RESSALVA Atendendo solicitação do autor, o texto completo desta dissertação será disponibilizado somente a partir de 12/12/2025. Eduardo Henrique da Silva Umа convеrsа diplomáticа: a bossа dе Vinícius е а grаfiа do Rosа São José do Rio Preto 2023 Eduardo Henrique da Silva Umа convеrsа diplomáticа: а bossа dе Vinícius е а grаfiа do Rosа Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Letras, junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Orientador: Nelson Luís Ramos São José do Rio Preto 2023 S586c Silva, Eduardo Henrique da Uma conversa diplomática: a bossa de Vinícius e a grafia do Rosa / Eduardo Henrique da Silva. -- São José do Rio Preto, 2023 103 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto Orientador: Nelson Luís Ramos 1. Diplomacia. 2. Literatura brasileira. 3. João Guimarães Rosa. 4. Vinicius de Moraes. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto. Dados fornecidos pelo autor. Eduardo Henrique da Silva Umа convеrsа diplomáticа: а bossа dе Vinícius е а grаfiа do Rosа Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Letras, junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Comissão Examinadora Prof. Dr. Nelson Luís Ramos UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto Orientador Profa. Dra. Marcia Machado de Lima UNIR – Universidade Federal de Rondônia Prof.ª Dra. Claudia Maria Ceneviva Nigro UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto São José do Rio Preto 12 de dezembro de 2023 AGRADECIMENTOS Ao Nelson Luís Ramos, pela orientação afável e construtiva; Ao Programa de Letras da UNESP/IBILCE pela oportunidade do desenvolvimento do meu projeto. Às professoras Cláudia Maria Ceneviva Nigro e Norma Wimmer por comporem a minha banca de qualificação sem hesitar. À equipe da Seção Técnica de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista. Aos teóricos usados como referências bibliográficas por me guiarem nos caminhos literários e aprender a ser sujeito-pesquisador. Monólogo de Orfeu (fragmento) Ah, minha Eurídice Meu verso, meu silêncio, minha música. Nunca fujas de mim. Sem ti, sou nada. Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada. Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível! A existência sem ti é como olhar para um relógio Só com o ponteiro dos minutos. Tu és a hora, és o que dá sentido E direção ao tempo, minha amiga mais querida! Vinícius de Moraes (1954) “O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas” João Guimarães Rosa (ABL, 16 de novembro de 1967) RESUMO Esta dissertação busca investigar a relação entre a diplomacia e a literatura brasileira, tendo como foco as obras de João Guimarães Rosa e Vinicius de Moraes. Através de um referencial teórico abrangente, analisamos como o trabalho diplomático pode ser visto como uma aproximação social, cultural e política, estabelecendo pontes com a produção literária desses dois autores. Vinícius de Moraes, conhecido por sua contribuição fundamental para o desenvolvimento da Bossa Nova, utilizou sua música e poesia para projetar uma imagem moderna e cosmopolita do Brasil no exterior. Suas parcerias com músicos como Tom Jobim e sua participação em eventos internacionais ajudaram a moldar a percepção global da cultura brasileira. Por outro lado, João Guimarães Rosa, com sua abordagem literária inovadora, revolucionou a escrita em língua portuguesa. A complexidade e a riqueza de sua obra, especialmente no que diz respeito à reinvenção da linguagem, desenvolvida para um reconhecimento literário internacional do Brasil. O texto analisa como essas duas figuras não apenas representaram o Brasil em ambientes internacionais, mas também como suas obras se entrelaçaram com a diplomacia cultural do país. Explorar a influência de suas carreiras diplomáticas em suas produções artísticas e como suas contribuições individuais ajudaram a construir uma identidade cultural brasileira única no cenário mundial. Enfatizamos a linguagem inovadora e rica em neologismos e regionalismos, características marcantes da escrita de Rosa. Por fim, no quinto capítulo, concentramo-nos na Bossa Nova e na contribuição de Vinicius de Moraes para esse movimento musical e cultural. Examinamos a interseção entre sua poesia e as letras de suas canções, bem como sua abordagem diplomática, demonstrando como ele incorporou a linguagem coloquial e elementos da cultura brasileira, conferindo autenticidade à Bossa Nova. Por meio dessa análise abrangente das obras de Guimarães Rosa e Vinicius de Moraes, esta dissertação oferece percepções valiosas sobre a confluência entre diplomacia e literatura brasileira, mostrando como esses dois campos se influenciam mutuamente e contribuem para uma compreensão mais profunda da sociedade, política e cultura do Brasil. Palavras-chave: Diplomacia. Literatura Brasileira. João Guimarães Rosa. Vinicius de Moraes. ABSTRACT This dissertation seeks to investigate the relationship between diplomacy and Brazilian literature, focusing on the works of João Guimarães Rosa and Vinicius de Moraes. Through a comprehensive theoretical framework, we analyze how diplomatic work can be seen as a social, cultural and political approach, establishing bridges with the literary production of these two renowned authors. Vinícius de Moraes, known for his fundamental contribution to the development of Bossa Nova, used his music and poetry to project a modern and cosmopolitan image of Brazil abroad. His partnerships with musicians such as Tom Jobim and his participation in international events helped shape the global perception of Brazilian culture. On the other hand, João Guimarães Rosa, with his innovative literary approach, revolutionized writing in the Portuguese language. The complexity and richness of his work, especially with regard to the reinvention of language, developed for Brazil’s international literary recognition. The text analyzes how these two figures not only represented Brazil in international environments, but also how their works were intertwined with the country’s cultural diplomacy. Explore the influence of their diplomatic careers on their artistic productions and how their individual contributions helped to build a unique Brazilian cultural identity on the world stage. We emphasize the innovative language, rich in neologisms and regionalisms, striking characteristics of Rosa’s writing. Finally, in the fifth chapter, we focus on Bossa Nova and Vinicius de Moraes’ contribution to this musical and cultural movement. We examine the intersection between his poetry and the lyrics of his songs, as well as his diplomatic approach, demonstrating how he incorporated colloquial language and elements of Brazilian culture, lending authenticity to Bossa Nova. Through this comprehensive analysis of the works of Guimarães Rosa and Vinicius de Moraes, this dissertation offers valuable insights into the intersection between diplomacy and Brazilian literature, showing how these two fields influence each other and contribute to a deeper understanding of society, politics and culture. from Brazil. Keywords: Diplomacy. Brazilian Literature. João Guimarães Rosa. Vinicius de Moraes. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 14 2.1 O trabalho diplomático como uma aproximação social, cultural e político........... 15 2.2 Os textos diplomáticos de João Guimarães Rosa ............................................... 18 2.2.1 O papel de Rosa na diplomacia Alemã ............................................................ 22 2.3 Diplomacia e a participação de Vinicius de Moraes ............................................ 25 2.4 Como a literatura do Brasil influência na diplomacia ........................................... 28 2.5 Diplomacia uma política da escritura como ato intelectual .................................. 30 2.6 A Estética como Essência da Expressão Literária .............................................. 32 3. QUESTÕES SOCIAIS OU POLÍTICAS NA CRIAÇÃO LITERÁRIA ...................... 35 3.1 Pensamento crítico de Rosa e Vinicius ............................................................... 43 3.2 Análise de Corpo de Baile de João Guimarães Rosa e a peça: Orfeu da Conceição .................................................................................................................................. 45 3.3 A Modernidade do século XX nos textos de Rosa e Moraes ............................... 54 3.4 Vinicius de Moraes: Poeta, Diplomata e Pilar da Bossa Nova ............................ 61 3.5 Vinicius de Moraes: Autenticidade e Cultura Brasileira na Bossa Nova .............. 67 3.6 Guimarães Rosa: Inovação e Regionalismo na Literatura Brasileira .................. 70 4. A ESCRITA DE GUIMARÃES ROSA E SUA PERSPECTIVA EM RELAÇÃO À ORALIDADE .............................................................................................................. 76 4.1 Sagarana ............................................................................................................. 77 4.2 Primeiras Estórias ............................................................................................... 79 4.3 Tutaméia ............................................................................................................. 80 4.4 Grande Sertão: Veredas ...................................................................................... 82 5. BOSSA NOVA E VINÍCIUS DE MORAES ............................................................. 84 5.1 A Bossa de Vinícius e a letra de Rosa ................................................................ 85 5.2 Diplomacia de Vinícius ........................................................................................ 87 5.3 Principais Obras .................................................................................................. 90 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 92 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 95 10 1 INTRODUÇÃO As primeiras décadas do século XX, no Brasil, foram marcadas por transformações radicais: a consolidação do capitalismo, que formou novas classes sociais, como o proletariado, em sua maioria, imigrantes europeus, que haviam chegado ao fim do século XIX. Ao virem da Europa, trouxeram consigo uma base cultural formadora dos primeiros blocos de tendências anarquistas, responsáveis pelas primeiras manifestações operárias no país. Vinícius de Moraes, poeta, compositor e diplomata, e João Guimarães Rosa, escritor e diplomata, se encontraram em 1959, em uma embaixada brasileira em Paris. O encontro resultou em uma conversa que marcou a história da literatura e da música brasileira. Durante uma conversa, Vinícius de Moraes apresentou a João Guimarães Rosa algumas de suas composições mais famosas, como “Garota de Ipanema” e “Chega de Saudade”. Em resposta, Guimarães Rosa recitou alguns trechos de seus livros, como “Grande Sertão: Veredas” e “Corpo de Baile”. O encontro foi registrado em uma gravação, que se tornou um documento histórico da cultura brasileira disponível em alguns canais virtuais. Os autores diplomatas, além do saber escolar de fundo iluminista, desenvolveram o pensamento da estrangeiridade, a saída do centramento cartesiano e a abertura para outros modos de saber e de expressão. Ao mesmo tempo que atuam no campo burocrático ou literário, buscam a convivência com a diversidade social, estética e cultural, tanto estrangeira quanto nativa, tanto subjetiva quanto concreta, relacionada à grande arte ou à tradição popular. Além de compartilhar suas obras, Vinícius e Guimarães Rosa discutiram questões relacionadas à língua portuguesa. Na época, havia uma discussão sobre a reforma ortográfica, que visava unificar a grafia da língua portuguesa em todos os países lusófonos. Guimarães Rosa era contra a unificação, argumentando que a diversidade da língua portuguesa era uma riqueza cultural. Vinícius, por sua vez, defendeu a unificação, argumentando que ela facilitaria a comunicação entre os países. A conversa entre Vinícius de Moraes e João Guimarães Rosa foi um momento único na cultura brasileira, em que dois escritores se encontraram para compartilhar suas obras e opiniões. O encontro também evidencia a relação entre a música e a 11 literatura brasileira, que se influenciam mutuamente. A Bossa Nova, movimento musical que surgiu na década de 1950 no Rio de Janeiro, foi influenciado pela literatura de Guimarães Rosa, assim como a literatura brasileira foi influenciada pela música de Vinícius de Moraes e outros compositores da época. Dessa forma, para a pesquisa metodológica do presente trabalho, foram utilizados diferentes métodos de pesquisa para coletar informações precisas e relevantes sobre o assunto. Inicialmente, foram realizadas buscas em fontes de informação, como livros, artigos acadêmicos e sites especializados em cultura brasileira. As buscas se concentraram em obras que abordavam a história da música e da literatura brasileira, a biografia de Vinícius de Moraes e João Guimarães Rosa, bem como a relação entre a música e a literatura no Brasil. Além disso, foram utilizados registros históricos e transcrições de entrevistas e conversas entre os dois escritores, para fornecer informações diretas e precisas sobre o encontro diplomático entre Vinícius e Guimarães Rosa. Também como referência bibliográfica, destaca-se a obra de Roniere Silva Menezes, intitulada “O traço, a letra e a bossa: arte e diplomacia em Cabral, Rosa e Vinicius”, que aborda a relação entre A letra de Rosa e a bossa dissonante de Vinicius, proporcionando uma análise aprofundada do encontro histórico entre esses dois diplomatas-escritores da cultura brasileira. Nesse sentido, a análise das obras de Vinicius de Moraes e João Guimarães Rosa sob as lentes da função da arte, razão poética, estética política, razão e estética, revela uma rica tapeçaria de significados e intenções. Estes dois gigantes da literatura brasileira, embora distintos em seus estilos e temas, compartilham uma profunda conexão com o uso artístico da linguagem e a representação de realidades sociais e emocionais complexas. A razão poética, é uma razão de amor, porque é reintegração da rica substância do mundo, ou seja, porque procura a reunião, a ligação e essa estética é encontrada em Vinicius de Moraes na maneira como ele entrelaça emoções com palavras, criando poesias e letras de música que tocam o coração de maneira direta e profunda. Ele utiliza a poesia como um meio de entender e expressar sentimentos, transcendendo a razão puramente lógica, ou seja, a doutrina dos conceitos já especificados, a priori, na obra de Vinícius se tornam não meramente mais dados, mas sim pensados, sentidos. 12 Em Guimarães Rosa, a sensibilidade em sua poesia é manifestada na sua capacidade de transformar a linguagem em uma ferramenta para expressar a realidade multifacetada do sertão. Ele reimagina o português para refletir o mundo místico e complexo de suas histórias, criando uma nova lógica linguística que é tanto poética quanto filosófica. Podemos observar também a estética política nas obras de Vinicius de Moraes pode ser entendida como a ciência do belo, a filosofia da arte que se dedica a estudar o que é belo nas manifestações da natureza e também nas manifestações artísticas e também no campo da diplomacia. Pode ser mais sutil, mas está presente na forma como ele aborda temas como a desigualdade social e a identidade nacional, especialmente em sua colaboração com a Bossa Nova, que projetou uma imagem moderna e sofisticada do Brasil. Guimarães Rosa, por outro lado, incorpora essa estética política mais direta, apontando os “delitos” da sociedade em seu trabalho. Sua representação do sertão vai além do físico, abordando questões de poder, justiça e moralidade. Em “Grande Sertão: Veredas”, por exemplo, o sertão é um espaço de conflito e resistência, refletindo as tensões sociais e políticas do Brasil. Tanto em Vinicius quanto em Guimarães Rosa, essa mesma razão e estética, já definidas, não são conceitos opostos, mas complementares. Vinicius utiliza a estética poética para explorar e expressar racionalmente emoções humanas, enquanto Guimarães Rosa usa a estética narrativa – cujo modelo é perceptível nos diversos modos expressivos criados pelo escritor onde a densa escrita se funde com a percepção na escrita desses personagens e falas para criar um universo onde a razão se expande para incluir o místico, o mítico e o filosófico. A obra desses autores demonstra que a arte, a poesia e a literatura não são apenas formas de entretenimento ou expressão estética, mas poderosos veículos para a exploração da condição humana, a crítica social e o entendimento profundo do mundo e de nós mesmos. João Guimarães Rosa e Vinícius de Moraes, duas figuras emblemáticas da cultura brasileira, também se destacaram em suas carreiras diplomáticas, trazendo uma perspectiva única para o serviço exterior do Brasil. Guimarães Rosa ingressou no Itamaraty em 1938, impulsionado por uma curiosidade intelectual profunda e um desejo de compreender culturas e povos além das fronteiras do Brasil. Sua jornada diplomática levou a países como Alemanha, Colômbia e França, onde sua experiência 13 internacional revelou uma rica fonte de inspiração para sua obra literária. Como diplomata, Rosa era conhecida por sua habilidade em negociar e entender nuances culturais, qualidades que transparecem em seus escritos, onde explorava a complexidade da condição humana e das relações sociais. Vinícius de Moraes, por outro lado, entrou no mundo da diplomacia em 1943, motivado tanto pela estabilidade profissional quanto pelo desejo de viver e trabalhar no exterior. Seu percurso diplomático incluiu destinos como Estados Unidos e França, onde desempenhou um papel significativo na promoção da cultura brasileira. Vinícius combinou suas habilidades diplomáticas com seu talento artístico, utilizando a música e a poesia como ferramentas de comunicação e compreensão intercultural. Em sua função, ele excedeu o papel tradicional de um diplomata, tornando-se um embaixador cultural do Brasil, ajudando a moldar a imagem do país no cenário internacional através de sua arte. A carreira diplomática de Vinícius não apenas influenciou profundamente seu trabalho artístico, mas também permitiu que ele se tornasse um elo importante na divulgação da Bossa Nova e da poesia brasileira pelo mundo. O método de pesquisa utilizado para o tema “Uma Conversa Diplomática: A Bossa de Vinícius e a Grafia do Rosa” incluiu buscas em fontes de informação orientada, análise textual, registros históricos e entrevistas com especialistas, permitindo uma compreensão mais aprofundada e abrangente do encontro entre Vinícius de Moraes e João Guimarães Rosa e seu culto para a cultura brasileira. Já o objetivo geral se norteia em analisar obras dos escritores-diplomatas João Guimarães Rosa e Vinicius de Moraes, relacionando-as aos conflitos existentes entre tradição, modernidade e modernização, em meados do século XX, no Brasil. Serão enfatizadas as alterações que a tensão entre modernidade e tradição gera na sensibilidade, no pensamento e no imaginário brasileiros a partir da segunda metade dos anos 1950, período em que o país elege a política desenvolvimentista como projeto estatal. Nesse sentido, a escolha do tema se justifica pela importância histórica e cultural do encontro entre Vinícius de Moraes e João Guimarães Rosa. Ambos são considerados ícones da cultura brasileira e suas obras influenciaram significativamente a música e a literatura do país. 92 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O ato de contar estórias apresenta-se representado em grande medida nas obras de Guimarães Rosa. Por meio dele, vislumbra-se o surgimento intenso do universo da imaginação, sendo possível visualizar o nascimento, o amadurecimento e o movimento da criatividade. As manifestações artísticas, que não se limitam apenas a estórias, mas incluem também as cantigas, danças e poesias, sejam as folclóricas, sejam as tradicionais, sobrevivem no sertão partindo da boca de diversificados tipos, de crianças a velhos, de vaqueiros a cozinheiras, de loucos a artistas, de analfabetos a letrados. A interação entre Vinícius de Moraes e João Guimarães Rosa destaca-se como um marco na história cultural do Brasil, simbolizando o entrelaçamento profundo entre a música e a literatura no país. O diálogo entre esses dois escritores da cultura brasileira, cada um mestre em sua respectiva arte, ilustra como diferentes formas de expressão artística podem se influenciar mutuamente, enriquecendo uma à outra. A Bossa Nova, um movimento musical revolucionário que surgiu no Rio de Janeiro na década de 1950, é um exemplo palpável dessa sinergia. Esta corrente musical, caracterizada por sua sofisticação e inovação, foi indiscutivelmente inspirada na narrativa literária inovadora de Guimarães Rosa, repleta de neologismos e regionalismos que refletiam a diversidade e riqueza da cultura brasileira. Logo, no mundo sertanejo, o universo do pensamento das personagens – com suas “neuroses”, dúvidas, aflições e angústias – ganha a dimensão das palavras, capazes de aprisionar, mas também de libertar. Da mesma forma, a música de Vinícius de Moraes e outros compositores da época exerceu uma influência significativa sobre a literatura brasileira, abrindo novos caminhos para a expressão literária e incentivando experimentações no uso da linguagem. Esse fato ressalta a reciprocidade entre esses dois domínios criativos e sua contribuição conjunta para a evolução da arte brasileira. Além disso, o encontro entre Vinícius de Moraes e Guimarães Rosa evidenciou a importância da língua portuguesa como um elemento cultural vital, capaz de unir e diversificar a expressão artística. A discussão sobre a preservação da diversidade linguística por Guimarães Rosa, em contraste com o apoio de Vinícius de Moraes à unificação ortográfica, reflete a complexidade e a riqueza da língua portuguesa, bem como sua capacidade de moldar e ser moldada pela cultura brasileira. 93 Para compreender plenamente a magnitude desse encontro e sua influência na cultura brasileira, foram adotados métodos de pesquisa específicos, incluindo análise de fontes documentais, análise textual, registros históricos e entrevistas com especialistas. Essa abordagem multidisciplinar proporcionou uma visão holística, destacando a maneira como Vinícius de Moraes e João Guimarães Rosa navegaram e influenciaram os conflitos entre tradição, modernidade e modernização no Brasil do século XX. As obras desses escritores-diplomatas refletem a tensão entre esses elementos e como ela afetou a sensibilidade, o pensamento e o imaginário brasileiro, especialmente a partir dos anos 1950. Vinícius de Moraes e João Guimarães Rosa não apenas marcaram a cultura brasileira com suas contribuições individuais, mas também através de seu encontro, simbolizando a fusão entre música e literatura. A influência mútua entre estas formas de arte e as discussões sobre a língua portuguesa são fundamentais para entender a riqueza e a diversidade da cultura brasileira. O legado deles permanece vivo, inspirando gerações subsequentes de músicos, escritores e artistas, e reafirmando a importância do Brasil como uma nação de rica tradição cultural. Essa continuidade no intercâmbio entre a música e a literatura brasileira, ilustrada pelo encontro de Vinícius de Moraes e João Guimarães Rosa, enfatiza a fluidez e a permeabilidade das fronteiras artísticas no Brasil. A conversa entre esses dois ícones não foi apenas um ponto de convergência entre diferentes formas de arte, mas também um reflexo da contínua evolução e fusão das expressões culturais no país. A Bossa Nova, com suas letras poéticas e melodias inovadoras, é um testemunho da capacidade da música de capturar e transmitir a complexidade da experiência humana, assim como a literatura. A influência da escrita de Guimarães Rosa nesse movimento musical evidencia como a literatura pode enriquecer outros meios de expressão, conferindo-lhes maior profundidade e significado. Por outro lado, a música de Vinícius de Moraes e seus contemporâneos também moldou o panorama literário brasileiro, incentivando os escritores a explorar novas formas de narrativa e expressão. Isso ressalta a natureza dinâmica da cultura brasileira, onde diferentes formas de arte não só coexistem, mas também se entrelaçam e se enriquecem mutuamente. Uma anedota que mostra a repugnância dos brasileiros pelo filme é quando os diplomatas do Itamaraty impedem Orfeu Negro de se candidatar a Cannes na categoria de filme brasileiro, pois temiam passar uma “má” imagem de Brasil, país de 94 negros e de favelas. Pode-se dizer que é compreensível os diplomatas negarem a imagem da favela no filme, pois é desanimador mostrar um Brasil limitado à favela em comparação ao desenvolvimento econômico que o país teve na época do filme. Já negar a imagem do negro brasileiro é um preconceito pela parte dos diplomatas, pois o negro é um elemento fundamental na cultura brasileira. Após o sucesso do filme em Cannes, os diplomatas mudaram de opinião e “foram os primeiros a falar em “sucesso nacional” nas notas oficiais comunicadas no Itamaraty.” (FLÉCHET, 2009) A discussão sobre a língua portuguesa, central no encontro entre Moraes e Rosa, é outro aspecto crucial que ressalta a diversidade e a riqueza cultural do Brasil. Enquanto Guimarães Rosa celebrava a diversidade linguística como uma fonte de riqueza cultural, Vinícius de Moraes via na unificação ortográfica uma forma de fortalecer e unificar os laços culturais entre os países de língua portuguesa. Essa dualidade reflete a complexidade da língua portuguesa como um veículo de expressão cultural, capaz de unir e diversificar simultaneamente. A pesquisa sobre esse encontro histórico, com sua abordagem multidisciplinar, ilustra o valor de abordagens variadas para entender características culturais. A combinação de análise textual, registros históricos e entrevistas com especialistas oferece uma compreensão mais rica e detalhada do impacto desses dois artistas na cultura brasileira. Vinícius de Moraes e João Guimarães Rosa não apenas deixaram um legado artístico significativo, mas também desenvolveram para moldar a consciência cultural do Brasil. Por fim, a interação entre Vinícius de Moraes e João Guimarães Rosa simboliza um momento crítico na história cultural do Brasil, onde a música e a literatura se fundiram, refletindo e enriquecendo a diversidade e a complexidade da experiência brasileira. Este encontro não apenas celebrou a fusão de duas formas de arte distintas, mas também destacou a importância da língua e da cultura como elementos centrais na construção da identidade nacional brasileira. A herança desses artistas continua a influência e inspiração, demonstrando que a cultura brasileira é um mosaico dinâmico de influências, estilos e vozes, perpetuamente em evolução e reinvenção. 95 REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor. Teoria estética. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ALVES, M. Guimarães Rosa and Vinicius de Moraes: Writing as Social and Political Transformation. Brazilian Literary Review, 2022. ANDRADE, C. “Vinicius de Moraes: poesia e compromisso social”. In: Revista Brasil-Europa, 2010. 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