos chamados de melanoidinas, derivados da reação entre os grupos carbonila e amino existentes na uva (KIM; LEE, 2008). O processo de secagem pode empregar temperaturas entre 30 e 40 ºC que permitem a ação da polifenoloxidase, causando a formação de compostos resultantes da oxidação enzimática que fornecem coloração marrom para o vinho (MARQUEZ; SERRATOSA; MERIDA, 2013). De uma forma adicional, a secagem pode ser realizada em temperaturas superiores a 40 ºC, permitindo que a reação de Maillard ocorra de uma forma mais concreta que a oxidação enzimática, promovendo a formação de melanoidinas que, por sua vez, apresentam capacidade antioxidante assim como a maioria dos compostos fenólicos (DE CASTILHOS et al., 2015a, 2015b; MARQUEZ et al., 2012). Marquez et al. (2012) analisaram vinhos doces da região de Montilla- Moriles (Espanha) produzidos pelas uvas Merlot e Tempranillo. As uvas foram submetidas à secagem em câmaras termostáticas a 40 ºC com umidade relativa de 20% a fim de aumentar o teor de sólidos solúveis. O processo de secagem foi finalizado no momento que as uvas apresentaram teor de sólidos solúveis de 31,4 ºBrix. Após a secagem, as uvas foram amassadas e o mosto foi fortificado com 15% de etanol. A maceração foi realizada a 25 ºC por 96 horas. Após a maceração, o bagaço foi prensado e o vinho resultante foi centrifugado, filtrado e armazenado para posterior análise. Como os autores utilizaram a temperatura 56 de secagem de 40 ºC, a reação de Maillard ocorreu de uma forma menos significativa que a oxidação enzimática. Sendo assim, a ruptura das células da parede celular das películas, ocasionada pela evaporação da água, promoveu a diminuição da resiliência da parede celular e o prévio contato das enzimas com seus respectivos substratos. Dentre os principais resultados obtidos nesse estudo, é possível citar o aumento na absorbância a 520 nm que indica a dispersão facilitada dos pigmentos vermelhos contidos na película para a polpa da uva por meio do dano causado nas células das películas ao longo da secagem. A secagem ainda aumentou a concentração de taninos e antocianinas no vinho Tempranillo, pressupondo que o processo de secagem facilitou a extração desses compostos. Os ésteres de ácidos hidroxicinâmicos apresentaram concentração inferior ao tratamento controle e os autores explicaram tal resultado com base na ação oxidativa da PPO frente a esses compostos. Nesse estudo, os autores ainda reportaram o balanço no conteúdo de flavan-3-óis. Esse balanço está vinculado a perdas que ocorrem devido a participação desses compostos em reações de escurecimento enzimático, auto- oxidação e oxidação por enzimas como PPO e peroxidases. No entanto, ao mesmo tempo, alguns flavan-3-óis de elevado peso molecular podem sofrer hidrólise e formar compostos de baixo peso molecular, aumentando sua concentração final. Esse paradoxo pode ser explicado pelo balanço existente entre ganhos e perdas de flavan-3-óis durante a secagem das uvas e ao longo do processo de vinificação, já que flavan-3-óis como a catequina e as proantocianidinas podem se condensar com antocianinas monoméricas a fim de formar complexos de copigmentação, resultando em um incremento na concentração de compostos fenólicos. A concentração de flavonóis aumentou ao longo da secagem, no entanto, a quantificação desses compostos no vinho final foi inferior ao quantificado no início da vinificação, sendo esse resultado explicado pelas reações de copigmentação que podem ocorrer entre os flavonóis e as antocianinas. De Castilhos et al. (2013) utilizou a pré-secagem de uvas para aumentar o teor de sólidos solúveis a fim de evitar a etapa de chaptalização. Os autores produziram vinhos das uvas Bordô (Vitis labrusca) e Isabel (híbrido de Vitis labrusca e Vitis vinifera) e utilizaram o processo de secagem a 60 ºC utilizando 57 um secador de bandejas operando a 1,1 m/s (Figura 6). As uvas apresentaram, no início da vinificação, aproximadamente 19 ºBrix e, após a secagem, apresentaram cerca de 22 ºBrix. O incremento do teor de sólidos solúveis foi alcançado pela secagem a fim de observar os efeitos desse processo nas propriedades químicas e sensoriais do vinhos produzido. Após a secagem, as uvas foram desengaçadas e esmagadas, permitindo a sulfitação (86 ppm) e a inoculação de leveduras Saccharomyces cerevisiae (200 ppm). A maceração durou 7 dias e, após a descuba, o vinho foi submetido à fermentação malolática por meio da inoculação de bactérias ácido-láticas Oenococcus oeni. A finalização dessa segunda fermentação foi acompanhada por cromatografia planar e, após a finalização, os vinhos foram direcionados a um ambiente refrigerado para promover a e