UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PRESIDENTE PRUDENTE José Carlos Ugeda Júnior Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP Presidente Prudente 2007 II UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PRESIDENTE PRUDENTE José Carlos Ugeda Júnior Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Geografia (Área de Concentração: Produção do Espaço Geográfico) da Faculdade de Ciências e Tecnologia, campus de Presidente Prudente com vistas obtenção do título de Mestre e Geografia. Orientadora Profª. Drª. Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim Co-Orientador Prof. Dr. José Tadeu Garcia Tomasselli Presidente Prudente 2007 IV DEDICATÓRIA A minha Mãe, Suely Aparecida Zambon, pelo exemplo de força, luta e obstinação, extraordinariamente magnífico. Mesmo parecendo redundante, apenas quem a conhece, compreende que essas palavras não são capazes de expressar a plenitude do seu ser. Nada disso seria possível sem você. V AGRADECIMENTOS À minha orientadora Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim, não apenas pela orientação, mas também, pela paciência e compreensão. Ao meu Co-orientador José Tadeu Garcia Tomasselli, pelo apoio e por mais uma vez me demonstrar a objetividade na pesquisa. À Fundação de Amparo a Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp), pelo apoio financeiro tão necessário. À Prefeitura Municipal de Jales. À Silvinha (Nega), pelo apoio nos momentos difíceis, pelo carinho e especialmente pelo amor. Por ser simplesmente uma pessoa linda, mas principalmente por ser a parte que me faltava. À minha Mãe Suely simplesmente pela vida. Ao meu irmão Vandré pelas conversas, mas, principalmente por me ensinar que a diversidade deve ser respeitada. Ao meu Pai José Carlos Ugeda. Aos amigos Edmur e Janete, pela convivência, compreensão e carinho. Ao Amigo Toninho (Stoney) por mesmo distante estar sempre presente. Ao Amigo Sedeval Nardoque pelo apoio. Ao Vereador Luiz Especiato pelo apoio Aos amigos Igor, Valdir e Rafael, por todos os momentos de descontração, pela amizade e companheirismo. A todos os amigos Jalesenses, que de uma forma ou de outra sempre se fazem presentes em minha vida. Aos amigos de graduação, Marco Antonio (Marcão), Eduardo Girardi (Palestina), Eduardo Britto( Zoio), Alexandre Pereira Ferreira (Barba), Marcelo Queiroz ( Saúde), Rafael da Ponta, Kleber Silveira, André Rodrigues Tucci ( Finus), Marcos Henrique Pereira dos Santos (Coxa). VI Aos Amigos Carlos Eduardo (Kadu), Eduardo Dibieso (Du) e Eduardo Rodrigues (Tiger) pelas conversas nos butecos, pelo apoio e pela amizade. Às funcionárias do Departamento de Geografia Lucia e Nair, às funcionárias da Seção de Graduação, especialmente a Dona Antonia, às funcionárias da Seção de Pós Graduação, Erynati e Ivonete, e à Maria e Flora, desenhistas por todo o apoio. Á todos os amigos, próximos, ou aqueles que estão distantes, pelo companheirismo. VII EPÍGRAFE FAÇAMOS CIÊNCIA COM TODO O RIGOR, MAS, SEMPRE NO ÂMBITO DA CULTURA POPULAR, PARA QUE TODOS POSSAM ENTENDÊ-LA. ERIC HOBSBAWN. VIII Sumário Índice............................................................................. IX Índice de Figuras............................................................. X Índice de Tabelas............................................................. X Índice de Gráficos............................................................ XI Índice de Fotos................................................................ XI Resumo.......................................................................... XIII Abstract.......................................................................... XIV 1- Introdução.................................................................. 15 2- Sítio Urbano e Qualidade Ambiental................................ 32 3- Os Indicadores Ambientais............................................ 61 4- Avaliação dos Espaços Livres de Construção.................... 103 5- Qualidade Ambiental Urbana......................................... 172 6- Considerações Finais.................................................... 199 7- Bibliografia.................................................................. 204 8- Apêndice 9- ANEXOS IX Índice INTRODUÇÃO...................................................................................................... 15 Caracterização da Área de Estudos.............................................................. 21 Objetivos......................................................................................... 24 Objetivo Geral............................................................................... 24 Objetivos Específicos...................................................................... 24 Procedimentos Metodológicos.............................................................. 25 1- SÍTIO URBANO E QUALIDADE AMBIENTAL.............................................. 32 1.1. Os Indicadores Ambientais................................................................ 38 1.1.1. Uso e Ocupação do Solo......................................................... 39 1.1.2. Revelo e as Enchentes........................................................... 44 1.1.2.1. A Apropriação do Relevo..................................................... 47 1.1.2.2. A Degradação Ambiental..................................................... 49 1.1.2.3. A Gênese dos Impactos Ambientais...................................... 50 1.1.3. Espaços Livres de Construção e as Áreas Verdes....................... 54 2- OS INDICADORES AMBIENTAIS............................................................... 61 2.1. Cartas de Indicadores........................................................................ 61 2.1.1. O Uso do Solo....................................................................... 61 2.1.1.1. O Quadrante Central............................................. 67 2.1.1.2 OS Parques Industriais........................................... 68 2.1.1.3. Os Corredores de Ligação...................................... 69 2.1.2. A Ocupação do Solo................................................................ 71 2.1.3. Os Espaços Livres de Construção.............................................. 75 2.1.4. A Densidade Populacional........................................................ 84 2.1.5. A Poluição.............................................................................. 87 2.1.6. A Vegetação Urbana................................................................ 90 2.1.7 As Enchentes.......................................................................... 95 3- AVALIAÇÃO DOS ESPAÇOS LIVRES DE CONSTRUÇÃO............................... 103 3.1. Avaliação Quantitativa....................................................................... 103 3.1.1. Condição do Relevo................................................................ 104 3.1.2. Ocupações Próximas.............................................................. 105 3.1.3. Áreas Efetivamente Ocupadas................................................. 106 3.1.4. Vegetação Existente............................................................... 108 3.1.5. Cobertura do Solo.................................................................. 114 3.1.6. Aspectos Físicos e Sanitários da Vegetação................................ 119 3.1.7. Qualidade Paisagística............................................................ 121 3.1.8. Iluminação............................................................................ 122 3.1.9. Limpeza e Conservação das Áreas............................................ 124 3.1.10. Pontos D’ Água.................................................................... 126 3.1.11. Mobiliário e Equipamentos Urbanos........................................ 128 3.2. Avaliação Qualitativa......................................................................... 138 3.2.1. Áreas Não Efetivamente Implantadas....................................... 139 3.2.2. Deposição de Resíduos nos Espaços Livres de Construção. 142 3.2.3. Espaços Livres de Construção Instalados em Terrenos com Área Muito Reduzida............................................................................................... 146 3.2.4. Falta de Vegetação do Tipo Arbóreo......................................... 149 3.2.5. Espaços Livres de Construção Apropriados Pela População........... 153 3.2.6.Espaços Definidos Legalmente como Áreas Verdes...................... 156 3.2.7. Qualidade Paisagística............................................................ 162 3.2.8. As Praças do Quadrante Central............................................... 165 4 - QUALIDADE AMBIENTAL URBANA........................................................... 172 4.1. As Cartas Sobrepostas....................................................................... 172 X 4.1.1. Uso e a Ocupação do Solo....................................................... 173 4.1.2. Densidade Populacional e Poluição........................................... 176 4.1.3.Classificação dos Espaços Livres de Construção e Áreas Verdes..... 178 4.1.4. Vegetação Urbana e Enchentes................................................ 180 4.2.Carta de Qualidade Ambiental Urbana.................................................. 185 4.3. Propostas de Melhoria da Qualidade Ambiental.................................... 191 4.3.1.Sistema Contínuo de Vegetação ............................................... 191 4.3.2. Implantação dos Espaços Livres de Construção Não Efetivados 193 4.3.3. Melhoria dos Espaços Livres de Construção Efetivamente Implantados................................................................................................... 194 4.3.4. Combate a Poluição e as Enchentes.......................................... 195 4.3.5. Ocupação do Solo e Densidade Populacional.............................. 196 4.3.6.Uso do Solo........................................................................... 197 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 199 BIBLIOGRAFIA............................................................................................. 204 APÊNDICE ANEXOS Lista de Figuras Figura 1: Mapa de Localização da Área de Estudo............................................... 23 Figura 2: Detalhe da Planta Utilizada Para o Trabalho de Campo........................... 64 Figura 3: Carta de Uso do Solo......................................................................... 65 Figura 4: Carta de Ocupação do Solo................................................................ 73 Figura 5: Carta dos Espaços Livres de Construção............................................... 77 Figura 6: Carta de Classificação dos Espaços Livres de Construção........................ 79 Figura 7: Carta dos Espaços Livres de Construção e Áreas Verdes......................... 83 Figura 8: Carta de Densidade Populacional........................................................ 86 Figura 9: Carta de Poluição.............................................................................. 89 Figura 10: Carta da Vegetação Urbana.............................................................. 93 Figura 11: Carta de Enchentes......................................................................... 97 Figura 12: Carta de Uso e Ocupação do Solo...................................................... 174 Figura 13: Carta de Densidade Demográfica e Pontos de Poluição......................... 177 Figura 14: Classificação dos Espaços Livres de Construção e Áreas Verdes............. 179 Figura15: Carta da Ausência de Vegetação e Enchentes...................................... 182 Figura 16: Carta de Qualidade Ambiental.......................................................... 189 Lista de Tabelas Tabela 1: Sugestão de Índices Urbanísticos para Espaços Livres......................... 59 XI Lista de Gráficos Gráfico 1: Condição do Relevo......................................................................... 104 Gráfico 2: Ocupações Próximas aos Espaços Livres............................................. 106 Gráfico 3: Áreas Efetivamente Ocupadas........................................................... 107 Gráfico 4: Vegetação Existente........................................................................ 109 Gráfico 5: Ocorrência de Vegetação por Área..................................................... 110 Gráfico 6: Porcentagem Média do Porte e Densidade da Vegetação....................... 113 Gráfico 7: Classe modal do Porte e Densidade da Vegetação................................ 114 Gráfico 8: Ocorrência de Cobertura do Solo por Área........................................... 115 Gráfico 9: Percentual Médio de Cobertura do Solo............................................... 116 Gráfico 10: Classe Modal da Cobertura do Solo.................................................. 118 Gráfico 11: Aspectos Físicos e Sanitários da Vegetação....................................... 120 Gráfico 12: Qualidade Paisagística.................................................................... 122 Gráfico 13: Iluminação................................................................................... 123 Gráfico 14: Limpeza e Conservação da Área...................................................... 125 Gráfico 15: Pontos D´ Água............................................................................. 127 Gráfico 16: Equipamentos Urbanos................................................................... 129 Gráfico 17: Mobiliários e Equipamentos Urbanos................................................ 131 Lista de Fotos Foto 1: Rompimento da Galeria do Jardim Santo Expedito................................... 98 Foto 2: Casas Derrubadas no Jardim Santo Expedito........................................... 98 Foto 3: Casa Alagada no Jardim São Judas Tadeu............................................... 99 Foto 4: Enxurrada Invadindo os Terrenos no Jardim São Judas Tadeu................... 99 Foto 5: Obras de Melhoria da Infra-Estrutura na Rua Goiás.................................. 100 Foto 6: Muro de Arrimo Derrubado pela Enxurrada............................................. 101 Foto 7: Espaço Livre de Construção Não Efetivamente Implantado no Jardim do Bosque.......................................................................................................... 140 Foto 8: Espaço Livre de Construção Não Efetivamente Implantado no Conjunto Habitacional José Antonio Caparroz Bogaz.......................................................... 142 Foto 9: Deposição de Resíduos de Materiais de Construção nos Espaços Livres de Construção Não Efetivamente Implantados......................................................... 143 Foto 10: Deposição de Resíduos de Materiais de Construção nos Espaços Livres de Construção Não Efetivamente Implantados......................................................... 144 Foto 11: Deposição de Resíduos Domiciliares nos Espaços Livres de Construção Não Efetivamente Implantados......................................................................... 145 Foto 12: Deposição de Resíduos Domiciliares nos Espaços Livres de Construção Não Efetivamente Implantados......................................................................... 145 Foto 13: Visualização de Praças Localizadas em Terrenos Muito Reduzidos............. 147 Foto 14: Visualização de Praças Localizadas em Terrenos Muito Reduzidos............. 147 Foto 15: Visualização de Praças Localizadas em Terrenos Muito Reduzidos............. 148 Foto 16: Visualização de Espaços livres de Construção Sem Vegetação do Tipo Arbóreo......................................................................................................... 150 Foto 17: Visualização de Espaços livres de Construção Sem Vegetação do Tipo Arbóreo......................................................................................................... 150 Foto 18: Visualização de Espaços livres de Construção Sem Vegetação do Tipo Arbóreo......................................................................................................... 152 Foto 19: Visualização de Espaços livres de Construção Sem Vegetação do Tipo Arbóreo......................................................................................................... 152 XII Foto 20: Visualização de Espaços livres de Construção Não Efetivamente Implantados Apropriados Pela População............................................................ 154 Foto 21: Visualização de Espaços livres de Construção Não Efetivamente Implantados Apropriados Pela População............................................................ 155 Foto 22: Vista Parcial da Área Verde do Jardim Pires Andrade.............................. 157 Foto 23: Vista Parcial da Área Verde do Jardim Pires Andrade.............................. 157 Foto 24: Vista Parcial da Segunda Área Verde do Jardim Pires Andrade................. 159 Foto 25: Vista Parcial da Área Verde Permanente do Loteamento Big Plaza............ 159 Foto 26: Vista Parcial dos Processos Erosivos Identificados na Área Verde Permanente do Loteamento Big Plaza................................................................ 160 Foto 27: Vista Parcial da Área Verde do Jardim Romero....................................... 161 Foto 28: Vista Parcial da Segunda Área Verde Permanente do Loteamento Big Plaza 162 Foto 29: Vista Parcial do Espaço Livre de Construção do Conjunto Habitacional Roque Viola.................................................................................................... 163 Foto 30: Vista Parcial do Espaço Livre de Construção no Conjunto Habitacional Arapuã.......................................................................................................... 164 Foto 31: Vista Parcial do Espaço Livre de Construção no Conjunto Habitacional Roque Viola.................................................................................................... 164 Foto 32: Vista Parcial da Praça João Mariano de Freitas....................................... 165 Foto 33: Vista Parcial da Praça João Mariano de Freitas....................................... 166 Foto 34: Vista Parcial da Praça João Mariano de Freitas....................................... 167 Foto 35: Vista Parcial da Praça João Mariano de Freitas....................................... 167 Foto 36: Vista Parcial da Praça Dr Euphly Jalles.................................................. 168 Foto 37: Vista Parcial da Praça Dr Euphly Jalles.................................................. 169 Foto 38: Vista Parcial da Praça Dr Euphly Jalles.................................................. 169 XIII RESUMO A partir da década de 1960, ocorreram alterações nas relações de trabalho no campo e na cidade, que tiveram como conseqüências o êxodo rural e o crescimento das cidades brasileiras. A população predominantemente urbana em 2000, 81,2%, concentrou-se outrora no campo, 68,8% em 1940. O crescimento urbano e a ampliação das cidades deveriam ser sempre acompanhados do crescimento de toda a infra-estrutura urbana, de modo a proporcionar aos habitantes uma mínima condição de vida. Entretanto, a realidade do processo de urbanização é bem diferente do ideal. Na maioria dos casos ele ocorre a partir de um planejamento inadequado, gerando assim um crescimento desordenado, acompanhado da falta da infra-estrutura, capaz de garantir a mínima qualidade ambiental. Fica claro que o processo de urbanização gera impactos, tanto ambientais, como sociais, entretanto esses impactos podem ser evitados ou ao menos minimizados mediante a um processo eficaz de planejamento. Nesse sentido a presente pesquisa, através da metodologia vinculada ao planejamento da paisagem, realizou o diagnóstico ambiental da Cidade de Jales-SP através da avaliação e mapeamento, na escala 1:25000, dos indicadores ambientais mais adequados à realidade da área que são: uso e ocupação do solo, pontos de enchentes, áreas com poluição, densidade populacional, ausência de espaços livres de construção e ausência de vegetação urbana. Tal diagnóstico permitiu concluir que a cidade apresenta alguns problemas ambientais, entretanto, eles se encontram em fase inicial. Essa informação é de extrema relevância, pois se trata de uma cidade média, sendo que, a solução desses problemas é relativamente fácil. Todavia ao se permitir que a cidade cresça sem que se tenha solucionado os problemas identificados, esses se intensificarão e suas soluções necessitarão de técnicas mais complexas e onerosas. Palavras Chave: Planejamento da Paisagem, Capacidade Natural de Suporte, Reordenamento da Paisagem, Qualidade Ambiental Urbana, Qualidade de Vida. XIV ABSTRACT From the 1960s on, many alterations in the relationships of field and city job took place, which had as consequences the rural departure and the growth of the Brazilian cities. The mainly urban population in 2000, 81,2%, was in other times mainly in the countryside, 68,8% in 1940. The urban growth and the growth of the cities should always be accompanied of the growth of the whole urban infra-structure, providing a minimum life condition to the inhabitants. However, the reality of the urbanization process is quite different from what would be ideal. In the majority of the cases, it happens starting in an inadequate planning, thus creating a disorderly growth, with the lack of infra-structure capable of guaranteeing the minimal environmental quality. It is clear that the urbanization process creates impacts, both environmental and social, however those impacts can be avoided, or at least minimized, with an efficient procedure of planning. For that, the present research, through the methodology linked to the planning of landscaping, realized the environmental diagnosis of the City of Jales-SP through the evaluation and mapping of the most adequate environmental indicators to the reality of the area. Such diagnosis allowed to get to the conclusion that the city presents some environmental problems, however, the problems observed are at their initial phase. This information is of extreme relevance, because it is a medium–sized city and the solution to the problems is relatively easy. However, when permitting the city to grow without solving the identified problems, those will be intensified and their solutions will need more complex and expensive techniques. Key Words: Planning of the Landscaping, Natural Capacity of Support, Reorganizing of the Landscaping, Urban Environmental Quality, Life Quality. Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução INTRODUÇÃO ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 15 Introdução partir da década de 1960, ocorreram alterações nas relações de trabalho no campo e na cidade que tiveram como conseqüências o êxodo rural e o crescimento das cidades brasileiras. A população predominantemente urbana em 2000 era de 81,2%, ela concentrava-se, outrora, no campo, com percentual de 68,8%, em 1940. Este crescimento ocorreu devido a grande quantidade de pessoas que passaram a fazer parte do contingente urbano, causando diversas modificações no ambiente citadino. Segundo Mota (1999, p. 17). “O aumento da população e a ampliação das cidades deveriam ser sempre acompanhadas do crescimento de toda a infra-estrutura urbana, de modo a proporcionar aos habitantes uma mínima condição de vida”. Ainda segundo o mesmo autor, “a ordenação deste crescimento faz-se necessária, de modo que as influências que o mesmo possa ter sobre o meio ambiente não se tornem prejudiciais aos habitantes”. Entretanto, a realidade do processo de urbanização é bem diferente do ideal. Na maioria dos casos, esse processo ocorre a partir de um planejamento inadequado, gerando, assim, um crescimento desordenado, acompanhado da falta da infra-estrutura capaz de garantir a mínima qualidade ambiental. Segundo Mota (1999, p.99), no passado realizou-se o planejamento urbano considerando-se principalmente os aspectos sociais, culturais e econômicos, e admitindo-se que o ambiente físico deveria adequar-se às atividades do homem. Pensava-se, então, que os recursos naturais poderiam ser utilizados e alterados de forma ilimitada, desde que fossem atendidas as necessidades básicas dos moradores das cidades: habitação, trabalho, circulação e lazer. Essa concepção de planejamento gerou problemas ambientais graves e a degradação dos recursos naturais. ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 16 Segundo Silva: A urbanização gera enormes problemas. Deteriora o ambiente urbano. Provoca a desorganização social, com carência de habitação, desemprego, problemas de higiene e de saneamento básico. Modifica a utilização do solo e transforma a paisagem urbana. A solução desses problemas obtém-se pela intervenção do poder público, que procura transformar o meio ambiente e criar novas formas urbanas. Dá-se então a urbanificação, processo deliberado de correção da urbanização, ou na criação artificial de núcleos urbanos [...]. (SILVA, 1997, p. 21) Fica claro que o processo de urbanização gera impactos tanto ambientais como sociais; entretanto, eles podem ser evitados ou, ao menos, minimizados, mediante um processo eficaz de planejamento. Lamparelli (1978, p.103), analisa três alternativas técnicas para o desenvolvimento do processo de planejamento; contudo chega à conclusão de que o urbano só pode ser apreendido como “lócus” do processo político e reflexo das relações sociais que asseguram as condições gerais de produção. Dessa forma, o controle técnico dos problemas urbanos não é o bastante para a realização de um planejamento eficaz, e deve contar com a criação de canais de participação social que permitam a explicação das contradições e interesses no processo decisório. Essa necessidade surge porque o processo de planejamento urbano está inserido em um processo político, e, enquanto tal, ele interfere no jogo das contradições que se estabelece em torno dos interesses das classes dominantes. Percebe-se, então, a necessidade da inserção da população no processo de planejamento que atualmente conta com alguns instrumentos institucionais, como o orçamento participativo, o estatuto da cidade e as audiências públicas. Porém só a participação social não garante um planejamento adequado. O planejamento deve ser realizado contemplando aspectos sócio-econômicos, técnicos e também ambientais. ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 17 De acordo com Branco e Rocha1 apud Mota (1999, p. 22), caminha-se para a utilização do planejamento urbano de forma integrada em termos ecológicos, físico-territoriais, econômicos, sociais, administrativos, abrangendo as partes, os elementos e o todo de um sistema ou de um ecossistema. Essa concepção de planejamento está associada à idéia de desenvolvimento sustentável. Segundo Mota: O Planejamento deve se realizar com base na concepção de desenvolvimento sustentável; assim entendido, aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades. (MOTA, 1999, p. 22) De acordo com o planejamento urbano integrado é necessário agir visando à preservação ambiental, pois é mais correto evitar os males gerados pela urbanização ao invés de corrigí-los, a posteriori. Com isso, entende-se a necessidade de considerar as questões ambientais na tomada de decisões relativas ao planejamento urbano. A instrumentalização dessas necessidades pode ser conseguida por meio do planejamento da paisagem. Nesse sentido, o planejamento da paisagem servirá de base para pensar o planejamento urbano. Segundo Nucci, planejamento da paisagem é: [...] uma contribuição ecológica e de design para o planejamento do espaço, onde se procura uma regulamentação dos usos do solo e dos recursos ambientais, salvaguardando a capacidade dos ecossistemas e o potencial recreativo da paisagem, retirando-se o máximo proveito do que a vegetação pode oferecer para a melhoria da qualidade ambiental. (NUCCI, 1996, p. 2) O planejamento da paisagem vem contribuir no desenvolvimento desta pesquisa no sentido de dar subsídios para a melhoria da qualidade ambiental e, conseqüentemente, da qualidade de vida. Segundo Forattini (1992, p. 353), qualidade de vida é 1 BRANCO, S. M; ROCHA, A. A. Elementos da ciência do ambiente. 2. ed. São Paulo, CETESB/ASCETESB, 1987. ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 18 definida como o grau de satisfação no âmbito das áreas física, psicológica, social, de atuação, material e estrutural. Ela pode ser considerada como individual e coletiva. Para o desenvolvimento desta pesquisa utilizar-se-á como referência a qualidade de vida coletiva que, em última análise, é uma projeção da qualidade de vida individual; entretanto, sua avaliação só pode ser feita de forma objetiva, isto é, através de indicadores sociais concretos. A qualidade de vida coletiva é definida segundo o mesmo autor “como a resultante de condições ambientais e estruturais que se desenvolvem na sociedade”. Alguns indicadores utilizados para avaliar a qualidade de vida segundo Forattini (1992, p. 356), são: � Ambientais: qualidade da água, do ar e do solo, contaminação doméstica e acidental; � Habitacionais: densidade, disponibilidade espacial e condições de habitabilidade; � Urbanos: concentração populacional, comunicação e transporte, educação, segurança e comportamento, poluição sonora e visual, local e paisagística; � Sanitários: morbidade e mortalidade, assistência médica e hospitalar, estado nutricional; � Sociais: condições socioeconômicas e de classes, consumo, necessidades e desigualdades, família e sexualidade, condições de trabalho, profissão, recreação, lazer e turismo, sistema político- administrativo. Com o progresso dos indicadores citados acima, tem- se, conseqüentemente, melhor qualidade de vida. O planejamento urbano, associado ao planejamento da paisagem e à conservação dos recursos naturais pode contribuir para essa melhoria. Cabe ressaltar que o planejamento deve ser realizado a priori, e não se confundir com gestão, que é integrante do processo ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 19 de planejamento, fato que ocorre, com freqüência, em um grande número de cidades brasileiras; logo, o planejamento perde seu caráter preventivo capaz de evitar o surgimento de problemas e passa a ser uma atividade paliativa voltada à resolução de problemas já existentes. Para melhor compreensão conceitual, tornam-se necessárias as definições de Planejamento Urbano, Plano Urbanístico Diretor e Mapa do Zoneamento. Segundo Silva (1995, p.77), o Planejamento Urbanístico “[...] em geral, é um processo técnico, instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos.” Segundo o mesmo autor (p.123), “O Plano Diretor é um plano urbanístico geral, entre os instrumentos fundamentais do processo de planejamento local.” Nesse sentido, o Mapa do Zoneamento é a representação cartográfica do Plano Diretor, ou seja, o processo de planejamento é o exercício de pensar a realidade urbana, tendo em vista uma determinada intenção; já o Plano Urbanístico Diretor é o produto desse exercício, e o mapa do zoneamento a representação cartográfica desse produto. Não se pode entender o Plano Diretor como sendo o resultado final do processo de planejamento; ele é apenas o produto de um processo ininterrupto que deve estar sempre se renovando. Nessa linha, se estabelece a justificativa desta pesquisa, uma vez que ela pretende contribuir para o conhecimento do planejamento na cidade de Jales-SP, tendo em vista que no momento de sua fundação houve um processo de planejamento. Entretanto, com o passar dos anos, ele foi deixado de lado, o que fez com que a cidade crescesse desordenadamente nas últimas décadas, gerando, assim, degradação ambiental. Pretende-se colaborar para que as características ambientais sejam consideradas nos processos de planejamento do município, utilizando instrumentos do planejamento da paisagem capazes de integrar ao planejamento urbano indicadores ambientais. Além de objetivar a formulação de ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 20 políticas públicas junto aos órgãos de administração local visando sempre à melhoria da qualidade ambiental. Dessa forma a presente pesquisa foi dividida de maneira a facilitar sua organização, sendo que, no Capítulo 1: Sítio Urbano e Qualidade Ambiental, realizou-se, o levantamento bibliográfico, sempre buscando um maior rigor conceitual e teórico. Nesse capítulo é aprofundado o temário em questão, buscando compreender amplamente a realidade urbana, os indicadores ambientais, bem como suas implicações na qualidade ambiental. No Capítulo 2: Os Indicadores Ambientais, são apresentados os dados referentes aos indicadores utilizados. Aqui são apresentados os mapas dos sete indicadores ambientas utilizados, bem como suas análises e os resultados. No capítulo 3: Avaliação dos Espaços livres de edificação, são apresentadas as análises acerca de tais espaços. Essas análises estão subdivididas em duas partes. A primeira se trata da avaliação quantitativa, esta busca demonstrar as características comuns a todos os espaços livres da cidade de Jales; e a segunda, apresenta a avaliação qualitativa, que por sua vez, indica as características particulares a cada área, ou grupos de áreas. No capítulo 4: Qualidade Ambiental Urbana, são apresentados, os procedimentos utilizados para se chegar a carta de qualidade ambiental para a cidade de Jales. Nesse capítulo apresenta-se as cartas resultantes dos cruzamentos dos indicadores ambientais, a carta de qualidade ambiental, além das propostas de melhoria dessa qualidade. Nas Considerações finais apresentadas, através dos referenciais teóricos e metodológicos utilizados, além do levantamento de dados e dos trabalhos de campo, procura-se demonstrar que os objetivos desse trabalho foram cumpridos, e as atividades propostas realizadas. ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 21 Caracterização da Área de Estudos Segundo Locatel (2000, p.15), a ocupação da região Noroeste do Estado de São Paulo deu-se dentro da dinâmica ditada pelo complexo rural, com o estabelecimento das grandes posses, de acordo com o modelo de unidade de produção da época, utilizando-as para a criação de gado ou, simplesmente, mantendo-as como reserva de valor. Porém, o desenvolvimento desta área só ocorreu com sua efetiva ocupação, que se deu a partir da chegada da “frente pioneira” e de sua integração como produtora de mercadoria, já no segundo quartel do século XX, com a constituição do mercado de terras, a expansão da cafeicultura e a implantação da ferrovia. A marcha para o oeste e a expansão do café na região noroeste do estado de São Paulo - outrora denominada alta araraquarense, onde se localiza a microrregião geográfica de Jales, Figura 1, - juntamente com a implantação da linha férrea foram os grandes alavancadores da colonização desta área. A partir desse processo de expansão e ocupação, foi fundada em 15 de abril de 1941 a Vila Jales. Em 30 de novembro de 1944, Jales foi elevada a Distrito de Paz, pelo decreto lei número 14.334, e, em 24 de dezembro de 1948, foi elevada à categoria de município pelo decreto lei número 233. A fundação de Jales se deu com o intuito de valorizar as terras ao redor para posterior parcelamento. Segundo Nardoque: Uma das estratégias dos mercadores de terras era promover a fundação de cidades, de patrimônio ou vilas. O objetivo era estabelecer um referencial para a localidade que se tornava ponto de estabelecimentos de relações comerciais e sociais. [...]. Implantou-se dessa forma uma “fábrica de cidades” no extremo noroeste paulista, a partir da década de 1940, com o objetivo de promover a venda de terras. (NARDOQUE, 2002, p.120, grifos do autor) Apesar de a cidade ter sido implantada com o único objetivo da especulação imobiliária, a sua concepção foi ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 22 sistematicamente planejada, tanto no que diz respeito à área urbana como à área rural. O planejamento na área rural de Jales, segundo Monbeig (1984, p.236), ocorria da seguinte forma, “[...] o plano concebido sistematicamente, de maneira a oferecer propriedades cada vez maiores à medida que aumenta a distância do patrimônio”. Esse planejamento evitou a especulação feita por terceiros, pois os lotes pequenos próximos à vila foram adquiridos por pessoas de baixa renda, que deles retiravam seu sustento, e não por especuladores imobiliários. Isso facilitou também, o comércio local, pois essas pessoas mais pobres não eram proprietárias de meios de locomoção; logo, se estivessem distantes da vila, o comércio seria prejudicado. O planejamento não ocorreu somente no campo, mas também na cidade, provavelmente influenciado pela formação em engenharia de seu fundador. Segundo Nardoque: O engenheiro Euphly efetuou o planejamento urbano, sendo que as quadras e os terrenos foram traçados levando-se em conta a circunvolução do sol, de tal maneira que as casas construídas recebessem, sempre, em um dos lados raios solares e de outro, sombra. Todas as ruas medem catorze metros de largura, com leito carroçável de oito metros, duas grandes avenidas e praças demarcadas. Essa descrição pode ser observada na primeira planta da cidade de Jales. (NARDOQUE, 2002, p. 143) Pode-se afirmar então, que a cidade de Jales teve sua fundação pensada e planejada; todavia, a posteriori, esse planejamento foi deixado de lado, o que fez com que a cidade crescesse desordenadamente por mais de 50 anos; apenas em meados da década de 1990 é que ele retorna à pauta política da cidade. Segundo a Prefeitura Municipal, o relevo é formado por colinas amplas; a temperatura média é de 23,5ºC; a média histórica de precipitação está entre 1200 a 1300 milímetros; a área municipal é de 369 km2 e o perímetro urbano é de 17,6 Km2. ‘Q u al id ad e A m b ie n ta l e Pl an ej am en to d a Pa is ag em n a C id ad e d e Ja le s- S P. In tr o d u çã o 23 ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 24 O município tem como base econômica a agricultura familiar, caracterizada pela pequena propriedade, a pecuária, o comércio e os serviços, sendo que a atividade industrial não tem peso substancial; entretanto, apesar dessa conFiguração econômica, Jales apresenta 91,6% da população vivendo na cidade e apenas 8,4% vivendo no campo. A população total é de 46.186, segundo o censo do IBGE de 2000. Esse breve histórico apresenta o modelo de colonização da área de estudo, bem como alguns dados que indicam apontamentos para o desenvolvimento desta pesquisa. Objetivos Objetivo Geral A presente pesquisa visou analisar a qualidade ambiental na cidade de Jales-SP, com a finalidade de fornecer subsídios para a elaboração de Políticas Públicas de gestão urbana e ambiental, baseadas no planejamento da paisagem, junto aos órgãos municipais de planejamento. Objetivos Específicos � Compreender a relação entre as características ambientais e o processo de planejamento urbano da cidade de Jales-SP; � Analisar o processo de uso e ocupação do solo em relação aos indicadores de qualidade ambiental; � Analisar e avaliar a qualidade ambiental urbana a partir da sobreposição de cartas temáticas; � Elaborar uma carta temática caracterizando a qualidade ambiental da cidade de Jales-SP; � Propor medidas de reordenamento da paisagem visando à melhoria da qualidade ambiental. ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 25 Procedimentos Metodológicos Segundo Nucci, 1996: Um estudo completo de Planejamento da Paisagem com o objetivo de se chegar a uma identificação da qualidade ambiental só poderia ser feito por uma equipe multidisciplinar, capaz de levantar e trabalhar com todas as variáveis ambientais. Então, um trabalho individual, devido a suas características, acaba impondo limites a pesquisa relacionados com questões de exeqüibilidade. (NUCCI, 1996, p. 73) Assim, para que fosse possível a realização desta pesquisa foi necessário um recorte teórico e metodológico, com a intenção de tornar possível a execução desse trabalho no tempo disponível, sendo que os indicadores ambientais eleitos foram os mais adequados à realidade da área de estudos e, quanto aos procedimentos adotados, os considerados mais relevantes. Os procedimentos metodológicos utilizados para esta pesquisa basearam-se na análise do processo de crescimento da cidade, considerando-se o tipo de planejamento que se desenvolveu historicamente em Jales, associado aos seus efeitos sobre a qualidade ambiental urbana, além dos procedimentos utilizados por Nucci (1996), que trabalha com adensamento urbano e planejamento da paisagem relacionados com qualidade ambiental. Com base nos indicadores ambientais levantados para a área e na carta de uso e ocupação do solo foram elaboradas análises do processo de planejamento, verificando se ele ocorreu de forma adequada à realidade da cidade de Jales, realizando, assim, o diagnóstico ambiental para a área de estudo. Com base nos procedimentos metodológicos utilizados por Nucci (1996), elaborou-se a carta de qualidade ambiental para a cidade de Jales-SP. Os indicadores ambientais utilizados para a preparação dessa carta foram: carta de uso e ocupação do solo, carta dos pontos de enchentes, carta da densidade populacional, carta da ausência de espaços livres de edificação, carta da ausência de vegetação e carta dos pontos de poluição para a cidade de Jales-SP. ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 26 As cartas foram sobrepostas em pares, obtendo-se assim, cartas parciais e, da combinação destas, foi elaborada a carta de qualidade ambiental. Efetuou-se o levantamento bibliográfico da área em questão, além de leituras e sistematização de textos a respeito da temática ambiental, planejamento urbano, planejamento da paisagem, ecologia da paisagem e qualidade de vida. As leituras permitiram o necessário embasamento teórico para a realização dos trabalhos de campo. Foram também organizados trabalhos de campo na área de estudo com a finalidade de confeccionar a carta de uso e de ocupação do solo, a carta de espaços livres de edificação, carta de áreas verdes, carta dos pontos de poluição e a carta de densidade populacional, além da aplicação de uma planilha de avaliação (apêndice 1), nas 118 áreas identificadas como espaços livres de edificação. Para a confecção da carta de uso e de ocupação do solo foi efetuado o trabalho de campo, estruturado de tal maneira que o pesquisador percorresse todas as ruas da cidade. A cidade foi dividida em setores, que geralmente correspondiam a um ou mais bairros. Para tais setores, planejou-se a rota a ser seguida estando sempre presente a preocupação de se percorrer a extensão total de todas as ruas da cidade. Fez-se assim, um levantamento completo e adequado; com o auxílio de uma base cartográfica com a divisão dos lotes, se averiguou o uso do solo correspondente a cada lote. Os usos do solo foram averiguados através de categorias, as escolhidas foram as de: uso residencial, uso comercial, uso de serviços, uso industrial, espaços livres de edificação, áreas verdes e lotes não construídos. Os resultados desse trabalho de campo foram a carta de uso do solo, e a carta de ocupação do solo, bem como seu cruzamento (carta de uso e ocupação do solo). Para se determinar a ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 27 porcentagem de ocupação do solo, foram considerados todos os lotes construídos em relação ao número total de lotes, se o setor contava com espaços livres de edificação e se existia adensamento urbano, como a presença de grandes edifícios. Através do procedimento metodológico proposto; foram tabulados os dados de densidade de ocupação os quais deram origem à porcentagem de ocupação, que foi contabilizada pela divisão territorial dos bairros. Foi contabilizada também a porcentagem individual de ocupação para cada bairro, bem como o número total de lotes, número de lotes ocupados, número de lotes não ocupados, taxa de ocupação, classe de ocupação, número de quadras, número de quadras passíveis de ocupação, números de quadras destinadas a espaços livres de edificação, números de lotes destinados a espaços livres de edificação, taxa de lotes destinados a espaços livres de edificação e algumas características individuais de cada espaço livre de construção. Esses dados podem ser observados na planilha no anexo II. Após se chegar à porcentagem individual de cada bairro, houve a necessidade de se gerar classes de ocupação, a fim de facilitar a visualização dessas informações por parte do leitor. Tais classes foram: ocupação entre 0 a 20%; entre 20 a 40%; entre 40 a 60%; entre 60 a 80% e entre 80 a 100%. Assim, chegou-se à taxa de ocupação para a cidade de Jales, baseada em dados concretos, levantados em campo, sendo possível até mesmo atualizar a planta base da cidade, com relação ao desdobro de lotes. A finalidade desse procedimento foi o levantamento de indicadores ambientais que darão origem à carta de qualidade ambiental. O trabalho de campo para a confecção da carta de ausência de espaços livres de edificação e das áreas verdes foi realizado com o apoio de uma base cartográfica; e também se ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 28 levantou, no setor jurídico da Prefeitura, todos os espaços destinados a áreas institucionais, sistema de lazer, praças, parques, áreas não edificáveis, públicas e particulares. Posteriormente, foi realizado o trabalho de campo, quando foram mapeadas todas essas áreas e feito o registro fotográfico delas, com o intuito de se avaliar a qualidade de tais espaços. Essa avaliação foi feita mediante a aplicação de uma planilha de avaliação em cada área. Após o levantamento dos espaços livres de edificação, houve a necessidade de se classificar tais espaços, já que eles se apresentavam de forma genérica. Para tanto foi necessário um novo trabalho de campo estruturado de maneira que o pesquisador visitasse novamente todas as áreas destinadas a espaços livres de edificação, verificando que tipo de uso se fazia em tais áreas, bem como que tipo de cadastro existia para cada uma delas. Foi verificado que tipo de área, legalmente, estava definida no cadastro imobiliário urbano, bem como qual a situação real desta área, e se ela estava efetivamente ocupada ou não. Tal procedimento deu origem à carta de classificação dos espaços livres de edificação, bem como a carta de espaços livres de edificação com presença de vegetação. A carta de classificação dos espaços livres de edificação apresenta tipos de espaços livres que são: espaços destinados ao sistema de lazer, praças, áreas institucionais, áreas verdes, clubes particulares e áreas não edificáveis. A carta de espaços livres com presença de vegetação completa essa caracterização, indicando onde existe e onde não existe vegetação em cada espaço livre de construção. Para a realização da carta de densidade populacional se utilizou o Software ESTATCART, software de recuperação de informações, que utiliza como banco de dados o resultado no universo do Censo Demográfico de 2000, representando cartograficamente a densidade populacional por setor censitário. Para a carta dos pontos de poluição foram cruzadas ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 29 duas informações: a primeira, os dados coletados em campo e, a segunda, as informações disponíveis no cadastro imobiliário urbano. Foram coletadas no trabalho de campo as informações de localização de alguns usos que são potencialmente poluidores, quais sejam: oficinas mecânicas, funilarias e pintura, borracharias, postos de combustível, marmorarias, serralherias, torrefações, algodoeiras, transportadoras, depósitos em geral, e alguns usos industriais, além do aeroporto municipal e das principais vias de circulação da cidade. Tais dados, coletados em campo, foram cruzados com os dados cadastrais. Esse procedimento deu origem à carta de poluição para a cidade de Jales. As cartas de vegetação urbana, e a de ausência de vegetação foram geradas a partir de fotografia aérea, na escala 1:30000, e vôo levantado no ano 2000. Essa fotografia foi cruzada com a planta base da cidade, permitindo assim, se verificar em quais locais existe e em quais não existe vegetação. Dessa forma, o resultado foi o mais preciso possível, pois se partiu do dado concreto. A carta de enchente foi gerada a partir de pesquisas na Prefeitura Municipal, além de pesquisa em jornais locais, com a finalidade de identificar os pontos onde, historicamente, ocorreram problemas relativos às enchentes. As cartas originárias do cruzamento dos indicadores foram elaboradas com o objetivo de se chegar à carta síntese da qualidade ambiental da área. Foram cruzadas as cartas de uso e de ocupação do solo, de densidade populacional e pontos de poluição e de classificação dos espaços livres de edificação e espaços livres de edificação com presença de vegetação, além da carta de ausência de vegetação e pontos de enchentes. Foram realizadas também, as sobreposições que deram origem à carta de qualidade ambiental. Esta é, em última análise, a sobreposição dos indicadores ambientais eleitos, em que se procurou ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 30 apresentar aspectos que diminuem a qualidade ambiental da área em que ocorrem. Sabendo-se que os indicadores utilizados fazem referência a aspectos negativos e, incompatíveis com a qualidade ambiental considerada adequada, verificou-se que essa qualidade é inversamente proporcional ao número de indicadores presentes, ou seja, quanto maior o número de indicadores observados em uma determinada área, menor será sua qualidade ambiental. Segundo Nucci (1996), “Não há intenção de se aplicar valores quantitativos aos indicadores; logo, a carta de qualidade ambiental apresenta uma valoração qualitativa, que deve ser analisada de forma relativa.” Portanto, a área que apresentou o maior número de indicadores foi considerada de pior qualidade ambiental em relação à área que apresentou menor número. Além disso, todos os sete indicadores foram considerados como tendo o mesmo peso na capacidade de diminuir a qualidade ambiental, pois segundo o mesmo autor, “[...] a organização dos indicadores em ordem de importância para a diminuição da qualidade ambiental certamente seria diferente para cada pessoa. [...]” Não é necessário saber neste momento, se a enchente é mais prejudicial do que a ausência de áreas verdes, mas que qualquer um dos dois diminui a qualidade ambiental das áreas onde ocorrem. A partir da carta de qualidade ambiental urbana foram desenvolvidas propostas baseadas no reordenamento da paisagem e, principalmente, nos benefícios trazidos pela vegetação, visando gerar melhorias na qualidade do ambiente de Jales. Segundo Nucci (1996, p.73), vários limites de ordem prática aparecem no decorrer da pesquisa e, talvez, o primeiro e principal limite seja a escala que, em um trabalho de geografia física, voltado para o ordenamento ambiental, define praticamente todo o procedimento que o pesquisador irá desenvolver. Dois limites devem ser considerados na escolha da ‘Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Introdução 31 escala: o primeiro refere-se à definição da área de estudo que para esta pesquisa foi o perímetro urbano da cidade de Jales-SP; o segundo limite diz respeito ao nível de percepção pretendido; no caso, foi o da quadra, pois permite analisar os diversos usos do solo, espacializados por bairros ou zonas. Sendo assim, a escala escolhida para essa pesquisa foi de 1:25000, uma vez que permitiu uma adequada representação da área de estudo, bem como uma percepção física do meio. Entretanto, na realização dos trabalhos de campo foram utilizadas bases cartográficas em escalas muito maiores 1:2000, 1:3000 e 1:5000; porém, visando-se a viabilidade da representação gráfica, optou-se por diminuir as escalas, padronizando-as em 1:25000. Foi utilizado o software AutoCAD2 para a realização de diversos procedimentos na base cartográfica da cidade de Jales; o principal deles foi o de transformar as linhas do desenho em polígonos fechados, para que fosse possível seu preenchimento através de cores. O software CorelDRAW3 foi usado para sobrepor as cartas de indicadores, uma vez que esse software trabalha com sistema de camadas que foram úteis no processo de sobreposição das cartas, além do tratamento dado às cartas na melhoria de seu layout, uma vez que esse software oferece muitos recursos para a realização da arte final dos mapas. Também foi utilizado o software PHILCARTO4 para a produção de cartas mais específicas. 2 AutoCAD é Marca Registrada da Autodesk, Inc 3 CorelDRAW é Marca Registrada da Corel Corporation 4 Software Livre Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 CAPÍTULO 1 SÍTIO URBANO E QUALIDADE AMBIENTAL Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 32 Capítulo 1 Sítio Urbano e Qualidade Ambiental Segundo a metodologia utilizada nos estudos de planejamento da paisagem é possível alcançar melhoria na qualidade ambiental por meio da consideração dos indicadores ambientais nos processos de planejamento urbano. Fez-se necessário uma retomada do conceito de paisagem pois, no passado, segundo Bertrand (1971), a paisagem era um termo pouco usado e impreciso, e, por isso mesmo, cômodo, pois cada um a utilizava a seu bel prazer, na maior parte das vezes anexando um qualitativo de restrição que altera seu sentido, como em paisagem vegetal, paisagem antrópica, etc. Nesse sentido se justifica a preocupação com um maior rigor conceitual em relação ao conceito de paisagem. A seguir serão apresentados algumas definições para tal conceito. Para Santos: A paisagem é tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança é a paisagem. Essa pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas por volume, mas também, por cores, movimentos e odores, sons, etc.[...]. (SANTOS, 1996, p.62) Santos se opõe ao estudo da paisagem, pois entende que ela é constituída pela aparência. O autor entende que a ciência deve ultrapassar a aparência e chegar à essência dos fatos que, para ele, seria o espaço. Entretanto, não se entende a paisagem como simples aparência, como um mero resultado das relações sociais com o meio, mas sim, como a expressão dessa relação, onde as características ambientais de cada localidade a influenciam. Assim, chega-se à paisagem como elemento capaz de demonstrar aos pesquisadores as relações existentes entre a ação antrópica e as características ambientais de cada localidade. Não se defende uma postura positivista, em que se separa sociedade e natureza. Apenas entende-se que, no seu processo de “desenvolvimento”, o homem atua sobre uma determinada Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 33 localidade, atuação que influencia e é influenciada por determinadas características ambientais as quais por sua vez, são peculiares a essa localidade. Segundo Sorre, apud Santos (1996), o geógrafo deve utilizar o conceito de complexo geográfico local, cuja expressão concreta é a paisagem. Para Sorre, o verdadeiro dado geográfico é a paisagem. Dessa maneira, a paisagem, como um elemento; contém tudo o que é necessário ao trabalho científico, cabendo então, ao pesquisador, transformar esse dado em informação, e ultrapassar ou não, a aparência. Ressalta-se que cabe única e exclusivamente ao pesquisador ultrapassar a aparência da paisagem e compreender a sua essência. Segundo Monteiro, a paisagem pode ser definida como: [...] entidade espacialmente delimitada, segundo um nível de resolução do pesquisador, a partir dos objetivos centrais da análise, de qualquer modo, sempre resultando de interação dinâmica e, portanto, instável dos elementos de suporte, de forma e cobertura (físicos, biológicos, e antrópicos), expressa em partes delimitáveis infinitamente, mas individualizadas através das relações entre elas que organiza um todo complexo (sistema), verdadeiro conjunto solidário em perpétua mutação. (MONTEIRO, apud NUCCI, 1996, p.9, grifo do autor) O autor apresenta em sua definição uma vinculação com a Teoria Geral dos Sistemas. Entendendo a paisagem nessa perspectiva, observa-se que todas as partes de um sistema estão inter-relacionadas, e que as inter-relações entre as partes dos sistemas e entre estes podem ocorrer de maneira ordenada ou desordenada. Assim, tem-se que os elementos que compõem a paisagem estão relacionados entre si e que uma alteração em um deles tem reflexo sobre os outros. Partindo desses princípios, ao se analisar as paisagens urbanas nota-se que todas as atuações antrópicas sobre o meio têm reflexos em todo o sistema, reflexos que podem acontecer de maneira ordenada ou desordenada, logo, controláveis ou não. Essa perspectiva apresenta, de forma clara, a necessidade de estudos ambientais que precedam a atuação Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 34 antrópica sobre o meio, com a finalidade de compreender quais serão as respostas ambientais para tal atuação. Destaca-se a ampliação dessa necessidade quando se fala de meio urbano, tendo em vista que é nesse meio que se intensificam o uso e a ocupação do solo, bem como a atuação antrópica. Percebe-se na idéia acima uma nítida preocupação metodológica. A realização de estudos da paisagem deve sempre ser precedida de uma discussão sobre a escala; esta não pode ser definida aleatoriamente, mas, sim, partindo dos objetivos centrais de análises. Segundo Bertrand: A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, numa determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução[...]. (BERTRAND, 1971, P.2) Para Bertrand, muitas vezes o conceito de paisagem é confundido com o termo “meio”, embora este tenha uma definição que o distancia de paisagem. Para o autor, o conceito de paisagem foi quase que abandonado pela geografia moderna, uma vez que esta não tem desenvolvido estudos adequados sobre sua epistemologia, bem como sobre o desenvolvimento de metodologias que ultrapassem a compreensão obtida pela geografia física tradicional. Não é possível desenvolver estudos sobre a paisagem sem a descrição e as análises parciais; entretanto as análises parciais, bem como a descrição, devem ser ultrapassadas, para que se chegue assim, a estudos no quadro de uma geografia global e holística. Ressalta-se que a paisagem deve ser analisada de uma forma totalizadora, visando compreender todos os elementos que a compõem; entretanto, neste trabalho, destaca-se a paisagem urbana não de forma individualizada, mas sim, apenas por ser necessário um Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 35 recorte territorial e escalar, capaz de garantir o desenvolvimento da pesquisa. Para Bertrand, as paisagens fortemente humanizadas, especialmente as paisagens urbanas, criam problemas específicos e originais e determinam, para alguns de seus aspectos, métodos análogos de análise. Neste sentido, é que se destaca a presente pesquisa, uma vez que ela busca o aprofundamento e a construção de metodologia capazes de inserir nos processos de planejamento urbano os aspectos ambientais. “A inclusão dos aspectos ambientais no planejamento territorial vem sendo defendida há já algum tempo, embora de forma mais restrita às atividades de saneamento”. (MOTA, 1999, p.21). Desta maneira sugere-se uma discussão sobre os aspectos ambientais no sítio urbano, que propõe ir além das atividades de saneamento com a finalidade de fundamentar sua utilização nos processos de planejamento. A inserção dos aspectos ambientais nos processos de planejamento urbano baseia-se no entendimento de que, é possível gerar melhoria na qualidade de vida através da melhoria na qualidade ambiental; esta, por sua vez, é alcançada através da realização de processos de planejamento ambientalmente adequados, capazes de considerar de forma objetiva os aspectos do meio físico. Porém, alcançar esse planejamento ambientalmente adequado não é tarefa fácil. Embora muitos conceitos e idéias sobre a situação ambiental urbana como os conceitos de qualidade ambiental e qualidade de vida, vêm sendo disseminados na mídia, muitas vezes eles estão separados de seus reais significados e se transformam em discursos tautológicos e vazios. Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 36 Para se alcançar esse almejado planejamento urbano, que seja capaz de garantir uma adequada qualidade ambiental, é necessário que se concretizem, em sólidas bases três aspectos. O primeiro é a capacitação dos planejadores urbanos, de modo que sejam competentes para lidar com a problemática ambiental, inserir os aspectos ambientais nos processos de planejamento urbano, e considerá-los nas tomadas de decisões. O segundo, e talvez este seja o aspecto mais difícil a ser alcançado, é sensibilizar os gestores municipais, estaduais e federais a implantarem as decisões tomadas nos processos de planejamento. Diversos fatores comprovam esse fato. Serão considerados três deles; primeiramente, muitas vezes, a implantação das decisões e a realização das obras dependem de recursos financeiros que nem sempre estão disponíveis; segundo, em muitos casos, para se realizar uma gestão ambientalmente adequada é necessário impor restrições e proibições ao uso e à ocupação do solo; terceiro, geralmente a implantação dos primeiros fatores impõe restrições à atuação do próprio gestor, que pode ser financeira ou funcional, o que, via de regra, não agrada. O terceiro aspecto é sensibilizar a população de que as restrições e proibições de uso e de ocupação do solo são fatores primordiais para se garantir qualidade ambiental adequada e, conseqüentemente, assegurar boa qualidade de vida. Trata-se de buscar, na população, o principal parceiro para a atuação dos gestores, parceria que legitima essa atuação. A inserção dos aspectos ambientais no planejamento urbano implica na conservação dos recursos naturais que, pode ser feita através de duas formas: pelas limitações administrativas do uso do solo, ou pela desapropriação. Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 37 Segundo Meirelles5 (1997), apud Mota (1999), A preservação dos recursos naturais, assim entendidos todos os elementos da natureza que mantêm o equilíbrio ecológico e a vida em nosso planeta, é dever do estado e apóia-se no domínio eminente que ele exerce sobre todas as coisas que se encontram em seu território. Mas, como domínio eminente não é domínio patrimonial, o estado não tem o direito de propriedade sobre todos os bens do seu território, podendo apenas condicionar o uso da propriedade particular para cumprimento de sua função social ou retirá-la compulsoriamente de seu dono, por utilidade pública, ou interesse social, através de desapropriação, com justa e prévia indenização. Assim, a preservação dos recursos naturais se faz por dois modos: pelas limitações administrativas de uso, gerais e gratuitas, sem impedir a normal utilização econômica do bem, nem retirar a propriedade do particular, ou pela desapropriação individual e remunerada de determinado bem, transferindo-o para o domínio público e impedindo a sua destruição ou degradação. (MEIRELLES, apud MOTA, 1999, p. 267) Destaca-se a importância da preservação dos recursos naturais na realização de um planejamento urbano capaz de garantir uma qualidade ambiental adequada. As formas de atuação para garantir essa preservação baseiam-se em restrições totais ou parciais. As restrições totais só podem ser feitas mediante desapropriação e justa indenização, o que as tornam muitas vezes inviáveis por falta de recursos financeiros. As restrições parciais podem ser feitas gratuitamente, porém não aleatoriamente; elas devem fazer parte de um processo de planejamento, transformado em lei e implantado de acordo com os planos municipais de gestão territorial. Defende-se a segunda forma de atuação para a preservação dos recursos naturais: em primeiro lugar, essa é a forma mais adequada à realidade financeira dos municípios brasileiros. Em segundo lugar, porque a maioria dos problemas ambientais urbanos podem ser resolvidos através da regulamentação do uso e da ocupação do solo. E, em terceiro lugar, porque a desapropriação deve 5 MEIRELES, H. L. Direito Municipal Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 38 ser utilizada apenas como último recurso, exclusivamente quando as outras medidas não são capazes para solucionar o problema. A atuação do estado para garantir a conservação dos recursos naturais pode se dar em três níveis, o federal, o estadual e o municipal; porém, é neste último que a atuação ocorre de forma mais intensa. Segundo a Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 23, “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, inciso VI, “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”. Porém, completa no artigo 30 “Compete aos Municípios”, inciso VIII, “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Após estas considerações, serão aprofundadas as análises sobre os indicadores ambientais urbanos escolhidos para o desenvolvimento dessa pesquisa. 1.1. Os Indicadores Ambientais Deve-se ter claro que os indicadores ambientais utilizados são característicos de cada área a ser estudada; logo, a definição de quais serão os indicadores a serem considerados depende de quais são os problemas presentes em cada área. Tal definição pode ser alcançada mediante análises através de fotografias aéreas, imagens de satélites ou trabalhos de campo. Na presente pesquisa, a definição dos indicadores a serem utilizados foi feita a partir de trabalhos de campo. Os indicadores ambientais utilizados para a elaboração desta pesquisa serão o uso e a ocupação do solo, as enchentes, o déficit de espaços livres de edificação, a ausência de áreas verdes, a densidade populacional e os pontos de poluição da cidade de Jales- SP. Discutir-se-á agora os alguns deles. 1.1.1. Uso e a Ocupação do solo Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 39 A definição do uso e da ocupação do solo é responsabilidade do poder público municipal, uma vez que é o responsável pelo gerenciamento do território; isso deve ser feito atendendo as necessidades da população, não devendo o poder público utilizar esses processos como moeda de troca, ou permitir que se atendam interesses particulares. O objetivo da prefeitura, ao elaborar leis de uso e ocupação do solo, deve ser democratizar o acesso à terra e à qualidade de vida. A legislação de uso e ocupação do solo é fundamental para a vida urbana, por normatizar as construções e definir o que pode ser feito em cada terreno particular, isso interfere na forma da cidade e também em sua economia. Mas, em geral, trata-se de um conjunto de dispositivos de difícil entendimento e aplicação, e as leis não são muito acessíveis aos cidadãos por seu excesso de detalhes e termos técnicos. O grande nível de detalhe dificulta também a fiscalização que se torna praticamente impossível de ser realizada, deixando a maioria da cidade em situação irregular. Além disso, raramente fica explicitado seu impacto econômico na distribuição de oportunidades imobiliárias. Em muitos municípios, a legislação de uso e ocupação do solo é uma “caixa preta”, que poucos conhecem profundamente e que, em não raros casos, é usada para atender interesses particulares. Por má fé, desconhecimento ou causísmo, vai sendo alterada sem nenhuma preocupação com a totalidade. O resultado é uma legislação cada vez mais complexa e abstrata, que acentua as desigualdades existentes na cidade. Um governo comprometido com a promoção da cidadania e da qualidade de vida não pode se permitir conviver com uma legislação de uso e ocupação do solo nessas condições, sob pena de ver crescerem as desigualdades sociais enquanto o capital imobiliário se apropria dos destinos da cidade. ( VAZ, 1996, grifos do autor) O uso e a ocupação do solo urbano são talvez os principais definidores da qualidade ambiental. Regulamentar e direcionar essa ocupação é função do poder público, que o faz mediante o plano diretor, o zoneamento urbano e da lei de uso e ocupação do solo. Vaz (1996), se coloca claramente contrário à forma com que a lei de uso e de ocupação do solo é tradicionalmente pensada e implantada no Brasil. Um problema grave é o grande número de mudanças, que geralmente é feito no corpo da lei para, Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 40 muitas vezes, atenderem a interesses particulares, o que pode ser observado em muitos municípios brasileiros. O zoneamento tem impacto direto sobre o mercado imobiliário. A adoção de um zoneamento rígido leva à criação de monopólios fundiários [...]. Com todo esse impacto sobre o mercado imobiliário, e o fato de a legislação ser detalhista e tecnicista, praticamente incompreensível para os não- iniciados, é muito fácil que a lei de zoneamento se transforme em moeda de troca. Empreendedores imobiliários, interessados na mudança de classificação de uma determinada área, chegam a pagar muitos milhares de reais para que ela seja efetivada. (VAZ, 1996) As mudanças no zoneamento deveriam ser sempre acompanhadas de estudos técnicos, bem como de audiências públicas, para se obter melhor transparência nos reais motivos dessas mudanças. Não se defende um zoneamento estático; pelo contrário, a dinâmica do zoneamento, assim como a do planejamento é um fator determinante do sucesso ou insucesso do plano diretor. Porém, ressalta-se que na concepção tradicional do zoneamento, ele muitas vezes foi utilizado para defender interesses particulares através de mudanças de classificação de suas zonas, fato que o torna um instrumento genérico e ineficaz. Nessa abordagem tradicional, via de regra, o poder público municipal não dá a devida importância à regulamentação do uso e da ocupação do solo. Isso ocorre devido a diversos fatores mas, principalmente, à falta de recursos e de pessoal para a fiscalização. Outro problema registrado em grande número de cidades brasileiras é a regulamentação seletiva, ou seja, a população de melhor condição social tende a se concentrar em áreas nobres, normalmente áreas onde o tamanho do lote, o preço da terra e o potencial de adensamento inviabilizam moradias de baixo custo. Geralmente o poder público dá grande ênfase à regulamentação da ocupação dessas áreas, mantendo-as em condições que permitem uma boa qualidade ambiental. Entretanto, as áreas mais pobres, comumente concentradas nas periferias das cidades, são áreas onde Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 41 a legislação é menos restritiva, ao permitir lotes menores e maior adensamento. Há um descaso por parte do poder público com relação a essas áreas, o que faz com que as condições financeiras de seus moradores, associadas à falta de fiscalização, as tornem áreas onde o padrão das edificações não cumpre as mínimas exigências da legislação, o que, freqüentemente, gera uma queda na qualidade ambiental e, como conseqüência na qualidade de vida. Segundo o mesmo autor: A existência desses problemas não significa que seja melhor não dispor de legislação urbanística. Sem nenhuma regulamentação, a competição livre das formas de ocupação simplesmente estimula a proliferação das mais lucrativas, com graves prejuízos para a qualidade de vida e reduz as oportunidades de acesso à terra e à cidade. (VAZ, 1996). Todos esses problemas provocam mudanças no modo de pensar o uso e a ocupação do solo, surgindo novas abordagens capazes de superar as tradicionais limitações de regulamentação do uso e da ocupação. Outras formas de atuação vêm contribuindo com esse novo enfoque sobre a regulamentação do uso e da ocupação do solo, relatando-se o advento do uso misto, que vem se contrapor à concepção funcional e fragmentada da cidade. Trata-se de uma flexibilização dos critérios relativos ao uso, permitindo-se uma mistura de usos na mesma área, gerando novas centralidades e subcentralidades, desde que não exista uma incompatibilidade entre esses usos, o que evita a monotonia. Outro aspecto referente a nova abordagem sobre o uso do solo é a simplificação da legislação, criando instrumentos mais simples e eficazes, capazes de abarcar todas as especificações técnicas, sem deixar, porém, de ser compreensíveis a qualquer cidadão. E, por último, deve-se acrescentar os mecanismos de apropriação social dos benefícios da urbanização, também idealizados através dessa nova abordagem sobre o uso e a ocupação do solo. Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 42 Este instrumento procura inserir mecanismos que preservem os direitos coletivos e o bem comum da cidade, fazendo com que o empreendedor seja responsável pelos impactos gerados pelo empreendimento. Pode-se citar, como exemplo, a cobrança pelo direito de construir, áreas passíveis ou não de adensamento e solo criado, dentre outros. Segundo Mota: Uma lei de uso do solo elaborada visando à conservação ambiental deve definir o zoneamento da cidade considerando as características do ambiente natural, de forma a proteger áreas, tais como: recursos hídricos e suas planícies de inundações, encostas, ecossistemas costeiros, áreas de recargas de aqüíferos, áreas de amortecimentos de cheias, terrenos susceptíveis à erosão, locais com vegetação natural ou com valor paisagístico, áreas de importância histórico- cultural, entre outras. (MOTA, 1999, p.283) Segundo o mesmo autor, para se conseguir formular uma lei de uso e de ocupação do solo ambientalmente adequada e que abarque todos os fatores citados acima, é necessário considerar os seguintes aspectos: � As compatibilidades dos usos; � As características do meio; sua importância do ponto de vista ecológico, paisagístico ou histórico–cultural; � A topografia do terreno; � Áreas a preservar ou de uso restrito; � A qualidade ambiental existente; capacidade do meio de receber novas cargas poluidoras; � Os usos poluidores em relação aos demais usos; � A capacidade do meio de dispersar e depurar poluentes; � A infra-estrutura sanitária existente ou projetada; � As condições do solo para usos de soluções individuais de saneamento (poços e fossas): nível do aqüífero; capacidade de absorção do solo; Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 43 � A qualidade ambiental desejável; padrões de qualidade já definidos ou propostos, enquadramento proposto para os recursos hídricos; � As relações entre características ambientais e os aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos. Os critérios citados acima devem formar, juntamente com os critérios já existentes, um padrão de análise e de definição dos usos e dos níveis de ocupação das zonas. Assim, o que se propõe é a inserção, nos critérios atuais de definição do uso e da ocupação do solo, de critérios capazes de considerar, objetivamente, os indicadores ambientais. Essa nova abordagem sobre o uso e a ocupação do solo está inserida no processo de planejamento urbano, que não se restringe a pensar a estrutura urbana, mas também, a definir os padrões de ocupação e os tipos de uso permitidos; entretanto, como é típico no Brasil, a relação entre o planejamento e a gestão é mínima, quando não, inexistente. Porém, para se garantir uma qualidade ambiental adequada, é vital que haja políticas eficazes de gestão do uso e da ocupação do solo. É através dessa regulamentação que podem ser evitados diversos problemas ambientais, tais como deslizamentos, enchentes, escassez dos recursos hídricos, além da concentração fundiária urbana. A lei de uso e de ocupação do solo deve ser divulgada em uma linguagem acessível a toda a população, pois muitas vezes as irregularidades acontecem por falta de conhecimento do cidadão. Uma campanha de sensibilização também pode render bons frutos, na medida em que apresenta ao cidadão os impactos a médio e longo prazo do descumprimento de tal lei. Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 44 1.1.2. Relevo e as Enchentes Neste tópico, optou-se pela união das discussões acerca do relevo e das enchentes por estarem estreitamente relacionadas. As enchentes também são influenciadas pelos padrões de uso e de ocupação do solo e pela presença de espaços livres de edificação; mas, para fins didáticos, serão apresentadas as enchentes, juntamente com as discussões acerca do relevo. Em vista de um aprofundamento teórico do tema em questão, fazem-se necessárias algumas considerações a respeito da natureza e suas relações com a sociedade. A concepção positivista da ciência considera que a natureza existe separadamente da sociedade, externa às atividades humanas. Segundo Casseti, a concepção positivista da natureza é dada dualisticamente, contraditoriamente, por um dos três principais caminhos: No primeiro, a “natureza” é estudada exclusivamente pela ciência natural, enquanto a ciência social preocupa-se exclusivamente com a sociedade, a qual não tem nada a ver com a natureza. No segundo, a “natureza” da ciência natural é supostamente independente das atividades humanas, enquanto a “natureza” da ciência social é vista como criada socialmente. Portanto, permanece uma contradição da natureza real, que incorpora a separação entre o humano e o não humano. E a terceira contradição dispersa a natureza humana dentro da natureza externa [...]. Na prática, observa-se que a natureza humana demonstra o seu domínio sobre as “leis da natureza” no processo de apropriação. (CASSETI, 1991, p.11, grifos do autor) Essa concepção foi questionada por diversos autores vinculados ao materialismo histórico. Segundo Marx, é através da transformação da primeira natureza em segunda natureza que o homem produz, através do trabalho, os recursos indispensáveis a sua existência, momento em que se naturaliza – naturalização da sociedade – apropriando-se dos recursos da natureza, ao mesmo tempo em que socializa a natureza – alteração da primeira natureza. Segundo o materialismo histórico, ocorre um processo onde há uma interação e integração entre o homem e a natureza Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 45 através do trabalho; o homem se apropria da natureza para produzir e se reproduzir. Essa apropriação, por sua vez, modifica a natureza e se dá através da técnica, que é intrínseca ao modo de produção vigente. A concepção positivista compreende a natureza e a sociedade separadamente, o que gera visões parciais, tanto da natureza quanto da sociedade. Teoricamente, essa compreensão vem sendo questionada por outras perspectivas como o materialismo histórico, a fenomenologia, a perspectiva sistêmica, etc. Entretanto, algumas áreas do conhecimento científico ainda praticam essa concepção dualística da natureza, fato que pode ser observado quando a sociedade desconsidera as características ambientais na sua intervenção sobre o espaço. Parte-se da hipótese que a sociedade produz e se reproduz no espaço, o que é ponto pacífico. Porém ao fazê-lo, ela desconsidera as características ambientais, negando assim a natureza, o que gera inúmeros impactos. A concepção vigente é a terceira colocada por Casseti (1991, p.11), “a natureza humana demonstra seu domínio sobre as leis da natureza no processo de apropriação”. Segundo Casseti (1991, p.20), “a forma de apropriação e transformação da natureza responde pela existência dos problemas ambientais [...]”. Isso ocorre porque a forma com que a sociedade se apropria da natureza desconsidera a capacidade natural de suporte, que segundo Cavalheiro apud Nucci (1998, p.211), pode ser entendida como a retirada do máximo que a “natureza pode oferecer no tocante a auto-regulação para então estudar quais devem ser as tecnologias mais compatíveis a serem utilizadas”. Pensar o planejamento através do pressuposto acima requer, obrigatoriamente, considerar as características do meio físico em qualquer intervenção. Dessa forma, acredita-se na capacidade de evitar ou, pelo menos, minorar impactos ambientais. Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 46 Entende-se que, para superar esse problema, os processos de planejamento devem, obrigatoriamente, considerar os indicadores do meio físico e, dentre eles, o relevo. Porém, o relevo não pode ser considerado separado da sociedade. A definição de geomorfologia apresentada por Casseti sinaliza a preocupação de se entender as formas e os processos do relevo sempre vinculados as suas relações com a sociedade. Casseti (1991) define geomorfologia como: Uma ciência que busca explicar dinamicamente as transformações do geo-relevo, portanto não apenas quanto à morfologia (forma) como também à fisiologia (função) incorporando organicamente o movimento histórico das sociedades. (CASSETI, 1991, p.36, grifos do autor) Essa concepção da geomorfologia, vinculada à geomorfologia alemã, tem procurado desenvolver estudos integrados da paisagem, o que torna possível a articulação entre natureza e sociedade. Schmithüsen apud Casseti (1991, p.46), reafirma essa postura relatando que “se queremos compreender a ação do homem não devemos separar a sociedade do meio ambiente que a rodeia”. O planejamento da paisagem vem contribuir com a necessidade de integração entre a natureza e a sociedade, uma vez que traz instrumentos de análises e atuação capazes de gerar tal integração. Pretende-se evidenciar a prática dualista da atuação do homem sobre o espaço urbano, e refletir sobre os impactos gerados através dessa atuação, sendo que as características do meio físico, especialmente o relevo, são desconsideradas nos processos de urbanização e de planejamento, o que representa como um erro grave. Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 47 1.1.2.1. A Apropriação do Relevo Segundo Casseti: [...] tudo começa a partir da necessidade de ocupar determinada área que se evidencia pelo relevo [...] Assim, a ocupação de uma parcela do relevo, seja como suporte ou mesmo como recurso, conseqüentemente responde por transformações no estado primitivo, envolvendo desmatamentos, cortes e demais atividades que provocam as alterações da exploração biológica e se refletem diretamente no potencial ecológico. (CASSETI, 1991, p.33) Não se pode perder de vista que essa ocupação ocorre dentro da lógica de produção capitalista, em que o relevo não é mais apenas o suporte – não se refere à separação entre sociedade e natureza, mas é entendido como base física para a realização da vida, implicando em todas as relações natureza-sociedade – ele se torna, assim, uma mercadoria, que é comprada e vendida dentro da lógica capitalista. A concepção do relevo como mercadoria implica na especulação ou na exploração intensa, uma vez que, quando se adquire uma parcela do relevo e institui-se a propriedade privada da terra, principalmente, se a intenção for lotear, a tendência é a intensificação do uso do solo, buscando-se a maior margem de lucro possível. Esse processo ocorre sem considerar a capacidade natural de suporte, o que refletirá em futuros impactos ambientais. Dentro da lógica capitalista, o relevo, como mercadoria, será comercializado de acordo com seu valor; logo, as áreas de melhores condições físicas e locacionais são sempre oferecidas às classes sociais que têm maior poder de compra. As classes sociais menos favorecidas serão marginalizadas e obrigadas a se instalarem em áreas de menor valor, com condições desfavoráveis, geralmente fundos de vale ou vertentes com fortes declives. Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 48 Segundo Casseti: Portanto, a vertente como tal, pode se constituir, como nos centros urbanos, em suporte para a implantação de usos desaconselháveis, tanto por aqueles que detêm o capital e ambicionam acumular riquezas, como por aqueles que não têm nenhum recurso e forçosamente se obrigam a ocupar determinados espaços considerados clandestinos. (CASSETI, 1991, p.88) Percebe-se então, que o relevo é ocupado tanto pelas classes sociais de maior poder aquisitivo como pelas classes menos favorecidas, geralmente de forma inadequada. Entretanto, os reflexos dessa ocupação inadequada afetam principalmente as classes sociais menos favorecidas, que habitam as áreas de risco e sofrem com as enchentes, decorrentes da impermeabilização do solo e do assoreamento dos rios e com os deslizamentos. Não se deve entender esse processo pela concepção malthusiana, em que se culpa a vítima, mas sim, por um processo de apropriação desigual do relevo, quando a população desprovida de recursos é forçosamente obrigada a ocupar as áreas de risco. Mesmo quando as classes sociais de maior poder aquisitivo ocupam áreas de riscos, os grandes loteadores as transformam em verdadeiros espaços aprazíveis, através de obras de engenharia como aterros e retificações; entretanto, essas obras deixam de se ater à implicações futuras das alterações feitas, como processos erosivos e de assoreamento. Essas modificações realizadas sem as devidas preocupações com as condições do meio físico, são explicadas pela concepção positivista da natureza, que ainda persiste na mentalidade capitalista, em que a natureza, mais especificamente o relevo, pode ser apropriado e explorado de forma intensa. Isso ocorre porque, segundo essa concepção, as necessidades do homem estão acima das condições naturais. Outra implicação gerada pela concepção positivista da natureza é a compreensão dos “azares naturais” como deslizamentos Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 49 de terra e enchentes, que são entendidos como “atos de Deus” como características naturais que não dependem da atuação do homem, o que é extremamente lógico, pois se compreende a natureza como externa ao homem e à sociedade. Nessa lógica, as conseqüências do uso inadequado do solo podem ser entendidas também como eventos extremos; logo, não têm absolutamente nenhuma relação com a atuação do homem. Esses eventos que afetam uma população vulnerável, são considerados fatalidade, acaso, ou destino. Percebe-se que a perspectiva positivista, ao desvincular a natureza da sociedade não consegue compreender que todas as ações sociais sobre o relevo implicam em uma reação de ajuste. Essa perspectiva se torna bastante negativa quando vinculada ao planejamento urbano; ela implica na desconsideração das características do meio e da capacidade natural de suporte na intervenção do homem sobre o relevo. As implicações negativas ocorrem tanto no meio urbano quanto no meio rural; entretanto, no meio urbano essas implicações aumentam à medida que se intensifica o uso do solo. Conclui-se que a compreensão da natureza, na perspectiva positivista, já questionada teoricamente, deve ser questionada também praticamente, tanto nos usos rurais quanto urbanos, tendo em vista as conseqüências dessa compreensão, as quais são intensificadas no meio urbano, na medida em que se amplia o uso do solo, bem como pela apropriação desigual do relevo. 1.1.2.2. A Degradação Ambiental A fim de aprofundar a discussão sobre a importância da inserção das características do meio físico no planejamento urbano, faz-se necessário um levantamento da degradação ambiental, bem como de suas causas e conseqüências. O estudo da degradação ambiental, segundo Cunha e Guerra: Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 50 [...] não deve ser realizado apenas sobre o ponto de vista físico. Na realidade, para que o problema possa ser entendido de forma global, integrada, holística, deve-se levar em conta as relações existentes entre a degradação ambiental e a sociedade causadora dessa degradação que, ao mesmo tempo, sofre os efeitos e procura resolver, recuperar, reconstituir áreas degradadas. (CUNHA e GUERRA, 2000, p.337). Frequentemente, a degradação ambiental é considerada como conseqüência do aumento populacional. É aceitável que a pressão demográfica pode ser uma das causas da degradação; entretanto, ela não é a única, tampouco a mais importante. Uma área de elevada pressão demográfica pode sofrer menos com a degradação se considerar as características naturais do que uma área de baixa pressão demográfica que não considera tais características. Segundo Guerra e Cunha (2000, p.345), “o manejo inadequado do solo, tanto em áreas rurais como em áreas urbanas, é a principal causa da degradação”. As próprias condições naturais podem desencadear processos de degradação ambiental; contudo quando isso ocorre associado ao manejo inadequado do solo e à ocupação desordenada, as conseqüências, como prejuízos econômicos e perdas humanas podem ser agravadas. O meio ambiente urbano, por caracterizar-se pela intensificação do uso do solo, sofre com maior amplitude a degradação ambiental bem como suas conseqüências. Nesse sentido, a atenção dada aos problemas ambientais deve ser intensificada. A consideração das características do meio nos processos de planejamento, alcançada através do planejamento da paisagem, oferece subsídios para a compreensão dos problemas ambientais, bem como aponta caminhos para a resolução dessas questões. 1.1.2.3. A Gênese dos Impactos Ambientais Como já dito anteriormente, a degradação ambiental pode ser gerada pelas características naturais; porém, é no manejo inadequado do solo que se encontram as principais causas dos Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 51 impactos ambientais. Ao se associar o manejo inadequado do solo à intensificação do seu uso, fato que ocorre freqüentemente nos ambientes urbanos, têm-se as condições necessárias à geração dos impactos ambientais negativos. Os impactos ambientais não podem ser compreendidos pela lógica positivista, uma vez que esta entende tais impactos separadamente da atuação antrópica, o que gera uma visão parcial do problema. Alguns processos podem ocorrer na natureza sem a presença do homem, como a solifluxão6; entretanto, é a forma de atuação antrópica que intensifica tais processos, gerando os impactos. Partindo desses pressupostos serão enfatizados os principais impactos ambientais no meio urbano, bem como suas causas e conseqüências. Para compreender os impactos ambientais de forma global é necessário entender que, na natureza, existem inter-relações entre os fenômenos e os compartimentos do relevo, por exemplo, alterações nas encostas podem afetar os fundos de vale. Essa concepção deve ser clara para quem pratica o planejamento urbano. Segundo Guerra e Cunha (2000, p.361), a dinâmica inter-relação que existe entre as encostas e os vales fluviais, permite constantes trocas de causas e efeitos entre esses elementos. Assim, mudanças no uso do solo nas encostas influenciam processos erosivos que poderão promover alteração da dinâmica fluvial. Por exemplo, o desmatamento ou a urbanização das encostas reduz a capacidade de infiltração, e aumenta o escoamento superficial, promovendo a erosão hídrica nas encostas, o que fornece maior volume de sedimentos para a calha dos rios, aumenta o assoreamento, gerando enchentes na planície de inundação, que na 6 Movimento de escorregamento lento de terrenos, fenômeno freqüente, sobretudo em terrenos argilosos, que pode movimentar massas enormes de rochas e originar acidentes desastrosos, provocado, em geral, pela entrada de água nos terrenos argilosos, que se tornam excessivamente plásticos e tendem a deslocar- se, pela ação da gravidade, para lugares mais baixos. Qualidade Ambiental e Planejamento da Paisagem na Cidade de Jales-SP. Capítulo 1 52 maioria das vezes se encontra inadequadamente ocupada por população de baixa renda. As enchentes são ocorrências naturais que existem independentemente da atuação antrópica. Trata-se de um fenômeno natural que, em muitos casos, é responsável por manter o equilíbrio de um sistema ou ecossistema. Pode-se citar as enchentes no pantanal brasileiro como um fenômeno que mantém a fertilidade do solo, garantindo-lhe características únicas, que tornam o local atrativo a diversas atividades. O berço da civilização, a Mesopotâmia7 - região entre os rios Tigre e Eufrates no Oriente Médio, onde atualmente se localiza o Iraque – só o foi devido, além da disponibilidade de água, às enchentes que fertilizavam as planícies de inundações tornando-as extremamente adequadas à agricultura. Entende-se que os impactos gerados pelas enchentes não estão relacionados à simples existência do fenômeno, mas devido ao fato de o homem sobrepôr suas necessidades às características ambientais e, ao fazê-lo, desconsidera a ocorrência de tais fenômenos, bem como suas características, o que acaba por intensificá-los e torná-los prejudiciais à vida humana. No processo de urbanização, o homem desconsidera as características ambientais ao ocupar os topos, ao impermeabilizar a vertente e ocupar as planícies de inundações, ao canalizar e retificar os rios e córregos, mas, principalmente, ao intensificar o uso do solo, geralmente acompanhado de um manejo inadequado. Primeiramente, deve-se compreender que as enchentes, no meio urbano, caracterizadas como impactos, ocorrem 7 A palavra mesopotâmia tem origem grega e significa "terra entre rios". Essa região localiza-se entre os rios Tigre e Eufrates no Oriente Médio, onde atualmente se localiza o Iraque. Vários povos habitaram essa região entre os