Campus de Araçatuba JOILSON DE BARROS LELLIS Células-tronco: potencial terapêutico e aplicabilidade na engenharia tecidual. Uma revisão de literatura. Araçatuba - SP 2015 JOILSON DE BARROS LELLIS Células-tronco: potencial terapêutico e aplicabilidade na engenharia tecidual. Uma revisão de literatura. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharel em Odontologia. Orientadora: Profª. Adj. Maria José Hitomi Nagata Araçatuba - SP 2015 DEDICATÓRIA À Deus. Por dar-me a vida; propiciar-me os momentos alegres e mostrar-me a luz nos momentos mais difíceis. “Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça e todas as coisas vos serão acrescentadas.” (Mateus, 6.33) Aos meus Pais, Jair e Neuza. Pelo exemplo que são para mim de amor, paciência, educação, humildade, caráter... Infinitas qualidades. Por sempre acreditarem em mim, apesar de toda dificuldade que passamos, sempre me incentivando a buscar uma vida melhor. Espero ser para meus filhos o que vocês foram para mim. Aos meus Irmãos, Fernando e José Luiz. Que abriram mãos de seus sonhos para que eu pudesse realizar os meus. Quantas outras pessoas fariam isso por mim? À minha companheira, Thaine. Por ser minha terra firme nos momentos de tempestade, pois em seus braços posso encontrar paz e segurança. “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.” (Coríntios, 1.13) AGRADECIMENTOS À minha Orientadora, Prof.ª Maria José Hitomi Nagata. Por proporcionar a chance de realizar este trabalho de conclusão de curso sob sua orientação, e também por ser exemplo de dedicação, honestidade, coerência e justiça. Aprendi muito nos cinco anos em que tive o privilégio de trabalhar e conviver ao seu lado. Aprendizado que vai além dos conhecimentos acadêmicos. Lições de vida que somente pessoas que se preocupam com o melhor para o próximo podem ensinar. Levarei comigo um sentimento de gratidão eterna, pois nos momentos em que cheguei a pensar em desistir da minha formação, a senhora estava lá pra me apoiar. Aprendi com a senhora que verdadeiros mestres ensinam não somente por aprovações, mas principalmente pelas cobranças e exigências. A pessoa que nos exige sempre o melhor está desejando, com a mais profunda sinceridade, o nosso crescimento pessoal. Existem pessoas que marcam nossa vida. A senhora é uma dessas. Obrigado. “Um professor afeta a eternidade; é impossível dizer até onde vai sua influência.” (Henry Adams) Aos Professores, Juliano Milanezi de Almeida e Francisley Ávila Souza. Pelos ensinamentos e oportunidades de conhecer e aplicar procedimentos e técnicas que vão além do conteúdo obrigatório a ser ministrado, transmitindo-me confiança e segurança para poder realiza-los. Pelo convívio no dia-a-dia, pela amizade e conselhos. Exemplos de humildade, dedicação e superação; mostraram-me que não importa a sua origem e nem as dificuldade encontradas; se você tem um sonho, é possível alcança-lo. Obrigado. Às amigas, Carolina Santinoni, Eduarda Belém e Eliana Caliente. Pela convivência e ajuda em todos os momentos que necessitei. Pela paciência que tiveram comigo; pelos ensinamentos e pelos bons momentos. Agradeço por tornarem mais fácil essa difícil tarefa. Seja qual for o destino que tomarem, estarei torcendo pelo sucesso de vocês. “No final, não nos lembraremos tanto das palavras de nossos inimigos, senão dos silêncios de nossos amigos.” (Martin Luther King Jr.) Aos amigos, George, Raul, Hugo e Jamil. Por sempre me incentivarem e darem forças para que eu continuasse. Mesmo a distância nos separando, estarei com vocês sempre que precisarem. Aos Docentes e amigos da Disciplina de Periodontia. Pelos ensinamentos, pela convivência e pelo apoio nos momentos de dificuldade em todos esses anos. A todos Docentes e funcionários da Faculdade de Odontologia de Araçatuba. Pelo conhecimento proporcionado e pelos muitos amigos que fiz aqui. Companheiros de trabalho que sempre me apoiaram na árdua tarefa de trabalhar e estudar. Não foi fácil, mas o incentivo de todos me deram força para continuar. EPÍGRAFE “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente. Quem sobrevive é o mais disposto à mudança.” (Charles Darwin) LELLIS, J. B. Células-tronco: potencial terapêutico e aplicabilidade na engenharia tecidual. Uma revisão de literatura. 2015. 40 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado) – Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual Paulista, Araçatuba, 2015. RESUMO O objetivo desta revisão de literatura é apresentar a definição de células-tronco, suas características biológicas, suas classificações, os avanços na compreensão de seus mecanismos moleculares, o seu potencial terapêutico no campo da engenharia tecidual, bem como os desafios e as perspectivas de sua aplicação terapêutica. Suas principais características são: (a) autorrenovação; (b) clonalidade e (c) potencialidade. Em relação ao potencial de diferenciação, as células-tronco podem ser classificadas em cinco grupos: totipotentes, pluripotentes, multipotentes, oligopotentes e unipotentes. Em relação à origem, as células-tronco podem ser classificadas em cinco categorias: embrionária, fetal, perinatal, adulta e células- tronco pluripotentes induzidas. A Engenharia Tecidual é um campo interdisciplinar que se dedica à regeneração dos tecidos humanos funcionais. Independentemente da complexidade do tecido a ser regenerado, as estratégias de Engenharia Tecidual geralmente envolvem a aplicação de combinações de biomateriais, células e fatores biologicamente ativos para promover a formação tecidual. Palavras-chave: Células-tronco. Engenharia Tecidual. Regeneração. LELLIS, J. B. Stem cells: therapeutic potential and aplicability in tissue engineering. A literature review. 2015. 40 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado) – Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual Paulista, Araçatuba, 2015. ABSTRACT The aim of this literature review is to present the definition of stem cells, their biologic characteristics, classification, the advances in the understanding of their molecular mechanisms, their therapeutic potential in the field of tissue engineering, as well as the challenges and perspectives of their therapeutic application. The main characteristics of stem cells are: a) self-renewal; b) clonality; c) potency. All stem cells can be classified, depending on their differentiation potential, into five groups: toti- , pluri-, multi-, oligo- and unipotent. Based on their origin, stem cells can be classified into five categories: embryonic, fetal, perinatal, adult and induced pluripotent stem cells. Tissue engineering is an interdisciplinary field dedicated to the regeneration of functional human tissues. Regardless of the complexity of the target for repair, tissue engineering strategies generally involve the application of combinations of biomaterials, cells, and biologically active factors to effect tissue formation. Key-words: Stem cells; Tissue engineering; Regeneration. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Pluripotência das células-tronco embrionárias......................... 16 Figura 2. Esquema simplificado do processo de diferenciação das células-tronco mesenquimais.................................................... 23 Tabela 1. Sinais reguladores para diferenciação em multilinhagens das células-tronco mesenquimais.................................................... 26 LISTA DE ABREVIATURAS bFGF: Fator de crescimento básico de fibroblastos BMP-2: Proteína óssea mofogenética-2 C-myc: Gene regulador codificador de fator de transcrição CT: Células-tronco CTM: Células-tronco mesenquimais ECM: Matriz extracelular EGF: Fator de crescimento epidérmico FGF: Fator de crescimento de fibroblastos IGF: Fator de crescimento semelhante à insulina iPS: Células-tronco pluripotentes induzidas Klf4: Fator de transcrição Kruppel tipo 4 Oct4: Octâmero de ligação do fator de transcrição 4 PDGF: Fator de crescimento derivado de plaquetas PLGA: Ácido polilático co-glicólico Sox2: Determinante sexual da região Y – bloco 2 TGF-b: Fator de transformação do crescimento beta VEGF: Fator de crescimento endotelial vascular WNT: Família de moléculas de sinalização Wingless SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 11 2 REVISÃO DE LITERATURA......................................................................... 13 3 CONCLUSÃO................................................................................................ 33 REFERÊNCIAS..................................................................................................... 36 11 1. INTRODUÇÃO As células-tronco (CT) apresentam características biológicas importantes, tais como a autorrenovação, a clonalidade e a potencialidade. Devido a essas características, tais células tornaram-se o foco de inúmeras pesquisas, que objetivam a sua aplicação terapêutica. A capacidade das CT diferenciarem-se em células de diferentes linhagens proporcionou uma grande expectativa na simplificação de tratamentos complexos e a possiblidade de tratamentos anteriormente considerados inviáveis, tais como a regeneração de tecidos afetados por doenças degenerativas e hereditárias. Com o interesse da comunidade científica, vieram grandes avanços tecnológicos na obtenção e manipulação das CT, bem como no conhecimento de suas características morfológicas e bioquímicas, o que proporcionou o início de ensaios clínicos. Como os resultados desses ensaios têm demonstrado eficácia e segurança na aplicação das CT nas mais diversas áreas, estas células tornaram-se uma das grandes apostas terapêuticas no campo da engenharia tecidual. Com a descoberta das CT pluripotentes induzidas (iPS), que são células diferenciadas reprogramadas para o estado indiferenciado e que apresentam morfologia e propriedades semelhantes ao de CT embrionárias, surgiu uma nova perspectiva de aplicação terapêutica das CT. No entanto, um conhecimento maior das características biológicas e das propriedades bioquímicas das iPS ainda é necessário para o início do desenvolvimento de estudos da fase pré-clínica. 12 O objetivo desta revisão de literatura é apresentar a definição de CT, suas características biológicas, suas classificações, os avanços na compreensão de seus mecanismos moleculares, o seu potencial terapêutico no campo da engenharia tecidual, bem como os desafios e as perspectivas de sua aplicação terapêutica. 13 2. REVISÃO DE LITERATURA CÉLULAS-TRONCO: DEFINIÇÃO, PROPRIEDADES E CLASSIFICAÇÃO CT são células que podem produzir continuamente células-filhas inalteradas e que também têm a capacidade de produzir células-filhas que possuem diferentes propriedades, com potencial mais restrito (SMITH, 2006). São células indiferenciadas, que estão presentes nas fases embrionária, fetal e adulta da vida e dão origem a células diferenciadas que constituem os órgãos e tecidos. As CT são células primitivas e sem características morfológicas distintas para torná-las facilmente detectáveis nos tecidos (GARGETT, 2004). Elas são definidas por suas propriedades funcionais. Suas principais características são: (a) autorrenovação, capacidade de proliferar extensivamente; (b) clonalidade, capacidade de produzir células-filhas idênticas à célula parental (geralmente originando de uma única célula) e (c) potencialidade, capacidade de diferenciar-se em diferentes tipos celulares (GARGETT, 2004; KOLIOS; MOODLEY, 2012). As CT representam um pilar fundamental na vida de todos os vertebrados, desempenhando papel central na produção de novas células e na substituição de células teciduais durante o desenvolvimento e a homeostase, incluindo o processo de reparo após doença ou injúria (DENHAM et al., 2005). Nos períodos pós-natal e adulto, as CT de tecidos específicos são encontradas em órgãos diferenciados e são fundamentais para o reparo tecidual de um órgão após uma lesão (KOLIOS; 14 MOODLEY, 2012). Sabe-se que a pele, os músculos, o intestino, o sistema hematopoiético e o fígado podem se regenerar após sofrerem um trauma agudo e tem sido demonstrado que propriedades semelhantes também podem ser atribuídas ao cérebro, coração e pâncreas (DENHAM et al., 2005; GALLO; DENEEN, 2014; ZHANG; MIGNONE; MACLELLAN, 2015). As CT podem ser classificadas com base no potencial de diferenciação e com base nas suas origens. Diversas classificações têm sido propostas por diferentes autores (CHOUMERIANOU; DIMITRIOU; KALMANTI, 2008; DROSOS; KOLIOS, 2013; ILIC; POLAK, 2011; SMITH, 2006; WAGERS; WEISSMAN, 2004). Em relação ao potencial de diferenciação, as CT podem ser classificadas em 5 grupos: totipotentes, pluripotentes, multipotentes, oligopotentes e unipotentes (SMITH, 2006; ILIC; POLAK, 2011). CT totipotentes ou onipotentes podem diferenciar-se em embriões e tecidos extra-embrionários e gerar um organismo completo e viável. Um óvulo fertilizado é um exemplo de uma CT totipotente. CT pluripotentes podem autorrenovar-se e diferenciarem-se em qualquer das três camadas germinativas, ectoderma, endoderma e mesoderma, dos quais todos os tecidos e órgãos desenvolvem-se. As CT multipotentes podem autorrenovar-se e diferenciarem-se somente em uma família intimamente relacionada de células (capazes de originar um subconjunto de linhagem de células). CT mesenquimais (CTM) são um exemplo típico de células multipotentes. CT oligopotentes podem autorrenovar-se e diferenciarem-se somente em tipos celulares intimamente relacionados (originam um subconjunto mais restrito 15 de linhagens de células do que as CT multipotentes). CT hematopoiéticas que podem diferenciar-se em ambas as linhagens, mielóide e linfóide, são exemplos de CT oligopotentes. As CT unipotentes são as menos potentes. Podem autorrenovar- se e diferenciarem-se em somente um tipo celular (ILIC; POLAK, 2011; WAGERS; WEISSMAN, 2004). Em relação à origem, as CT podem ser classificadas em cinco categorias: embrionária, fetal, perinatal, adulta (residente ou tecido-específica) e iPS. As CT embrionárias e iPS são pluripotentes, as CT fetal e perinatal são, em geral, multipotentes, enquanto que as CT adultas são geralmente oligopotentes ou unipotentes (ILIC; POLAK , 2011). As CT embrionárias, isoladas a partir da massa celular interna de blastocistos ou a partir de células germinais primordiais de um embrião precoce, dão origem à mesoderme, endoderme, ectoderme e a células germinativas, mas não tecidos extra-embrionários, sendo, portanto, denominadas pluripotentes (Fig. 1) (DENHAM et al., 2005; ILIC; POLAK , 2011; LAKSHMIPATHY; VERFAILLIE, 2005). CT embrionárias são derivadas de células totipotentes do embrião precoce de mamíferos, e são capazes de proliferação ilimitada e indiferenciada in vitro (THOMSON et al., 1998). Contudo, a obtenção de CT embrionárias humanas requer a destruição de embriões (HIPP; ATALA, 2008) e envolvem, portanto, sérios questionamentos éticos. Outra desvantagem das CT embrionárias é a imunogenicidade. 16 Fig. 1 – Pluripotência das CT embrionárias. Tipos de células diferenciadas originadas de CT embrionárias em experimentos in vitro: células germinativas, células respiratórias, hepatócitos, cardiomiócitos, osteoblastos, células neurais, células do músculo liso e esquelético, células das ilhotas do pâncreas, queratinócitos e células hematopoiéticas. Adaptado de Denham et al. (2005). Uma vez que essas células provêm de doadores não relacionados, os mesmos não são geneticamente compatíveis para recebê-las. Assim, os pacientes são obrigados a tomar medicamentos imunossupressores por alguns meses ou anos (WILLYARD, 2013). Depois de serem obtidas, as CT embrionárias podem ser mantidas em meios de cultura, em um estado indiferenciado, até o momento de sua aplicação. Além Células-tronco embrionárias Células Hematopoiéticas Queratinócitos Células Germinativas Células respiratórias Hepatócitos Osteoblastos Células Pancreáticas Células Musculares Células cardíacas Células neurais Células Renais 17 disso, podem ser utilizadas na produção de animais quiméricos, pois contribuem para todas as linhagens celulares (DROSOS; KOLIOS, 2013). As CT Fetais são obtidas de embriões de gravidez interrompida. Elas não são tão potentes como as CT embrionárias e são um pouco controversas. As CT Fetais não podem se dividir indefinidamente em culturas de células sem ser interrompidas. Se sua intervenção é segura, depende de regulamentos e estes diferem de país para país. A maioria das linhagens de CT neurais disponíveis atualmente são de origem fetal e várias delas estão sendo utilizadas em pesquisas clínicas nos EUA e Reino Unido. Em outros países que têm regulamentos menos restritos sobre a segurança de pacientes e procedimentos experimentais, as CT Fetais são frequentemente usadas para propósitos médicos controversos. Por exemplo, no “Beijing Xishan Institute for Neuroregeneration and Functional Recovery”, células de fetos abortados foram injetadas em mais de 1500 pacientes para tratar injúria da medula espinhal e uma variedade de doenças do sistema nervoso central. Esta e outras abordagens similares não estão documentadas com dados mensuráveis que suportariam as alegações sobre suas eficácias. Além disso, esses procedimentos não têm sido revisados por outros pesquisadores líderes ou comitês de ética apropriados (ILIC; POLAK, 2011). As CT Perinatais podem ser divididas em três grupos: CT do fluido amniótico, da placenta e do cordão umbilical. A placenta tem três fontes de CT: amnion, vilosidades e sangue. O cordão umbilical tem duas fontes de CT: sangue do cordão umbilical e geleia de Wharton. No fluido amniótico, vários relatos sugerem a 18 presença de CT multipotentes no líquido amniótico. Estas células não podem se dividir infinitamente e têm as características de CTM. No entanto, elas são inviáveis para o uso mais amplo da terapia baseada em CT e são improváveis de serem objeto de ensaios clínicos no futuro. A principal razão para isso é que as CT podem ser obtidas do fluido amniótico somente por amniocentese, procedimento que tem aproximadamente 1% de risco de aborto. Em geral, quando se fala de placenta como fonte de CT, trata-se de placenta no final da gravidez ou placente terminal. Embora pareça uma fonte atraente de CT, não se pode ignorar o fato de a placenta terminal ser, do ponto de vista fisiológico, um órgão desgastado e sem outra utilização. As CT isoladas do âmnio e das vilosidades da placenta são caracterizadas como mesenquimal-like e progenitoras hematopoiéticas. Elas não podem dividir-se indefinidamente in vitro; no entanto, tentativas tem sido feitas para expandi-las o suficiente para o transplante alógeno. O sangue placentário possui uma população enriquecida de CT, que também são encontradas no sangue do cordão umbilical. Portanto, teoricamente, as CT obtidas a partir do sangue placentário podem ser purificadas e criopreservadas para enriquecer a população de CT isoladas do cordão umbilical. Na realidade, este procedimento é raramente realizado, pois o procedimento é extremamente trabalhoso. As CT do cordão umbilical são, provavelmente, as mais conhecidas. Pais do mundo inteiro estão gastando grandes quantias de dinheiro para preservar o sangue do cordão umbilical de seus recém-nascidos, pois eles acreditam que assim estarão fornecendo um nível adicional de segurança para os seus filhos em caso de uma doença que 19 ameace a vida deles. Os bancos de CT têm-se tornado um negócio lucrativo, e os bancos privados de sangue do cordão umbilical estão crescendo rapidamente no mundo todo. Não há dúvida de que as CT do sangue do cordão umbilical podem ser utilizadas para tratar distúrbios do sistema hematopoiético. No entanto, pouca atenção é dada à dosagem de CT (número de células por quilograma de peso corporal). Devido ao número limitado de CT do sangue do cordão presentes em um cordão umbilical e sua limitada capacidade de expansão, não apenas adultos, mas também crianças com mais de 5 a 7 anos não podem ser tratadas, mesmo que elas tenham o seu sangue do cordão umbilical preservado. Para obter um número suficiente de CT, elas têm de recorrer a bancos públicos. De acordo com vários relatos e propagandas de empresas privadas, as CT do cordão umbilical podem também ser usadas para tratar doenças não relacionadas com o sistema hematopoiético. Por exemplo, utilizando CT colhidas do sangue do cordão umbilical, a compania chinesa Beike, tratou mais de 5000 pacientes até a presente data. A compania alega um índice de 85% de melhora em uma variedade de condições, desde injúrias do medula espinhal a autismo. A International Society for Stem Cell Research (ISSCR) condena fortemente a administração de terapias com CT não comprovadas. Recentemente, a atenção tem sido voltada para a geleia de Wharton, uma substância gelatinosa dentro do cordão umbilical, em grande parte composta de mucopolissacarídeos (ácido hialurônico e sulfato de condroitina), que contém alguns fibroblastos e macrófagos. Componentes mesenquimais (fibroblastos) poderiam ter 20 potencial de CT. Embora não existam dados compilados, empresas privadas começaram a oferecer serviços de bancos de células da geleia de Wharton (ILIC; POLAK, 2011). As CT Adultas, também conhecidas como CT residentes, residem em órgãos/tecidos de um adulto e desempenham um papel crucial na regeneração dos tecidos e na autorrenovação. Como exemplo de CT Adultas, podemos citar as CTM. Cada um dos diferentes tecidos do corpo tem o seu próprio ciclo de vida natural. A regeneração contínua do nosso corpo é capacitada através de proliferação e diferenciação das suas CT residentes; por exemplo, a epiderme humana é renovada a cada 3-4 semanas, o epitélio gastrointestinal em menos de uma semana e o epitélio endometrial uma vez por mês. As CT adultas são oligopotentes no melhor caso ou unipotentes na maioria dos casos. Embora a proliferação destas células in vitro seja muito limitada, elas são objeto de grande interesse. Muitos laboratórios do mundo inteiro, tanto os comerciais como os sem fins lucrativos, estão tentando elucidar como estimular a proliferação destas células e como mobilizá-las em caso de lesão e fazê-las reparar um órgão ou tecido danificado. Dependendo de sua localização, algumas CT Adultas são mais fáceis de acessar e isolar do que outras. Enquanto podemos facilmente isolar CT do sangue periférico, medula óssea e tecido adiposo, seria extremamente difícil fazer isso com CT residentes cardíacas ou pancreáticas. O principal objetivo no campo das CT adultas é descobrir como fazer as CT residentes de um tecido reparar outro tecido ou órgão. Seria possível, por exemplo, reparar um coração danificado ou um osso quebrado com CT adiposas? 21 Em caso positivo, como podemos obter um número suficiente de CT do tecido adiposo para fazer isso? Existem centenas de estudos clínicos com diferentes tipos de CT adultas ao redor do mundo com sucesso variável. Em alguns casos, as células são simplesmente obtidas de uma parte do corpo e injetadas em outro, ao passo que em outros casos, as células são expandidas antes de serem transplantadas/re-injetadas no paciente. Entre as possibilidades, as três fontes de CT de mais fácil obtenção e, portanto, as mais utilizadas são: medula óssea, tecido adiposo e sangue menstrual (ILIC; POLAK, 2011). As iPS são células diferenciadas reprogramadas para um estado semelhante ao embrionário por meio da transferência de conteúdo nuclear em ovócitos ou por fusão com CT embrionárias. As iPS exibem morfologia, propriedades de crescimento semelhantes às CT embrionáris e expressam os mesmos genes marcadores destas células (TAKAHASHI; YAMANAKA, 2006). Em 2006, os pesquisadores Takahashi e Yamanaka abriram um campo completamente novo na pesquisa com CT, ao mostrar que a expressão forçada de somente quatro fatores de transcrição (Oct4, Sox2, c-myc, Klf4) foi suficiente para converter células fibroblásticas em CT embrionárias-like, que foram denominadas CT pluripotentes induzidas (iPS) (TAKAHASHII; YAMANAKA, 2006). Desde então, artigos subsequentes têm confirmado que a expressão temporal dos fatores reguladores principais pode alterar as células diferenciadas em iPS, um processo conhecido como reprogramação (BILIC; IZPISUA-BELMONTE, 2012). Até o presente momento, uma variedade de tipos celulares iniciais, diferentes 22 combinações dos principais fatores de transcrição e diferentes técnicas de liberação desses fatores dentro das células, têm sido utilizadas com sucesso para isto (BILIC; IZPISUA-BELMONTE, 2012). A descoberta das iPS é uma grande promessa para a terapia celular e regeneração tecidual. No entanto, as iPS ou as CT embrionárias, representado um estágio muito precoce do desenvolvimento, não podem ser aplicadas diretamente nos pacientes, onde são necessários tipos celulares tecidos-específicos funcionais. Além disso, o uso de iPS e de CT embrionárias apresenta um elevado risco de formação de tumores (XU et al., 2013). 23 CÉLULAS-TRONCO MESENQUIMAIS (CTM) As CTM são CT multipotentes que podem ser encontradas em vários órgãos, porém o local de obtenção mais frequente é a medula óssea. São capazes de diferenciar-se em múltiplas linhagens de células originadas da mesoderme (Fig. 2) como, por exemplo, osteoblastos, adipócitos e condrócitos e, possivelmente, em células de origem não mesodérmica como, por exemplo, neurônios e hepatócitos. Fig. 2 – Esquema simplificado do processo de diferenciação das CTM. Adaptado de Caplan e Bruder (2001). Proliferação Comprometimento Progressão da Linhagem Diferenciação Maturação Osteogênese Condrogênese Miogênese Estroma Medular Tendogênese Osteoblasto transitório Condrócito transitório Mioblasto Célula do estroma transitória Fibroblasto transitório Osteoblasto Condrócito Fusão de mioblastos Osteócito Condrócito Hipertrófico Miotubo Micro nicho único Célula do estroma Fibroblasto do Tendão Célula-tronco mesenquimal (CTM) Osso Cartilagem Músculo Medula Tendão 24 Além do potencial de diferenciação, as CTM fornecem suporte tecidual, por meio da formação do estroma, para o crescimento e diferenciação das CT hematopoiéticas e para a hematopoiese (ALDAHMASH et al., 2012). A identificação e a caracterização das CTM iniciaram-se por meio do trabalho pioneiro de Friedenstein, na Rússia, e continuaram com Owen e sua equipe, no Reino Unido, onde sistemas de cultura foram estabelecidos para a proliferação destas células e para o estudo de suas características biológicas in vitro e in vivo (ABDALLAH; KASSEM, 2008). Sabe-se que a medula óssea contém dois tipos de CT: as hematopoiéticas, que estão codificadas para diferenciarem-se em células sanguíneas maduras e as CTM. As CTM têm a capacidade de diferenciarem-se, in vivo e in vitro, em uma variedade de tecidos mesenquimais. Portanto, são consideradas de grande potencial para aplicações clínicas (CHOUMERIANOU et al., 2008). As CTM que apresentam características biológicas semelhantes às derivadas da medula óssea têm sido isoladas de outras fontes, como por exemplo, sangue periférico, tecido adiposo, sangue do cordão umbilical, membranas sinoviais, polpa de dentes decíduos, ligamento periodontal e líquido amniótico. Essas várias populações de CTM apresentam algumas propriedades e marcadores de superfície em comum, porém quando comparadas lado a lado, exibem diferenças de expressão do perfil genético (ABDALLAH; KASSEM, 2009). No contexto da terapia celular, as CTM oferecem vantagens em relação a outros tipos de células, como as CT embrionárias ou as iPS. As CTM estão 25 prontamente disponíveis e podem ser utilizadas no transplante autógeno, que não exige uma extensa manipulação in vitro. Ademais, estão associadas a um menor risco de tumorigenicidade, pois mudanças microambientais são capazes de influenciar o fenótipo celular (BARA et al., 2014). Vários fatores devem ser considerados para a utilização das CTM na regeneração tecidual, incluindo a compreensão dos mecanismos moleculares que controlam a proliferação e a diferenciação celular, bem como o estabelecimento de condições de cultura in vitro que possam manter a capacidade funcional das células sem provocar alterações genéticas (JAKOBSEN et al., 2013). Enquanto muitos estudos foram realizados sobre o potencial de diferenciação das CTM, os mecanismos específicos responsáveis pela ampla capacidade de diferenciação dessas células ainda são poucos compreendidos. Sabe-se que o comprometimento das CTM em uma linhagem específica é amplamente influenciado pelas condições de cultura e fatores de crescimento. A Tabela 1 resume os principais sinais biológicos conhecidos que determinam a diferenciação das CTM em múltiplas linhagens. Sete fatores de crescimento demonstraram possuir efeitos reguladores na diferenciação das CTM: fator de transformação do crescimento beta (TGF-b), fator de crescimento semelhante à insulina (IGF), fator de crescimento de fibroblastos (FGF), fator de crescimento epidérmico (EGF), fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) e a família dos fatores de crescimento conhecidos como via de sinalização intracelular WNT. 26 Além dos fatores de crescimento, outras substâncias químicas desempenham papel crítico no comprometimento de linhagem das CTM. Como exemplo, pode-se citar que a incubação das CTM com dexametasona, insulina, metil-isobutil-xantina e indometacina pode favorecer a diferenciação das mesmas em linhagem adipogênica, preferencialmente. Por outro lado, quando as CTM são tratadas com 5- azacitidina e anfotericina B, diferenciam-se em mioblastos e fundem-se em miotubos. Experimentos em ratos demostraram que a incubação de CTM com nicotinamida e beta-mercaptoetanol induz a diferenciação em células das Ilhotas de Langerhans. Outros meios químicos, como o dimetilsulfido e o hidroxianisol butilado podem induzir a diferenciação de CTM em células semelhantes a neurônios. A incubação com ácido retinóico facilita a diferenciação das CTM em células neurais (LIU et al., 2009). SINAL BIOLÓGICO POTENCIAL DE DIFERENCIAÇÃO TGF-b Condrogênico IGF Condrogênico FGF Condrogênico, Osteogênico, Neural EGF Condrogênico PDGF Condrogênico, Miofibroblástico VEGF Endotelial WNT Condrogênico, Osteogênico, Neural Tabela 1 – Sinais reguladores para diferenciação em multilinhagens das CTM. Adaptado de Liu et al. (2009). 27 ENGENHARIA TECIDUAL E APLICABILIDADE DAS CÉLULAS-TRONCO A Engenharia Tecidual é um campo interdisciplinar que se dedica à regeneração dos tecidos humanos funcionais. Apesar de nosso corpo ter propriedades intrínsecas de autorregeneração, a extensão da regeneração varia entre diferentes tecidos e é influenciada pela gravidade da lesão (LEE et al., 2014). O campo da Engenharia Tecidual envolve várias áreas do conhecimento, como Engenharia e Tecnologia, Ciências dos Materiais, Química, Biologia, Medicina e visa desenvolver novas tecnologias para a regeneração tecidual e aperfeiçoar as existentes, com a finalidade de proporcionar resolução clínica para os casos complexos (ATALA et al., 2012). A Engenharia Tecidual pode prover meios alternativos para obter tecidos e órgãos necessários para o transplantes devido à falta de número suficiente de doadores de órgãos e às limitações atribuídas à rejeição imunológica e incompatibilidade entre doador e receptor (ABDALLAH; KASSEM, 2008). Independentemente da complexidade do tecido a ser regenerado, as estratégias de Engenharia Tecidual geralmente envolvem a combinação da aplicação de biomateriais, células e fatores biologicamente ativos para prover a formação tecidual (ATALA et al., 2012). Um importante campo da Engenharia Tecidual é o desenvolvimento de biomateriais que possam auxiliar no processo regenerativo ao transportarem, com eficácia, populações celulares e fatores biologicamente ativos, bem como que 28 possam prover arcabouço estrutural que confira propriedade mecânica adequada aos tecidos (LEE et al., 2014). Os biomateriais podem prover uma estrutura tridimensional para suportar o crescimento de tecidos. Esses arcabouços definem e mantêm o espaço no qual o tecido alvo formará e pode ser ajustado para suportar a inserção e proliferação de células para efetivar a formação do tecido desejado. Além disso, os arcabouços de biomateriais podem ser modificados para apresentar sinais biologicamente ativos, incluindo peptídeos de adesão celular e fatores de crescimento, para facilitar a inserção celular e direcionar a formação de tecido (ATALA et al., 2012). As CTM são candidatas ideais para serem utilizadas na Medicina Regenerativa, na Engenharia Tecidual e na terapia de substituição celular devido à capacidade de diferenciarem-se em múltiplas linhagens celulares (CHOUMERIANOU et al., 2008). A regeneração tecidual mediada por CTM é uma abordagem promissora para a substituição e reconstrução de estruturas danificadas ou enfermas no corpo humano. O uso de CTM em arcabouços tridimensional é limitada pela necessidade de um arcabouço ideal. Sabe-se que a matriz extracelular (ECM) nativa não somente oferece suporte físico para as células, como também provê um substrato com ligantes específicos para a migração e adesão celular e regula a proliferação e função celular por prover fatores de crescimento. Espera-se que o arcabouço ideal seja biocompatível e biodegradável, e deveria mimetizar a estrutura e a função biológica da ECM nativa tanto quanto possível (KODE et al., 2012). 29 A presença de moléculas específicas de sinalização celular que promovem a proliferação e a diferenciação celular em biomateriais - que servem de arcabouço - pode garantir uma melhora na regeneração tecidual. Como exemplo, cita-se a angiogênese induzida pela liberação controlada do fator de crescimento básico de fibroblastos (bFGF), que desempenha um papel importante na criação de um ambiente adequado para a sobrevivência e atividade das células transplantadas. Outro exemplo que se pode mencionar é a proteína óssea mofogenética-2 (BMP-2), uma citocina presente na matriz óssea que induz a formação óssea ectópica. Este fator de crescimento tem sido associado com cerâmicas em muitas formas, combinado com diferentes cerâmicas por adsorção de superfície, com uma adição antes da polimerização, e injetado ou incorporado em um material carreador (Ex. ácido polilático co-glicólico (PLGA), gelatina e esponja de colágeno. Essas associações têm resultado em formação óssea melhorada, atribuída à atividade da BMP-2 (KODE et al., 2012). Como as CTM apresentam características promissoras para o desenvolvimento de novas terapias celulares, os pesquisadores têm realizado estudos para viabilizar a utilização terapêutica dessas células. As CTM podem ser aplicadas localmente ou infundidas sistematicamente, dependendo da finalidade. A aplicação local é a estratégia clínica mais adequada para melhorar o reparo ou a regeneração óssea, da cartilagem, do tendão e da gordura. Além disso, a utilização terapêutica de CTM derivadas de medula apresenta um amplo espectro de 30 indicações, incluindo o reparo cardiovascular, tratamento de fibrose pulmonar e de lesão da medula espinhal (TAE et al., 2006). As CTM expandidas em meios de cultura foram utilizadas como uma estratégia de aplicação clínica de CT no tratamento de várias condições; no entanto, recuperação funcional completa e permanente ainda deve ser comprovada. As alterações fenotípicas pronunciadas associadas ao processo de expansão in vitro das CTM têm levado a atenção dos pesquisadores e clínicos em direção ao uso de medula óssea não processada ou células mononucleares frescas isoladas. Esta abordagem tem sido suportada pelo desenvolvimento de equipamentos para concentrar medula óssea, que podem ser utilizados em salas operatórias. Em nível celular, isso pode preservar a multipotência e a capacidade de autorrenovação das CTM. Isto pode melhorar não somente o potencial terapêutico, como também evitar a demora no tratamento e o altos custos associados com a fase de expansão in vitro. Uma limitação da abordagem intraoperatória one-step poderia ser o número reduzido de CTM que são fornecidas ao paciente quando comparado com as terapias baseadas em CTM atuais. Contudo, há pouca evidência na literatura que suporte a correlação do número de células com eficácia clínica (BARA et al., 2014). Desenvolver biomateriais que possam regenerar adequadamente um tecido ou órgão, que tenham uma boa integração aos tecidos circundantes e que sejam vascularizados adequadamente é o principal objetivo da Engenharia Tecidual. No entanto, quando se considera a aplicação clínica desses materiais, vários aspectos 31 podem interferir nesse desenvolvimento. Dentre eles, o que representa o maior desafio é a variabilidade do estado de saúde e do potencial de recuperação de cada paciente. Uma válvula cardíaca, por exemplo, pode ser produzida pela Engenharia Tecidual para ser reabsorvida e remodelada em um paciente ao longo do tempo. Contudo, as variações no potencial e nas taxas de remodelação entre os pacientes podem levar a uma função inadequada da válvula com o passar do tempo. Consequentemente, projetar uma abordagem da Engenharia Tecidual que possa se adaptar às variações de cada paciente representa desafios imensos. Biomarcadores podem ser necessários para predizer o sucesso clínico, assim como o desenvolvimento de técnicas minimamente invasivas de monitoramento da vascularização e da integração com o tecido circundante do biomaterial transplantado em cada paciente. Muitas abordagens da Engenharia Tecidual envolvem a utilização de populações celulares. No entanto, variações e complexidades podem ser encontradas na aplicação clínica das CT. Por exemplo, o transplante de CT autólogas é preferencialmente indicado na clínica, porém pode ocorrer uma situação onde as células primárias colhidas do paciente sejam de um tecido doente ou o paciente pode apresentar um número de células que seja insuficiente para a terapia. Além disso, variação entre a densidade de células progenitoras e CT, bem como a capacidade regenerativa intrínseca das células poderia levar a uma diferença nos resultados em diferentes pacientes para uma mesma terapia, como observado em transplante de CTM para a regeneração óssea. Células alógenas podem ser 32 colhidas a partir de doadores e juntadas para diminuir potencialmente a variabilidade entre os pacientes. De qualquer forma, o receptor contribui para o potencial do sucesso da terapia, através do estado de saúde e da capacidade intrínseca do organismo para a reparação dos tecidos, entre outras considerações (ATALA et al., 2012). 33 3. CONCLUSÃO As propriedades funcionais das CT, tais como as suas capacidades de autorrenovação, clonalidade e potencialidade, ou seja, a capacidade de diferenciar- se em diferentes tipos celulares, tornam estas células a principal ferramenta para regeneração de tecidos e órgãos lesionados ou enfermos, utilizando técnicas de Engenharia Tecidual. Dentre todas as CT apresentadas nesta revisão de literatura, três destacam- se pela possibilidade real de utilização na Engenharia Tecidual: as CTM, que já estão sendo utilizadas com muito sucesso na Medicina e têm apresentado resultados promissores nas pesquisas desenvolvidas na área da Odontologia; as CT embrionárias, por apresentarem excelente potencial terapêutico, mas cuja utilização é limitada devido a importantes fatores éticos e biológicos; e as iPS, por apresentarem, a longo prazo, uma perspectiva muito promissora de aplicação clínica. As CTM são multipotentes e, em condições microambientais adequadas, podem ser induzidas à diferenciação em uma linhagem específica. Essa característica permite que estas células apresentem várias possibilidades terapêuticas, como na regeneração de tecidos e órgãos lesionados ou enfermos, incluindo o tratamento de algumas doenças hereditárias. Apesar do grande avanço no conhecimento dos mecanismos que controlam a diferenciação das CTM em uma linhagem específica, estes mecanismos ainda não foram totalmente elucidados. 34 Pesquisas adicionais ainda são necessárias para uma melhor e mais abrangente utilização clínica das CTM. Contudo, mesmo considerando que há um longo caminho a percorrer nas pesquisas com CTM, estas células são as que apresentam, atualmente, a maior possibilidade de ampla aplicação clínica a médio prazo, sendo consideradas as mais seguras para serem transplantadas, pois sua utilização terapêutica não apresenta o risco da formação de tumores e, se utilizadas de forma autóloga, não apresentam riscos de rejeição imunológica. Apesar dos benefícios que as CT embrionárias podem apresentar, como a capacidade de proliferar-se extensivamente e de poderem diferenciar-se em tecidos originários das três camadas germinativas, o potencial clínico esbarra em importantes questões éticas, como a obtenção das células de embriões, e em preocupações biológicas, como o risco de formação de teratomas e o alto potencial de respostas autoimunes devido ao transplante celular. Assim, as pesquisas científicas desenvolvidas para avaliar as CT embrionárias, visando suas aplicações clínicas, caminham a passos lentos quando comparadas àquelas que avaliam as CTM. Apesar da descoberta das iPS por Takahashi e Yamanaka (TAKAHASHI; YAMANAKA, 2006) ter sido considerada um dos maiores avanços no conhecimento das CT, estas células ainda não podem consideradas uma possibilidade terapêutica no campo da Engenharia Tecidual. Elas podem representar uma excelente opção a longo prazo, porém há mutios desafios a serem superados, tais como a complexidade da reprogramação de células já diferenciadas, o risco da formação de 35 teratomas e a dificuldade de obter-se um padrão de células geneticamente semelhantes quando reprogramadas e expandidas in vitro, para seu posterior agrupamento em nichos. Se vencidos todos esses desafios, as iPS representariam uma excelente alternativa às CT embrionárias, pois sua utilização não envolveria sérias questões éticas como aquelas relacionadas a essas células. A Engenharia Tecidual busca o desenvolvimento de tecnologias baseadas em conhecimentos multidisciplinares, visando a regeneração dos tecidos. Fundamenta- se em três pilares, considerados essenciais à regeneração tecidual: biomateriais para serem utilizados como arcabouço, células e fatores biologicamente ativos. Além das células, outro desafio a ser superado é conseguir um arcabouço ideal, que não apenas forneça suporte físico para o transplante das células, mas que também apresente fatores biologicamente ativos que regulem a migração e proliferação dessas células, para mimetizar a matriz extracelular nativa. Procurando superar esse desafio, a Engenharia Tecidual tem avançado constantemente, tornando-se mais específica, porém, sem deixar de ser abrangente. Se antes o foco era o desenvolvimento de tecnologias que buscavam solucionar os desafios clínicos gerais, tal como o desenvolvimento de biomateriais para a regeneração óssea, hoje a busca é pelo desenvolvimento de novas tecnologias para situações clínicas específicas como, por exemplo, a regeneração óssea alveolar após exodontias. O próximo passo é conseguir adicionar fatores biologicamente ativos específicos em cada biomaterial, considerando o contexto de sua aplicação clínica, o tecido a ser regenerado e a individualidade da resposta tecidual de cada paciente. 36 REFERÊNCIAS ABDALLAH, B.M.; KASSEM, M. Human mesenchymal stem cells: from basic biology to clinical applications. Gene Ther., v.15, p.109-16, jan. 2008. ABDALLAH, B.M.; KASSEM, M. The use of mesenchymal (skeletal) stem cells for treatment of degenerative diseases: current status and future perspectives. J Cell Physiol., v.218, p.09-12, jan. 2009. ALDAHMASH, A.; ZAHER, W.; AL-NBAHEEN, M.; KASSEM, M. Human stromal (mesenchymal) stem cells: basic biology and current clinical use for tissue regeneration. Ann Saudi Med., v.32, p.68-77, jan. 2012. ATALA, A.; KASPER, F.K.; MIKOS, A.G. Engineering complex tissues. Sci Transl Med., v.4, f.160, p.1-11, nov. 2012. BARA, J.J.; RICHARDS, R.G.; ALINI, M.; STODDART, M.J. 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