UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO RAFAELA CORDASSO CULTURA POPULAR: SEUS FEITOS E EFEITOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Rio Claro 2017 LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA RAFAELA CORDASSO CULTURA POPULAR: SEUS FEITOS E EFEITOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Orientador: Prof. Dr. JOSÉ EUZÉBIO DE OLIVEIRA SOUZA ARAGÃO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Licenciada em Pedagogia. Rio Claro 2017 Cordasso, Rafaela Cultura popular: seus feitos e efeitos na educação infantil / Rafaela Cordasso. - Rio Claro, 2017 64 f. : il. Trabalho de conclusão de curso (licenciatura - Pedagogia) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: José Euzébio De Oliveira Souza Aragão 1. Educação de crianças. 2. Cultura. 3. Escola. I. Título. 372.218 C794c Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso abordará o trabalho com a cultura popular na educação infantil, vendo qual sua importância para o desenvolvimento educacional e social da criança. A cultura envolve tudo o que é produzido pelo homem e promove sentido a sua existência, desde bens materiais a imateriais, que envolvem o campo das ideias, da arte, dança e música, incluindo o conhecimento, costumes e hábitos adquiridos pelo homem em família, além do conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais aprendidos e passados de geração em geração, na comunidade, no meio em que vive e no cotidiano. A cultura popular apresentada as crianças proporciona uma aproximação com as danças e músicas, as festas, o folclore e comidas típicas de todo o território, tendo como exemplo o Brasil um país de cultura rica e diversificada. O presente estudo tem por objetivo apresentar a importância da cultura popular na educação infantil, como contribui para o desenvolvimento educacional e envolvimento familiar, além de conhecermos quais as formas e tipos de cultura mais abordadas nas atividades nos anos iniciais. Procuraremos identificar a forma como é apresentada na legislação educacional e como de fato reverbera no projeto político-pedagógico de uma escola pública. A pesquisa será qualitativa, de caráter bibliográfico e documental, baseada em trabalhos e autores que tratam o tema da cultura, da cultura popular e sua relação com a educação. Palavra-Chave: Cultura. Cultura Popular. Educação Infantil. Escola. ABSTRACT The present paper of course conclusion will approach the work with the popular culture in the Children's Education, seeing its importance for the educational and social development. Culture involves all that is produced by man and promotes meaning to his existence, from material to immaterial goods, which involves the field of ideas, art, dance and music, including the knowledge, customs and habits acquired by man in the family, In addition to the set of ideas, behaviors, symbols and social practices learned and passed from generation to generation, in the community, in the environment in which he lives and in the daily life. The popular culture presented to the children provides an approach to dances and music, parties, folklore and typical foods from all over the country, taking Brazil as an example of a rich and diverse culture. The present study aims to present the importance of popular culture in early childhood education, as it contributes to educational development and family involvement, as well as to know which forms and types of culture are most addressed in the activities in the initial years. We will try to identify how it is presented in educational legislation and how it actually reverberates in the political-pedagogical project of a public school. The research will be qualitative, bibliographical and documentary, based on works and authors dealing with the theme of culture, popular culture and their relationship with education. Keyword: Popular culture. Child education. School. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 6 2. UM ESTUDO SOBRE CULTURA E CULTURA POPULAR.................................................... 10 2.1 FORMAÇÃO CULTURAL NO MUNDO .................................................................................... 16 2.2 FORMAÇÃO CULTURAL NO BRASIL .................................................................................... 21 2.3 AFINAL, O QUE É CULTURA POPULAR? ............................................................................. 24 3. CULTURA E EDUCAÇÃO ............................................................................................................ 33 4. CULTURA NAS ESCOLAS .......................................................................................................... 45 4.1 LEGISLAÇÃO, DIRETRIZES E REFERENCIAIS: O QUE ELES DIZEM? ........................ 45 5. O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL PROFESSORA FLORA DE CASTRO RODRIGUES: COMO A CULTURA E A CULTURA POPULAR SE APRESENTAM? ....................................................... 50 5.1 ANÁLISE DE DADOS: O PPP DA ESCOLA E A CULTURA POPULAR ........................... 55 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 57 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 62 6 1. INTRODUÇÃO A cultura envolve tudo o que é produzido pelo homem e dá sentido a sua existência, sendo considerada cultura popular os costumes e crenças que identificam um grupo social, manifestada de diversas formas desde bens materiais a imateriais, envolvendo o campo das ideias, arte, dança e música, incluindo os conhecimentos, costumes e hábitos adquiridos pelo homem em família, o conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais aprendidos e passados de geração em geração, na comunidade e no cotidiano. A cultura popular pode ser transmitida através de danças e músicas ou jogos educativos que possibilitem os estímulos culturais mostrando a arte como uma atividade do fazer pedagógico através de um trabalho significativo e de valorização da cultura popular. O Brasil é um país possuidor de rica diversidade cultural, costumes e tradições distintas que se completam, construídas e modificadas pelo tempo, característica do dinamismo cultural. Nossa cultura é influenciada pelas tradições do passado, transmitidas por gerações. A educação pode auxiliar no resgate dessas tradições e, através da cultura, trabalhar o desenvolvimento e potencialidade individual do sujeito. Cabe a escola e ao professor mediar o conhecimento que a criança possui e adquire, para que se aproprie do conhecimento cultural e tenha possibilidade de vivenciar e conhecer o passado. Porém o trabalho com a cultura não deve ser limitado às datas comemorativas do país, devemos resgatar nossas tradições desde a educação infantil e trabalhá-la durante todo o ano, permitindo a compreensão e respeito através das brincadeiras, cantigas e danças que contam a história de nossa cultura. Dessa forma, nosso trabalho parte das seguintes questões: Efetivamente a cultura popular possui lugar na sala de aula? Tratamos como essencial e prioritária enquanto discussão no âmbito acadêmico, mas de que forma levá-la a prática escolar? De que forma as riquezas de nossa cultura estão sendo trabalhadas no âmbito educacional? É permitida à criança que exponha ou traga a sua cultura e vivências do cotidiano à escola? De que forma a cultura é inserida no cotidiano escolar nos anos iniciais e qual a influência ou importância dada a bagagem cultural trazida pela criança? 7 Discutiremos, embasados em referencial teórico, de que forma a aproximação cultural e artística pode transformar ou influenciar o desenvolvimento infantil. O ser humano compreende o mundo através do contato e relação que possui de maneira geral com o outro, deve haver a preocupação com os conhecimentos gerais e das artes, envolvendo os sons, imagens e expressões corporais. Cada indivíduo constrói seu próprio conhecimento através das experimentações, necessitando a escola possibilitar o contato com diferentes culturas permitindo as manifestações artísticas e suas diversas possibilidades, passando a estabelecer relações com o mundo através das expressões artísticas. Muitas escolas de educação infantil veem a inclusão e o resgate da Cultura Popular Brasileira como algo realmente importante e fundamental. O ensino possibilita o resgate de antigas tradições, lendas e histórias que fizeram parte do passado de nosso país e hoje formam nosso presente. Além de transmitir a cultura popular através da dança e de músicas, são utilizados jogos educativos que possibilitam a aproximação das crianças com o tema. Porém, devemos ressaltar a importância do envolvimento familiar aos estímulos culturais. Os estímulos culturais podem ser dados através de passeios a museus ou acervos culturais, como também através da transmissão de tradições familiares, passadas nas gerações. Segundo Carvalho (2011), na infância a criança está mais sensível a emoções e sensações possibilitando que a arte como atividade do fazer pedagógico, torne-se um trabalho significativo de valorização da cultura popular brasileira. Os trabalhos devem envolver danças, confecção de artesanato e brincadeiras que possibilitem a valorização e contato com o simples. Sugere ainda que a cultura seja trabalhada durante todo o ano e não apenas próximo a datas comemorativas do calendário, ressaltando que o resgate das tradições de nosso país desde a educação infantil permite a compreensão e respeito através das brincadeiras, cantigas e danças que contam a história de vida do povo a qual pertence. Segundo Lima (2006) as abordagens limitadas sobre cultura popular, tornam- na desvalorizadas. Cita ainda que, segundo Morin (2003, p. 57), jogos, festas e ritos fazem parte da cultura humana e são necessárias ao desenvolvimento bem como o conhecimento racional-empírico-técnico. 8 Sua presença encontra-se restrita em festas, brincadeiras e atividades descontextualizadas e sem maiores estudos ou detalhamentos que deveriam ser considerados para permitir a ampliação de conhecimentos sobre a origem, a necessidade, a função, fatores que possibilitam a valorização e mesmo o resgate de uma identidade muitas vezes perdida ou distorcida. Oportunizar estudos e vivências sobre a Cultura em sua diversidade aos estudantes nas várias realidades educativas, poderia significar o desenvolvimento de potencialidades individuais que possam ser determinantes e significativas à sociedade. (LIMA, 2016, p. 1) O contato com a cultura através das artes, danças e músicas auxiliam no desenvolvimento humano e são importantes trabalhos que devem ser desenvolvidos na escola. Oportuniza momentos de reflexão, conhecimento, questionamento e entendimento das diversidades culturais existentes. Em seu estudo, Lima afirma que foi possível constatar que A Arte pode contribuir significativamente no processo de ensino- aprendizagem, no processo de resgate e de criação de novas articulações envolvendo a cultura popular, principalmente através de abordagens interdisciplinares e contextualizada, respeitando a etapa e a realidade dos estudantes”. (LIMA, 2006, p.9) O presente estudo tem por objetivo apresentar a importância da cultura popular na educação infantil, como contribui para o desenvolvimento educacional e envolvimento familiar, além de conhecermos quais as formas e tipos de cultura mais abordadas nas atividades nos anos iniciais. Procuraremos identificar a forma como é apresentada na legislação educacional e como de fato reverbera no projeto político- pedagógico de uma escola pública. Através de uma abordagem qualitativa, utilizamos a pesquisa bibliográfica e documental como instrumento metodológico. A pesquisa qualitativa é uma pesquisa ampla que envolve a investigação do real, seu foco são as pessoas e a compreensão do que as envolve, em relação ao tema buscamos a compreensão da influência e desenvolvimento da criança através do trabalho com a cultura popular. Como possui caráter bibliográfico realizamos pesquisas através de livros e documentos científicos que possibilitem contato com o tema em questão, tendo nosso estudo a contribuição e influência de fontes secundárias. Em caráter documental, realizamos a da legislação vigente sobre educação no sentido de abstrair a ênfase na questão da cultura e da 9 cultura popular. Faremos também a análise do Projeto Político Pedagógico de uma escola pública da cidade de Limeira (SP), onde mantivemos contato durante os anos de graduação, seja na disciplina Estágio Supervisionado ou nos Projetos Integradores. Nosso trabalho está estruturado em seis seções. Na primeira apresentamos a introdução, contextualizando nosso tema, explicitando objetivos e metodologia. Na segunda seção, realizamos um estudo sobre a cultura e a cultura popular, seus conceitos e definições. Na terceira discutimos as relações entre cultura e o universo escolar, partindo então para a relação da cultura popular e sua importância no desenvolvimento da criança em seus anos iniciais, além de analisarmos como a aproximação e inserção da cultura pode influenciar as práticas pedagógicas e o desenvolvimento das crianças. Na seção quatro, descrevemos e analisamos como a relação Cultura e Educação são elaboradas e enunciadas na legislação educacional. Tomamos por base a análise da Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural, elaborada pela UNESCO, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Partindo então para a análise do Projeto Político-Pedagógico do Centro de Educação Infantil e Ensino Fundamental Professora Flora de Castro Rodrigues, na quinta seção, onde verificamos de que formas são abordadas ou tratadas as relações de cultura e educação dentro da escola. Pautamos nossas análises na definição de que, cultura popular implica no modo de vida que caracteriza uma população, algo típico dela. Observamos que a escola preocupasse com a aproximação do cotidiano da criança em sala de aula, porém apenas aproximar seu cotidiano na escola não deve ser confundido com trabalhar sua cultura na escola. 10 2. UM ESTUDO SOBRE CULTURA E CULTURA POPULAR Nesta seção estaremos abordando e apresentando os resultados dos levantamentos realizados durante as pesquisas em relações ao tema Cultura e Cultura Popular, buscando as definições e a compreensão do tema. Por vezes as diversas definições acerca da cultura estabeleceram confusão ao invés de ampliar os limites do conceito. Em cunho elitista, o conceito de cultura é utilizado como um elemento de diferenciação assimétrica e de justificação para a dominação e exploração. Cultura é palavra de origem latina e em seu significado original está ligada às atividades agrícolas. Vem do verbo latino colere, que quer dizer cultivar. Pensadores romanos antigos ampliaram esse significado e a usaram para se referir ao refinamento pessoal, e isso está presente na expressão cultural da alma. Como sinônimo de refinamento, sofisticação pessoal, educação elaborada de uma pessoa (...). (SANTOS, 1990, p. 23) Segundo Feijó (1990, p. 121), entende-se por cultura Toda produção ou manifestação voluntária, individual ou coletiva, que vise com sua comunicação à ampliação do conhecimento (racional e / ou sensível) através de uma elaboração artística de um pensamento ou de uma pesquisa científica (FEIJÓ, 1990, p. 121) As produções culturais partem de um ato de vontade sendo sempre um momento de libertação, interferindo na realidade e mal vista pelo poder autoritário. Em 1871, Taylor define a cultura como sendo todo comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética, um fenômeno natural que possui causas e regularidades. O homem foi diferenciado dos demais animais por notáveis propriedades como ter a possibilidade da comunicação oral e ser capaz de fabricar instrumentos para tornar eficiente seu aparato biológico. Estas duas propriedades possibilitam a afirmação de que o homem é o único ser possuidor de cultura. O conceito de cultura para o autor alemão Kant (1996 apud VEIGA-NETO, 2003), se inscreve como fundamentação ao projeto de autoconsciência Nacional Germânica que se dissemina mundo afora. Veiga-Neto (2003) apresenta três principais características fixadas por esses autores que cercam o conceito de cultura ao longo da modernidade: 11 1. O caráter diferenciador elitista. Após a instituição do modelo do povo alemães, o sentido criado a palavra Kultur torna-se útil como marca de distinção. A civilidade era entendida como "um conjunto de atitudes e ações humanas que eram da ordem do comportamento (...), representava a substituição da espontaneidade pela contenção dos afetos (VEIGA-NETO, 2003). Já a cultura era entendida como "um conjunto de produções e representações que eram da ordem dos saberes, da sensibilidade e do espírito" (VEIGA-NETO, 2003). Ainda que os grupos dóceis pudessem tornar-se civilizados, a cultura seria característica dos homens e sociedades superiores, não sendo capazes de possuir a cultura modelar alemã. Dessa forma, instituísse a representação de uma supremacia Nacional Germânica e a distinção de classe. 2. O caráter único e unificador da cultura, ligado ao papel atribuído a educação. Retornando a Kant, aborda que talvez a educação se torne sempre melhor e as gerações futuras dêem um passo em direção ao aperfeiçoamento da humanidade, uma vez que o grande segredo da perfeição da natureza humana se esconde no próprio problema da educação. As muitas campanhas em defesa de uma escola única para todos foram herdeiras da ideologia monoculturalista. Porém, cita que esses efeitos não ocorreriam se o Estado não tivesse tomado a escola como instituição a seu serviço, realizando a tarefa de regular a sociedade, assumiu um entendimento generalizante, essencialista e abstrato sobre o indivíduo e a sociedade. Segundo o pensamento de Bauman (2000), essa escola foi colocada a serviço da limpeza do mundo. Junto a civilidade, um mundo mais limpo é aquele que se desenvolve também uma cultura universalista, em relação à qual as demais manifestações e produções culturais dos outros povos não passariam de casos particulares ou simples imitações ou degenerescências lamentáveis. No âmbito da Cultura a situação ideal em um mundo completamente limpo seria, chamada por Veiga-Neto (2003), a máxima isotropia - situação sociocultural em que cada ponto do espaço social guarda uma relação de identidade com os pontos próximos, onde o conjunto poderia chegar a apresentar-se quase inteiramente homogêneo e com um risco social igual a zero, uma mesma ou única identidade e a rejeição da diferença. 3. O caráter Idealista da cultura. De certa forma, os autores alemães, assumem a possibilidade de neste mundo alcançar as formas perfeitas que estariam em outro mundo, no mundo das ideias. Para Kant (1996 apud VEIGA-NETO, 2003), o projeto 12 de uma teoria da educação é um ideal nobre e não faz mal não podermos realizá-lo, sendo que, uma ideia não é outra coisa senão o conceito de uma perfeição que ainda não se encontra na experiência. O idealismo acaba impregnando o entendimento moderno do que deve ser uma verdadeira teoria da educação e alimenta a busca de uma sociedade e de uma cultura perfeita, que ainda não se encontram na experiência, continua sendo uma condição necessária para se acreditar na possibilidade de uma cultura única e universal. As maneiras de entender as culturas são colocadas por Santos (1990) em um conjunto de preocupações localizadas em duas concepções básicas: 1. Preocupa-se com todos os aspectos de uma realidade social, onde cultura diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou nação, ou então de grupos no interior de uma sociedade, referindo-se a realidades sociais distintas; 2. Quando falamos de cultura estamos nos referindo mais especificamente ao conhecimento, as ideias e crenças, assim como às maneiras como eles existem na vida social, neste caso diz respeito a uma esfera, um domínio da vida social. Cultura diz respeito a todos os aspectos da vida social, sendo uma dimensão do processo social e construção histórica da vida de uma sociedade, um produto coletivo da vida humana. A sociedade, quando se encontra em interação com outra sociedade, passa a participar de processos sociais comuns, partilhando uma mesma história e, em consequência, mudando e transformando suas culturas em conteúdo e significado para que as sociedades sobrevivam. As tradições de uma cultura são dinâmicas e identificáveis, não são imutáveis e se repetem com o passar dos anos e em diversos lugares, estando em constante transformação e sendo a mudança um aspecto fundamental. Estamos mergulhados em cultura e longe de tê-la como um conceito bem definido pelas ciências humanas, remetendo a um amplo aspecto de concepções e pontos de vista que vão desde a negação de que os fatos por ela identificados contenham alguma forma de “saber”, até atribuir-lhes o papel de resistência contra a dominação de classe. Segundo Arantes (1990), toma-se dois pontos de vista, onde o primeiro refere-se em geral a aspectos da tecnologia e de conhecimento do universo, pensando os eventos do passado ou algo que foi ou será superado, e o segundo enfatiza as formas artísticas de expressão, pensando os eventos no futuro e 13 vislumbrando indícios de uma nova ordem social. Nas sociedades estratificadas de classes essas esferas são atividades especializadas tendo por objetivo a produção de um conhecimento e de um gosto, difundidos dentre as diversas camadas sociais como os mais corretos ou adequados. Nesse sentido, “ser culto” envolve saber, ter conhecimento, estar informado (ARANTES, 1990). As preocupações contemporâneas com a cultura estão relacionadas a civilização ocidental, tanto nas discussões sobre cultura como nas preocupações em estudar sociedades diferentes, os impulsos se localizam na civilização dominante, sendo através dos olhos dessa civilização que a ciência vê o mundo e procura compreendê-la e a seu destino. Surgem associadas ao progresso da sociedade, do conhecimento e as novas formas de dominação. Hoje os centros de poder da sociedade se preocupam com a cultura, procurando defini-la, atendê-la, controlá-la e agir sobre seu desenvolvimento. Em relação aos aspectos que envolvem a consolidação das preocupações com a cultura, Santos (1990) relata que no século XIX se tornou dominante a visão laica do mundo social e da vida humana, possuindo força para se impor anteriormente na definição de práticas e comportamentos o cristianismo, ordenando os modelos principais do conhecimento e a interpretação do mundo e das relações sociais. As rupturas se deram através da preocupação com o entendimento da origem e transformação da sociedade e das espécies de vida, surgindo, a partir das novas teorias biológicas e sociais, uma visão da humanidade amarrada a teoria da evolução das espécies, sendo a humanidade vista como uma espécie animal produzida por transformações de outras formas de vida, essa humanidade possuindo uma vida social sujeita a evolução em virtude de fatores materiais possíveis de serem estudados. Nesse contexto a cultura servia para diferenciar populações humanas de outras formas animais. Quando diferentes povos eram comparados, cultura era usada para expressar a totalidade das características e condições de vida de um povo, tudo o que envolve cultura era considerado humano e, tudo o que é humano, é cultural. A Cultura, sendo exclusividade humana, funcionou como um lugar simbólico, capaz de conferir ao Homem um sentido de pertencer e uma identidade única que ele pensava ter perdido, sendo usada como um refúgio que passa a abrigar um homem diminuído e perdido no mundo, após ser retirado do Centro da natureza. Alfred Kroeber (apud LARAIA, 2009) demonstra em seu artigo “O superorgânico” que, graças à cultura, à humanidade distanciou-se do mundo animal, 14 o homem passa a ser considerado acima de suas limitações orgânicas, ao adquirir cultura perdemos a propriedade animal. A preocupação de Kroeber é evitar a confusão entre orgânico e cultural, o homem depende de seu equipamento biológico para se manter vivo, mas a maneira de satisfazer essas funções básicas varia de cultura para cultura. O homem sobreviveu dotado de um instrumental extra orgânico de adaptação que melhorou sua velocidade, força e outras alterações sem modificações anatômicas, nossas modificações são exteriores ao corpo e, superando o orgânico, o homem liberta-se da natureza possuindo toda a Terra como seu habitat. Sendo o resultado do meio cultural em que foi socializado e fazendo parte de um processo acumulativo que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas gerações antepassadas, a diversidade cultural é comum e pode ocorrer dentro de um mesmo espaço físico. O desenvolvimento da humanidade é marcado por contatos e conflitos entre diferentes modos de organizar a vida social, de apropriação e transformação dos recursos naturais, de imaginar, entender e expressar a realidade. É marcante na história as transformações culturais movidas por forças internas ou por consequência dos conflitos, dessa forma, é preciso ter em mente a diversidade e riqueza das formas de existência ao discutirmos sobre cultura. Assim, cultura diz respeito à humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos. Quando se considera as culturas particulares que existem ou existiram, logo se constata a sua grande variação (...) É sempre fundamental entender os sentidos que uma realidade cultural faz para aqueles que a vivem. (SANTOS, 1990. Pag. 11) Cada realidade cultural tem sua lógica interna, devemos procurar compreendê- las para que façam sentido as práticas, costumes, concepções e transformações pelas quais passam, sendo necessário relacionar a variedade dos procedimentos culturais e o contexto no qual são produzidos pois essas variações, fazem sentido para os agrupamentos humanos em que vive o indivíduo e são resultado de sua história, relacionando-se com as composições materiais de sua existência. A discussão sobre cultura ajuda-nos a pensar sobre nossa própria realidade social, sendo também um tema repleto de equívocos e armadilhas. Um dos focos de questionamentos constantes envolve o porquê de as culturas variarem tanto e quais os sentidos de tanta variação. Conforme Santos (1990), a riqueza das formas de 15 culturas e suas relações falam bem de perto a cada um de nós, convidando-nos a enxergar como seres sociais, fazendo pensar a natureza dos conjuntos sociais de que fazemos parte, indagar as razões da realidade social de que partilhamos e das forças que as mantêm e transforma. As culturas e realidades culturais diversas são históricas e sujeitas a transformação, é uma produção coletiva, mas na sociedade de classes seu controle e benefício não pertence a todos, isso porque as relações entre os membros dessa sociedade são marcadas por desigualdade, geralmente benéfica ao dominante e em consequência apresenta poderosas marcas de desigualdade. As culturas e sociedades humanas se relacionam de modo desigual, faz-se necessário buscar a superação dessas desigualdades. As variedades dos modos de vida entre os povos e nações é um elemento fundamental das preocupações que envolvem cultura, devendo ocorrer a observação a partir da cultura do observador, sendo os critérios que classificam uma cultura também culturais. Seu estudo e sua transformação são fundamentais para que possamos compreender a civilização e seu processo histórico. O desenvolvimento dos grupos se faz segundo diversos ritmos e modalidades, além das tendências globais, seu desenvolvimento está marcado pelas maneiras de organizar e transformar a vida em sociedade, além de superar os conflitos de interesse e as tensões geradas na vida social. Segundo Veiga-Neto (2003), tornam-se visíveis as diferenças culturais nos últimos tempos, além da imposição de um grupo sobre outro. Nas esferas acadêmicas, políticas ou na vida cotidiana, crescem os interesses pelas questões culturais e a centralidade da cultura para pensar o mundo, não necessariamente tornando-a uma instância epistemologicamente superior a outras instâncias sociais, mas sim, atravessando-as. Dessa forma, presenciamos uma virada cultural, entendendo-se que a cultura é central não por ocupar o centro, mas por perpassar tudo o que ocorre em nossas vidas, além das representações feitas desses acontecimentos. Dentro da virada cultural passam a ser privilegiados determinados temas na análise de fenômenos sociais, alça-se cultura como condição de categoria essencial para o esforço de se compreender a vida e a organização da sociedade, é estabelecida a matriz intelectual que propiciou o surgimento dos Estudos Culturais, bem como a modificação de práticas acadêmicas hegemônicas. Estamos diante de uma Revolução Cultural evidente através da expansão do domínio configurado por 16 instituições e práticas culturais. Os meios de produção, circulação e troca cultural também se ampliam, graças ao desenvolvimento da tecnologia. Não a estudamos como uma variável sem importância, secundária ou dependente, mas sim, deve ser vista como algo fundamental, característico, que determina à forma, o caráter e a vida interior do movimento. 2.1 FORMAÇÃO CULTURAL NO MUNDO Observando os momentos históricos significativos da nossa formação cultural e política, notamos que a política sempre se ocupou da cultura que, por vezes incentivada de acordo com os interesses políticos e econômicos dominantes, é reprimida a certos limites, mas, quando organizada e consciente, a produção cultural provocou ou deu contribuições decisivas para transformações históricas. Cultura torna-se uma esfera de atuação econômica e um tratamento equivocado pode favorecer os interesses dominantes da sociedade. A consciência da política começa na Grécia, quando Aristóteles afirma que “o homem é um animal político”, por sua capacidade de organização social. A cidade, polis, tinha importância decisiva e, atuar para a polis era desempenhar um papel político, sendo o significado e essência da política a participação dos indivíduos nos destinos da coletividade. Na Grécia, em Atenas, se adota uma política cultural, onde o Teatro Grego, apresentado ao ar livre, era visto como elemento da vida pública: os cidadãos participavam da democracia e assistiam à tragédias e comédias, com o tempo o público passa a ser remunerado para assistir a peças teatrais sem censura. Os romanos possuíam uma relação instrumental, onde a cultura era vista como justificação de algo, principalmente do Poder. Eram patrocinadas obras que engrandecessem a figura do imperador e assim justificassem o poderio romano, dessa forma, artistas ou pensadores eram mantidos por algum poder econômico ou políticos e a cultura acabava sendo utilizada para servir a um domínio político. Entre os séculos XVIII e XIX na Alemanha, surge a ideia de uma cultura comum unindo as várias unidades políticas, conforme Santos (1990), “cultura podia ser vista como a expressão de uma nação que não tinha Estado”. A Alemanha era dividida em 17 várias unidades políticas e o sentido da discussão cultural era especial, procurando expressar uma unidade viva de uma nação não unificada politicamente, servindo para falar de todos os alemães na falta de uma organização política comum. Desta forma caminhou-se para consolidar as modernas preocupações com cultura, procurando dar conta sistematicamente de uma diversidade de maneiras de viver que já havia sido motivo de reflexão por séculos. As alterações significativas envolvendo cultura também ocorrem na caligrafia, a palavra Cultura passa a ser escrita com letra maiúscula, por ocupar um status mais elevado, e no singular, por ser entendida como única, quando, no século XVIII, "intelectuais alemães passaram a chamar de Kultur a sua própria contribuição para a humanidade, em termos de maneiras de estar no mundo, de produzir e apreciar obras de arte e literatura, de pensar e organizar sistemas religiosos e filosóficos" (VEIGA- NETO, 2003), especialmente os que os diferenciava do resto do mundo. O termo germânico Kultur acabou sendo compendiado ao termo civilization, palavra francesa que se referia as realizações materiais de um povo, ambos sintetizados por Edward Taylor (1832 a 1917) no vocábulo inglês Culture que “tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (LARAIA, 2009). As discussões em torno da cultura possuíam como principal objetivo debater os marcadores culturais considerados para demarcar a verdadeira cultura, a alta cultura. Surgindo a diferenciação entre alta cultura, um modelo daqueles homens cultivados, e baixa cultura, modelo dos homens menos cultivados. Segundo Santos (1990), por um lado cultura pode referir-se a alta cultura, surgindo como oposição a selvageria, sendo uma marca da civilização ou ainda das camadas dominantes da população de uma sociedade, se opondo a falta de domínio da língua escrita, ou a falta de acesso a ciência, arte e religião das camadas dominantes. Por outro lado, pode referir-se a qualquer cultura, fala-se em cultura de qualquer povo, nação, grupo ou sociedade humana, considera-se como cultura todas as maneiras de existência humana. Nesse período ocorrem transformações na ideia de cultura e as discussões surgem associadas à tentativa de distinguir entre aspectos materiais e não-materiais da vida social, entre a matéria e o espírito de uma sociedade. Dessa forma ora civilização, ora cultura serviam para significar aspectos materiais da vida social, bem como o universo de ideias, concepções e crenças. Usualmente se reserva civilização 18 para fazer referência a poderosas sociedades, de longa tradição histórica e grande âmbito de influência enquanto cultura remete a sociedade e grupos de seu interior, distinguindo aspectos da vida social e possuindo a humanidade como referência, simultaneamente dá conta de particularidades da realidade cultural. As discussões sobre cultura firmaram-se no período em que outras abordagens se preocupavam em estudar criticamente as características intensas da sociedade capitalista, as condições para sua superação e contribuições para as lutas operárias, estudava-se a natureza das classes sociais e sua dinâmica. No século XIX estudos foram desenvolvidos a fim de organizar hierarquicamente todas as culturas humanas existentes ou extintas, utilizando uma concepção de evolução linear, onde se acreditava que a humanidade passaria por sucessivas etapas de evolução social partindo da distinção da espécie humana dos outros animais até a civilização conhecida na Europa Ocidental, outros povos e culturas eram considerados inferiores e portanto, ainda em evolução. Essas concepções foram criticadas, visto que, cada cultura é única e são múltiplos os critérios naturais e, acompanhando a variedade da história humana, há a diversidade de cultura. Nesse século aumentam os contatos entre as nações da Europa e das populações do resto do mundo, sociedades antes isoladas foram subjugadas e incorporadas ao âmbito da influência europeia. As potências europeias encontravam- se no processo de expansão, incorporando nações e territórios e submetendo populações a seu mando político e controle militar, a discussão sobre cultura estava ligada às preocupações de entender os povos e nações que se subjugavam, sendo alimentada por essa expansão política e econômica das sociedades industrializadas, que lhe forneciam campo de observação e possibilitavam o acesso a material para estudo. A preocupação com cultura se generalizou como questão científica e as ciências humanas passaram a cuidar sistematicamente dela, os estudos sobre as culturas humanas se intensificam na medida que se aceleram os contatos entre povos e nações, as preocupações se voltaram para a compreensão das sociedades modernas e para aquelas que desapareceram e cada vez mais perdem suas características em virtude do contato. Essas preocupações contribuem para delimitar intelectualmente a posição internacional do Ocidente, através da dominação política e econômica, além da imposição das concepções culturais aos povos dominados. 19 Ocorre a Era das Revoluções ocasionada pelo impacto da industrialização e a partir da revolução industrial consolida-se um sistema fundamentado no lucro, responsável por profundas transformações na sociedade e pelo aparecimento da classe do operariado, classe que a partir de sua luta alterou o mundo da política e da cultura. Antes as políticas culturais eram restritas as relações entre o Poder e os produtores culturais ou intelectuais. Com a industrialização, a concentração urbana e a comunicação ampliada, surgem mudanças a partir das fábricas. As lutas operárias do século XIX mostram que existem classes na sociedade e que seus interesses são diferentes e antagônicos, ou seja, os interesses dos setores explorados economicamente se colocam frontalmente aos interesses dos que vivem da exploração, a partir disso a luta de classes passa a ser compreendida e apreendida pela consciência dos dominados (FEIJÓ, 1990). No início, o movimento exigia melhorias econômicas, mas as mudanças levaram as questões políticas e novas formas de organização social. Adquirindo e assimilando o conhecimento, a liderança operária passa a compreender o mundo e a transformá-lo, sendo o valor da cultura considerado arma de transformação social. O projeto político-cultural passa a ser importante para a luta política, tendo como principais objetivos romper a barreira que separava os intelectuais revolucionários da massa operária e lutar contra as ideias dominantes que promoviam a separação dos operários de seus interesses históricos mais profundos. Durante o processo de industrialização ocorre uma acentuada urbanização, surge o sistema escolar, desenvolve-se a imprensa diária, amplia-se o conhecimento político, científico e diário, massificando assim o tema cultura. A década de 20 é marcada por uma efervescência cultural onde surgem organismos culturais autônomos, independentes do Estado, incorporando novos intelectuais no processo cultural e político. No final dessa década as entidades culturais passam a ser subordinadas ao poder estatal, abrindo caminho a uma política cultural rígida, dogmática e até violenta, onde a cultura passa a ser administrada e planejada, vista como exclusiva de classe e sendo confundida com ideologia, a arte passa a ser concebida dentro de padrões e a cultura industrializada é utilizada para justificar um poder dito em nome do proletariado. Para criticar os interesses dominantes surgiram os que compreendiam que a "cultura" que os burgueses defendiam não era cultura, era interesse. Isto é, a classe dominante confundia cultura com ideologia, quando na verdade 20 diferem: conhecimento é uma coisa, mascaramento de interesses é outra. Além disso, a burguesia temia a democratização da cultura, pois não queria democratizar o poder. (FEIJÓ, 1990. Pag. 128). No período entre a Revolução Russa e a Segunda Guerra Mundial, foi polemizado o caráter transformador da cultura e da arte. A revolução russa desencadeia forças culturais no mundo todo, provocando uma renovação no modo de relacionar a arte com a vida e ampliando a consciência de um caráter político presente na arte. Essa consciência acaba dando lugar a oficialização da estética de forma problemática, mas também libera uma reflexão ainda não pensada sobre o papel da arte. Na década de 60 a Revolução Cubana, ocasiona impactos políticos e culturais por toda a América. O principal objetivo cultural envolveu a criação de condições para a produção cultural, havendo ênfase no caráter educacional constante e a luta para retirar os produtores culturais da ilegalidade, envolvendo diversas condições como materiais e liberdade de criação. Cuba também desenvolve o combate ao analfabetismo e, segundo Feijó (1990), “a reforma educacional em Cuba partiu exatamente da luta pela superação de tudo o que causava o subdesenvolvimento cultural”. Buscou-se criar o novo homem, através do respeito ao indivíduo, sendo necessário liberdade, crítica, pesquisa científica e estética diante de uma nova realidade, sem imposições, regras ou receitas. Na Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais (MondiaCult) realizada no México em 1982, destacou-se o respeito a uma identidade cultural e, a partir disso, a abertura a outras culturas. Nos anos 20 do século passado surgem mudanças no conceito de Cultura ligadas a vasta crise da Modernidade, dando início a reflexão sobre falar de culturas ao invés de Cultura. Enquanto o monoculturalismo coloca a ênfase no humanismo e na estética, o multiculturalismo muda a ênfase para a política. A experiência monocultural, jamais foi observada ou experimentada, seriam necessários estudos profundos para encontrar-se a lógica única e o repertório comum de princípios, códigos ou valores comuns e partilhados por todas as culturas. Há um argumento aplicado para a defesa de um suposto caráter universalista da cultura, onde, se não houvesse um dominador comum a todas as culturas, não haveria como uma cultura se comunicar com as demais, nem haveria como diferenciar uma cultura de todas as outras, nem como saber que estamos diante de uma cultura (VEIGA-NETO, 2003). 21 Em consequência aos eventos desse século a preocupação moderna com a cultura nasce associada a necessidade do conhecimento e as realidades da dominação política. As discussões sobre cultura também muito têm a ver com o entendimento moderno do que seja uma nação, trata-se de unidades políticas que queriam definir o que lhes era específico, em relação às nações políticas e economicamente dominantes. A realidade de cada país era pensada tendo por referência a cultura dominante no Ocidente tanto no aspecto material, quanto das formas de conhecimento e concepções sobre a vida e a sociedade. As preocupações ordenadas com a questão da cultura são recentes, antes cultura era uma preocupação de pensadores envolvidos nas interpretações da história humana, na compreensão da particularidade dos costumes e crenças, buscando entender o desenvolvimento dos povos no contexto das condições materiais em que se desenvolviam (SANTOS, 1990). 2.2 FORMAÇÃO CULTURAL NO BRASIL O Brasil possui regiões geográficas com culturas diferentes, a população se difere dentro de sua própria cultura e possuímos uma cultura originária de outras culturas mundiais, igualmente influenciada pelo processo de formação cultural do mundo. A diversidade não é feita apenas de ideias, também se relaciona com as maneiras de atuar na vida social, com as diferentes maneiras de viver, devendo-se considerar a diversidade cultural interna de nossa sociedade para que possamos melhor compreender o país em que vivemos (SANTOS, 1990). No Brasil a relação entre cultura e política surgem com a República, nascida durante o movimento abolicionista e envolvendo as transformações pelas quais o Brasil passava pela sua inserção no capitalismo internacional. Através da literatura, intelectuais e escritores como Euclides da Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato realizam denúncias em busca de transformações, denominada “literatura como missão”, buscando garantir uma qualidade estética e demonstrar a insatisfação com as condições econômicas, sociais, políticas e culturais. 22 Com a industrialização no Brasil surge o movimento operário com mão-de-obra imigrante possuindo uma base doutrinária principalmente anarquista, sem pátria nem patrão, dando importância à educação, ao conhecimento, à autoconsciência e possuindo uma rica atuação no plano cultural (FEIJÓ, 1990). Com os efeitos da Primeira Guerra Mundial, o país enfrenta a crise no plano econômico, enquanto no plano social aumenta a população urbana com uma classe operária atuante, situação propícia para a efervescência cultural. Com todos os acontecimentos, os jovens intelectuais organizam um movimento para diminuir as distâncias culturais, inspirados na vanguarda europeia: a semana da arte moderna. Um de seus principais propósitos envolvia a renovação e transformação do contexto artístico e cultural urbano desde a literatura até a música, buscando a criação de uma arte essencialmente nacional. Em 1934 é criada a Universidade de São Paulo e em 1935 o departamento de Cultura do município de São Paulo, ambas com grande importância cultural. Mário de Andrade é convidado a dirigir o departamento, com uma proposta cultural nova e avançada, sua atuação é voltada para a democratização da cultura, institui cursos de refinamento musical, incentivo a cultura popular e uma recreação infantil que seja pedagogicamente orientada. A prática não partia de um isolamento das culturas, mas de seu relacionamento, uma aproximação da cultura popular com a cultura erudita, bem como com todas as outras culturas. Uma política cultural do movimento modernista buscando possibilitar a atualização da inteligência brasileira direito permanente à pesquisa estética e a reflexão sobre sua própria realidade cultural, porém a prática era frágil e isolada. Mário de Andrade traz a valorização do que entendemos como “cultura dos outros”, desde que visto como em elaboração minha identidade cultural não se anula na diferença, se fortalece. Astrojildo Pereira (apud FEIJÓ, 1990) procurou elaborar um projeto de política cultural para o Brasil, porém não se tratava de uma política partidária, fazendo com que sua perspectiva não fosse promovida. Buscava uma identidade cultural da nação, defendendo que, uma das marcas de nossa nacionalidade está na herança progressista de nossa cultura, expressa nos intelectuais que buscavam superar seus limites históricos aproximando-se do seu povo e de seu tempo. A liberdade aos criadores culturais exige a democratização da cultura, garantida e acompanhada pela democratização econômica e política, sendo que o processo de superação da separação entre produção cultural e setores populares só é possível no quadro das 23 transformações históricas, esclarece Feijó (1990). Para Pereira a cultura tem importância decisiva nesse processo, nossa herança cultural mostra que o que de melhor se fez na cultura brasileira foi a produção com os olhos voltados para a Nacional e popular. Em Mário de Andrade e Astrojildo Pereira se encontram os primeiros passos para uma consciente e profunda política cultural para o Brasil, ambos buscam uma identidade modelada na liberdade. A década de 60 é essencialmente explosiva em termos políticos e culturais. Em Pernambuco no governo de Miguel Arraes ocorre a experiência mais avançada na política cultural onde Paulo Freire coordena o combate ao analfabetismo partindo de novas formas de relacionamento cultural. O plano de alfabetização de adultos tinha como base a própria realidade social e cultural do aluno, definido por Freire como “universo cultural”. A alfabetização interfere na vida do sujeito a partir de sua realidade, implicando o desenvolvimento da visão crítica do alfabetizando. Nessa década a esfera pública reflete a efervescência cultural. De todas as manifestações culturais, a que adquiriu um conteúdo político cultural foi a criação do Centro Popular de Cultura (CPC), a primeira tentativa de criar um movimento político- cultural que não fosse iniciativa isolada nem dependesse do Estado, descobrindo e se relacionando com o Brasil Real. A proposta era generosa, acreditava-se na simplificação dos temas e formas através de uma idealização da “cultura popular” dando a ela forte conteúdo político, mas o projeto não teve uma evolução que pudesse levar a um aprofundamento dessas questões. Em Março de 64 o golpe militar dá início a uma nova política cultural, mais obscura, interferindo na posição cultural e sua divulgação. A memória passa a ser mais considerada que a inteligência, glorificam-se os heróis e focam as datas comemorativas. Não apenas os produtores culturais são afetados, mas a nação fica desprovida de sua capacidade e crítica. Um aspecto dessa política cultural é a censura, torna-se uma cultura policiada e surge uma cultura de resistência que acabou incorporando os jovens no processo cultural e político brasileiro. Nos anos 70 a questão cultural sintoniza o fim de um período, ocorrem as reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), onde intelectuais de várias áreas, regiões do país e ideologias discutem seus problemas dando ênfase ao caráter político: “sem democracia não há ciência, não há arte, não há pensamento, não há Cultura”. O clima desviava as reuniões de seu caráter 24 específico tornando-se um fórum que substituía canais não existentes, muito contribuiu para a cultura marcar sua presença em nosso período histórico. Na década de 70, ganham destaque o movimento das “minorias”, manifestando através da cultura para defesa de uma política de respeito aos seus direitos. Uma característica de nosso tempo é a incorporação da juventude na história, após grandes informações, caos e manipulações, buscam-se novas alternativas culturais em todo mundo. O caráter cultural de um movimento em destaque foi chamado de “contracultura”, ocorrendo a cultura crítica à cultura dominante, tecnocrática, burocrática, retificada, manipulada e espiritualista. A contracultura é criadora e permitiu o aparecimento de novas políticas culturais. Desde a década de 70 a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) - encarregada pela educação e cultura, visando defender os direitos humanos nessa área -, reúne representantes de vários países para estabelecer normas de convivência cultural e respeito pelas culturas alheias, com a contribuição da contracultura. 2.3 AFINAL, O QUE É CULTURA POPULAR? Nossa sociedade é complexa e diferenciada, os modos de vida são constantemente recriados. Refletindo com cautela notamos que, pôr sobre a diferença, alguns valores e concepções são implementados socialmente, através de um complexo mecanismo de produção e divulgação de ideias, como sendo ou devendo se tornar o modo de agir e de pensar de todos, sendo essa uma das funções das escolas, igrejas, museus e meios de comunicação de massa, que por vezes, de modo indireto ou implícito, procuram aproximar o que é dessemelhante, legitimando a supremacia de alguns modos particulares de saber sobre os demais. Na sociedade Industrial o trabalho manual e intelectual é pensado e vivenciado como realidade distinta e distante uma da outra. As coisas são tratadas como se fazer fosse um ato naturalmente dissociado de saber, uma dissociação básica para a manutenção das classes sociais, utilizada para justificar que uns tenham ou mantenham o poder sobre outros. Na sociedade capitalista o que é popular é associado a fazer desprovido de saber. 25 Segundo Santos (1990), são duas as possibilidades básicas de relacionar diferentes culturas entre si: pensa-se hierarquizar essas culturas segundo algum critério e nega-se que seja viável fazer qualquer hierarquização, cada cultura tem seu próprio critério de avaliação, dessa forma seria necessário subjugar uma cultura aos critérios de outra. O entendimento do estudo da cultura contribui no combate ao preconceito, oferecendo uma plataforma firme para respeito e dignidade nas relações humanas. Porém, cada cultura em particular não pode ser dissociada da necessidade de se considerar as relações entre as culturas, e para a compreensão da cultura é necessário pensar nos diversos povos e nações, sociedades e grupos humanos em constante interação. Há a necessidade de relacionar as manifestações e dimensões culturais com as diferentes classes e grupos que a constituem. Mais que o resultado de uma história particular, também inclui as relações com as diferentes culturas. Falar da totalidade envolve uma ideia ampla, vasta e difícil de operacionalizar, porém é importante já que a comparação da sociedade e das realidades sociais nos permite notar o que torna as sociedades diferentes através da preocupação com a totalidade das características (SANTOS, 1990). Com a interação entre povos, nações e culturas particulares, as possibilidades de falar em cultura como totalidade diminuem, surgindo a tendência da formação de uma civilização mundial que partilhe características comuns fundamentais como processos históricos comuns, semelhança na existência social, desenvolvimento de suas economias dependentes, superação da desigualdade social interna e o alcance dos padrões internacionais de qualidade de vida. Fala-se de cultura como a totalidade de uma dimensão da sociedade e do conhecimento em um sentido amplo, envolvendo todo conhecimento que uma sociedade possui sobre si mesma, sobre as outras sociedades, sobre o meio material em que vive e sobre a própria existência, inclui a maneira como esse conhecimento é expresso por uma sociedade (SANTOS, 1990). O estudo da cultura busca entender o sentido que fazem essas concepções e práticas para a sociedade que as vive, buscando seu desenvolvimento na história da sociedade e mostrando como volta-se para as maneiras pelas quais a realidade que se conhece é codificada por uma sociedade com palavras, ideias, doutrinas, teorias e práticas. O estudo da cultura se relaciona às forças sociais que movem a sociedade, 26 incluindo o estudo de processos de simbolização permite condenar o conhecimento, processar informações, acumular, transmitir e transformar experiências. Cultura tende a transformar-se em uma área de reflexão sobre a realidade onde as percepções básicas se mesclam, passando a ser entendida como uma dimensão da realidade social - a dimensão não-material e totalizadora - entrecortando os vários aspectos dessa realidade. Diz respeito a processos globais que ocorrem dentro da sociedade, associada ao conhecimento sendo um fator de mudança social, descrevendo e compreendendo a realidade, apontando caminhos e contribuindo para sua modificação, estando associada as preocupações do estudo da sociedade, levando a pensar as relações de poder e considerar a organização social. Embora o equipamento biológico dos homens seja idêntico em toda parte, as regularidades de comportamento variam de um grupo social a outro, partilhando cada grupo uma interpretação e materialização, seguindo sua linguagem e concepção de mundo. A diversidade ocorre em processos históricos múltiplos e é o lugar privilegiado da cultura, uma vez que constitui os diversos núcleos de identidade dos vários agrupamentos, ao mesmo tempo que as diferencia uns dos outros. Pertencer a um grupo social implica em compartilhar um modo específico de comportar-se em relação aos outros homens e a natureza. Um Levantamento realizado em 1952, referente a vários estudos, mostra que diversos autores atribuem diferentes respostas ao conceito cultura, mas concordam que um de seus aspectos mais importantes é o da significação, fazendo ela e os valores — variáveis e relativos — parte da organização da cultura. Em um dado meio cultural os costumes possuem significação simbólica carregando fragmentos de um código com qual se constrói afirmações metafóricas a respeito das relações sociais vigentes. Os símbolos devem ser interpretados como produtos de homens reais que articulam pontos de vista a respeito de problemas colocados pela estrutura de sua sociedade, essa postura nos convida a compreender de que modo se expressam compreensões variadas e às vezes conflitantes acerca de questões sociais fundamentais. Para Leach (apud ARANTES, 1990) a cultura É constituída por sistema de significados que são parte integrante da ação social organizada (...) os eventos culturais deixam de ser considerados objetos de avaliação estética ou moral, ou mesmo manifestações parciais das possibilidades teóricas de uma gramática social, para serem interpretados como realizações efetivamente possíveis de sistema simbólicos em situações específicas. (ARANTES, 1990, Página 40 / 41). 27 Entre cultura e os símbolos articulados surge a mediação do entrejogo de interesses políticos divergentes de segmentos sociais, podemos pensar assim, segundo Arantes (1990), na cultura como produto. As transformações provocadas nas relações sociais pelos processos de urbanização e industrialização são sentidas no plano da cultura, mudando as atividades desenvolvidas, bem como a forma de organização e produção. Constantemente realizamos as operações mentais de codificação e decodificação de conhecimentos e significados com base em nossa própria cultura ou a partir dela, é preciso aproximação do observador com a vida cotidiana daquele cuja cultura se pretende estudar para através da convivência definir e delimitar os problemas a serem investigados. Em diversas culturas, as vestimentas e os ornamentos diferenciam hierarquia e status, porém um mesmo objeto poderá ter diferentes significações dependendo da visão cultural, os objetos são ressignificados quando observados por outra cultura. Na vida social as significações estão em toda parte, todas as ações das sociedades humanas são constituídas segundo os códigos e as convenções simbólicas a que denominamos cultura. Dessa forma, interpretar os significados implica em reconstruir o mundo como os grupos se representam, as relações sociais que os definem. Gramsci (1979) pensou a cultura como um todo, acreditando que o processo de transformações sociais exige a luta por uma nova cultura e destacando o papel dos intelectuais nesse processo importante na organização da cultura. Em Gramsci, a cultura é um momento privilegiado da política e da Revolução como um fator cultural, estabelecendo uma perspectiva política onde a cultura seja um momento decisivo. O aspecto mais importante de seu pensamento está no papel que ele entende que deve ter a classe operária: os trabalhadores devem conseguir o consenso das outras classes exploradas para as mudanças. Gramsci desenvolve o conceito do nacional-popular, possui uma preocupação com a criação cultural refletindo e transformando a realidade a partir da própria prática político-cultural, não separa política e cultura, buscando fazer da cultura um instrumento da política (FEIJÓ, 1990). Em busca da nova cultura, busca inserir o intelectual na vida do povo e vice-versa, surgindo dessa luta a cultura nacional- popular, onde a capacidade dos produtores culturais de se apropriarem dos valores profundos criados pela humanidade permite recriar e ampliar de acordo com a 28 perspectiva nacional e popular, um ponto de partida para a discussão da política cultural transformadora, democrática e popular. A cultura nacional é resultado e aspecto de processos seculares e uma realidade históricos particular de trabalho e produção, envolve a língua, os costumes e tradições de um povo, passando por constantes alterações. É a cultura comum de uma sociedade nacional, uma dimensão dinâmica, viva e importante aos processos internos dessa sociedade e para entender as relações internacionais. Discutir a cultura comum pode ser uma forma de mudar seu desenvolvimento, porém a cultura comum não é um conjunto delimitado de características. O conhecimento acumulado e suas manifestações são um produto histórico da vida de uma sociedade e de suas relações com outras sociedades. É a história de cada sociedade que pode explicar as particularidades de cada cultura. (SANTOS, 1990. Pag. 51). A cultura em nossa sociedade não é imune às relações de dominação que a caracterizam, é um aspecto de nossa realidade e sua transformação, ao mesmo tempo em que a expressa e modifica. As manifestações que ocorrem na sociedade dizem respeito a dimensões de nossa vida social que tem origens históricas diferentes. Algumas são parte do processo histórico da sociedade como um todo, consolidam-se com o crescimento das cidades, transformam-se com o país e por vezes deixam de ser exclusivamente associado a uma parte da população, como por exemplo nosso Carnaval. No fim da Idade Média, nos Estados Europeus em formação, cultura se transforma na descrição das formas de conhecimento dominante com preocupações voltadas para o conhecimento erudito acessível apenas aos setores das classes dominantes. Esse conhecimento erudito se contrapunha ao conhecimento havido pela maior parte da população, um conhecimento que se supunha inferior, atrasado, superado, e que aos poucos passou também a ser entendido como uma forma de cultura, a cultura popular. (SANTOS, 1990. Pag. 39) As preocupações com cultura popular são tentativas de classificar as formas de pensamento e ação das populações mais pobres da sociedade, buscando sua lógica interna, sua dinâmica e implicações políticas. Essa antiga origem de preocupação ainda é influente e a cultura popular é pensada sempre em relação à 29 cultura erudita, à alta cultura, a qual é de perto associada tanto no passado como no presente às classes dominantes. Nos ensinam a ter um modo de vida culto, mas não conseguimos evitar que alguns objetivos e práticas populares estejam presentes em nosso cotidiano, e o que remete ao povo por vezes é rejeitado. Povo pode ser entendido como sendo toda a população de um país; ou como a população mais pobre; como toda a população trabalhadora, abrange populações diversas, possuidores de características básicas derivadas de sua posição comum de inferioridade nas relações de poder na sociedade. Entende-se por cultura popular as manifestações culturais independentes e diferentes as da cultura dominante, porém, a classe dominada e a dominante, partilham um processo social comum onde toda a produção cultural é fruto dessa existência comum, dessa história coletiva. Ao longo da história a cultura dominante desenvolveu um universo de legitimidade própria e expressa pela filosofia, ciência e saber produzido e controlado em instituições da sociedade nacional que estão fora do controle das classes dominadas. Falar em cultura popular pode implicar uma ênfase no modo de ser e sentir que seja típico de uma população, uma característica. A maneira como se pensa a cultura de uma sociedade sempre está ligado a outras preocupações e maneiras, como se julga poder agir sobre ela. A cultura é produto da sociedade, mas também ajuda a produzi-la, estando atrelada as transformações, a manutenção das concepções e formas de organização e de vida. Não é um mero reflexo dos outros aspectos da sociedade, é possível antever e propor alterações nas condições de existência da sociedade. Cultura se faz, é transformadora, não algo possível de imposição. Pensar a cultura popular como sinônimo de tradição é reafirmar a ideia de que sua idade de ouro se deu no passado, e o que possui vigência plena no passado só pode ser interpretado como curiosidade no presente. Em consequência, sucessivas modificações por que passam esses objetos, concepções e práticas podem ser compreendidas como deturpadores ou empobrecedoras, deste ponto de vista a cultura popular surge como uma outra cultura que se apresenta como totalidade, porém é construída através da justaposição de elementos residuais e fragmentários considerados resistentes a um processo natural de deterioração. 30 O que é visto como elemento constitutivo das tradições nacionais é recriado e modificado segundo os moldes ditados pelas elites cultas, sendo desenvolvido, digerido e devolvido a todos os cidadãos. Busca-se reproduzir objetos e práticas cristalizadas no tempo e no espaço, porém acaba-se produzindo versões modificadas dos eventos culturais com o quais se pretende constituir o patrimônio de todos, mesmo com tentativas de ser fiel ao passado é impossível deixar de agregar novos significados ao que se tenta reconstruir, sendo inevitável por conta de a reconstituição ser parte de uma reflexão sobre a história da cultura e da arte que escapa os produtores populares da Cultura. No Brasil, no início dos anos 60 o problema da cultura popular na sua vertente política foi uma das questões mais debatidas nos meios intelectuais e estudantis brasileiros, graças ao trabalho do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). A arte (cultura) diretamente observável junto às camadas populares era considerada alienada. No anteprojeto do Manifesto da CPC “Carlos Estevam Martins” a arte (cultura) do povo é diferenciada da arte (cultura) popular. A Arte do povo é definida como a que o artista não se distingue da massa consumidora, artista e público vivem integrados ao anonimato e o ato de criar não vai além de um simples ordenar os dados mais patentes da consciência popular atrasada, caracterizada sempre pela negativa e desprovida de qualidade artística. O CPC segundo Carlos Estevão tinha em vista dar uma contribuição para que o homem do povo pudesse superar as enormes desvantagens que enfrenta para adquirir uma consciência adequada de sua real situação no mundo em que vive e trabalha. Esses trabalhos foram reprimidos no fechamento político subsequente a 1964. A discussão política sobre o tema ressurge nos debates intelectuais e políticos na segunda metade dos anos 70 com formulações críticas as concepções base do CPC. Nas palavras de Ferreira Gullar (...) quando se fala em cultura popular, acentua-se a necessidade de pôr a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país (...) agir sobre a cultura presente, procurando transformá-la, entende-la, aprofundá-la. O que define a cultura popular (...) é a consciência de que a cultura tanto pode ser um instrumento conservação, como de transformação social. (...) O homem de cultura esta também mergulhado nos problemas políticos e sociais, (...) cultura popular é, portanto, antes de mais nada, consciência revolucionária. (ARANTES, 1990. Pag. 54) 31 A agitação cultural acaba incorporando as massas ao processo cultural, ocorrendo durante a disputa política e sua transformação. Vários movimentos foram de apoio a revolução e a arte, os pensamentos foram postos a serviço da transformação social e a propaganda política acaba em primeiro plano, dessa forma há uma renovação da relação da arte com a vida, gerando uma consciência de que toda manifestação cultural é também política, e possibilitando que a renovação de lugar à manipulação política pura e simples da cultura. Uma ideia corrente na sociedade envolve a visão da cultura popular como folclore, um conjunto de objetos, práticas e concepções consideradas tradicionais. Alguns pesquisadores mais sofisticados concebem as manifestações culturais tradicionais como resíduo da cultura culta de outras épocas, filtrada ao longo do tempo pelas sucessivas camadas da estratificação social. Nas exposições ou museus de cultura popular quase sempre se representam os países como mosaicos de regiões internamente homogêneas, como se as fronteiras administrativas e a variação ecológica correspondessem estritamente a diversidade cultural no interior da Nação. São pesquisas de simples listagem e classificação de objetos, textos e práticas selecionados segundo o critério de tradição associado ao levantamento de informações sobre a sua origem e trajetória no tempo e no espaço. Observamos a produção empresarial da Arte Popular que acaba por retira-lhe algumas dimensões sociais fundamentais: alteram-se as datas, locais e organização do grupo artístico, transformando em produto terminal, evento isolado ou coisa o que é o ponto culminante de um processo que parte de um grupo social e a ele retorna, sendo indissociável da vida desse grupo. As representações artísticas passam por aperfeiçoamento técnico acabando por perder seu real significado, deixando de ser do signo de uma cultura para tornar-se representações realizadas a partir das visões que outros possuem delas, o evento artístico por vezes é mascarado e ocultam-se alguns aspectos característicos, sendo, através da produção do espetáculo, cortada as raízes do que é festa, expressão de vida, sonho e liberdade de um povo. A arte popular produzida por um grupo de profissionais especialistas (indústria cultural) vista como mais apurado e apresentando um grau de elaboração técnica superior a arte do Povo possui por objetivo entreter o espectador em vez de formá-lo ou desperta-lo à reflexão e consciência de si, possui caráter ilusório e obscurecido da realidade expressando o povo em sua manifestação fenomênicas e não em sua essência. 32 Nossa sociedade possui uma classe dominante, cujos interesses prevalecem. Na América Latina, é comum que a discussão sobre cultura se refine a uma história de contribuições culturais de múltipla origem, onde países como o nosso devem ser entendidos como uma mistura de traços culturais. O importante para pensar a nossa realidade cultural é entendermos o processo histórico que a produz, as relações de poder e o confronto de interesses dentro da sociedade. Os princípios da cultura remetiam a uma utilização de poder onde a escola era tomada como instituição a serviço do Estado e responsável pelos ensinamentos e transmissão de uma cultura única, ligada aos interesses políticos e econômicos de uma classe dominante. Com o tempo a cultura passou a ser vista como uma arma de transformação social, possuidora de uma característica dinâmica, criativa e transformadora, pensada no plural e no presente. A seguir, discutiremos o envolvimento da Cultura e da Educação. 33 3. CULTURA E EDUCAÇÃO Nesta seção estaremos abordando e apresentando os resultados dos levantamentos realizados durante as pesquisas em relações ao tema Cultura e Educação, buscando observar e compreender os benefícios e efeitos da aproximação e trabalho da cultura e com a educação. Ao longo dos últimos séculos a discussão sobre Cultura e Educação se restringe a questões quase superficiais, centrando-se nas bases conceituais comuns para posteriormente serem analisadas, propostas, debatidas e pensadas no âmbito da Cultura e da Educação. Aceitou-se, por um longo período, que Cultura designava o conjunto de tudo aquilo que a humanidade havia produzido de melhor, uma epistemologia monocultural, onde por muito tempo esteve mergulhada a Modernidade, pensada como única, por se referir a tudo aquilo que de melhor havia sido produzido, e universal, por se referir a humanidade em um conceito totalizante (VEIGA-NETO, 2003). A educação era entendida como o caminho para atingirmos as formas mais elevadas da Cultura, tendo por modelo as conquistas já realizadas pelos grupos sociais mais educados, portanto, cultos. Por vezes, foi vista como o caminho natural para a elevação cultural de um povo. Na educação, conforme descreve Kant (1996 apud VEIGA-NETO, 2003), o homem deve ser disciplinado buscando impedir que seu caráter seja prejudicado pela animalidade, onde a disciplina consiste em domar a selvageria; tornar-se culto, abrangendo a cultura, a instrução e vários conhecimentos; a educação deve cuidar para que o homem torne-se prudente, permanecendo em seu lugar na sociedade, pertencente a civilidade; e por fim, deve-se cuidar da moralização. Gramsci (1979) discute que, através do que ensina a escola luta contra o folclore e a cultura para a introdução de uma noção moderna, onde os elementos fundamentais são dados pela aprendizagem de leis naturais, civis e estatais que podem ser desenvolvidas pelo homem para dominar, transformar e socializar a lei da natureza, tornando seu trabalho mais fácil. A escola elementar era baseada no princípio educativo do conceito de trabalho, buscando um conceito de equilíbrio entre a ordem social e a natural, criando elementos de uma instituição no mundo sem a 34 magia, dando início a um desenvolvimento da concepção histórico-dialética de mundo para a compreensão do movimento, valorização do esforço e sacrifícios. Possuía características particulares, onde a educação e formação da criança dava-se através das noções dos direitos e deveres dos cidadãos. As noções científicas introduziram os meninos na societas rerum e os direitos e deveres na vida estatal e na sociedade civil. A noção científica entra em conflito com a concepção mágica do mundo e da natureza, absorvida através do ambiente em que vive, as noções de direitos e deveres entram em luta com as tendências à barbárie individualista e lojista, também identificadas como aspecto folclórico. Conforme Aranha (1989), o homem é um ser cultural. Com ação intencional, seleciona prioridades por possuir valores que são próprios da sociedade em que vive, transformando a natureza as suas necessidades. A cultura é a constante criação de valores e a educação é o local de transmissão e fermentação, não devendo estar a educação separada da vida. Há uma estreita relação entre as práticas escolares e as culturas. A cultura não se separa das atividades características e das interações da vida cotidiana e toda prática social tem uma dimensão cultural, estando associada, dependendo e possuindo relações com os significados. A educação está mergulhada na cultura da humanidade e do momento histórico, "não se pode conceber uma experiência pedagógica "desculturizada", em que a referência cultural não esteja presente (...), a escola é sem dúvida, uma instituição cultural" (MOREIRA e CANDAU, 2003). No pensamento pós-moderno a cultura adquire um papel cada vez mais significativo na vida social, atualmente, tudo chega a ser visto como cultural, dessa forma a cultura está além do social, descentralizando-se. A cultura ocupa um lugar central na construção de nossas identidades, formadas culturalmente e, empregada por Hall (apud MOREIRA E CANDAU, 2003), a expressão centralidade da cultural Refere-se exatamente à forma como a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea, tornando-se elemento-chave no modo como o cotidiano é configurado e modificado. (MOREIRA E CANDAU, 2003, p. 159) A escola é construída historicamente no contexto da modernidade, considerada como aquela que deve transmitir cultura, oferecendo as novas gerações o que de mais 35 significativo culturalmente produziu a humanidade. Quando penetramos no universo escolar possuindo diferentes origens ou costumes o ambiente torna-se desestabilizado, sendo instalada uma diferente realidade sociocultural. A escola, no contexto das ideias modernas e com a exigência de novas interrogações e novas buscas, acaba tornando-se um espaço de cruzamento, conflitos e diálogo entre as diferentes culturas. Precisamos adotar novas posturas e um novo olhar para que possamos identificar as diferentes culturas entrelaçadas no universo escolar, bem como repensar a escola reconhecendo o que a torna específica e distingue de outros espaços de socialização. A pedagogia moderna parece não poder se esquivar do compromisso de combinar e conciliar o passado e o futuro. No campo da ética, o papel da pedagogia amplia na medida em que se torna o principal campo onde ocorre a conversação sobre o que fizemos, o que estamos fazendo e o que podemos fazer de nós mesmos (VEIGA-NETO, 2003). São constantes as críticas ao currículo escolar e as pedagogias elaboradas à formação. A educação hoje possui o objetivo de transmitir o conhecimento científico, formar um humano supostamente racional e autônomo, moldá-lo. O currículo existente é linear, sequencial, estático, uma separação entre conhecimento científico e cotidiano. A perspectiva social moderna busca elaborar teorias e explicações mais abrangentes, o sujeito é unitário e sua consciência não admite divisões ou contradição, coincidindo sua existência com o pensamento. Pautados nas escritas de Silva (2010), o pensamento do currículo deve ser analisado como algo vivido por toda vida. É lugar, espaço, território, relação de poder, trajetória, viagem, percurso, autobiografia, um documento de identidade. A escola tornou-se um aparelho ideológico do Estado, atingindo toda a população por um tempo prolongado e transmitindo a ideologia através do currículo, que surge nos anos 20 ligado a industrialização e aos movimentos imigratórios, intensificando a massificação da escolarização. Bobbitt (apud SILVA, 2010) propõe o funcionamento da escola e a especificidade da Educação estabelecendo métodos para alcançar resultados desejados, com objetivos precisos, voltados a economia e buscando eficiência, envolvendo questões de organização onde as finalidades da Educação são exigidas pela vida adulta profissional. O currículo se torna um processo 36 industrial e administrativo, seguindo o modelo institucional das fábricas, onde o aluno deve ser processado como um produto fabril, pautada na administração científica de Taylor. Por vezes o currículo é indicado como ferramenta de controle e poder, dessa forma, Silva (2010) apresenta teorias curriculares que vão além, permitindo e propondo ao sujeito alcançar a autonomia, questionar o mundo, pensar diferente, integrar culturas, formar socialmente e conhecer o outro. Com toda a bagagem histórica pedagógica, todas as pedagogias dispostas, além das multiculturas encontradas, ainda possuímos uma escola configurada como ferramenta de homogeneização voltada a uma única cultura, a cultura dominante. Silva (2010) apresenta discussões e modelos institucionais das concepções de currículo, entre elas, o currículo como uma narrativa ética e racial, permitindo uma formação social mais ampla onde a diversidade é um processo de construção da diferença, as questões de raça e etnia devem ser base de conhecimento, poder e identidade, que incorporado ao currículo fará arte da formação social do sujeito. As teorias evitam formas de análise que concebam o processo de dominação cultural como uma via de mão única, concebe as culturas como o resultado de uma complexa relação de poder em que, tanto a cultura dominante quanto a dominada, se veem profundamente modificadas, favorecendo o poder e permitindo focalizar tanto os processos de dominação, quanto os processos de resistência cultural e sua interação. As teorias do currículo buscam justificar os conhecimentos selecionados e responder a questão "o que ensinar?". As teorias tradicionais são indicadas como neutras, científicas, desinteressadas, já as teorias críticas e as teorias pós críticas argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, e sim envoltas em relações de poder. A teoria pós-colonialista do currículo deve estar particularmente atenta às benignas representações do outro, em uma perspectiva pós-colonial questiona-se as experiências superficialmente multiculturais estimuladas em datas comemorativas, exigindo um currículo multicultural e descolonizado (SILVA, 2010). Uma concepção do currículo inspirada nos Estudo Culturais desenvolve as diversas formas de conhecimento equiparadas, onde tipos de conhecimento estão envolvidos em uma economia do afeto que busca produzir certo tipo de subjetividade 37 e identidade social, concentram-se na análise da cultura vista como um campo relativamente autônomo da vida social, com uma dinâmica independente de outras esferas consideradas determinantes, concebendo a cultura como um campo de luta em torno da significação social, um campo de produção de significados onde os diferentes grupos sociais lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla, um jogo de poder. (SILVA, 2010) Moreira e Candau (2003) abordam a ideia de Justiça Curricular, esclarecido como o grau em que uma estratégia pedagógica produz menos desigualdade no conjunto de relações sociais ao qual o que sistema educacional está ligado. No âmbito da sociedade, as práticas pedagógicas incitando o questionamento às relações de poder, contribuem para criar e preservar diferenças e desigualdades, buscando favorecer a redução de atos de opressão, preconceito e discriminação tanto na escola como no contexto social. Insistem em uma orientação multicultural nas escolas e nos currículos, ajustada a tensão dinâmica e complexa entre políticas da igualdade e políticas da diferença. Isso requer do professor uma nova postura, novos saberes, novos objetivos, novos conteúdos, novas estratégias e novas formas de avaliação, além de uma necessária disposição e capacitação para reformular o currículo e a prática docente com base nas perspectivas, necessidades e identidades de classes e grupos subalternizados. Porém são mudanças não bem aceitas por conta dos fortes obstáculos para que as preocupações com a cultura e com a pluralidade cultural materializadas no cotidiano escolar, como a ausência de recursos e apoio, formação precária e as condições de trabalho. Defendem que o cotidiano escolar deve ser um espaço de reflexão, da crítica, da rebeldia, da justiça curricular, e não apenas um espaço da rotina e da repetição. Segundo Vinha (2000) o espaço como elemento no processo curricular possui três grandes etapas, sendo: o espaço como lugar onde se ensina, o docente se adapta da melhor maneira ao espaço no qual atua; o espaço é concebido enquanto componente instrumental para o desenvolvimento da ação pedagógica, um elemento facilitador da ação docente; e na terceira fase o espaço se constitui enquanto fator de aprendizagem e desenvolvimento infantil planejado visando as ações da criança com objetos, com outras crianças como construção de identidade, independência e responsabilidade, onde a criança é o centro. 38 Fazendo referência a Gómez (apud MOREIRA E CANDAU, 2003), o que definirá a natureza, o sentido e a consciência do que os alunos aprendem, envolve todo o enlace cultural produzido na escola entre as propostas da cultura crítica (disciplinas científicas, artísticas e filosóficas); as determinações da cultura acadêmica, refletida no currículo e as influências da cultura social (valores hegemônicos do cenário social); as pressões cotidianas da cultura institucional (papéis, normas, rotinas e ritos próprios da escola como instituição social específica); e as características da cultura experimental, adquirida por cada um através da experiência do entorno. A diferença entre os homens não pode ser explicada biologicamente ou geograficamente. O determinismo geográfico - a determinação da vida em sociedade a partir de condições naturais, sendo o homem um produto do meio em que vive ̶ , considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural. Os antropólogos estão convencidos de que as diferenças genéticas não são determinantes nas diferenças culturais e, segundo Keesing (apud LARAIA, 2009), qualquer criança pode ser educada em qualquer cultura, desde que incluída desde o início de seu desenvolvimento. Meninos e meninas possuem diferentes comportamentos em decorrência de uma educação diferenciada, sendo o comportamento do indivíduo influenciado por seu aprendizado, um processo de endoculturação. Cultura envolve uma relação de divisão entre agir e sofrer o impacto da ação. A cultura era um conceito que remetia ao aperfeiçoamento, comparada a relação do agricultor e a semente, por esse motivo, segundo Bauman (2007) o homem deve ser aperfeiçoado pela educação e treinamento. Em um processo de torna-se humano o sujeito deve ser guiado por outro ser humano, “as pessoas não nasciam, eram feitas” influenciadas pela criação e lugar de origem precisam tornar-se humanas sendo guiadas por humanos treinados e educados na arte de treinar e educar humanos. Saviani (1991) indica a escola como uma instituição com o papel de socialização do saber sistematizado, onde o conhecimento é elaborado, propiciando a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber. O estudante deve ser transformado e mostrar transformações para que a passagem pela escola tenha sentido. O convívio escolar é permeado por relações de poder, onde todos participam do ciclo de poder com maior ou menor percepção do processo no qual está inserido. 39 A partir do momento em que nós percebemos como indivíduos temos condições de integrar o cultivo, realizado através da consciência. Freire (1987) escreve que ao sujeito devem ser elaboradas formas de desenvolver a capacidade de pensar sua existência criticamente e produzir sua palavra, crescendo juntas a consciência do mundo e a consciência de si, se constituindo como consciência do mundo, buscar-se a si mesmo é comunicar-se com o outro. Mais que o domínio dos códigos da escrita, preocupa-se com a conscientização acerca do mundo ao qual a criança está inserida, buscando desenvolver seu olhar crítico, atento e exigente, desmistificando a realidade imposta por opressores e possibilitando vê-los como sujeitos ativos na história, sendo capaz de transformá-la. Uma educação que deve preparar, ao mesmo tempo, para um juízo crítico das alternativas propostas pela elite e possibilitar que escolha o próprio caminho, um movimento desenvolvido através de debates e círculos de cultura que, através de uma relação dialógica, buscam promover espaços de reflexão, sensibilizando à responsabilidade de ação. A educação deve ser vista como parte da sociedade em movimento, onde o professor problematizara a leitura de mundo do aluno, devendo lançar desafios que permitem levantar uma questão e ampliar o tema abrangido por ela, uma condição para que homens e mulheres se assumam como sujeitos capazes de intervir em sua realidade. Uma pedagogia da pergunta, da busca e do diálogo. As interferências do professor devem ocorrer para que a criança construa e desenvolva seu conhecimento, através da organização de um espaço que proporcione pensar e raciocinar. O desenvolvimento da criança ocorre através de estímulos, sendo crucial atividades para que desenvolva equilíbrio, movimentos e descobertas de seu corpo. Essa constante construção fará com que a criança, nos anos iniciais, estabeleça uma coordenação de esquemas e deixe de fazer algo acidental, passando a generalizar o conhecimento que aprendeu para desenvolver tarefas. A Aprendizagem envolve o processo de mudança de comportamento obtido através da experiência construída por fatores emocionais, metódicos, relacionais e ambientais. Aprender é o resultado da interação entre estruturas mentais e o meu ambiente. Em uma ênfase educacional centrada na aprendizagem, o professor é coautor do processo de aprendizagem do aluno, ele permanece junto e o conhecimento é construído e reconstruído continuamente, o professor age como 40 mediador, intervindo para proteger mudanças, para a construção da aprendizagem. Essa concepção visa a construção da aprendizagem pela criança a partir da maturidade intelectual e da interação com o meio, respeitando seus interesses e necessidades, expectativas e motivação, considerando os seus conhecimentos prévios. A aprendizagem é vista como um processo de equilíbrio e desequilíbrio, onde o desequilíbrio deve ser causado pelo professor para que a criança busque o equilíbrio, sendo indispensável a realização de exercícios que estimulem o corpo, equilíbrio e concentração, além de trabalharem o tempo. O Letramento, relaciona-se as práticas sociais, profissionais e culturais, envolvendo a imersão na cultura escrita, participação em experiências variadas com a leitura e a escrita, trabalho com textos próximos e dentro do contexto cotidiano da criança. A Alfabetização, envolve o sistema convencional da escrita e ortografia, compreender e diferenciar a fala e a escrita. É constante a busca por corretos métodos de alfabetização, porém é necessária a análise da construção da maneira correta, adequar o método e não se adequar a ele. É função da escola formar um sujeito pensante, criando raciocínio através do conteúdo, os processos utilizados para o desenvolvimento são de extrema importância, devendo ser pensado os meios e não apenas o produto final. Melhor que os resultados, são as formas de alcançá-lo. Mesmo que os acontecimentos não ocorreram da maneira planejada e que o resultado não seja o esperado além do resultado final e de nossos objetivos o desenvolvimento do trabalho pode ter possibilitado alcançar algo que realmente era necessário, por vezes, erroneamente, foca-se o objetivo e não a criança. Deve ocorrer a atribuição de significados, abranger a realidade, unindo as realidades do mundo da criança e o que há fora dele, partir de uma linguagem relacionada a vida, ao cotidiano, para que o sujeito aprenda e seja capa de formar seu pensamento, escrever sua história e julgar o mundo a partir da obtenção do conhecimento. A consciência da criança não é algo individual, é o reflexo da vivência em sociedade, uma consciência, por vez contrária ao programa educacional proposto. O professor deve ser preparado e consciente do contraste entre a sociedade e cultura apresentado por ele e a sociedade e cultura representada pelo aluno. A crise na escola pode dar-se por sua separação com a vida, a escola ligada a vida do aluno permite sua participação ativa, os atos da criança são um reflexo social, aprendem por 41 imitação e não apenas quando possuímos a intenção de ensinar, fazendo e tentando de seu próprio jeito. As interferências do professor devem ocorrer para que a criança construa e desenvolva seu conhecimento, através da organização de um espaço que proporcione pensar e raciocinar. O desenvolvimento da criança ocorre através de estímulos, sendo crucial atividades para que desenvolva equilíbrio, movimentos e descobertas de seu corpo. Essa constante construção fará com que a criança estabeleça uma coordenação de esquemas e deixe de fazer algo acidental, passando a generalizar o conhecimento que aprendeu para desenvolver tarefas. Seguindo as teorias de Piaget, devemos ir além das aparências através da interação com intervenção, provocando resultados e possuindo finalidades. É necessário que a criança evolua do egocentrismo para a objetividade, os primeiros movimentos e ações da criança são instintivos e, com o tempo, baseia seus atos na imitação dos padrões culturais da sociedade em que vive. As ações do homem são aprendidas com seus semelhantes, toda a experiência de um indivíduo é transmitida aos demais criando o processo de acumulação, assim a comunicação é um processo cultural. A criança está inserida no meio físico, social e moral. Ocorrendo sua aprendizagem através da interação com o meio e assimilação, estando em constante adaptação. A aprendizagem ocorre na interação do indivíduo com o outro, necessita de planejamento devendo ser intencional e direcionada de modo a colaborar para que possa desenvolver tarefas, onde o professor é o mediador do aluno com o conhecimento. O ato da criança é um reflexo social e a interação social auxilia em seu desenvolvimento, são criados vínculos e, quebrá-los causa insegurança e transtornos comportamentais. Devem possuir experiências, experimentar e vivenciar as situações, agindo e interagindo sobre o objeto e com seus pares, dessa forma o sujeito passa a dar sentido, a ter compreensão e, através da linguagem, da verbalização do pensamento demonstra sua capacidade de representar. A todo momento deve ser levado em conta o conhecimento prévio, todos os conhecimentos já adquiridos pelas crianças devem ser trabalhados e envolvidos. Os interesses são diversos e de constante alteração, cada criança possui sua própria característica, o que descarta agir como se a sala de aula fosse homogênea. As crianças são movimento, e devemos proporcionar esse movimento para seu desenvolvimento e autoconhecimento. Cada aluno possui um nível de raciocínio, portanto uma sala não poderá ser homogênea e, 42 ser eficiente na reprodução do conteúdo, não indica que o aluno possui raciocínio ou diversas outras habilidades copiosamente fundamentais. A escola deve criar possibilidades da criança se expressar através da Arte, para que construa um olhar apurado em relação as diferentes e diversas produções artísticas, ao aluno podem ser apresentadas possibilidades de conhecer manifestações artísticas a fim de aprimorar e abrir a visão de sua própria arte. As representações artísticas são diversas e, exemplificando os benefícios do trabalho com a arte na educação, traremos a música como fator de desenvolvimento, organização, interação, criação e reprodução. O conhecimento da música possibilita um olhar sensível e crítico, além de ser um processo de construção onde a criança manuseia diferentes objetos e possui contato com diversos sons produzidos por instrumentos, ou pelo próprio corpo. A música existe desde eras primitivas quando, através da modificação de objetos, eram produzidos efeitos sonoros. Ela é presente em toda nossa vida, e impregnada em nossas culturas, uma herança de gerações e uma linguagem que nos permite comunicar, transmitir sensações, sentimentos e sentidos, além de auxiliar no desenvolvimento do equilíbrio, auto estima, autoconhecimento e integração social. Porém, a música em sala de aula deve ser objetivada e bem trabalhada para que possibilite significado no desenvolvimento real que envolve o ensino aprendizagem. Trabalhada na educação infantil, favorece o conhecimento e descoberta de diferentes gêneros musicais, que permitem a ampliação do conhecimento cultural que a criança adquire na comunidade em que está inserida. Auxilia a formação de hábitos, novos conhecimentos, desenvolvimento da sensibilidade, criatividade, autodisciplina, além de contribuir como reforço para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor da criança. Podemos pensá-la como um processo socializador e facilitador das diferentes habilidades, englobando diversos assuntos e favorecendo o desenvolvimento da imaginação, da memória e da concentração. A musicalidade pode ser composta tendo o próprio corpo como instrumento, reconhecemos o corpo através da expressão de sons para formar música, desenvolvendo o equilíbrio, criando movimentos, tornando- se lúdico e significativo. A criação e produtividade de instrumentos musicais faz parte de uma atividade de conhecimento físico que desenvolve e aprimora o envolvimento com todas as áreas da música, sendo possível que a criança crie sequências rítmicas. 43 Por vezes, os movimentos do corpo são reprimidos para que as atividades sejam desenvolvidas e desempenhadas de maneira controlada. O ser humano possui movimento e, desenvolver suas habilidades de movimentação, auxilia no desenvolvimento pleno, favorecendo e facilitando a comunicação, diálogo e integração entre indivíduos. A criança deve possuir liberdade de movimentos para que desenvolva e amplie o conhecimento de si, favorecendo a aprendizagem e atenção. O contato com diversos materiais e texturas deve ser constante para o auxílio do desenvolvimento, percepção e sensibilidade. Como traz Goldschmied e Jackson (2006) a imitação desenvolverá a construção da interpretação, assim como o faz-de- conta ajuda na inserção dos comportamentos sociais e o desenvolvimento da imaginação. A brincadeira deve ter um propósito, sendo ela direcionada para uma observação, com sentido e objetivo, uma atividade de desenvolvimento pedagógico. Através do brincar deve ser possível apropriar-se de elementos da realidade imediata de tal forma a atribuir-lhes novos significados, estimulando a curiosidade para aprender, utilizando habilidades motoras para alcançar o êxito, a criança está em constante movimento. Não se deve brincar por brincar, devem ser elaborados jogos significativos. Por meio desse ato a criança se apropria do conhecimento e do conteúdo, possibilitando seu desenvolvimento, e o trabalho dos limites e regras. A escola deve dar continuidade aos hábitos familiares e ao ambiente social, incorporando padrões de comportamento e trabalhando o processo de desenvolvimento, ampliando o conhecimento de mundo da criança, através do faz-de- conta, por exemplo. A criança interage com a mundo a todo momento, organizando seus pensamentos e ações, devendo ser envolvida em atividades e situações que possibilitem desafios, exploração e descobertas, facilitando o desenvolvimento da criança e tornando a escola interessante, onde a prática pedagógica torna-se interdisciplinar e compartilhada, aprendendo de forma lúdica e coletiva, através do respeito a suas particularidades. Ao longo do estudo apresentado visualizamos que o homem é um ser cultural e a escola, através de seus ensinamentos e seguimentos, uma influência na formação humana, sendo ambos elementos que contribuem para formação de nossa identidade. Notamos as constantes mudanças de conceitos e relações entre Cultura e Educação e, seguindo, abordaremos de que forma ambas são trabalhadas e abordadas nas 44 legislações, diretrizes e referencias que garantem que ocorra o trabalho e